Revista CONTRAPLANO

Page 1

EDIÇÃO ESPECIAL Mostra Cinema Conquista - Ano 10


CONTRAPLANO REVISTA CONTRAPLANO – EDIÇÃO ESPECIAL Revista laboratorial dos estudantes da disciplina Produção em Comunicação - Curso de Jornalismo/Uesb INTISTUCIONAL Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista PREFEITO Guilherme Menezes de Andrade VICE-PREFEITO Joás Meira Cardoso Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB REITOR Paulo Roberto Pinto Santos VICE-REITOR Fábio Félix Ferreira CHEFE DE GABINETE Regina Márcia Amorim de Souza PRÓ-REITORA DE GRADUAÇÃO Talamira Taita Brito PRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO Alexilda de Oliveira Souza PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS Maria Madalena Neta PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E RECURSOS HUMANOS: Adriano Rodrigues Correia EDITORA-CHEFE/PROFESSORA RESPONSÁVEL Cibele Barbosa – DRT 27.775 COLABORAÇÃO Adriana Camargo (disciplina oficina de fotojornalismo) REPORTAGEM E FOTOGRAFIA AJ Oliveira, Anne Ellen Marques, Bruno Morais, Carmina Borges, Débora Costa, Doni Pereira, Earvin Caetano, Érika Paula Souza, Fernanda Costa, Gabriel Farias, Ingrith Oliveira, Luan Vinícius, Luana Lopes, Amanda Silveira, Natália Rocha, Nayla Santos, Patrícia Santos, Rodrigo Farias, Rogério Rodrigues, Romário Dias, Vanessa Vilarim, Vanille Oliveira, Voiana Martins FOTOS DE ARQUIVO: Acervo da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista Acervo pessoal de Esmon Primo Impressão | Gráfica Log Tiragem | 1000 exemplares REDAÇÃO Laboratório de Jornalismo Impresso Estrada do Bem-querer, km 4 Módulo Amélia Barreto, 1º andar Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Vitória da Conquista – BA EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Estúdio Imboré Projeto gráfico | Thiago Suiten Criação | Merlli Milli e Thiago Suiten Ilustração Capa e Glauber Rocha | Renato César


EDITORIAL Jornalista, no trabalho, está sempre resumindo, cortando palavras, compilando, buscando termos-chave – ou retrancas, no jargão profissional – para os textos que produz. E se é possível encontrar uma única palavra para definir toda esta revista que se vos apresenta, esta palavra é “desafio”. Desafio em dose dupla. Primeiro porque quem levantou as pautas, apurou informações, escreveu todos os textos foram estudantes universitários dos períodos iniciais e, por isto, esta é uma publicação de caráter laboratorial. E segundo porque, apesar de ser um meio de aprendizado para os alunos de Jornalismo, que nem “focas” (outro jargão: jornalistas recém-formados) são ainda, esta revista nasceu para ser grande, para ser lembrada. Ela foi imaginada e concebida para marcar um ano histórico para a cidade de Vitória da Conquista: 2014, o ano da décima Mostra Cinema Conquista. Como o leitor poderá comprovar na reportagem de capa que integra este trabalho, a mostra sempre carregou o lema “Um olhar para o novo cinema” e busca trazer para a cidade obras cinematográficas - curtas, médias e longasmetragens – que busquem a experimentação da técnica e da linguagem. Por isso mesmo, firma-se no cenário nacional e se renova a cada ano, chegando ao ano 10 com a convicção de quem está aí para fazer diferença. E falar do aniversário de uma década de um projeto que já faz parte do calendário permanente de mostras de cinema brasileiras é também trazer à tona a paixão de uma cidade pela sétima arte. Vitória da Conquista ousa voar alto neste céu, mesmo com ventos contrários, mesmo estando no interior da Bahia, longe do eixo Rio–São Paulo que domina as produções de cinema e audiovisual no país. Por aqui, se produz – e bem - filmes já reconhecidos nacionalmente. Aqui tem um curso superior de Cinema, ligado a Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), que vai formar neste ano a primeira turma. E daqui saiu para o mundo o grande Glauber Rocha, que mudou em definitivo o jeito de fazer cinema no Brasil. A reboque desta paixão do povo conquistense pelo cinema, um sem-número de projetos que envolvem produção, exibição, formação de público e educação pela arte são desenvolvidos por entidades públicas e privadas, com destaque para o programa Janela Indiscreta Cine-Vídeo da Uesb, com mais de vinte anos de atuação. Quando os irmãos Lumière, na França do longínquo ano de 1895, exibiram as primeiras imagens em movimento numa tela, o público achou que aquilo era mágica. E, pensando bem, é mágica mesmo. Não é a toa que há quase 120 anos o cinema encanta e fascina. E é para todas essas pessoas – encantadas e fascinadas pela sétima arte, conhecedoras ou não das técnicas por trás da tela – que esta revista se destina. Boa leitura! Cibele Barbosa Editora-chefe / Professora de Jornalismo - Uesb


06

08

11

A busca pelo filme (quase) perdido Bate papo com Esmon Primo Uma janela (indiscreta) para o mundo Terra do divino e do cinema Cinema tambĂŠm se aprende no interior Um olhar para o novo cinema

15

20

26


34

36

40

Uma chance ao Cine Madrigal A Conquista de Glauber Rocha O redespertar da sĂŠtima arte Fomento ao cinema Outros projetos Apaixonados por cinema

44

46

50


A busca pelo filme (quase) perdido A história, o sucesso e o “desaparecimento” de O Tropeiro, filme de Aécio Andrade sobre a famosa tragédia do Tamanduá, ainda intriga cinéfilos baianos

Paulo Oliveira Santos

Por A.J. Oliveira e Fernanda Costa


O paradeiro do primeiro longa-metragem totalmente feito em Vitória da Conquista, dirigido por Aécio Andrade, primo de Glauber Rocha, durante um bom tempo foi um mistério para os entusiastas de cinema da cidade. Apenas ouvia-se falar que Andrade foi para o Rio de Janeiro na década de 1970, fez alguns documentários e depois “se escondeu” num sítio próximo a Niterói. Mas não havia nenhuma informação muito concreta sobre ele, nem sobre O Tropeiro, filme lançado pouco tempo antes de Deus e o Diabo na Terra do Sol e totalmente rodado em Conquista. As pessoas mais envolvidas com cinema na cidade, como Esmon Primo, coordenador da Mostra de Cinema Conquista, ficavam ávidas por saber algo mais sobre a obra. “A gente queria a cópia, ter esse filme, ver, trazer...”, conta Primo. O Tropeiro se baseava na famosa tragédia do Tamanduá – a mesma que inspirou o curta-metragem de George Néri exibido no Festival de Cannes. A trama, segundo contam os poucos que assistiram a película, girava em torno de Calixtinho, que vinha vingar a morte dos irmãos. Para rodar o filme, Andrade trouxe para cá toda uma equipe do Rio de Janeiro, além de atores pernambucanos e gaúchos. As gravações aconteceram em 1961, mas muita coisa da época ainda está na memória de Gildásio Leite, ator e diretor de teatro e cinema. Como já conhecia Andrade, Leite, ainda adolescente, aproximou-se da equipe e passou a acompanhar de perto a produção do filme. Foi assim que o ator acabou ganhando até uma breve participação em O Tropeiro. “Tem uma sequência em que acontece uma luta de espadas entre dois cangaceiros e eu estava atrás de uma cerca assistindo. Aécio tirou todo mundo e me falou ‘você fica’, e aí deixou só as figurações dos atores de apoio que estavam na cerca assistindo à briga, e eu estou lá. Mas eu não estou na ficha técnica, não citam, porque não houve a preocupação de ter isso. Depois, vendo o filme quando foi exibido aqui no Cine Conquista, eu me vi e vibrei com minha participação nessa sequência”, lembra com entusiasmo. O ator também gosta de falar de outras curiosidades e fatos interessantes sobre o filme, gravado em lugares como o Hotel Aliança, que ficava próximo à Praça Barão do Rio Branco. Ele lembra, por exemplo, de uma cena em que o ator principal, Osanar Rocha, aparece fumando um cigarro de filtro, algo que simplesmente não era vendido na

época retratada por O Tropeiro. Também se diverte ao falar do ator Reinaldo Gusmão, que interpretava um padre no filme e entrou tanto no personagem que continuava usando a batina fora dos sets de filmagem. Tinha gente que acreditava que ele era padre e assim Gusmão chegou a fazer até batizado, conta Leite. O Tropeiro fez bastante sucesso na região – principalmente em Vitória da Conquista, claro. “Deu fila para entrar”, lembra o diretor. Segundo Osvaldo Ribeiro, professor de sociologia e pesquisador, “foi um acontecimento social. Lotou o cinema, passou vários dias”. Mesmo que na época tenha tido essa boa recepção – além de ajudar o povo a entender melhor o tão comentado conflito do Tamanduá – O Tropeiro hoje está quase totalmente esquecido. “Lastimavelmente, minha terra deixou Aécio de lado, como tantos outros”, reclama Ribeiro. “Ninguém lembra, ninguém fala, ninguém procura escrever... Um ou outro. A memória, aos poucos, está acabando”, finaliza. A procura pelo filme Mas O Tropeiro permaneceu vivo na cabeça de gente como Primo, cujo interesse o levou a correr atrás do filme. E foi conversando com o professor Glauber Lacerda, do curso de Cinema da Uesb, que ele conseguiu o contato de Andrade no Rio de Janeiro. Só que o coordenador da Mostra acabou se deparando com algo que poderia atrapalhar a caçada pelo longa: quando conseguiu telefonar e falar com a esposa do cineasta, recebeu a notícia de que Aécio Andrade havia falecido em agosto de 2013. De qualquer forma, o mistério sobre onde estaria o filme perdido – parece - foi resolvido. De acordo com Primo, um dos filhos de Aécio Andrade, Augusto Andrade, informou que uma cópia do filme em 35 mm está na Cinemateca de São Paulo e outra, em 16 mm, está com a família e faz parte do espólio deixado pelo primo de Glauber Rocha juntamente com outros 17 filmes produzidos por ele. A descoberta foi um alívio para as pessoas que estavam a procura do famoso filme há mais de 50 anos. Gildásio Leite tem planos de trabalhar no material e fazer a telecinagem (transformação do filme em película para DVD), algo que deve ser concluído até o próximo ano. Certamente, será a melhor chance para que Vitória da Conquista reveja a história do tropeiro mais importante da cidade.

«

07


BATE PAPO com

Esmon Primo Por Anne Ellen Marques e Earvin Caetano De olhar inquieto, mãos sempre em movimento e a cabeça parecendo não dar conta de tanta ideia ao mesmo tempo, Esmon Primo é figura-chave no (re)nascimento da cultura cinematográfica em Vitória da Conquista. Mais novo de 17 irmãos, Primo nasceu em Jequié, cidade do sudoeste da Bahia. Aos nove anos de idade mudou-se com a família para São Paulo mas, dez anos depois, voltou para terras baianas, desta vez para Salvador. Já trabalhou como desenhista arquitetônico e técnico agrícola na Secretaria da Agricultura. “Morei na Bahia inteira por causa da secretaria”, diz. Mas a paixão pela sétima arte falou mais forte e virou profissão. Hoje, seus dias são preenchidos pelos projetos que mantém visando à valorização do cinema e da formação para o audiovisual. Esmon Primo é coordenador e um dos idealizadores do programa Janela Indiscreta Cine-Vídeo da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), desde 1992, o que acabou influenciando diretamente na criação dos cursos de Comunicação SocialJornalismo em 1998 e Cinema e Audiovisual em 2010. Além disso, teve influência na criação do Surte (Sistema Uesb de Rádio e Televisão) em 2001. É também

08

coordenador da Mostra Cinema Conquista e participa como técnico em elaboração de projetos culturais na Secretaria Municipal de Cultura em Vitória da Conquista. Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Primo sobre sua atuação profissional e trajetória pessoal. Mesmo ao lembrar-se de fatos passados, ele sempre fala no tempo presente. Pudera: é no presente que se vive... Contraplano: Como surgiu a ideia do Programa Janela Indiscreta? Esmon: Quando chego na cidade (Vitória da Conquista) eu já me envolvo, sou animado, já tenho certa aproximação com o pessoal do teatro junto com Jorge Melquisedeque. Em 1989, ele me chama para sair da área de agricultura para trabalhar na agência de publicidade dele. Aí eu aprendo a mexer com vídeo e entro para a mídia naquele ano. Logo depois, consigo minha transferência para a Secretaria de Educação e entro na Uesb em 1991. Vou para São Paulo ver mostra de cinema, uma série de coisas e volto. E Jorge já tinha experiência na cidade nos anos 70 com cineclubismo. Ele usava o próprio espaço do Cine Madrigal para fazer sessão e o cinema ganhava o caráter mais informativo, mais temático, mais forma-

dor. Ele comentava o tema dos filmes depois das exibições. Em 1992 eu, sabendo desse feito dele nos anos 70 e juntando a minha paixão pelo cinema, o convidei para montar um cineclube aqui na Uesb. Conversamos com o reitor, e como já trabalhávamos no setor audiovisual, ele então sugere ao reitor a compra de um projetor. E ficávamos exibindo filmes. Inicialmente era onde hoje é o auditório do júri, todas as sextas às 19h, com um público médio de quase 100 pessoas. O Janela Indiscreta nasce nesse ambiente favorável em que duas pessoas que já gostavam de cinema pensaram em uma atitude muito generosa de compartilhar o conhecimento de uma coisa que você gosta. Gostávamos de filmes diferenciados, porque não compartilhar isso com outras pessoas? Cp: Como funciona o projeto? E: Hoje já funciona em outro local, um local próprio. Tinham seções especiais no teatro Glauber Rocha, mas achamos que não daria para continuar lá por causa da quantidade de público, que foi caindo. Hoje está em torno de 30 pessoas, em média. Então a gente achou mais adequado vir para a própria salinha, que foi recentemente planejada por mim já que fui desenhis-


