Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região

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Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ÂŞ RegiĂŁo




Registro fotogråfico: Casa da Alfândega - Centro da Cultura Popular Catarinense


“Que o teu trabalho seja perfeito para que, mesmo depois da tua morte, ele permaneça.” Leonardo da Vinci


ESCOLA JUDICIAL DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO Direção

GARIBALDI TADEU PEREIRA FERREIRA Desembargador do Trabalho-Diretor ROBERTO BASILONE LEITE Juiz Titular de Vara do Trabalho-Vice-Diretor

Coordenação Técnico-Científica LIGIA MARIA TEIXEIRA GOUVÊA Desembargadora do Trabalho

GRACIO RICARDO BARBOZA PETRONE Desembargador do Trabalho CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO Juiz Titular de Vara do Trabalho ALESSANDRO DA SILVA Juiz do Trabalho Substituto

Conselho Editorial da Revista AMARILDO CARLOS DE LIMA Desembargador do Trabalho

CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO Juiz Titular de Vara do Trabalho ALEXANDRE LUIZ RAMOS Juiz Titular de Vara do Trabalho

Secretaria Executiva

Florentina Luiza Boaventura Bastos Soraya Oliveira de Assis Cyntia de Oliveira e Silva


PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO

v. 17 n. 26 2012/2013 – Florianópolis/SC

ISSN 1984-3658


REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO Projeto gráfico e diagramação Nuovo Design Ltda.

Impressão Imprensa Oficial e Editora do Estado de Santa Catarina Contato Av. Jornalista Rubens de Arruda Ramos, 1588 – 11º andar – Av. Beiramar-Norte Telefone (48) 3298-5681 – (48) 3298-5682 CEP 88015-700 – Florianópolis – SC escolajudicial@trt12.jus.br

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho. Região, 12ª. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região/Escola Judicial do TRT da 12ª Região. v. 1, n. 1 (jun. 1993) – Florianópolis: TRT 12ª Região, 1993 Anual Irregular até 2005 Interrompida em 2006 ISSN 1984-3658 Publicada também como Revista Eletrônica no site do TRT 12ª R. 1. Direito do Trabalho – Periódico. 2. Doutrina I. Santa Catarina. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região.

Ficha elaborada conforme as normas do Código de Catalogação Anglo-Americano, 2ª ed., revisão 2002. É permitida a reprodução total ou parcial das matérias constantes nesta revista, desde que citada a fonte. O conteúdo dos textos é de responsabilidade de seus autores.


SUMÁRIO

Apresentação

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Prefácio

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Composição

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Trabalho Seguro

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• PRINCÍPIOS DA PREVENÇÂO NA RESPONSABILIDADE POR ACIDENTES DO TRABALHO E DOENÇAS OCUPACIONAIS Alessandro da Silva

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• SAÚDE MENTAL E TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO: UM ESTUDO A PARTIR DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO Álvaro Roberto Crespo Merlo | Carla Garcia Bottega Karine Vanessa Perez | Paula Goldmeier

• O DIREITO À SAÚDE E À INTIMIDADE DO TRABALHADOR E A RECUSA OU GLOSA DOS ATESTADOS MÉDICOS Desirre Dorneles de Ávila Bollmann

• PERFIL DE AGRAVOS À SAÚDE E AFASTAMENTOS ACIDENTÁRIOS DE TRABALHADORES DE SANTA CATARINA Jamir João Sardá Jr. | Roberto Moraes Cruz

• LAUDOS PERICIAIS: CONSTRUÇÃO CIENTÍFICA E INTERPRETAÇÃO CRÍTICA PELO JUIZ José Ernesto Manzi

• RISCOS DA INSEGURANÇA NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO E CUSTOS DECORRENTES Maria de Lourdes Leiria

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• DOZE HORAS DE AGONIA: UM SÉCULO DEPOIS, A MORTE DA JORNADA DE OITO HORAS Oscar Krost | Almiro Eduardo de Almeida | Valdete Souto Severo

• A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO TRABALHADOR: O PROBLEMA DA LER/DORT COMO ACIDENTE DE TRABALHO

Rodrigo Goldschmidt | Ilse Marcelina Bernardi Lora

• OS RISCOS EMERGENTES TRAZEM DESAFIOS PARA O TRABALHO SEGURO

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NOVOS

Rosimare Alves Ribeiro Petitjean

• A PROVA PERICIAL RELATIVA AOS DANOS DECORRENTES DE ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS OCUPACIONAIS NO CENÁRIO PÓS-EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004: A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE DO MAGISTRADO EM FACE DO INTERESSE PÚBLICO QUE PERMEIA A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AFETA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Viviane Colucci

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Apresentação Com a presente edição, a Revista do TRT da 12ª Região completa 20 anos. Desde 14-07-2005, com a Resolução Administrativa nº 91/2005, essa publicação passou a ser de responsabilidade da Escola Judicial do TRT catarinense. No contexto dos grandes desafios da sociedade contemporânea, o compartilhamento de saberes vem contribuindo para o cumprimento da missão de ampliar competências e habilidades que tornem mais efetiva a atividade judicante. Em 2012, esta Escola Judicial definiu uma série de objetivos estratégicos. Dentre eles, destaco a tarefa e o desafio de fomentar a elaboração de conhecimentos multidisciplinares e a produção científica dos magistrados. Para tal, a Revista do TRT reveste-se como veículo fundamental. Destaco neste número o novo projeto editorial, tanto na versão impressa, quanto na digital. O objetivo da mudança é tornar mais agradável e atrativa a leitura dos valorosos estudos e reflexões. A abordagem nesta edição é o trabalho seguro. Essa temática foi alvo de seminário realizado por esta Escola Judicial no mês de abril do corrente ano, durante a Semana Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho. O assunto, com toda a sua complexidade, tem sido trazido à nossa justiça especializada e vem suscitando dúvidas e polêmicas. Assim, esperamos que a presente publicação possa contribuir para enriquecimento e aperfeiçoamento de nossas atividades diárias ao jogar luzes sobre tão importante tema.

GARIBALDI TADEU PEREIRA FERREIRA

Desembargador do Trabalho – Vice-Presidente e Diretor da Escola Judicial do TRT da 12ª Região

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PREFÁCIO A Organização Internacional do Trabalho, pela relevância do tema afeto à segurança e saúde no trabalho, instituiu em 2003, o dia 28 de abril como o da Memória às Vítimas de Acidentes de Trabalho e como o Dia Mundial de Segurança e Saúde no Trabalho. O motivo foi um acidente que vitimou 78 mineiros nos Estados Unidos, em 28 de abril de 1969. Estatísticas alarmantes revelam que, de 2001 a 2010, o número de acidentes de trabalho no Brasil mais do que dobrou, passando de 340 mil para 701 mil. O Brasil ocupa a incômoda quarta posição entre os países com maior número de ocorrências de acidentes de trabalho. Em 2010, foram 2.700 mortes. Em Santa Catarina os registros indicam 47 mil acidentes, 6,7% dos registros em todo o país. Nosso estado, contudo, é o primeiro no Brasil no índice de número de acidentes em relação à população. Em razão desses números de acidentes de trabalho e também em função da elevada incidência de doenças ocupacionais no Brasil, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, sob a então presidência do ministro João Oreste Dalazen, por meio da Resolução n. 96, de 23 de março de 2012, criou o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho – Programa Trabalho Seguro, com o objetivo de desenvolver, em caráter permanente, ações voltadas à promoção da saúde do trabalhador, à prevenção de acidentes do trabalho e ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. Do rol de encaminhamentos já feitos, merece destaque a aprovação pela Assembleia Legislativa (ALESC) de projeto de lei, apresentado pelo deputado estadual Gelson Merisio, por solicitação dos gestores regionais do programa, tornando obrigatória, nos editais de contratação de serviços terceirizados e contratação de obras pela administração pública estadual, direta e indireta, a inclusão de cláusula de capacitação permanente dos trabalhadores em segurança e saúde no trabalho. Outra ação que merece relevo, também fruto de iniciativa dos gestores regionais, foi a aprovação pelo Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina de parecer que incorpora, como tema transversal nos currículos escolares em todo o estado, o assunto de segurança e saúde no trabalho. Além dos dados já mencionados, é importante registrar que o pagamento de auxílios-doença, aposentadorias por invalidez e tratamento das vítimas de acidentes de trabalho consumiram R$ 10 bilhões e 700 miRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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lhões do INSS, em 2010. Em razão disso, o órgão está buscando o ressarcimento desses valores por meio de ações regressivas contra as empresas condenadas pela Justiça do Trabalho, nos casos em que ficou comprovada a culpa dos empregadores no acidente, sendo o TRT da 12ª Região recordista no envio de ofícios à AGU. Nesse contexto e como fruto do Seminário Trabalho Seguro, realizado pela Escola Judicial do TRT da 12ª Região, nos dias 25 e 26 de abril de 2013, em parceria com o Ministério Público do Trabalho, surge a presente revista, com foco no tema de segurança e saúde no trabalho. A revista faz parte das ações do Tribunal relativas ao Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho – Programa Trabalho Seguro. A revista traz rico conteúdo, começando pelo artigo do juiz Alessandro da Silva, que faz importante análise do princípio de prevenção, cuja violação, não observância ou desconsideração gera responsabilidade da empresa. A juíza Desirre Dorneles de Ávila Bollmann, a seu turno, escreve sobre o direito à saúde e à intimidade do trabalhador e a recusa dos atestados médicos. Conclui que o empregador não pode recusar atestados de outros médicos que não os do seu quadro, em respeito ao princípio da intimidade. Os psicólogos Jamir João Sardá Jr. e Roberto Moraes Cruz apresentam revelador perfil dos agravos à saúde e afastamentos acidentários de trabalhadores de Santa Catarina, apresentando dados e informações para uma melhor tomada de decisão, seja na prevenção, seja na reparação dos acidentes de trabalho. O desembargador do TRT da 12ª Região José Ernesto Manzi trata da construção científica e interpretação crítica pelo juiz dos laudos periciais, destacando que a utilização dessa prova é cada vez mais frequente, impondo-se a adoção de padrões metodológicos e científicos, para analisar todas as variáveis dos casos sempre complexos. A desembargadora Maria de Lourdes Leiria aborda os riscos da insegurança no meio ambiente do trabalho e seus custos. Analisa com profundidade todos os efeitos prejudiciais de um ambiente de trabalho inadequado, contribuindo para a conscientização do problema. Os juízes da 4ª Região, Almiro Eduardo de Almeida e Valdete Souto Severo, e o juiz da 12ª Região Oscar Krost examinam, de modo crítico, as disposições da Lei n. 12.619/12, que regulamenta a profissão de motorista, em face das demais normas do direito do trabalho, concluindo pela contrariedade da lei às garantias constitucionais da jornada diária de 8 horas. A juíza Ilse Marcelina Bernardi Lora, do TRT da 9ª Região, e o Trabalho Seguro


juiz Rodrigo Goldschmidt, do TRT da 12ª Região, abordam a saúde como direito fundamental do trabalhador, com base nos tratados internacionais e na Constituição brasileira. Após, tratam do assunto LER/DORT, contribuindo para a proteção e promoção da saúde do trabalhador. A fisioterapeuta e doutoranda no Instituto de Ergologia da Aix-Marseille Univertité da França, Rosimare Alves Ribeiro Petitjean, faz uma explanação dos problemas de segurança e saúde no trabalho ao longo do tempo e evidencia os estudos para a regulação dos mesmos. Após, apresenta pesquisa em desenvolvimento na universidade acima mencionada, que mostra os desafios do trabalho seguro diante das transformações do mundo do trabalho. Por fim, a desembargadora Viviane Colucci, do TRT da 12ª Região e integrante do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro – TST/CSJT, apresenta suas reflexões sobre a prova pericial dos danos decorrentes de acidentes de trabalho após a EC 45, destacando a importância da atividade dos magistrados trabalhistas em face do interesse público afeto aos direitos fundamentais. Sublinha que o acesso à justiça não deve ser somente formal, mas sim acesso a uma ordem jurídica justa. A leitura desses excelentes artigos fará o leitor aprofundar-se no tema de segurança e saúde no trabalho, mas também permitirá refletir sobre a necessidade de o trabalho ser modo de desenvolvimento pessoal e da sociedade, e não fator de adoecimento e morte. A segurança no trabalho é o pressuposto para se alçar voo mais alto, qual seja, a qualidade de vida no trabalho. Somente a saúde plena, física, mental e emocional, poderá aumentar o padrão das relações de trabalho, atendendo às demandas da sociedade por produção e consumo, mas acima de tudo, que a produção e o consumo se sustentem no trabalho. Não qualquer trabalho, mas o trabalho digno.

Florianópolis, 10 de outubro de 2013.

Desembargadora DO TRABALHO Gisele Pereira Alexandrino

Presidente do TRT da 12ª Região e Gestora Regional do Programa Trabalho Seguro Juiz DO TRABALHO Alexandre Luiz Ramos

Titular da 6ª VT de Florianópolis e Gestor Regional Auxiliar do Programa Trabalho Seguro

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Composição do TRT da 12ª Região



TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO Administração – 2011/2013 GISELE PEREIRA ALEXANDRINO Desembargadora do Trabalho-Presidente GARIBALDI TADEU PEREIRA FERREIRA Desembargador do Trabalho-Vice-Presidente EDSON MENDES DE OLIVEIRA Desembargador do Trabalho-Corregedor

TRIBUNAL PLENO

Desembargadora do Trabalho Gisele Pereira Alexandrino – Presidente Desembargador do Trabalho Garibaldi Tadeu Pereira Ferreira – Vice-Presidente Desembargador do Trabalho Edson Mendes de Oliveira – Corregedor Regional Desembargadora do Trabalho Lília Leonor Abreu Desembargadora do Trabalho Ligia Maria Teixeira Gouvêa Desembargadora do Trabalho Águeda Maria Lavorato Pereira Desembargador do Trabalho Jorge Luiz Volpato Desembargador do Trabalho Marcos Vinicio Zanchetta Desembargador do Trabalho Gilmar Cavalieri Desembargadora do Trabalho Viviane Colucci Desembargadora do Trabalho Lourdes Dreyer Desembargadora do Trabalho Maria Aparecida Caitano Desembargador do Trabalho Gracio Ricardo Barboza Petrone Desembargadora do Trabalho Mari Eleda Migliorini Desembargadora do Trabalho Maria de Lourdes Leiria Desembargador do Trabalho José Ernesto Manzi Desembargador do Trabalho Amarildo Carlos de Lima Desembargadora do Trabalho Teresa Regina Cotosky

SEÇÃO ESPECIALIZADA 1

Desembargadora do Trabalho Gisele Pereira Alexandrino – Presidente Desembargador do Trabalho Garibaldi Tadeu Pereira Ferreira – Vice-Presidente Desembargadora do Trabalho Águeda Maria Lavorato Pereira Desembargador do Trabalho Jorge Luiz Volpato Desembargador do Trabalho Gilmar Cavalieri Desembargadora do Trabalho Viviane Colucci Desembargadora do Trabalho Lourdes Dreyer Desembargador do Trabalho Amarildo Carlos de Lima Desembargadora do Trabalho Teresa Regina Cotosky

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SEÇÃO ESPECIALIZADA 2

Desembargadora do Trabalho Gisele Pereira Alexandrino – Presidente Desembargador do Trabalho Garibaldi Tadeu Pereira Ferreira – Vice-Presidente Desembargadora do Trabalho Lília Leonor Abreu Desembargadora do Trabalho Ligia Maria Teixeira Gouvêa Desembargador do Trabalho Marcos Vinicio Zanchetta Desembargadora do Trabalho Maria Aparecida Caitano Desembargador do Trabalho Gracio Ricardo Barboza Petrone Desembargadora do Trabalho Mari Eleda Migliorini Desembargadora do Trabalho Maria de Lourdes Leiria Desembargador do Trabalho José Ernesto Manzi

PRIMEIRA TURMA

Primeira Câmara Desembargadora do Trabalho Viviane Culucci – Presidenta Desembargadora do Trabalho Águeda Maria Lavorato Pereira Desembargador do Trabalho Jorge Luiz Volpato

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SEGUNDA TURMA

Terceira Câmara Desembargador do Trabalho Gilmar Cavalieri – Presidente Desembargador do Trabalho Amarildo Carlos de Lima Desembargadora do Trabalho Lourdes Dreyer Quarta Câmara Desembargador do Trabalho Marcos Vinicio Zanchetta – Presidente Desembargadora do Trabalho Mari Eleda Migliorini Desembargadora do Trabalho Maria Aparecida Caitano

TERCEIRA TURMA

Quinta Câmara Desembargadora do Trabalho Lília Leonor Abreu – Presidente Desembargador do Trabalho José Ernesto Manzi Desembargadora do Trabalho Maria de Lourdes Leiria Sexta Câmara Desembargador do Trabalho Gracio Ricardo Barboza Petrone – Presidente Desembargadora do Trabalho Ligia Maria Teixeira Gouvêa Desembargadora do Trabalho Teresa Regina Cotosky

Composição do TRT da 12ª Região


VARAS DO TRABALHO – SANTA CATARINA Varas do Trabalho

Juiz Titular

Vara do Trabalho de Araranguá

Sandra Silva dos Santos

1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú

Sonia Maria Ferreira Roberts

2ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú

Irno Ilmar Resener

1ª Vara do Trabalho de Blumenau

Nelson Hamilton Leiria

2ª Vara do Trabalho de Blumenau

Desirré Dorneles de Ávila Bollmann

3ª Vara do Trabalho de Blumenau

José Lúcio Munhoz

4ª Vara do Trabalho de Blumenau

Sílvio Ricardo Barchechen

Vara do Trabalho de Brusque

Hélio Henrique Garcia Romero

Vara do Trabalho de Caçador

Etelvino Baron

Vara do Trabalho de Canoinhas

Lauro Stankiewicz

1ª Vara do Trabalho de Chapecó

Carlos Frederico Fiorino Carneiro

2ª Vara do Trabalho de Chapecó

Deisi Sene Oliveira

3ª Vara do Trabalho de Chapecó

Vera Marisa Vieira Ramos

4ª Vara do Trabalho de Chapecó

Giovanni Olsson

Vara do Trabalho de Concórdia

Adilton José Detoni

1ª Vara do Trabalho de Criciúma

Rosilaine Barbosa Ishimura Sousa

2ª Vara do Trabalho de Criciúma 3ª Vara do Trabalho de Criciúma

Miriam Maria D’Agostini

4ª Vara do Trabalho de Criciúma

Erno Blume

Vara do Trabalho de Curitibanos

Jayme Ferrolho Júnior

1ª Vara do Trabalho de Florianópolis

Hélio Bastida Lopes

2ª Vara do Trabalho de Florianópolis

Roberto Basilone Leite

3ª Vara do Trabalho de Florianópolis

Maria Aparecida Ferreira Jerônimo

4ª Vara do Trabalho de Florianópolis

Mirna Uliano Bertoldi

5ª Vara do Trabalho de Florianópolis

Rosana Basilone Leite Furlani

6ª Vara do Trabalho de Florianópolis

Alexandre Luiz Ramos

7ª Vara do Trabalho de Florianópolis

Carlos Alberto Pereira de Castro

Vara do Trabalho de Fraiburgo Vara do Trabalho de Imbituba

Daniel Natividade Rodrigues de Oliveira

Vara do Trabalho de Indaial

Reinaldo Branco de Moraes

1ª Vara do Trabalho de Itajaí

Roberto Luiz Guglielmetto

2ª Vara do Trabalho de Itajaí

Ubiratan Alberto Pereira

3 ª Vara do Trabalho de Itajaí

Ricardo Córdova Diniz

1ª Vara do Trabalho de Jaraguá do Sul

Fernando Luiz Souza Erzinger

2ª Vara do Trabalho de Jaraguá do Sul

Felipe Arthur Winter

Vara do Trabalho de Joaçaba

Rodrigo Goldschmidt Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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1ª Vara do Trabalho de Joinville

César Nadal Souza

2ª Vara do Trabalho de Joinville

Tatiana Sampaio Russi

3ª Vara do Trabalho de Joinville

Eronilda Ribeiro dos Santos

4ª Vara do Trabalho de Joinville

Nivaldo Stankiewicz

5ª Vara do Trabalho de Joinville

Antonio Silva do Rego Barros

1ª Vara do Trabalho de Lages

Patrícia Pereira de Sant’anna

2ª Vara do Trabalho de Lages

Karem Mirian Didoné

3ª Vara do Trabalho de Lages

Andrea Cristina de Souza Haus Bunn

Vara do Trabalho de Mafra

Valter Túlio Amado Ribeiro

Vara do Trabalho de Navegantes

Luiz Carlos Roveda

Vara do Trabalho de Palhoça

José Carlos Külzer

1ª Vara do Trabalho de Rio do Sul

Ilma Vinha

2ª Vara do Trabalho de Rio do Sul

Roberto Masami Nakajo

Vara do Trabalho de São Bento do Sul

Alfredo Rego Barros Neto

1ª Vara do Trabalho de São José

Jony Carlo Poeta

2ª Vara do Trabalho de São José

Maria Beatriz Vieira da Silva Gubert

3ª Vara do Trabalho de São José

Magda Eliete Fernandes

Vara do Trabalho de São Miguel do Oeste

Gustavo Rafael Menegazzi

Vara do Trabalho de Timbó

Nelzeli Moreira da Silva Lopes

1ª Vara do Trabalho de Tubarão

Ricardo Kock Nunes

2ª Vara do Trabalho de Tubarão

Narbal Antônio de Mendonça Fileti

Vara do Trabalho de Videira

Luiz Osmar Franchin

Vara do Trabalho de Xanxerê

Regis Trindade de Mello

Composição do TRT da 12ª Região


JUÍZES DO TRABALHO SUBSTITUTOs Adailto Nazareno Degering Adriana Custódio Xavier Camargo Alessandro da Silva Alessandro Friedrich Saucedo Ana Letícia Moreira Rick Ana Paula Flores Andrea Maria Limongi Pasold Angela Maria Konrath Armando Luiz Zilli Camila Torrão Britto de Moraes Carvalho Carlos Aparecido Zardo Cezar Alberto Martini Toledo Charles Baschirotto Felisbino Daniel Lisboa Danielle Bertachini Elaine Cristina Dias Ignacio Arena Elton Antônio de Salles Filho Eva Missako Yuhara Fabio Augusto Dadalt Fábio Tosetto Fabricio Luckmann Fabricio Zanatta Herika Machado da Silveira Fischborn Indira Socorro Tomaz de Sousa e Silva João Carlos Trois Scalco José Eduardo Alcantara Julieta Elizabeth Correia de Malfussi

Karin Corrêa de Negreiros Kismara Brustolin Leonardo Frederico Fischer Leonardo Rodrigues Itacaramby Bessa Lisiane Vieira Luciano Paschoeto Luis Fernando Silva de Carvalho Marcel Luciano Higuchi Viegas dos Santos Mariana Antunes da Cruz Laus Mariana Philippi de Negreiros Michelle Adriane Rosario Arruda Araldi Oscar Krost Ozéas de Castro Patricia Andrades Gameiro Hofstaetter Patricia Braga Medeiros D’Ambroso Paulo Andre Cardoso Botto Jacon Paulo Cezar Herbst Renata Felipe Ferrari Ricardo Jahn 23 Rodrigo Gamba Rocha Diniz Rogério Dias Barbosa Sergio Massaroni Silvio Rogério Schneider Valdomiro Ribeiro Paes Landim Valquiria Lazzari de Lima Bastos Zelaide de Souza Philippi

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Trabalho Seguro


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Com o objetivo de mudar o trágico panorama de acidentes de trabalho no Brasil, o Tribunal Superior do Trabalho, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério da Previdência Social, o Ministério da Saúde e a Advocacia-Geral da União firmaram Protocolo de Cooperação Técnica, ao qual aderiram todos os Tribunais Regionais do Trabalho e diversas instituições públicas e privadas. A iniciativa culminou com a Resolução nº 96 do Conselho Superior da Justiça, aprovada na sessão de 23 março de 2012, que instituiu e institucionalizou o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho – Programa Trabalho Seguro no âmbito da Justiça do Trabalho. Com isso, busca-se a articulação entre instituições públicas federais, estaduais e municipais, bem como a aproximação de atores da sociedade civil, tais como empregados, empregadores, sindicatos, Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs), instituições de pesquisa e ensino, a fim de promover a conscientização acerca da importância do tema e contribuir para o desenvolvimento de uma cultura de prevenção de acidentes de trabalho. Nos dias 25 e 26 de abril de 2013, a Escola Judicial do TRT-12, em parceria com o Ministério Público do Trabalho, promoveu o Seminário Trabalho Seguro, em seu 2º Módulo de 2013. O evento fez parte das ações em nosso estado relativas ao Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho – Programa Trabalho Seguro.

Mesa de abertura do Seminário Trabalho Seguro Trabalho Seguro


Participantes do Seminário Trabalho Seguro

O tema foi discutido por meio de dois paineis. O primeiro enfocou a questão: Epidemiologia e Saúde o Trabalhador: do coletivo para o individual ou do individual para o coletivo? Para discorrer sobre esse questionamento, contamos com o médico Heleno Rodrigues Correa Filho, que tratou de Epidemiologia e Saúde do Trabalhador; o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Cláudio Mascarenhas Brandão, que falou sobre o NTEp como meio de provas nas ações acidentárias trabalhistas; e, com o psicólogo Roberto Moraes Cruz, que apresentou o Perfil de Agravos à Saúde do Trabalhador no Estado de Santa Catarina. No segundo painel, a discussão ficou em torno da questão dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais: Nexo Causal e Nexo Epidemiológico. A respeito desse item, o engenheiro Paulo Rogério Albuquerque Oliveira enfocou o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEp: Novos Referencias da Saúde do Trabalhador. Por sua vez, a médica Maria Maeno explanou sobre o tema Adoecimento: Nexo Causal e Nexo Técnico Epidemiológico. Encerrando os debates, o médico Roberto Carlos Ruiz tratou da questão sobre o Nexo Técnico Epidemiológico e a Perícia do INSS. O evento, realizado no Auditório da Justiça Federal em Florianópolis – SC, foi voltado a magistrados, procuradores, servidores e público interessado na questão e suscitou reflexões iniciais sobre o Trabalho Seguro. Os debates prosseguiram por meio de fórum EaD e são aprofundados em alguns artigos desta edição da Revista do Tribunal. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Princípio da prevenção na responsabilidade por acidentes do trabalho e doenças ocupacionais Alessandro da Silva1

Sumário: 1. Introdução. 2. Breve relato histórico acerca da proteção à saúde do trabalhador. 3. Meio ambiente do trabalho. 4. Mudança de paradigma na responsabilidade por acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. 5. O princípio da prevenção na responsabilidade civil. 6. Apontamentos da aplicação normativa do princípio da prevenção no direito estrangeiro e principais manifestações em nosso ordenamento jurídico trabalhista. 7. Implicações do princípio da prevenção nos pressupostos da responsabilidade civil. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas. Resumo: embora tenha uma legislação bastante avançada em matéria de infortunística, o Brasil convive com um alto número de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. Uma das causas desse quadro é a baixa efetividade das normas, em especial daquelas que concretizam o princípio da prevenção. O papel desse princípio deve ser resgatado por meio da verificação de seu exato alcance e suas implicações nos pressupostos da responsabilidade civil por acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. Palavras-chave: responsabilidade civil; acidentes do trabalho; doenças ocupacionais; princípio da prevenção. Résume: Au Brésil existe une législation assez avancée en matière de santé et sécurité des travailleurs, mais le pays présente un nombre très élevé daccidents au travail et maladies professionnelles. Entre les raisons de ce cadre, figure la baisse effectivité des normes, notamment celles qui concrétisent le principe de la prévention. Le rôle de ce principe doit être récupéré par la vérification de son exact signification et ses implications dans les éléments de la responsabilité civile par accidents au travail et maladies professionnelles. Mots-clés: responsabilité civile, accidents au travail, maladies professionnelles. 1. Juiz do Trabalho Substituto no TRT da 12ª Região/Santa Catarina, mestrando em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP, membro da Associação Juízes para a Democracia. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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1 Introdução Nosso país já foi campeão mundial em número de acidentes do trabalho e atualmente, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), são 1,3 milhão de acidentes e 2,5 mil mortes por ano, o que nos coloca em quarto lugar no ranking mundial, atrás apenas da China, dos Estados Unidos e da Rússia. Paradoxalmente, nossa legislação é bastante avançada e acolhe expressa ou implicitamente medidas que, se observadas, poderiam evitar esse quadro de desprezo à saúde e à vida de quem trabalha, conforme aponta José Affonso Dallegrave Neto:

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Como é cediço, o Brasil é um dos recordistas mundiais em acidentes de trabalho. Em flagrante paradoxo a esses dados, constata-se que o nosso país contém uma das legislações mais avançadas e pormenorizadas em matéria de saúde do trabalhador. Logo, é possível asseverar que o problema brasileiro não é legislativo, mas proveniente da cultura empresarial mercantil e imediatista que se nega a investir em prevenção de acidentes, tratando com total menoscabo a legislação infortunística2.

De fato, embora a prevenção seja um dos fundamentos de todo o sistema de infortunística construído em nosso país, na prática a efetividade das normas daí decorrentes ainda é baixa e, por consequência, os acidentes são corriqueiros e banais. Cada vez mais nossa sociedade percebe que a busca pela reparação dos danos já não responde às exigência de uma vida estável, de modo que é fundamental tomar atitudes para evitar que os danos ocorram. Diante dessa constatação, nosso sistema de responsabilidade civil volta sua atenção para institutos jurídicos que atendam de modo mais eficaz a esses anseios, com destaque para os princípios da prevenção e da precaução. São tamanhas as expectativas acerca desses instrumentos que já é defendida a existência de uma responsabilidade civil preventiva, a par da tradicional responsabilidade civil reparatória3. 2. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Elementos da responsabilidade civil nos acidentes do trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 76, n. 1, jan./mar. 2010. p 102. 3. Cf. LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade Trabalho Seguro


Conceituar o princípio da prevenção no meio ambiente de trabalho e analisar as suas implicações nos pressupostos da responsabilidade civil são os objetivos a que se propõe o presente trabalho. 2 Breve relato histórico acerca da proteção à saúde do trabalhador Conquanto existam estudos acerca da saúde dos trabalhadores no período que antecede a Revolução Industrial4, foi a partir dessa época que o problema tornou-se socialmente mais relevante. Guilherme José Purvin de Figueiredo relata que: O modelo econômico inaugurado com a Revolução Industrial desencadeia tanto o surgimento do proletariado como o início do processo de degradação do meio ambiente natural e humano numa escala nunca dantes vista. A produção em série impõe maior demanda de matéria-prima vinda do campo e, na cidade, maior concentração populacional e especialização do trabalho. Para a classe proletária que nasce, esta degradação ambiental significa sujeição a doenças ocupacionais e a acidentes do trabalho. Em outras palavras, verifica-se um súbito e violento decréscimo na qualidade de vida da população5.

Frente a tão degradante situação, surgiram movimentos de operários que buscavam melhores condições de trabalho e passaram a ser aprovadas as primeiras leis de proteção dos menores e em seguida de limitação das jornadas laboradas. Em seguida, também foram aprovadas leis de acidentes do trabalho, a começar pela Alemanha em 1884, na sequência, em vários países europeus e no Brasil por meio do Decreto Legislativo n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919. Nesse mesmo ano foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujas primeiras seis convenções aprovadas tratavam justamente da proteção à saúde e integridade física dos trabalhadores. Escudado nas lições de René Mendes e Elizabeth Costa Dias, Sebastião Geraldo de Oliveira relata que, no campo das relações de tracivil. São Paulo: Quartier Latin, 2010. 4. RAMAZZINI, Bernardino. As doenças dos trabalhadores. São Paulo: Fundacentro, 1992. (a edição original data de 1700) 5. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 23. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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balho, a questão da saúde passou por quatro etapas: a) etapa da medicina do trabalho, b) etapa da saúde ocupacional, c) etapa da saúde do trabalhador e d) etapa da qualidade de vida do trabalhador6. A etapa da medicina do trabalho teve início por volta de 1830 e se consolidou com o advento do taylorismo e do fordismo, métodos de trabalho que exigiam operários sadios e produtivos. Nesse período a medicina se limitava a atender o trabalhador doente e viabilizar seu retorno à linha de produção o mais rápido possível, sem preocupação com os fatores causais da enfermidade7. O horrores da Segunda Guerra Mundial despertaram uma nova mentalidade que valorizava a paz e a estabilidade social e determinou a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1946, segundo a qual “saúde é o completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de afecções ou enfermidades”. O esforço de reconstrução do pós-guerra exigiu grande intensidade no trabalho e aumentou a incidência de acidentes e doença ocupacionais, o que revelou a incapacidade do sistema de medicina do trabalho em evitá-los. Diante de tal constatação, “percebeu-se que era necessário agir nas causas das doenças e dos acidentes, modificando o ambiente de trabalho, com a participação de outros profissionais especializados, além do médico”8. Iniciou-se, então, a etapa da saúde ocupacional com enfoque multidisciplinar (médicos, engenheiros de segurança, higienistas) na melhoria das condições de trabalho, identificação dos limites de tolerância aos agentes agressivos e utilização dos equipamentos de proteção. Apesar dos progressos experimentados nessa etapa, os resultados não foram os desejados, visto que um ator fundamental estava excluído do processo: o próprio trabalhador. A partir dos anos 70 do século passado, os trabalhadores retomaram com maior vigor os movimentos de luta e reivindicação por melhores condições de trabalho e passaram a apontar eles próprios o que deveria ser mudado. Iniciado na Itália, esse movimento se espalhou 6. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 6. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 59. 7. Ibidem, p. 60. 8. OLIVEIRA, op. cit., p. 62. Trabalho Seguro


rapidamente pela Europa e Estados Unidos e impulsionou a criação dos comitês de higiene e segurança, nos quais havia a participação dos trabalhadores. Começava a etapa da saúde do trabalhador. A OIT também aderiu a essa nova maneira de encarar a questão da saúde no trabalho e, no início dos anos 80 aprovou as Convenções 1559 e 16110 que se tornaram marcos por passarem a orientar uma nova conduta acerca da matéria. Sebastião Geraldo de Oliveira destaca que: A Constituição da República de 1988 foi o marco principal da introdução da etapa da saúde do trabalhador no ordenamento jurídico nacional. A saúde foi considerada como direito social (arts. 6º e 194), assegurando-se aos trabalhadores os direito à redução dos riscos inerentes ao trabalhado, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII). Ficou assentado também que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196), cabendo ao Sistema Único de Saúde, dentre outras atribuições, executar as ações de saúde do trabalhador (art. 200, II). A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990) e as leis previdenciárias (Lei 8.212/91 e 8.213/91), em sintonia com as diretrizes constitucionais, também instituíram normas de proteção à saúde do trabalhador11.

Por fim, mesmo ainda não tendo sido consolidada a etapa da saúde do trabalhador, já se delineia o surgimento de um novo momento, focado na qualidade de vida no trabalho. Nessa nova visão, a pessoa humana é colocada em primeiro lugar, devendo todos os outros meios de trabalho, como máquinas, ferramentas e a própria dinâmica, se adaptarem ao homem. Ocorre que a implementação dessas etapas não se dá de modo uniforme, sendo que é comum a existência de profundas disparidades entre as várias regiões do país ou mesmo entre locais de trabalho na mesma região, uns com elevado grau de efetividade das normas de higiene, 9. Ratificada pelo Brasil em 1992, a Convenção 155 estabeleceu avanços importantes, como: conceito amplo de saúde, obrigatoriedade da fixação de uma política nacional de saúde, adaptação dos processos de produção às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores, direito do empregado de interromper a prestação de serviços quando ela envolve perigo iminente e grave para sua vida, inclusão das questões de segurança, higiene e meio ambiente do trabalho no processo educativo da população, etc. 10. A Convenção 161 foi ratificada por nosso país em 1990 e trata dos Serviços de Saúde do Trabalho. 11. OLIVEIRA, op. cit., p. 69. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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medicina e segurança, enquanto outros ainda convivem com condições de trabalho escravo ou degradante. Uma das principais medidas para viabilizar uma evolução mais equilibrada nesse campo é o conhecimento das peculiaridades que compõem o meio ambiente de trabalho, como se passa a verificar. 3 Meio ambiente do trabalho

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A Política Nacional do Meio Ambiente foi instituída pela Lei n. 6.938/81, cujo art. 3º, inc. I define o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Raimundo Simão de Melo assevera que “o meio ambiente é regido por princípios, diretrizes e objetivos específicos, […], sendo seu objetivo maior a tutela da vida em todas as suas formas e, especialmente, a vida humana, como valor fundamental”12. Com o objetivo de facilitar seu estudo e “a identificação da atividade degradante, e do bem imediatamente agredido”, nossa doutrina o tem classificado em quatro espécies: natural, artificial, cultural e do trabalho13. No que tange ao direito do trabalho, o art. 200, inc. VIII, da Constituição Federal14, expressamente inclui o local de trabalho no conceito de meio ambiente. O art. 7º, inc. XXII, da CF, por sua vez, reconhece o direito dos trabalhadores à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Dessa forma, atualmente, é inquestionável a existência de um “meio ambiente do trabalho”, para o qual se aplicam regras e princípios típicos do direito ambiental, inclusive no que tange à prevenção e reparação dos danos. Segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo, o meio ambiente do trabalho é:

12. MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 5. ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 27. 13. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 19. 14. Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: […] VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Trabalho Seguro


o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psiquíca dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc.)15.

José Afonso da Silva, por sua vez, assevera que “o ambiente do trabalho é um complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o frequentam”16. 4 Mudança de paradigma na responsabilidade por acidentes do trabalho e doenças oc u pa c i ona is Em que pese ser reconhecida a existência de um meio ambiente do trabalho, nosso ordenamento jurídico ainda apresenta muitos traços do tratamento equivocado que, até recentemente, era dado à matéria. O principal deles é a monetização do risco em atividades insalubres, perigosas e nas horas extras. As atividades insalubres são “aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos” (art. 189 da CLT). Já as atividades perigosas são as que implicam “risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial” (art. 193, da CLT). Portanto, nas primeiras, o empregado é exposto a agentes que, paulatinamente, minam sua saúde, enquanto nas segundas, o risco é de morte ou de graves danos à sua integridade física. As atividades insalu15. FIORILLO, op. cit., p. 22. 16. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 23. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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bres provocam as doenças ocupacionais, enquanto as atividades perigosas causam os acidentes do trabalho17. Conquanto o art. 7º, inc. XXII, da CF, estabeleça a obrigação de eliminar ou neutralizar os riscos, nosso ordenamento jurídico ainda convive com a monetização, visto que estabelece a obrigação e pagamento de adicionais 40%, 20% ou 10% sobre o salário mínimo18 para as operações insalubres e de 30% sobre a remuneração para as perigosas. Inicialmente imaginou-se que, com esse acréscimo remuneratório, decorrente da exposição a agentes que prejudicavam a saúde, seriam atingidos dois objetivos: o trabalhador poderia se alimentar melhor e, por consequência, fortaleceria seu sistema imunológico, assim como os empregadores buscariam melhorar as condições de trabalho, visando eliminar os ônus decorrentes dos adicionais. Ocorre que logo se constatou que nenhum dos dois objetivos seria atingido, conforme relata Diogo Pupo Nogueira:

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Estudos mais aprofundados de Toxicologia do Trabalho mostraram que, na imensa maioria dos casos, mesmo uma alimentação com alto poder calorífico, e perfeitamente balanceada, não influiria, senão de forma desprezível, na luta do organismo humano contra os agentes de doença profissional. Os empregadores, por sua vez, verificando que a modificação das condições em que o trabalho insalubre era realizado implicava, na maioria das vezes, em despesas extremamente vultuosas, preferiram o pagamento do adicional, transferindo para seus produtos a parcela do acréscimo salarial. Por outro lado, o pagamento do adicional de insalubridade teve uma consequência inesperada e de extrema gravidade: verificando que o trabalho em locais insalubres redundava em salário maior, os trabalhadores, ignorantes dos riscos a que se expunham, procuravam-no com grande interesse, arriscando dessa forma a saúde e mesmo a vida em troca de dinheiro. O reconhecimento dessa complexa e grave problemática levou, desde logo, à abolição do pagamento desse adicional nas indústrias europeias e, mais tarde, nas norte-americanas, canadenses, etc19.

