Nascido em Tóquio em 1879, recebeu o nome de Nagai Sokichi. Tornou-se célebre com seu nome literário, Kafu. Desde a adolescência interessou-se por literatura e cultura tradicional japonesa e chinesa, e aos dezenove já escrevia seus primeiros contos, publicados a partir de 1900. Em 1903 viaja aos Estados Unidos. Em Nova Iorque, trabalha em um banco japonês. Esse período inspirou o livro Amerika Mono gatari [Histórias americanas], de 1908. Em 1907, muda-se para Lyon, na França, onde teve contato intenso com a literatura daquele país. Ao retornar ao Japão, em 1908, é um homem de letras maduro e cosmopolita.
Tradução de Dirce Miyamura
O profundo interesse que demonstra pelo mundo das gueixas e prostitutas está sempre refletido em seu trabalho. Autor de romances, contos e peças de teatro, manteve intensa produção até sua morte, em 1959. Crônica da estação das chuvas é a primeira de uma série de obras de Kafu que esta casa planeja editar.
ISBN 978-85-7448-142-5
N agai K afu
no chão, do mesmo jeito que o tirou na noite anterior, e seu obi jogado, formando um emaranhado sobre o tatame. Depois que o bailarino Kimura a deixou, o importador de carros Yata tinha vindo para o quarto de quatro tatames e meio nos fundos do pavimento superior. Ele partira pela manhã, deixando a janela aberta para ela. Do teto pendia a lâmpada ainda acesa que, como na noite que passara, projetava a sombra do arranjo floral contra a parede do toko-no-ma.
Crônica da estação das chuvas
Olhou o quarto à sua volta, viu seu quimono
N agai K afu
Crônica da
estação das chuvas
Crônica da estação das chuvas, obra do escritor japonês Nagai Kafu escrita em 1931, trata da vida noturna da cidade de Tóquio do início do século XX. Descortina as relações obscuras estabelecidas no agitado bairro de Ginza. O amor e o interesse, o adultério e o mundo das gueixas e prostitutas são os pilares sobre os quais se sustenta a narrativa ácida de Kafu. A prostituta Kimie, personagem central, ao ler em uma revista de má fama um artigo que expunha sua intimidade, começa a estranhar a série de reveses e acontecimentos incomuns que, coincidentemente ou não, passam a perturbá-la. Decide procurar um vidente, numa derradeira tentativa de descobrir a causa dos infortúnios. A partir daí, encadeia-se a trama e é dada ao leitor a possibilidade de desenovelar lentamente a narrativa e compreender o tecido dramático que se forma ao redor da veleidade da protagonista. O autor aplica as cores fortes de sua prosa sobre a tela delicada da estação das chuvas; contrastando com a suavidade da brisa e da garoa que umedecem cada página, desfilam ao rés do texto a ambição, o ódio, a vingança de personagens transtornados e enlameados pelo modo de vida torpe do submundo. A obra constitui um precioso panorama de uma Tóquio quase inteiramente extinta, aquela onde se misturavam prazeres pagos, teatro kabuki e nô, becos soturnos e vielas enlameadas, e cuja pujante alegria de viver seria em breve abafada pelos anos de intolerância e guerra.
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Crônica da estação das chuvas
tradução
Dirce Miyamura
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Título original: Tsuyu no atosaki Copyright © Herdeiros de Nagai Kafu, 1931 © Editora Estação Liberdade, 2008, para esta tradução Preparação e revisão Tomoe Moroizumi e Leandro Rodrigues Composição Johannes Christian Bergmann / Estação Liberdade Ideogramas à p. 7 Hideo Hatanaka, título da obra em japonês Capa Cena de “Genji monogatari”, jogo de bola kemari, c. 1539-1610. Pintura sobre biombo (detalhe). Nanquim e folha de ouro sobre papel. Editores Angel Bojadsen e Edilberto F. Verza
CIP-BRASIL – CATALOGAÇÃO NA FONTE Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ N138c Nagai, Kafu, 1879-1959 Crônica da estação das chuvas/ Nagai Kafu; tradução do japonês Dirce Miyamura. – São Paulo : Estação Liberdade, 2008 160 p. Tradução de: Tsuyu no atosaki ISBN 978-85-7448-142-5 1. Romance japonês. I. Miyamura, Dirce K. . II. Título. 08-2228.