Sabiรก | Editada


10

tria americana domina e engole o cinema brasileiro. Principalmente na televisão. A televisão brasileira faz um apartaide do cinema brasileiro. 99,9% dos filmes que passam na TV são americanos, esses ditos besteiróis. Então o único jeito de exibir essas produções nacionais é nas mostras de cinema, nesse conjunto de festivais, de mostras que o país tem, aproximadamente mais de duzentas. E é muito bom que se tenha cada vez mais mostras e festivais de cinema porque esses eventos exibem filmes nacionais. Então isso é uma grande janela para ir contra esse gigante que é o cinema hollywdiano. Cp: Qual o seu ponto de vista sobre a chegada do curso de Cinema a Vitória da Conquista? Acha que a mostra acabou provocando a vinda do curso? E: É muito bom, o curso vai formar a primeira turma cheia de disposição. Eles (os alunos) já começaram a fazer produções, foram para Ouro Preto. Acredito que a mostra foi uma das justificativas do projeto de criação do curso. Com certeza, o Janela Indiscreta e todas as trajetórias in-

fluenciaram muito. Milene (Gusmão) foi uma pessoa importante na criação deste curso e ela já estava no Janela Indiscreta há 10 anos quando ele foi criado. Então a trajetória e as diversas ações que o Janela fez com certeza foram base para a criação do curso. Cp: Você tem projetos que gostaria de ter realizado e não conseguiu? E: Sim, tenho uma pasta com doze projetos no computador. Dizem que eu não paro, e realmente não paro. Se deixassem teria realizado mais projetos. Queria retomar um projeto de música muito legal de festival de rock, mas vamos ver... Cp: Se tivesse um filme sobre Esmon, qual seria o título? E: Gláuber (Lacerda, professor do curso de Cinema) e uma amiga uma vez me disseram que iriam fazer um curta sobre mim e o nome seria “Quem matou Esmon?”. E o barato seria que ao invés de descobrir quem estava mentindo sobre quem disse que não me matou, a ideia seria descobrir quem disse a verdade em falar que me matou. Mas como me chamam de “Monga” acho que o nome de filme ideal seria “Onde está Monga?”.

«

Acervo pessoal

ta gráfico. Fica ao lado da sala administrativa do Janela e é feita em formato de cinema cujo nome é “sala de cinema Jorge Melquisedeque”. Mas os alunos costumam chamar de “Cinemonga”, porque meu apelido é “Monga” (risos). Essa sala tem poltronas para 54 pessoas com equipamentos modernos de cinema. O Janela está com acervo de filmes maravilhosos. Então essa sala agora não é só o local do Janela como serve temporariamente como um laboratório do curso de Cinema. Cp: Como você vê o crescimento no número de filmes produzidos no Brasil? E: Foram mais de 100 filmes produzidos nacionalmente em 2013, mas existe uma coisa perversa - não só no Brasil – que é a invasão que os Estados Unidos fazem nos cinemas, os de Hollywood que são de tiros, explosões. Vende-se muito mais a imagem que o conteúdo. Cp: Você acha que em Vitória da Conquista, um berço do cinema, terra natal de Glauber Rocha, existe pouca produção relacionada ao cinema? E: Acho que temos uma boa produção atualmente. Teve o filme O valor de um sonho que ganhou prêmios, A doce flauta da liberdade que está em produção aqui. É um bom caminho. Cp: Qual a sua opinião sobre o único cinema de Vitória da Conquista ter sua programação praticamente voltada aos filmes taxados de “besteiróis” e preferir a exibição de filmes estrangeiros? E: É ruim, por ficar em um shopping center os filmes que são exibidos são comerciais. A indús-


Uma janela (indiscreta) para o mundo Programa Janela Indiscreta da Uesb realiza ações em prol da sétima arte. Por Natália Rocha e Vanessa Vilarim Confinado em seu apartamento na cidade de Nova Iorque por causa de uma perna quebrada, o fotógrafo L.B. Jeffries, interpretado por James Stewart, não tem muitas opções de lazer. Para passar o tempo, ele passa as horas debruçado sobre uma janela com uma lente teleobjetiva vasculhando a vida de seus vizinhos. É assim que o fotógrafo percebe alguns acontecimentos que o fazem suspeitar que um assassinato foi cometido. A sinopse acima é do filme Janela Indiscreta (1954) dirigido por Alfred Hitchcock, cujo título inspirou o nome do programa Janela Indiscreta Cine-Vídeo da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia). Porém, se no clássico do suspense o fotógrafo voyer não podia interferir nos acontecimentos que observava, o projeto de Vitória da Conquista objetiva não apenas levar o maior número de pessoas a se encantarem pelas obras cinematográficas mas fomentar a reflexão, o debate e a formação para o cinema e o audiovisual – ou seja, qualquer interferência é bem vinda. Uma janela que se abre para um mundo de possibilidades. O início de tudo foi em 27 de novembro de 1992 com exibições semanais de filmes para a comunidade acadêmica da Uesb. Desenvolvido por iniciativa de servidores de áudio e vídeo da

Uesb, o Janela Indiscreta cresceu a partir de um pequeno investimento da universidade. “Conversamos com o reitor e pedimos a compra de um retroprojetor para ampliar a imagem, já que não existia DVD ou videocassete. Inicialmente era no Salão do Júri, todas as sextas, às 19h. Fizemos sessões maravilhosas lá, o público médio era de 100 pessoas”, conta Esmon Primo, um dos criadores do projeto. Mais de vinte anos depois, o programa é uma das mais importantes ações de fomento ao cinema de todo o país, com projetos que vão da exibição de filmes raros, à educação pelo audiovisual, debates, sessões itinerantes e mostras de caráter nacional destinadas ao público adulto e infantil. Não é exagero afirmar que o Janela Indiscreta abriu não apenas janelas, mas escancarou as portas para todos os outros projetos ligados ao cinema em Vitória da Conquista, como a Mostra Cinema Conquista e o curso de Cinema e Audiovisual da Uesb. Para o coordenador e professor do curso, Rogério Oliveira, o curso de cinema nasceu a partir do programa. “Eu considero o Janela Indiscreta como uma das grandes iniciativas relacionadas ao cinema e audiovisual no Brasil e na Bahia. Tem uma contribuição muito rica a dar aos estudantes de cinema, aos con-

Em 1992, surge a ideia Servidores da Uesb criam o Janela Indiscreta Cine-video

21 anos levando cinema para a comunidade conquistense e sudoeste da Bahia por meio de 5 projetos

Cinema: eis a questão Mostra de filmes para vestibulandos da Uesb 11


Mostrinha de Cinema Infantil Possibilita acesso a filmes para crianças de creches e da rede municipal

O que se aprende com cinema Formação teóricometodológica de alunos e professores da rede municipal de ensino

quistenses e aos interessados em cinema. É um projeto contra a corrente: enquanto as estratégicas midiáticas individualizam a nossa relação com as pessoas, ele reúne pessoas e propõe a coletividade. O curso de cinema nasce desse impulso dado pelo Janela”. A estudante de cinema e audiovisual Amandia Moreira diz que o projeto possibilita a aproximação dos conquistenses com o mundo do cinema. “É muito importante, leva conhe-

cimento e cultura. Abre espaço para as crianças, jovens e idosos que não têm oportunidade de ver as produções cinematográficas”. Ela afirma ainda que o projeto é um auxiliar para os estudantes do curso de cinema, pois “podemos participar tanto nos seus projetos como nos debates organizados, proporcionando um crescimento estrutural para o curso e, consequentemente, para Vitória da Conquista”.


Acervo Mostra Cinema Conquista

Mostra Cinema Conquista Exibição de filmes brasileiros e internacionais, seminários, oficinas, cursos, exposições e lançamentos de filmes e livros

Para ver, ouvir e falar de cinema Talvez a ação de maior visibilidade promovida pelo Janela Indiscreta seja a Mostra Cinema Conquista que este ano chega ao seu décimo aniversário trazendo para Vitória da Conquista o que há de novo no cinema brasileiro (veja reportagem à página 26). No entanto, diversos outros projetos próprios ou em parceria com as administrações estadual e municipal se estendem ao público de Vitória da Conquista e de outros municípios.

A ação Cinema na Uesb teve formato criado em 1992 que ainda prevalece. Trata-se da experiência do cinema-fórum, com exibições e discussões sobre a leitura cinematográfica. Acontece em três etapas: a exibição do filme fora do circuito comercial, previamente escolhido pela equipe ou sugerido pelo público; as folhas de cinema, que são informações distribuídas em texto sobre o filme; e, ao final, o comentário e o debate, que sempre conta com

Cinema itinerante Leva cinema às cidades vizinhas, de preferência aquelas onde não existem salas de exibição


Parceria A Prefeitura de Vitória da Conquista apoia grande parte dos projetos desenvolvidos pelo Janela

Graduação Em 2009, surge o curso de Cinema e Audiovisual, mas o Janela continua independente. 14

um convidado para falar sobre a obra e a participação da plateia. As sessões são gratuitas, abertas a toda a população e acontecem semanalmente às sete da noite na sla de projeção do projeto, na Uesb. Em algumas ocasiões, são realizadas mostras temáticas em parceria com cursos e departamentos da instituição. O projeto Cinema: eis a questão inseriu a obra cinematográfica como possibilidade de leituras e análises no programa de provas do Vestibular da Uesb. Iniciado em 2004, promove a exibição de três filmes de temáticas diferenciadas, comentados por três professores, nos três campi da Uesb (Vitória da Conquista, Itapetinga e Jequié). Cinema Itinerante, uma das primeiras atividades externas promovidas pelo projeto, tem como objetivo exibir filmes, preferencialmente brasileiros, na cidade de Vitória da Conquista e em diversas cidades da região Sudoeste, atendendo a solicitações de prefeituras, escolas, eventos culturais e educacionais e empresas públicas e privadas. O que se aprende com o cinema, parceria entre o programa Janela Indiscreta, o Museu Pedagógico da Uesb e a Secretaria Municipal de Educação de Vitória da

Conquista, vem desenvolvendo ações conjuntas de formação continuada para alunos e professores da rede municipal de ensino. Entre as ações estão cursos, oficinas, seminários, além da integração do público-alvo com outros projetos. Na semana da criança, acontece a Mostrinha de Cinema Infantil que tem por objetivo trazer crianças de creches e da rede municipal de ensino à universidade, onde são exibidos filmes infantis, além da produção de oficinas. O evento proporciona a aproximação das crianças com o universo cinematográfico por meio de filmes fora do circuito comercial. Há também o projeto Cinema -educação que promove atividades com as escolas trabalhando com alunos e professores visando a educação através de suportes audiovisuais. Com mais de vinte anos de história, o Janela Indiscreta delimita em Vitória da Conquista um espaço para o cinema, para assistir, comentar, discutir e aprender sobre as práticas cinematográficas. Contribui para a formação dos universitários e cidadãos e incentiva a cultura, coletivizando e reunindo os amantes do audiovisual. Para ver, ouvir e falar de cinema.