No mesmo sentido equivocado se direcionou o tratamento relativo ao trabalho extraordinário. Nosso país limitou a duração do trabalho a 08 horas diárias e 44 horas semanais, sendo que aquelas que 17. OLIVEIRA, op. cit., p. 153. 18. Para uma análise acerca da base de cálculo do adicional de insalubridade após a edição da Súmula Vinculante nº 04 do STF, cf. SILVA, Alessandro da; SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Súmula vinculante: um poder vinculado. O caso da Súmula n. 4 do Supremo Tribunal Federal. In: Revista Trabalhista – Direito e Processo. Rio de Janeiro, v. 7, n. 26, p. 141-155, abr./ jun. 2008. 19. Apud OLIVEIRA, op. cit., p. 154-5. Trabalho Seguro


ultrapassarem esses limites deverão ser pagas com, no mínimo, 50% de acréscimo. Ocorre que as longas jornadas sempre foram indicadas como uma das principais causas de doenças ocupacionais, devido ao curto período que o organismo tem para se recuperar em tais condições, e também de acidentes típicos, em razão da fadiga a que o empregado se vê submetido. A adoção de institutos como o banco de horas, prevista no art. 59 da CLT20, agrava ainda mais essa precária realidade, ao permitir a prorrogação sistemática da jornada sem nenhum custo para o empregador. Além desses problemas, nosso país também enfrenta uma cultura de combate aos acidentes do trabalho focada na conduta do trabalhador, que objetiva evitar os chamados atos inseguros. Esse modelo tende a buscar as explicações para os acidentes no comportamento do acidentado, atribuindo sua causa à “falha humana” ou à “negligência” do trabalhador. Sebastião Geraldo de Oliveira aponta a incompatibilidade desse sistema com o atual estágio da prevenção: No modelo de prevenção atual, o empregador deve analisar cuidadosamente as causas dos incidentes ou quase acidentes, para implementar medidas que possam prevenir efetivamente os acidentes humanos. Em vez de centralizar a política na gestão comportamental das pessoas, como ocorre na abordagem tradicional, o foco estará voltado para a gestão do risco, promovendo sua eliminação ou colocando barreiras adequadas para que as situações de risco estejam sob controle21.

Percebe-se que prevenção e proteção são duas realidades complementares, e não excludentes, pois, na primeira as ações são voltadas a evitar a ocorrência dos acidentes, enquanto na segunda, são adotadas medidas para preservar ou minimizar as consequências quando um aci20. Art. 59. […] § 2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. 21. OLIVEIRA, op. cit., pp. 168-9. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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dente ocorrer. O equívoco, até recentemente, cometido foi o de concentrar os esforços nas ações de proteção e posterior reparação dos danos perpetrados, embora ações de prevenção se mostrem jurídica e economicamente mais acertadas, como se passa a demonstrar. 5 O princípio da prevenção na responsabilidade civil O princípio da prevenção tem origem em uma das funções da responsabilidade civil: a função dissuasória ou preventiva. Nesse sentido, Marton, em obra de 1938, já destacava que: […] a prevenção é o primeiro princípio não somente da repressão penal, mas também da repressão civil. Pena e reparação, profundamente diferentes na estrutura interna, são, sem embargos, meios iguais da mesma política legislativa; servem, como disse muito bem Von Liszt, em derradeira análise, ao mesmo fim social, a defesa da ordem jurídica, lutando contra a injustiça22. 38

Embora o papel preventivo da responsabilidade civil já tivesse sido destacado, foi Marton quem o elevou a um princípio capital. Todavia, essa concepção está intimamente ligada à ideia de sanção ao infrator, que caracteriza a responsabilidade penal. Essa doutrina foi objeto de críticas, já que colocava em segundo plano a função reparatória, apontada pela maior parte dos autores como aquela primordial da responsabilidade civil, no objetivo de restabelecer o statu quo ante e, por consequência, o equilíbrio social violado23. Nessa percepção moderna, o foco da responsabilidade civil se desloca do agente causador para a vítima do dano injusto, alterando-se os critérios da reparação e tendo por objetivo a proteção da pessoa humana24. Por outro lado, a matéria tem experimentado profunda e acelerada evolução, de sorte que seus fundamentos estão em constante transformação, seguindo as necessidades apresentadas pela sociedade con22. Apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 98. 23. DIAS, José de Aguiar, op. cit.,. p. 99. 24. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 10. ed. revista e atualizada por Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012. p. 16. Trabalho Seguro


temporânea. Em um tal contexto, foi no direito ambiental que o princípio da prevenção, em conjunto com o da precaução, retomou o prestígio, ante a constatação de que, em regra, nessa área, a reparação é inviável, de sorte que a preocupação do ordenamento jurídico deve ser preveni-los. Teresa Ancona Lopez relata que: O princípio da precaução no mundo contemporâneo foi introduzido pelo direito ambiental. Surge no direito alemão na década de 70 com vistas à proteção ambiental – é o Vorsorgeprinzip. Porém, também já havia aparecido em debates internacionais sobre a proteção ao meio ambiente, debates esses patrocinados pela “Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano”, em Estocolmo, no ano de 1972. Durante a década de 80, essa ideia ganha força, tendo sido afirmado expressamente pela primeira vez, na Conferência sobre o Mar do Norte, depois incorporado em diversos tratados e declarações internacionais sobre questões ambientais, como o controle de poluição. Porém, sua consagração como princípio somente acontece em 1992, na “Declaração do Rio de Janeiro – Eco-92”25.

No campo do direito ambiental, o princípio da prevenção exsurge dos incisos I, III, IV e V, do § 1º, do art. 225, da Constituição Federal26, e consiste na adoção antecipada de medidas definidas que possam evitar a ocorrência de um dano provável, numa determinada situação,

25. LOPEZ, op. cit., pp. 97-8. 26. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; […] Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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reduzindo ou eliminando suas causas, quando se tem conhecimento de um risco concreto27. A diferença entre o princípio da prevenção e o da precaução reside no fato de que, no primeiro, os riscos são conhecidos, enquanto no segundo, ainda são hipotéticos, potenciais28. Tal qual no direito do consumidor, as normas de direito ambiental têm eficácia horizontal sobre o ordenamento jurídico, de maneira que os deveres dele decorrentes devem ser observados mesmo nas relações entre particulares, cuja natureza não seja propriamente ambiental. Dessa forma, o direito a um meio ambiente sadio e equilibrado perpassa todas as relações jurídicas, inclusive aquelas reguladas por outros ramos do direito, em particular, em matéria de responsabilidade civil, como revela Teresa Ancona Lopez:

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Em muitas situações, não há como reparar o mal já acontecido. Somente a função preventiva da responsabilidade civil poderá ser eficaz. Nas lesões à honra, à vida privada, à integridade física, à saúde, ao meio ambiente, não há reparação propriamente dita. Somente medidas preventivas serão capazes de estancar os futuros danos. Prevenção é a conduta que vai tentar evitar os danos que poderão acontecer de riscos e perigos conhecidos.29

Tendo em vista o reconhecimento constitucional de que o local de trabalho constitui uma espécie de meio ambiente, também a ele se aplicam as diretrizes de prevenção oriundas desse princípio. Nesse sentido, José Affonso Dallegrave Neto aponta que: Observa-se que tanto a precaução quanto a prevenção de infortúnios no trabalho encerram valor jurídico muito maior que a mera reparação pecuniária do dano, vez que o respeito à dignidade do trabalhador pressupõe a preservação de sua saúde física, mental e emocional. Com efeito, quando a empresa constitui sua atividade econômica e dela retira lucro com a participação direta do serviço prestado por seus empregados, passa também a ter o dever de assegurar a integral incolumidade física, moral e mental dos seus colaboradores partícipes. Não se perca de vista a parêmia de quem detém o bônus, tem também o ônus (ubi emolumentum, ibi onus)30. 27. NEIVA BELCHIOR, Germana Parente. Hermenêutica jurídica ambiental. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 208. 28. LOPEZ, op. cit., p. 101. 29. LOPEZ, op. cit., p. 79. 30. DALLEGRAVE NETO, op. cit., p. 105. Trabalho Seguro


6 Apontamentos da aplicação normativa do princípio da prevenção no direito estrangeiro e manifestações em nosso principais ordenamento jurídico trabalhista No que tange ao direito estrangeiro, vale citar a Diretiva 89/391/ CEE da União Europeia31, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da saúde e da segurança dos trabalhadores. Nessa Diretiva foram incluídos princípios gerais relativos à prevenção dos riscos profissionais e à proteção da segurança e da saúde, à eliminação dos fatores de risco e de acidente, à informação, à consulta, à participação, à formação dos trabalhadores e seus representantes, assim como às linhas gerais para aplicação dos referidos princípios (art. 1º, item 2). O art. 5º, item 1, determina que “a entidade patronal é obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho, enquanto o item 3, do mesmo artigo, diz que “as obrigações dos trabalhadores no domínio da segurança e da saúde no local de trabalho não afetam o princípio da responsabilidade da entidade patronal”. O item 2, do art. 6º, por sua vez, estabelece os seguintes princípios gerais de prevenção: a) evitar os riscos b) avaliar os riscos que não podem ser evitados; c) combater os riscos na origem; d) adaptar o trabalho ao homem, especialmente no que se refere à concepção dos postos de trabalho, bem como à escolha dos equipamentos de trabalho e dos métodos de trabalho e de produção, tendo vista, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho cadenciado e reduzir os efeitos desses sobre a saúde; e) ter em conta o estágio da evolução da técnica; f) substituir o que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso; 31. Essa diretiva foi incorporada pelos ordenamentos jurídicos dos estados membros da União Europeia, com destaque para o art. 281, do Código de Trabalho de Portugal, o art. L4121-2, do Code du Travail Français, e o art. 3º, do Decreto Legislativo del Governo Italiano n° 626 del 19/09/1994. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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g) planificar a prevenção com um sistema coerente que integre a técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientas no trabalho; h) dar prioridade às medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual; i) dar instruções adequadas aos trabalhadores. Percebe-se que a diretiva europeia estabelece critérios práticos que norteiam a aplicação do princípio da prevenção e que permitem a apreciação acerca do cumprimento da obrigação patronal de “assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores”. No Brasil, a principal manifestação normativa do princípio da prevenção é o art. 7º, inc. XXII, da Constituição Federal, in verbis:

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Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; […]

As demais regras acerca da matéria estão contidos na CLT e nas Normas Regulamentadoras (Nrs)32 expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O art. 157, incisos I e II, da CLT, determina que cabe às empresas “cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho” e “instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”. No art. 158, por sua vez, incisos I e II, fixa-se como obrigação dos empregados, “observar as normas de segurança e medicina do trabalho” e “colaborar com a empresa na aplicação dos 32. A competência do Ministério do Trabalho e Emprego para regulamentar as obrigações de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais é estabelecida pelo art. 200 da CLT: Art. 200. Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre: I – medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos. Trabalho Seguro


dispositivos deste capítulo. Os arts. 160 e 161, da Consolidação, tratam da inspeção prévia e do embargo ou interdição33, quando constado grave e iminente risco para saúde e segurança do trabalhador. A NR 3, aprovada pela Portaria n. 3.214/78, do MTE, estabelece que “considera-se grave e iminente risco toda condição ambiental de trabalho que possa causar acidente do trabalho ou doença profissional com lesão grave à integridade física do trabalhador (item 3.1.1). O art. 161, da CLT, determina, ainda, que responderá por desobediência, além das medidas penais cabíveis, aquele que, após determinada a interdição ou embargo, ordenar ou permitir o funcionamento do estabelecimento ou de um de seus setores, a utilização de máquinas ou equipamentos, ou o prosseguimento da obra, se, em consequência, resultarem danos a terceiros (§ 4º), assim como garante o pagamento dos salários aos empregados durante o período de paralisação do serviço (§ 6º). Segundo o art. 162, da CLT, as empresas são obrigadas a manter Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SEESMT), cuja finalidade é a de promover a saúde e proteger a integridade do trabalho no local de trabalho, com a eliminação dos riscos físicos, químicos, biológicos ou ergonômicos. O art. 168, da CLT, fixa a necessidade de realização de exames médicos na admissão, na demissão e periodicamente, cuja natureza dependerá da atividade empreendedora, na forma da instruções do Ministério do Trabalho e Emprego — MTE. Por fim, é necessário citar a NR 09, que trata do Programa de 33. O art. 229 da Constituição do Estado de São Paulo também trata da matéria sob o ponto de vista do direito à saúde: Artigo 229. Compete à autoridade estadual, de ofício ou mediante denúncia de risco à saúde, proceder à avaliação das fontes de risco no ambiente de trabalho, e determinar a adoção das devidas providências para que cessem os motivos que lhe deram causa. §1º Ao sindicato de trabalhadores, ou a representante que designar, é garantido requerer a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo o ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou a saúde dos empregados. §2º Em condições de risco grave ou iminente no local de trabalho, será lícito ao empregado interromper suas atividades, sem prejuízo de quaisquer direitos, até a eliminação do risco. §3º O Estado atuará para garantir a saúde e a segurança dos empregados nos ambientes de trabalho. §4º É assegurada a cooperação dos sindicatos de trabalhadores nas ações de vigilância sanitária desenvolvidas no local de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), cuja alínea 9.1.1 estabelece como objetivo a preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, através da antecipação, reconhecimento, avaliação e controle da ocorrência de riscos ambientais de trabalho, tendo em consideração a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais. Evidencia-se que nosso ordenamento jurídico dispõe de ampla regulamentação em matéria de prevenção dos riscos de acidentes e doenças ocupacionais. A efetividade dessas normas certamente resultaria em redução dos danos decorrentes desses infortúnios. É fundamental ressaltar as medidas que permitem ao poder público agir de maneira preventiva, como o embargo ou interdição de obra levados a cabo pela Fiscalização do Trabalho, quando constatados riscos graves de danos à integridade física ou à saúde dos trabalhadores, e ainda as ações coletivas que podem ser ajuizadas pelos Ministério Público do Trabalho ou pelos sindicatos profissionais, visando impor obrigações de fazer aos empregadores que não cumprem as normas de higiene, medicina e segurança no trabalho. 44

7 Implicações do princípio da prevenção nos pressupostos da responsabilidade civil Além dessas medidas práticas citadas no tópico anterior, o princípio da prevenção incide sobre todos os pressupostos da responsabilidade civil em casos de acidente do trabalho ou doenças ocupacionais. Assim sendo, terá implicações sobre a imputação da culpa, existência do nexo de causalidade e, até mesmo, sobre a apreciação do dano a ser reparado. 7.1 Culpa Atualmente a noção de culpa não está mais vinculada à avaliação psicológica do agente, como no século XIX, que deu lugar à denominada “culpa objetiva ou normativa”, segundo a qual a conduta do agente deve ser apreciada a partir de padrões objetivos de comportamento, a partir do caso concreto, conforme esclarece Sílvio Rodrigues, ao afirmar que: […] para verificar se existiu, ou não, erro de conduta, e portanto culpa, por Trabalho Seguro


parte do agente causador do dano, mister se faz comparar seu comportamento com aquele que seria normal e correntio em um homem médio, fixado como padrão. Se de tal comparação resultar que o dano derivou de uma imprudência, imperícia ou negligência do autor do dano, nos quais não incorreria o homem padrão, criado in abstracto pelo legislador, caracteriza-se a culpa, ou seja, o erro de conduta34.

Sempre que o empregador não cumprir as determinações legais acerca das obrigações relativas à preservação da saúde e segurança dos empregados, incidirá na denominada “culpa contra a legalidade”35. Além dessas hipóteses, o empregador também atuará com culpa quando não cumprir um dever geral de cautela, mesmo que não tenha incorrido em violação legal ou regulamentar de forma direta. Nessa hipótese, o princípio da prevenção surge como um parâmetro importante para aferir o descumprimento do dever de cautela, a partir da comparação da conduta do empregador com a de uma empresa que zela adequadamente pela segurança e saúde de seus empregados36. Para tanto se mostram úteis os princípios gerais de prevenção adotados na União Europeia, citados no tópico anterior. 7.2 Nexo de causalidade Como é cediço, um dos pressupostos da responsabilidade civil é a existência de uma relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano. Uma vez demonstrado que não foi o agente aparente quem deu causa ao prejuízo, estará configurada a existência de um excludente de nexo causal que, como tal, exclui sua responsabilidade. São excludentes de nexo causal a força maior/caso fortuito, o fato exclusivo de terceiro e o fato exclusivo da vítima37. 34. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 4. p. 146. 35. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 39. 36. OLIVEIRA. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 177. 37. Conquanto seja comum a referência à culpa exclusiva da vítima, inclusive na legislação (vide art. 936, do CC), nossa doutrina tem apontado que se trata de exclusão da relação de causalidade e não de culpabilidade. Nesse sentido, cite-se por todos Álvaro Villaça Azevedo: “Assim, havendo culpa exclusiva da vítima, esta, em verdade, foi a causadora do evento daRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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A força maior/caso fortuito é aquele acontecimento cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (art. 393, do CC) e, portanto, são seus pressupostos a inevitabilidade e a imprevisibilidade. Já quando o dano é causado por uma ação de pessoa estranha à relação jurídica originária ou pela própria vítima, estaremos diante do fato exclusivo de terceiro e do fato exclusivo da vítima. Existe divergência doutrinária se a inevitabilidade e a imprevisibilidade são considerados requisitos de todas as excludentes de nexo causal, inclusive do fato de terceiro e do fato da vítima, ou apenas da força maior/caso fortuito38. Fernando Noronha, por exemplo, entende que as excludentes de nexo causal poderiam ser classificadas no gênero força maior, sendo que teriam por pressupostos a imprevisibilidade, a irrestibilidade e a externidade39. José de Aguiar Dias não admite a necessidade de que o fato de terceiro ou da vítima sejam imprevisíveis e inevitáveis para a exclusão do nexo causal, mas destaca que alguns agentes são incumbidos de deveres especiais, que lhes obrigam a agir para evitar danos cometidos por terceiros. Em tais casos, o fato de terceiro somente excluiria a responsabilidade quando for inevitável e imprevisível, pressupostos que são apreciados em termos concretos, em função do dever que incumbe ao agente: Associando os princípios expostos, concluímos que não se pode confundir a causa estranha ou fato de terceiro com a força maior, não obstante seus pontos de contato e a possibilidade de sua coincidência no mesmo fato; que a causa estranha é, em sentido relativo, o que a força maior representa em sentido absoluto, que, portanto, para exonerar o devedor, a causa estranha deve revestir o caráter de imprevisibilidade, não em termos abstratos, mas apreciada em função do dever que incumbe ao agente40.

O empregador tem a obrigação de tomar as medidas necessárias

noso.” (In: AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral das obrigações e responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p .255). 38. CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 185. 39. NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2010. p. 652. Ainda incluem a imprevisibilidade e a inevitabilidade como requisitos do fato de terceiro CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 65; e, RODRIGUES, op. cit., p. 173. 40. DIAS, op. cit., p. 685. Trabalho Seguro


para evitar que o empregado seja vítima de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais e, como tal, fazer uso dos meios ao seu alcance para alcançar esse objetivo. Dessa maneira, em razão da aplicação do princípio da prevenção, sempre que o fato de terceiro ou do próprio lesado forem previsíveis e evitáveis, caberá ao empregador tomar medidas adequadas para impedir que o dano se consume. Caso não tome as medidas que estavam ao seu alcance, o empregador não se eximirá da responsabilidade, pois não estarão configuradas as excludentes de nexo causal. 7.3 Dano A teoria da responsabilidade civil vem sendo construída ao redor da ideia de reparação do dano perpetrado e restabelecimento do equilíbrio nas relações sociais. Dessa forma, a existência de um dano injusto é um pressuposto elementar da responsabilidade civil. Ocorre que também o dano, como os demais filtros da reparação, tem sido objeto de flexibilização, diante do alargamento dos chamados novos danos ressarcíveis, conforme relata Fernando Noronha: Em tempos ainda recentes, os danos suscetíveis de reparação eram quase que somente os patrimoniais e individuais. A necessidade sentida pela sociedade de não deixar dano nenhum sem reparação é que mudou as coisas. Em primeiro lugar gerou um avassalador movimento em prol da reparação dos danos extrapatrimoniais (ou morais em sentido amplo), que, por contraposição aos danos que acarretam prejuízo econômico, atingem valores somente de ordem corporal (dano puramente corporais) ou espiritual e moral (danos anímicos, ou morais em sentido estrito)41.

Um dos fundamentos dessa tendência é a constatação de que na sociedade contemporânea, da produção em série, os danos também podem ser massificados e atingir grandes coletividades. A gravidade dos danos também cresceu de sobremaneira em razão do desenvolvimento científico e industrial, sendo que, não raro, há danos irreparáveis. Diante dessa situação, seria necessária a construção de uma responsabilidade civil preventiva a par da responsabilidade civil reparatória, na qual seria possível a responsabilização de uma agente pela mera expo41. NORONHA, op. cit., pp. 566-7. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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sição à ameaça ou risco de danos graves e irreparáveis42. Por consequência, seria possível afirmar que existe responsabilidade sem dano? Teresa Ancona Lopez responde a esse questionamento nos seguintes termos: Por tudo que expusemos, concluímos que é perfeitamente possível responsabilidade civil sem dano (apenas sua ameaça). Essa nova responsabilidade surgiu da adoção de princípios da prevenção e da precaução com a finalidade de dar maior segurança a todos os cidadãos. Mas foi plasmada também pelo expediente da flexibilização das velhas normas, princípios e institutos, com apoio na razão de ser desse ramo do direito – o alterum non laedere43.

Na mesma passagem, a autora destaca que Mathilde Boutonnet diferencia o mero risco de dano e a perturbação por uma ameaça de dano. Nessa situação, existiria um dano extrapatrimonial a ser reparado e, por consequência, não seria necessário declarar a existência de responsabilidade sem dano. 8 Conclusão 48

A gravidade e a massificação dos danos, muitas vezes irreparáveis, tem levado a sociedade contemporânea a exigir respostas mais adequadas do instituto da responsabilidade civil. Nesse contexto, o princípio da prevenção se firma como instrumento fundamental na eliminação dos riscos e, por consequência, dos prejuízos. Em matéria de meio ambiente do trabalho são vários os dispositivos normativos que estabeleceram obrigações ao empregador com o claro intuito de evitar acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. Isso revela que o princípio da prevenção encontrou ampla guarida nessa área e reflete a evolução do sistema de proteção à saúde do trabalhador. Dentre os meios adotados para implementar a prevenção merecem destaque as medidas que permitem ao poder público interferir no andamento de atividades econômicas que apresentem riscos graves de danos à integridade física ou à saúde dos trabalhadores, por meio do embargo ou interdição de obra levados a cabo pela Fiscalização do Trabalho, e ações coletivas que podem ser ajuizadas pelos Ministério 42. Cf. LEVY, Daniel de Andrade. Responsabilidade civil: de um direito de danos a um direito das condutas lesivas. São Paulo: Atlas, 2012. 43. LOPEZ, op. cit., p. 139. Trabalho Seguro


Público do Trabalho ou pelos sindicatos profissionais, visando impor obrigações de fazer aos empregadores que não cumprem as normas de higiene, medicina e segurança no trabalho. Além disso, o princípio da prevenção apresenta implicações importantes nos pressupostos desse instituto. Isso porque serve como parâmetro objetivo para a apreciação da culpa, acarreta ao empregador o dever de impedir a ocorrência de danos previsíveis e evitáveis, mesmo quando causados por fato de terceiro ou do próprio lesado, assim como estabelece critério para a identificação dos danos decorrentes da exposição a riscos. Mesmo que ainda não represente uma revolução a ponto de formar um novo ramo da responsabilidade civil, o princípio da prevenção direciona esse instituto jurídico para um novo caminho, no qual o alterum non laedere enfim será efetivo. 9 Referências bibliográficas AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral das obrigações e responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2011. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Elementos da responsabilidade civil nos acidentes do trabalho. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, v. 76, n. 1, jan./mar. 2010. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. LEVY, Daniel de Andrade. Responsabilidade civil: de um direito dos danos a um direito das condutas lesivas. São Paulo: Atlas, 2012. LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 5. ed. São Paulo: LTr, 2013. NEIVA BELCHIOR, Germana Parente. Hermenêutica jurídica ambiental. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 208. NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 4.ed. São Paulo: LTr, 2008. _________. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 6.ed. São Paulo: LTr, 2011. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 10.ed. revista e atualizada por Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012. RAMAZZINI, Bernardino. As doenças dos trabalhadores. São Paulo: Fundacentro, 1992. 50

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v.4. SILVA Alessandro da; SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Súmula vinculante: um poder vinculado. O caso da Súmula n. 4 do Supremo Tribunal Federal. In: Revista Trabalhista – Direito e Processo. Rio de Janeiro, v. 7, n. 26, p. 141155, abr./jun. 2008. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2000. VINEY, Géneviéve. Le déclin de la responsabilité individuelle. Paris: Librairie Générale de Droit et Jurisprudence, 1965.

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SAÚDE MENTAL E TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO: UM ESTUDO A PARTIR DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO Álvaro Roberto Crespo Merlo**** Carla Garcia Bottega*1 Karine Vanessa Perez** Paula Goldmeier*** Resumo: este trabalho relata a proposta, os resultados e encaminhamentos de consultoria em saúde mental e trabalho, realizada entre agosto e novembro de 2011, com oficiais de justiça de uma instituição pública, situada em Porto Alegre – RS. O principal objetivo foi conhecer e estudar a atividade desenvolvida pelos oficiais de justiça e sua repercussão na saúde desses trabalhadores. A abordagem ocorreu através do uso da Psicodinâmica do Trabalho (PdT), a qual é definida como uma prática de intervenção, pois a metodologia insere-se em um modelo de pesquisa-ação. Apesar de não tratarmos de uma pesquisa propriamente dita, temos como base teórico, metodológica para o desenvolvimento do trabalho, análise e discussão os preceitos da PdT. A análise apresentada foi dividida em dois agrupamentos de comentários verbais relativos às dificuldades e/ou problemas presentes no trabalho: sobre a atividade e sobre a instituição. Pode-se dizer que os principais problemas encontra-

1. * Psicóloga, doutoranda em Psicologia Social e Institucional (UFRGS), integrante do Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho – LPdT, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Endereço: Rua Vicente da Fontoura, 2.059/405 – Rio Branco – Porto Alegre – RS 90640-003 – (51) 9675 7795 – carlabott@terra.com.br. ** Psicóloga, mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS), integrante do Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho – LPdT, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. karinevanessaperez@gmail.com. *** Psicóloga, mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS), servidora pública. paulagoldmeier@gmail.com. **** Médico do trabalho, doutor em Sociologia (Univ. Paris 7), docente da Faculdade de Medicina e do programa de pós-graduação em Psicologia Social e Institucional/UFRGS, professor médico-assistente do Ambulatório de Doenças do Trabalho do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, coordenador do Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho/UFRGS e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. merlo@ufrgs.br. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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dos estão relacionados à falta de reconhecimento do trabalho realizado e o caráter solitário da atividade. É necessário que os resultados deste trabalho sejam levados em consideração no planejamento de ações futuras, além de serem discutidos com o conjunto de trabalhadores envolvidos, visando soluções coletivas para as situações levantadas. Palavras-chave: saúde mental e trabalho; saúde do trabalhador; serviço público. 1 Introdução

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Este trabalho relata a proposta, os resultados e encaminhamentos de consultoria em saúde mental e trabalho, realizada entre agosto e novembro de 2011, com oficiais de justiça de uma instituição pública situada em Porto Alegre – RS. A demanda partiu da própria instituição, mais especificamente da Coordenação de Acompanhamento Funcional, que observou quadro de sofrimento psíquico no grupo de oficiais de justiça, considerando que as situações observadas estão relacionadas às atividades desenvolvidas por esses trabalhadores. A partir dessa demanda inicial foi construída uma proposta que pudesse responder, de forma técnica, às questões levantadas pela demanda, a partir do uso da metodologia em psicodinâmica do trabalho, proposta por Christophe Dejours (DEJOURS, 1992; DEJOURS, 2004). Foram feitas reuniões preparatórias com representantes da instituição, com o objetivo de produzir uma formulação mais definida da demanda, de forma a permitir uma melhor organização dos instrumentos que seriam necessários para o desenvolvimento do trabalho. Nas reuniões ficou estabelecido que o principal objetivo seria conhecer e estudar a atividade desenvolvida pelos oficiais de justiça e sua repercussão na saúde desses trabalhadores. Após a formulação da demanda foi realizada uma reunião de apresentação da proposta para sua aceitação pela instituição com os Diretores vinculados diretamente a esses trabalhadores e, posteriormente, com o conjunto de trabalhadores em questão. Ficou estabelecido que a população a ser estudada seriam os oficiais da Central de Mandados, o que representava 60 servidores. Ficou acordado entre os participantes, a produção de um relatório composto por um plano de ação, referente às questões levantadas pelo grupo e encaminhamentos definidos por esse coletivo de trabalhadores. Trabalho Seguro


2 Revisão de Literatura O mundo do trabalho tem sofrido intensas modificações nas últimas décadas. Ocorreram diminuições no número de empregos, aumento de tarefas, precarização dos contratos e flexibilização de leis trabalhistas. Ao mesmo tempo, como referência social, o trabalho tem sido questionado, ressignificado, criticado e resgatado, por muitos teóricos. Alguns chegam a colocar em xeque a sua centralidade, mas o que se tem visto é o aumento da exploração do trabalho e dos trabalhadores. Todas essas transformações influenciam, direta ou indiretamente, a sociedade, seja o trabalhador empregado ou sem emprego, bem como suas famílias, o que repercute diretamente na subjetividade do trabalhador. Para Dejours (2004), o agravamento do sofrimento psíquico no trabalho está ligado à evolução da organização do trabalho. A sociedade atual tem vivido momentos de profundas transformações e redefinições em suas relações internacionais, englobando o espaço econômico, tecnológico, das comunicações e da cultura. Essa mudança iniciou-se na década de 60, porém, sofreu uma intensa aceleração por volta da década de 80. Esse processo, no qual se configuram multitendências, recentemente tem sido definido como globalização ou mundialização. Dessa forma, a reestruturação produtiva é evidenciada no meio econômico alicerçando-se em um forte desenvolvimento tecnológico e novos modelos de uma gestão de trabalho flexível. Entretanto, as consequências dessa nova estrutura sobre a saúde do trabalhador só começou a ser estudada de forma científica a pouco tempo (FERREIRA; MENDES, 2003). Conforme afirma Dejours (1999), o trabalho nunca é neutro, em relação à saúde, e pode favorecer tanto à doença quanto à saúde. É importante ressaltar que a relação saúde/trabalho não está restrita às pessoas ligadas diretamente ao processo de trabalho. A divisão entre espaço de trabalho e espaço privado não é possível quando a questão se remete às relações sociais e às questões de saúde, já que não é possível separar nossa vida na família, em casa, da vida no trabalho, nos seus diversos locais. Gradativamente, inclusive, esses ambientes se misturam, confundem-se, tornando essa separação ainda mais complicada. Em meio a essas transformações emergem os trabalhadores do setor público, que representam uma significativa fração dessa conjuntura em metamorfose. Esse tipo de atividade não isenta as mudanças e instaurações de novos projetos políticos com tendências liberais. Este Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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projeto visa modificar o caráter do Estado brasileiro, buscando incutir-lhe um posto secundário na acumulação de capital, ao mesmo tempo em que se reduz ou até mesmo elimina sua função reguladora no jogo de interesses de agentes econômicos com menor poder de barganha (FERREIRA; MENDES, 2003). Frente a isso, conforme a exposição de Ferreira e Mendes (2003), “[...] toma sentido o discurso da ineficiência dos servidores públicos e, por extensão, a inexorável indolência imputada aos trabalhadores do setor estatal” (p. 22). Como forma de solucionar esse impasse, bem como retomar o crescimento econômico, emerge a privatização ampla e irrestrita. O modelo de Estado gerencial é um fator inseparável desse processo, sendo incorporado e cumprido nos sistemas administrativos. Uma grande parte dos problemas sociais atuais são gerados em função de uma nítida ausência por parte do Estado em responsabilizar-se pelas dificuldades enfrentadas pela sociedade. Por isso, faz-se necessário um funcionamento efetivo desse Estado e que esse esteja, de fato, presente na vida da população (2003). A medida que se afirma a democratização, mais conscientes os cidadãos tornam-se a respeito de seus direitos, vigilantes em relação ao seu próprio papel e principalmente às obrigações públicas. Aos poucos os antigos “coronéis” ficam para trás, dando lugar a novos governantes, que se (re)elegem em função do desenvolvimento de projetos e ações legítimas e claras para que os deveres para com a sociedade sejam cumpridos pelos órgãos públicos responsáveis (2003). É nesse contexto que o presente estudo constitui uma ação afirmativa no sentido de contribuir para o bom funcionamento do setor público, fornecendo subsídios para aprimorar o fornecimento de serviços, repensando o modelo atual de gestão e valorizando o papel de cada sujeito frente à instituição investigada. Enfoca o funcionalismo do setor público como objeto de estudo e escuta, para que, a partir de então, se compreenda a relação entre prazer e sofrimento em âmbito público. Pensar sobre o trabalho, a saúde e a subjetividade permite fazer uma interlocução entre a organização atual do trabalho e suas repercussões na saúde dos trabalhadores, tanto mental quanto física, considerando os modos de subjetivação dos sujeitos.

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3 Método Como já colocado anteriormente, além de conhecer e estudar o trabalho desenvolvido pelos oficiais de justiça da Central e sua repercussão na saúde, também objetivamos levantar e correlacionar aspectos da organização do trabalho relacionados com a saúde-doença; identificar riscos atuais à saúde dos trabalhadores, e propor alternativas que auxiliem na prevenção e na promoção da saúde desses trabalhadores. Optamos por uma abordagem qualitativa de intervenção, com a constituição de um espaço de discussão para os trabalhadores, no formato de grupo, constituído pela coordenação de uma psicóloga consultora, e outra assistente, por uma representante da instituição, também psicóloga, e pelos oficiais de justiça dispostos a participarem voluntariamente dos encontros previamente estabelecidos. A abordagem ocorreu através do uso da Psicodinâmica do Trabalho (PdT) (DEJOURS, 1992; DEJOURS, 2004), a qual é definida como uma prática de intervenção, pois a metodologia insere-se em um modelo de pesquisa-ação. Apesar de não tratarmos de uma pesquisa propriamente dita, temos como base teórico-metodológica para o desenvolvimento do trabalho, análise e discussão os preceitos da PdT. Tivemos acesso a documentos, ao local de trabalho, e à história da organização, para compreender o que os trabalhadores falaram durante os grupos. A intenção foi reunir informações que são úteis, posteriormente, para a interpretação das falas sobre os processos, as mudanças e a organização do trabalho. Também foi realizada entrevista com o Diretor do Serviço de Execução de Mandados para conhecimento do histórico e das relações de trabalho. A proposta de trabalho foi apresentada para mais de 30 oficiais de justiça, em uma reunião geral. Inicialmente, foram feitas falas institucionais sobre a proposta para este trabalho. Após, a consultora apresentou a metodologia e a sugestão de realização dos grupos. Foram esclarecidas dúvidas e estabelecidas algumas combinações. Entre os trabalhadores presentes na reunião, pelo menos 10 se mostraram interessados em participar das discussões em grupo, e nesse mesmo dia foi marcado o início das atividades dos grupos e estabelecido o seu horário e duração dos encontros, de acordo com a disponibilidade da maior parte dos oficiais de justiça dispostos a participar dessa intervenção. Ficou estipulado também que os grupos seriam realizados nas dependências Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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da instituição. Estabeleceu-se um número máximo de 20 participantes para as reuniões do grupo. No primeiro encontro foram retomadas as combinações relativas ao andamento dos grupos, tais como presença, participação e registros, buscando esclarecer os objetivos, o tema e as questões de ordem ética para o desenvolvimento do trabalho, como o sigilo e arquivo das informações e do material produzido, da devolução dos resultados no final e da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Vale ressaltar que a proposta de realização dos grupos deu-se exatamente no início de período de greve, entretanto, ficou decidido pelos oficiais de justiça que estavam presentes pela manutenção do desenvolvimento da atividade, independente de terem aderido à greve ou não. As reuniões se realizaram em horário e local combinados previamente com os participantes, com duração de aproximadamente uma hora e meia, semanalmente, e tiveram, em média, a participação de 06 trabalhadores. No total foram realizados 07 encontros, que foram gravados, com o consentimento prévio dos participantes. O foco dos encontros foi sempre o comentário verbal feito pelos trabalhadores, pois é a partir das falas que se conhece o trabalho realizado e os efeitos causados no trabalhador. Além disso, vale ressaltar que o que interessa, segundo a metodologia da PdT, é a expressão coletiva proporcionada por este espaço de fala e escuta (MENDES, 1995). Ao término de cada encontro sempre eram retomados os aspectos principais trabalhados, já iniciando um processo de validação. Ao final dos encontros foram feitas as primeiras restituições, com o objetivo de fazer a validação do material obtido e das interpretações feitas. A análise do material foi feita a partir da fundamentação teórica da Psicodinâmica do Trabalho (DEJOURS, 2004), sempre levando em conta as particularidades da organização do trabalho e a subjetividade dos trabalhadores envolvidos. No espaço dos grupos se pretendeu, além da coleta de material, fazer com que os trabalhadores buscassem possibilidades para uma transformação da organização do trabalho, dando um novo sentido, negociando e fazendo essa organização do trabalho ser repensada e posteriormente modificada, a partir da construção e fortalecimento de uma ação coletiva. Os trabalhadores validaram as interpretações feitas pela coordeTrabalho Seguro


nação do grupo, não só no momento final, como também, no próprio decorrer dos grupos. O que garante a continuidade do processo é que as interpretações feitas, corretamente, desencadeiam novas discussões, novos materiais e o aprofundamento no debate das questões trazidas pelo grupo. 4 Resultados e Discussão Os comentários verbais feitos foram agrupados por temas. Um tema que tenha aparecido de forma recorrente em diferentes encontros com o grupo de oficiais de justiça foi inserido no mesmo agrupamento. Os grupos concentraram as discussões em determinados temas, que se definiram a partir da própria fala dos participantes. O tema foi retomado várias vezes, por ser considerado importante para o momento ou por ser uma reelaboração de algo já discutido. A proposta não é a de apresentar uma linearidade nas discussões, mas sim os aspectos principais colocados nos grupos. A análise apresentada foi dividida em dois agrupamentos de comentários verbais relativos às dificuldades e/ou problemas presentes no trabalho: sobre a atividade e sobre a instituição. Nesses agrupamentos, foram formulados subgrupos. Os agrupamentos dos comentários verbais foram organizados no sentido de estabelecer classificações e agrupar ideias semelhantes sobre um mesmo assunto discutido nos grupos. No primeiro agrupamento, são apresentadas as relações estabelecidas neste trabalho e a organização do trabalho, no qual, entre outros comentários verbais, optamos por destacar a escolha da profissão e a atividade de caráter solitário. No segundo, estão reunidas questões relativas à instituição e seus desdobramentos, no qual destacamos a falta de reconhecimento. 4.1 A atividade Os oficiais de justiça avaliadores (executantes de mandados) são responsáveis por efetuar as citações, notificações, intimações, bem como outras ordens judiciais; fazer penhoras, arrematações, remissões, avaliações, arrestos, buscas e apreensões entre outras atividades como elaborar, digitar e conferir diversos expedientes. Também faz parte das suas atividades certificar o ocorrido, lavrando no local os autos especificados; Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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executar as ordens determinadas pelo juiz a que estiver subordinado. No grupo participante todos têm mais de 15 anos de trabalho na atividade, alguns faltando pouco tempo para a aposentadoria. São de épocas de ingresso diferenciados, tendo enfrentado modificações na legislação no que diz respeito à incorporação de alguns benefícios anteriores, como por exemplo, aposentadoria com proventos integrais. Quanto à escolha da profissão, o grupo aparece dividido sobre o conhecimento prévio do que realmente significa a atividade de um Oficial de justiça. Alguns relatam que fizeram o concurso, por já conhecerem o trabalho anteriormente, e outros por ser uma oportunidade no momento, sem saber exatamente o que desempenhariam. Muitas vezes, a realização de concurso público está carregada de outros atributos, que nem sempre estão relacionados ao específico do trabalho, como estabilidade e benefícios, por exemplo. Nos primeiros anos eu me assustava, quase desisti... Eu fiz este concurso sem saber o que ia enfrentar. [...] eu entrei sem a menor noção do que fazer. / Quando eu resolvi ser Oficial de justiça eu já sabia como era. Nos relatos aparece a atividade de caráter solitário, já que na maioria das vezes é feita individualmente e na rua. Apesar de ser importante para os trabalhadores o gerenciamento de seu tempo e da forma como vão realizar sua tarefa, ressentem-se, por vezes, de sentirem-se muito sós e também desamparados em certos momentos. Por vezes, a questão da solidão vai aparecer conjuntamente à falta de reconhecimento pela instituição, o que será detalhado mais adiante. É importante que esse aspecto, da execução do trabalho solitário, seja levado em conta quando se pensa na saúde dos trabalhadores. Pois, por mais que seja inerente ao tipo de atividade, devemos pensar possibilidades de intervenção e de prevenção às agressões à saúde mental e física que possam ser decorrentes desse fato. Vale aqui trazer o pensamento de Sennet (2003), que afirma que o trabalho, na atualidade, expressa a corrosão das relações, trazendo consigo angústia e um sentimento de estar à deriva, no qual o único caminho para o sujeito é o da solidão. Na atualidade, as pessoas trabalham juntas, mas o que temos visto, na maioria das vezes, é que não há confiança, na medida em que se unem para a realização das tarefas, mas não permanecem unidas. Há, na atualidade, em muitas atividades, indivíduos que vivenciam um sentimento de esvaziamento moral, social, cultural ou político, já que não existe construção partilhada com os outros. Trabalho Seguro


Frente a essa característica do trabalho dos oficiais de justiça, o próprio grupo coloca a possibilidade da realização de algumas atividades em dupla, principalmente quando se sabe antecipadamente do risco, mas essa situação ainda não faz parte da rotina de trabalho. Nesse sentido, percebemos a importância da solidariedade e cooperação nesse espaço de trabalho, sendo isso possível caso haja relações de confiança mutua entre colegas (DEJOURS, 2004). O autor também coloca que as formas tradicionais de solidariedade estão cada vez mais se desestruturando, dando lugar ao trabalho individualizado e solitário, o que vai chamar de patologias da solidão. Percebe-se que, cada vez mais, as pessoas deixam de utilizar os espaços públicos, para realizarem discussão, seja do seu trabalho ou de qualquer outra questão que diga respeito às suas vidas. E esse caráter solitário, nas mais diversas situações da vida, principalmente no trabalho, é fator de sofrimento e, consequentemente, adoecimento. Não são minhas palavras, saiu num jornal aí, que a nossa profissão é a segunda em estresse porque nós trabalhamos individualmente. Nós não repartimos a nossa dificuldade com uma pessoa. Tanto que quando a gente faz uma remoção e se é obrigado a ir em dois, aquilo se torna muito mais divertido até, e a gente não cansa. O fato de a gente trabalhar sozinho é que a gente vai somatizando isso aqui. Chegou ali e uma criatura te ofendeu, na outra o cachorro se botou em ti, a terceira não tava em casa, daí pega um porteiro de um edifício mal-educado, ai tu vai estacionar e vem te pedir dinheiro, então daquilo ali tudo, no final do dia tu tá um caldeirão, tu não aguenta mais.