CDD 895.63 CDU 821.521-3
Todos os direitos reservados à Editora Estação Liberdade Ltda. Rua Dona Elisa, 116 | 01155-030 | São Paulo-SP Tel.: (11) 3661 2881 | Fax: (11) 3825 4239 www.estacaoliberdade.com.br
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UM
Naquele dia, Kimie só começaria seu turno de trabalho como garçonete num café de Ginza às três da tarde. Assim, depois de sair de seu apartamento alugado em Hon’mora-cho, no bairro de Ichigaya, caminhou sem pressa ao longo do fosso do Castelo Imperial. Subiu numa lotação na altura do posto de guarda da entrada do castelo e desceu em Hibiya. Quase em frente à grade de proteção da linha férrea, virou e entrou numa viela secundária ladeada por letreiros de modestos bares e restaurantes que mais lembrava uma rua da periferia suburbana e dirigiu-se a um escritório alugado, cuja janela de vidro ostentava em letras brilhantes a identificação Leitura da Sorte tartaruga dourada. Desde o final do ano anterior, Kimie vinha tendo uma série de experiências perturbadoras. Uma vez, quando estava voltando de uma peça kabuki com duas ou três colegas garçonetes, teve a manga de seu quimono cortada. Foi um rasgo tão profundo que atravessou o haori1 de Ôshima que fazia conjunto com o quimono até sua camada mais íntima. Depois foi a vez do ornamento de cabelo, um genuíno 1. Haori: jaqueta de seda usada para proteger o quimono. [N.T.]
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pente de tartaruga incrustado de pérolas, arrancado de seu penteado sem que ela percebesse. Não teria dado importância se suspeitasse que fosse coisa de um ladrão qualquer. O que lhe deu a sensação de que poderia ser obra de alguém com vontade de prejudicá-la foi o fato de logo em seguida um filhote morto de gato ter sido jogado dentro do guardaroupa do quarto alugado onde morava. Por mais que o estilo de vida de Kimie naqueles últimos anos pudesse ser considerado lascivo e imprudente, ela não se lembrava de ter feito nada ruim a ponto de provocar ódio. No início só achou tudo um pouco estranho e não deu muita atenção. Contudo, um pequeno tablóide de segunda categoria chamado Jornal do Pedaço, especializado em fofocas sobre a vida de mulheres que trabalham nos bares e cafés das redondezas de Ginza, publicou um fato que Kimie até então supunha não ser do conhecimento de ninguém. Isso a perturbou de tal maneira que, seguindo conselhos de amigos, resolveu consultar um vidente profissional. O artigo publicado no Jornal do Pedaço não era de caráter maledicente ou difamatório. Era, na verdade, totalmente inofensivo e até elogioso à figura de Kimie. Dizia que desde criança ela tinha uma pinta na parte interna da coxa. Acreditava-se que, na idade adulta, a pessoa que possuísse esse sinal cairia na vida mundana. E de fato, depois que Kimie se tornou garçonete o número de pintas aumentou, sem que percebesse, para três. O artigo continuava comentando que aquilo, no íntimo, deixava Kimie dividida entre a excitação e o receio, pois as pintas indicavam que ela poderia encontrar três patrões no futuro. Ao ler o artigo, Kimie ficou perturbada e com uma sensação extremamente desagradável.
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É verdade que ao lado da pinta no lado interno da coxa esquerda surgiram mais duas sem que ela percebesse. Era a absoluta verdade. A primeira vez que Kimie as percebeu foi quando passou a trabalhar em Ginza depois de ficar um tempo num café às margens do lago em Ueno, onde começara sua profissão como garçonete na primavera anterior. Só havia duas pessoas que conheciam essas pintas. Uma era o velho senhor Matsuzaki, um elegante cavalheiro com quem vinha se relacionando antes mesmo de começar suas atividades como garçonete. A outra era um comentado escritor chamado Kiyooka Susumu, que ela conhecera quando trabalhava no café em Ueno. Em função do local onde as pintas surgiram, nem seus familiares mais próximos poderiam saber delas. Nem mesmo o balconista da casa de banhos poderia ver até ali. Não que a existência das pintas incomodasse Kimie, mas o que a intrigava era como um repórter de jornal ficara sabendo de algo que nem o balconista da casa de banhos teria percebido? Somando-se a este mistério, os suspeitos e sucessivos eventos que aconteciam desde o ano anterior fizeram Kimie sentir um súbito temor do que mais poderia ocorrer. Embora nunca houvesse tido afeição por religião, muito menos acreditasse em graça divina, sentiu uma necessidade urgente de consultar a sorte. O vidente, um homem de aspecto moderno na casa dos quarenta, havia montado seu consultório no aposento único de um prédio de apartamentos. Usando um terno ocidental, óculos redondos de tartaruga, com a barba bem aparada e atendendo seus clientes recostado atrás de sua escrivaninha, à primeira vista poderia ser confundido com um médico ou advogado. Por cima da janela de onde se via
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o agitado ir e vir dos bondes da rede pública, havia um quadro com a inscrição ConSuLtório de adivinhação heihaChiro. Nas paredes estavam afixados mapas do Japão e do mundo e, no móvel ao lado da escrivaninha, estantes de livros com vários volumes estrangeiros, bem como publicações japonesas encadernadas em forma de caixa. Kimie tirou seu fino xale dos ombros e, segurando-o ainda em suas mãos, sentou-se na cadeira que lhe foi indicada. No mesmo instante o adivinho fechou seu livro e rodou a cadeira, ficando face a face com Kimie. — É a respeito de casamento? Ou gostaria que eu lesse o seu futuro? — perguntou o adivinho, esboçando um sorriso de cortesia. Kimie baixou os olhos e respondeu: — Não é nada que diga respeito a casamento. — Muito bem, então vamos para uma abordagem geral. E, como um ginecologista analisando sua paciente, o adivinho assumiu deliberadamente uma atitude informal para deixar Kimie mais à vontade e prosseguiu: — Saber sobre o futuro parece ser do interesse de muitos, haja vista os vários tipos de pessoas que me procuram. Algumas pessoas passam aqui todas as manhãs no seu caminho para o trabalho, para saber sobre sua sorte no dia. Porém, desde tempos antigos sabe-se que as previsões podem ou não se realizar. Por isso, não leve muito a sério se na leitura sua sorte não for das melhores. Qual é a sua idade? — Este ano é o do meu signo.2 2. No horóscopo oriental, os signos são regidos por 12 animais que se revezam anualmente. [N.T.]