«


Terra do Divino e do Cinema A pequena Poções, no Sudoeste da Bahia, já teve dois cinemas em funcionamento ao mesmo tempo e é também o berço de três dos mais importantes cineastas brasileiros. Texto e Imagens por Érika Paula e Voiana Martins Localizada numa depressão em forma de bacia na região sudoeste da Bahia, a 71 km de Vitória da Conquista, a cidade de Poções é nacionalmente conhecida como a “terra do Divino” por causa da tradicional e centenária festa religiosa que ocorre todos os anos em homenagem ao Divino Espírito Santo. O título religioso já conviveu harmonicamente com outro que também definia a cultura do pequeno município, já chamado de “cidade do cinema”. Mas isso foi há muito tempo... Nas décadas de 1940 e 1950, Poções – que hoje tem pouco mais de 48 mil habitantes segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – era, claro, bem menor. No entanto, tinha dois cinemas funcionamento e, não raro, as sessões ficavam todas lotadas em dias de exibição. Todos adoravam a magia dos sons e luzes na tela gigante. Alguns até se motivaram a mudar de lado: não se contentaram em serem apenas espectadores e decidiram “fazer cinema”. “Particularmente sinto muita vontade de ter vivido a época do Cine Glória que existiu aqui

na cidade. Creio que não só eu, mas toda a população gostaria de viver a sensação de voltar ao passado, no início do cinema”, conta o estudante Rodrigo Farias, de 19 anos. Farias, assim como a maioria dos jovens da cidade de Poções, cresceu ouvindo dos seus pais e avós que o cinema na cidade era um lugar de lazer e de diversão, onde os usuários se divertiam e conheciam outro mundo. Carlos Rizério, fotógrafo e produtor de cinema que viveu em Poções durante a infância, entre 1965 e 1972, confirma: “tínhamos uma relação lúdica com o cinema. A gente adorava os filmes western, tinha uma magia, um ritual de comprar ingresso, entrar no cinema, abrir a cortina de veludo vermelho. Eu ainda sinto o cheiro daquela cortina”, lembra saudosista. Rizério fala que a magia também acontecia do lado de fora dos cinemas. Ele conta que ia com os amigos trocar gibis na entrada, antes das sessões, e que a turma também colecionava pedaços de fitas de filmes. “Os filmes queimavam com frequência, então os projecionistas tiravam os pedaços e

15


Não só em Poções mas em todo o país, praticamente todos os espaços de cinema de rua desapareceram devido às comodidades que a tecnologia trouxe para a sociedade.

16

jogavam fora as sobras. A gente pegava essas sobras, os fotogramas, e fazia álbuns. Gostávamos dos pedaços com luta, ação, dos filmes western”, diz. Hoje, essa cultura anda um pouco apagada. Sem preservação, os locais onde funcionavam os cinemas foram se deteriorando com o tempo. “Há muita dificuldade em fazer renascer o cinema da cidade, pois a população em geral se apegou ao conforto de suas casas, com TVs, DVDs, ao invés de ir a um cinema, tendo que se deslocar de suas residências e pagar para assistir um filme. Foi isso que fez os três cinemas da cidade se perderem no tempo”, afirma Dinho Oliveira, coordenador de cultura da prefeitura de Poções. De fato, não só em Poções mas em todo o país, praticamente todos os espaços de cinema de rua desapareceram devido às comodidades que a tecnologia trouxe para a sociedade. Mas em Poções algumas pessoas estão tentando fazer renascer uma história que marcou tanto o lugar. Apesar da total falta de cinemas, é possível perceber a necessidade e a paixão pela cultura cinematográfica entre as pessoas. “A população ainda não perdeu a cultura de ir ao cinema, é visível essa necessidade. Com isso começamos a desenvolver alguns projetos, como exibição de filmes e mostras de cinema. Temos tentado de alguma forma manter a cultura do cinema viva na cidade”, diz Fabio Angra, jornalista e morador de Poções. Recuperar e reativar os espaços de cinema é outro sonho.


Três cineastas e uma cidade Foi na Era de Ouro do cinema brasileiro que viveram em Poções Geraldo Sarno, Fernando Bélens e Tuna Espinheira, os três cineastas filhos da terra que, juntamente Glauber Rocha, mudaram o cenário cinematográfico baiano e espalharam sua influência para todo o Brasil. Geraldo Sarno Geraldo Sarno é um dos precursores do moderno documentário brasileiro. Nasceu em Poções em 1938. Em sua juventude mudou-se de sua cidade natal para Salvador e foi justamente no momento de sua vida universitária, cursando Direito, que se deu uma grande efervescência cultural na vida soteropolitana, algo que reverberaria em sua carreira de cineasta. No início dos anos 1960, Geraldo Sarno teve ativa participação junto ao CPC (Centro Popular de Cultura). Sob este contexto, realizou suas primeiras experiências amadoras no cinema, ao lado de Orlando Senna e de Valdemar Lima. Em seus filmes, falou sobre camponeses e a possível revolução agrária num momento político em que as ideias de Jango mobilizavam a juventude. Com Mutirão em novo sol, um filme de formação, Sarno já começava a se enveredar pelo documentário mesclado com ficção, rodando com negativo 16 mm e em preto e branco. O filme, porém, foi sequestrado e destruído pela ditadura militar. Antes de juntar-se ao grupo que iria realizar os curtas-metragens de Brasil Verdade, Sarno aprendeu técnica cinematográfica durante o estágio de um ano em Cuba, em meados de 1963, no ICAIC (Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica). No seu retorno, já em São Paulo, juntouse ao grupo liderado por Thomaz Farkas e realizou seu grande filme de estreia e que viria a ser um clássico do cinema nacional: Viramundo (1964-5), que aborda a migração nordestina para São Paulo. O Nordeste, em especial o sertão e suas manifestações, está presente em quase toda sua obra, como no curta Eu carrego um sertão dentro de mim (1967). Geraldo Sarno ficou conhecido por abordar temas ligados ao sertão. Tem cerca de 30 filmes, entre documentários e ficção, dirigidos por ele, que é

reconhecido tanto no Brasil como na América Latina. Em 2012, o cineasta baiano foi o homenageado no 24° Festival de Cinema de Viña Del Mar, no Chile. Seu último filme, O Último romance de Balzac (2010) foi premiado no Festival de Gramado pela Direção de Arte e com o Prêmio Especial do Júri. No ano passado, foi homenageado em sua cidade durante a Mostra de Cinema de Poções. Fernando Bélens Fernando Bélens nasceu em 1950 e é outro nome muito importante da tríade de realizadores cinematográficos poçoenses. “Eu nasci em Poções, mas sai de lá muito cedo. De vez em quando, eu sonho com cavalos e cavaleiros da festa do Espírito Santo. Deve ter muito de Poções no meu inconsciente...”, conta. Bélens estudou medicina na Universidade Federal da Bahia e atuou por mais de vinte anos como psicanalista em programas de saúde mental para a população de baixa renda. “Eu sempre fui muito cobrado por ser médico e cineasta, hoje tenho essas duas atividades como paixões complementares. Durante mais de 20 anos eu dava um plantão em psiquiatria que garantia água, luz e comida. Os demais dias da semana era puro cinema. Hoje tenho sete dias (por semana) para o cinema e estou aposentado da medicina. Sempre morei coletivamente o que sempre barateou os meus custos do viver. Essencialmente por isso eu pude conciliar essas duas paixões”, ressalta o cineasta. Ele conta que começou a fazer cinema em Super-8 quando cursava o Colégio Central, escola pública tradicional de Salvador, onde fundou o grupo Soyuz, e realizou para a feira de ciência o filme Anônima fragmentação. “A minha paixão pelo cinema nasceu a partir do grupo de artes Soyuz, que formamos no Colégio Central da Bahia, nos idos de 1969. Preparamos uma feira de arte e eu fiquei responsável pela área de cinema, consegui uma cópia do filme de Paulo Gil Soares, As Proezas de Satanás na Vila do Leva e Trás. Toda a feira foi proibida pela direção do colégio mas, o filme, como seria projetado no Cine Capri, foi a única atividade que aconteceu. A visão do filme de Paulo Gil, apresentando um universo em que eu fui criado, foi uma

17


iluminação, era aquilo que eu queria fazer. Com uma câmera Super-8 comprada de segunda mão eu comecei a fazer meus primeiros filmes. Era isso, a paixão estava consolidada”, resume Beléns. Em 1973 dirigiu Viva o cinema, curta censurado e apreendido pelo regime militar. Ele conta que, por paradoxal que pareça, seu maior reconhecimento como cineasta nasceu a partir da censura ao seu primeiro trabalho. “Era um super-8 curtíssimo que era um grito mudo contra o AI-5. Essa censura e ter de responder na Policia Federal pelo significado do filme me mostrou que eu tinha algo a dizer, e essa fala, por mais modesta que fosse, incomodava aos donos do poder na época. Isso foi um grande reconhecimento pessoal, eu me identificava com aquele objeto-cinema”. Pau Brasil foi seu trabalho mais conhecido. Conta a história de duas famílias vizinhas que vivem em meio à intolerância e hipocrisia em um pequeno povoado perdido no tempo, foi feito em longametragem. Em 1980, lançou o filme Ora bombas que se refere ao episódio da explosão do Riocentro. No mesmo ano, fez Crianças do novo mundo, que se trata de um docudrama (gênero que está entre a ficção e o documentário) em 35 mm sobre uma seita religiosa que sacrificou oito crianças no mar. Fernando Beléns tem também uma vasta expe-

18

riência teatral. Na década de 1980 participou do grupo de teatro de rua Encruzilhada que fez, por vários anos, intervenções semanais na cidade de Salvador. Em 1982 escreveu e encenou a peça Pavilhão nacional, que trata das condições dos hospitais psiquiátricos. Em 1984, teve encenada a peça Encruzilhada para Woody Allen, dirigida por Fafá Pimentel. Na década de 1990 voltou a fazer e dirigir filmes, porém agora em 16 e 35mm. Ele é também autor dos filmes Anil (1990), A mãe (1998), sobre dona Lúcia, mãe do cineasta Glauber Rocha e Pixaim (2000). Com este, Beléns ganhou o prêmio da Unesco do Maranhão e prêmio do público no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. Hoje o cineasta não mantém contato com a sua cidade natal. Muita coisa mudou desde que saiu de lá, ainda criança. “Não tenho muito contato com Poções. Há uns três anos fui em busca de um imaginário perdido e não achei nada. O Pirulito, obelisco que festejava o fim da Segunda Guerra Mundial, havia sido destruído, a igreja que eu pensava existir não era a mesma. Tenho de Poções vagas lembranças: o passar das boiadas, a cavalgada da Festa do Divino, meu pai morrendo do coração, minha mãe me sufocando de amor e a história de um açude que iria estourar e nos matar a todos. Vagas, vagas estrelas da Ursa Menor”, finaliza.


Tuna Espinheira Tuna Espinheira nasceu no dia 26 de dezembro de 1943. “Sou da época em que o cinema era a maior diversão. Em Poções, onde passei a infância e começo da adolescência, os filmes eram os principais encantamentos, ao lado das passagens, de tempos em tempos, do glorioso Circo Nerino. Desde cedo o cinema foi o meu mais forte alumbramento, peça fundamental na minha formação, paixão infinita de sempre enquanto eu dure. Lá eu era feliz e sabia”, relata cineasta, saudosista. Ele conta que quando vivia em Poções a população costumava dizer que era um lugar, “onde Judas perdeu as botas”, no agreste do sertão baiano. Foi regiamente favorecido por uma infância de encantamentos, vivia com liberdade ampla para brincar e cometer pequenas infrações, como quebrar vidraças e outras práticas da rebeldia inocente. A maior parte dos seus filmes são documentários, sendo o primeiro Luiz Gonzaga – O Rei do Baião (1969/70). Sobre o início de tudo, Espinheira conta: “Fui morar no Rio de Janeiro, em razão do cinema baiano ter sido extinto, por uma pá de cal, com o advento da famigerada ditadura militar, de 1964. O projeto desta minha ida era embarcar numa produção de longa-metragem, para aprender na dura prática, e foi o que aconteceu. Fazer documentários

significava fazer filmes mais baratos e, sem padrinhos, era o mais indicado, no meu caso. Mas os projetos de ficção fervilhavam, sempre, na cabeça. Sou dos que entendem que no cinema documentário tem muita ficção, assim como o cinema vice-versa.” Escreveu e dirigiu curtas-metragens como Major Cosme de Farias, O Último Deus da Mitologia Baiana, Dr. Sobral Pinto, Samba Não Se Aprende na Escola, Comunidade do Maciel, O Fazendeiro do Ar, A Ilha da Resistência, entre outros. Também dirigiu médiametragem de ficção como O Cisne também morre. Em 2008 lançou em Feira de Santana, no Orient Cineplace, seu primeiro longa-metragem chamado Cascalho, o qual foi totalmente filmado em Andaraí, na Chapada Diamantina. “O filme, Cascalho, longa metragem baseado no romance emblemático de Herberto Sales, foi uma árdua batalha, tal e qual aquela contada na Bíblia, dos sete anos... que viraram mais sete... Em primeiro lugar, tentamos as leis de incentivo, anos a fio, em vão. Não é nada fácil amealhar grana para um longa. Mas eis que a Bahia instituiu concursos de roteiros para este fim, para um único prêmio a cada edital. Ganhamos no segundo. Desta maneira, com o dinheiro estipulado neste concurso, conseguimos filmar, mesmo com todas as dificuldades, pois o cobertor orçamentário era muito curto para o frio de um filme de época (passava-se na década de trinta)”, expõe o cineasta. Em andamento, já com algumas filmagens prontas, o mais novo projeto é um documentário de longa-metragem sobre Anísio Teixeira, o mais importante filósofo/educador da história do país, segundo Tuna. E também está em preparação um curta-metragem com os personagens Dr. Eurico Boaventura e o poeta Manuel Bandeira, este produzido em forma de diálogo. Durante a Mostra Cinema Conquista de 2014, o cineasta vai lançar também um longa sobre o artista plástico de Feira de Santana Juracy Dórea. Tuna Espinheira foi homenageado na sua cidade natal com um evento dedicado a ele, na primeira Mostra de Cinema de Poções. Foram exibidos filmes do cineasta na câmara de vereadores do município. “A homenagem em Poções foi um imorredouro alumbramento. Revi a cidade com os olhares de criança e do marmanjo atual: duas Poções, uma sustentada no meu imaginário doutras eras e a da realidade. Foi emoção pura!”, finaliza.