Mas, ao mesmo tempo, relatam terem um grupo solidário não apenas nas situações de trabalho, mas também em dificuldades da vida pessoal, referindo assim que relações de cooperação entre os colegas oficiais de justiça. Para Lima (2010), a cooperação depende da vontade das pessoas trabalharem juntas, umas com as outras, não sendo algo imposto e sim construído a partir das relações do coletivo de trabalho. Depende de condições como confiança, visibilidade e espaço público de encontro e discussão. A gente se ajuda mais, a gente conversa mais. / Nesse tempo todo a gente criou uma identidade como grupo. / Existe muita solidariedade. Temos acordo com Dejours (2004, p. 68), quando esse coloca que, a confiança diz respeito a “[...] construção de acordos, normas e regras que enquadram a maneira como se organiza o trabalho.” Sabemos que para existir cooperação, é necessário confiança entre os colegas, nos Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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subordinados e nas chefias. O grupo de trabalho tem um caráter muito importante nos relatos. Não se fala em competição ou falta de cooperação, muito pelo contrário. Por mais que não estejam juntos no mesmo ambiente quando executam a maior parte de sua atividade, fazem questão de promover encontros, mesmo que não sejam formalizados institucionalmente. De acordo com Dejours “[...] o sofrimento está sempre ligado à degradação das condições de discussão e de intercompreensão”. (1999, p 171). A Central é ótima pra gente se distrair, até pra contar piada. Há uma diferença entre o trabalho ter um caráter solitário e se sentirem sozinhos, desamparados. Na verdade, expressam sentirem-se amparados pelo grupo de trabalho, e não pela instituição, o que será visto mais adiante na discussão sobre reconhecimento. A gente resolve muitas situações internamente para auxiliar os colegas, mas daí não aparece o problema, que é do Tribunal. Juntamente à atividade solitária, aparecem as situações de risco. Situações que colocam em risco a vida desses trabalhadores foram citadas durante as discussões em grupo. Muitas vezes também são ameaçados e agredidos, tanto verbalmente quanto fisicamente, quando tentam cumprir os mandados. 4.2 A instituição Os oficiais de justiça sentem a falta de reconhecimento por parte da instituição, sendo uma das principais questões trazidas nos grupos. Também relatam que outros trabalhadores da justiça e sociedade em geral não conhecem e, portanto, não reconhecem seu trabalho. Segundo Dejours (2004, p. 77), é possível a transformação do sofrimento em prazer, a partir do reconhecimento. Mas, se “[...] falta reconhecimento, os indivíduos engajam-se em estratégias defensivas para evitar a doença mental, com sérias consequências para a organização do trabalho, que corre o risco de paralisia”. Tem coisas que a gente passa e se sente muito mal com isso./ A única coisa que me deixa triste, me deixa chateado – depois passa – , é que nós não temos respaldo das administrações. / A partir de então passei a ser profissional, eu só fazia o que estava na lei, eu não faço nada que não esteja na lei. Porque a gente não tem respaldo. Sabemos que o reconhecimento é algo que não pode ser prescrito na organização do trabalho, e segundo Dejours (2004), existe um Trabalho Seguro


reconhecimento de estética, de beleza, sobre o trabalho bem realizado, que é feito pelos pares, e, sendo que existe um reconhecimento de utilidade, basicamente hierárquico. O que foi trazido nas discussões em grupo é a ausência de reconhecimento do trabalho pelos superiores, e essa é verificada no desconhecimento do trabalho realizado, conforme comentários a seguir. Não tem um reconhecimento de todas as outras partes do processo, e é isso que a gente sente muito./ A gente tá no território da pessoa, onde ela vai ter um bem retirado, onde ela não quer que a gente faça. Seria importante que os juízes soubessem que não é fácil. Além da falta de reconhecimento, os oficiais de justiça relatam situações de desconfiança com relação ao seu trabalho e até mesmo de comentários sobre corrupção. Mas, ao mesmo tempo, reiteram que nunca ficaram sabendo de alguma situação desse tipo, em relação aos seus colegas. Nós podemos colocar a nossa vida a prêmio, os motoristas não [...]. O oficial que está de plantão deveria ter o direito ao carro do Tribunal. A gente tinha, e esse direito foi cortado. E sempre as argumentações são as mesmas, a desconfiança em relação ao trabalho. / Eu não aceito nem cafezinho... / Se houver necessidade de que o Oficial certifique detalhadamente o ato –, então tu não faz! Se tem que certificar detalhadamente, significa que alguém não acredita.

Já existiram iniciativas de discussões conjuntas que deliberaram mudanças nos processos de trabalho, e que podem ser retomadas. Conforme os relatos, quando se ingressa no cargo de oficiais de justiça, não há um treinamento prévio que indique como deve ser desenvolvido o trabalho. Muitas vezes precisam aprender sozinhos, quando não há outros oficiais em uma determinada circunscrição, ou então precisam contar com o apoio de colegas que estão há mais tempo no cargo. Podemos aqui retomar a questão do reconhecimento, já apresentada anteriormente. Os oficiais relatam desconhecimento da sociedade sobre o seu trabalho e expressam uma necessidade de visibilidade da sua atividade, para serem conhecidos e reconhecidos socialmente. Dessa forma, percebe-se a necessidade de haver um conhecimento a respeito do trabalho do Oficial de justiça e suas atribuições para que isso possa vir a gerar reconhecimento institucional e social.

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7 Conclusão

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O processo deste trabalho é um levantamento prévio, de um determinado momento, com um grupo representativo de um grupo maior e que prescinde um aprofundamento dos resultados encontrados e uma discussão mais longa com os trabalhadores na possibilidade de uma continuidade, portanto, as considerações apresentadas não devem ser consideradas definitivas. Relacionando os principais objetivos colocados para este trabalho, ou seja, levantar e correlacionar aspectos da organização do trabalho relacionados com a saúde-doença e identificar riscos atuais à saúde dos trabalhadores, podemos dizer que os principais problemas encontrados estão relacionados à falta de reconhecimento do trabalho realizado e o caráter solitário da atividade. E por essa razão, será desenvolvido aqui principalmente esses aspectos. Sabemos que o reconhecimento no trabalho é indispensável para a construção do equilíbrio psíquico, e isso não vem ocorrendo de forma adequada. O reconhecimento pode ser produzido por pares (colegas), mas, no caso da atividade exercida pelos oficiais de justiça, deve ocorrer também pela chefia imediata e, principalmente, pela chefia da qual emana a ordem para execução do trabalho. Pelos relatos feitos nos grupos, são muito raros os contatos, diretos ou indiretos, com os superiores hierárquicos e isso faz com que os oficiais de justiça não tenham possibilidades de construir referências sobre a qualidade de seu trabalho e sem condições de buscar amparo para as situações inesperadas que ocorrem em seu dia a dia. A criação de um espaço de fala e discussão sobre o trabalho é fundamental e, preferencialmente, que esse possa também ter a participação de profissional da Coordenação de Acompanhamento Funcional, que também esteve presente durante o trabalho dos grupos. Ainda sobre o reconhecimento, também foi demonstrado um sentimento de desrespeito em relação ao exercício de sua atividade. Os oficiais de justiça não conseguem demonstrar que suas atividades demandam tempo e dispêndio de energia psíquica que não pode ser medida. Muitas vezes, um mandado pode demorar dias, enquanto outro, horas, e isso é realmente difícil de ser demonstrado ou computado. Ao mesmo tempo, a relação com a Secretaria das Varas, também é outro aspecto que foi relacionado com a falta de reconhecimento e, portanto, fonte de sofrimento psíquico. A desconsideração com a docuTrabalho Seguro


mentação, ou a falta de informações, ou mesmo o atendimento prestado, é desgastante e, na maioria das vezes, não traz resultados positivos. Como já apontado anteriormente, o caráter solitário da atividade é visto como fator de sofrimento pelos oficias de justiça. Relatam a necessidade de fazerem trocas com seus colegas para um apoio, orientação ou simplesmente um momento de escuta mútua. Mas, como não há um momento estabelecido para as trocas, parte desses profissionais busca os momentos informais de encontro na Central para aproximação com seus pares. Sabemos também, em relação a outras profissões que têm suas atividades executadas de forma individual, o quanto o contato com os colegas é fator de saúde e também de aprimoramento profissional. Existe a necessidade de relatar um trabalho exitoso, uma dificuldade, ou até mesmo um desabafo com alguém que conheça a nossa atividade e possa escutá-la sabendo do que estamos falando. Outra preocupação dos oficiais de justiça, que também tem relação com o trabalho solitário, é a ausência de treinamento inicial para a execução da atividade, na medida em que aprendem sozinhos ou apenas com algum colega, sem um investimento institucional de formação introdutória. Junto a isso, também aparecem as situações de mudanças que são implementadas nas rotinas do trabalho, para as quais, muitas vezes, os oficiais não são preparados com antecedência. Vale ressaltar que, desde os primeiros contatos, foi possível perceber o empenho do grupo em participar dos encontros e contribuir naquilo que acreditavam que poderia ser um bom recurso para a negociação de mudanças nas condições e, especialmente, na organização do trabalho da instituição. Uma das propostas iniciais deste trabalho foi a de construir, conjuntamente, um Plano de ação durante os grupos, no sentido de apresentar sugestões e encaminhamentos às questões que foram levantadas durante o trabalho pelos próprios trabalhadores. O grupo de oficiais de justiça optou por destacar alguns aspectos, que acreditam servir de pontos iniciais de discussão para reuniões ou outros espaços, a serem pensados coletivamente, tanto pelo grupo específico do conjunto de oficiais de justiça, como um grupo mais abrangente dos Coordenadores também envolvidos no processo. Essa proposta feita pelos oficiais de justiça, assim como percepções e sugestões da Consultoria, fez parte do relatório final do trabalho e foi entregue a todos os envolvidos, assim Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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como também sugestões da Consultoria. Em nossa avaliação, as situações que geram sofrimento aos trabalhadores, e podem vir a determinar adoecimento, na sua maioria, podem ser eliminadas ou minimizadas. Para tanto, é necessário que os resultados deste trabalho sejam levados em consideração no planejamento de ações futuras, além de serem discutidos com o conjunto de trabalhadores envolvidos, visando soluções coletivas para as situações levantadas. Algumas necessitam de um espaço aberto e permanente de escuta, enquanto que outras podem exigir mais tempo e algum aporte financeiro. Mas, o mais importante é que o material, resultado deste trabalho, possa servir como subsídio para a continuidade de um trabalho, que privilegie espaços coletivos de discussão que, com certeza, trarão benefício para a saúde dos trabalhadores. Como a instituição mostrou-se aberta para a realização deste trabalho, agora tem a possibilidade de dar continuidade à abordagem semelhante com um material de levantamento sistematizado e validado pelos interessados. Acreditamos também que, pela disponibilidade apresentada pelos integrantes do grupo, a instituição agrega valor ao trabalho cotidiano na medida em que possibilita escuta para seus trabalhadores e possibilita o aumento de bem-estar na situação laboral. 8 Referências Bibliográficas DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré, 1992. _________. Conferências Brasileiras: identidade, reconhecimento e transgressão no trabalho. São Paulo: Fundap: EAESP/FGV, 1999. _________. In: LANCMAN, S; SZNELWAR, L. I. (orgs.). Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; Brasília: Paralelo, 2004. FERREIRA, M. C.; MENDES, A. M. Trabalho e riscos de adoecimento: O caso dos auditores-fiscais da Previdência Social brasileira. Brasília, LPA, 2003. LIMA. S. C. da C. A fala em ação: experiência em psicodinâmica do trabalho no serviço público. In: MENDES, A. M.; MERLO, A. R. C.; MORRONE, C. F.; FACAS, E. P. Psicodinâmica e Clinica do Trabalho: Trabalho Seguro


temas, interfaces e casos brasileiros. Curitiba, Juruá, 2010. MENDES, A. M. B. Aspectos psicodinâmicos da relação homem-trabalho: as contribuições de C. Dejours. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 15, n. 1-3, 1995 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931995000100009&lng=pt&nr m=iso>. Acesso em: 10 nov. 2011. SENNET, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2003.

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O DIREITO À SAÚDE E À INTIMIDADE DO TRABALHADOR E A RECUSA OU GLOSA DOS ATESTADOS MÉDICOS Desirre Dorneles de Ávila Bollmann1 1 Introdução Consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu artigo XXV, que: Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Especificamente tocante à pessoa do trabalhador, o seu direito à saúde é protegido por diversos princípios e normas constitucionais. Além do que se extra do genérico da própria dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), destacam-se especificamente o artigo artigo 6º Constitucional (que dispõe que a saúde é um direito social) e os artigos 7º, IV (que assegura o salário mínimo suficiente para assegurar também a saúde do trabalhador), e o XXII (que determina a adoção de normas para redução dos riscos inerentes ao trabalho para que o trabalhador possa desfrutar de um meio ambiente de trabalho seguro, XXIII (que determina o pagamento de adicionais para atividades insalubres, periculosas e penosas) e XXVIII (que obriga o empregador a adotar um seguro em face de acidentes de trabalho, sem prejuízo de sua responsabilidade). Por outro lado, a discussão em torno da saúde do trabalhador se insere também no direito do empregado à sua intimidade na forma do artigo 5º X Constitucional, de tal sorte que mister se faz conjugar o direito do empregado à saúde e à intimidade. Ante a ampla tutela constitucional, claro está que o artigo 6º, da Lei n.60549 (ordem preferencial dos atestados, que remete à LPOS da década de 60) , o parágrafo 4º do artigo 60 da Lei n. 8213/91 e igual1. mestre em direito pela UNIVALI Juíza Titular da 2ª Vara do Trabalho de Blumenau Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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mente os Enunciados 15 (redação original de 1969 mantida na revisão de 2003) e 282 (redação original de 1988 mantido na revisão de 2003) do TST devem ser interpretados de acordo com o superprivilégio reconhecido à saúde e à intimidade do trabalhador. Nenhum desses dispositivos legais e normativos podem se transformar num obstáculo à fruição, pelo trabalhador do direito à saúde e à intimidade. Ocorre que a interpretação dos dispositivos infraconstitucionais que se tem verificado na prática do dia a dia da relação de emprego vem colidindo com o teor do texto constitucional, de tal sorte que se observa a recusa ou glosa indiscriminada de atestados médicos por parte de empresas para fins de abono das faltas respectivas, não raro nos próprios setores de RH ou ambulatórios empresariais, por motivos de ordem formal, como falta de observância da ordem preferencial, falta de CID, e outros, e sem que o empregado sequer seja reexaminado pelo médico da empresa – em desacordo, mesmo, com a própria diretriz do Conselho Federal de Medicina, que reconhece ao atestado presunção de veracidade que somente pode ser elidida pelo efetivo exame realizado por junta ou outro corpo médico qualificado – tudo em prejuízo à saúde e à intimidade do trabalhador. O objetivo do presente artigo é discutir, ante a tutela à saúde e à intimidade do trabalhador dada pela Constituição, a possibilidade da recusa ou glosa de um atestado médico válido apresentado pelo empregado para fins de abono de faltas, realizado pela empresa no seu setor de RH ou ambulatório, por motivos de ordem formal, sem sequer reexame do empregado pelo médico da empresa. Para tanto, far-se-á, num primeiro momento, a análise dos dispositivos constitucionais referentes à saúde e à intimidade do trabalhador e sua eficácia e alcance. Num segundo momento, analisar-se-á a questão da ordem preferencial de atestados e seus efeitos práticos no cotidiano das relações de trabalho. Por fim, examinar-se-á a diretriz do Conselho Federal de Medicina para as hipóteses de recusa de atestados médicos.

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2 A Proteção à Saúde e à Intimidade do Trabalhador em Sede Constitucional O direito do trabalhador à saúde é protegido por diversos princípios e normas constitucionais. Além do que se extra do genérico da própria dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III da Constituição Federal), destacam-se especificamente o artigo artigo 6º Constitucional (que dispõe que a saúde é um direito social) e os artigos 7º, IV, (que assegura o salário mínimo suficiente para assegurar também a saúde do trabalhador) e o XXII (que determina a adoção de normas para redução dos riscos inerentes ao trabalho para que o trabalhador possa desfrutar de um meio ambiente de trabalho seguro), XXIII (que determina o pagamento de adicionais para atividades insalubres, periculosas e penosas) e XXVIII (que obriga o empregador a adotar um seguro em face de acidentes de trabalho, sem prejuízo de sua responsabilidade). Por outro lado, a discussão em torno da saúde do trabalhador se insere também no direito do empregado à sua intimidade na forma do artigo 5º, X, Constitucional, de tal sorte que mister se faz conjugar o direito do empregado à saúde e à intimidade. Como bem ressalta Alice Monteiro de Barros: O direito à intimidade nos protege da ingerência do sentido dos outros, principalmente dos olhos e dos ouvidos de terceiros. [...]A inserção do empregado no ambiente de trabalho não lhe retira os direitos da personalidade, dos quais o direito à intimidade constitui uma espécie. Não se discute que o empregado, ao ser submetido ao poder diretivo do empregador, sofre algumas limitações em seu direito à intimidade. Inadmissível, contudo, é que a ação do empregador se amplie a ponto de ferir a dignidade da pessoa humana. [...] O contrato de trabalho não poderá constituir um “título legitimador de recortes no exercício dos direitos fundamentais” assegurados ao empregado como cidadão. Os direitos fundamentais não deverão ser afetados quando o empregado se insere no organismo empresarial, admitindo-se, apenas, que sejam modulados na medida do imprescindível para o correto desenvolvimento da atividade produtiva (BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTR, 2006. p. 611 – 613)

Conclui-se, pois, no formato atual de nossa Lei Maior, que não há possibilidade jurídica de se limitar o direito do trabalhador de consultar o médico que bem entender, nem amparo legal para que se obrigue o Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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empregado a consultar ou a se submeter a médico de empresa preferencialmente a outro médico, fora dos casos em que há risco para a saúde pública. Isso porque a saúde da pessoa é um direito fundamental, ligado à integridade física e à pessoa humana, de tal sorte que os poderes hierárquicos patronais, de origem meramente contratual, nele possuem seu limite ético. Com efeito, nas palavras de José Afonso da Silva, a expressão direitos fundamentais é reservada para designar, no nível de direito positivo, aquela prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas. No qualificativo fundamentais, acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados” (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 178) 70

São considerados direitos fundamentais do homem o direito à vida e à integridade física, José Afonso da Silva, citando Jacques Robert, assinala que “o respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores ideias de nossa civilização e o primeiro princípio da moral médica”. E prossegue o autor, “Agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza naquele. A integridade físico-corporal constitui, por isso, um bem vital e revela um direito fundamental do indivíduo” (p. 198-199). Já o direito à intimidade e à vida privada consistem, o primeiro, no direito de cada pessoa à esfera secreta de sua vida, e, o segundo, se refere “ao conjunto de modo de ser e viver, como direito de o indivíduo viver a sua própria vida” (SILVA, José Afonso. p. 208). Ora, não há que se negar ao empregado o direito à sua integridade física, a buscar o médico que bem desejar, a se tratar, isso livremente, porque, usualmente não possuindo bens ou dinheiro para viver sem trabalhar, a sua saúde é o seu único patrimônio. De fato, o empregado, é, por definição, econômica e jurídica, aquele que coloca à disposição do empregador, a sua pessoa, a sua força física, para ser gerida pelo patrão de acordo com os fins econômicos e Trabalho Seguro


para o lucro desse. E o empregado assim procede porque não tem bens, não tem do que viver senão de sua pessoa, de sua força física. O seu único patrimônio é o seu corpo e a sua saúde para trabalhar. Sob esse enfoque não vejo como se possa negar – como antes dito – o direito do empregado buscar o médico que desejar para tratar a sua saúde, o seu corpo. Não se pode limitar o direito do empregado de tratar sua saúde e consultar os médicos que quiser. Como bem ressalta Segadas Vianna, citando o ministro Alexandre Marcondes Filho: A vida humana tem, certamente, um valor econômico. É um capital que produz e os atuários e matemáticos podem avaliá-lo. Mas a vida do homem possui, também, um imenso valor afetivo e um valor espiritual inestimável, que não se podem pagar com todo o dinheiro do mundo. Nisto consiste, sobretudo, o valor da prevenção em que se evita a perda irreparável de um pai, de um marido, de um filho, enfim, daquele que sustenta o lar proletário e preside os destinos de sua família.” (SUSSEKIND, Arnaldo et alii. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2005. v. II. p.922). 71

Sob esse enfoque, não se pode, tampouco, conceder ao empregador o poder de recusar, glosar ou não abonar os atestados médicos emitidos pelos médicos de confiança do empregado, em prejuízo da saúde do trabalhador. Isso porque aí se está concedendo poder ao empregador que é mais que simples poder contratual, é mais que simples poder hierárquico, é um poder que já ingressa na seara da invasão do direito fundamental do obreiro, na invasão do seu direito à integridade física, no seu direito à saúde, no seu direito à intimidade, cuja repercussão, inclusive, extravasa até a área limítrofe do contrato de trabalho, porque o comprometimento da integridade física, da saúde, da intimidade, do trabalhador é algo que acompanha o mesmo para a vida. Oportuno frisar que um dos princípios que regem a interpretação das normas constitucionais se origina na tese de Konrad Hesse da força normativa da Constituição, segundo a qual “o intérprete deve privilegiar, dentre as diversas soluções, aquelas que densifiquem as normas constitucionais, tornando-as eficazes e permanentes” (BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional – fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 200. p.174). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013


Assim, não deve o intérprete fechar os olhos para uma diretriz constitucional, nem aplicar preceito de forma tal que, indiretamente, a infirme. Deve, ao contrário, como no caso do direito à saúde, privilegiar a interpretação que o densifique, o faça realidade – e não que o negue, prejudique ou infirme. Particularmente no que tange ao direito à saúde, ele tem sido considerado como fundamental preponderante pela mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em reiteradas decisões, junto com o direito à vida e à educação, a ponto de não aceitar como regra a tese da reserva do possível com relação à matéria2.

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2. Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (artigo 323, § 1º, do RISTF ). 2. A controvérsia objeto destes autos – possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública – foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.4.10. 3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do “mínimo existencial” e da “reserva do possível”, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 642536 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-038 DIVULG 26-02-2013 PUBLIC 27-02-2013) RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PREQUESTIONAMENTO – CONFIGURAÇÃO – RAZÃO DE SER. O prequestionamento não resulta da circunstância de a matéria haver sido arguida pela parte recorrente. A configuração do instituto pressupõe debate e decisão prévios pelo Colegiado, ou seja, emissão de juízo sobre o tema. O procedimento tem como escopo o cotejo indispensável a que se diga do enquadramento do recurso extraordinário no permissivo constitucional. Se o Tribunal de origem não adotou entendimento explícito a respeito do fato jurígeno veiculado nas razões recursais, inviabilizada fica a conclusão sobre a violência ao preceito evocado pelo recorrente. SAÚDE – TRATAMENTO – DEVER DO ESTADO. Consoante disposto no artigo 196 da Constituição Federal, “a saúde é direito de todos e dever do Estado [...]”, incumbindo a este viabilizar os tratamentos cabíveis. (RE 368564, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 13/04/2011, DJe-153 DIVULG 09-08-2011 PUBLIC 10-08-2011 EMENT VOL-02563-01 PP-00064 RSJADV set., 2011, p. 51-68). Trabalho Seguro


Certo é que, em matéria de conflitos de princípios constitucionais, se deve utilizar o princípio da proporcionalidade. Nas palavras de Gisela Maria Bester, é preciso colocar em ação o princípio da cedência recíproca de princípios sempre que houver uma co-incidência deles, fazendo uso inclusive do princípio da proporcionalidade, porque em tais colisões de direitos fica difícil encontrar uma fórmula que pacifique a questão de modo a contentar todos em sua totalidade,em seu grau máximo” (Ob. cit., p. 185).

Ocorre que, a uma, pela técnica constitucional mais evidente, o direito fundamental prevalecerá como regra sobre outro qualquer da ordem econômica. A duas, como se não bastasse, ainda que existisse alguma colisão entre direitos fundamentais da mesma espécie, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que o direito à saúde é fundamental prevalecente, junto com o direito à vida e á educação, a ponto de não aceitar como regra a tese da reserva do possível com relação à matéria. A verdade é que o direito à saúde do trabalhador é presunção que milita a favor da impossibilidade da recusa do atestado médico do empregado pela empresa, enquanto não há qualquer direito fundamental que sustente o direito à recusa pela empresa, já que o direito à propriedade, data vênia, não alcança a pessoa física do empregado em si. É oportuno que se ressalte que a eficácia dos direitos fundamentais se dá, não apenas verticalmente, mas também horizontalmente. Com efeito, o STF já decidiu que as violações a direitos fundamentais também ocorrem nas relações travadas entre pessoas físicas e

Ementa: Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde – SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento. (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-0239901 PP-00070).

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jurídicas de direito privado; por isso, os princípios constitucionais são limites à autonomia privada quando asseguram o respeito aos direitos fundamentais pois a Constituição tem eficácia e força normativa que se impõe aos particulares no âmbito de suas relações privadas (STF, RE 201.819, Rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, j.11-10-05, DJ de 2710-06). Assim, realmente não se vê amparo constitucional, jurídico ou lógico algum para que ainda se outorgue à empresa o direito de recusar atestado, em detrimento à saúde do trabalhador, e mormente, na forma como se tem feito, em sede de RH ou ambulatórios, sem que o empregado sequer seja reexaminado pelo médico da empresa. 3 Recusa de atestados. A questão da ordem preferencial dos atestados

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Claro está, ante o que se vive hoje em termos de prevalência do direito da saúde como um direito fundamental, até preferencial, em cotejo com outros direitos fundamentais, o artigo 6, da Lei n.60549 (ordem preferencial dos atestados, que remete à LPOS da década de 60) , o parágrafo 4º do artigo 60 da Lei n.8213/91 e igualmente os Enunciados 15 (redação original de 1969 mantida na revisão de 2003) e 282 (redação original de 1988 mantido na revisão de 2003) do TST devem ser interpretados de acordo com o superprivilégio reconhecido à saúde pela Constituição Federal. A única interpretação possível do teor da lei e dos Enunciados de Súmula retromencionados é no sentido de que, como regra, o empregado deve observar a ordem preferencial dos atestados e incumbe à empresa o exame médico e o abono nos primeiros quinze dias. Porém, a inobservância da ordem preferencial somente autoriza a recusa de atestados pela empresa, após o exame médico, ficar comprovado que o empregado não é mais portador de doença que justifique a emissão de atestado. Isso porque o empregado tem direito de consultar quem quiser para tratar a sua saúde, especialmente se assim o faz de boa-fé e visando preservar sua integridade física, mental e psíquica. Outra interpretação não tem amparo no atual texto constitucional, ou na letra da lei. Não se pode recusar atestado porque o documento não obserTrabalho Seguro


vou aspectos de regulamento de empresa que sequer são previstos nas portarias dos próprios Conselhos Federal de Medicina ou na lei, colocando em risco a saúde do trabalhador, seu direito à subsistência ou ao trabalho por razões data vênia arbitrárias da empresa. O direito à saúde do trabalhador prevalece inconteste sobre qualquer jus variandi empresarial, justificando a resistência do trabalhador aos ditames da empresa que o prejudicam diretamente. Oportuno frisar que nenhum dispositivo legal chega realmente a autorizar o não abono injustificado ou a recusa dos atestados médicos pela empresa, nem diz como a empresa em que casos pode não abonar ou recusar. Ao contrário, a letra da lei dispõe que compete à empresa abonar os primeiros quinze dias de ausência de trabalho (não chega a autorizar não abono ou recusa) e, ainda, mediante prévio exame médico. Não é outro o teor do parágrafo 4º do artigo 60 da Lei n.8213/91 que se transcreve “Parágrafo 4º A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu encargo o exame médico e o abono das faltas correspondente ao período referido no parágrafo 3º”. Como se pode observar, o próprio teor da lei remete à necessidade de exame médico para fins do abono das faltas. 4 Recusa de Atestados. A ordem preferencial dos atestados e a questão ética: pode o médico da empresa recusar atestado médico de outro profissional? A posição do Conselho Federal de Medicina Sem sombra de dúvida, nada há em qualquer das resoluções do Conselho Federal de Medicina ou de suas sucursais que autorizem a recusa do atestado médico no RH, por falta de observância do regulamento da empresa, em detrimento da saúde do trabalhador. Mas o médico da empresa poderia recusar o atestado médico de um outro profissional ou comutá-lo, sob o ponto de vista da ética médica? Segundo o Conselho Federal de Medicina, na Resolução n.1658/2002, “o atestado médico goza da presunção de veracidade, devendo ser acatado por quem de direito, salvo se houver divergência de entendimento por médico da instituição ou perito”. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Ou seja, em princípio, o atestado médico tem validade e deve ser acatado, exceto se houver divergência por médico da instituição – possivelmente da própria instituição médica onde foi emitido – ou por perito. Não é possível, pois, pela diretriz do próprio CRM, que a empresa proceda à recusa ou glosa do atestado médico sem o exame do paciente, e, assim procedendo, torna inválido o atestado, em que se pode visualizar, em tais casos, inclusive a responsabilidade da empresa no caso de agravamento da doença sofrida pelo trabalhador. 5 Conclusão

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O direito à saúde é protegido por diversos princípios e normas constitucionais. Além do que se extra do genérico da própria dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), destacam-se especificamente o artigo artigo 6º Constitucional (que dispõe que a saúde é um direito social) e os artigos 7º, IV (que assegura o salário mínimo suficiente para assegurar também a saúde do trabalhador), e o XXII (que determina a adoção de normas para redução dos riscos inerentes ao trabalho para que o trabalhador desfrutar de um meio ambiente de trabalho seguro, XXIII (que determina o pagamento de adicionais para atividades insalubres, periculosas e penosas) e XXVIII (que obriga o empregador a adotar um seguro em face de acidentes de trabalho, sem prejuízo de sua responsabilidade). Por outro lado, a discussão em torno da saúde do trabalhador se insere também no direito do empregado a sua intimidade na forma do artigo 5º Constitucional, de tal sorte que mister se faz conjugar o direito do empregado à saúde e à intimidade. Ante a ampla tutela constitucional, claro está que o artigo 6, da Lei n.60549 (ordem preferencial dos atestados, que remete à LPOS da década de 60) , o parágrafo 4º do artigo 60 da Lei n.8213/91 e igualmente os Enunciados 15 (redação original de 1969 mantida na revisão de 2003) e 282 (redação original de 1988 mantido na revisão de 2003) do TST devem ser interpretados de acordo com o super privilégio reconhecido à saúde e à intimidade do trabalhador. Com efeito, mister se faz densificar a aplicação dos princípios e normas constitucionais, de tal sorte a preservar a saúde e a intimidade do trabalhador. Trabalho Seguro


Nesse contexto, não se pode deixar de reconhecer ao trabalhador o direito de procurar o médico que entender adequado para preservar a saúde de seu corpo, único patrimônio que dispõe para o trabalho. Extravasa os limites do jus variandi do empregador e fere a Constituição, a imposição de consulta a médico da empresa, em detrimento de outros profissionais, sob pena de recusa do atestado médico apresentado pelo outro profissional. Igualmente malfere os princípios constitucionais a recusa, pela empresa, em sede de RH ou ambulatório, por motivos formais como falta de observância da ordem preferencial, ou falta de CID etc, sem reexame do empregado pelo médico da empresa. Nada há na lei que autorize tal procedimento pela empresa, mesmo em sede infraconstitucional pois o próprio parágrafo 4º do artigo 60, da Lei n.8213/91, determina que a empresa terá a seu encargo o exame médico para eventual abono de faltas – e não consagra o direito de recusa ou glosa de atestados por motivos de ordem formal, como falta de observância de ordem preferencial, ou falta de CID etc. Tampouco esse procedimento de recusa é autorizado pelo Conselho Federal de Medicina que dispõe, na Resolução n.1658/2002, que “o atestado médico goza da presunção de veracidade, devendo ser acatado por quem de direito, salvo se houver divergência de entendimento por médico da instituição ou perito”. Com efeito, apenas o reexame do empregado justificaria uma eventual recusa ou glosa do atestado, isso quando realizado nos moldes da Resolução n.1658/2002. Pelo que se deve dar aos artigo 6, da Lei n.60549 (ordem preferencial dos atestados, que remete à LPOS da década de 60) , o parágrafo 4º do artigo 60 da Lei n.8213/91 e igualmente os Enunciados 15 (redação original de 1969 mantida na revisão de 2003) e 282 (redação original de 1988 mantido na revisão de 2003) do TST uma interpretação de acordo com a Constituição, para que seja reconhecido ao empregado o seu mais amplo direito à saúde e à intimidade, com a possibilidade de consultar o médico que bem entender para tratar de seu problema de saúde, sendo que eventual recusa ou glosa de atestados médicos para fins de abono de faltas somente pode ser realizada mediante prévio exame físico realizado pelo médico da empresa, que constate insubsistência da doença – e jamais apenas no RH da empresa ou ambulatório por motivos de ordem estritamente formal. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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6 Bibliografia BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 2a edição. São Paulo: LTr, 2006. BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional – Fundamentos Teóricos. São Paulo: Manole, 2005. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 1997. SUSSEKIND, Arnaldo et alii. Instituições de Direito do Trabalho. 223.ed. São Paulo: LTr, 2005, v.2.