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— Isso quer dizer que você é do ano do Rato. Em que dia e mês? — Três de maio. — Três de maio... ano do rato... Imediatamente pegou os finos palitos de bambu enquanto sussurava palavras incompreensíveis, e os enfileirou sobre a mesa de trabalho. — O signo da sorte para a sua idade é richudam. Entretanto, se eu fizer a leitura fiel do livro, letra por letra, provavelmente ficará demasiado extenso e não chegaremos ao ponto. Portanto, apenas explanarei os fatos conforme vierem à minha mente. No geral, pessoas que pertencem ao signo de richudam, homens ou mulheres, tendem a se separar de seus entes familiares e ter poucos amigos. Elas atravessam o mundo sozinhas. Além disso, analisando sua data de nascimento, você pertence ao signo yûkon-sempu. Neste signo, mesmo que algo de diferente aconteça em certo momento da vida, aos poucos tudo volta ao normal. Então, sob o prisma destes dois signos, vejo que após uma mudança importante ocorrida recentemente, você está no exato momento em que sua vida volta aos poucos ao que era antes. Se tomarmos como exemplo o clima, é como se um vendaval tivesse passado e ainda estivesse sob efeito de seu rastro. Mas, aos poucos, tudo começará a se acomodar e finalmente voltar à quietude anterior. Brincando com a ponta do xale em seu colo, Kimie fitava o adivinho. O que ele disse não deixava de ter alguma relação consigo. Ao ver que havia pontos que coincidiam com sua vida, sentiu-se constrangida e baixou os olhos outra vez. A mudança importante que o adivinho comentou se 13
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referia com certeza ao fato de ela ter deixado a casa contra a vontade dos pais para vir morar em Tóquio e terminar como garçonete. Kimie saiu de casa para fugir de um casamento que seus pais, assim como os parentes, tentavam forçá-la a aceitar. A casa onde Kimie nasceu na vila Maruen, em Saitama, a duas horas da estação de Ueno, era uma tradicional fabricante de doces, especialidade da região. Entre as amigas de primário de Kimie, havia uma que se chamava Kyoko. Ela foi trabalhar como gueixa em Ushigome e em menos de um ano arranjou um patrão e se estabeleceu como sua amante. As duas eram muito próximas, sempre se visitavam e quando, sem qualquer vontade de virar esposa, Kimie fugiu de casa, foi direto procurar a amiga. Seus parentes vieram buscá-la e a forçaram a voltar para casa por duas, três vezes, mas ela sempre achou um meio de escapar de novo. No final, não sabendo mais o que fazer, acabaram cedendo à vontade de Kimie, permitindo que ela trabalhasse como secretária ou bancária. Embora Kimie tenha começado a trabalhar numa empresa seguradora graças à intermediação do patrão de Kyoko, um sujeito chamado Kawashima, isso foi apenas para dar satisfação a seus pais. Antes de completar seis meses já havia deixado o emprego e passava seus dias à toa na casa de Kyoko. Mas de repente o patrão da amiga foi descoberto desfalcando o caixa da empresa e acabou sendo indiciado. Kyoko passou a trazer para casa antigos clientes de seus tempos de gueixa e quando isso não era suficiente para cobrir as despesas percorria casas de chá e agências de matrimônio à procura de outros. Observando
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a facilidade com que sua amiga se virava, Kimie começou a pensar que esse poderia ser um bom meio de sobrevivência e um dia acabou ela mesma entrando na profissão. Mas, temendo ser presa por atuar sem licença, Kyoko decidiu voltar a ser gueixa. Embora Kimie achasse que não seria nada mal ela também virar gueixa, ao saber que a polícia, para conceder a licença, era obrigada por lei a procurar a família para preenchimento dos formulários, não lhe restou alternativa senão trabalhar como garçonete. Kyoko precisava mandar dinheiro para sua família no interior. Já Kimie não tinha tal obrigação. Sendo uma garota do interior, não sentia necessidade de se vestir seguindo a última moda e, a menos que fosse convidada, não