Desaparecidos

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Porto Alegre, terça-feira, 3 de novembro de 2015 - Nº 4 - Ano 19

DESAPARECIDOS

ANTONIO PAZ/JC

O difícil caminho entre a dor e a esperança Familiares convivem com o sofrimento da perda e o desejo de reencontrarem seus entes queridos Évilin Matos, especial jornaldalei@jornaldocomercio.com.br

“Eu não vou ver o meu filho tão cedo.” Esse foi o pensamento de Simara Guimarães, 44 anos, ao descobrir que Gabriel estava desaparecido há quatro dias. A comerciária teve o filho junto a si até 13 de novembro de 1999. Ela não levou o menino à escola, nem o viu crescer. À época, Simara trabalhava em um supermercado de Porto Alegre. Moradora de Cachoeirinha, na Região Metropolitana da Capital, saía pela manhã de casa e voltava à noite. No sábado em que viu o filho pela última vez, a rotina não foi diferente. Despediu-se de Gabriel e Vitor, cinco anos e um ano e oito meses, respectivamente, e

da cunhada, que levaria Gabriel para Gravataí, onde ele ficaria até terça-feira com o irmão mais velho, Felipe. Na terça-feira, Felipe voltou, mas Gabriel não veio junto, pois nunca havia sido levado. Segundo a cunhada, como não encontrara Gabriel em casa, supôs que a mãe o teria levado junto para o trabalho. Na época, a casa onde viviam não era cercada, o que pode ter facilitado a entrada de alguém na residência. “Eu estava com uma sensação estranha”, relembra Simara. A primeira atitude foi ir à delegacia registrar o desaparecimento. As buscas começaram no ato. A imprensa divulgou o caso; e a família, os amigos e os vizinhos mobilizaram-se para ajudar, mas o menino não foi encontrado. “Não sei se ele está bem, se está mal, se está passando fome.” A avó continuou, foi a programas de televisão e, quando um corpo era encontrado, fazia questão de verificar se tratava-se do

neto. Entretanto, faleceu sem reencontrá-lo. Aos poucos, a família do ex-marido começou a se distanciar do caso, e as buscas foram diminuindo até cessarem. Simara nunca ficou apreensiva ao saber de corpos encontrados. Para ela, Gabriel não está morto. “Ele deve ser lindo. Tinha o cabelo castanho. Não, ele tem o cabelo castanho. O meu filho está vivo”, diz. Para dar seguimento às buscas, ela teve de se ausentar do trabalho por 20 dias. Quando retornou, passou por exame psicológico para atestar que a situação não iria afetar o atendimento aos clientes. Junto a isso, Simara foi alvo de críticas de vizinhos, que diziam que ela era uma mãe que não se preocupava com os filhos. Mesmo com a dor da perda, Simara seguiu em frente, pois precisava criar seus outros três filhos – Felipe, Vitor e Sara, que, na época, estava para nascer. Ela passou em um concurso público na área de limpeza, depois em outro para a

Gabriel, filho de Simara, desapareceu há quase 15 anos

Guarda Municipal de Cachoeirinha. Agora, conseguiu uma bolsa de estudos pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) e cursa Administração. “Eu não podia parar, não podia ver os meus filhos pulando de casa em casa.

Esse é o bom de ter filhos, pois tu não podes desistir por eles”, relata, mantendo no pescoço uma corrente com as iniciais dos quatro filhos e, no coração, a palavra que dá nome à rua onde mora há mais de 40 anos: esperança.

Sem confirmação da morte, famílias demoram para retomar a rotina MARCO QUINTANA/JC

ONG Desaparecidos do Brasil criou site para auxiliar nas buscas

Sentir a dor da perda. A sensação não é desejada, porém é necessária para a confirmação da perda física, pois, assim, pode ser mais fácil retomar a vida cotidiana sem a presença da pessoa. Mas como ter o luto emocional quando não há comprovação da morte, não há corpo para velar? No ano passado, cerca de 2.000 pessoas, menores e maiores de 18 anos, desapareceram no Estado. Dessas, muitas foram encontradas, mas ainda há famílias a procura de seus parentes. Nos casos de incertezas, os familiares costumam retomar a vida, mantendo a esperança que a pessoa reapareça. “Se não há a certeza da morte, sempre haverá dúvidas, e retomar a vida é complicado, pois há o sentimento de dú-

vida sobre o retorno do familiar”, esclarece a professora da faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) Caroline Santa Maria Rodrigues. “É triste a sensação de não saber o que houve”, explica. Para ajudar na divulgação dos casos, há o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos. A ferramenta do Ministério da Justiça, porém, está desatualizada. Assim, entidades sem fins lucrativos também engajam-se nessa veiculação. A ONG Desaparecidos do Brasil tem em seu site (www. desaparecidosdobrasil.org) fotos e informações sobre pessoas desaparecidas no Brasil e no exterior. Para mantê-lo atualizado, a entidade faz telefonemas e pesquisas diárias.

Segundo a fundadora, Amanda Boldeke, a comunicação com os parentes é a maior dificuldade, pois nem sempre as famílias retornam os e-mails enviados. “Ficamos com o caso em aberto à espera da resposta, que nem sempre chega”, relata Amanda. Esse é um dos motivos de as entidades trabalharem com casos regionais ou com números restritos de desaparecidos. É preciso envolvimento e responsabilidade tanto da parte que oferece o serviço, quanto da que o utiliza. “Fazemos o esforço em prol daqueles que são atingidos por essa tragédia, mas é preciso haver a colaboração do beneficiado para manter esse serviço sempre atualizado.” Continua na próxima página


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