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PERFIL DE AGRAVOS À SAÚDE E AFASTAMENTOS ACIDENTÁRIOS DE TRABALHADORES DE SANTA CATARINA Jamir João Sardá Jr.1 Roberto Moraes Cruz2 1 Introdução O trabalho é uma dimensão fundamental da vida das pessoas. É fonte de sustento econômico, gera necessidades e é importante mediador na formação da identidade social e na qualidade de vida dos trabalhadores. Porém, quando realizado sob condições inadequadas, o trabalho pode ser um fator nocivo para a saúde física e mental, provocando doenças, incapacidade e morte (CRUZ, 2010). Os trabalhadores são parte integrante dos processos produtivos geradores de resultados – produtos e serviços comercializados pelas empresas ou postos à disposição aos cidadãos pelo Estado – e subprodutos humanos e materiais desejados ou indesejáveis, previsíveis ou não, que se constituem passivos suportados por toda a sociedade, seja por financiamento de perdas com fontes de recursos provenientes dos tributos pagos, seja por diminuição de investimentos públicos. Entre esses subprodutos, pode-se destacar o meio ambiente do trabalho desequilibrado, que resulta em trabalhadores incapacitados e sobrecarga do sistema de seguridade social. Pesquisas internacionais têm descrito alta prevalência de doenças em trabalhadores de diversos setores da atividade econômica, bem como os custos humanos e sociais elevados no âmbito da administração de benefícios e proteções sociais decorrentes dos acidentes de trabalho (LINTON, 2000; INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2003; REIS, 2001; TENNANT, 2001; MARCON, 2004; BULTMANN, FRANCHE, HOGG-JOHNSON et al., 2007; PICOLOTO e DA SIL1. Psicólogo, professor e pesquisador do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), mestre em Psicologia e doutor em Medicina (University of Sydney). 2. Psicólogo, professor e pesquisador do programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutor em Engenharia, pós-doutorado em Métodos e Diagnóstico (Universitat de Barcelona). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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VEIRA, 2008; BARTILOTTI; DE ANDRADE, VARANDAS et al., 2009). Na legislação previdenciária brasileira, os acidentes de trabalho compreendem as lesões, as doenças profissionais, as doenças do trabalho e os acidentes de trajeto, além de outras situações previstas na legislação (BRASIL, 1991). Os acidentes de trabalho são definidos como aqueles que ocorrem no exercício de atividade a serviço da empresa e provocam lesão corporal ou perturbação funcional, que pode causar a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho (MONTEIRO e BERTAGNI, 2005). São considerados efeitos desagradáveis do processo de trabalho, afetam a produtividade e são responsáveis por um impacto substancial sobre o sistema de proteção social, influenciando o nível de satisfação do trabalhador e o bem-estar geral da população. Em função disso, pesquisadores do campo da saúde coletiva são enfáticos ao afirmarem o problema de saúde pública que constituem os acidentes de trabalho no Brasil, acentuando a tendência da subnotificação desses eventos e subdimensionando o problema por parte dos gestores públicos e privados (SANTANA, NOBRE e WALDVOGEL, 2005; ALMEIDA e BARBOSA-BRANCO, 2011). 1.1 Repercussões econômicas e sociais dos acidentes do trabalho Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a sociedade determinou que o financiamento da seguridade social é responsabilidade de todos. Os gastos com os benefícios programados, como aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, são aceitos e respaldados pela sociedade. A economia da saúde classifica os custos, principalmente, em diretos e indiretos. Os diretos caberiam ao trabalhador incapacitado e os indiretos aos familiares, empregadores e sociedade. Pode-se agregar à análise do custo econômico das doenças ocupacionais, uma terceira categoria de custos: aqueles comumente definidos como psicossociais ou intangíveis. Tais custos devem refletir o impacto psicossocial trazido por um problema de saúde. Como se não fossem suficientes os custos que recaem sobre o trabalhador incapacitado, a esses estão associadas outras perdas. Geralmente, durante o período no qual o segurado está incapacitado, a sua remuneração não é completamente substituída pelo recebimento do benefício, em decorrência da existência de vantagens pecuTrabalho Seguro


niárias vinculadas ao efetivo exercício da atividade laboral, tais como: auxílios para alimentação, horas extras e acréscimos salariais por produtividade. O melhor entendimento das causalidades, distribuição e custos da incapacidade temporária para o trabalho passa por análises e considerações econômicas e epidemiológicas, por meio da identificação, mensuração e associação das mais diversas variáveis associadas a essa condição. As repercussões dos acidentes de trabalho extrapolam as que recaem sobre os trabalhadores. Além desses, os empregadores, fornecedores, consumidores, governo, família, pessoas próximas ao trabalhador acidentado; em suma, toda a sociedade é atingida (DEMBE, 2001). Todas as repercussões, inclusive as de caráter social, são passíveis de serem quantificadas sob o aspecto monetário (LEIGH, MARKOWITZ, FAHS e LANDRIGAN, 1997; KELLER, 2001), sendo denominadas genericamente de gastos. Em um contexto de subnotificação, os gastos decorrentes dos acidentes de trabalho são extremamente expressivos. Em 2007, a OIT estimou que os custos com acidentes de trabalho alcançam 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB), variando entre os países conforme os específicos graus de desenvolvimento (ILO, 2008). Considerando o PIB mundial, em 2008, de U$ 61 x 1012, os gastos dos acidentes de trabalho foram de U$ 2,4 trilhões, o que correspondeu, no mesmo ano, ao PIB da Itália. Em 2009, a European Agency for Safety and Health at Work (OSHA – EU) estimou que os gastos com acidentes de trabalho dos países membros da Comunidade Econômica Europeia foram equivalentes a 2,7% e 4,2% do PIB. Contudo, segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), na América Latina, entre 1% e 4% das doenças do trabalho são notificadas (ILO, 2008). No Brasil, no ano de 2008, os gastos com acidentes de trabalho estiveram na ordem de U$ 68,2 bilhões e a despesa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), restrita aos pagamentos de benefícios de natureza acidentária, juntamente com o pagamento da aposentadoria especial, foi de R$ 11,6 bilhões (BRASIL, 2009). Acrescentando-se as despesas operacionais do INSS e as despesas com saúde, estima-se que esses valores possam chegar à ordem de R$ 46,6 bilhões. Mesmo diante da subnotificação dos AT, ainda assim os registros oficiais mostram volumosas despesas em decorrência desses agravos. Ressalta-se que esses números seriam reconhecidamente maiores caso a subnotificação de acidentes do trabalho não ocorresse ou ocorresse em menor intensidade. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Durante o período de 2006 a 2008, segundo dados da Dataprev, houve o registro de 1.919.418 acidentes de trabalho (Ministério da Previdência Social, 2008). Em 2008, 202.395 acidentes (27%) não tiveram seu registro efetuado por meio de comunicação de acidente de trabalho (CAT), sendo que, dos acidentes ocorridos, apenas 2.5% foram registrados como doenças ocupacionais. O restante foi considerado acidente de trabalho típico ou ocorrido no trajeto do trabalho. Estudo epidemiológico, com amostragem domiciliar, realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista em Botucatu (SP), sobre padrão de vida e índice de desenvolvimento humano, demonstrou a ocorrência de 4,1% de acidentes de trabalho na população, dos quais apenas 22,4% tiveram registro previdenciário, indicando que de cada 4 pessoas acidentadas no trabalho naquele município, apenas 0,9 tiveram registro previdenciário (CHAVES, VALADARES, LINO et al., 2004). Lancman (2008) descreve que 21% dos trabalhadores afastados pelo INSS, com base em nexo funcional de doença relacionada ao trabalho, apresentarm LER-DORT e 11% depressão. Outro estudo realizado em uma população de enfermeiros oriunda de 23 unidades de saúde, em MG, descreve uma prevalência de 54% de transtornos de humor entre esses trabalhadores, sendo que 40% desses casos foram caracterizados como doenças relacionadas ao trabalho (MURUFOSE e MARZIALE, 2005). Pesquisa com trabalhadores do setor de metalurgia encontrou uma prevalência de 75% de sintomas osteomusculares na maior empresa do setor, na cidade de Canoas(RS) (PICOLOTO e DA SILVEIRA, 2008). Pode-se constatar que a prevalência de doenças varia, consideravelmente, segundo a atividade profissional. No Estado de Santa Catarina, o cenário é semelhante. Em 2007 foram registrados pela Previdência Social 41.884 acidentes, em 2008 ocorreram 62.931, sendo que em 35% desses não ocorreu a emissão da CAT e apenas 16% foram considerados doenças ocupacionais. A comparação dos coeficientes de acidente no período de 2006 a 2008 com o de outros países tais como Finlândia, 2,1; França, 4,4; Canadá, 7,2; e Espanha, 8,3 (TAKALA, 2004) demonstra que o risco de morrer por acidente de trabalho no Brasil é cerca de duas a cinco vezes maior que em outros países. Estudos realizados em Santa Catarina também descrevem a prevalência de doenças associadas a atividades profissionais distintas. A preTrabalho Seguro


valência de manifestações de sintomas e sinais respiratórios em suinocultores de Braço do Norte é estimada em 84,3% (COSTA, TEIXEIRA e FREITAS, 2007). A prevalência de distúrbios musculoesqueléticos em uma população de bancários de 13 municípios do meio-oeste catarinense foi de 72,8% e aqueles com posição não alternada de trabalho apresentaram prevalência 20% maior de sintomas do que os profissionais que alternavam de posição (MERGENER, KEHRIG e TRAEBERT, 2008). Em um estudo com trabalhadores da indústria de têxtil de Brusque foi encontrada uma prevalência de perda auditiva induzida pelo ruído de 28,3% (CALDART, ADRIANO e TERRUEL et al., 2006). Uma pesquisa com 450 trabalhadores do setor de frigoríficos do oeste de SC encontrou uma prevalência de transtornos mentais na ordem de 22% e de transtornos osteomusculares e do tecido conjuntivo em torno de 56% (SARDÁ, KUPEK e CRUZ, 2009). Esses dados sugerem a prevalência de doenças importantes associadas a algumas atividades profissionais que, entretanto, não podem ser generalizados as atividades profissionais realizadas em todas as regiões do Estado de Santa Catarina, dadas as condições de trabalho distintas e as peculiaridades regionais. No tocante às doenças de maior prevalência durante o ano de 3 2008 , no Brasil foram realizados 659.523 diagnósticos específicos, sendo que em 141.108 não houve registros de CAT e apenas 22.374 foram reconhecidos como acidentários. É notável que o número de acidentes sem emissão de CTA chega, em alguns casos, a 75% (ex.: lesões de ombro) do total de acidentes, sendo que, em muitos desses casos, deveriam ser reconhecidos como doenças do trabalho. Trabalhos específicos sobre determinados setores econômicos e atividades profissionais têm descrito uma prevalência diferenciada de determinadas doenças. Em função das condições de trabalho das atividades profissionais, é possível estimar que a prevalência de algumas doenças relacionadas ao trabalho deva ser maior em alguns setores do que o reportado pela literatura, devendo também variar conforme o perfil socioeconômico da região. Os dados fornecidos pelo anuário de Ministério da Previdência Social (BRASIL, 2008) permitem conhecer relativamente a magnitude 3. Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho, 2008. Disponível em: <http://www. mps.gov.br/conteudoDinamico.php?id=901>. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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do problema, entretanto, existe uma série de limitações que dificultam a compreensão da totalidade, a saber: elevado número de subnotificações de CATs; a genérica descrição da ocupação ou função profissional na notificações não permitindo compreender determinantes do adoecimento ou o estabelecimento de nexo causal. Além disso, a literatura brasileira não possui dados representativos de nossa população ou estudos epidemiológicos que permitam o estabelecimento de um perfil epidemiológico dos trabalhadores. Com base nesses indicadores iniciais e considerando as condições de trabalho e sua relação com a prevalência de agravos à saúde, o elevado número de subnotificações por parte do empregador, a inexistência de demonstrações ambientais empresariais que assegurem higidez laboral, bem como a carência de estudos epidemiológicos sobre essa problemática, é necessário realizar estudos que permitam estabelecer à prevalência de agravos a saúde de trabalhadores no Estado de Santa Catarina e sua relação com as atividades econômicas em que há maior ocorrência doenças ocupacionais. Diante desse contexto, o presente relato de pesquisa visa descrever o perfil de agravos a saúde em trabalhadores de Santa Catarina, considerando a espécie de benefício concedida e o diagnóstico, comparando esses dados com os da realidade nacional, considerando o período de 2005 a 2011. A realização de estudos dessa natureza possibilita um diagnóstico mais preciso dos vínculos entre trabalho, agravos e benefícios acidentários, por categoria econômica, além gerar informações técnico-científicas para o estabelecimento de políticas públicas e desenvolvimento de ações de vigilância epidemiológica, promoção prevenção à saúde e recuperação de trabalhadores incapacitados. 2 Método Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, de natureza quantitativa. Esse estudo envolveu a totalidade dos afastamentos oriundos dos setores econômicos de maior relevância no estado de Santa Catarina e que apresentaram benefícios da Previdência Social no período de 2005 a 2011. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Federação da Indústria e Comércio do Estado de Santa Trabalho Seguro


Catarina (FIESC) orientaram a identificação dos setores econômicos de maior relevância no estado de Santa Catarina, considerando a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Santa Catarina possui um importante parque industrial, ocupando posição de destaque no Brasil. A indústria de transformação catarinense é a quarta do país em quantidade de empresas e a quinta em número de trabalhadores. Os segmentos de artigos do vestuário e alimentar são os que mais empregam, seguindo-se dos artigos têxteis (FIESC, 2012). A economia industrial de Santa Catarina é caracterizada pela concentração em diversos polos, o que confere ao Estado padrões de desenvolvimento equilibrado entre suas regiões: cerâmico, carvão, vestuário e descartáveis plásticos, no Sul; alimentar e móveis, no Oeste; têxtil, vestuário, naval e cristal, no Vale do Itajaí; metalurgia, máquinas e equipamentos, material elétrico, autopeças, plástico, confecções e mobiliário, no Norte; madeireiro, na região Serrana, e tecnológico, na, Capital. Foi realizado um mapeamento das empresas desses setores segundo a conformação das regionais de saúde de Santa Catarina. O perfil de agravos e afastamentos, o mapeamento das atividades com maior concentração de afastamentos e a análise do impacto econômico dos afastamentos para o setor público foram desenvolvidos a partir da compilação e análise da base de dados do Ministério da Previdência Social (MPS) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Os dados sobre o perfil de agravos e benefícios previdenciários foram extraídos do Sistema Único de Benefícios (SUB), banco de dados informatizado que unifica todos os registros de concessão e manutenção de benefícios administrados pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev). As diferentes bases de dados foram analisadas e transferidas para um banco de dados especificamente desenhado para o presente estudo. Programas informatizados apropriados auxiliaram a análise estatística dos dados. Foi assegurado o sigilo das informações e da identificação dos envolvidos. Somente os pesquisadores acessaram das bases de dados. Os resultados apresentados neste relato de pesquisa são frutos deste trabalho, iniciado em 2010 e consolidado em 2013, e que investigou a prevalência de doenças relacionadas ao trabalho durante o período de 2005 a 2011 e sua relação com as espécies acidentárias. Os dados apresentados só puderam ser trabalhados neste documento científico por força de determinação legal do MPS, mediante Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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ofícios de requisição de dados, exarados pelo MPT, conforme Lei Complementar n.75/77 e Lei n.7357/85, relativos às empresas vinculadas aos benefícios, CNAE, CID da incapacidade, entre outros. O presente projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Pesquisa do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina e pelo Comitê de Ética da Universidade do Vale do Itajaí. O planejamento e a execução deste projeto ficaram a cargo dos professores doutores Roberto Moraes Cruz e Jamir João Sardá Jr. O Ministério Público do Trabalho em SC, por meio do seu procurador Sandro Eduardo Sardá, foi um importante interlocutor na concepção do projeto, assessoramento na busca de dados e financiamento, além do acompanhamento da execução do projeto. 3 Resultados e análises

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Santa Catarina possui uma população de 6.317.054 (FIESC, 2011), sendo que há 1.589.317 de empregos registrados (DIEESE, 2009). O número de profissionais empregados nos segmentos pesquisados é de 452.129, o que equivale a 28% da população empregada no Estado de Santa Catarina. A seguir, são apresentadas as análises dos dados por atividade econômica (Classe – CNAE), no tocante a número de afastamento por período segundo tipo de benefício, distribuição dos benefícios concedidos por gênero, por patologia (CID-10), o número de afastamento, o ano de concessão e a distribuição dos benefícios concedidos por município. Inicia-se pela descrição comparativa entre Brasil e Santa Catarina referente aos dados de população empregada e afastamento acidentário. As tabelas 1 e 2 descrevem os benefícios acidentários por espécie4, concedidos no Brasil e no Estado de Santa Catarina entre 2005 a 2011.

4. Espécies de benefícios acidentários 31 Auxílio doença previdenciário 32 Aposentadoria p/invalidez previdenciária 91 Auxílio doença p/acidente de trabalho 94 Auxílio acidente p/acidente de trabalho 92 Aposentadoria p/invalidez p/acidente de trabalho 93 Pensão por morte p/acidente de trabalho Trabalho Seguro


Tabela 1: Número de afastamentos segundo a espécie de benefício, no Brasil (2005-2011). Fonte: SUB/MPS.

Ano de concessão 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

31 1.000.243 1.038.267 999.915 1.080.398 1.098.111 1.201.877 1.301.623

Espécie de benefício – Brasil 32 91 92 1.623 143.512 52 2.757 120.922 85 3.951 234.118 245 14.006 308.463 523 20.821 281.989 828 23.244 280.697 1.029 22.286 277.198 1.407

93 1.345 1.136 1.096 1.005 803 764 744

94 198 304 800 2.962 4.922 5.521 6.560

Total

7.720.465

88.720

6.986

21.091

1.646.990

4.261

Tabela 2: Número de afastamentos segundo espécie de benefício, em Santa Catarina (20052011). Fonte: SUB/MPS.

Ano de concessão 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

31 75.626 81.142 73.784 76.729 78.344 84.872 82.083

Total

552.611

Espécie de benefício – Santa Catarina 32 91 92 93 77 10.430 77 160 9.507 6 75 161 19.016 38 64 1.236 26.398 87 62 1.326 24.500 104 50 1.427 23.518 138 58 1.162 22.460 217 59

5.581

135.920

682

538

94 18 52 107 429 710 433 510

2.353

Observa-se que as proporções do total de afastamento entre Santa Catarina e Brasil (%) são, respectivamente, as espécies de benefícios: 7,16%, 0,07%, 1,76%, 0,01%, 0,01% e 0,03%, obtidas por divisão do total B31/32/91/92/93 e 93 de Santa Catarina com aquele do Brasil. Em que pese Santa Catarina empregar 4,83% dos empregados brasileiros, responde por 1,48 vezes (7,16% / 4,83% = 1,48) da média nacional (B31), se posicionando abaixo dessas médias nos demais benefícios. Esse primeiro indicador prenuncia a necessidade de aprofundamento, qual seja: porque se afasta temporariamente 48% mais em SC que no Brasil? Com base nesses dados, optou-se por realizar uma análise do Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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número de benefícios concedidos considerando a importância do setor econômico. Foram, então, consideradas as 15 atividades econômicas com maior número de benefícios acidentários, segundo os dados referentes ao registro de acidentes, segundo a classe, da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE), entre 2005 e 2011, no Estado de Santa Catarina, bem como a relevância da respectiva atividade econômica para o Estado. Foram consideradas, para fins dessa análise, as seguintes atividades: ––Abate de suínos, aves e outros pequenos animais (CNAE 1012); ––Fabricação de artefatos têxteis para uso doméstico (CNAE 1351); ––Fabricação de calçados de couro (CNAE 1531); ––Confecção de peças de vestuário (CNAE 1412); ––Desdobramento de madeira (CNAE 1610); ––Fabricação de madeira laminada (CNAE 16.21); ––Fabricação de embalagens de material plástico (CNAE 2222); ––Fabricação de produtos cerâmicos (CNAE 2342); ––Fundição de aço e ferro (CNAE 2451); ––Fabricação de móveis com predominância de madeira (CNAE 3101); ––Construção civil (CNAE 4120); ––Comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios - hipermercados e supermercados (CNAE 4711); ––Transporte de carga rodoviária (CNAE 4930); ––Serviços bancários (CNAE 6422); ––Atividades de atendimento hospitalar (CNAE 8610). Essas atividades foram analisadas com base no perfil de agravos à saúde e no histórico de benefícios previdenciários, visando compará-los. As tabelas 3 e 4 descrevem as ocorrências de afastamentos entre Brasil e Santa Catarina e suas respectivas análises.

Trabalho Seguro


Tabela 3: Número de afastamentos segundo espécie de benefício, no Brasil, para os 15 CNAE, entre 2005 e 2011. Fonte: SUB/MPS.

Classe CNAE 1012 1351 1412 1531 1610 1621 2222 2342 2451 3101 4120 4711 4930 6422 8610

31 70.857 21.269 124.536 71.498 27.630 16.704 28.442 31.276 19.566 52.145 196.636 202.125 147.483 49.349 240.915

32 550 165 1.401 1.785 594 321 210 513 137 600 5.353 1.362 1.967 236 1.810

Total

1.300.431

17.004

Espécie de benefício 91 92 19.843 70 4.103 9 19.020 52 9.975 29 14.235 64 7.527 20 9.629 15 11.342 31 7.916 12 18.148 65 52.242 285 44.790 63 48.872 106 19.261 128 34.393 56

321.296

1.005

93 39 4 21 7 115 38 24 47 17 44 301 80 747 16 38

94 182 43 131 130 215 83 206 103 166 386 609 283 332 498 139

1.538

3.506

Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

89


Tabela 4: Número de afastamentos segundo a espécie de beneficio, em Santa Catarina, para os 15 CNAE, entre 2005 e 2011. Fonte: SUB/MPS.

Classe CNAE

90

1012 1351 1412 1531 1610 1621 2222 2342 2451 3101 4120 4711 4930 6422 8610

31 13.931 8.041 29.930 2.824 5.929 3.398 4.496 4.718 5.625 10.349 10.245 14.415 10.037 853 7.901

32 92 27 241 46 111 45 26 82 21 126 247 97 130 5 64

Total

132.692

1.360

Espécie de benefício 91 92 4.593 32 1.648 2 4.065 18 392 2.967 21 1.572 8 1.564 5 1.450 8 2.119 4 3.846 17 3.607 40 3.140 7 3.850 20 263 3 1.224 2

36.301

187

93 8 1 7 2 19 3 2 1 4 3 17 6 77 2

94 95 4 33 12 125 28 37 54 39 78 71 21 35 8 10

152

650

Observa-se, nesses 15 CNAE, que as proporções dos totais de afastamento entre Santa Catarina e Brasil (%) são, respectivamente, as espécies de benefícios: 10%, 8%, 11%, 19%, 10%, 19%, obtidos por divisão do total B31 e sucessivos. Tal observação deve ser alvo de preocupação aos gestores públicos e privados, pois Santa Catarina, nesse recorte, sai daqueles 48% de excesso de afastamento temporário (B31), ao se comparar ao Brasil, para os alarmantes: 2 vezes da média nacional (B31); 1,5 vezes (B32); 2,2 vezes (B91); 4 vezes (B92) e 2 vezes (B93) e 4 vezes (B94). Controlando-se por CNAE, percebe-se que esse quadro preocupante se agrava, conforme demonstra tabela 5, quando se apresenta, para um mesmo CNAE, a proporção de afastamentos entre SC e Brasil. A tabela 6 destaca aqueles CNAE que SC responde por mais de 20% do total nacional, não obstante possuir 4,83% dos empregados do Brasil. O que acontece nessas atividades econômicas que leva a uma caTrabalho Seguro


suística tão diferenciada entre SC e Brasil? E, por que tais afastamentos são subnotificados como acidentários, uma vez que a notificação de B31 é 5 vezes maior que a de B91? A fim de responder a essas e outras perguntas, foi o desenvolvido o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP). Baseado em modelos teóricos e dados epidemiológicos, foi estabelecido o nexo técnico entre determinadas atividades econômicas e doenças, caracterizadas como relacionadas ao trabalho (OLIVEIRA-ALBUQUERQUE e BARBOSA-BRANCO, 2009). Não por outra razão esse trabalho coloca, para cada uma das 15 CNAE em ênfase, as tabelas provenientes desse NTEP, bem como aquelas positivadas pela Lista C do Anexo II do RPS, que regulamenta a Lei n.11.430/06 (lei que institucionaliza o NTEP no ordenamento jurídico brasileiro). Pesquisando a patologia incapacitante para afastamentos nas espécies B31 e B91, entre 2005 e 2011, para as 15 atividades econômicas no Brasil, percebe-se que 37% de todas as ocorrências são decorrentes de 10 patologias, conforme tabela 5. Tabela 5: As 10 patologias de maior prevalência nos afastamentos temporários B31 e B91, no período de 2005 a 2011/Brasil.

Patologia incapacitante

Número de casos Número de casos Número de casos registrados sem emissão de de doenças do CAT trabalho

S61 – ferimento do punho e da mão

80.499

4.340

102

M54 – dorsalgia

55.450

4.040

1.429

S62 – fratura ao nível do punho e da mão

48.757

10.611

99

S60 – traumatismo superficial do punho e da mão

35.753

1.230

79

Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

91


92

S93 – luxação, entorse e distensão das articulações e ligamentos ao nível do tornozelo e pé

25.757

2.581

35

M75 – lesões de ombro

22.926

17.546

3.461

M65 – sinovite e tenossinovite

22.775

16.628

3.561

S82 – fratura da perna, incluindo tornozelo

21.704

7.157

55

S92 – fratura de pé (exceto do tornozelo)

20.073

5.221

3.889

S80 – traumatismo superficial da perna

17.579

971

36

Total

351.273

70.325

12.746

Ao analisar a prevalência de agravos à saúde incapacitantes, com base na tabela 5, percebe-se o baixo número de caracterização de ocorrência de doenças ocupacionais relativo ao número de afastamentos. Com base nessa estrutura de dados, procurou-se investigar os afastamentos espécies B31 e B91, entre 2005 e 2011, para as 15 atividades econômicas em Santa Catarina e percebeu-se que 38% de todas as ocorrências são oriundas de 10 patologias, conforme mostra tabela 6.

Trabalho Seguro


Tabela 6: As 10 patologias de maior prevalência nos afastamentos temporários B31 e B91, entre 2005 a 2011/Santa Catarina.

Patologia Incapacitante

31

91

Total

Peso

M54

11.026

4.797

16.003

9,37%

F32

9.717

753

10.470

6,13%

M75

3.267

3.114

6.318

3,74%

S82

3.395

1.390

4.747

2,78%

I83

4.501

246

4.395

2,57%

O20

4.390

5

4.395

2,57%

M65

2.423

1.624

4.047

2,37

F33

3.764

154

3.918

2,29%

S92

2.072

1.420

3.492

2,04%

Demais

134.353

36.473

170.826

100%

38%

Comparando as duas tabelas anteriores, percebe-se que a morbidade de SC é maior que a nacional para CID relacionado aos grupos musculoesquelético e transtornos mentais, além do acréscimo das CID O20 (ameaça de aborto), F33 (transtorno depressivo recorrente) e CID I83 (varizes dos membros inferiores com inflamação), inexistentes nessa fatia nacional. A seguir, são descritas evidências da relação de causalidade trabalho-agravo à saúde para uma das 10 atividades estudadas, em função da dificuldade objetivo de transcrever todos os resultados e análises das classes de CNAE pesquisados. A leitura dos achados obtidos para o CNAE 1012 permite compreender a extensão de dados relevantes para caracterizar os problemas que envolvem a aplicação do nexo técnico e suas repercussões no perfil acidentário dos trabalhadores catarinenses. 3.1 Atividade de abate de suínos, aves e outros pequenos animais (CNAE 1012) A indústria de alimentos inclui, em suas atividades econômicas, toda a transformação de alimentos, empregando no estado de SC, em 2010, cerca de 96.000 trabalhadores. Santa Catarina possui uma indústria alimentar sólida, sendo o maior produtor de carne suína do país e o segundo de frangos, se destacando também no setor de pescado. Segundo Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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dados do Dieese (2011), apenas o setor de abate de suínos, aves e outros pequenos animais empregou formalmente, no ano de 2011, 49.456 trabalhadores. De forma específica, o setor industrial de abatimento de carnes, tendo em vistas as condições de trabalho atuais, especialmente em relação ao ritmo de produção e as cargas físicas e psicológicas relativas às exigências das tarefas operacionais, tem contribuído para a alta incidência de doenças ocupacionais, se apresentando como um ambiente insalubre às condições físicas e psicológicas dos trabalhadores (SARDÁ, KUPEK, CRUZ, BARTILOTTI e CHEREN, 2009). Apesar da sua importância econômica, a atividade dos frigoríficos é reconhecida como insalubre e adoecedora, tendo sido identificada como uma das grandes causas de adoecimento, conforme tabela 7. Tabela 7: Número de afastamentos por ano, segundo a espécie de benefício.

Ano 94

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total

Espécie de benefício 31 2.033 2.375 2.271 2.325 1.936 1.867 1.650 14.457

32 2 2 2 18 15 30 23 92

91 311 348 577 1.173 898 761 622 4.690

92 0 0 2 4 5 8 13 32

93 0 2 1 1 2 1 1 8

94 2 3 4 18 23 19 26 95

Total 2.348 2.730 2.857 3.539 2.879 2.686 2.335 19.374

Diante dos dados apresentados, verifica-se que há, em média, cerca de 2.700 afastamentos por ano nesse setor, sendo que esse número atingiu seu auge em 2008, mas se mantém relativamente estável. Considerando que o número de trabalhadores no setor é em torno de 49.456 e levando em contato o total de benefícios concedidos em 2011 (2335), observa-se que 4,7% dos trabalhadores do setor estão afastados de seus postos de trabalho por acidente de trabalho ou adoecimento. Uma vez calculados esses benefícios, considerando os números de afastamento acumulados desde 2005 (19.374), pode-se estimar que, aproximadamente, 39% dos trabalhadores desse setor adoeceram nesse Trabalho Seguro


período. Observa-se, também, que o número de benefícios concedidos é muito maior na espécie adoecimento (B-31) do que por acidente de trabalho (B-91). O período médio de afastamento dos trabalhadores desse setor é de 169,79 dias (DP = 270,85). A idade média dos trabalhadores afastados é de 37 anos (D P=8.74), o que pode ser considerado uma idade relativamente jovem para a instalação de um processo de adoecimento. Quanto à distribuição dos beneficiários segundo gênero (tabela 8), sabe-se que o referido setor emprega tradicionalmente mais mulheres do que homens, o que se reflete na proporção dos benefícios concedidos. Do total de 19.374 benefícios concedidos, 12.579 foram concedidos a mulheres e 6.795 a homens, o que corresponde a uma proporção de 1,85 mulheres afastadas para cada homem. Entretanto, a razão de benéficos concedidos a mulheres passou de 1,43 (2005) para 1,97 (2011). Tabela 8: Número de afastamentos previdenciários, segundo o gênero (2005-2011).

Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total

Gênero Feminino 1.381 1.676 1.774 2.371 2.009 1.819 1.549 12.579

Masculino 967 1.054 1.083 1.168 870 867 786 6.795

Total 2.348 2.730 2.857 3.539 2.879 2.686 2.335 19.374

Ao longo do período de 2005 a 2011, conforme tabela 9, pode-se observar que, dentre as 14 doenças diagnosticadas com maior frequência, 17,1 % pertencem ao grupo M e 11,2% correspondem ao grupo F (transtornos de humor), sendo o transtorno F-32 (episódios depressivos) o transtorno mais prevalente.

Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Tabela 9: Número de afastamentos, segundo o diagnóstico da CID-10 (2005-2011).

Patologia

Número de casos

Percentual

F32 F33 G56 I83 K35 K40 M51 M54 M65 M75 O20 S62 S82 S83 Nulo Subtotal Total

1.607 566 987 765 305 294 338 1.271 487 1.238 513 536 450 338 666 10.351 19.374

8,3 2,9 5,1 3,9 1,6 1,5 1,7 6,6 2,5 6,3 2,6 2,8 2,3 1,7 3,4 53,4 100

96

A tabela 10 descreve o número de benefícios concedidos por ano segundo patologia, de acordo com critério diagnóstico da CID-10, no período de 2005 a 2011. Tabela 10: Número de afastamentos, segundo diagnóstico da CID (2005-2011).

Período patologia

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

Número de casos

D 25 F32 F33 F41 G56 I83 K35 K40 M51

16 181 93 22 131 113 46 30 67

18 235 84 44 221 126 52 48 68

30 315 81 43 212 110 64 45 31

46 341 91 52 195 138 59 56 55

38 240 88 53 105 120 24 46 47

38 158 81 42 77 94 27 41 31

43 137 48 40 46 64 33 28 39

229 1.607 566 296 987 765 305 294 338

Trabalho Seguro


M54 M65 M75 O20 S62 S82 S83 Total

140 76 97 66 80 61 40

183 91 122 78 84 67 48

215 51 147 84 94 69 52

233 69 219 126 98 77 69

187 85 220 72 67 53 44

169 77 243 48 54 55 33

144 38 190 39 59 68 52

1.271 487 1.238 513 536 450 338 19.374

É possível observar em todas as patologias descritas, com exceção da M-75, que o maior número de benefícios foi concedido no ano de 2008, ano imediatamente posterior à implantação do NTEP. Na maior parte dos casos, o número de benefícios concedidos tem sido reduzido, fato que não parece estar associado à mudança das condições de trabalho, elemento tido como cofator para o processo de adoecimento. Tabela 11: Distribuição do número de afastamentos, segundo diagnóstico e espécie de benefício (2005-2011). 97

Período yipo de benefício concedido patologia

2005 B31 – B91

2006 B31 – B91

2007 B31 – B91

2008 B31 – B91

2009 B31 – B91

2010 B31 – B91

2011 B31 – B91

F32

181 – 0

235 –0

293 – 22

230 – 111

192 – 48

133 – 25

124 – 13

F33

92 – 1

83 – 0

79 – 2

78 – 13

72 – 16

79 –2

40 – 8

G56

57 – 74

114 – 107

37 – 175

8 – 187

22 – 83

15 – 62

15 – 30

I83

113 – 0

126 –0

108 –2

114 – 24

92 – 28

73 – 21

47 – 17

M54

131 – 9

179 –4

166 – 49

88 – 145

69 – 118

78 – 91

69 – 75

M75

65 – 32

77 – 45

51 – 96

30 – 189

42 – 178

53 – 190

40 – 150

Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013


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O20

66 – 0

78 – 0

84 – 0

126 – 0

72 – 0

48 –0

39 – 0

S62

60 – 20

54 – 30

65 – 29

59 – 39

45 – 22

31 – 23

30 – 29

Pode-se observar que o número de benéficos concedidos segundo a espécie é sempre muito maior na categoria B-31 (adoecimento) do que na categoria B-91 (acidente de trabalho). Fato que não corresponde às evidências científicas que pressupõem a existência de uma forte relação entre a atividade ocupacional realizada, as condições de trabalho e o desenvolvimento de algumas patologias. Essa relação de concausalidade é observada pelo NTEP, que estabelece algumas diretrizes para o estabelecimento de um nexo concausal entre algumas doenças e condições de trabalho. Nesse sentido, é interessante observar que no ano de 2008, ano posterior ao reconhecimento do NTEP, o número de benéficos concedidos sob a espécie B-91 aumentou consideravelmente, todavia, voltando a reduzir no ano seguinte. Vale ressaltar que, nas doenças M-54 e M-75, o reconhecimento do nexo de concausalidade se manteve, pois o número de benefícios concedidos na espécie B-91 manteve-se mais elevado que o do tipo B-31. Entretanto, no grupo dos transtornos mentais, embora o NTEP pressuponha a existência do nexo de concausalidade entre a atividade laboral nesse setor e o desenvolvimento desses transtornos, o reduzido número de benefícios concedidos na espécie B-91 reflete, na prática, que esse reconhecimento não vem acontecendo por parte dos médicos peritos do INSS. Tabela 12: Número de afastamentos, segundo os municípios de SC.