«

19


Cinema também se O curso de Cinema e Audivisual da Uesb, campus de Vitória da Conquista, vai formar a primeira turma em 2014

“o nosso propósito era fazer com que essa universidade diversificasse, ampliasse para o mundo na área de humanidade e de arte, através do curso de Cinema e Audiovisual”

20

Há 527 quilômetros de Salvador, no Sudoeste baiano, Vitória da Conquista é uma cidade que, pode-se dizer, sempre soube aproveitar as oportunidades. Na década de 1940, a construção da BR 116 e da rodovia Ilhéus-Lapa ajudou o município a se integrar ao restante do país. O clima ameno e a altitude elevada possibilitaram o investimento na cafeicultura e o consequente crescimento econômico. Na crise do café, nos anos 1980, a economia se modernizou e abriu espaço para a diversificação no setor de serviços, comércio, educação e saúde. Hoje, é a terceira maior cidade da Bahia mas, por sua versatilidade, se destaca também por ser importante polo de difusão cultural. Os filhos da terra que o digam. De Conquista, ganharam o mundo músicos como Xangai, Elomar Figueira e Evandro Correia. Glauber Rocha é o pai do cinema moderno brasileiro, criador do movimento “Cinema Novo”. Todos partiram de sua ligação visceral com as coisas do interior para criar. Talvez essas paragens sejam mesmo inspiradoras. Agora um novo movimento de resgate da arte cinematográfica coloca novamente a cidade em evidência. E, nesse contexto, porque não ensinar cinema mesmo fora dos grandes centros brasileiros? Em 2010 o curso de Cinema e Audiovisual foi implantado na Uesb na esteira dos projetos de reflexão e formação em cinema que há anos aconteciam na cidade. O objetivo era também formação artística, humanística, crítica, ética, teórica, técnica e profissional do aluno no campo conceitual. O professor Itamar Aguiar, doutor em Ciências sociais pela PUC,


aprende no interior Texto e Imagens por Débora Costa e Rodrigo Farias

professor de Filosofia da UESB e integrante da comissão que contribuiu para o surgimento do curso de Cinema e Audiovisual, junto com a professora Milene Gusmão, diz que “o nosso propósito era fazer com que essa universidade diversificasse, ampliasse para o mundo na área de humanidade e de arte, através do curso de Cinema e Audiovisual”. Nem todos foram favoráveis à implantação do novo curso. O principal argumento contrário estava ligado justamente à questão da distância dos polos produtores e difusores de filmes, assim como a – suposta – dificuldade em inserir os estudantes egressos no mercado de trabalho. “Tivemos dificuldades com alguns colegas do curso de Comunicação-Jornalismo. Houve atritos”, conta o professor. Outras dificuldades vieram com a aprovação e implantação do curso pela universidade, como a falta de professores e de infraestrutura para que o curso funcionasse adequadamente. No entanto, a vontade de ensinar e fazer cinema mobilizou os precursores do curso, que conseguiram equipar totalmente os laboratórios, adquirir equipamentos de última geração e até construir uma sala de projeção. O professor José Duarte, vice-coordenador do colegiado de Comunicação, afirma que o principal problema para a implantação do curso de Cinema na Uesb “foi uma questão de adequar o nome do curso aos recursos tecnológicos. O cinema tem muitas especificidades técnicas e no Brasil tem poucos técnicos e eles se localizam nos grandes centros urbanos. Então não é a crítica ao curso de cinema da Uesb em si, é a crítica ao curso de cinema instalar-se numa cidade que

...a vontade de ensinar e fazer cinema mobilizou os precursores do curso, que conseguiram equipar totalmente os laboratórios, adquirir equipamentos de última geração...

21


...o campo para trabalhar com cinema e audioviovisual diz respeito a uma das indústrias mais acredito que não comporte esses profissionais. E vejo dificuldade de encontrar quadros (profissionais) pra montar esse curso”. Mas o próprio Duarte admite que o curso está buscando caminhos para superar esses entraves. O mercado de trabalho do profissional de Cinema e Audiovisual, segundo a publicação Guia do Estudante, tende a crescer. A retomada do cinema nacional, com as políticas de incentivo, aquece o mercado. O profissional pode também atuar na televisão na área de roteiro, cenografia, fotografia, iluminação, direção, edição, sonorização e finalização. Mas a grande novidade é a Internet com destaque para a criação de filmes e séries para a Web TV e a confecção de vídeos corporativos para empresas. As melhores oportunidades ainda se concentram nos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, mas o restante do Brasil está em franca descoberta das potencialidades do audiovisual. Aguiar afirma que “a rigor o campo para trabalhar com cinema e audiovisual diz respeito a uma das indústrias mais importantes e que tem mercado para ser trabalhado em todos os lugares. Apesar da importância e das inversões de capital no mundo, para organizar a cinematografia de cada país, o profissional da imagem em movimento, com seus conteúdos diversificados,

22


importantes e que tem mercado para ser trabalhado em todos os lugares. abre mercado de trabalho para o individuo conquistar o seu espaço. Vai depender da atuação e do desempenho do profissional e das oportunidades que surgem”. Ricardo Ceffas, estudante do oitavo e último semestre, diz que o curso tem contribuído muito para a sua formação acadêmica e técnica. “Ao contrário do que muitos pensam, a gente dá um duro danado. Pra fazer um filme a gente precisa escrever argumento e roteiro, ensaiar, filmar, editar, montar. E na parte prática nós aprendemos técnicas de fotografia, iluminação, direção”, relata. Ceffas já melhorou seu currículo com a participação em produções como os filmes Pequenas Viagens e Pedras que rolam, este último um documentário.

Produções premiadas

Fazer um filme é um processo

longo realizado em etapas que exigem esforço de quem produz para conduzir a ideia da história. Além de produzir, trazer novidades para um público e atiçar o interesse pela criação é essencial para quem é cineasta. No curso de cinema da Uesb, os estudantes buscam o olhar profissional em suas produções mesmo ainda no período acadêmico. O coordenador do curso, Rogério Luiz de Oliveira, diz que cha-

23


Entre as produções premiadas dos estudantes está O homem que encantou as aves do sertão...

Outra produção vencedora é o filme Amoras, um média-metragem de Patrícia Moreira e Cornélio Cunegundes

24

ma a atenção a participação e o interesse dos estudantes em buscar produzir a partir das suas ideias e histórias. Para ele, apoiar as produções artísticas dos estudantes é algo importante para o crescimento do discente junto a universidade. “Apostar na difusão nos trabalhos feitos pelos alunos do curso de cinema e audiovisual aqui na Uesb é nossa frente mais fortes e é importante ressaltar que temos trabalhos que se destacam em festivais estaduais e nacionais”. Entre as produções premiadas dos estudantes está O homem que encantou as aves do sertão, com a direção da estudante Patrícia Moreira e realizado em parceria com outros cinco colegas do curso. O filme destacou-se em festivais, obteve duas premiações nacionais e conquistou um prêmio baiano de melhor animação. O curta-metragem possui duração de aproximadamente 3 minutos e é uma homenagem a Luiz Gonzaga. Na sinopse, o Rei do Baião retorna ao sertão trazido pelas asas brancas. Dos olhos de Rosinha, escorre o verde que se espalha pela plantação. A história tem como ideia principal as músicas de Gonzaga que relatavam figuras imaginárias como as aves do sertão e seu amor por Rosinha. “O cenário pintei a mão numa placa de ferro galvanizada presa na parede. Os personagens e todos os pássaros foram desenhados em um papel imã e depois recortados e animados, uma média de 600 desenhos e mais de 1.500 peças”, relata Moreira. “O cinema é minha vida, com ele consegui preencher todas as lacunas”, conclui. Outra produção vencedora é o filme Amoras, um média-metragem de Patrícia Moreira e Cornélio Cunegundes. O filme faz parte do projeto de conclusão de curso da dupla e mostra a construção de afeto e superação que transita entre o real e o imaginário das personagens. Pequenas Viagens, Pau de Atiradeira, Cinema da Depressão e a animação voltada para os direitos humanos Malu também fazem parte da coleção de produções audiovisuais dos futuros cineastas do curso de cinema da Uesb. Para o reitor da universidade, Paulo Roberto Pinto Santos, esse engajamento dos alunos é fundamental para que sejam superados obstáculos próprios do ensino superior público que busca garantir a qualidade. São ações que destacam o curso e sua consolidação na região. “Mesmo estando no interior do Estado, o curso de Cinema e seus alunos vêm mostrando a que vieram, principalmente, por se tratar de uma área que tem batalhado por seu espaço. Há mais de 20 anos com a atuação do Programa Janela Indiscreta, a nossa Instituição tem se mostrado atenta à importância e valorização do Cinema e está provando que é possível viver essa arte, também no interior. Nesse contexto, o curso de Cinema vem solidificar isso”, defende. Aos poucos, o curso de Cinema e Audiovisual vai deixando suas marcas, espalhando suas sementes. Politicamente, está engajado na parceria com o poder público, com o apoio do cineasta Orlando Senna, para implantar em Vitória da Conquista um polo cinematográfico. E para a complementar a formação de seus alunos, firmou um convênio com a Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba, através do qual os alunos terão a possibilidade de fazer intercâmbio, trocando experiências e compartilhando os conhecimentos com estudantes de cinema do país latino. Do interior da Bahia para o mundo, é só um (pequeno) passo.


Estudantes do curso de cinema e audiovisual produzem

Produzida pela produtora Pigmaleão, formada por um grupo de estudantes de Cinema e Audiovisual, e partindo da ideia de expor arte de qualidade na pequena tela da Internet, a web série Elos se destaca pela produção independente dos estudantes sendo a primeira produção audiovisual da equipe. Isac Flores, estudante de cinema, ator e diretor da série, diz que a ideia surgiu a partir da criação do roteiro de um curta-metragem do colega de curso Daniel Leite. Juntos, os dois elaboraram o projeto que resolveram colocar em prática. Elos está em fase de gravação dos episódios e deve ser lançada em breve. A web série aborda a temática do amor pelo cinema e a materialização dos sonhos em forma de audiovisual. Segundo Leite, que assina o roteiro, a história é baseada na busca da autodescoberta de quatro personagens que, durante a trama, verão suas vidas se cruzar e formar elos no decorrer da história. O roteirista afirma ainda que “escrever todo o roteiro durou cerca de um mês. Escrevi aproximadamente 250 páginas divididas em sete capítulos. Entreguei o roteiro em meados de dezembro de 2013 e iniciamos o processo de pré-produção em montar equipe, fechar elenco, entre outras coisas”. Para ele, algumas dificuldades impactaram no desenvolvimento da web série, como a disposição de locais próprios para determinadas cenas e o fechamento da equipe. “Éramos inexperientes, então tudo era novo, dava aquele frio na barriga. Quando tínhamos dúvidas, recorríamos aos professores, e assim sempre conseguimos superar as dificuldades”, relata o estudante e roteirista do projeto. Atualmente, a série conta com sete episódios gravados. A previsão para o lançamento oficial é que aconteça em novembro de 2014.

