"O anjo silencioso", de Heinrich Böll

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Nascido em 1917, Heinrich Böll assumiu papel central na cena cultural e literária alemã desde os primeiros anos do pós-guerra até 1985, quando faleceu. Sua obra ficcional, agraciada em 1967 com o prestigioso Prêmio Büchner em 1967 e com o Prêmio Nobel de Literatura em 1972, voltou-se à representação do quotidiano, sob a perspectiva dos conflitos morais e éticos vividos nos contextos de miséria, reconstrução e depois esplendor socioeconômico da sociedade alemã ocidental após a Segunda Guerra. A narrativa despojada encontrou enorme repercussão junto a leitores alemães e estrangeiros. A tiragem total de seus livros, traduzidos para mais de trinta idiomas, alcançou a marca de 20 milhões de exemplares, alguns dos quais também integraram a cena literária brasileira e portuguesa, sobretudo nos anos 1960-80. Destacam-se entre eles A honra perdida de Katharina Blum, Bilhar às nove e meia, Mulheres em paisagem de rio e Diário irlandês. No Brasil, a Companhia das Letras publicou Fim de uma viagem em 1987.

O ANJO silencioso

Tradução de Karola Zimber

ISBN 85-7448-090-8

H E I N R I C H

A figura na escuridão não se moveu; segurava na mão algo que parecia uma vara ele se aproximou hesitante e, mesmo quando percebeu que era uma estátua, as batidas do seu coração não diminuíram: ele se aproximou mais e reconheceu sob a luz fraca um anjo de pedra com cachos ondulantes que segurava um lírio; inclinou-se para frente até seu queixo quase tocar o peito da figura, e olhou longamente, com uma estranha alegria, para aquele rosto, o primeiro que encontrava na cidade...

B Ö L L

HEINRICH

O ANJO silencioso

bombas, em busca de pão, de um teto e de afeto. Ele encontra ternura, mas também a frieza e a engenhosidade dos mais diversos contrabandos, dos interesses escusos, numa estafante busca da viúva de um colega fuzilado. Preservada, no entanto, mantém-se a brasa do amor, emprestando literalmente esperança a seres humanos para quem ela é a mais imediata necessidade.

BÖLL

P R Ê M I O

N O B E L

O anjo silencioso, primeiro romance de Heinrich Böll, ambientado na Alemanha da hora zero , o imediato pós-guerra, foi escrito em 1949-51, mas só publicado recentemente, após ter sido liberado pelo espólio do autor. O que nos é apresentado aqui é, de um lado, um país exaurido e arrasado física e moralmente, e, de outro, o supremo alívio pelo fim das hostilidades, o renascer da vida em todos os sentidos. O livro começa em 8 de maio de 1945, dia da capitulação alemã, e nos conduz a um longo mergulho numa cidade alemã da qual não sobra muito mais do que um enorme amontoado de escombros (na verdade, Colônia, cidade natal do autor). Essa paisagem apocalíptica de uma das mais importantes cidades do país inteiramente destruída era algo indigesto demais para o leitor daquela época, e, depois de um ano de idas-e-vindas, a editora acabou desistindo de publicar a obra. O manuscrito ficou portanto engavetado e representou para Böll material para longa reflexão e humo para uma carreira que seria brilhante, até sua coroação com o Prêmio Nobel em 1972. Um dos temas aqui tratados, a dupla moral católica, passaria a ser recorrente em seu trabalho literário, e colocaria Böll numa trincheira de toda vida contra o establishment religioso (e político) alemão. Para quem vê a Alemanha de hoje, é um tanto árduo imaginar o que pode ter sido a existência no período da hora zero , e aí reside o interesse da presente obra. Revelação póstuma, a obra fez furor na Alemanha quando de sua tardia publicação. Em texto de forte conteúdo autobiográfico Böll foi soldado raso durante a guerra e passou pelo trauma de voltar a sua cidade destruída após a liberação do cativeiro pós-guerra , um soldado um tanto cínico, que desertou com documentos falsificados, volta à cidade natal destruída pelas


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