Município

Frequência

Percentual

Capinzal Chapecó Concórdia Cricíuma Forquilhinha Itapiranga Jaraguá do Sul

1.897 4.418 1.320 1.072 1.204 475 623

9.,8 22,8 6,8 5,5 6,2 2,5 3,2

Trabalho Seguro


Maravilha Nova Veneza Ouro Palhoça Quilombo São José Seara Xaxim Subtotal Total

627 293 281 425 291 669 584 593 14.772 19.374

3,2 1,5 1,5 2,2 1,5 3,5 3,0 3,1 73,1 100

Observa-se que 73,1% dos benéficos concedidos aos trabalhadores desse setor estão concentrados em 15 municípios. A cidade de Chapecó, isoladamente, concentra 23% dos benefícios concedidos. As cidades de Capinzal, Concórdia e Forquilhinha vêm, respectivamente, em 2º, 3º e 4º lugar no número de casos. Nesse setor, 10 empresas concentram o maior número de benefícios e são responsáveis por 77,9% dos benefícios concedidos, sendo que uma delas é responsável por cerca de 20% dos benefícios concedidos e, outra, por 14%, no referido período. Essas empresas juntas são responsáveis por 34% dos benefícios concedidos pelo INSS, considerando, obviamente, o número de trabalhadores em cada empresa. Essas informações demonstram a importância de se conhecer, com maior precisão, o perfil de agravos à saúde dos trabalhadores catarinenses, em diferentes setores e, em especial, neste texto, do setor de abate de suínos, aves e pequenos animais (CNAE 1012), assim como as ocorrências comparativas (Brasil e Santa Catarina) no âmbito da distribuição das ocorrências de espécies de benefícios previdenciários. 4 Conclusão Esta pesquisa se propôs a examinar o perfil de agravos à saúde e de afastamentos acidentários em trabalhadores de Santa Catarina. Foi realizada uma análise da prevalência de agravos, número e espécie de benefícios previdenciários concedidos, entre as 15 principais atividades econômicas catarinenses, segundo a CNAE, entre os anos de 2005 e 2011. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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O conjunto das análises realizadas permite inferir, comparativamente, entre dados de Santa Catarina e do Brasil, que os acidentes de trabalho e seus respectivos reflexos na saúde dos trabalhadores catarinenses são efeitos importantes o suficiente para salientar urgência nas ações de vigilância à saúde do trabalhador, além de procedimentos de fiscalização e controle dos passivos de doenças ocupacionais, especialmente em determinados setores econômicos do estado. Apesar dos avanços ocorridos a partir de abril 2007, mesmo sem a dependência exclusiva da CAT para notificação de acidentes de trabalho, a subnotificação e a dificuldade de aplicação do nexo técnico para a concessão de benefícios parece persistir, mesmo após o advento da aplicação do NTEP. Pesquisadores, peritos, procuradores, juízes e gestores do trabalho devem partir dos pressupostos iniciais para a compreensão da relação “trabalho-agravos à saúde”: todo trabalho contém riscos, seja de natureza potencial ou adicional, assim como, também, todo trabalho contém estratégias peculiares de regulação dos riscos e dos efeitos resultantes da exposição dos trabalhadores a eles. Com base nesses pressupostos, é importante considerar a necessidade de investigação e vigilância aos efeitos indesejáveis do trabalho, nesse caso os acidentes de trabalho e suas repercussões sociais, econômicas e pessoais. Considerar, também, a experiência do estabelecimento do NTEP, nos últimos anos, na compreensão da dinâmica dos processos de avaliação da saúde do trabalhador e suas decorrências previdenciárias. A expectativa é de que os achados desta pesquisa possam ajudar os agentes públicos e privados a formularem ações programáticas no ambiente de trabalho insalubre, visando sua transformação e adequação às diretrizes e características do trabalho seguro. 5. Referências BARTILOTTI, C. B.; DE ANDRADE, P. R.; VARANDAS, J. M.; FERREIRA, P. C. G., CABRAL, C. Programa de Reabilitação Ampliada (PRA): uma abordagem multidimensional do processo de reabilitação profissional. Acta Fisiátrica, v. 16(2), 2009. p.66-75. BENAVIDES, G. B. et al. Occupational categories and sickness absence certified as attributable to common diseases. In: European Journal of Public Health, Netherlands, v.14, n. 1, p. 51-55, 2003. Trabalho Seguro


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Laudos periciais: construção científica e interpretação crítica pelo juiz José Ernesto Manzi 1 INTRODUÇÃO Vivemos num mundo cada vez mais complexo. A complexidade do mundo atual é tão grande, que pode subjugar até o direito se não for dominada, perdendo a condição de instrumento para tomar a condição de agente decisional. Não tenho dúvidas de que muitas das reformas constitucionais que se fazem hoje na Europa, em decorrência da supremacia normativa da União Europeia e com o fito de proteger o “euro”, implicando na supressão de direitos constitucionalmente consagrados e expressamente expungidos das cartas, o foram por indicação “técnica”. Os técnicos fazem previsões em temas econômicos, previdenciários e de administração pública e, a partir delas, sem ter como contestá-las, os administradores públicos não temem desagradar a opinião pública e os eleitores, considerando estarem fazendo o melhor, mesmo que o “melhor” implique em ministrar remédios amargos e em resultados funestos, desde que verificáveis a longo prazo. Em outras palavras, os técnicos são os atuais “conselheiros do rei”, principalmente sobre matérias que o rei não está em condições de compreender completamente e, sobre ele passam a exercer autoridade. Assim como os reis antigos se escudavam nos magos, o príncipe contemporâneo prefere desagradar o povo escudado em algum vaticínio técnico, do que correr o risco de ser responsabilizado no futuro, por alguma decisão considerada tecnicamente inadequada. Nos processos judiciais, não é diferente essa constatação, ainda que com repercussão mais ou menos restrita. Mais ou menos restrita porque os processos judiciais projetam efeitos extraprocessuais, ultrapassando os limites processuais subjetivos para indicar ou contraindicar condutas da sociedade em gênero; explico: condutas são incentivadas ou evitadas, em muitos casos, pela divulgação de determinadas decisões judiciais. Quantos planos de saúde e comerciante modificaram o agir, a partir de uma decisão do STJ ou mesmo de uma súmula não vinculante. Em sede laboral, a própria negociação coletiva sofre influência do modo Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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como o Judiciário interpretou o instrumento anterior ou outros, de categorias similares. Os técnicos que estão conduzindo, em algum grau, os políticos, passam a conduzir também os juízes, quando estes não se limitam a se valer da opinião do experto, mas por ela se conduzir, de maneira quase cega. De fato, também o juiz, que não é uma autoridade universal, muitas vezes precisa da manifestação de um experto em determinado tema, para que possa solucionar a lide, sendo cada vez mais comum essa necessidade por serem cada vez mais complexas as causas e cada vez mais inalcançáveis a apreensão de seus contornos de fato, pelo senso comum. O juiz é um especialista em direito, mas a complexidade do mundo torna cada vez mais complexa a apreensão e a compreensão dos fatos, sem o que, o direito, se não perde o objeto, perde sua finalidade concreta. O perito dá ao juiz os conhecimentos técnicos extrajurídicos, seja para a apuração dos fatos, seja para verificação de nexos de causa e efeito, seja para apuração das consequências dos atos dos agentes etc. O importante, contudo, é ressaltar que, se fosse possível resumir o trabalho do perito, em poucas palavras, seria de que a ele cabe aportar dados relevantes e traduzir os não compreendidos ou apuráveis por outro tipo de prova, ou seja, fazer a ponte entre a sua ciência e o senso comum, além da própria ciência jurídica. A ponte deve unir posições opostas, levar-nos ao outro lado do rio caudaloso, nos permitir chegar aonde nossa vista não alcança. A ponte que mantém estanques os seus dois lados, não serve para nada, senão para dar a ilusão de um acesso inexistente. Assim também os laudos incompreensíveis, exceto pelo uso de uma ou outra palavra de uso comum ou mesmo pela conclusão hermética, adotada em sentido quase formulário, transcrita ipsis literis para converter-se em fundamento de decisão judicial. Explico novamente: diante de cálculos incompreensíveis ou de perícias médicas que usam apenas jargões e que ao leigo (dentre eles o juiz) dá a compreender apenas o SIM ou o NÃO, o HÁ ou o NÃO HÁ, sem que os fundamentos da conclusão também possam ser conhecidos, a decisão judicial fundamenta-se no laudo, mas o laudo pode fundamentar-se apenas no arbítrio do perito, sem conter bases científicas sustenTrabalho Seguro


táveis, como um turista ocidental que, visitando o oriente sirva-se de um guia, precisando crer em tudo o que ele fala ou indica, um verdadeiro refém do desconhecido. O juiz não pode converter-se em refém do perito, o que faz quando se comporta como o turista referido, sem preocupar-se em ler previamente alguma coisa sobre o país que visitará e até levar um dicionário básico; ao fazê-lo, fragiliza também as partes, estas as verdadeiras vítimas da imperícia do juiz. Laudos incompreensíveis ao juiz e às partes não são laudos, porque não comunicam saberes, nem fornecem elementos que, submetidos ao cadinho do direito, permitem aplicar a lei ao caso concreto e mais, podem sequer constituir prova útil, porquanto duas coisas caracterizam uma opinião de autoridade, o conhecimento específico profundo sobre um tema e, a isenção. Sem conhecimento profundo sobre o tema do laudo (e hoje, já não é mais possível apenas nomear um perito médico, mas há de se ver, dentre as especialidades médicas, a que trata do tema objeto da dúvida do juiz, por exemplo) ou sem isenção, o resultado será uma mera opinião, uma adivinhação ou mesmo o externar de um preconceito, travestido de peça científica. O perito só é perito no limite do seu conhecimento e no de sua isenção. A autoridade depende, muitas vezes, de conhecimentos absolutamente específicos que podem demandar estudos aprofundados, nem sempre passível de contraprestação adequada. A isenção impede que o perito tenha qualquer interesse no resultado do processo (o que também é difícil, principalmente porque o perito possui relações profissionais e pessoais fora do processo e suas conclusões podem também prejudicá-lo). Mas não é só. O perito pode ser uma autoridade no assunto, não ter qualquer intenção de favorecer uma das partes e, a par disso, utilizar um método equivocado – do ponto de vista científico – que culmina por prejudicar a validade científica de suas conclusões. Porém, a autoridade apenas aparente, ganha contornos de norma legal, quando é validada pelo juiz ou tribunal, a partir de outro preconceito, qual seja, de que o perito é infalível, isento e se utilizou de um método científico rigoroso para chegar a uma conclusão. Para completar, o argumento de autoridade utilizado pelo juiz em relação ao perito, pode transpor-se do tribunal em relação ao juiz. De fato, o laudo pericial que tem suas conclusões albergadas pelo juiz de 1º Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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grau, dificilmente é desqualificado pela decisão recursal que, muitas vezes aplica à prova pericial, o princípio da imediação (cujo mote é: o juiz de 1º grau está mais apto a interpretar a prova que presidiu a produção) até pela ausência de possibilidade de aporte – em grau de recurso – de outros elementos técnicos para afastar as conclusões do perito, diante da desconfiança que normalmente cerca a manifestação do assistente técnico, ainda que, teoricamente, possa, em muitos casos, ser cientificamente mais qualificada. O assistente técnico, por não ser presumivelmente isento, dificilmente conseguirá convencer o juiz de que o perito do juízo está equivocado; ele pode ter um conhecimento até mais profundo, mas sempre se presumirá que não possui isenção, na medida que é pouco provável que alguém pague para produzir uma prova desfavorável. O pior é que, por vezes, o assistente comete o erro de querer usar mera retórica argumentativa, ao invés de usar a ciência do próprio perito, para desqualificar o laudo desfavorável ou para indicar uma solução diversa daquela que chegou o experto do juízo. Diante de um laudo incompreendido em sua essência pelo juiz e da pressão pela rápida solução do litígio, é comum o mero transcrever nas decisões judiciais das conclusões do laudo incompreensível ao leigo, o que acaba convertendo o perito em árbitro e o juiz em mero homologador do desconhecido, além de tornar a própria decisão nula, por falta de fundamentação (que não é a mera opinião do juiz, mas a conclusão que chegou a partir de um procedimento científico). Há um procedimento que legitima a sentença: a partir dos balizamentos derivados da litiscontestação, o juiz deve observar o contraditório, permitir a produção das provas a partir de uma liturgia indicada na lei, examinar as alegações e os fatos a partir das normas jurídicas, de uma forma crítica e, ao final, dizer quais as consequências e que efeito os fatos provados (ou improvados) produzem sobre a pretensão. O perito também está sujeito à liturgia própria de sua ciência que indica os passos que deve seguir, as perguntas que deve fazer e os procedimentos e instrumentos que devem ser utilizados para se obter as respostas, que devem implicar num pronunciamento compreensível também a quem não é experto na ciência do perito. A fundamentação do laudo, assim como a fundamentação da sentença, deve ser compreensível para que possa ser criticada e ser criticável, para que seja válida e democrática. O dever de fundamentação Trabalho Seguro


das decisões judiciais projeta-se também sobre o laudo, principalmente quando os fundamentos do laudo, tornam-se, per relationem, fundamentos da decisão judicial (e, na maioria das vezes, são). Critica-se muito o hermetismo jurídico, mas admira-se o falar difícil de outras ciências, como se quanto mais incompreensível for a fala, mais competente será o cientista. Contudo, há laudos periciais que não correspondem ao exame crítico e científico dos elementos, mas afirmação de um senso comum do perito, travestido de conhecimento técnico, seja pelo uso de jargões, seja pela mera supressão da técnica, substituída pelo hermetismo, pelo laconismo, mero conhecimento mediano, convertido em pronunciamento irrefutável de autoridade (sins e nãos, desacompanhados dos porquês e que podem implicar em resultados diametralmente opostos, mas incontestáveis). Nem tudo que um especialista fala, deve ser tido como manifestação científica, embora no Brasil façamos facilmente esta confusão (o Pelé já receitou vitaminas em um comercial e cantores e jogadores dão conselhos sobre produtos e serviços). O perito deve ser um especialista no objeto da perícia, deve seguir um método de apuração e de exposição do resultado e deve agir de forma isenta (qualquer preconceito do perito, vicia irremediavelmente o laudo), senão terá aparência de laudo pericial e conteúdo de opinião, de conhecimento mediano. Por isso, o juiz não pode se contentar com o conhecimento mediano, ainda que exposto de forma pomposa e em documento firmado por uma “autoridade” no tema. Deve se impor e impor o uso do senso crítico, na atuação das partes, advogados e auxiliares do juízo, inclusive o perito, como deve impor a si próprio um agir e um dizer (o direito) cientificamente sustentável. Quando o juiz não conhece a norma ou sua interpretação, busca socorro na jurisprudência e na doutrina. Quando o juiz não compreende o laudo pericial, ou quando o laudo pericial carece de fundamentação científica, ele deve impor ao perito a complementação e, na recusa, destitui-lo e nomear outro experto. Assim como não lhe é lícito substituir a norma jurídica pelo seu senso pessoal de justiça, não pode permitir que o perito aja da mesma maneira, na medicina, contabilidade, genética, química, elétrica, economia, engenharia etc. Embora a celeridade seja extremamente desejável, “copiar e colar” o laudo pericial e fazer remissões genéricas à ausência de prova em Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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contrário, não torna a decisão fundamentada e sim, uma manifestação ditatorial de uma autoridade que se refugia no desconhecido e abusa do poder que lhe foi conferido, para impor a presunção de que suas falas são sempre corretas e isentas de vícios. Para que a prova técnica seja realmente técnica, é preciso que os operadores jurídicos elaborem, na medida do possível, quesitos meditados e específicos para o processo, que colecionem os laudos primorosos, que pesquisem, que estudem, que troquem ideias com especialistas. A OAB e os Tribunais precisam ministrar formação em ciências extrajurídicas, dar conhecimentos mínimos que, mesmo que não impliquem na desnecessidade do perito, reforcem essa necessidade a partir da real utilidade. O juiz, especificamente, deve conversar com cada perito que pretenda ser inscrito no rol do juízo, acerca do que dele se espera, o conteúdo dos laudos, o modo de atuação na inspeção, nas verificações complementares e na própria elaboração do laudo, deixando claro ainda tanto a obrigação com um conteúdo materialmente científico, quanto formalmente aceitável, quanto à disposição do juízo de impor às partes a colaboração com o experto, a requisição de documentos etc., para que, ao final, com fulcro em suporte verdadeiramente técnico e metodologicamente confiável, poder decidir caminhando por terreno firme e conhecido. 2 O perito é leigo em Direito. O juiz é leigo na ciência do perito Em sua origem latina, perícia é saber ou habilidade, mas não qualquer saber ou habilidade, o saber e a habilidade de alguém que exerce determinada profissão ou arte e nos limites delas. Não há autoridade universal, quando o perito invade outras searas, se torna um leigo (“o sapateiro não deve ir além do sapato”). Assim, a perícia é – ou deveria ser – a ponte que serve para transmitir aos operadores jurídicos conhecimentos extrajurídicos necessários para sua atuação. Se o perito é leigo em matéria jurídica, os juízes e advogados são leigos em outras ciências e dependem do parecer do experto, ainda que, ao final, ao juiz não esteja a ele vinculado, por ser o perito dos peritos (iudex peritus peritorum). O que se vê, contudo, é que os peritos cada vez mais querem Trabalho Seguro


demonstrar conhecimentos jurídicos, trazendo aportes jurisprudenciais e doutrinários jurídicos aos laudos etc. ao invés de considerar apenas as dúvidas postas em casos pretéritos, para levantar suas hipóteses, seja para confirmá-las, seja para afastá-las. Querem assim, ensinar direito ao juiz (que é autoridade nesse tema), ao invés do tratar do tema que levou o juiz a nomeá-lo e em que o juiz é leigo ou, quiçá, trazer elementos exógenos – jurídicos ou retóricos – para outorgar ao laudo uma autoridade que não teria pelo conteúdo que lhe é próprio. Contra uma profusão de sins e de nãos sem os porquês, sucedidos por uma conclusão ditada em linguagem hermética, resta ao juiz pescar um ou outro vocábulo útil (há nexo causal, não há nexo causal etc.) e decidir também hermeticamente...”acolho o entendimento contido no laudo para...” Entretanto, o mais grave não é isso, já que, esquece que o juiz e os advogados são leigos na matéria objeto do laudo, não estando obrigados a entender jargões técnicos, linguagens herméticas (médica, por exemplo) e delas se utilizam em profusão e mais, sem tradução, com um resultado funesto: é comum que alguns juízes, sem entender os fundamentos do laudo, baseiem-se apenas em suas conclusões, no SIM e no NÃO, no HÁ e no NÃO HÁ nexo, sem que possa fazer um exame mais aprofundado dos motivos que induziram essa conclusão e mais, sem possibilidade de buscar nas outras provas confirmar ou infirmar as falas do perito. A falta de fundamentação do laudo, ao menos a falta de uma fundamentação compreensível ao leigo – que é a razão principal a impor a sua confecção – torna arbitrária a conclusão do experto, seguida pela decisão também arbitrária do juiz que se limitar a transcrever entre aspas o que disse o experto, para apenas dar o aval judicial à sua fala. 3 A prova pericial é uma prova técnica Como referido alhures, o laudo pericial é uma peça científica, de forma que, sua elaboração exige objeto específico e utilização de método (e não de mero procedimento), com fundamentação também científica de suas conclusões. Como as decisões judiciais devem ser fundamentadas (art. 93, IX, CRFB), também os laudos periciais devem sê-lo e mais, fundamentados com base científicas e não meramente leigas (achismos). Nessa quadra, em que reside a cientificidade do laudo? Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Primeiro, a cientificidade não reside apenas no laudo, mas nos atos do perito que o precedem, a formulação das hipóteses, a inspeção ou a avaliação, a quesitação etc. O laudo retrata suas conclusões. Métodos equivocados conduzem a conclusões equivocadas, assim como os erros nos procedimentos, utilização de aparelhagem etc. (3) Por outro lado, o laudo é um relatório técnico objetivo, que deve indicar as hipóteses provisórias, os quesitos das partes, o objeto, o método utilizado para solucionar as questões postas, os aparelhos e instrumentos utilizados (com referência à aferição técnica que os torna confiáveis etc.) o modo como foram realizados os exames, indicações doutrinárias que apontem quais os exames que devam ser realizados e como devem ser realizados, para confirmar ou infirmar determinadas hipóteses etc. Não é objeto deste artigo indicar em específico a construção do laudo, até pela variabilidade decorrente do objeto. Respostas herméticas, que abundam nos laudos periciais não são sequer indutivas, traduzindo argumento de autoridade inaceitável em uma prova judicial, destinada a submeter-se ao contraditório (ser objeto de impugnação etc.). Para quesitos complexos, limitam-se a SIM, a NÃO, a remissões nem sempre encontráveis (“já respondido”, “ver corpo do laudo” etc.) ou mesmo à dúvida ou ao arbitramento igualmente não fundamentado. Diante de um determinado fato, o cientista deve levantar as hipóteses prováveis, submetê-las a prova, descartar as improvadas e indicar uma conclusão (ou a impossibilidade de fazê-lo). Para levantar as hipóteses, pode inquirir as partes e testemunhas, mas não é dessas oitivas que pode extrair, isoladamente, suas conclusões. O perito não é experto em tomada de depoimentos, nem a prova pericial pode ser confundida com proval oral [1]; o que pode e deve é, ouvindo informalmente as partes e testemunhas no curso da inspeção, extrair, em complemento aos quesitos, as hipóteses a serem investigadas para depois confirmá-las ou infirmá-las a partir de elementos técnicos, indicar a impossibilidade de fazê-lo ou submeter ao juiz, v. g.,: a) “Fulano de tal afirmou que o acidente ocorreu de forma “x”; se tivesse ocorrido dessa forma, deveria deixar os sinais “z”, “y” e “w” conforme indica a doutrina médica, sendo que, os exames complementares não confirmaram a presença desses sinais”; b) Fulano afirmou “x”, siclano afirmou “y”, pelo que, passo a examinar essas hipóteses... Em ficando prova que o autor estava submetido a tal ou tal condição, por pelo menos “x” tempo Trabalho Seguro


por mês, fica descartada a origem congênita da patologia...” (nesse caso, a prova pericial deve ser complementada pela prova oral ou documental) [2]. O perito é um investigador de fatos à luz de determinada ciência, não seu adivinho... é indutiva a conclusão de que determinada situação verificada no momento da inspeção existia ou não existia ao tempo do lapso objetivado no processo, ou seja, não é porque a situação encontrada pelo perito é “x” que ele possa concluir que era “x” há vários anos atrás; cabe-lhe – para utilizar o exemplo dado – que indique se houve ou não alterações e, se essas alterações poderiam ter melhorado ou piorado o ambiente investigado, ainda que relegue para o juiz (e as provas que determinará) apurar qual era o status quo, na época, objeto da pretensão. Em outras palavras, é indutiva e inválida a conclusão de que, se hoje é assim, sempre foi assim, quando pode haver tanto depreciação das condições, quanto a sua melhoria, inclusive industriadas para induzir o perito a concluir que as condições sempre foram favoráveis ou desfavoráveis. O que ele pode concluir é pelo que viu, ouviu, testou de forma científica e só isso. Em verdade, no laudo pericial, o perito deve formular raciocínios dedutivos e apenas quando não for possível (dada a inexistência, por exemplo, de elementos que permitam a realização de exames técnicos complementares) e, após deixar explícita essa condição, indicar também de forma expressa, uma conclusão indutiva, que servirá então como mero ponto de apoio para que o juiz, com suporte em outras provas complementares, possa decidir acerca do tema. Assim, não pode o perito concluir que algo ocorreu de determinada forma, porque via de regra assim ocorre, sem afastar, fundamentadamente, todas as hipóteses que poderiam indicar ou a não ocorrência do evento, ou sua origem diversa da habitual. O perito deve, assim, deduzir suas conclusões a partir de um método ditado por sua ciência, com o máximo rigor na respectiva aplicação. Decorre desse caráter dedutivo que a fundamentação do laudo deve ser lógica e não meramente argumentativa (o perito deve trazer fatos cientificamente comprovados e não argumentos), muito menos retórica (em seus sentido pejorativo, de convencer mesmo sem ter razão). Se, o argumento de autoridade vem sendo utilizado pelo juiz para louvar o laudo (principalmente na ausência de outros elementos), não pode ser utilizado pelo perito, para concluir – é assim porque eu, autoridade no Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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assunto, digo que é assim). Laudo não construído de modo formalmente lógico e a partir de constatações ditadas pelo preconceito ou a partir de modelos e não do caso concreto é mera peça opinativa, ainda que emitida por autoridade no assunto e detenha condição formal de laudo, com conteúdo divorciado dessa classificação. 4 CONCLUSÕES

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As conclusões são sombrias. Por um lado, a complexidade vem tornando o juiz cada vez mais dependente da utilização da prova técnica. Por outro lado, o jeitinho brasileiro contaminou a técnica e não há, em muitos casos, a preocupação com o rigor metodológico e científico, com a formulação de todas as hipóteses relevantes, com a respectiva submissão à prova (se as partes e o juiz não perguntarem, é possível que uma questão complexa receba resposta simplista e sem qualquer explicação da origem da conclusão ou mesmo que o perito não faça questão alguma, limitando-se a expor o problema e ditar a solução, de forma desfundamentada). Há peritos que estão mais preocupados com examinar a jurisprudência em questões similares e fundamentar mais o pedido de honorários, do que fornecer ao juiz elementos robustos para a solução do caso concreto, embora haja também peritos conscientes, dedicados e realmente isentos que, sem qualquer preconceito, buscam aplicar sua ciência com rigor e transmitir as conclusões com humildade e simplicidade de fala, para torná-la aproveitável no processo, embora os honorários a que fariam jus sejam muito maiores do que lhes é possível arbitrar. Há juízes que consideram a prova pericial mera exigência formal e que não se preocupam nem com a escolha dos peritos (cada vez mais raros, por conta dos honorários parcos e morosos), nem com os quesitos, muito menos com uma análise crítica e não meramente assimilativa ou compilativa das conclusões do experto, convertendo a conclusão do perito em dispositivo de sentença. Para completar, os tribunais podem tender a considerar que o perito é uma autoridade irrefutável, que o juiz de 1º grau está mais apto a interpretar a prova pericial e que, a celeridade processual é preferível sempre, usando o que Taruffo designou tecnique di salvataggio, refutando-se arguições de nulidade e abdicando da materialidade que a prova pericial poderia e deveria aportar, para se contentar com a mera formalidade. Como a complexidade do mundo atual é cada vez maior, mais lúgubre e real é a possibilidade das injustiças Trabalho Seguro


nascerem do descaso ou das ignorâncias do perito, sucedidas pelo descaso, preguiça ou ignorância específica do juiz e do tribunal, revogando-se até a lei da gravidade, em razão de presunção ou de um laudo que suscite esta hipótese absurda, para descrédito das instituições judiciárias e das próprias leis. Notas * Desembargador do TRT-SC. Juiz do Trabalho desde 1990, especialista em Direito Administrativo (La Sapienza – Roma), Processos Constitucionais (UCLM – Toledo – España), Processo Civil (Unoesc – Chapecó – SC – Brasil). Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI – Itajaí – SC – Brasil). Doutorando em Direitos Sociais (UCLM – Ciudad Real – España). Bacharelando em Filosofia (UFSC – Florianópolis – SC – Brasil). [1] O perito pode inquirir pessoas para obter dados, no momento da inspeção, mas disso pode extrair apenas hipóteses e não conclusões. Ele não é experto em tomada de depoimentos e mesmo os juízes, muitíssimo mais experientes nessa atividade, são muitas vezes enganados. Um perito só pode considerar determinada hipótese como única, quando se tratar de matéria incontroversa nos autos, assim reconhecida pelo juiz. [2] O perito pode e deve requisitar a apresentação de documentos ou objetos para a verificação, comunicando ao juiz eventuais recusas ou resistência à colaboração. Não deve, por outro lado, aceitar qualquer forma de pressão ou de sugestão de conclusão, igualmente comunicando ao juiz, qualquer ato das partes, procuradores ou serventuários, que possam por em dúvida sua independência e isenção. [ 3 ] Não é objeto deste artigo, tratar do método científico. Um bom começo seria a leitura do Discurso sobre o método de Renée Descartes. Um artigo interessante sobre o tema pode ser obtido em http://www.ime.usp.br/~rvicente/MetodoCientifico.pdf

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RISCOS DA INSEGURANÇA NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO E CUSTOS DECORRENTES Maria de Lourdes Leiria1 Resumo: direito à saúde e segurança no trabalho não é bônus, constitui direito humano fundamental que o empregador tem o dever de respeitar e fazer cumprir. A cada 15 segundos morre um trabalhador no mundo e 49 deixam de retornar ao trabalho a cada dia por invalidez ou morte devido à insegurança no trabalho no Brasil. As enfermidades e os acidentes do trabalho produzem danos irreparáveis aos trabalhadores e familiares, custos para as organizações, sociedade e cofres públicos. A Previdência Social, em 2011, gastou R$ 323,3 milhões em benefícios acidentários. Investimento em segurança e saúde laboral gera economia de vidas e redução de custos. Palavras-chave: saúde e segurança; enfermidade; acidente de trabalho; riscos; custos. 1 Introdução A insegurança no local de trabalho tem sido objeto de estudos e programas de prevenção de organismos internacionais e nacionais. A preservação da saúde do trabalhador está relacionada a salubridade do meio ambiente de trabalho, alcançado através da observância das normas de segurança e medicina do trabalho e de adoção de política educativa e preventiva da saúde e segurança no trabalho. (LEIRIA, 2012, p. 132).

Durante a XVI Reunião Regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizada em Brasília em maio de 2006, que deu origem ao documento intitulado “Trabalho decente nas américas: uma agenda hemisférica”, o Brasil assumiu compromisso de adotar e implementar políticas específicas no período de 2006 a 2015, com o objetivo de combater o trabalho infantil e escravo, toda forma de discriminação e fomentar a ampliação de postos de trabalho decente observados os 1. Desembargadora do TRT da 12ª Região, professora de Direito do Trabalho da AMATRA 12, doutora em Direito. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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princípios e os direitos fundamentais do trabalhador. Trabalho decente pressupõe condições de trabalho dignas e respeito aos direitos humanos, à liberdade, à dignidade, à segurança e à saúde do trabalhador (LEIRIA, p. 26, 2012.). As estatísticas mundiais sobre a insegurança no local de trabalho são alarmantes e podem ser acompanhadas em tempo real, bastando acessar a Internet. Durante a Conferência Internacional da OIT ocorrida em Düsseldorf, Alemanha, em novembro de 2009, foi criado um site2 na Internet que produz uma contagem mundial do número de acidentes e enfermidades laborais. A cada 15 segundos morre um trabalhador em decorrência de acidente ou doença relacionada ao trabalho e, no mesmo período de tempo, 160 trabalhadores sofrem acidente de trabalho. Ao final de cada dia, 1 milhão de trabalhadores sofreu acidente de trabalho e 5.500 trabalhadores morreram em decorrência de acidente ou doença do trabalho. (LEIRIA, p. 137, 2012.)

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A OIT, por meio do Programa Trabalho Seguro, busca despertar e orientar os Estados membros para a importância de implementar normas de segurança no local de trabalho a fim de prevenir acidentes e doenças laborais, de modo a preservar a saúde dos trabalhadores. O Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) no ano de 3 2012 , institucionalizou o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho - Programa Trabalho Seguro, em parceria com instituições públicas e privadas, com a finalidade de fomentar a mobilização nacional para a execução de projetos destinados à prevenção de acidentes de trabalho. O programa despertou a consciência brasileira para as consequências da inobservância das normas de saúde e segurança no meio ambiente de trabalho, refletidas no expressivo número de acidentes e enfermidades do trabalho que integram as estatísticas do Ministério da Previdência Social (MPS). O número total de acidentes de trabalho registrados no Brasil aumentou de 709.474 casos, em 2010, para 711.164, em 2011. Nesse 2. A contagem dos acidentes pode ser acompanhada no site <http://www.ilosafetyconference2009.org/es/>. 3. O Programa trabalho seguro pode ser acessado na página do TST, na qual são disponibilizadas diversas informações a respeito da prevenção de acidentes, estatísticas, artigos doutrinários, Convenções da OIT e normas nacionais sobre saúde e segurança no local de trabalho, <http://www.tst.jus.br/web/trabalhoseguro/apresentacao>. Trabalho Seguro


mesmo ano morreram 2.884 trabalhadores vítimas de acidentes, 14.811 ficaram com incapacidade permanente para o trabalho e 49 trabalhadores/dia não retornaram ao trabalho em razão de invalidez ou morte. Foram registradas 15.083 doenças relacionadas com o trabalho e 611.576 trabalhadores se afastaram de suas atividades por incapacidade temporária, desses 301.945 com afastamento superior a 15 dias, conforme registros do Anuário Estatístico do Ministério da Previdência Social4. O aumento do número de acidentes vai de encontro ao recomendado pela OIT na reunião em Brasília, a qual estipulou uma meta de redução de acidentes até 2015. Embora o número de acidentes de trabalho registrado seja altíssimo, não reflete a realidade. Muitos acidentes não são registrados porque ocorrem na dita economia informal ou em razão da situação irregular em que se encontra o trabalhador. Também não estão incluídos os contribuintes individuais (autônomos) e as empregadas domésticas. As enfermidades e acidentes de trabalho decorrem das condições e do meio ambiente de trabalho inadequados. Podem e devem ser prevenidos e evitados, poupando inúmeros trabalhadores de perderem a vida ou de serem mutilados no local de trabalho. A saúde física, mental e social dos trabalhadores está intimamente ligada à salubridade do meio ambiente laboral que compreende os aspectos físicos tais como: o local da prestação de serviço, os móveis, os instrumentos, os maquinários, os elementos químicos e biológicos e fatores psicossociais, que correspondem à organização de pessoal do trabalho, aos relacionamentos hierárquicos e horizontais, distribuição de responsabilidades e tarefas, avaliações e critérios de promoções e ideologia da organização. (LEIRIA, 2012, p. 134)

A recente iniciativa da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA Afins), ao elaborar e distribuir uma cartilha informativa aos trabalhadores do setor frigorífico, que apenas em Santa Catarina5 emprega mais de 57 mil pessoas, merece 4. Para informações detalhadas sobre o número de acidentes e enfermidades do trabalho registradas, com detalhamento por atividade empresarial, região metropolitana, idade do trabalhador vitimado, tipos de acidentes, benefícios pagos etc; remeto o leitor ao Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS, disponível no site <http://www.mpas.gov.br/conteudoDinamico.php?id=423>. 5. A cartilha dos trabalhadores em frigorífico consiste em material de bolso com 208 páginas. Informa os trabalhadores sobre as novas condições de trabalho em frigoríficos introduzidas Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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reconhecimento e deve servir de exemplo às demais categorias. A cartilha informa e orienta os trabalhadores sobre as mudanças nas condições de trabalho introduzidas pela NR 366, além de conter formulário que contribuirá para identificar o grau de satisfação dos trabalhadores da categoria, que compreende 400 mil trabalhadores em todo o país. Quanto melhor informado sobre a natureza de seus direitos estiver o trabalhador, melhores condições terá para exigir o cumprimento daqueles. As entidades de classe devem atuar junto à categoria, informando sobre os riscos da atividade e a importância do uso dos equipamentos de proteção e segurança. Apenas por meio da informação/ orientação o trabalhador estará apto a cumprir o disposto no art. 19, da Convenção 1557 da OIT, especialmente o disposto na alínea f.8 Os trabalhadores têm direito a desenvolver suas atividades em ambiente equilibrado, saudável e seguro, competindo ao empregador disponibilizar meios seguros e adequados para o cumprimento de suas tarefas. Não se trata de bonificação ou liberalidade que fica ao critério do empregador conceder ou não, mas de dever legal que decorre das disposições contidas nos arts. 7º, XXII, e XXIII, 200, VIII, e 225, § 3º, da Constituição Federal. O direito a saúde e segurança no meio ambiente de trabalho, mais do que um direito trabalhista, constitui direito humano fundamental que o empregador tem o dever de respeitar e fazer cumprir. 2 Fatores de riscos laborais O trabalho é normalmente o único meio de subsistência do trapela NR 36 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em vigor desde abril deste ano. Em Santa Catarina o lançamento da cartilha ocorreu em 19 julho do corrente ano. 6. A NR 36 disciplina normas de segurança e saúde no trabalho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados, aprovada pela Portaria nº 555, de 18.4.13, do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, publicada no D.O.U. em 19.4.13. 7. Convenção sobre Saúde e Segurança dos Trabalhadores, adotada em 1981, ratificada pelo Brasil em 1982, com vigência no plano nacional desde 18.5.1993. Aplicável em todas as áreas de atividade econômica, inclusive na administração pública. Disponível no site do TST, Portal Trabalho Seguro, link Biblioteca. 8. Art. 19, letra f: “O trabalhador informará imediatamente o seu superior hierárquico direto sobre qualquer situação de trabalho que, a seu ver e por motivos razoáveis, envolva um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde; enquanto o empregador não tiver tomado medidas corretivas, se forem necessárias, não poderá exigir dos trabalhadores a sua volta a uma situação de trabalho onde exista, em caráter contínuo, um perigo grave ou iminente para sua vida ou sua saúde”. Trabalho Seguro


balhador. Isso faz com que ele permaneça 8 horas por dia no local de trabalho (desde que respeitado o limite legal de jornada) por toda sua vida produtiva. O que significa dizer que, se as condições de trabalho forem inseguras e nocivas, poderá o trabalhador ter violada sua dignidade e direitos humanos fundamentais, por período superior à metade da expectativa de vida do brasileiro. O trabalhador submetido ao trabalho infantil, ao trabalho escravo, à organização de trabalho nociva, exposto a pressões psicológicas, assédio moral e sexual, violência decorrente do local de trabalho e de terceiros e a todo tipo de malefício para saúde e integridade física, decorrentes das condições de trabalho nefastas, tais como: ruídos, poeiras, agentes químicos e biológicos, vibrações, variações de temperaturas, riscos decorrentes de explosivos, de eletricidade, de ergonomia, de máquinas sem dispositivos de segurança, trabalho sem equipamento de proteção, sem treinamento adequado, e a tantas outras situações de precariedade das condições de trabalho que chegam aos tribunais, apenas por obra divina conseguirá atingir 73,8 anos, expectativa de vida do brasileiro (IBGE), sem ter sofrido dano irreparável a sua integridade física ou psicológica. 2.1 Trabalho infantil Trabalho infantil é todo aquele realizado por crianças e adolescentes, em desrespeito às normas cogentes que limitam a idade para o trabalho, pondo em risco a educação e o desenvolvimento físico, mental e moral da criança e do adolescente, restringindo sua liberdade e a expondo a riscos. Além de todas as repercussões negativas do trabalho infantil, para a criança, para o adolescente, para suas famílias, para a sociedade e para o desenvolvimento do país, o trabalho infantil é o responsável pelo “círculo vicioso pobreza-trabalho infantil-pobreza”, “chaga que marca várias gerações” (LEIRIA, 2010, p. 1080). O trabalho infantil deve ser combatido e ser reconhecido como fator de risco de enfermidade e acidente do trabalho. Os infratores devem ser punidos com rigor, visto que comprometem não apenas o desenvolvimento pessoal e familiar dos envolvidos, mas também de várias gerações. Trabalho infantil perigoso está inserido entre as piores formas Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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de trabalho infantil, conforme o art. 3º da Convenção 1829: Para os fins desta Convenção, a expressão as piores formas de trabalho infantil compreende: [...] d) trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.

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A OIT calcula que 115 milhões de crianças, com idade entre 5 e 17 anos, exercem trabalho infantil perigoso – a mais grave das piores formas de trabalho infantil –, o que correspondente a 53% das crianças que trabalham no mundo. O número de meninos que executam trabalho perigoso é o dobro do de meninas. O TST anulou uma cláusula homologada em dissídio coletivo ajuizado pelo Sindicato dos Empregados no Comércio de Caxias do Sul contra o Sindicato Intermunicipal dos Concessionários de Distribuidores de Veículos no Estado do Rio Grande do Sul, que dispunha: “Cláusula Trigésima Oitava (Trabalho Noturno e Insalubre)– Fica proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de quatorze anos”. [...] TRABALHO NOTURNO PERIGOSO E INSALUBRE DE ADOLESCENTES. Não é passível de homologação regra negociada que sugere a autorização de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos trabalhadores com idade a partir de quatorze anos. Contrariedade ao Texto Magno (art. 7º, XXXIII, CF/88).[...] TST-RO-386700-55.2009.5.04.0000, SDC, rel. Min. Kátia Arruda , 13.5.2013. Informativo do TST n. 46 – 7 a 13 de maio de 2013.

A relatora Min. Kátia Magalhães Arruda assim se manifestou no corpo do acórdão: [...] A norma, por via transversa, afronta explicitamente o Texto Maior, pois autoriza o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos trabalhadores com idade a partir de quatorze anos, o que, definitivamente, não se coaduna com a previsão da Carta Magna do país, que no inciso XXXIII do art. 7º proíbe expressamente qualquer trabalho a menores de 16 anos (salvo na condição de aprendiz) e de todo o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos. 9. Convenção n. 182 da OIT – Convenção sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação. Trabalho Seguro


Viola ainda a Convenção nº 138 da OIT, ratificada no Brasil desde 28/6/2001, que trata da idade mínima e que dispõe em seu art. 3º: “Art. 3º 1. Não será inferior a dezoito anos a idade mínima para a admissão a qualquer tipo de emprego ou trabalho que, por sua natureza ou circunstâncias em que for executado, possa prejudicar a saúde, a segurança e a moral do jovem.” Desse modo, entendo que a cláusula deve ser excluída do instrumento normativo [...].

A criança, justamente por ter seu desenvolvimento físico, biológico, emocional e intelectual incompleto, tende a ter maior deficit de atenção e está mais propensa a sofrer acidente de trabalho. Sua imaturidade dificulta que atente às normas de segurança e avalie os riscos a que está submetida no trabalho. O trabalho infantil expõe a vida de crianças ao perigo em atividades como agricultura, mineração, construção civil, manufatura, indústria de serviços, hotelaria, bares, restaurantes e trabalhos domésticos. A criança tem maior probabilidade de ser acometida de doença ocupacional decorrente das condições de trabalho nocivas, em virtude da fragilidade de seu organismo ainda em desenvolvimento. As sequelas do trabalho infantil irão se manifestar muitos anos após, dificultando a vinculação com o trabalho realizado na infância. 2.2 Trabalho escravo A OIT (2012) estima que 20,9 milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçoso em todo o mundo, ou seja, 3 a cada 1.000 pessoas no mundo, em determinado momento de sua vida, estão submetidas a trabalho forçoso. Desses números, 4,5 milhões (22%) são vítimas de exploração sexual forçada, 2,2 milhões (10%) executam trabalho forçoso imposto pelo Estado e 14,2 milhões (68%) são vítimas de exploração com fins laborais. Exercem trabalho escravo em atividades econômicas como agricultura, construção civil, mineração, extração de madeira, indústria de manufatura e trabalho doméstico. Os trabalhadores em condições análogas às de escravo trabalham em jornadas exaustivas, têm tolhida a liberdade e violados os direitos humanos e fundamentais, executam tarefas em condições precárias de higiene e segurança, pondo em risco a saúde e a vida. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo é crime previsto Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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no art. 14910, do Código Penal, cuja redação foi alterada em 2003 para abranger as situações degradantes a que determinados empregadores submetem seus empregados. Em junho de 2013 houve 136 novas inclusões, 06 reinclusões e 26 exclusões de empregadores no cadastro11 de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo. Os procedimentos de inclusão e exclusão são determinados pela Portaria Interministerial n. 2/2011 – MTE/SDH. O Cadastro foi criado pela Portaria nº 540 do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, de 15 de outubro de 2004, que regulamenta a forma de inclusão no art. 2º: A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração lavrado em decorrência de ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.

