"O portal", de Natsume Soseki

Page 1

Tradução de Fernando Garcia

Natsume Soseki Natsume Soseki

O por tal ISBN 978-85-7448-241-5

Harunobu Suzuki © Leonard de Selva/Corbis/Latinstock

alguém. É pelo castigo desse pecado que você não pode ter filhos — e calou-se. Esse único comentário despertou em Oyone um pensamento que lhe perfurou o coração.

O por tal

Soseki nasceu em Tóquio em 5 de janeiro de 1867. Teve infância difícil e soli­ tária. Foi entregue pelos pais a outra família com apenas dois anos de idade, retornando a casa aos nove. Torna-se órfão de mãe aos quatorze anos, e sofre rejeição por parte do pai. Estuda literatura tradicional chinesa desde a infância. Ingressa, aos 23 anos, na Universidade Imperial (atual Universidade de Tóquio), para cursar litera­ tura inglesa. Leciona inglês na Escola Especializada de Tóquio (hoje, Universidade Waseda). Crises nervosas o fazem abandonar Tóquio e o prestigioso cargo que possuía. Estabelece-se em Ehime (Shikoku) e passa a dar aulas numa escola secundária. Em 1900, viaja à Inglaterra como bolsista do Minis­ tério da Educação para estudar literatura e ensino da língua inglesa. Não se adapta à cultura ocidental, entra novamente em depressão e regressa ao Japão em 1903, retomando o magistério. A vida doméstica entra em crise, e afasta-se da família. Estreia com Eu sou um gato em 1905 (Estação Liberdade, 2008), obtendo notável recepção de crítica e público. Abandona o en­sino dois anos depois, dedicando-se a partir de então unicamente à literatura. Torna-se escritor exclusivo do diário Asahi Shimbun. Em 1910 é acometido por uma primeira crise de úl­cera. Pouco depois, recusa o título de doutor. Falece em 9 de dezembro de 1916, de sequelas de sua enfermidade. Nome seminal entre os ficcionistas da era Meiji (1868-1912), Soseki também costuma ser apontado como o pai do modernismo na literatura japonesa, ao lado de Ogai Mori. Se de um lado foi marcado pela influência ocidental, de outro apregoou a valorização da cultura tradicional nipônica. Não se restringiu a uma única forma de escrita: seu ecletismo estilístico pode ser visto numa produção que legou quatorze romances, contemplando desde o humor escrachado até o drama mais intimista. Outras de suas principais outras obras são Botchan (1906) e Kokoro (1914). Soseki permanece até hoje como um dos escritores mais populares do Japão.

Há algo de estranho no relacionamento entre Sosuke e Oyone, o casal de meia-idade que protagoniza este O portal, de Natsume Soseki — publicado originalmente em 1910, com êxito comercial instantâneo. Eles vivem aquele período do casamento em que as fagulhas da paixão juvenil já não ardem como outrora, embora ainda se mostrem afetuosos um com o outro. São, no entanto, solitários, resignados a uma espécie de clausura existencial em relação ao mundo, cujas razões o leitor terá de depreender das entrelinhas. Se a princípio a trama parece se limitar a pintar meramente o cotidiano ordinário dos protagonistas — as tarefas do lar, as miudezas mundanas, as dificuldades financeiras — logo começamos a ouvir os ruídos subliminares que, afinal, tanto atordoam o bem-estar do casal. Quando eles se veem praticamente forçados a dar abrigo ao irmão caçula de Sosuke, compreen­ demos que as dificuldades no relacionamento familiar guardam máculas ainda mais delicadas e traumáticas. Sosuke e Oyone parecem ter cometido, no passado, um “pecado” que os tornou alvos da maledicência alheia. Se hoje tal deslize talvez não pareça tão grave, é preciso levar em conta o contexto em que a história foi escrita: o Japão do início do século XX, com seus moralismos, tabus e valores conservadores inquebrantáveis. Muito comparado a Machado de Assis por sua prosa virtuosa e cristalina, Soseki mostra aqui marcas de fato machadianas: metáforas, elipses e subentendidos, que hão de conduzir o leitor na compreensão das angústias que machucam a consciência dos protagonistas. Marco da maturidade literária de Soseki, O portal fecha uma trilogia composta ainda pelos romances Sanshiro (1908) e E depois (1909) — ambos também publicados por este selo.

Harunobu Suzuki © Leonard de Selva/Corbis/Latinstock

— Você traz na memória algo terrível que fez para

www.estacaoliberdade.com.br

www.estacaoliberdade.com.br

9 788574 482415

CAPA - O PORTAL.indd 1

27/08/2014 13:02:33


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
"O portal", de Natsume Soseki by Estação Liberdade - Issuu