Elos a web série

«

25


Um olhar para

A Mostra Cinema Conquista faz dez anos e se consolida como Por Luan Vinicius Ferreira e Amanda Silveira O lema, “Um olhar para o novo cinema”, não foi escolhido à toa. Desde o início, no ano de 1994, este foi sempre o propósito da Mostra Cinema Conquista. A ideia era – e continua sendo – trazer para Vitória da Conquista filmes que busquem a experimentação em todos os níveis, da técnica à linguagem, e que encantem justamente por serem únicos, escancarando e mostrando ao público a “alma” das produções. Como dizia João Sampaio, um dos home-

26

nageados da Mostra deste ano, curador de edições passadas e falecido em maio deste ano, “o filme que vem para cá é aquele que busca uma conversa com sua natureza própria de existir no mundo”. E assim, existindo no mundo do cinema e se difundindo pelas múltiplas telas espalhadas pela cidade durante a Mostra, os filmes apresentados aqui emocionam milhares de pessoas a cada ano. Em dez anos, milhares de pessoas passaram pelos


o novo cinema

evento de estimulação e disseminação da cultura audiovisual

espaços montados para exibições, que não se restringem a salas de teatro e cinema, mas vão ao encontro do público, com projeções fixas e itinerantes em praças e outros espaços alternativos, contemplando muitos bairros e distritos da cidade. No primeiro ano, as projeções atraíram 3 mil pessoas. Em 2013, foram 9 mil. O investimento também cresceu ano a ano: passou de R$ 45 mil, em 2004, para R$ 300 mil em 2013, com previsão de chegar

a R$ 350 mil neste ano de 2014. Os recursos vêm de parcerias entre o Governo do Estado da Bahia, o Ministério da Cultura, a Prefeitura de Vitória da Conquista, a Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) e apoiadores culturais. Porém, mais que por números, a cada ano a mostra se evidencia pelo amadurecimento e constante renovação. O prefeito Guilherme Menezes considera de fundamental importância a parceria que viabiliza o

27


projeto. “É uma satisfação para a Prefeitura promover, em parceria com a Uesb, uma iniciativa como a mostra, que chega em 2014 a sua décima edição de forma tão referenciada entre os eventos que visam o fomento da cultura audiovisual no país”, afirma o prefeito, que cita, como potencial reforço do evento, a recente aquisição do Cine Madrigal pela Administração Municipal. “Este será mais um equipamento que fortalecerá a mostra, de modo a

28

contribuir para a formação de plateia”, assegurou. Em 10 anos de existência, mais de 127 longasmetragens e 250 curtas e médias-metragens foram exibidos – entre nacionais e internacionais – hoje privilegiando as produções audiovisuais nacionais, especialmente as nordestinas. Dentre renomados nomes da produção cinematográfica nacional, Elisa Tolomelli, David Tygel, André Setaro, Luiz Gonzaga de Luca, Hilton Lacerda, Inês


Teixeira, Caó Cruz e Joel Pizzini já participaram da mostra ministrando oficinas e cursos de formação e produção audiovisual. Paralelamente às exibições, o público pode participar de reflexões sobre o cinema nacional, as atuais produções audiovisuais e suas repercussões na sociedade, na educação e na cultura. O crescimento da mostra, em números e em importância cultural, já coloca Vitória da Conquista

como um importante centro de difusão cinematográfica e também polo de produção da sétima arte, impulsionado também por outros projetos como o programa Janela Indiscreta e pelo curso de Cinema e Audiovisual da Uesb. Esmon Primo, um dos idealizadores do evento espera que “neste ano a mostra possibilite mais uma vez o acesso de novos filmes brasileiros a um público cada vez maior”.

29


254

127

longas metragens

curtas e médiasmetragens

25

5

Seminários

Oficinas e Cursos

21

Apresentações Artísticas

Um pouco de história O inicio de tudo se deu com o projeto Janela Indiscreta nascido dentro da Uesb e que motivou a realização de eventos – no inicio discretos – sobre cinema pela cidade. Em 1994, com as comemorações dos 100 anos de cinema no mundo inteiro, novos e grandes eventos começaram a ser realizados. Nos anos seguintes – 1996 e 1997 – dois eventos, com o pensamento voltado para Glauber Rocha, filho da terra, foram realizados em Vitória da Conquista: “Glauber Rocha: um século de cinema” e “Glauber Rocha: Política, Mito e Linguagem”. Os caminhos para o que viria a ser a Mostra de Cinema Conquista começaram a ser desenhados naquela época. O desejo de implementar um festival de cinema na cidade (que já tinha até o nome “Cinema Conquista Glauber Festival”), projeto idealizado por Esmon Primo e Jorge

30

Luis Melquisedeque e aprovado pelo Ministério da Cultura foi transformado com as gravações dos trechos finais do filme Central do Brasil, lançado em 1998, feitas na cidade um ano antes. Primo conta que uma conversa dos idealizadores do projeto com o diretor do longa-metragem, Walter Salles, fez as ideias ganharem novos contornos. Em meados de janeiro de 1997, entre gravações e conversas, um questionamento do diretor sobre as razões de um festival precedeu os incentivos para a realização de uma mostra. A semente foi plantada. Em 2003, um projeto para a edição da primeira mostra foi apresentado à Secretaria Municipal de Cultura. Com sua aprovação, a primeira edição aconteceria em 2004, entre os dias 26 de março a 03 de abril tendo como espaços de exibições o antigo Cine Madrigal e o Teatro

Glauber Rocha. Assim, a mostra nascia com o objetivo de valorizar, divulgar e democratizar o acesso da população às produções cinematográficas. No princípio, abrangia também filmes estrangeiros: foram apresentadas durante a primeira mostra produções de vários lugares do mundo. Além das exibições cinematográficas, seminários, conferências, oficinas audiovisuais, exposições, homenagens, lançamentos de livros e atividades culturais fizeram parte da programação da mostra. Uma parceria da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista com a Uesb resultou na ação anual que, reconhecida como a atividade cultural regular, foi incluída no edital de eventos calendarizados do Governo do Estado, passando a fazer parte do calendário cultural baiano com programação aberta e gratuita ao público.


5

Exposições

17

13

2

Lançamentos de Livros

Conferências

7

Eventos Papo de Cinema

Homenagens

Um pouco de cultura audiovisual A Mostra Cinema Conquista viabiliza o acesso à história do cinema na cidade através de espaços de socialização. De Gaguinho, senhor aspirante a cineasta com suas produções artesanais em vídeo, passando pelo cineasta Aécio Florentino de Andrade, que na década de 1960 produziu o filme O tropeiro, até Glauber Rocha, filho da terra que deixou marcadas em seus filmes as memórias da sua infância de um jeito diferente, inaugurando o movimento Cinema Novo, o evento remonta e conserva a história sociocultural do cinema brasileiro. Entre seus momentos marcantes, o lançamento do filme Tragédia do Tamanduá, do diretor George Neri na Mostra de 2011, emocionou os mais de 300 expectadores que compareceram

ao Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima. Foi numa tarde de sábado, às duas da tarde, que a tragédia ocorrida em 1895 – uma briga entre famílias de Vitória da Conquista – levou às lágrimas o público presente em sua exibição. Ao longo dos anos diversas personalidades e entidades foram homenageadas como forma de reconhecer sua significância ao cinema conquistense. Entre os homenageados estão Jorge Melquisedeque, na edição de 2004, um dos idealizadores da mostra que morreu em 2001, antes de ver seu projeto concretizado; Lucia Rocha, em 2006, mãe de Glauber Rocha; os cineastas Gildásio Leite, Orlando Senna e Guido Araújo, em 2007, 2009 e 2011 respectivamente; o projeto Janela Indiscreta da Uesb, em

2012; e o Cine Madrigal com seus profissionais, Seu Ferreira, Raimundo Menezes e Zé Baleiro, na última edição em 2013. Em dez anos, a Mostra Cinema Conquista exibiu, experimentou, difundiu e popularizou experiências com o cinema. Sua essência e seus princípios permanecem os mesmos, não se esvaíram com o tempo. O ideal permanece firme em um esforço consciente de impulsionar a inserção do público como receptor ativo das produções audiovisuais. De quebra, o projeto coloca Vitória da Conquista em lugar de destaque como centro de produção cultural no interior do Estado da Bahia. Em sua décima edição, mais do que mais um evento, a mostra é o momento para se ver, ouvir e falar de cinema.

31


Mostrinha de Cinema Infantil chega a sua 5ª edição

Acervo Mostra Cinema Conquista

Na esteira da Mostra Cinema Conquista surgiu um movimento que focou as atenções para outro público: as crianças. A Mostrinha de Cinema Infantil também faz história na cidade e deve chegar à sua quinta edição em 2014 com uma bagagem tão importante quanto a mostra para adultos. Mais de 80 filmes já foram exibidos para um público de pelo menos 10 mil crianças, com idades entre quatro e 12 anos. Filmes de todos os cantos do país são exibidos para o público infantil que, em grande parte, vem da rede pública municipal de ensino. O principal objetivo do projeto é facilitar o acesso das crianças às produções cinematográficas brasileiras voltadas para elas, o que corresponde especialmente a animações produzidas em todo o canto do país. Segundo o prefeito Guilherme Menezes, o evento está consolidado e tem um futuro promissor. “Mais de 10 mil alunos da Rede Municipal já participaram

32

das atividades da Mostrinha e a Administração Municipal continuará viabilizando esse empreendimento tão importante relacionado à sétima arte”, analisa. Em 2012, a 3ª Mostrinha veio para consolidar o evento no calendário de mostras e festivais audiovisuais do Brasil e nas ações de educação e cultura de Vitória da Conquista, obtendo também a aprovação pelo programa BND de Cultura em parceria com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). As programações da Mostrinha acontecem durante a semana da criança, no mês de outubro, e contam com júris infantis compostos por crianças das escolas públicas do município. Além da exibição de filmes, as últimas quatro edições proporcionaram às crianças participantes diversas oficinas, como fotografia, animação, produção de vídeo, sonorização e cineclube na escola.

«


33


Uma chance ao Cine Madrigal Vivo na memória da população, o cinema fechado há quase dez anos deve tornar-se um espaço multifuncional para o desenvolvimento de ações ligadas ao Cinema

Por Luana Lopes e Rogério Rodriguez

Dona Rodiney Teixeira se alegra ao relembrar os momentos vividos com o esposo, no antigo cinema de rua. A magia do Cine Madrigal está presente em suas recordações. “Era tão divertido ir ao cinema, eu ia com meu marido e deixava as crianças com minha irmã, a gente se arrumava, se perfumava e ia. Comprávamos pipoca na entrada e a ansiedade tomava conta, eu ficava encantada com aquela coisa toda, era bonito demais”, conta ela. Foi no final dos anos 1960 que Vitória da Conquista ganhou uma sala de cinema com um nome peculiar, “Madrigal”. A origem do termo remonta o contexto cultural da época, pois madrigal era um espaço onde artistas apresentavam obras ligadas a atos heroicos, pastoris e libertinos. Na estreia do Cine Madrigal, em 22 de maio de 1968, foi exibido o longa europeu A Noite dos Generais, dirigido por Anatole Litvak. O cinema de rua era um sucesso, com capacidade para mais de mil pessoas e durante 33 anos funcionou ininterruptamente. Neste tempo, encantou milhares de espectadores, atravessando incólume as várias fases político-culturais brasileiras. Mas em 2001, diante de uma severa crise e com público reduzido, fechou suas portas pela primeira vez. No ano seguinte, reabriu e voltou a funcionar com sucesso de público, exibindo o longa americano Homem Aranha, dirigido por Sam Raimi. Porém, novamente, pouco a pouco o público foi diminuindo e, em 2007, o Cine Madrigal fechou as portas de vez. Vivo na memória da população, o cinema que marcou a história de Vitória da Conquista foi adquirido no dia 20 de maio de 2014 pela prefeitura da cidade, que anunciou um projeto de revitalização do antigo cinema. O projeto representa uma alternativa para as produções que circulam fora

34


Kelvin Yule

dos limites do circuito comercial de exibições. O prédio histórico tem uma profunda relação com Vitória da Conquista e, atuando como espaço público, pode oferecer cultura a quem precisa, principalmente aos jovens e àqueles que têm dificuldade de ir ao cinema. “O Cine Madrigal é uma das poucas salas tradicionais de cinema restantes no universo cultural de Vitória da Conquista. É uma lembrança afetiva”, afirma o prefeito Guilherme Menezes. “Ele estava ali, quase desaparecendo, e agora volta com toda a força. O Governo Municipal pode dizer hoje que aquele espaço é do povo da cidade, e já estamos com o projeto para fazer toda a manutenção que for necessária, mas sempre respeitando a sua arquitetura original”, acrescenta. O patrimônio deve ser restaurado e ficará à disposição da comunidade conquistense. O investimento em sua aquisição foi de R$ 1 milhão. A manutenção do espaço, segundo a Administração Municipal, deve garantir a permanência de sua estrutura original e promover a cultura através de filmes que não encontram espaço para exibição nas salas de cinema convencionais. Para isto, a Prefeitura deve se valer da parceria com o curso de Cinema e Audiovisual da Uesb. Além disso, o espaço também fomentará o desenvolvimento de ações pedagógicas voltadas para o cinema. Uma das ideias para reinaugurar o Cine Madrigal em grande estilo é a exibição do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, produzido em 1964 pelo cineasta conquistense Glauber Rocha e que completa, portanto, 50 anos em 2014. Certamente, uma bela homenagem a um dos mais famosos cinemas do interior da Bahia.