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O cadastro é atualizado semestralmente. A exclusão está regulamentada no art. 4º, da Portaria, e deriva monitoramento no período de dois anos após a inclusão no cadastro. Verificada a não reincidência na prática de manter trabalhadores na condição análoga à de escravo e satisfeitas as multas impostas. A exposição do trabalhador a jornadas de trabalho extenuantes 10. Código Penal – Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003): Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. 11. Até 13.8.13 o cadastro contava com 496 empresas e pessoas flagradas mantendo trabalhadores em condições análogas às de escravo. A lista pode ser consultada no site do MTE, disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D3F9B20120140778 C4C460982/CADASTRO%20DE%20EMPREGADORES%20ATUALIZAÇÃO%20Extraordinária%2013.08.2013.pdf>. Trabalho Seguro


configura dano moral indenizável, conforme têm decidido os tribunais: DANO MORAL. PRESTAÇÃO DE HORAS EXTRAS EXCESSIVAS. JORNADAS EXTENUANTES. PREJUÍZO AO DIREITO AO REPOUSO, AO LAZER, AO CONVÍVIO SOCIAL E FAMILIAR. DIREITO À INDENIZAÇÃO. O exercício do poder diretivo outorga ao empregador o direito de organizar o sistema produtivo de acordo com as necessidades do seu negócio. Isso inclui, evidentemente, o gerenciamento das horas de trabalho. No entanto, o empregador não goza da possibilidade de exigir dos seus empregados a prestação de serviços extraordinários além dos limites tolerados pela lei, mormente em detrimento do direito ao repouso. Desse modo, configura abuso de direito a imposição de uma rotina de trabalho exaustiva, capaz de alijar o trabalhador do convívio social, da família, das atividades recreativas e de lazer, o que representa uma ofensa à sua vida privada. Importante enfatizar que não é o simples labor em horário extraordinário que acarreta a violação desses bens extrapatrimoniais. O que enseja o direito do empregado ao pagamento de indenização por danos morais é a sua sujeição a jornadas extenuantes, em descompasso com os limites legais, porquanto agridem a sua saúde e lhe subtraem momentos imprescindíveis ao seu repouso e à sua interação com a família e sociedade. (Proc. nº 000107915.2012.5.12.0008 – 5ª Câmara – Rel. Des. Maria de Lourdes Leiria – Publicado no TRTSC/DOE em 18.4.2013). DANOS MORAIS – SUBMISSÃO DO EMPREGADO A JORNADAS DE TRABALHO EXTENUANTES – OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA DO TRABALHADOR – CONFIGURAÇÃO. O dano moral individual caracteriza-se como lesão aos direitos da personalidade de um indivíduo a partir da prática de conduta ilícita culposa por outrem. Pode-se afirmar que os direitos da personalidade são direitos subjetivos, que têm por objeto os elementos que constituem a personalidade do seu titular, considerada em seus aspectos físico, moral e intelectual. São direitos inatos e permanentes, nascem com a pessoa e a acompanham durante toda sua existência, tendo como finalidade primordial a proteção das qualidades e dos atributos essenciais da pessoa humana, ou seja, são direitos mínimos que asseguram e resguardam a dignidade da pessoa humana. Os direitos da personalidade dividem-se com base nos critérios corpo, mente e espírito. Portanto, são classificados de acordo com a proteção à integridade física (corpo vivo, cadáver, voz), integridade intelectual e psíquica (liberdade, criações, intelectuais, privacidade e segredo) e identidade moral (honra, imagem, identidade pessoal). Em relação especificamente ao direito à integridade física, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (in Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral, vol. I, 11ª ed., Editora Saraiva, p. 155) prelecionam que o direito tutelado é – a higidez do ser humano no sentido mais amplo da expressão, mantendo-se, portanto, a incolumidade corpórea e intelectual, repelindo-se as lesões causadas ao funcionamento normal do corpo humano –. Trata-se, na verdade, de direito correlato ao direito à vida. A Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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gama de direitos da personalidade, examinada à luz do ambiente de trabalho, desenvolve no patrimônio jurídico do trabalhador o direito de se ativar em um ambiente de trabalho hígido em suas condições físicas e também no que atine ao bem-estar físico e psíquico daqueles que laboram. A manutenção de um ambiente de trabalho saudável e seguro é dever do empregador, que decorre do disposto nos arts. 7º, XXII, e XXIII, 200, VIII, e 225, § 3º, da Carta Constitucional. Cabe ao sujeito passivo da relação de emprego assegurar a higidez do ambiente de trabalho. Fixadas essas premissas, o caso concreto afigura-se como hipótese ensejadora de indenização por danos morais. Isso porque a sujeição do reclamante a jornadas de trabalho tão elastecidas e desgastantes, com turnos ininterruptos de revezamento, no desempenho das atividades de motorista de transporte coletivo de passageiros, sem necessidade urgente que justificasse essa prática adotada pela empresa-ré, atinge notadamente e diretamente a integridade física do empregado, visto que expõe o trabalhador a situações de extremo stress e fadiga física e mental, colocando, inclusive, em risco a sua vida, a dos passageiros e das pessoas que trafegam nas pistas e rodovias, além de não permitir ao trabalhador tempo necessário para o lazer e convívio familiar. Portanto, no caso dos autos, ao contrário do alegado pela reclamada, restou configurado o vilipêndio a direitos da personalidade do reclamante. Recurso de revista não conhecido. [...] RR – 404-71.2010.5.09.0019 Data de Julgamento: 17/04/2013, Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/04/2013.

2.3 Riscos decorrentes da organização do trabalho nociva A organização nociva do trabalho compromete a saúde física e mental do trabalhador e afeta o gosto pelo trabalho. A nocividade do meio ambiente laboral acompanha o trabalhador onde quer que ele esteja: em casa, em repousos, em férias. Ela impede que o trabalhador se desligue, impossibilita o direito à desconexão, retira-lhe a vontade de ir trabalhar, sonega-lhe o direito ao trabalho decente e digno. Organização do trabalho conforme Dejours (1992, p. 25) é “a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa (na medida em que ele deriva dela), o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidade, etc.” 2.3.1 Assédio moral Assédio moral no trabalho é definido por Hirigoyen (2005, p. 17) como: “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”. Caracteriza-se assédio moral toda conduta abusiva que ofenTrabalho Seguro


da de forma reiterada a dignidade do trabalhador. Pode materializar-se por perseguições, exigência de tarefas inúteis e/ou incompatíveis com a condição pessoal do trabalhador, ou ainda, submetê-lo ao ócio ou ao excesso de trabalho por meio de cobrança excessiva de metas. A alteração constante da meta com a finalidade obstar o pagamento de prêmio produção também constitui assédio moral. O assédio moral afeta a saúde física e mental do trabalhador e enseja o pagamento de indenização por dano moral pelo empregador, conforme reiterada jurisprudência: ASSÉDIO MORAL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. Tendo o reclamante ficado à margem das atividades do banco reclamado, sem atribuições profissionais, por cerca de cinco anos, resta claro a configuração de danos à sua integridade física e psíquica. Segundo as alegações do reclamante, corroboradas por testemunha, cujo depoimento foi transcrito no acórdão regional, – o reclamante ficava na salinha de cabeça baixa; que havia vários comentários entre as pessoas do setor que achavam muito estranha a situação do reclamante ali sem função e o setor sobrecarregado de serviço; [...]; que uma das coisas mais estranhas é que não via qualquer pessoa conversando com o reclamante a cerca do serviço ou dando ordens ao mesmo [...]-. Desse modo, o quantum indenizatório a título de danos morais diminuído pelo Tribunal Regional para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) escapa à razoabilidade. Assim, mister o restabelecimento do valor fixado na sentença em atenção às peculiaridades da espécie. Recurso de revista conhecido e provido. [...] RR – 9386.2012.5.03.0113 Data de Julgamento: 19/06/2013, Relatora: Ministra Delaíde Miranda Arantes, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/06/2013. ASSÉDIO MORAL. INDENIZAÇÃO. A ocorrência reiterada de ofensas pessoais e constrangimentos impingidos a trabalhadora pelo superior hierárquico levam à materialização da figura jurídica do assédio moral, ato ilícito que sujeita o empregador ao dever de reparação. Trata-se de violência laboral que torna o ambiente de trabalho hostil, comprometendo o bem estar físico e mental dos trabalhadores, agravado pelo fato de ser a trabalhadora detentora de garantia de emprego decorrente de acidente de trabalho. (Proc. nº 516230-2011.5.12.0034, 5ª Câmara - Rel. Des. Maria de Lourdes Leiria – Publicado no TRTSC/DOE em 17-06-2013). ASSÉDIO MORAL. CUMPRIMENTO DE META. COBRANÇA EXCESSIVA. Quando o empregador mantém vigilância acentuada e constante sobre o cumprimento de metas, cobradas diariamente e mediante o expediente de amedrontar, cuja conduta se repete na vigência do contrato de trabalho, está configurado o assédio moral, pois essa situação sobrecarrega e desestaRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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biliza o empregado, provocando a degradação do ambiente e, consequentemente, repercute na vida privada, na honra e na imagem. (Proc.: nº 000472452.2011.5.12.0018, 5ª Câmara, Rel. Des. Maria de Lourdes Leiria - Publicado no TRTSC/DOE em 11-12-2012).

Embora o direito de estabelecer metas de produção esteja inserido no poder diretivo do empregador, há limites constitucionais para o exercício desse direito. Há que ser respeitada a dignidade, a saúde e a segurança do trabalhador. O exercício abusivo do poder diretivo pode gerar danos à saúde do trabalhador. A Lei n. 12.436, de 06.7.11, veda a prática que estimule o aumento de velocidade pelo motociclista profissional, tais como:

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I – oferecer prêmios por cumprimento de metas por números de entregas ou prestação de serviço; II – prometer dispensa de pagamento ao consumidor, no caso de fornecimento de produto ou prestação de serviço fora do prazo ofertado para a sua entrega ou realização; III – estabelecer competição entre motociclistas, com o objetivo de elevar o número de entregas ou de prestação de serviço.

A violação sujeita o infrator a multa que varia de R$ 300,00 a R$ 3.000,00, aplicável no valor máximo em caso de reincidência ou emprego de artifício ou simulação. A Lei n. 12.619 de 30.4.12, que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista, introduziu regra semelhante na CLT. No art. 235G, proíbe que a remuneração do motorista seja vinculada à distância percorrida: Art. 235-G. É proibida a remuneração do motorista em função da distância percorrida, do tempo de viagem e/ou da natureza e quantidade de produtos transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou qualquer outro tipo de vantagem, se essa remuneração ou comissionamento comprometer a segurança rodoviária ou da coletividade ou possibilitar violação das normas da presente legislação.

Recente alteração na Lei nº 10.101/2000, que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa (PLR), introduzida pela Lei nº 12.832, de 20.6.2013, veda que sejam adotadas metas de produção capazes de afetar a saúde e segurança no trabalho. Após a alteração mencionada, não poderão ser estipuladas cláuTrabalho Seguro


sulas coletivas que de forma transversa atinjam a saúde ou segurança do trabalhador, a exemplo daquelas que garantem percentual integral da PLR desde que não haja acidentes do trabalho no período. De início, a cláusula parece favorável, mas conduz a omissão dos acidentes por pressão dos colegas de trabalho, a fim de que não sejam prejudicados quanto ao pagamento integral da verba. A atuação do Poder Legislativo visa melhorar as condições de trabalho e proteger a saúde e segurança dos trabalhadores estando em consonância com o disposto no art. 9º, da Convenção 155, da OIT. Elimina a exposição ao risco previsível de acidentes do trabalho, que decorre do abuso do poder diretivo e da busca desenfreada pelo lucro, visando harmonizar a relação capital e trabalho. 2.3.2 Gestão por injúria Gestão por injúria, conforme doutrina de Hirigoyen (2005, p. 28), consiste em “comportamento despótico de certos administradores, despreparados, que submetem os empregados a uma pressão terrível ou os tratam com violência, injuriando-os e insultando-os, com total falta de respeito”. Diversamente do assédio moral no qual o tratamento desumano é dirigido normalmente a determinado empregado, que é perseguido, discriminado e humilhado, muitas vezes de forma velada, na gestão por injúria o desrespeito, a ofensa à dignidade e humilhação é dirigida ao grupo, ou a determinadas pessoas, mas presenciado por todos, às vezes até por clientes do empregador. A gestão por injúria se materializa em forma de gritos, ofensas, palavras de baixo calão dirigidas a determinado empregado ou ao grupo. Enseja pagamento de indenização por dano moral, conforme assento na jurisprudência: INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. OFENSAS VERBAIS. GESTÃO POR INJÚRIA OU INJURIOSA. Caso em que o reclamante e seus colegas de trabalho eram expostos a situações constrangedoras, ofensivas à sua imagem e à sua honra, pois os seus superiores hierárquicos ofendiam verbalmente os empregados com xingamentos e palavras de baixo calão, tanto nas reuniões, quanto por ligações telefônicas. Caracterização da chamada gestão por injúria ou injuriosa, prática que fere a auto-estima e gera dano moral ao trabalhador, ensejando a devida reparação, na forma do arts. 5º, V e Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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X, da Constituição da República, e 186, 187 e 927 do Código Civil. Recurso da reclamada desprovido no aspecto. (TRT 4ª Região, 8ª Turma, Proc. RO 0000006-52.2011.5.04.0012, Redator Juiz Wilson Carvalho Dias, julgamento: 19.7.12) [...]ABUSO DO PODER DIRETIVO. GESTÃO POR INJÚRIA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. Constitui abuso do poder diretivo e gestão por injúria a cobrança de metas de forma ofensiva através de vídeo no qual os trabalhadores são chamados de “fracassados”, “bola murcha” e de “porcos”. (Proc.: nº 0003100-60.2010.5.12.0031, 5ª Câmara, Rel. Des. Maria de Lourdes Leiria – Publicado no TRTSC/DOE, em 11-10-2011).

A gestão por injúria torna o ambiente de trabalho hostil, tanto quanto o assédio moral, atinge a dignidade do trabalhador e afeta sua saúde física e mental, além de favorecer a ocorrência de acidentes de trabalho em virtude do abalo causado ao estado emocional do trabalhador, que compromete sua concentração. 130

2.3.3 Assédio Sexual Assédio sexual é todo comportamento de natureza sexual, inoportuno ou não desejado, praticado por qualquer meio, de forma reiterada, por pessoa de igual ou distinto sexo, no local de trabalho ou em relação ao trabalho, tornando o ambiente de trabalho hostil e humilhante para a vítima. O assédio sexual afeta a saúde física e mental da vítima, podendo conduzi-la ao suicídio. Constitui agente causador de doença do trabalho, equiparável ao acidente de trabalho. A violência sexual no local de trabalho, denominada assédio sexual conduz ao medo, vergonha, tristeza, humilhação, isolamento, insegurança, fere a autoestima e causa danos psicológicos aos trabalhadores, podendo chegar ao quadro de depressão. Os empregados assediados sexualmente estão constantemente atemorizados de sofrerem a violência, de serem discriminados, de perderem o respeito frente à família e à sociedade e o emprego. (LEIRIA, 2012, p. 150)

A vítima de assédio sexual está mais propensa a sofrer acidentes de trabalho e a ser acometida de doenças decorrentes do meio ambiente laboral nocivo. O medo e a insegurança quanto à sua integridade física a expõe à ansiedade, conforme doutrina Dejours (1992, p. 78): Ansiedade relativa à degradação do organismo: [...] forma de ansiedade (que) resulta do risco que paira sobre a saúde física. As más condições de trabalho Trabalho Seguro


colocam o corpo em perigo de duas maneiras: risco de acidente de caráter súbito e de grave amplitude (queimaduras, ferimentos, fraturas, morte), doenças profissionais ou de caráter profissional, aumento do índice de morbidade, diminuição do período de vida, doenças “psicossomáticas”. Dissemos anteriormente que nas condições de trabalho é o corpo que recebe o impacto, enquanto que na organização do trabalho o alvo é o funcionamento mental. Precisamos acrescentar ainda que as más condições de trabalho não somente trazem prejuízos para o corpo, como também para o espírito. É de natureza mental a ansiedade resultante das ameaças à integridade física. A ansiedade é a seqüela psíquica do risco que a nocividade das condições de trabalho impõe ao corpo.

A saúde física da vítima de assédio sexual pode ser afetada com dor de cabeça, pescoço, tensão muscular decorrente de temor e insegurança, distúrbios gastroduodenais e hipertensão, distúrbios do sono, alimentares, problemas cardíacos, enxaqueca, entre outros. Não é possível descrever e limitar as enfermidades que podem ter origem no assédio sexual, pois podem permanecer latentes por um longo período e se manifestar quando o organismo da vítima estiver débil. A manifestação da enfermidade está diretamente relacionada com a capacidade de resistência do organismo da vítima. (LEIRIA, 2012, p. 155)

2.4 Riscos decorrentes das condições de trabalho nocivas As condições de trabalho incluem aspectos relacionados aos equipamentos de segurança, ao mobiliário, à manutenção do maquinário, ao levantamento, transporte e descarga de materiais e às condições ambientais do posto de trabalho. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE TRABALHO. PROVA DA PRÁTICA DE ATO ILÍCITO PELO EMPREGADOR E EXERCÍCIO DE ATIVIDADE DE RISCO – ELETRICISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, MATERIAL E ESTÉTICO. Incontroverso a ocorrência do acidente, do dano e do nexo de causalidade entre a lesão e o acidente sofrido. Afastada qualquer responsabilidade do autor pelo infortúnio. Inconteste que as providências tomadas pela primeira ré (CERVALE) para evitar o acidente de trabalho não se mostraram suficientes à elisão dos riscos aos quais o autor estava exposto; que não atendeu a recomendação da CELESC quanto ao uso do equipamento completo, ficando comprovado que não foram adotados equipamentos de proteção eficazes para a integral neutralização dos riscos. Restando configurada a prática de ato ilícito pelo empregador, que incapacitou o autor para qualquer atividade Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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que lhe exija o uso das mãos. O dever de indenizar decorre ainda da atividade de eletricista. O fato de expor o trabalhador a risco acima do que pode ser considerado razoável no trabalho subordinado, atrai a responsabilidade objetiva. Valor das indenizações. As indenizações devem representar para o empregador encargo maior do que aquele que despenderia com a segurança no ambiente de trabalho e medidas para eliminar acidentes. Devem combater o descaso com a vida dos trabalhadores, e proporcionar um ambiente de trabalho seguro, obstando que técnicos em segurança do trabalho emitam pareceres endossados por diretores, no sentido de não haver necessidade de implementar novas medidas preventivas, por se tratar de acidente “atípico”. Ao contrário, as estatísticas de acidente de trabalho continuarão aumentando e o reclamante será apenas mais um número no Anuário Estatístico da Previdência Social. (Proc. nº 02058-2009-011-12-00-2, 5ª Câmara, Des. Maria de Lourdes Leiria – Publicado no TRTSC/DOE em 01-09-2011).

3 Custos dos acidentes e enfermidades do trabalho

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Os acidentes e enfermidades laborais decorrentes da insegurança no meio ambiente de trabalho e da imprevidência do empregador geram sofrimento ao trabalhador, que tem comprometida sua integridade física, com reflexos na vida familiar e social. Falar em custos decorrentes das condições e meio ambiente de trabalho nocivos significa avaliar os investimentos feitos em segurança e saúde do trabalhador, a economia decorrente dos investimentos feitos em oposição às perdas e despesas decorrentes das más condições de trabalho e da falta daqueles investimentos, assim como das perdas decorrentes dos acidentes e doenças decorrentes do trabalho. Devem ser avaliados os custos para o trabalhador, para a família da vítima, para as empresas, para a sociedade, para os cofres públicos, nesses incluído o Poder Judiciário e a Previdência Social, e para o desenvolvimento do país. Acidentes e enfermidades do trabalho geram custos altíssimos, muitas vezes irreparáveis, quando representados por vidas de trabalhadores. A OIT (2005) estima que os custos econômicos decorrentes das enfermidades laborais e acidentes de trabalho alcance 4% do PIB mundial anual. A prevenção gera desenvolvimento e economia de vidas e de dinheiro. Imprescindível que se considere paralelamente ao custo quantificado, o inumerável e intangível custo humano representado pelos aciTrabalho Seguro


dentes e doenças do trabalho, suportados pelo trabalhador, familiares e amigos (LEIRIA, 2012, p. 135). 3.1 Custos para o trabalhador e familiares O trabalhador é a maior vítima da insegurança no local de trabalho, suporta-a com seu maior bem, a vida. Não raro é responsabilizado pelo acidente ou despedido tão logo o empregador tome conhecimento de que está acometido de doença ocupacional. As perdas do trabalhador podem ser classificadas em: a) sofrimento físico e moral; b) gastos de transporte para deslocamento ao serviço de saúde; c) redução ou perda da capacidade física em virtude de sequelas; d) redução ou perda da capacidade laboral; e) redução da capacidade econômica por perda de adicionais salariais; f) discriminação no mercado de trabalho; g) segregação social, condutas antissociais; h) sofrimento psicológico; i) gastos com aquisição de material complementar ao tratamento; j) redução de suas expectativas de desenvolvimento pessoal; k) redução de sua qualidade de vida e esperança no futuro; l) redução das expectativas de desenvolvimento dos membros da família que dependem do trabalhador; m) redução da renda familiar; n) morte prematura; o) desequilíbrio e alteração da dinâmica familiar. 3.2 Custos para as empresas Mário Ackerman (2007, p. 65) distingue entre o dever de prevenção dos riscos laborais e a obrigação quanto à segurança no local de Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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trabalho, que devem ser observados pelo empregador: Deber de prevención – concepto: obligación de desarrollar las acciones necesarias para eliminar o evitar las situaciones laborales que supongan una amenaza a la salud de las personas que trabajan o de terceros. Obligación de seguridad – concepto: obligación del empleador de adoptar las medidas necesarias para tutelar la integridad psicofísica del trabajador12.

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O bem jurídico tutelado com o dever de prevenção é a comunidade social e o objetivo é a prevenção aos riscos criados pelo meio ambiente do trabalho; o descumprimento gera sanções administrativas e penais de iniciativa da autoridade pública e eventual responsabilidade civil por dano a terceiro. A obrigação de proporcionar segurança no local de trabalho tutela o trabalhador objetivamente e o objetivo é a segurança física e psíquica da pessoa do trabalhador; o descumprimento possibilita a inexecução do contrato e a responsabilidade civil por danos morais e materiais por iniciativa do trabalhador (ACKERMAN, 2007, p. 65-67). Os custos decorrentes de acidentes e enfermidades do trabalho suportados pelas empresas podem ser divididos em custos diretos e indiretos. 3.2.1 Custos diretos Nos custos diretos estão incluídos os valores despendidos em prevenção e segurança, tais como: a) os investimentos em matéria de higiene, segurança e medicina do trabalho, para prevenção dos riscos laborais; b) custeio de serviços especializados em engenharia de segurança e em medicina do trabalho; c) despesas com elaboração de Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA e Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO; 12. Dever de prevenção – conceito: obrigação de desenvolver ações necessárias para eliminar ou evitar as situação laborais que suponham uma ameaça à saúde das pessoas que trabalham ou de terceiros. Obrigação de segurança – conceito: obrigação de o empregador adotar as medidas necessárias para tutelar a integridade física e psíquica do trabalhador. (tradução nossa) Trabalho Seguro


d) custeio de Seguro de Acidente de Trabalho – SAT; e) aquisição de Equipamentos de Proteção Individual – EPIs; f) investimento em proteção contra incêndio; brigadas internas; g) elaboração de laudos ambientais; h) cursos de treinamento e capacitação; i) exames de saúde dos trabalhadores; j) e todo investimento necessário para que o meio ambiente de trabalho seja seguro e não ponha em risco a saúde do trabalhador, variável conforme a atividade empresarial. Maquinários, equipamentos e ambiente de trabalho adequados ao processo de produção aumentam a produtividade, melhoram a qualidade e reduzem os riscos em matéria de saúde e segurança no trabalho. Quanto melhor for o investimento em segurança e higiene do local de trabalho de forma a proporcionar meio ambiente de trabalho em conformidade com as normas de proteção à saúde e bem estar dos trabalhadores, maior será o nível de segurança e menores serão os custos indiretos. É de ressaltar que os custos com o SAT estão relacionados ao número e a gravidade dos acidentes sofridos pelos trabalhadores, poderão ser majorados ou reduzidos conforme a frequência e natureza daqueles. A redução do número de acidentes e doenças decorrentes do trabalho conduz a diminuição das despesas com assistência médica no local de trabalho, com adicionais por atividades mais desgastantes e perigosas, com equipamentos de proteção individual, com apólices de seguro e demandas judiciais. 3.2.2 Custos indiretos Os custos indiretos correspondem às perdas econômicas suportadas pelas empresas em virtude das enfermidades ou acidentes do trabalho, a saber: a) jornadas laborais perdidas; Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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b) salários pagos ao trabalhador afastado até que ingresse no benefício previdenciário; c) tempo dedicado aos primeiros socorros e assistência médica; d) tempo destinado a notificação do acidente e despesas administrativas; e) tempo gasto na investigação das causas do acidente; f) lucro cessante em relação ao maquinário danificado; g) reposição de bens ou material deteriorado; h) danos causados às instalações, maquinário, equipamentos e ferramentas; i) interrupção no ritmo do processo de produção; j) perda de produtos e matéria prima em decorrência do acidente; k) multas e perda de mercado por descumprimento de prazos; 136

l) pagamento de horas extras para atender à produção do trabalhador ausente; m) contratação de pessoal qualificado para substituir o acidentado ou enfermo; n) capacitação de novo trabalhador para o lugar do licenciado; o) queda na produção até que o novo trabalhador adquira experiência; p) menor rendimento do lesionado, quando retorna ao trabalho com sequelas; q) queda nas vendas face à redução da produção; r) mácula ao nome e imagem corporativa frente aos clientes; s) gastos com demandas judiciais e indenizações por danos causados ao trabalhador e ao meio ambiente; t) custos com ressarcimento à Previdência Social das prestações sociais decorrentes de acidentes de trabalho cuja culpa foi atribuída ao empregador13; 13. São encaminhadas à Procuradoria Geral Federal (PGF) cópias de sentenças e/ou acórTrabalho Seguro


u) despesas com adicionais de risco, de insalubridade e periculosidade; v) toda e qualquer despesa que tenha origem no acidente ou enfermidade decorrente do trabalho. Nem todas as despesas oriundas de enfermidades e acidente do trabalho têm cobertura completa por seguro. Muitas devem ser suportadas pela empresa, ainda que tenha despendido um grande valor em seguro acidente. Deve ser registrado, ainda, que o elevado número de acidentes, além de adicionar custos altos com seguros e contratações especializadas, torna o empreendimento menos competitivo no mercado e, ainda, classifica a atividade empresarial como atividade de risco. Situação que responsabiliza o empregador de forma objetiva pelos acidentes de trabalho ocorridos, conforme têm decido os tribunais: ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. 1. O novo Código Civil Brasileiro manteve, como regra, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, calcada na culpa. Inovando, porém, em relação ao Código Civil de 1916, ampliou as hipóteses de responsabilidade civil objetiva, acrescendo aquela fundada no risco da atividade empresarial, consoante previsão inserta no parágrafo único do artigo 927. Tal acréscimo apenas veio a coroar o entendimento de que os danos sofridos pelo trabalhador decorrentes de acidente do trabalho conduzem à responsabilidade objetiva do empregador. 2. Na presente hipótese, diante do exercício de atividade de risco pelo obreiro acidentado, qual seja, a atividade de motoboy, tem-se caracterizada circunstância apta a ensejar a responsabilidade objetiva do empregador. 3. Agravo de instrumento a que se nega provimento. Processo: AIRR - 532-32.2011.5.08.0004. Data de Julgamento: 27/02/2013, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/03/2013.

3.3 Custos para os cofres públicos As enfermidades e acidentes do trabalho demandam um custo altíssimo aos cofres públicos, verbas que poderiam render maior benefício à sociedade. São os custos da imprevidência e insegurança no meio dãos que reconheçam conduta culposa do empregador em acidente de trabalho, a fim possibilitar o ajuizamento de ação regressiva, nos termos do art. 120 da Lei nº 8.213/91. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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ambiente do trabalho. 3.3.1 Custos para a Previdência Social

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Representam as despesas suportadas pelo Órgão Previdenciário com prestações médicas e econômicas para atender ao trabalhador lesionado ou dependentes, esses na ocorrência de acidentes fatais. Os custos podem ser exemplificados como: ––custos com atendimentos médicos de urgência, hospitalização, cirurgia, consultas, tratamento e reabilitação; ––custos com perícias para avaliação do paciente e identificação de sequelas para a estipulação de prestações econômicas; ––despesas jurídicas com demandas que objetivam a majoração das prestações econômicas; ––custos com prestações econômicas pagas ao trabalhador ou dependentes, auxílios doença e acidente, aposentadorias por invalidez e pensões por morte; ––comprometimento dos recursos disponíveis para atender demais problemas de saúde da sociedade. A Previdência Social14 gastou, no ano de 2011, o valor de R$ 323,3 milhões em benefícios decorrentes de acidentes e enfermidades laborais. Houve acréscimo de R$ 17 milhões em relação aos valores pagos no ano de 2010. A esses custos devem ser acrescidos os custos operacionais da Previdência Social, com pessoal, material, médicos, medicamentos, equipamentos, leitos etc. Esses gastos poderiam ser evitados em sua grande maioria, com maior comprometimento e responsabilidade por parte dos empregadores com a saúde do trabalhador, higiene e segurança no meio ambiente do trabalho. 3.3.2 Custos para o Poder Judiciário A cada ano aumenta o número de ações em que trabalhadores ou dependentes buscam reparação decorrente de acidente de trabalho 14. Dados pormenorizados podem ser consultados no Anuário Estatístico da Previdência Social de 2011, disponível no site: <http://www.mps.gov.br/conteudoDinamico.php?id=423> (acesso em 08.08.2013). Trabalho Seguro


na Justiça do Trabalho. No Tribunal da 12ª Região, no período de 2010 a julho de 2013, foram propostas 20.32215 ações buscando reparações por dano moral ou material decorrentes de acidentes de trabalho. Os números não expressam a totalidade das ações que buscam reparação por acidente do trabalho visto que o cadastramento é feito pela parte e muitas são registradas como ações indenizatórias comuns. Também não estão incluídos nesses números os processos que tramitam pelo Processo Judicial Eletrônico (PJe), visto que não há ferramenta para apurar esses dados até o momento. Considerando-se que o custo de cada processo em Santa Catarina é de R$ 4.368,10, valor obtido junto ao CNJ, as ações decorrentes de acidentes de trabalho representaram no período de três anos o custo exorbitante para o Poder Judiciário (União) de R$ 88.768.000,0016 (oitenta e oito milhões, setecentos e sessenta e oito mil reais). Há que se registrar que o valor do processo é calculado pela média e que as ações decorrentes de acidente de trabalho têm maior complexidade e custos, demandam a elaboração de várias perícias, audiências e recursos e gozam de tramitação preferencial17, o que as tornam mais onerosas ao Poder Judiciário em comparação com ações que buscam outros direitos trabalhistas. 3.4 Custos para a sociedade e desenvolvimento do país A sociedade sofre os efeitos econômicos secundários da violação das normas de saúde e segurança no trabalho e suas sequelas: a) diminuição da produtividade nas empresas, a recessão, desemprego; b) redução de mão de obra produtiva em decorrência de incapacidade gerada pelas enfermidades e acidentes do trabalho;

15. Ações decorrentes de acidente de trabalho: 5.034 (2010), 5.960 (2011), 6.201 (2012) e 3.127 (até julho de 2013), dados colhidos nas estatísticas no TRT 12. 16. Número de ações do período: 20.322 (estatística do TRT 12) x R$ 4.368,10 (valor de cada processo) = R$ 88.768.568,20. 17. Recomendação conjunta nº 1/GP.CGJT, de 3 de maio de 2011, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, TST, recomenda prioridade na tramitação e julgamento das reclamações trabalhistas relativas a acidente de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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c) discriminação laboral d) diminuição do Produto Interno Bruto (PIB); e) a redução das contribuições fiscais individuais; f) a redução das contribuições fiscais das empresas; g) aumento de repasse de recursos do orçamento para a Previdência Social. O impacto social decorrente da insegurança no local de trabalho ultrapassa a esfera pessoal e familiar do trabalhador, compromete o progresso das empresas, da sociedade e o desenvolvimento econômico do país.

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4 Conclusão O cumprimento das normas relativas à saúde e segurança no trabalho constitui dever legal do empregador que decorre do disposto nos arts. 7º, XXII, e XXIII, 200, VIII, e 225, § 3º, da Constituição Federal. As enfermidades e acidentes do trabalho produzem impacto social que transcende o âmbito pessoal e familiar do trabalhador, comprometem o desenvolvimento das empresas, da sociedade e o desenvolvimento econômico do país. A perda da saúde e da capacidade produtiva do trabalhador gera efeitos nocivos, em primeiro lugar, na célula familiar e se expande até comprometer o desenvolvimento do país, que além de não poder contar com a contribuição do trabalhador em sua melhor idade produtiva, terá que custear sua mantença ou de seus dependentes na ocorrência de acidente fatal. Apenas com a adoção de medidas preventivas eficazes representadas por investimentos em melhoria das condições de trabalho, em segurança, higiene e saúde do trabalhador, aliada a informação e capacitação dos dirigentes e trabalhadores, será revertido o lamentável número de enfermidades e acidentes do trabalho ocorridos no país, que ceifam milhares de trabalhadores a cada ano. O nível de segurança no local de trabalho e a redução dos custos decorrentes de enfermidades e acidentes de trabalho estão diretamente relacionados com os investimentos feitos em segurança, higiene e saúde do trabalhador. As empresas devem adotar sistema de gestão de segurança e saúde no trabalho. A adoção de política organizacional em matéria de saúde Trabalho Seguro


e segurança no trabalho pressupõe elaboração de planejamento estratégico para execução de um plano de desenvolvimento, com objetivos e metas a serem seguidos para melhorar os níveis de segurança e saúde dos trabalhadores. Devem ser identificados os problemas e propostas soluções e investimentos a fim de eliminar os riscos laborais. É imprescindível que haja um sistema preventivo, educativo e corretivo em matéria de segurança e saúde no trabalho, seguido de avaliação constante dos resultados obtidos com as medidas adotadas e dos pontos que podem ser melhorados. Ao desfrutarem de meio ambiente de trabalho seguro, os trabalhadores terão maior comprometimento com as normas de segurança e maior motivação para o trabalho, gerando reflexos quantitativos e qualitativos na produção. É essencial que as entidades sindicais atuem informando e conscientizando as categorias dos riscos da atividade exercida e da importância do uso dos equipamentos de proteção e segurança. Quanto maior for a consciência dos trabalhadores sobre os riscos de sua atividade, maior será sua atenção e observância às normas de segurança, contribuindo para a redução do número de acidentes do trabalho e preservando vidas. 4 Referências ACKERMAN, Mario Eduardo. Tratado de derecho del trabajo. Riesgos del trabajo: obligación de seguridad: accidentes y enfermedades inculpables. V.6, 1.ed Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2007. DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho. 5.ed. Tr. Ana Isabel Paraguay e Lúcia Leal Ferreira. São Paulo: Cortez, 1992. HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho. Redefinindo o assédio moral. Tr. Rejane Janowitzer. 2.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. LEIRIA. Maria de Lourdes. Trabalho infantil: a chaga que marca várias gerações. Revista LTr, São Paulo, v. 74, n. 9, p. 1.076-1.097, set. 2010. _____. Assédio sexual laboral, agente causador de doenças do trabalho: reflexos na saúde do trabalhador. LTr, São Paulo, 2012. OIT. Trabajo peligroso. Disponível em: <http://www.ilo.org/ipec/ facts/WorstFormsofChildLabour/Hazardouschildlabour/lang--es/inRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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dex.htm>. Acesso: 08.8.2013. _____. Marco de promoción en el âmbito de la seguridad y la salud en el trabajo. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc93/pdf/rep-iv-1.pdf>. Acesso: 13.8.2013. Suíça, 2005. _____. 21 millones de personas son víctimas de trabajo forzoso. 2012. Disponível em: <http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/WCMS_181993/lang--es/index.htm>. Acesso: 11.8.2013.

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Doze horas de agonia: Um século depois, a morte da jornada de oito horas Oscar Krost1 Almiro Eduardo de Almeida2 Valdete Souto Severo3 Resumo: o presente trabalho tem por objetivo examinar de modo crítico determinadas disposições da Lei nº 12.619/2012, regulamentadora da profissão de “motorista”, confrontando-as com as demais normas do direito do trabalho atinentes à jornada. Palavras-chave: jornada; direitos fundamentais; proibição do retrocesso social; Lei n. 12.619. Sumário Introdução. 1. A fundamentalidade da jornada: por que limitar as horas de trabalho? 2. A Lei nº 12.619 e a agonia da jornada de oito horas. 2.1. Aspectos positivos da nova legislação: existe algum? 2.2. Aspectos negativos da nova legislação. 3. Proibição de retrocesso social: onde iremos parar? Conclusões. Referências bibliográficas.

1 Introdução Terminada a Primeira Guerra Mundial, é criada a Organização Internacional do Trabalho. Seu objetivo principal é, pela proteção ao trabalho, buscar a paz social. Sua premissa: trabalho não é mercadoria. Os países estavam destruídos em razão da guerra. Precisavam recuperar-se econômica e socialmente. A saída, que ao mundo ocidental se apresentou como a única viável, foi a constituição de um organismo 1. Juiz do Trabalho do TRT da 12ª Região/SC. 2. Juiz do Trabalho da 4ª Região/RS e mestre em Direitos Sociais e Políticas Públicas pela UNISC. 3. Juíza do Trabalho da 4ª Região/RS, mestre em Direitos Fundamentais pela PUC/RS e doutoranda em Direito do Trabalho pela USP. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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internacional que criasse parâmetros mínimos de proteção a quem trabalha. Para tanto, em meio a Conferência de Paz que selou oficialmente o fim do conflito armado, em 1919, foi aprovado o Tratado de Versalhes, no qual restou prevista a criação de um organismo internacional permanente e vinculado à Sociedade das Nações – antecessora da Organização das Nações Unidas – ONU – com o objetivo de estudar a regulamentação internacional do trabalho e de criar um sistema normativo com patamares comuns a todos os países, em caráter transnacional. Nasceu, então, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, com sede em Genebra, na Suíça, marcada como maior inovação à representação paritária entre entidades governamentais, patronais e operárias, na proporção de 2 x 1 x 1, podendo aprovar convenções e recomendações, cuja aplicação a cada Estado nacional estaria sujeita à ratificação própria.4 Em sua primeira convenção, a Organização Internacional do Trabalho – OIT fixou a jornada de oito horas. De lá para cá, evoluímos muito em relação à noção de direito do trabalho que construímos. A doutrina vem reconhecendo, cada vez com mais ênfase, o caráter social e fundamental de que se reveste esse direito. Fundamentalidade que, inclusive, encontra previsão expressa na Constituição brasileira de 1988 (capítulo II, do título II da Constituição). O próprio TST vem modificando alguns posicionamentos para reconhecer o alcance de proteção de normas jurídicas tais como a que garante emprego à trabalhadora gestante (Súmula n. 244, do TST, modificada em setembro/2012).5 4. In SÜSSEKIND, Arnaldo. Et al. Instituições de direito do trabalho. 22.ed. atual. por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho – São Paulo: LTr, 2005, v. II, p. 1.541. 5. Súmula n. 244, do TST. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III, alterada na sessão do Tribunal Pleno, realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b", do ADCT). II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado. Item III – Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de Trabalho Seguro


A jornada, porém, e as regras que regulam a troca de tempo de vida por remuneração, continuam merecendo pouca atenção. São alvo de uma ação insistente e corrosiva, tanto da jurisprudência quanto de recentes alterações legislativas flagrantemente precarizantes. A chamada “lei dos motoristas”, editada por um governo que se declara de esquerda e que historicamente tem compromisso com a classe trabalhadora, é um triste exemplo dessa realidade. A inconstitucionalidade das regras contidas nessa lei assustam. Assusta ainda mais, o silêncio eloquente da doutrina. Não é recente o movimento jurisprudencial e legislativo de desmanche do direito constitucional à jornada de oito horas. A Lei nº 9.601/98, que alterou o art. 59, da CLT, criando o denominado “banco de horas”, e bem assim a Súmula n. 338, do TST6 são dois exemplos emblemáticos do que estamos denunciando. Neste artigo, examinaremos alguns dispositivos da Lei nº 12.619/2012, como pano de fundo para a crítica que pretendemos formular a esse covarde processo de destruição do direito à jornada de oito horas. 2. A Fundamentalidade da Jornada: por que limitar as horas de trabalho? A provocação contida no título deste artigo não é gratuita. O direito à jornada de oito horas, conquista dos trabalhadores em praticamente todos os países ocidentais capitalistas, há várias décadas, vem soadmissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa. (ex-OJ nº 196, da SBDI-1 - inserida em 08-11-2000). 6. Súmula n. 338, do TST. JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as orientações, jurisprudenciais nºs 234 e 306 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25-04-2005. I – É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. II – A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. III – Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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frendo ataques sucessivos, tornando-se verdadeira quimera. Hoje, é bem mais difícil encontrarmos alguém que trabalhe apenas oito horas por dia. A regra se inverteu. Realizar horas extras é algo natural. Extrapolar a jornada e sequer receber pelas horas extraordinárias vem se tornando comum. E tudo com a chancela do Poder Judiciário trabalhista, cujas súmulas se avolumam, tratando a limitação da jornada como uma regra à disposição do Estado e do indivíduo. Parece haver uma verdadeira amnésia coletiva. Esquecemos porque a jornada está fixada em oito horas em nossa Constituição. Como já dissemos em outra obra, a jornada constitui tempo que o trabalhador dedica à realização de sua atividade laborativa. É de tempo, portanto, que estamos tratando. Tempo de vida: elemento crucial à vida humana7. A regulação do tempo de trabalho importa não apenas ao trabalhador, mas à empresa, à sociedade e ao próprio sistema capitalista de produção. Uma pessoa sem tempo para atividades de lazer, que não consegue acompanhar o crescimento dos filhos, participar de eventos sociais, estudar ou simplesmente descansar, não tem qualidade de vida. Algumas (poucas) decisões de vanguarda vêm inclusive reconhecendo o dano à própria existência, em razão do exercício da atividade laboral por praticamente todo o período do dia em que o trabalhador permanece acordado. Nesse sentido: DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho, em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que traduzem decisão jurídico-objetiva de valor de nossa Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, do qual constitui projeção o direito ao desenvolvimento profissional, situação 7. SEVERO, Valdete Souto. Crise de paradigma no direito do trabalho moderno: Jornada. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2009. Trabalho Seguro


que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso provido8.

