Espírito livre para a diversão

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ZH 2º CADERNO MARTHA REICHEL, DIVULGAÇÃO

ESPETÁCULO

ZERO HORA | SEGUNDO CADERNO QUARTA-FEIRA, 8 DE AGOSTO DE 2018

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FÁBIO PRIKLADNICKI fabio.pri@zerohora.com.br

HÁBITOS ANTIGOS

Evento reúne em Porto Alegre artistas do Brasil e do Exterior

Veja a programação completa do festival em bit.ly/Prog–Burlesque

Espírito livre para a diversão

FESTIVAL BURLESQUE apresenta na Capital performances que combinam humor e sensualidade

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a sua primeira edição em Porto Alere, em 2017, o Festival Burlesque colocou em evidência uma vertente do teatro de variedades que incorpora performances do vaudeville e do striptease. Na arte burlesca, atores e dançarinos, sobretudo os não profissionais, vivem instantes de brilho em meio a luzes, plumas, paetês, sensualidade e pitadas de humor. São esses alguns dos elementos que embalam a segunda edição do Festival Burlesque, em cartaz até 17 de agosto no Von Teese Bar (Rua Bento Figueiredo, 32). O clímax do evento será no próximo sábado, no Teatro Hebraica (Rua General João Telles, 508), onde serão apresentadas 20 performances com diferentes temas e uma feira com produtos que vão de artigos de sex shop a histórias em quadrinhos de conteúdo LGBTQI+. Sócias do Von Teese Bar, Carolina Disegna e Diovana Gheller são as responsáveis pela organização do festival – o nome do estabelecimento presta tributo à performer americana Dita Von Teese, nome que revitalizou a arte burlesca com um revival iniciado nos anos 1990. Entre os destaques do espetáculo de sábado, elas apontam a participação de Regina Müller, de Campinas, com nome artístico Dorothy Boom. Regina atou como vedete no período da ditadura militar no Brasil evocando o teatro de revista, gênero popular no país entre os anos 1920 e 1950. Nesse tipo de espetáculo, a percepção dos censores precupados com nudez e trajes sumários era embaralhada com eventuais sátiras políticas em meio ao glamour e à alegria: – O burlesco sempre tem alguma coisa para te falar. Não é uma arte para agradar o cliente, é para expressar algo político e social – diz Diovana. As sócias do Von Teese identificam um crescente aumento da cena burlesca na América Latina, com a realização de eventos como o Yes, Nós Temos Burlesco, em São Paulo, e o Santiago Burlesque Festival, no Chile, cuja organizadora, Alondra Machuca, estará presente sábado na Capital.

Carolina e Diovana ressaltam que a organização do festival resulta de um esforço pessoal. No ano passado, usaram recursos próprios para pagar o cachê dos artistas. Agora, estão confiantes na possibilidade de cobrir todos os custos com a venda dos ingressos. ESPÍRITO INCLUSIVO É A MARCA DO FESTIVAL O Festival Burlesque foi idealizado para dar visibilidade aos performers locais. No sábado, eles se apresentarão ao lado de nomes nacionais (de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro) e internacionais (Chile e Áustria). O dinheiro arrecadado será distribuído de forma igualitária a todas as atrações. Além dos ingressos, o evento conta com apoio de amigos que doaram chaveiros e copos para venda e do Brick Hostel, que cedeu quartos para convidados de fora da cidade. Carolina reflete que o espírito colaborativo é um dos pilares da arte burlesca: – Tem espaço para todo mundo. Quando os grandes estúdios de cinema proibiam a inserção de pessoas fora do padrão de beleza e sexualidade, travestis, gordas, gordos e gays criaram seu próprio espaço. Mesmo sendo filha de atriz, Diovana só foi ter contato com o burlesco após abrir o bar com Carolina, há dois anos. Carolina lembra que já tinha visto roupas e performances vinculadas ao burlesco, mas ficou mais íntima desse universo durante um intercâmbio na Austrália, onde uma colega de quarto lhe mostrou o livro The Art of the Teese, livro de 2005 em que Dita Von Teese relata sua ligação com a estética neoburlesca que marcou sua carreira, inspirada em voluptuosas pin-ups e em divas de Hollywood dos anos 1940 e 1950. Essa linha desperta maior apelo comercial ao focar na sensualidade, contrapondo-se ao conceito inclusivo de colocar em evidência tipos físicos rejeitados pela indústria do entretenimento.