«

35


A Conquista de Glauber Rocha


Vitória da Conquista orgulha-se de ser a terra-mãe de um dos maiores cineastas de todos os tempos Por Bruno Morais e Patrícia Rocha Durante a infância, na antiga casa da avenida Dois de Julho, no centro da cidade, ele brincava de dirigir “cenas de mentirinha” da luta entre heróis e bandidos. O tempo vivido em Vitória da Conquista foi curto – Glauber Rocha nasceu na cidade em 1939 e mudou-se com a família oito anos depois para Salvador – mas certamente a vivência no interior baiano foi inspiradora para suas produções posteriores. E o município ainda guarda a memória de seu filho ilustre: seu nome batiza um teatro, um complexo cultural, uma rua e vários projetos de educação pelo cinema. Um dos mais importantes cineastas brasileiros de todos os tempos, Glauber de Andrade Rocha ficou conhecido como o criador do “Cinema Novo”, movimento iniciado no começo dos anos 1960 que mudou os parâmetros das produções cinematográfi-


Barravento, 1962

Deus e o Diabo na Terra do Sol, 1963

Terra em transe, 1967

Cabeças Cortadas, 1970

O Leão de Sete Cabeças, 1971

Câncer, 1972

Claro, 1975

A Idade da Terra, 1980

cas nacionais e inspirou ideias mundo afora. Com o princípio de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, deu identidade nova ao cinema brasileiro. Descendente de uma tradicional família conquistense por parte materna, Rocha viveu seus primeiros anos de vida da casa do avô. Vitória da Conquista certamente foi porta de entrada para as idéias de Glauber. “Ele se inspirou muito na sua vivência infantil em Conquista na criação de seus filmes, de vários de seus personagens. Estou falando da realidade e do imaginário da Conquista de meados do século passado, ou seja, cangaceiros, beatos, santas, jagunços, camponeses”, declarou o cineasta Orlando Senna amigo de longa data de Rocha. Senna conheceu Glauber na dé-

cada de 1950, em Salvador, ainda adolescentes, fazendo política estudantil secundarista. “Ele era um grande orador. Nossa relação era de amizade, dessas amizades especiais que se fazem na infância ou adolescência e ficam para toda a vida”. O professor e historiador Durval Menezes conta que Rocha tinha uma inteligência superior a de outras pessoas. Desde criança, já apresentava uma personalidade criativa. Iniciou sua carreira como ator em 1949 com 10 anos de idade no colégio Dois de Julho em Salvador, onde também estudava. O jovem Glauber começou a liderar a sua geração, em Salvador, aos 14 anos de idade. Com 16 anos apresentou um espetáculo de teatro no Colégio da Bahia, as Jogralescas, que causou uma

enorme polêmica cultural pela sua ousadia artística. Essa intervenção cultural dele e de outros adolescentes que o seguiam mudou a cara da Bahia, foi o início do grande movimento baiano do cinema e todas as artes, que resultou não só no Cinema Novo como também no movimento musical chamado de Tropicália. Em 1957, Glauber entrou para a Faculdade de Direito da Universidade da Bahia onde estudou até o terceiro ano. Com poucos recursos, filmou Pátio, utilizando sobras de material de Redenção, de Roberto Pires. Em 1958, trabalhou como repórter no Jornal da Bahia, fazendo muitas ações jornalísticas, como ele chamava, junto com seu amigo Senna, assumindo depois a direção do Suplemento Literário.

O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, 1968

38


Pátio, 1959

A Cruz na Praça, 1959

Amazonas, Amazonas, 1965

Maranhão 66, 1966

História do Brasil, 1974

As Armas e o Povo, 1974

A Conquista de hoje

Di Cavalcanti, 1977

Jorge Amado no cinema, 1979

Antes de realizar seus longametragens, Glauber fez diversos curtas, entre eles Amazonas, Amazonas, quando iniciou seu contato com o cinema a cores. No Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary na Tchecoslováquia em 1964, Rocha foi premiado com o filme Barravento seu primeiro longa-metragem. Outros longa-metragens, Deus e o diabo na terra do sol, Terra em transe, O dragão da maldade contra o santo guerreiro, A idade da terra, são obras que venceram outros festivais e o deixaram mundialmente conhecido. Seus filmes fazem uma crítica social feroz com uma forma de filmar que pretendia cortar radicalmente com o estilo importado dos Estados Unidos. “Ele desenvolveu uma forma diferenciada

de mostrar a sociedade através da imagem”, exalta Menezes. “Ele era um cara corajoso, destemido”, completa o historiador. A personalidade de Rocha, todos confirmam, era a de um criador e trabalhador incansável e apaixonado pelo que fazia. Orlando Senna admirava no amigo o ímpeto de sempre fazer coisas novas, de ser inovador e do seu bom humor. Ele se preparava para fazer um filme quando começou a passar mal. Glauber Rocha morreu de problemas broncopulmonares no dia 22 de agosto 1981, aos 42 anos e foi velado no Parque Lage, cenário de Terra em transe, em meio a grande comoção e exaltação. “Sou um camponês de Vitória da Conquista”, dizia.

Apesar de mundialmente conhecido, em sua terra natal o nome de Glauber Rocha e de seus feitos pelo cinema nacional carece de maior investimento entre os jovens. “O nome é conhecido, mas não sei quem é não”, diz Rodrigo Cunha, 18 anos, estudante. “Conheço pouco, ele é cineasta de Conquista?”, questiona Natália Teixeira Fonseca, 25 anos, estudante. “Nunca assisti um filme dele”, afirma Patrick Wallece Galvão Barros, monitor de 19 anos. O grande desafio é justamente manter vivo o legado de Glauber Rocha entre os jovens para que o espírito de inovação e renovação das artes não se perca. “Um dos mais importantes artistas da história do cinema mundial e, sem dúvida, o mais importante da história do Brasil. O jeito de fazer cinema de Glauber e os temas que levantou e suas ideias revolucionárias não influenciaram apenas o século XX, continuam a influenciar até hoje, principalmente os jovens cineastas. É como uma semente em eterna gestação”, resume Senna.

«

39


O redespertar da sétima arte Após um período de letargia, Vitória da Conquista vive novo impulso na produção cinematográfica Por Gabriel Farias

Divulgação

A terra de Glauber Rocha vive um dos momentos de maior orgulho dentro do cenário nacional de produção em cinematografia. São as atitudes de pessoas realmente dispostas a se doar e redescobrir os prazeres e as belezas de fazer cinema que estão dando fôlego extra à produção na terra do diretor de Deus e o diabo na terra do sol. Forte exemplo dessa vontade de fazer cinema é o curta-metragem Tragédia do Tamanduá, de George Néri, que chegou a ser apresentado no Festival de Cannes há três anos. O filme revive a história de uma chacina, ocorrida no fim do século 19 nos arredores de Vitória da Conquista envolvendo uma disputa entre duas famílias, com um saldo de 23 mortos. Sobre os estímulos para esse redespertar na cidade, Rogério Oliveira, coordenador e professor do curso de Cinema e Audiovisual da Uesb, afirma: “Eu acho que uma cinematografia se faz de diferentes movimentos. Não dá para responsabilizar só o Janela Indiscreta, ou só o curso de Cinema, ou só o grupo que fez o Tragédia do Tamanduá ou O Valor de um sonho, do Daniel Silva. Na verdade, é um movimento que se faz dessa for-


ma, com pequenos movimentos.” O coordenador acredita que “nos últimos anos, nossa produção audiovisual tem tomado um fôlego muito grande... É muita gente com vontade de fazer”. E Néri complementa: “tem uma galera ‘massa’ explodindo de vontade de fazer as coisas”. George Néri trabalha agora em A doce flauta da liberdade. No roteiro ambientado nos anos 1970, o filme aborda o caso de um projecionista de cinema que censura cenas de nudez e sexo nos filmes exibidos e que acaba no meio de um conflito entre a camada conservadora, que concorda com a censura, e os liberais, que desejam ter acesso ao conteúdo integral das obras. A produção, que estreará na Mostra de Cinema Conquista, foi construída de uma maneira totalmente diferente daquela a que o diretor estava acostumado. Por ter apoio de um edital de Fundação Cultural da Bahia, a estrutura de desenvolvimento do projeto foi consideravelmente maior do que aquela à qual ele estava acostumado a trabalhar e contou até mesmo com um roteiro produzido por outro profissional, fato inédito no trabalho de Neri.


Gabriel Farias


Contra o veneno peçonheto do cão danado também é uma produção que marca esse período de renascimento da cinematografia conquistense. O documentário de Marcelo Lopes, que ainda está sendo produzido, é um resgate histórico de narrativas populares da região, assim como a da chacina do Tamanduá. Para Lopes, o que falta ainda em Vitória da Conquista é uma “articulação maior de instituições públicas e privadas que comecem a apontar, apoiar e fomentar esse tipo de iniciativa. Esses órgãos podem apoiar e criar mecanismos para que isso possibilite que as pessoas avancem e enxerguem o cinema também como mercado”. Neri aponta outro problema: “muitas vezes, o que falta é pessoal para trabalhar na parte técnica mesmo. Gente que sabe lidar com aparelhos e entende o que é produzir cinema, que é uma linguagem diferente da trabalhada na literatura e no teatro”, afirma, ao lembrar que muitas vezes a produção do filme é composta por pessoas que já trabalham com teatro, mas que ainda não possuem uma visão clara do que é fazer cinema e do tipo de trabalho que deve ser desenvolvido ali. Embora seja a terra de Glauber Rocha, um dos cineastas de maior destaque nos cenários nacional e internacional, Vitória da Conquista viveu um hiato em termos de produção cultural cinematográfica por muitos anos. Contudo, a passos cada vez mais largos, esse cenário tem dado lugar a uma cidade que tem se introduzido no rol dos polos nacionais produtores de material audiovisual.

«


Fomento ao cinema Por Romário Dias e Vanille Oliveira O cinema em Vitória da Conquista ganha impulsos com as ações desenvolvidas pela Prefeitura Municipal. Vários projetos, alguns em parceria com outras entidades, buscam levar a cultura cinematográfica e audiovisual a públicos diversos e até a quem está distante do universo das telas, sons e cores. Uma das principais ações do poder público municipal é o projeto Cine Cidadão, lançado em 2008. A ideia, no início, era promover o cinema itinerante com exibição de filmes para o público quilombola, e mais tarde integrando também as comunidades periféricas e ampliando a presença na zona rural. O projeto nasceu de uma emenda parlamentar, feita durante o mandato do então deputado federal Guilherme Menezes, hoje prefeito da cidade, e contou também com o apoio da Fundação Cultural Palmares. O projeto mantém suas atividades de acordo com a demanda, atendendo a solicitação das comunidades. Em suas exibições, prioriza as produções nacionais. “O projeto tem circulado por todo o interior do município levando filmes que a própria população ajuda a identificar e escolher”, explica o prefeito Guilherme Menezes, para quem os benefícios da iniciativa poderão vir a ser conhecidos também em longo prazo. “Tem sido um projeto importante, que enriquece a participação do Governo Municipal na sétima arte, mostrando que o conhecimento de cinema é muito importante para a formação das pessoas, desde crianças”, afirma o gestor. Além desse projeto, a Prefeitura está trabalhando também no término da construção do Centro Glauber Rocha – Educação e Cultura, que terá um centro educacional audiovisual com sala de projeção. O local deve abrigar também planetário, teatro, mercado de artesanato e área de eventos para 20 mil pessoas. A obra está sendo construída em etapas. A primeira, a praça de eventos, foi entregue em junho, durante os festejos do Forró Pé de Serra do Periperi. Na segunda etapa, será concluído o mercado de artesanato e, por último, o planetário com salas de audiovisual e o teatro.

44

Obras do Planetário Glauber Rocha em andamento


Acervo Secom / PMVC

Acervo Secom / PMVC

Acervo Secom / PMVC

A Prefeitura de Vitória da Conquista, por meio das secretarias municipais de Cultura e de Educação, investe em ações de valorização do cinema e do audiovisual

“A base do planetário já foi adquirida. Assim que se concretizar a importação, será uma realidade, principalmente na vida dos mais de 43 mil alunos da Rede Municipal de Ensino”, avalia o prefeito Guilherme, já antecipando as possibilidades pedagógicas do novo equipamento. A Prefeitura de Vitória da Conquista também é parceria da Uesb na realização da Mostra Cinema Conquista, que acontece todos os anos na cidade, e da Mostrinha de Cinema, voltada para o público infantil. O antigo Cine Madrigal também será recuperado. Recém-adquirido pela Administração Municipal, o espaço obteve a doação de equipamentos de projeção do Teatro Carlos Jehovah para a continuidade do funcionamento do projeto Cine Seis e Meia, que tem parceria com o programa Mais Cultura, do Governo Federal.