A empresa tem na limitação da jornada não apenas um elemento de garantia de renovação da força de trabalho, como também a possibilidade de que os trabalhadores, além de produzir, consumam as mercadorias e serviços oferecidos. Quem trabalha por doze ou quatorze horas, muitas vezes sem folga semanal, não tem tempo nem disposição para consumir. A sociedade, por sua vez, paga o preço do desgaste físico e psíquico de um número cada vez mais expressivo de trabalhadores. Essa é, inclusive, a razão pela qual as primeiras regras trabalhistas são, em realidade, regras de natureza previdenciária: a necessidade de resposta social à grande massa de trabalhadores mutilados e exauridos. No século XIX, essa era uma preocupação vital à própria manutenção do Estado capitalista. Dar conta dos trabalhadores que, sujeitos a jornadas extensas, tinham pouco tempo de “vida útil” e precisavam, de algum modo, sobreviver quando já não mais “serviam” para o trabalho9. A limitação da jornada é, portanto, também indispensável à manutenção do sistema capitalista. Com regras claras de limitação de jornada, regula-se até mesmo a concorrência entre empresas, evitando o que hoje a jurisprudência e a doutrina trabalhistas vêm denominando dumping social10. 8. TRT da 4ª Região, 1ª turma, processo no 0001137-93.2010.5.04.0013, redator: des. fed. do trabalho José Felipe Ledur, publicado em 16-5-2012. Disponível em: <http://gsa3.trt4.jus.br/ search?q=cache:cXGhd3twziUJ:iframe.trt4.jus.br/nj4_jurisp/jurispnovo.ExibirDocumentoJ urisprudencia%3FpCodAndamento%3D41991603+inmeta:DATA_DOCUMENTO:201105-18..2013-05-18+DANO+EXISTENCIAL.+JORNADA+EXTRA+EXCEDENTE+D O+LIMITE+LEGAL+DE+TOLERÂNCIA.+DIREITOS+FUNDAMENTAIS++&clie nt=jurisp&site=jurisp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_ pt&access=p&oe=UTF-8>. Acesso em: 18-5-2013. 9. BARBAGELATA, Hector-Hugo. Curso sobre la evolucion del pensamiento juslaboralista. Montevideo: Fundacion de Cultura Universitária, 2011. 10. Há ementa aprovada na Primeira Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho realizada no TST em 2007, em convênio com a ANAMATRA, cuja redação é: “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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A exploração de força de trabalho de forma desmedida foi um dos fatores a gerar uma das primeiras grandes crises do sistema, ainda no século XIX. A necessidade de regular a economia e, especialmente, a concorrência entre empresas de diferentes países, foi um dos argumentos a justificar a criação da OIT, em 1919. Contudo, a fixação de um limite máximo diário de jornada a ser observado não se tratou de mera concessão do patronato, consagrando uma das maiores conquistas dos trabalhadores, em bandeira erguida ainda no curso do século XIX. Tal marco histórico pode ser sintetizado pelo lema “08 horas de trabalho, 08 de repouso e 08 de educação”, criado em meio a uma das greves realizadas em Chicago – EUA, ainda em 1886, na qual o objetivo dos manifestantes não foi atingido. Como resultado, dezenas de mortes, sendo os líderes do movimento condenados à forca ou à prisão em vereditos anulados por diversos vícios processuais, apenas em 189211. O preâmbulo da Constituição da OIT, com a redação que lhe foi dada pela Declaração da Filadélfia, em 1944, faz um belo resumo das razões de fundamentalidade da limitação da jornada, que estamos elencando: Considerando que a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a justiça social; Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão de obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as moléstias graves ou prosocial”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, “d”, e 832, § 1º, da CLT.” Há, também, obra recentemente publicada sobre o tema: SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MOREIRA, Ranulio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2012. 11. Sobre o tema ver GIL, Rosângela; GIANOTTI, Vito. 1º de Maio: dois séculos de lutas operárias. Rio de Janeiro: Núcleos Piratininga de Comunicação/Cadernos de Formação, 2005, p. 09. Trabalho Seguro


fissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio “para igual trabalho, mesmo salário”, à afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas; Considerando que a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios. As altas partes contratantes, movidas por sentimentos de justiça e humanidade e pelo desejo de assegurar uma paz mundial duradoura, visando os fins enunciados neste preâmbulo, aprovam a presente Constituição da Organização Internacional do Trabalho12.

No Brasil, a fundamentalidade reconhecida em âmbito internacional não é apenas material. É também formal. A Constituição de 1988 preconiza, já no artigo primeiro, que os valores sociais do trabalho constituem fundamento da República, ao lado da dignidade da pessoa humana. Insere os direitos trabalhistas no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, a ponto de Ingo Sarlet afirmar que, “pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a merecida relevância”. Em seu art. 7o, reconhece o direito fundamental à jornada de oito horas, sem permitir que lei inferior excepcione tal limte13. Por fim, condiciona a ordem econômica à finalidade social14. Dita observação alcança ainda maior pertinência, se considerado o recente histórico dos direitos trabalhistas no Brasil, em sede constitucional. Na Constituição anterior, de 1967, com as alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 01/1969, embora os direitos trabalhistas 12. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/ doc/constituicao_oit_538.pdf>. Acesso em: 18-5-2013. 13. A Constituição anterior, de 1967, estabelecia a possibilidade de exceção à regra geral de oito horas de jornada, inclusive por lei (art. 158, inciso VI – duração diária do trabalho não excedente de oito horas, com intervalo para descanso, salvo casos especialmente previstos). Esse era inclusive o argumento utilizado por muitos autores, para justificar regras como a do art. 62, da CLT. Tal possibilidade, porém, não foi reproduzida na ordem constitucional vigente. Parece-nos clara a opção do constituinte em 1988, de garantir a jornada de oito horas evitando, inclusive, eventual atuação erosiva do legislador infraconstitucional e, com isso, deixando de recepcionar regras como a do já citado artigo 62, da CLT. 14 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. (grifamos) Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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fossem ali positivados, possuindo status material de direitos fundamentais, assim não o eram no plano formal, por se encontrarem previstos no capítulo relativo à ordem econômica e social, como mero elemento da produção.15 Nesse sentido, nos posicionamos na obra antes citada, ressaltando a redação expressa da norma constitucional e sua incompatibilidade, por exemplo, com as disposições do art. 62, da CLT, que “simplesmente nega o direito constitucional às horas extras, àqueles que supostamente trabalham sem controle de horário. Note-se que a nova ordem constitucional reconhece como direito humano fundamental a jornada de oito horas e não comporta exceções. Garante, também, o direito ao pagamento de adicional de horas extras, sem qualquer exceção”16. Lá defendeu-se, e aqui sublinhamos, que a partir de 1988 não é mais razoável pensar em algum trabalho subordinado sem limitação legal ou permitir jornadas superiores a oito horas, sob pena de reconhecer que a Constituição não é aplicável a determinados trabalhadores, invertendo “de modo absoluto a lógica do constitucionalismo que justifica nossa organização social como Estado Democrático e de Direito”17: Em um país democrático fundado em uma constituição social como a nossa, o ordenamento jurídico deve se adequar às normas e princípios estabelecidos no pacto social. Por isso, a doutrina constitucional já superou a teoria acerca da existência de normas programáticas na constituição de um país democrático. As normas que orientam a organização jurídica de determinada comunidade, em certo período histórico, são – por sua própria natureza de pacto social – imediata e plenamente aplicáveis. Podem, apenas, ser balizadas por legislações infraconstitucionais específicas. Jamais por elas negadas. Apesar disso, poucas são as decisões no sentido da incompatibilidade da regra do artigo 62, da CLT, com a ordem constitucional vigente. As razões para essa letargia podem ser aferidas da leitura dos três primeiros capítulos do nosso estudo. A perversidade do dispositivo ordinário consiste na realidade de que os empregadores deixam propositadamente de efetuar controle direto do horário de trabalho, para o efeito de se eximirem do pagamento da jornada suplementar. Isso, porém, não afasta a circunstância de que tais trabalhadores são muitas vezes submetidos ao cumprimento de metas que certamente não poderiam ser atingidas em até oito horas diárias de trabalho. E o que mais espanta é que sequer há uma séria preocupação em adequar o aludido dispositivo ao comando constitucional, conferindo-lhe caráter excepcional. 15. Art. 165, da Constituição de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 06-5-2013. 16. SEVERO, Valdete Souto. Op. Cit. 17. Idem. Trabalho Seguro


A realidade descrita no preâmbulo da OIT, portanto, persiste. E vem piorando. Depois de reconhecermos a fundamentalidade do direito do trabalho e, a partir dos ditames da OIT, criarmos regras de ampla regulação da jornada, estamos retrocedendo. Não apenas aplicamos o art. 62, da CLT, ou produzimos súmulas aviltantes ao direito à regulação do tempo de trabalho, mas estamos permitindo a edição de legislações flexibilizadoras, que rompem com a lógica constitucional da jornada de oito horas. No próximo tópico, o exame da “lei dos motoristas” demonstrará a veracidade dessa afirmação. 3 A Lei n. 12.619 e a agonia da jornada de oito horas A chamada “lei dos motoristas”, como já afirmamos, é um festival de desrespeito à Constituição. Nada de novo, já que vários entendimentos jurisprudenciais vêm demonstrando, há algum tempo, a mesma falta de compromisso constitucional18. Interessante observar que, quando editada, a lei que busca regular a jornada dos motoristas causou polêmica. O sindicato das empresas de transporte utilizou a mídia para propagandear o necessário aumento do serviço de entrega e o também necessário atraso no tempo de entregas. Tudo em função da nova lei, que “protegeria” demasiadamente esses trabalhadores. Também os motoristas autônomos foram às ruas, reclamando contra a limitação de jornada imposta pela lei. Um desavisado poderia pensar que a lei efetivamente limitou de forma constitucional o trabalho dos motoristas, acabando com a prática

18. Alguns exemplos, referentes a súmulas do TST: Súmula nº 429. Tempo à disposição do empregador. Art. 4º, da CLT – período de deslocamento entre a portaria e o local de trabalho. Considera-se à disposição do empregador, na forma do art. 4º, da CLT, o tempo necessário ao deslocamento do trabalhador entre a portaria da empresa e o local de trabalho, desde que supere o limite de 10 (dez) minutos diários. Súmula nº 444. Jornada de trabalho. Norma coletiva. Lei. Escala de 12 por 36. Validade – res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27-09-2012 – republicada em decorrência do despacho proferido no processo TST-PA-504280/2012.2 – DEJT divulgado em 26-11-2012. é valida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda hora. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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nefasta de, a partir da redação do art. 62, da CLT, negar a esses trabalhadores o limite constitucional da jornada e o respectivo pagamento de horas extras. Olhando-a, porém, percebemos que a lei é recheada de inconstitucionalidades. A jornada ali fixada pode chegar a doze horas (!), quando a Constituição limita a oito e a CLT só permite a realização de, no máximo, duas horas extraordinárias por dia. Podemos (devemos) admitir que Direito não é matemática, mas isso não significa transformar oito em doze, ou reconhecer que oito (horas normais) mais duas (horas extraordinárias) resulta doze e não dez! Como justificar então a reação social? Se não exigir doze horas de trabalho ou efetuar pagamentos parciais como aqueles que a lei autoriza e que a seguir analisaremos poderá inviabilizar as empresas de transporte, qual era a prática até 2012? Então, estamos admitindo que esses trabalhadores estavam nas estradas brasileiras por mais de doze horas e que as horas à disposição do empregador não eram remuneradas? Para eles, a Constituição não existia. E ainda não existe. 152

3.1 Aspectos positivos da nova legislação: existe algum? A crença em um futuro melhor para o direito do trabalho, para a sociedade em geral, gera nos intérpretes aplicadores do direito uma boa vontade em relação às normas e jurisprudência dominantes. Alguns recentes posicionamentos do TST reforçam essa esperança. É natural, portanto, que diante de uma nova lei específica, tenhamos a tendência de examiná-la de uma perspectiva positiva. A questão que aqui iremos debater é justamente essa: o que a Lei nº 12.619/2012 nos apresenta de positivo. Em seu art. 2º, a lei dispõe que, além dos direitos previstos na Constituição, os motoristas profissionais têm direito a: I – ter acesso gratuito a programas de formação e aperfeiçoamento profissional, em cooperação com o poder público; II – contar, por intermédio do Sistema Único de Saúde - SUS, com atendimento profilático, terapêutico e reabilitador, especialmente em relação às enfermidades que mais os acometam, consoante levantamento oficial, respeitado o disposto no art. 162, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943; III - não responder perante o empregador por prejuízo patrimonial decorrente da ação de terceiro, ressalvado o dolo ou a desídia Trabalho Seguro


do motorista, nesses casos mediante comprovação, no cumprimento de suas funções; IV – receber proteção do Estado contra ações criminosas que lhes sejam dirigidas no efetivo exercício da profissão; V – jornada de trabalho e tempo de direção controlados de maneira fidedigna pelo empregador, que poderá valer-se de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, nos termos do § 3º, do art. 74, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, ou de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos, a critério do empregador. Parágrafo único. Aos profissionais motoristas empregados referidos nesta Lei, é assegurado o benefício de seguro obrigatório, custeado pelo empregador, destinado à cobertura dos riscos pessoais inerentes às suas atividades, no valor mínimo correspondente a 10 (dez) vezes o piso salarial de sua categoria ou em valor superior fixado em convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Acrescer direitos aos trabalhadores é justamente o ideal prescrito no art. 7o, da Constituição. Lá, o constituinte originário, antes de elencar os direitos trabalhistas, refere “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Então, é extremamente positiva a edição de lei específica que agregue direitos àqueles já constitucionalmente previstos. Entretanto, um exame mais detido do dispositivo nos faz perceber a falácia do discurso protetivo. Os direitos “acrescidos” já estão previstos na ordem jurídica vigente. Note-se, o referido art. 2o, diz que o motorista tem direito de “não responder perante o empregador por prejuízo patrimonial decorrente da ação de terceiro, ressalvado o dolo ou a desídia do motorista, nesses casos mediante comprovação, no cumprimento de suas funções”. Antes da lei, já não era assim? Não é o empregador, em razão da redação do art. 2o da CLT, que desde 1943 determina que o empregador assume os riscos do negócio? O dispositivo também menciona que o motorista tem direito de “receber proteção do Estado contra ações criminosas que lhes sejam dirigidas no efetivo exercício da profissão”. O direito à segurança pública já não constituía direito do cidadão motorista? Mais, o art. 2o diz que o motorista tem direito (lembremos: além daqueles já previstos na Constituição) à “jornada de trabalho e tempo de direção controlados de maneira fidedigna pelo empregador, que poderá valer-se de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, (...) ou de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos, a critério do empregador”. Ah, então os motoristas não tinham, até 2012, direito constitucional à jornada de oito horas? Agora, as empresas podem controlar o horário Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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por “papeleta”. Antes não poderiam? Alguns autores apontam que a lei constitui a declaração de óbito do art. 62, da CLT, porque agora o legislador finalmente reconheceu a possibilidade de fixação e controle de horário em atividade externa. Note-se: não há novidade. O art. 62 é incompatível com a Constituição. E, ainda que assim não fosse, retira dos trabalhadores o direito às regras de duração do trabalho quando sujeitos à “atividade externa incompatível com a fixação do horário”. Esse fato descrito na norma não começou a existir porque uma lei ordinária disse que é possível. Já tínhamos, há muito tempo, como efetuar o controle do horário do motorista (a lei não criou a papeleta, nem os meios telemáticos). E, se quiséssemos mesmo prestar atenção na norma, seríamos forçados a reconhecer que o art. 62 refere-se à impossibilidade de fixação, e não de controle. Retratar formas de controle, portanto, em nada afeta a possibilidade ou não de aplicação da regra. Nesse particular, merece destaque o entendimento de Carmen Camino, no sentido de não ter sido o art. 62, da CLT, recepcionado pela Constituição de 1988, conforme decisão de sua relatoria no TRT da 4a Região: Ementa: Trabalho externo. Horas extras. Espécie em demonstrado trabalho perfeitamente passível de controle e registro. Invocação ao art. 74, §§ 2º e 3º, da CLT. Ademais, o art. 62 não se compadece com o art. 7º, inciso XIII, da Constituição de 1988, onde admitida, como única exceção à regra da jornada de 8 horas, a compensação e a redução de jornadas, mediante acordo ou convenção coletiva. Conclusão em favor de não ter sido, o art. 62 – CLT, em sua redação original, recepcionado pela CF/88. – Integrações deferidas, à exceção dos quinquênios, porque as horas extras não incidem sobre adicionais e gratificações semestrais, diante da ausência de elementos informadores dos critérios do respectivo cálculo. (...) Restou expresso na atual Carta das Leis que a limitação da jornada pode ser apenas flexibilizada em casos de redução, na medida em que a compensação tem limite na carga horária semanal e não implica, tecnicamente, trabalho suplementar ou extraordinário. Retirou-se do legislador ordinário, à luz do novo ordenamento constitucional, a possibilidade de estabelecer outros casos de exceção, na medida em que esta se expressa no texto do próprio artigo 7º, inciso XIII. Sabido que as exceções devem ser interpretadas restritivamente, mormente em se tratando de norma supralegal. Não é dado ao legislador comum ampliá-las. Em assim sendo, o texto da CLT, que se compatibilizava Trabalho Seguro


perfeitamente com a ordem constitucional estabelecida até 04-10-88, disciplinando casos especiais de exceção à limitação máxima da jornada em oito horas, tornou-se com ela incompatível a partir de 05-10-88. A Constituição ali promulgada não recepcionou, face ao novo tratamento dado à jornada de trabalho, em seu artigo 7º inciso XIII, as normas excludentes da tutela geral contidas nos artigos 59, caput e seu § 2º, e no artigo 62, da CLT, consagradoras de hipóteses não contidas na faculdade (que em verdade encerra exceção ao preceito geral) de compensar ou reduzir a jornada mediante negociação coletiva. Impende concluir, assim, que o direito em que assentada a tese da defesa da ré não mais subsiste, porquanto, sob o manto da tutela constitucional, todos os trabalhadores, sem exceção, estão sujeitos, no mínimo, a jornada máxima de oito horas.”19 (grifamos)

É forçoso concluir, portanto, que o que a Lei nº 12.619 estabelece como acréscimo de direitos para o trabalhador motorista em nada altera o que a legislação vigente já prevê. A lei, porém, retira e fragiliza direitos, demonstrando seu caráter notadamente flexibilizante e, nesse sentido, avesso à Constituição. 3.2 Aspectos negativos da nova legislação A partir do art. 3o, a Lei nº 12.619 revela a que veio. Esse dispositivo acrescenta artigos na CLT, dentre os quais: Art. 235-C. A jornada diária de trabalho do motorista profissional será a estabelecida na Constituição Federal ou mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho. [...] § 8o São consideradas tempo de espera as horas que excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computadas como horas extraordinárias. § 9o As horas relativas ao período do tempo de espera serão indenizadas com base no salário-hora normal acrescido de 30% (trinta por cento). (grifamos)

19. TRT da 4ª Região, 1ª turma, processo no 96.025893-0-RO/RA, publicado em 13-7-1998. Disponível em: <http://gsa3.trt4.jus.br/search?q=cache:zMehDABmJ4UJ:iframe.trt4.jus. br/nj4_jurisp/jurispnovo.ExibirDocumentoJurisprudencia%3FpCodAndamento%3D5158 329+inmeta:DATA_DOCUMENTO:1998-05-12..1999-05-12+++perfeitamente+pass%C3 %ADvel+de+controle+e+registro&client=jurisp&site=jurisp&output=xml_no_dtd&prox ystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_pt&access=p&oe=UTF-8>. Acesso em: 13-5-2013. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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É impressionante que a greve dos motoristas não tenha ocorrido em razão das alterações lesivas à lógica constitucional instituída pela Lei nº 12.619, de que esse dispositivo, acima reproduzido, é um triste exemplo. O legislador criou aqui um novo instituto jurídico: tempo de espera. Tempo de espera é aquele que corresponde às horas que “excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de cargas”. A leitura se interrompe necessariamente. Causa-nos espanto (ou deveria causar). As horas que excedem à jornada não são horas extras? E o legislador prossegue, referindo que esse tempo de espera corresponde àquele em que o motorista fica “aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias”. Novamente a indignação teria de nos invadir: esperar a carga e descarga não é tempo à disposição? O art. 4o, da CLT, foi revogado? Como é possível que diante da lógica constitucional e das regras da CLT, tempo de efetivo trabalho, à disposição do empregador, possa ter agora um novo nome, e, por consequência, uma remuneração inferior àquela determinada na Constituição? Com efeito, embora o sistema jurídico brasileiro se filie à família de tradição escrita, de matriz romano-germânica, tal fato, por si só, não confere ao Poder Legislativo irrestritos poderes para inovar a ordem legal, devendo ser respeitado o marco constitucional, estabelecido por regras e princípios. No caso, a Lei nº 12.619/12 fere diretamente o princípio da proteção assim como suas decorrências compreendidas como princípios da primazia da realidade e do não-retrocesso social, ao artificialmente e despida de qualquer fundamento válido, atribuir natureza indenizatória à parcela retributiva do trabalho, prejudicando o sujeito subordinado da relação laboral. Pela precisão, elucidativa mais uma vez a lição de Carmen Camino: Um critério seguro para identificar se o pagamento feito ao empregado tem natureza salarial ou indenizatória é perguntar o porquê de estar sendo efetuado. Se a resposta implicar prestação do trabalho ou consequência direta de tal prestação, certamente teremos espécie de salário ou de prestação de natureza remuneratória. Se a resposta implicar a compensação de um prejuízo objetivamente concretizado, em dano emergente ou lucros cessantes, ou a finalidade Trabalho Seguro


de impedir prejuízo salarial futuro, certo ou presumível, teremos espécie de prestação indenizatória. A resposta terá que ser aquela especificamente relacionada ao fato gerador imediato do pagamento.20

Em uma aula, um aluno brincou que a partir de agora o tempo de espera na fila do banco, pelo office-boy, também terá de ser remunerado apenas com adicional de 30%. É que a lei é tão absurdamente inconstitucional e o silêncio da doutrina sobre ela é tão eloquente, que só nos resta encarar os fatos como jocosos. O art. 235-E, também acrescentado pela Lei nº 12.619 à CLT, dispõe, entre outras coisas, que “o motorista fora da base da empresa que ficar com o veículo parado por tempo superior à jornada normal de trabalho fica dispensado do serviço, exceto se for exigida permanência junto ao veículo, hipótese em que o tempo excedente à jornada será considerado de espera”. Novo espanto. Quem exigirá “permanência junto ao veículo”? O empregador, supomos. Pois bem, quando o empregador exige que o empregado permaneça no ambiente de trabalho (que, no caso, é o caminhão), a sua disposição, inclusive vigiando a carga, não estamos diante de típica hora extraordinária de trabalho? A lei, porém, trata esse período como “tempo de espera”, mitigando novamente o direito constitucional ao adicional de pelo menos 50% além da hora normal. O mesmo artigo ainda estabelece que quando o empregador optar pelo revezamento de motoristas “trabalhando em dupla no mesmo veículo”, o tempo que exceder à jornada normal de trabalho será considerado tempo de reserva. Novo instituto jurídico nos é proposto: tempo de reserva. Curiosamente, também esse “tempo de reserva”, que “extrapola a jornada normal”, tem remuneração de 30% prevista na lei. Outra vez, hipótese típica de jornada extraordinária e, pois, sujeita ao adicional de 50% (artigo 7o, inciso XVI, da Constituição), sem qualquer restrição ou exceção, é simplesmente ignorada pelo legislador derivado. O pior golpe à Constituição, porém, ainda não foi referido. Aqui, a agonia se torna insuportável. O direito do trabalho, depois de séculos construindo sua história a ferro, fogo e sangue, é ferido de morte. O art. 235-F, contraindo de modo absoluto toda a teoria da proteção ao trabalho humano, que orienta, fundamenta e justifica a existência mesma do direito do trabalho, estabelece: 20. CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho, Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 207. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Convenção e acordo coletivo poderão prever jornada especial de 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) horas de descanso para o trabalho do motorista, em razão da especificidade do transporte, de sazonalidade ou de característica que o justifique.

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Qual será a característica que justifica excepcionar a Constituição? Não será suficiente remunerar horas extras com adicional de 30%? Admitir que o empregado repousa dentro do caminhão e também ali faz seu pernoite? Sabemos que o regime de doze horas de trabalho não é novidade na realidade brasileira. Já reproduzimos aqui mesmo, em nota de rodapé, a recente súmula do TST que faz alusão à jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso. Não podemos, porém, permitir que a insistência da jurisprudência precarizante e, agora, da legislação ordinária, permita uma ruptura dessa expressão, com o compromisso social firmado em 1988. A Constituição assegura jornada de oito horas, trazendo como exceção expressa a hipótese dos turnos de revezamento, em que esse tempo de trabalho é reduzido para seis horas. O caput do art. 7o diz que os direitos ali referidos não excluem outros, desde que visem à melhoria da condição social do trabalhador. Trata-se da positivação do princípio do não-retrocesso social, de que nos fala Canotilho21. No caso da jornada, esse retrocesso social é secular. Como já referimos, a jornada de oito horas foi uma das primeiras conquistas trabalhistas e, em nível internacional, vigora como norma fundamental pelo 21. A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de “contra-revolução social” ou da “evolução reacionária”. Com isso quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir uma garantia institucional e um direito subjetivo. A “proibição de retrocesso social” limita a reversibilidade dos direitos adquiridos, em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. A violação do núcleo essencial efetivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada “justiça social”. O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantidos, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática , numa “ anulação”, “ revogação” ou “ aniquilação” pura e simples desse núcleo essencial. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 338-340). Trabalho Seguro


menos desde 1919 (Convenção nº 01 da OIT). Fragilizar o direito à limitação da jornada é, pois, comprometer a ordem social vigente22. 4 Proibição de Retrocesso Social: Aonde iremos parar? É mesmo interessante observar como uma lei específica consegue, em poucos dispositivos, romper com uma ordem sistemática vigente e em construção há pelo menos duas décadas. A Lei nº 12.619 tem esse (de)mérito. Promove um retrocesso social, ao permitir jornada de doze horas, nega a Constituição ao estabelecer adicional de 30% para horas “que extrapolam a jornada normal”. Ao analisá-la, a primeira reação é de indignação, revolta. Em um segundo momento, o ânimo de contestá-la, de lutar para que seja extirpada do ordenamento, em razão de sua inconstitucionalidade manifesta, nos anima. Para isso, porém, precisamos de armas adequadas e recordar conceitos básicos do Direito Constitucional do Trabalho. Ingo Sarlet trata da noção de retrocesso social, referindo que em um Estado democrático de direito a proteção gera deveres que “resultam directamente de la dimensión jurídico-objetiva de los derechos fondamentales”23. Direitos que, por sua vez, constituem expressão de uma ordem de valores. Isso porque os direitos fundamentais constituem explicitação da dignidade da pessoa humana, de modo que “en cada derecho fondamentale se hace presente un contenido o, por lo menos, alguna proyección de la dignidad de la persona”. O autor segue pontuando que a proteção ao conteúdo em dignidade de cada direito fundamental se expressa não apenas na proibição da prática de atos retroativos, como também de medidas regressivas, assim concebidas aquelas que, embora não afetem o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido, 22. No livro que escrevemos sobre jornada, referimos: “Uma carta constitucional fundada em princípios que refletem a evolução da teoria dos direitos fundamentais. Uma república democrática pautada pela valorização social do trabalho humano. A proibição do retrocesso social como condição de possibilidade da instauração de uma ordem verdadeiramente democrática”. 23. SARLET, Ingo Wolfgang. La prohibición de retroceso en los derechos sociales fundamentales en Brasil: algunas notas sobre el desafio de la supervivencia de los derechos sociales en un contexto de crisis. In COURTIS, Christian (org.). Ni um paso atrás. Buenos Aires: Del Puerto, p. 329-59, 2006. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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afetam o conteúdo em dignidade já concretizado, do direito social. É o exemplo de lei na qual o legislador infraconstitucional “volve atrás en lo que se refiere a la implementación de los derechos sociales fondamentales”24. Em sua principal obra, sobre a eficácia dos Direitos Fundamentais, o mesmo autor observa que esses direitos geram, desde logo, alguns deveres, que obrigam tanto o Estado quanto os particulares. Dentre eles, está a proibição do que a doutrina denomina “erosão constitucional”, ou seja, proibição de que o Estado edite leis ou súmulas contrárias às normas fundamentais25. É disso que estamos tratando, de erosão constitucional, de uma atividade intensa, silenciosa e nociva de destruição das conquistas (muitas sequer efetivadas) contidas na Constituição de 1988. E justamente em um âmbito do direito em que o caráter social se revela com maior nitidez. Em um sistema capitalista de produção, não há como negar fundamentalidade (material) às normas que regulam a relação entre capital e trabalho26. A jurisprudência, embora ainda não de modo majoritário, vem reagindo de forma adequada à inconstitucionalidade manifesta da Lei nº 12.619/2012, ao reconhecer o dano moral e social intrínseco à lógica atual de exigência de trabalho extraordinário como algo habitual na realidade da profissão de motorista. Há decisão emblemática, proferida pelo TRT da 12a Região, cuja ementa é a seguir transcrita, tendo por relator o Exmo. Des. Federal do Trabalho José Ernesto Manzi:

24. Idem. No Brasil, a discussão acerca da proibição de retrocesso assume importância ainda maior, de acordo com o autor, em face da realidade histórica de vivermos em um país em que as promessas da modernidade não foram cumpridas. Daí a importância de uma Constituição dirigente como a de 1988, e do desenvolvimento de uma doutrina consistente acerca da proibição de retrocesso social. 25. Segundo o autor: “o princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, bem como sua proteção reforçada contra a ação erosiva do legislador, podem ser considerados elementos identificadores da existência de um sistema de direitos fundamentais também no direito constitucional pátrio, caracterizado por sua abertura e autonomia relativa no âmbito do próprio sistema constitucional integra” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 85, 2007). 26. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho, v. 1, parte1. São Paulo: LTr, 2011. Trabalho Seguro


Ementa: Motorista de caminhão de carga pesada. Jornada de trabalho extenuante. Prestação excessiva de horas extras. Indenização por danos morais. A exigência de prestação de horas extras em número excessivo, acarretando jornadas de trabalho extenunantes, notadamente em atividade de motorista de caminhão de carga pesada, que exige extremos cuidado e atenção em estradas mal conservadas e superlotadas, além da manutenção de velocidades que reduzem o rendimento e impõem longas jornadas para o cumprimento das rotas causa ao trabalhador danos morais passíveis de reparação através de indenização correspondente. Este dano moral deriva do fato de se converter o trabalhador num autômato a quem se garante – por vezes parcialmente – apenas o atendimento de necessidades fisiológicas (comer rápido, dormir pouco etc.), solapando-lhe o tempo que seria indispensável para que exercesse outros espectros de sua dimensão humana; ele deixa de ser pai, filho, marido ou amigo; deixa de poder conviver socialmente, de ter tempo para ampliar a sua cultura, divertir-se, ampliar ou demonstrar suas potencialidades, prejudicar gravemente a saúde, tudo para manter os prazos e metas. O trabalhador não é apenas um elemento de produção, mas um alguém a quem não se pode admitir abdicar de sua condição humana, muito menos por imposição patronal abusiva.27

Nessa decisão, a Justiça do Trabalho demonstra atenção ao grave problema social que subjaz à discussão jurídica acerca da constitucionalidade da chamada “lei dos motoristas”: um número excessivo de mortes no trânsito, muitas delas determinadas pela exaustão física de motoristas submetidos a jornadas excessivas28. A questão ganha contornos de verdadeiro problema de saúde pública, trazendo riscos a todos os que trafegam pelas estradas do país e custos imensuráveis à Previdência Social, exigindo enfrentamento imediato. 27. 5ª Câmara, processo no 0005573-85.2011.5.12.0030-RO, publicado em 20-02-2013. Disponível em: <http://consultas.trt12.jus.br/doe/visualizarDocumento.do?acao=doc&acorda o=true&id=244018>. Acesso em: 18-5-2013. 28. Em notícia recente: “Em 2002, 32 mil morreram no trânsito; em 2010, foram 40,6 mil mortes. País vive ‘epidemia de lesões e mortes no trânsito’, disse ministro Padilha”. “Um levantamento divulgado nesta sexta-feira (4) pelo Ministério da Saúde, com base em dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), mostra que o Brasil registrou no ano passado 40.610 vítimas fatais no trânsito, um aumento de quase 25% em relação ao registrado nove anos antes, em 2002, quando 32.753 morreram. Entre as regiões do país, o maior percentual de aumento na quantidade de óbitos foi registrado no Norte (53%), seguido do Nordeste (48%), Centro-Oeste (22%), Sul (17%) e Sudeste (10%)”. Disponível em: < http://g1.globo. com/politica/noticia/2011/11/mortes-no-transito-sobem-25-em-9-anos-em-2010-40-mil-morreram.html>. Acesso em: 07-5-2013. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Para compreender a dimensão e relevância do desafio ora proposto, de grande valia as informações trazidas por Luciene dos Santos29, em excelente estudo sociológico sobre a rotina dos motoristas de caminhão em todo o país, como se depreende da leitura dos seguintes trechos:

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A carga horária é pouco apreciada entre os caminhoneiros porque exige um tempo muito curto para seu transporte. Caso haja qualquer imprevisto durante a viagem, como problemas mecânicos no caminhão ou bloqueios na estrada, em pouco tempo a qualidade da mercadoria estará comprometida. Portanto, o ritmo do trabalho é acelerado. (...) Na tentativa de neutralizar o ‘sofrimento psíquico’, o trabalhador utiliza-se de mecanismos que o colocam efetivamente em risco, como dirigir em alta velocidade, trabalhar por longos períodos sem descanso e fazer ultrapassagens em locais perigosos na estrada. (...) Uma vez que o aumento da produtividade está diretamente relacionado ao baixo valor dos fretes, o caminhoneiro busca estratégias para manter a resistência física ao se submeter às longas jornadas de trabalho. Uma prática bastante comum é o consumo de remédios, cujos efeitos colaterais são a inibição do sono, da fome e do cansaço físico, entre outros. Conhecidos pelos caminhoneiros como ‘rebites’, na verdade, tais medicamentos provocam efeitos devastadores, além da dependência psicológica.

Premente, portanto, a compreensão de todos os intérpretes aplicadores do direito, e por que não, de toda a sociedade civil, sobre a relevância tanto do tema, quanto do momento histórico que vivemos, a fim de que assumam o compromisso de buscar a concretização dos valores consagrados na Constituição, em suas respectivas áreas de atuação. 5 Conclusão O exame, mesmo que superficial, da Lei nº 12.619, revela manifesta contrariedade não apenas às regras da Constituição vigente, mas sobretudo ao projeto que instituímos em 1988 e que pretende superar a lógica individualista. Como refere Lenio Streck, em vários de seus textos, Constituição é constituir-a-ação. Uma nova ação, comprometida com a 29. SANTOS, Luciene dos. “Moro no mundo e passeio em casa”: vida e trabalho dos caminhoneiros, In ANTUNES, Ricardo; SILVA, Maria A. Moraes (orgs.). O avesso do trabalho. – 2. ed. - São Paulo: Expressão Popular, p. 248-249, 2010. Trabalho Seguro


solidariedade, com o ideal de uma sociedade justa, fraterna, inclusiva. O limite de oito horas é uma conquista arduamente obtida ainda no século XIX. Positivada na Convenção nº 01, da OIT, em 1919. Quase cem anos depois, uma lei pretende extirpar essa conquista, ignorando o reconhecimento da norma constitucional que chancela tal limite. O direito fundamental à jornada de oito horas, do qual decorre o direito fundamental ao lazer, à possibilidade de conviver com a família, está agonizando. Não apenas as súmulas, mas uma lei (editada em tempos de governo trabalhista) busca romper com o pacto social instituído em 1988. O direito do trabalho está resistindo. Já reconhece, por exemplo, o dano existencial que decorre do trabalho por mais de oito horas por dia. É preciso mais. É preciso ousar discutir o tema à luz da Constituição. Reconhecer a inconstitucionalidade da lei e extirpá-la, o quanto antes, de nosso ordenamento jurídico. Temos de recuperar nossa capacidade de indignação diante da ação erosiva do legislador ou do judiciário. A Constituição de 1988 resultou de um processo de redemocratização e mudança radical no papel do Estado brasileiro. Não podemos abrir mão desse avanço com tamanha facilidade, aplicando de forma automática leis que, em realidade, boicotam o projeto de construção de uma sociedade solidária. 6 Referências Bibliográficas BARBAGELATA, Hector-Hugo. Curso sobre la evolucion del pensamiento juslaboralista. Montevideo: Fundacion de Cultura Universitária, 2011. CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho. Porto Alegre: Síntese, 1999. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6.ed. Coimbra: Almedina, 1993. GIL, Rosângela. GIANOTTI, Vito. 1º de Maio: dois séculos de lutas operárias. Rio de Janeiro: Núcleos Piratininga de Comunicação/Cadernos de Formação, 2005. SANTOS, Luciene dos. “Moro no mundo e passeio em casa”: vida e trabalho dos caminhoneiros, In ANTUNES, Ricardo; SILVA, Maria A. Moraes (orgs.). O avesso do trabalho. – 2. ed. São Paulo: Expressão Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Popular, p. 235-290, 2010. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. __________. La prohibición de retroceso en los derechos sociales fundamentales en Brasil: algunas notas sobre el desafio de la supervivencia de los derechos sociales en un contexto de crisis. In COURTIS, Christian (org). Ni um paso atrás. Buenos Aires: Del Puerto, p. 329-359, 2006. SEVERO, Valdete Souto. Crise de paradigma no direito do trabalho moderno: jornada. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2009. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho, v. 1, parte 1. São Paulo: LTr, 2011. _______________________; MOREIRA, Ranulio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2012. 164

SÜSSEKIND, Arnaldo. Et al. Instituições de direito do trabalho. 22. ed. atual. por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, v. II, 2005.