tinha a iniciativa de ir a cinemas e teatros. Fora a leitura desatenta de algum romance ou livro de contos no trem, não tinha qualquer tipo de passatempo e sequer saberia dizer o que mais gostava de fazer. Contanto que dispusesse do suficiente para pagar o aluguel e o cabeleireiro, não sentia qualquer necessidade de arrancar dinheiro dos homens. Muitas vezes fazia tudo o que eles lhe pediam sem cobrar um tostão a mais. Assim, por mais lasciva que tivesse sido sua vida até então, ela achava que não havia razão para alguém lhe querer mal. Esperando por uma explicação do vidente, perguntou: — Quer dizer que não há nada em particular com que me preocupar no momento? — Como está sua saúde? Se não sofre atualmente de nenhum mal em particular, não acredito que venha a ter qualquer problema sério no futuro próximo. Como já disse, sua vida sofreu um grande distúrbio, mas agora as coisas es-
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Nascido em Tóquio em 1879, recebeu o nome de Nagai Sokichi. Tornou-se célebre com seu nome literário, Kafu. Desde a adolescência interessou-se por literatura e cultura tradicional japonesa e chinesa, e aos dezenove já escrevia seus primeiros contos, publicados a partir de 1900. Em 1903 viaja aos Estados Unidos. Em Nova Iorque, trabalha em um banco japonês. Esse período inspirou o livro Amerika Mono gatari [Histórias americanas], de 1908. Em 1907, muda-se para Lyon, na França, onde teve contato intenso com a literatura daquele país. Ao retornar ao Japão, em 1908, é um homem de letras maduro e cosmopolita.
Tradução de Dirce Miyamura
O profundo interesse que demonstra pelo mundo das gueixas e prostitutas está sempre refletido em seu trabalho. Autor de romances, contos e peças de teatro, manteve intensa produção até sua morte, em 1959. Crônica da estação das chuvas é a primeira de uma série de obras de Kafu que esta casa planeja editar.
ISBN 978-85-7448-142-5
N agai K afu
no chão, do mesmo jeito que o tirou na noite anterior, e seu obi jogado, formando um emaranhado sobre o tatame. Depois que o bailarino Kimura a deixou, o importador de carros Yata tinha vindo para o quarto de quatro tatames e meio nos fundos do pavimento superior. Ele partira pela manhã, deixando a janela aberta para ela. Do teto pendia a lâmpada ainda acesa que, como na noite que passara, projetava a sombra do arranjo floral contra a parede do toko-no-ma.
Crônica da estação das chuvas
Olhou o quarto à sua volta, viu seu quimono
N agai K afu
Crônica da
estação das chuvas
Crônica da estação das chuvas, obra do escritor japonês Nagai Kafu escrita em 1931, trata da vida noturna da cidade de Tóquio do início do século XX. Descortina as relações obscuras estabelecidas no agitado bairro de Ginza. O amor e o interesse, o adultério e o mundo das gueixas e prostitutas são os pilares sobre os quais se sustenta a narrativa ácida de Kafu. A prostituta Kimie, personagem central, ao ler em uma revista de má fama um artigo que expunha sua intimidade, começa a estranhar a série de reveses e acontecimentos incomuns que, coincidentemente ou não, passam a perturbá-la. Decide procurar um vidente, numa derradeira tentativa de descobrir a causa dos infortúnios. A partir daí, encadeia-se a trama e é dada ao leitor a possibilidade de desenovelar lentamente a narrativa e compreender o tecido dramático que se forma ao redor da veleidade da protagonista. O autor aplica as cores fortes de sua prosa sobre a tela delicada da estação das chuvas; contrastando com a suavidade da brisa e da garoa que umedecem cada página, desfilam ao rés do texto a ambição, o ódio, a vingança de personagens transtornados e enlameados pelo modo de vida torpe do submundo. A obra constitui um precioso panorama de uma Tóquio quase inteiramente extinta, aquela onde se misturavam prazeres pagos, teatro kabuki e nô, becos soturnos e vielas enlameadas, e cuja pujante alegria de viver seria em breve abafada pelos anos de intolerância e guerra.
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