O cinema também estará presente no Centro de Artes e Esportes Unificados, conhecido como Praça CEUs. O projeto, que é resultado de um investimento de mais de R$ 2 milhões, terá um cineauditório. Além disso, a estrutura oferece quadra poliesportiva coberta, pista de skate, telecentro, espaço para ciclistas guardarem suas bicicletas, Centro de Referência de Assistência Social, entre outros. O equipamento, construído numa área de 3 mil metros quadrados, no bairro Flamengo, chega para fortalecer as políticas públicas nas áreas de cultura, esporte e lazer. O Prefeitura de Vitória da Conquista vem fomentando ainda a atuação de cineclubes, por meio da Secretaria Municipal de Educação. Todas as terças-feiras, às sete da noite, há exibição de filmes no Seminário Nossa Senhora de Fátima, espaço cedido pela Igreja Católica. Há também o incentivo à criação de outros cineclubes em escolas das redes estadual e municipal de ensino, além de espaços alternativos. O projeto tem agradado ao público que prestigia as exibições de filmes. “Sempre que tenho disponibilidade participo, isso é muito legal e valoriza a nossa cultura”, diz o trabalhador autônomo Roberto Silva. A servidora pública Elizete Santos é outra frequentadora. “O cinema é uma coisa mágica, nos faz viajar e conhecer realidades próximas ou distantes”, afirma. Com investimento público e força de trabalho de gente apaixonada pela arte cinematográfica, o cinema conquistense - após 102 anos de inauguração da primeira sala de projeção - se reconstrói, se refaz, revive e espera por um público que o incentive cada vez mais.

«

45


Outros projetos Com o cinema nacional em fase de crescimento, Vitória da Conquista se destaca neste universo cultural com projetos como o Janela Indiscreta, a Mostra Cinema Conquista e a Mostrinha de Cinema Infantil. Mas além destas, há outras iniciativas – já em andamento ou apenas no papel, por enquanto – que buscam disseminar não só a cultura cinematográfica em si, como o conhecimento e a educação pelo cinema. Confira alguns destes projetos. Por Doni Pereira e Ingrith Oliveira

PROJETO KASA GLAUBER Considerado um dos pioneiros do cinema nacional, Glauber Rocha foi um cineasta de grande expressão nacional e internacional pelo seu trabalho e produção. Assim, o projeto Kaza Glauber foi idealizado com o objetivo de fazer de Vitória da Conquista, a cidade onde o cineasta morou até os nove anos, um ambiente de produção de cinema e audiovisual. Esmon Primo explica como o projeto começou junto com o falecido produtor cultural Jorge Melquisedeque: “Jorge e eu pensamos no Kasa Glauber, porque existe uma referência simbólica nisso. A ideia é transformar a casa (onde Glauber viveu) num ambiente de pesquisa, de memória, produção audiovisual como

LEITURA DE OLHOS FECHADOS Este projeto, que carrega o subtítulo “A imagem traduzida em palavras”, é voltado para deficientes visuais e oferece ao público a oportunidade de interpretar filmes através da audiodescrição. A audiodescrição enquanto acessibilidade é um recurso usado para descrever cada detalhe de um projeto audiovisual para ampliar o entendimento e facilitar a interpretação do deficiente visual para o que normalmente é visto. É uma ferramenta que não se restringe apenas ao cinema, também está presente em peças de teatro, eventos e programas de televisão. “Foi fechando os olhos por alguns instantes que eu abri meu coração e minha mente em busca de algo que tor-

46


nasse a qualidade de vida dessas pessoas um pouco melhor, lhes proporcionando mais informação e cultura. Depois de algumas pesquisas na internet, descobri o recurso da audiodescrição, ainda novo no país e pouco conhecido, inclusive por profissionais e pesquisadores da área do audiovisual em Vitória da Conquista, comenta Monica Lacerda, a idealizadora do projeto. A iniciativa foi implantada com sucesso pela primeira vez em 2011 em parceria com a Uesb, a prefeitura de Vitória da Conquista e a Acide (Associação Conquistense de Integração do Deficiente) e patrocínio do Banco do Nordeste. No ano seguinte, as sessões foram patrocinadas pela Oi através do programa federal

Acervo Mostra Cinema Conquista

uma pequena escola de cinema. A área é suficiente para deter a memória na parte física da casa que está bem conservada”, diz. O projeto ainda prevê ações de incentivo à produção e difusão de audiovisual, dado que Vitória da Conquista tem condições de ser um polo de cinema que, com o legado deixado por Glauber Rocha, ainda pode se tornar uma referência nacional neste ramo de produção. “No momento ele é um dragão que está dormindo e ainda não sei se vai dar continuação. Infelizmente as mais de dez reuniões com prefeitos, reitores e políticos não deram em nada até agora, não foi pra frente e a casa está do mesmo jeitinho”, lamentou Primo.

Faz Cultura. A próxima edição já foi aprovada e Lacerda destaca porque ainda não foi exibida: “O terceiro já foi aprovado pelo Fundo de Cultura especifica do governo do Estado, onde não precisa ir atrás dos apoiadores de empresas privadas. Estamos esperando os recursos para ser executado e incluir também a cidade de Itapetinga”. Quem participou das duas primeiras edições fica na expectativa da realização da próxima: “Eu espero que volte novamente porque é um excelente projeto. A experiência foi muita boa porque nunca tinha tido acesso a nenhum desses materiais. Assistir um filme tradicional para o deficiente visual é horrível porque você não tem ninguém para

descrever pra você. É muito ruim a gente não ter noção do movimento dos personagens e o que se passa no ambiente”, aprecia Mária Flores, estudante 35 anos. José Arcanjo, 48 anos, professor municipal do ACIDE há 21 anos dizem que já conhecia este recurso e ficou animado com a proposta da Leitura que ultrapassou as suas expectativas: “Quando Mônica veio me procurar a gente abraçou a ideia, ela fez diferente de outras que pessoas que na maioria das vezes faz daqui objeto de pesquisa, ‘sugam’ da instituição depois desaparecem sem nenhum retorno. Além do projeto em si a gente foi contemplado com audiobooks , impressoras em braile e outros equipamentos”, diz.

47


POLO DE CINEMA

Acervo Mostra Cinema Conquista

Idealizado em 2012, o projeto Polo de Cinema é uma parceria da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia com o cineasta e escritor Orlando Senna e a Prefeitura Municipal. O objetivo é formar, produzir e difundir o audiovisual em Vitória da Conquista, com o anseio de desenvolver um centro de formação. Sua finalidade é a produção de atividades de caráter industrial, comercial, cultural, formacional e social. O Pólo de Cinema fomentaria ainda a criação de uma legislação específica para o audiovisual no município, bem com a instalação de uma Câmara Setorial e criação de um Film Commission regional. Senna foi contratado para prestar serviços técnicos especializados de consultoria no processo de implantação do polo. “Meu trabalho foi desenhar um perfil contemporâneo, refletindo a atualidade digital da atividade, para o Curso de Cinema e Audiovisual da Uesb e assessorar a Prefeitura sobre as ações públicas que deveriam ser adotadas, bem como as relações de cooperação e gestão entre Prefeitura e Uesb. Minha assessoria já terminou, embora continue à disposição tanto da Uesb como da Prefeitura para consultas eventuais”, esclarece o cineasta.

Orlando Senna, homenageado da Mostra em 2009

PRO-VÍDEO A Pro-Vídeo – Produtora Universitária de Vídeo – atua na Uesb desde 1996 e se destaca como uma das maiores do Estado em produções audiovisuais. O programa atende aos alunos da universidade nos três campi (Jequié, Vitória da Conquista e Itapetinga) para eventos acadêmicos e também à comunidade externa que se interesse pela produção de vídeos, documentários, animações e vídeotapes publicitários. O coordenador Carlos Ripe relata as funções da produtora: “A produtora tem a fina-

48

lidade de produzir vídeos que possibilitem documentar ações da universidade, coisas que a televisão não faz”. Para Ripe, diferentemente da TV, a Pro-Video dá maior atenção ao contexto, com aprofundamento dos fatos, e explica: “A televisão quando chega a determinados eventos, ela faz a matéria, já a produtora faz um trabalho mais abrangente do próprio evento, fazendo uma cobertura completa e não fica apenas na entrevista”. Extrativida, filmado numa reserva extrativista em Cana-

vieiras, sul da Bahia, foi o documentário de maior destaque, chegando a concorrer a prêmios importantes fora do Brasil. Além da produção premiada, a Pro-Video faz diversos outros trabalhos, como o auxilio a artistas regionais na gravação de DVDs, com apoio na montagem. “Há dois anos tivemos também a gravação do Festival da Juventude em parceria com a prefeitura. São ações desse tipo que a gente vem desenvolvendo, a produtora vem atendendo conforme vão surgindo as demandas”, diz Ripe.

«



Apaixonados Por trás das telas ou na frente delas, conheça histórias de vida transformadas pela sétima arte Por Nayla Santos e Carmina Borges Desde 1895, com as primeiras transmissões sem cortes dos irmãos Lumière, na França, o cinema intriga. De lá para cá, o fascínio em torno das imagens em movimento só aumenta em todo o mundo ao ponto de - há quem diga - o cinema ser considerado não apenas a “sétima arte”, mas a arte mais completa. Pudera. Realmente, parece mágica o que salta aos sentidos do público numa sessão cinematográfica. Em Vitória da Conquista as histórias envolvendo o cinema também se multiplicam. O baleiro não se esquece dos anos que viveu adoçando os apaixonados pelas películas... A professora conta que namorava no cinema... O cineasta escolheu a profissão ainda criança... O pesquisador também é cineasta... O cinéfilo ainda mantém um negócio alicerçado em sua paixão… Gente que foi fisgada em definitivo e tem muita coisa para contar. “Toda minha vida foi teatro e cinema” afirma Gildásio Leite, 66 anos, ator e cineasta que desde criança nunca fez outra coisa a não ser atuar e dirigir produções de vídeo e publicidade. E assim criou seus quatro filhos no mesmo ramo: Pauline, Paulo, João e Gabriela, hoje todos cineastas e atuantes na área. Gildásio trabalhou como ator em 16 longas-metragens e agora parte

50

para o 17°. Já curtas-metragens, entre filmes e produções de publicidade, foram mais de trinta produzidos. Ele conta que já viajou e trabalhou por todo o Brasil e ainda hoje não gosta de ficar parado - sempre está ministrando palestras e oficinas e “sempre aberto a convites para filmes”. Assim como Gildásio, Marcelo Lopes é outro aficcionado. Participou durante 13 anos do projeto Janela Indiscreta e é um amante das áreas de cinema, cultura e memória. “Toda vida eu tive uma questão de desenhar as coisas que eu via não só em televisão, quanto em cinema. E por conta disso eu sempre me aproximei muito das coisas que estão relacionadas a cultura e principalmente ao cinema”. Marcelo é mestrando em Cultura e Memória e está produzindo um documentário sobre “causos” regionais, que deverá ser lançado na Mostra Cinema Conquista deste ano. Do lado de cá da tela, na plateia, o cinema para as moças das décadas de 1950 e 1960 era a única diversão, conta Heleuza Câmara, professora universitária aposentada. Ela diz que na época existiam três cinemas (Cine Glória, Cine Conquista e o Cine Hits) que eram pontos de encontro e diversão nas tardes de domingo dos adolescentes. Heleuza relata que sua turma

estudava e se comportava, temendo os castigos que pudessem tirar a ida semanal ao cinema, que além de ponto de encontro entre amigos e diversão, era o local para os namoros mais singelos e puros. “As moças entravam e guardavam uma cadeira porque eles [os namorados] entravam quando as luzes apagavam. Acho que alguns filmes as pessoas nem assistiam direito porque estavam ali com o seu par, ali o casalzinho romântico se encontrando às escondidas. Na maior parte das vezes era algo assim, adorável!” A professora, hoje com setenta anos, fala com saudade daqueles tempos. “Nós víamos aqueles clássicos filmes italianos da década de 60 que a gente delirava, muito românticos, os grandes atores da época. Para a gente eles eram lindos... Rossano Brazzi, nossa! Eu gostaria de contar um episódio: eu fui ao Cine Glória com o meu pai, devia estar com uns 12 anos, e ele me levou de companhia. Nós fomos a noite no cinema e estava passando um filme que era um clássico do cinema francês que se chamava ‘Brinquedo proibido’. O caso é que meu pai falava: ‘fecha os olhos minha filha!’ eu fechava. Mas é claro que eu deixava uma brechinha pra enxergar, eu não ia obedecer aquele pedido né?