ARTISTAS

-Alondra Machuca - Santiago (Chile) -Cora Pepper - Porto Alegre -Dorothy Boom - Campinas -Elvira Von Hölle - Porto Alegre -Iandra Cattani, Rodrigo Fernandez, Anderson Astor - Porto Alegre

-Henrique Saidel - Porto Alegre -Justine Misèr - Porto Alegre -Larissa Maxine - Rio de Janeiro -Lola Dvil - Porto Alegre -Lola Mayhem - Porto Alegre -Lolita Rouge - Porto Alegre -Lou Ann Devon - Porto Alegre -Lou de Boudoir - Viena (Áustria) -Madame Sassah - Rio de Janeiro -Miss G - Curitiba -Narciso - Porto Alegre -Rita D’Libra - Canoas -Ruby Hoo - Curitiba CONVIDADAS ESPECIAIS: -Cassandra Calabouço -Valéria Houston

FESTIVAL BURLESQUE Sábado, a partir das 18h. Teatro Hebraica (Rua General João Telles, 508). Ingressos antecipados a R$ 35 no Von Teese Bar (Rua Bento Figueiredo, 32) e pelo site sympla.com. br (sujeito a taxas), e na hora do espetáculo, no local, a R$ 40.

A partir daí, Diovana e Carolina enxergaram um caminho para a promoção do “burlesco clássico”, mais democrático em tipos e propostas. Destacam, por exemplo, a performance da Madame Sassah, a Senhora do Rock, com expressões de sensualidade, sexualidade e a autoestima de uma mulher idosa. – Tu estás prestando atenção enquanto eu tiro a roupa, assim te faço prestar atenção em um tema que quero abordar – exemplifica Diovana.

Enquanto nossa presença se torna cada vez mais virtual, fico um tanto comovido com a permanência de hábitos culturais antigos como ir a um espetáculo de teatro, ler um livro em papel e ouvir CD. Certo, o CD faz parte da vida digital, mas podemos considerá-lo tradicional no sentido de ser uma mídia física, diferente de um aplicativo de streaming, que só existe na rede. Estou falando de três hábitos que ainda mantenho, mas sei que não sou o único. Em um mundo de transformações cada vez mais rápidas, virou moda decretar a morte das coisas – do teatro, da ópera, do rock. Mas normalmente quem assina o obituário é a pessoa que está por fora. Quem foi à peça Baixa Terapia, no Theatro São Pedro, viu casa cheia. Fico ainda mais comovido quando vejo produções gaúchas, sem atores globais, com ótimo público. Foi o caso da ópera O Quatrilho, também no São Pedro, e de espetáculos de teatro e dança que vi recentemente. Algumas invenções, como o teatro e a dança, são tão geniais que nenhum avanço tecnológico as substitui – pelo contrário, apenas expande suas possibilidades, como comprovam montagens que fazem uso de vídeos e projeções. Mesma coisa com o livro. Cada vez mais pessoas adotam os e-readers, mas não é preciso se esforçar muito para encontrar gente lendo e comprando o velho volume de papel – por mais que amasse, rasgue e às vezes pese. Uma pesquisa do Pew Research Center divulgada em março constatou que 67% dos americanos leram um livro impresso nos 12 meses anteriores, enquanto apenas 26% leram um ebook. Se compararmos com a velocidade com que as mídias físicas foram trocadas pelos serviços de streaming nas áreas da música e de filmes/séries, a continuidade do livro em papel é um fenômeno a ser considerado. Talvez a gente ainda sinta falta de poder tocar as coisas com as nossas mãos. Para estimular esse lado fetichista do público, os músicos têm apostado cada vez mais em pacotes criativos para vender CDs – embalagens, encartes, objetos de desejo. Não é Leia outras difícil entender colunas em que a arte tem a gauchazh.com/ fabioprikladnicki ver com as coisas bonitas da vida.


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