Nayla Santos e Carmina Borges | Editada

por cinema


Nayla Santos e Carmina Borges

Eu colocava a mão nos olhos como se eles estivessem fechados mas eu estava também dando a minha espiadinha [risos]. E ele preocupado, porque achou que era um filme impróprio, inadequado para uma garota de 12 anos assistir.” Outra figura conhecida na época de ouro do cinema em Vitória da Conquista é o senhor José Gonçalves de Souza, de 72 anos, mais conhecido como Zé Baleiro. Como o próprio codinome diz, ele cumpria a função de adoçar a ida dos conquistenses ao cinema. Seu Zé Baleiro se lembra bem dos dias de glória do cinema e torce pela retomada deste tempo nos dias de hoje. Atualmente ele trabalha vendendo balas, doces, chicletes e amendoins na porta de escolas. Antigamente, os mesmos produtos eram vendidos nas filas que se formavam nas portas do cinema, função que assumiu aos 16 anos de idade. “Tinha umas filas enormes no Cine Conquista, ia quase no jardim (sic)... E eu ficava andando com o baleiro no pescoço, vendendo minhas balinhas. Era muito bom mesmo. Eu

52

gostava”, conta, sorrindo. O baleiro, trabalhando nos cinemas, aprendeu a amar as histórias mostradas na telona. Ele observa que “passava muitos filmes, os filmes antigos do Tarzan, o seriado do Zorro, Zé Trindade, esses filmes da época traziam um público muito grande para o cinema. Os filmes de Zé Trindade eu assisti 36 vezes. Eu já sabia narrar o filme quase todinho, porque eu assistia e gostava. Não tinha quem não sorrisse. Era muito engraçado”. Mas ele diz que sua paixão ficou nos filmes antigos, que não gosta muito das últimas produções e que nunca foi às salas de projeção atuais localizadas no shopping da cidade. Zé Baleiro, assim como muitas pessoas apaixonadas por cinema em Conquista, guarda em sua memória saudade dos tempos áureos, das salas de projeção do centro da cidade, dos encontros, dos namoros e passeios com a família. E dos dramas, das comédias, dos romances, da ação, do terror, da história vivida na tela e fora dela que está na memória de quem viveu e vive o ci-

nema em Vitória da Conquista. Hélio Flores Filho, 33 anos, dono de uma das únicas - se não a única - videolocadoras de Vitória da Conquista, conta que sua paixão por cinema vem ainda da infância, mas sua cinefilia tem um momento pontual: o próprio aniversário de 14 anos, quando ganhou do pai o primeiro aparelho videocassete. O presente deu a ele maior liberdade de escolha dos filmes, oportunidade de assisti-los com mais frequência. “Algo que eu gostava de fazer (alugar filmes) vira quase que uma obrigação: a frequência de idas a uma videolocadora aumenta e aí eu saio do nicho terror/artes marciais. Começo a ver filmes de outros gêneros, como ação e comédia, mas sem muito critério, exceto, talvez, pela capa e sinopse mais atraente. E aí logo o gosto vai se refinar, porque na época eu era colecionador de HQ’s (histórias em quadrinhos), então frequentava bancas de revistas. Acabei descobrindo um Guia de Vídeo, que trazia sinopse e uma mini -resenha de 1500 filmes. Eu fiquei viciado neste Guia. Eu lia e


Thiago Suiten

relia, em ordem alfabética, por gênero, pela cotação dos melhores (que recebiam 5 estrelas) aos piores (1 estrela), etc.”, conta. Hélio diz que o acesso à internet, que ele passou a ter em 1997, foi um marco importante em sua vida de cinéfilo, pois ele “não só tinha acesso a mais notícias e comentários sobre os filmes, mas também podia entrar em contato com outros cinéfilos. Já não apenas lia, mas podia discutir sobre os filmes. É algo que fez e ainda faz parte da minha vida.” Por causa da sua paixão por filmes, Hélio, juntamente com sua irmã, adquiriu a locadora Canal 3, que chegou à cidade em 1997 e se destacou por suas características de locadora de capital: cópias dos lançamentos em maior número, maior quantidade de títulos e filmes mais antigos podiam ser encontrados lá. A video locadora passou a pertencer a eles em 2001, quando passava por um momento de declínio. Quando o DVD se popularizou, o produto já havia chegado a Canal 3 e a videolocadora, já referência pelo grande número

de títulos, aumentou a fama e o acervo, porque além de lançamentos, sempre originais mesmo na explosão da pirataria, adquiria filmes estrangeiros, filmes antigos e do cenário underground. Na cidade era comum se ouvir dizer que “se você não encontrar um filme na Canal 3, você não acha mais em lugar nenhum”. “Eu não acho que haja um futuro para as videolocadoras. A Canal 3 está aí, mas pode acabar a qualquer momento. Mas também pode durar alguns anos mais. A pirataria de DVDs há muito tempo deixou de ser uma questão e nossos maiores inimigos são, na ilegalidade, os downloads e, na legalidade, a TV por assinatura e serviços pagos via internet. Estes dois últimos, inclusive, vêm conquistando vantagens no mercado (como disponibilizar filmes rapidamente após saída dos cinemas, às vezes antes mesmo que as videolocadoras) que só pioram as coisas”, conta Hélio. Ele fala da paixão pelo filme em vídeo com brilho nos olhos. “A videolocadora, ao menos para o cinéfilo, tem um quê de sagrado, um espaço em que

pessoas diferentes comungam de um mesmo interesse e ali podem compartilhar algo. Não quero entrar no velho papo das relações virtuais que afastam ou tornam mais frias as relações humanas, mas certamente há uma diferença naquele que fica em casa recebendo os filmes que estão mais fáceis de baixar ou que são exibidos 5 ou 6 vezes no mesmo dia em um canal, daquele que vai ao cinema, às videolocadoras e está aberto à descoberta, à opinião do outro, a uma interação nova e imprevista”, analisa. Hélio, apesar de não ver muitas perspectivas esperançosas para o futuro de videolocadoras, acha que elas têm uma importância imensa que vai além do ritual de ida ao cinema e das relações entre apaixonados pela sétima arte: as pessoas que (ainda) não têm acesso às novas formas de ver filmes porque, além de a locadora disponibilizar aquele filme que a pessoa quer ver, também possibilita a descoberta de filmes ainda não conhecidos, recomendados, comentados, que podem agradar.

«

53



A Mostra Cinema Conquista - Um olhar para o novo cinema, um dos principais eventos audiovisuais do Nordeste, realiza sua décima edição no período de 12 a 17 de outubro de 2014. Serão exibidos, em diversas localidades, 54 filmes brasileiros, entre longas, médias e curtas-metragens recentes, produzidos do norte ao sul do Brasil. Ao longo dessas dez edições, a Mostra Cinema Conquista apresentou cerca de 130 filmes de longa-metragem e 280 de curta-metragem brasileiros, que estabeleceram um panorama da produção nacional e apresentaram diversas formas de expressão sobre a nossa realidade social, histórica, política e cultural. Além dos espaços sedes, do Cine Madrigal ao Centro de Cultura, a Mostra também realizou exibições populares, em praças públicas nos bairros e escolas dos distritos da zona rural. Também foram oferecidas atividades de formação e discussão, como conferências, cursos, oficinas, debates (papo de cinema) e lançamentos de livros, sobre os diversos temas pertinentes ao campo cinematográfico brasileiro e mundial, com a participação de dezenas de renomados profissionais do meio audiovisual, assim como, homenagens, exposições e atividades culturais, com acesso gratuito para a população local, regional e de outras localidades. Nesta Mostra Cinema Conquista – Ano 10, prestamos duas homenagens muito especiais: uma, a Geraldo Sarno, cineasta e documentarista de relevante contribuição para a identidade do cinema brasileiro; e outra, a João Sampaio, jornalista e crítico de cinema, que dedicou o seu trabalho na defesa e divulgação do cinema brasileiro e baiano. Esta é uma realização da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo e da Pró-reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários. Tem como correalizadora a Casa da Cultura de Vitória da Conquista e conta com o patrocínio do Governo do Estado, por meio do Fundo de Cultura das Secretarias de Cultura e Fazenda do Estado da Bahia. Temos o apoio institucional do Programa Janela Indiscreta, do Curso de Cinema e Audiovisual da UESB, do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia – IRDEB, da Diretoria Audiovisual - DIMAS e da Associação Baiana de Cinema e Vídeo – ABCV, e o apoio cultural do Canal Brasil, TVE Bahia, TV Sudoeste e do Sistema Uesb de Rádio e TV Educativas - SURTE.

LOCAIS DE PROGRAMAÇÃO: Centro de Convenções Divaldo Franco Avenida Rosa Cruz, nº. 1019 - Candeias EXIBIÇÕES DE FILMES (Longas, Médias e Curtas) EXPOSIÇÕES (Homenageados) 12 de outubro (Abertura) / 19 horas 13 a 17 de outubro / 15, 18 e 21 horas

Teatro Glauber Rocha / Salas da UESB Estrada do Bem-Querer, Km 04 Campus Universitário CONFERÊNCIAS, PAPO DE CINEMA, OFICINAS E LANÇAMENTOS 13 a 17 de outubro / 09 às 12, 14 às 18 horas

Cine-Tenda Bairro Brasil (Praça N.Sra. dos Verdes) EXIBIÇÕES DE FILMES (Longas e Curtas) 14 a 17 de outubro / 19 horas

Cine-Cidadão Itinerante (distritos) Bate-Pé, Batuque, Cercadinho, Dantilândia, Iguá, Inhobim, José Gonçalves, Pradoso, São Sebastão e Veredinha. (Escolas Municipais) EXIBIÇÕES DE FILMES (Longas e Curtas) 13 a 17, 20 a 24 de outubro / 19 horas

INFORMAÇÕES SECRETARIA DE CULTURA E TURISMO (77) 3424-8528 UESB / JANELA INDISCRETA (77) 3425-9330


Rodrigo Farias Qualificação, experiência e engajamento nos caminhos do rádio e do telejornalismo, vivendo e praticando fielmente os critérios fundamentais e éticos do jornalismo, são as metas para o meu futuro profissional como jornalista.

Vanessa Vilarim Sou apaixonada pelo trabalho com a complexidade das relações humanas.

Doni Pereira Ser um grande jornalista é um futuro que desejo. Com humildade e dedicação quero conseguir respeito no mercado de trabalho e fazer parte do time de vencedores que estão dentro de um grande veículo de comunicação.

Ingrith Oliveira Jornalismo é uma escolha de vida e a cada dia eu me apaixono mais. Não me vejo em outro lugar que não seja entre a rua e a redação.

Earvin Andrade Talvez eu não faça críticas bem embasadas e muitas vezes humoradas como Trajano, nem seja amado por ser um crítico que não meça as palavras como Mauro Cézar, só quero fazer o que gosto do jeito certo.

Natália Rocha Quero ser, agora e sempre, uma jornalista. De sucesso ou daqueles jornalistas que pecam para pagar as contas. Praticar essa profissão que me enche de sonhos e de esperança para continuar vivendo. Nasci para ela e quero viver para a melhor profissão do mundo.

A.J. Oliveira Espero conseguir escrever coisas que possam pelo menos mudar um pouco a forma de pensar de quem estiver lendo.

Romário Dias Que o futuro não demore para chegar e que o sucesso venha junto com ele.

Gabriel Farias Do futuro, só espero poder viver de palavras, livros e amigos.

Carmina Borges Eu quero fazer parte da construção da sociedade em que eu sonho viver.

Bruno Moraes Eu quero ser um editor de moda tão competente ou melhor quanto Anna Wintour.

Fernanda Costa O que eu espero do meu futuro no jornalismo é conseguir trabalhar no meio cultural, em revistas tipo Mundo estranho, Super interessante, TPM, Trip e a maior de todas, Rolling Stone. Quem sabe um dia entrevistar Paul McCartney.

Érika Paula Souza Pereira Falar que o futuro é incerto é meio que óbvio, mas se tem uma área que me arrepia e que eu quero seguir no jornalismo é a esportiva. Eu me emociono com o poder que o esporte tem sobre o atleta e sobre a plateia que assiste à uma partida.

Patrícia Souza Eu quero trabalhar com algo que me permita mostrar a diversidade que esse mundão possui.

Voiana Martins O futuro é incerto, é uma estrada longa cheia de caminhos que se ramificam, se encontram e logo mais se curvam novamente em outra via e seguem em frente. O futuro é um prolongamento do nosso presente, é desenhado a partir das nossas decisões, por isso tenho tentado caprichar no esboço.

Amanda Silveira Espero, como jornalista, chegar o mais perto possível do coração do mundo. Espero que nunca me falte o instinto e a coragem para ser uma defensora da liberdade de expressão, da sociedade e da democracia. O jornalismo me manterá viva, enquanto o estiver exercendo.

Anne Ellen “Ações e palavras sejam sempre regidas por pensamentos que ambicionem o bem” (Silvia Chagas)

Luan Vinícius Espero poder contribuir com minha profissão na construção de um mundo melhor e mais igualitário, onde humanos possam realmente ser humanos.

Nayla Santos Eu almejo exercer minha profissão da forma mais ética possível e além de saber apenas a técnica - o que muitos já sabem- estar em um ambiente no qual eu possa fomentar discussões que acrescentem tanto a mim quanto a meus colegas.

APOIO:

Revista laboratório produzida por estudantes do 3º semestre da disciplina Produção em Comunicação do curso de Comunicação Social - habilitação em jornalismo / Uesb.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.