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A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO TRABALHADOR: O PROBLEMA DA LER/DORT COMO ACIDENTE DE TRABALHO Rodrigo Goldschmidt1 Ilse Marcelina Bernardi Lora2 Resumo: o presente artigo aborda a saúde como direito fundamental do trabalhador, identificando nos tratados internacionais e na Constituição brasileira de 1988 os referenciais jurídicos-teóricos atinentes. Na sequência, aborda a LER/DORT como acidente de trabalho, expondo os conceitos, classificação, peculiaridades e efeitos decorrentes. A pesquisa, em última análise, tem por escopo contribuir para com a proteção e a promoção da saúde do trabalhador. Palavras-chave: saúde; direito fundamental; LER/DORT; acidente do trabalho; trabalhador. 165

1 Considerações Iniciais Os acidentes do trabalho, a exemplo do que ocorre com os acidentes de trânsito, em razão de seu grande número e de seu custo para os indivíduos e para o Estado, vêm determinando redobrada atenção de parte das autoridades públicas, da comunidade jurídica, das empresas e da sociedade em geral. Busca-se identificar as causas, medir suas consequências e, especialmente, encontrar instrumentos para a adequada e necessária prevenção. As transformações exigidas nos processos produtivos pela competitividade do mercado, com estabelecimentos de metas, intensificação do trabalho e padronização dos procedimentos, ensejaram, especificamente no âmbito laboral, o desenvolvimento de patologias osteomuscu1. Doutor em Direito pela UFSC. Professor e pesquisador do Mestrado Acadêmico de Direitos Fundamentais da UNOESC. Líder da linha de pesquisa em Direitos Fundamentais Sociais da UNOESC. Juiz do Trabalho Substituto do TRT12. 2. Mestranda em direitos fundamentais pela UNOESC. Professora Universitária do CESUL/ Francisco Beltrão/PR. Juíza do Trabalho Titular do TRT9. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013


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lares, que atingem parcela significativa de trabalhadores. Estas doenças, atualmente conhecidas como LER/DORT (Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), foram inicialmente descritas como tenossinovite ocupacional. Por ocasião do XII Congresso Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho, realizado em 1973, foram apresentados casos de tenossinovite ocupacional que haviam atingido, dentre outros trabalhadores, lavadeiras e engomadeiras. Na mesma oportunidade, houve recomendação para que fossem observadas pausas durante o trabalho daqueles que utilizavam intensamente as mãos na execução das atividades laborais. As entidades sindicais empreenderam renhida luta para que houvesse o reconhecimento das LER/DORT, destacando-se o esforço dos sindicatos dos trabalhadores em processamento de dados, em especial na década de 80, para que a tenossinovite fosse enquadrada como doença do trabalho. O embate produziu resultados. Em novembro de 1986, por meio da Circular de Origem nº 501.00155, o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS) passou a recomendar às Superintendências que reconhecessem a tenossinovite como doença do trabalho nas hipóteses em que fossem resultado de “movimentos articulares intensos e reiterados, equiparando-as nos termos do §3º do art. 2º da Lei 6.367, de 19.10.1976, a um acidente do trabalho”. A primeira referência oficial às afecções músculo-esqueléticas relacionadas ao trabalho, conhecidas inicialmente como Lesões por Esforços Repetitivos (LER), foi feita pela Previdência Social por meio da Portaria nº 4.062, de 06 de agosto de 1987, que utilizou a terminologia tenossinovite do digitador. No ano de 1992, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, através da Resolução SS n. 197/92, introduziu oficialmente a terminologia Lesões por Esforços Repetitivos (LER), no que foi seguida pela Secretaria de Saúde de Minas Gerais, que publicou a Resolução n. 245/92, baseada no documento paulista. Em 1993, o INSS editou, com apoio nas resoluções mencionadas, Norma Técnica para Avaliação de Incapacidade para LER. Em 1998, ao efetuar revisão da Norma Técnica em questão, a Previdência Social substituiu a sigla LER por DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), que representa tradução da terminologia Work Related Musculoskeletal Disorders (WMSD), amplamente utilizada no mundo. A Trabalho Seguro


Instrução Normativa DC/INSS nº 98, de 05 de dezembro de 2003, que determinou revisão da Norma Técnica sobre DORT de 1998, utilizou as duas expressões (LER/DORT). Consta no anexo I da referida instrução normativa que “A terminologia DORT tem sido preferida por alguns autores em relação a outros tais como: Lesões por Traumas Cumulativos (LTC), Lesões por Esforços Repetitivos (LER), doença Cervicobraquial Ocupacional (DCO), e Síndrome de Sobrecarga Ocupacional (SSO), por evitar que na própria denominação já se apontem causas definidas (como por exemplo: “cumulativo” nas LTC e “repetitivo” nas LER) e os efeitos (como por exemplo: “lesões” nas LTC e LER). Informa, ainda, que “Para fins de atualização desta norma, serão utilizados os termos Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT)”. A Instrução Normativa DC/INSS nº 98/2003 estabeleceu critérios para simplificar, uniformizar e adequar a atividade médico-pericial frente aos casos de LER/DORT, considerados, atualmente, como acidentes de trabalho, quando preenchidos os requisitos legais à sua caracterização. Colocadas a evolução e a relevância atual do tema, o presente artigo, através de uma revisão bibliográfica, pretendem, um primeiro momento, abordar a saúde como um direito fundamental do trabalhador, preconizado como tal nos tratados internacionais mais expressivos e na Constituição de 1988. Num segundo momento, a pesquisa adentra no seu enfoque central que é a LER/DORT como acidente de trabalho, expondo as noções de acidente de trabalho, doença ocupacional, lesões por esforços repetitivos (LER), distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) e, por fim, as consequências do enquadramento dessas patologias como acidentes laborais. Ao final, extraem-se as conclusões do presente estudo, o qual tem por fim contribuir doutrinariamente para a proteção e promoção da saúde do trabalhador. 2 A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO TRABALHADOR Cumpre-se buscar no arcabouço jurídico, à luz da teoria dos direitos fundamentais, referenciais para proteger a saúde do trabalhador, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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não só sob a ótica preventiva, mas também visando à adequada reparação do dano causado nessa área. 2.1 Os tratados internacionais Nesse tópico serão enunciados e comentados os principais tratados internacionais que tangenciam a temática desta pesquisa, dando diretrizes, ainda que gerais, voltadas à proteção jurídica da saúde do trabalhador. 2.1.1 Constituição da OIT – Declaração da Filadélfia

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A Constituição da OIT, também conhecida como “Declaração da Filadélfia”3, aprovada na 29ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Montreal – 1946), tendo por anexo a “Declaração referente as fins e objetivos da Organização”, aprovada na 26ª Reunião da Conferência (Filadélfia – 1944), no seu artigo primeiro, cria a Organização Internacional Do Trabalho (OIT), e dispõe que lhe compete “promover a realização do programa exposto no preâmbulo da presente constituição e na declaração referente aos fins e objetivos da OIT”4. No preâmbulo da Constituição da OIT está dito que os trabalhadores devem ser protegidos contra “moléstias graves ou profissionais e os acidentes de trabalho”. Já na declaração referente aos fins e objetivos, no item III, alínea “g”, compete aos integrantes da OIT “assegurar uma proteção adequada da vida e da saúde dos trabalhadores em todas 3. Vide o texto da Constituição da OIT no sítio: <http://www.oitbrasil.org.br/info/download/constituiçao_oit.PDF>. Acesso em: 16-042013. 4. Sobre a importância da OIT, Camino (2004, p. 35) assevera: “Hoje já se fala num direito internacional do trabalho, capitulado no direito internacional público, que não se limita às relações dos Estados entre si, mas, também, como organismos internacionais no intuito de universalizar os princípios da justiça social e correspondentes normas jurídicas; estudar questões conexas das quais depende a consecução desses ideiais; incrementar a cooperação internacional, visando à melhoria das condições de vida do trabalhador. O direito internacional do trabalho tem a sua normatividade em tratados, declarações, recomendações e resoluções da OIT. Tais normas expressam a permanente busca dos povos de efetivar a ideia de um direito que viabilize a harmoniosa convivência entre capital e trabalho, que somente será possível quando a humanidade se convencer de que o valor do trabalho humano deve prevalecer, sendo o capital mero instrumento da sua realização”. Trabalho Seguro


as ocupações.”Ainda no âmbito da OIT, vale menção à Convenção n. 1555, aprovada em 1981, cujas disposições, no dizer de Brandão (2006, p. 53), “provocaram uma substancial mudança na abordagem da proteção à saúde nos tratados até então firmados, introduzindo-se, no sistema jurídico, um novo paradigma de natureza objetiva.” De acordo com o art. 3, letra “e”, da referida Convenção, o termo saúde, em relação ao trabalho, abrange não somente a ausência de afecções e de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene do trabalho. Como se pode perceber, no conceito genérico de saúde, extraem-se os conceitos de saúde física e de saúde mental, reconhecendo-se que do trabalho podem advir fatores que atingem a higidez do trabalhador. E são justamente estes fatores que devem ser prevenidos, com legislação objetiva por parte dos Estados que ratificaram a Convenção em tela, os quais também deverão legislar prevendo seguros sociais e reparações civis no caso de danos gerados à saúde do trabalhador. 2.1.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos6 O artigo primeiro da Declaração em tela eleva a dignidade da pessoa humana a uma categoria jurídica7 e proclama, no seu artigo primeiro, que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.8 Aqui, o texto impulsiona as pessoas a agir com fraternidade, ou seja, com interesse ao próximo, reconhecendo a sua dignidade. Por seu turno, o artigo XXII da Declaração em comento dispõe 5. A Convenção n. 155 da OIT, que versa sobre saúde e segurança dos trabalhadores, pode ser consultada no seguinte sítio: <http://www.mte.gov.br/legislacao/convencoes/cv-155.Asp>. Acesso em: 16-04-2013. 6. Adotada e proclamada pela assembleia da ONU em 10 de dezembro de 1948. 7. Miranda (2006, p. 103) assevera com propriedade: “A consciência universal do valor dos direitos fundamentais ou , pelo menos, de um núcleo essencial de direitos ligados ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana constitui um dos fenômenos políticos e culturais de significado mais profundo do nosso século”. 8. O texto da Declaração pode ser encontrado no seguinte sítio: <http://www.onu-brasil.org. br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 16-04-2013. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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que “toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis e à dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade”. Dentro dessa norma ampla9, reconhece-se a necessidade de promover a segurança social dos homens, o que passa pela edição de uma arcabouço jurídico voltado a esse fim10, sendo uma das facetas, justamente, a proteção jurídica da saúde do trabalhador. 2.1.3 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais11 O preâmbulo desse texto internacional, publicado em 1966, proclama a dignidade da pessoa humana e diz que a sua proteção e promoção são condições para uma sociedade livre, justa e pacífica. Esse dado é importante, posto que, inegavelmente, o princípio da dignidade da pessoa humana sustenta os direitos fundamentais12 do 170

9. Bobbio (2004, p. 53-54) assevera: “[...] a comunidade internacional se encontra hoje diante não só do problema de fornecer garantias válidas para aqueles direitos, mas também, de aperfeiçoar continuamente o conteúdo da Declaração, articulando-o, especificando-o, atualizando-o, de modo a não deixá-lo cristalizar-se e enrijecer-se em fórmulas tanto mais solenes quanto mais vazias. Esse problema já foi enfrentado pelos organismos internacionais nos últimos anos, mediante uma série de atos que mostram quanto é grande, por parte desses organismos, a consciência da historicidade do documento inicial e da necessidade de mantê-lo vivo, fazendo-o crescer a partir de si mesmo. Trata-se de um verdadeiro desenvolvimento (ou talvez, mesmo, de um gradual amadurecimento) da Declaração Universal, que gerou e está para gerar outros documentos interpretativos, ou mesmo complementares, do documento inicial”. 10. Aqui, pela importância, cita-se Bonavides (1999, p. 531): “A Declaração Universal dos Direitos do Homem é o estatuto de liberdade de todos os povos, a Constituição das Nações Unidas, a carta magna das minorias oprimidas, o código das nacionalidades, a esperança, enfim, de promover, sem distinção de raça, sexo e religião, o respeito à dignidade do ser humano. A Declaração será porém um texto meramente romântico de bons propósitos e louvável retórica, se os Países signatários da Carta não se aparelharem de meios e órgãos com que cumprir as regras estabelecidas naquele documento de proteção aos direitos fundamentais e sobretudo produzir uma consciência nacional de que tais direitos são invioláveis”. 11. O Pacto em questão está disponível para consulta no seguinte sítio: <http://www.pge. sp.gov.br/centrodeestudos /bibliotecavirtual/instrumentos/direitos.htn>. Acesso em: 1604-2013. 12. “Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram por seu conteúdo e Trabalho Seguro


homem entre eles, o direito à saúde13. Note-se, não basta garantir o direito à vida. É necessário ir além, garantindo vida com “dignidade”, o que passa pela proteção jurídica da saúde do homem, no sentido mais amplo e completo possível14. O artigo 12, item 1, do texto internacional em foco, diz expressamente que “Os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental” e diz, no item 2, alínea “b”, que os Estados devem adotar, como medida, a “melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente”. (grifo nosso). O pacto em tela vem regulamentar, na ordem internacional, o que já ventilara a Declaração universal dos direitos humanos, ou seja, as medidas que no plano econômico, social e cultural devem ser adotadas para garantir a liberdade e a dignidade humanas15, entre elas, a proteção da saúde mental do trabalhador16. importância (fundamentalidade em sentido material), integrados ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do catálogo)” (SARLET, 2003, p. 85). 13. O artigo 6 da Constituição assim estabelece: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (grifo nosso). 14. Com razão, Fernandes (2010, p. 306-307): “Como Direito Humano Fundamental integrante da 2. família de Direitos Humanos consagrados no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC de 1966, o Direito à Saúde no Trabalho decorre do Direito à Saúde em geral, cuja abrangência não pode olvidar da atividade laborativa, seja pela essencialidade do trabalho na organização social, seja pelos agravos à saúde do trabalhador e da população em geral oriundos do processo produtivo”. 15. A respeito da importância do diploma internacional em comento, vale citar Piovesan (2009, p. 11): “Além disso, em face da indivisibilidade dos direitos humanos, há de ser definitivamente afastada a equivocada noção de que uma classe de direitos (a dos direitos civis e políticos) merece inteiro reconhecimento e respeito, enquanto outra classe de direitos (a dos direitos sociais, econômicos e culturais), ao revés, não merece qualquer observância. Sob a ótica normativa internacional, está definitivamente superada a concepção de que os direitos sociais, econômicos e culturais não são direitos legais. A ideia da não acionabilidade dos direitos sociais é meramente ideológica e não científica. São eles autênticos e verdadeiros direitos fundamentais, acionáveis, exigíveis e demandam séria e responsável observância. Por isso, devem ser reivindicados como direitos e não como caridade, generosidade ou compaixão”. 16. Pertinente citar, nesse diapasão, Leal (2000, p. 110): “A partir da adoção da Carta das Nações Unidas tivemos, sem dúvidas, um novo marco na regulação jurídica e política dos Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Também, é o primeiro pacto internacional a reconhecer, como direito do ser humano, políticas e normas voltadas à proteção da sua saúde mental, em especial, no ambiente de trabalho17. 2.2 A Constituição A Constituição de 1988, no artigo 1, inciso III, proclama a dignidade da pessoa humana18 como fundamento da República e, no artigo 170, dispõe que a ordem econômica e a livre iniciativa devem respeitar e promover a existência digna19. A dignidade da pessoa humana figura como princípio jurídico consagrado na Constituição. Como tal, possui força normativa e pode direitos sociais, econômicos e culturais, eis que, em seu capítulo IX, intitulado Cooperação internacional Econômica e Social, vemos o estabelecimento de que um dos principais objetivos desta instituição é o aumento do nível de vida, o pleno emprego e a criação de condições para o progresso e o desenvolvimento econômico e social; a adoção de soluções para problemas internacionais que envolvam matérias econômicas, sociais e culturais. Em outras palavras, pretendeu o PIDESC incorporar aqueles dispositivos da Declaração Universal e da Carta das nações Unidas sob a forma de normas jurídicas cogentes e vinculantes frente aos Estados-Parte”. 17. Mas, no aspecto, vale a advertência de Bobbio (2004, p. 43): “Deve-se recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexequibilidade. Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, independentemente do maior ou menor poder de convicção de seu fundamento absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja inquestionável, começam as reservas e as oposições. O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”. 18. Na acepção de Miranda (2006, p. 472): “[...] a dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstrato. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível, insubstituível e irrepetível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege”. 19. Aqui, sobre o âmbito de proteção individual do ser humano em face do Estado e da livre iniciativa, vale citar Novais (2006, p. 30-31): “O princípio da dignidade da pessoa humana acaba, assim, por construir o fundamento da concepção dos direitos como trunfos, porque é dessa igual dignidade de todos que resulta o direito de cada um conformar autonomamente a existência segundo as suas próprias concepções e planos de vida que têm, à luz do Estado de Direito fundado na dignidade da pessoa humana, o mesmo valor de quaisquer outras concepções ou planos de vida, independentemente da maior ou menor adesão social que concitem. Daí resulta a inadmissibilidade de a maioria política, mesmo quando formada democraticamente, impor ao indivíduo concepções ou planos de vida com que ele não concorde, por mais valiosas que essas concepções sejam tidas pela maioria”.


ser exigida coercitivamente. Nessa linha, é o entendimento de Sarlet (2004, p. 70): Num primeiro momento, convém frisá-lo, a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas (embora também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e moral, mas que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente carregado de eficácia.

Isso assentado, é possível afirmar que a proteção à saúde do trabalhador é um direito fundamental20 que decorre da dignidade inerente ao ser humano e que, por isso mesmo, pode ser exigido de forma coercitiva21. Sua violação, por outro lado, pode acarretar várias consequências jurídicas, entre elas a reparação previdenciária e civil. Miranda (2012, p. 10-10v.) leciona: Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas ativas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material – donde, direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material. Essa dupla noção – pois os dois sentidos podem ou devem não coincidir – pretende-se suscetível de permitir o estudo de diversos sistemas jurídicos, sem escamotear a atinência das concepções de direitos fundamentais com as ideias de direito, os regimes políticos e as ideologias.

Essa dupla perspectiva dos direitos fundamentais (formais e materiais), preconizada por Miranda, permite descortinar o véu da política, 20. Nesse diapasão, cita-se Sarlet (2008, p. 38), o qual, na linha de Miranda, reconhece a saúde como direito fundamental formal e material: “Que a saúde constitui um bem essencial da e para a pessoa humana e por esta razão tem sido objeto de tutela tanto como direito humano, quanto como direito fundamental, seja na esfera do direito internacional, seja por parte do direito interno dos estados, aqui vai assumindo como pressuposto, assim como aqui já se parte da constatação de que, à semelhança dos demais direitos sociais, a saúde também é um direito fundamental no sistema constitucional brasileiro (artigos 6º e 196 e ss. da CF) comungando da já referida dupla fundamentalidade formal e material que justamente qualifica os direitos fundamentais como tais”. 21. A respeito, Barroso (2006, p. 30): “Atualmente, passou a ser premissa do estudo da Constituição o reconhecimento de sua força normativa, do caráter vinculativo e obrigatório de suas disposições. Vale dizer: as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado.” . Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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da ideologia e das formas para averiguar se um dado direito, segundo o senso comum de uma dada sociedade, é ou não fundamental, o que se coaduna com o princípio do contrato realidade22, que informa o Direito do Trabalho. A saúde do trabalhador como direito básico, fundamental23, deve ser atendida com prioridade24, em nome do princípio-guia do sistema jurídico brasileiro, acima esposado, indissociável do próprio direito à vida, o fundamento último de todo Estado de Direito, social ou não. Existe uma complementaridade entre os direitos à vida, à saúde do trabalhador e ao meio ambiente do trabalho, que também pode ser extraída de uma interpretação sistemática da Carta Magna (arts. 1º, 5º, 6º, 7º, 200 e 225), na qual se encontra, portanto, um fundamento máximo àquele direito. É nítida a interdependência entre os direitos à vida, saúde do trabalhador e meio ambiente do trabalho equilibrado25, interpretação le-

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22. “Por força desse princípio, quando houver descompasso com o que ocorre na realidade dos fatos e aquilo que está formalizado nos registros do empregado, acata-se o que se dá no plano dos fatos. Também conhecido como princípio da primazia da realidade, dito princípio é um dos mais importantes do Direito do Trabalho, uma vez que, por intermédio dele, o juiz busca descobrir a verdade real da relação jurídica estabelecida entre o trabalhador e o seu empregador, realidade essa que nem sempre corresponde ao que está registrado nos documentos que formalizam a relação de trabalho” (GOLDSCHMIDT, 2009, p. 97-98). 23. Colhe-se, no ponto, a lição de Sarlet (2012, p. 576): “É no âmbito do direito à saúde que se manifesta de forma mais contundente a vinculação do seu respectivo objeto (no caso da dimensão positiva tratar-se de prestações materiais na esfera da assistência médica, hospitalar, etc.), com o direito à vida e o princípio da dignidade humana. A despeito do reconhecimento de certos efeitos decorrentes da dignidade da pessoa humana mesmo após a sua morte, o fato é que a dignidade atribuída ao ser humano é essencialmente da pessoa humana viva. O direito à vida (e no que se verifica a conexão, também o direito à saúde) assume, no âmbito desta perspectiva, a condição de verdadeiro direito a ter direitos, constituindo, além disso, pré-condição da própria dignidade da pessoa humana. Para além da vinculação com o direito à vida, o direito à saúde (aqui considerado num sentido amplo) encontra-se umbilicalmente atrelado à proteção da integridade física (corporal e psíquica) do ser humano, igualmente posições jurídicas de fundamentalidade indiscutível”. 24. Nesse ponto, cita-se Alexy (2011, p. 499): “Direitos a prestação em sentido estrito são direitos do indivíduo, em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de particulares. Quando se fala em direitos fundamentais sociais, como por exemplo, direitos à assistência, à saúde, ao trabalho, à moradia e à educação, quer-se primariamente fazer menção a diretos a prestação em sentido estrito”. 25. A respeito, colhe-se a lição de Bessa (2013, p. 144): “O direito a um meio ambiente equilibrado, e aí inserido o meio ambiente de trabalho, está íntima e diretamente ligado ao direito à Trabalho Seguro


vada a efeito com base no princípio ontológico da dignidade da pessoa humana26. Isso assentado, o artigo 6º da Constituição proclama a saúde como direito social fundamental27, o que é repisado no inciso XXII, do vida. O ambiente de trabalho como ‘macrobem’ que protege a vida em todas as suas formas, assegura a toda coletividade o direito a viver em ambiente que não ofereça risco à saúde e à vida, o que destaca um direito fundamental. Este significa, portanto, o direito a prestações positivas do Estado à proteção do meio ambiente do trabalho. As conexões permitidas expressamente ou de forma implícita do texto constitucional têm sua fundamentação na concreção do princípio da dignidade da pessoa humana”. 26. Aqui, vale citar a lição de Miranda (2012, p. 101): “A existência das pessoas é afetada tanto por uns como por outros direitos. Mas em planos diversos: com os direitos de liberdade, é a sua esfera de autodeterminação e expansão que fica assegurada, com os direitos sociais é o desenvolvimento de todas as suas potencialidades que se pretende alcançar; com os primeiros, é a vida imediata que se defende do arbítrio do poder, com os segundos é a esperança numa vida melhor que se afirma; com uns, é a liberdade atual que se garante, com os outros é uma liberdade mais ampla e efetiva que se começa a realizar”. 27. Nada obstante, é relevante a advertência de Novais (2010, p. 31): “Grande parte da discussão sobre os direitos sociais incide sobre a discutível possibilidade do seu reconhecimento como direitos fundamentais ou, pelo menos, em termos práticos, converge na pretensa necessidade de uma especial fundamentação da sua natureza jusfundamental”. Isso decorre, justamente, das limitações materiais do Estado e dos particulares em efetivar, na prática, os direitos fundamentais sociais definidos na Constituição, entre eles, o direito à saúde. Nessa esteira, sobre efetividade dos direitos sociais fundamentais, cita-se Hesse (2009, p. 46): “A problemática de tais direitos se explica por terem estrutura distinta da dos tradicionais direitos de liberdade e igualdade. Direitos sociais fundamentais, por exemplo, o direito do trabalho ou o direito à moradia adequada ou à seguridade social não se tornam efetivos pelo fato de que se respeitem e amparem, antes requerem, de antemão e em qualquer caso mais do que em direitos fundamentais tradicionais, ações do Estado tendentes a realizar o programa contido neles”. Sob uma outra ótica, cita-se Sarlet (2008, p. 16): “[...] ao se empreender uma tentativa de definição dos direitos sociais, cumpre aceitar a vontade expressamente enunciada do Constituinte, no sentido de que o qualificativo de social não está exclusivamente vinculado a uma atuação positiva do Estado na implementação e garantia da segurança social, como instrumento de compensação de desigualdades fáticas manifestas e modo de assegurar um patamar pelo menos mínimo de condições para uma vida digna (o que nos remete ao problema do conteúdo dos direitos sociais e de sua própria fundamentalidade). Tal consideração se justifica pelo fato de que também são sociais direitos que asseguram e protegem um espaço de liberdade e a proteção de determinados bens jurídicos para determinados segmentos da sociedade, em virtude justamente de sua maior vulnerabilidade em face do poder estatal, mas acima de tudo social e econômico, como demonstram justamente os direitos dos trabalhadores”. Também Bonavides (1999, p. 594-595): “[...] os direitos sociais recebem em nosso direitos constitucional positivo uma garantia tão elevada e reforçada que lhes faz legítima a inserção no mesmo âmbito conceitual da expressão direitos e garantias individuais do art. 60. Fruem, por conseguinte, uma intangibilidade que os coloca inteiramente além do alcance do poder constituinte ordinário, ou seja, aquele poder constituinte derivado, limitado e de seRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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art. 7º, do mesmo Diploma28. Saúde aqui entendida de forma mais ampla possível, física e mental. De outra sorte, o inciso XXII, do artigo 7, da Constituição, reconhece como direito do trabalhador a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. O dispositivo em tela, que visa assegurar o direito fundamental ao trabalho digno29, é mais pragmático que os anteriores, porém, ainda muito genérico, sendo regulamentado basicamente pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e pela Portaria n. 3214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, que definem normas técnicas e específicas de segurança, saúde e higiene no trabalho. Já o inciso XXVIII do artigo 7 da Constituição diz que o trabalhador tem direito a “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”. Esse preceito deixa claro que o seguro social por acidente do trabalho não é compensável com a indenização de natureza civil a que está sujeito o empregador quando, por dolo ou culpa, causar danos ao seu empregado. É importante perceber, também, que dita indenização, em caso de danos gerados pelo empregador, é um direito fundamental, posto que assim preconizado na topografia constitucional. Basta ver que dito preceito insere-se no capítulo dos “direitos fundamentais”. Nessa esteira, vale apontar a lição de Sarlet (2003, p. 85): gundo grau, contido no interior do próprio ordenamento jurídico. Tanto a lei ordinária como a emenda à Constituição que afetarem, abolirem ou suprimirem a essência protetora dos direitos sociais, jacente na índole, espírito e natureza de nosso ordenamento maior, padecem irremissivelmente da eiva de inconstitucionalidade, e como inconstitucionais devem ser declaradas por juízes e tribunais, que só assim farão, qual lhes incumbe, a guarda bem sucedida e eficaz da Constituição”. 28. Nessa linha, Cassar (2011, p. 123) preconiza: “A integridade física e psíquica do trabalhador é um direito fundamental e encontra respaldo Constitucional (art. 7º, XXII, da CRFB), em normas internacionais (Convenções da OIT), na CLT (Capítulo V, Título II) e em inúmeras instruções normativas, normas regulamentares e portarias expedidas pelo órgão competente do Executivo”. 29. Entende-se por direito fundamental ao trabalho digno o conjunto de normas jurídicas que buscam não só assegurar o posto de trabalho como fonte de renda e de subsistência, mas também promover condições dignas de labor, respeitando a integridade física e mental do trabalhador. Trabalho Seguro


Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do catálogo).

Por sua vez, o artigo 196, da Constituição, prescreve que A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O dispositivo em destaque lança as diretrizes amplas para a consecução do direito à saúde, aduzindo que se trata de um dever do Estado30, a quem compete implementar políticas públicas voltadas a prevenção ou redução de riscos31. Também, impõe ao Estado o dever de promover o acesso universal e igualitário das pessoas aos serviços de saúde32. 30. No tocante, Sarlet (2012, p. 578) pondera: “O que se pretende realçar, por ora, é que, principalmente no caso do direito à saúde, o reconhecimento de um direito originário a prestações, no sentido e um direito subjetivo (individual ou mesmo coletivo, a depender do caso) a prestações materiais (ainda que limitadas ao estritamente necessário para a proteção da vida humana), diretamente deduzido da Constituição, constitui exigência inarredável da própria condição do direito à saúde como direito fundamental, ou seja, como trunfo contra maioria, muito embora com isso não se esteja a sustentar que o direito à saúde possa ser considerado como um direito ilimitado a qualquer tipo de prestação estatal”. 31. Aqui, sobre o âmbito de proteção dos direitos sociais, vale a pena citar Silva (2010, p. 77): “Se ‘proteger direitos sociais’ implica uma exigência de ações estatais, a resposta à pergunta ‘o que faz parte do âmbito de proteção desses direitos?’ tem que, necessariamente, incluir ações. ‘Proteger direitos’, nesse âmbito, significa ‘realizar direitos’. Por isso, pode-se dizer que o âmbito de proteção de um direito social é composto pelas ações estatais que fomentem a realização desse direito”. 32. No aspecto, importante citar o artigo 6, I, “c”, parágrafo 3, da Lei n. 8080/90 (Lei orgânica da saúde): “Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I – a execução de ações: [...] c) de saúde do trabalhador; [...] § 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo: I - assistência ao Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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É possível afirmar que não só o Estado, mas também a sociedade civil e os particulares tem o dever de promover o direito à saúde33. A própria Constituição diz, no artigo 170, que o poder econômico e a livre iniciativa devem assegurar existência digna ao homem34. Sendo assim, as empresas tem dever social para com os empregados35, devendo manter

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trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho; II – participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho; III – participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador; IV – avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde; V – informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional; VI – participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas; VII – revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e VIII – a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores”. 33. Nessa linha, vale citar Mastrodi (2008, p. 82); “Os direitos da matriz social passam a ser vistos não como direitos contra o Estado, mas sim como direitos que só podem ser exercidos por meio do Estado, de atuações estatais visando à satisfação das necessidades dos homens. Sua caracterização principal é a necessidade de intervenção do Estado em seu favor, de modo a conferir eficácia e efetividade (i.e., eficácia no plano concreto) a tais direitos. São direitos a receber prestação de serviços públicos pela sociedade e/ou pelo Estado, no sentido de conferirem igualdade concreta de oportunidades a todos os membros do grupo social. Nesse sentido, os direitos sociais devem ser entendidos como a materialização, no plano concreto, das Liberdades Públicas existentes no plano metafísico da matriz liberal. Os direitos sociais nada são senão as Liberdades Públicas em sua dimensão positiva. Não podemos imaginar direitos mais fundamentais que estes”. 34. Genro (2008, p. 398-397) assevera: “A legislação trabalhista não prejudica – nem esse deve ser o seu objetivo – o processo de acumulação de capital nas empresas modernas de grande porte. Os efeitos que ela causa na malha social produtiva – positivos ou não, segundo visão de trabalhadores e empresários – decorrem do fato de que ela protege os trabalhadores do setor formal do arbítrio empresarial. Estes direitos mínimos impõem regras básicas para a compra da força de trabalho pelas empresas, inclusive forçando fixar, entre elas, patamares mínimos para uma concorrência menos predatória, que ao final sempre sacrifica o mundo do trabalho e os consumidores. 35. Aqui, vale a advertência de Capella (2002, p. 202-203): “A constitucionalização desses ‘direitos sociais’ nascidos com o estado intervencionista tende a revesti-los da aparência de direitos fundamentais ou cidadãos, e até há escolas de pensamento minoritárias que os apresentam assim. Sem embargo, entre os direitos fundamentais ou políticos e os direitos sociais Trabalho Seguro


ambiente laboral saudável, isento de riscos, sob pena de, do contrário, reparar eventuais danos à saúde física e mental do trabalhador. O artigo 198, da Constituição, vai na mesma linha, estabelecendo as diretrizes das ações e serviços públicos de saúde, entre as quais que o homem tem direito ao atendimento integral, com prioridade às atividades preventivas, com a participação da comunidade. Logo, a comunidade também deve participar na promoção da saúde do ser humano e pode fazê-lo através de associações, sindicatos, ONGs e, até mesmo, através do trabalho voluntário desenvolvido em entidades públicas e privadas. Por fim, o artigo 200, inciso II, da Constituição, diz que compete ao Sistema Único de Saúde (SUS) executar ações de vigilância da saúde do trabalhador e, no inciso VIII, colaborar para a proteção do meio ambiente, inclusive do trabalho. Aqui, vale referir que ainda são tímidas as ações do Sistema Único de Saúde na vigilância da saúde do trabalhador e do meio ambiente do trabalho, sendo que esta tarefa tem sido exercida, principalmente, pela fiscalização do trabalho. Seria interessante a ação conjunta da Fiscalização do Trabalho com os profissionais do SUS, para se ter resultados mais efetivos, exigindo o cumprimento de normas voltadas à proteção da saúde física e mental do trabalhador e à melhoria do seu ambiente de trabalho. Colocadas as bases doutrinárias que preconizam a saúde como direito fundamental do trabalhador, cumpre-se, agora, entrar no ponto nodal desta pesquisa: a LER/DORT como acidente de trabalho.

há uma diferença profunda. Os direitos políticos (as liberdades básicas, o direito de sufrágio, etc.) são ante tudo direitos frente ao estado. E este pode fazê-los respeitar a seus funcionários por meio de sua só e exclusiva atividade. Para que subsistam basta a vontade estatal, ou, se se prefere, a vontade do sistema político. A manutenção dos direitos ‘sociais’, em troca, exige essencialmente uma atividade meta-estatal. Afetam a economia, e precisam portanto o concurso da esfera privada. Só podem manter-se em determinadas circunstâncias, pois como mínimo precisam uma arrecadação fiscal suficiente para financiar as prestações que lhes dão conteúdo. O estado não pode garanti-los por si só em quaisquer circunstâncias. Ao fim, a satisfação das necessidades garantidas em forma de direitos sociais pode resultar incompatível com a lógica capitalista básica da sociedade em que surgem”. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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3 CONCEITO DE ACIDENTE DE TRABALHO

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3.1 Acidente típico Nos termos do disposto no art. 19, da Lei n. 8.213/91, acidente do trabalho em sentido estrito, também denominado acidente típico, é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados especiais referidos no inciso VII do artigo 11, da lei que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Com base no conceito legal de acidente do trabalho, Oliveira (2011, p. 47) identifica as seguintes características: a) evento danoso; b) decorrente do exercício do trabalho a serviço da empresa; c) que determina lesão corporal ou perturbação funcional e, d) causa a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Brandão (2006, p. 141), após analisar os diversos conceitos existentes na doutrina sobre acidente de trabalho, apresenta sua própria definição, afirmando que se trata de um evento, em regra, súbito, ocorrido durante a realização do trabalho por conta alheia, que acarreta danos físicos ou psíquicos à pessoa do empregado, capazes de gerar a morte ou a perda temporária ou permanente, de sua capacidade laboral.

O fato que determina o acidente típico, como regra geral, é súbito, inesperado, gerado por agente externo e também é fortuito, ou seja, não provocado pela vítima. Há necessidade, ainda, para a caracterização do acidente laboral que exista nexo causal com o trabalho a serviço da empresa. Martins(2009, p. 407) explica a respeito: O acidente do trabalho, em princípio, é aquele que decorre do exercício do trabalho. Não se pode considerar, portanto, acidente do trabalho o proveniente de acidente de trânsito que nada tenha a ver com o trabalho. É preciso que, para existência do acidente do trabalho, exista um nexo entre o trabalho e o efeito do acidente. Esse nexo de causa-efeito é tríplice, pois compreende o trabalho, o acidente, com a consequente lesão, e a incapacidade, resultante da lesão. Deve haver um nexo causal entre o acidente e o trabalho exercido.

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Do evento, há de resultar, necessariamente, lesão ou perturbação física ou mental do trabalhador. A existência de lesão corporal ou perturbação funcional é da essência do conceito de acidente do trabalho. Evento sem tais consequências não se enquadra, tecnicamente, como acidente do trabalho. A própria lei menciona expressamente que a enfermidade que não produza incapacidade laborativa não será considerada doença do trabalho (OLIVEIRA, 2011, p. 48). Por último, é indispensável que o evento determine a morte, a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. De acordo com Oliveira (2011, p. 48): A incapacidade temporária não significa necessariamente afastamento do trabalho, pode ser mesmo apenas o tempo para realizar um pequeno curativo ou da visita a um hospital, tanto que o INSS determina que a CAT deverá ser emitida para todo acidente ou doença relacionados ao trabalho, ainda que não haja afastamento ou incapacidade.

Caracteriza-se o acidente também nas hipóteses em que, em razão do evento danoso, seja necessário maior esforço para o exercício da profissão habitualmente exercida ou outra profissão. 3.2 Acidentes do trabalho por equiparação O legislador elencou, no art. 21, da Lei n. 8.213/91, situações em que o evento danoso guarda relação indireta com o trabalho executado pela vítima, equiparando-as ao acidente do trabalho. Trata-se da chamada causalidade indireta. Dentre as hipóteses listadas no dispositivo em questão, merece destaque o inciso I, que equipara ao acidente de trabalho “o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação”. Albergou esse dispositivo a teoria das concausas. Acerca do tema, ensinam Direito e Cavalieri Filho (2004, p. 83): Concausa é outra causa que, juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo causal, apenas o reforça, tal Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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como um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal. Em outras palavras, concausas são circunstâncias que concorrem para o agravamento do dano, mas que não têm a virtude de excluir o nexo causal desencadeado pela conduta principal, nem de, por si sós, produzirem o dano. O agente suporta esses riscos porque, não fosse a sua conduta, a vítima não se encontraria na situação em que o evento danoso a colocou.

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Para a inserção do infortúnio na hipótese prevista no inciso transcrito, é absolutamente indispensável que o trabalho tenha atuado como fator contributivo, como fator desencadeante ou agravante de doenças preexistentes. Cita-se, a título de exemplo, a situação de empregado que venha a desenvolver hérnia de disco da coluna lombo-sacra. Ainda que se apure que a patologia não tenha sido desencadeada pelo trabalho, pode ser agravada devido às condições desfavoráveis, tais como posição sentada durante toda a jornada de trabalho, em cadeira ergonomicamente inadequada e com exigência de flexão de tronco. O art. 21, da Lei n. 8.213/91, arrola ainda as seguintes situações, equiparáveis ao acidente do trabalho: II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; IV - o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, Trabalho Seguro


qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. § 1º. Nos períodos destinados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.

Relacionadas as situações equiparadas legalmente a acidentes de trabalho, cumpre-se abordar, adiante, as doenças ocupacionais. 3.3 Doenças ocupacionais A par do acidente típico, previsto no art. 19, a Lei n. 8.213/91 também considera como acidente de trabalho as doenças ocupacionais, subdividas em doenças profissionais e doenças do trabalho. Dispõe o art. 20 da lei mencionada: Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

Adiante, adentra-se no estudo de cada uma dessas categorias. 3.3.1 Doença profissional Por doença profissional deve ser entendida, segundo a lei, aquela produzida ou desencadeada pelo exercício de trabalho peculiar a determinada atividade e constante da relação do Anexo II do Decreto n. 3.048. São doenças próprias de determinadas profissões e apresentam o trabalho como sua causa única e eficiente. Martins (2009, p. 408), a esse respeito, afirma: [...]São doenças inerentes exclusivamente à profissão e não ao trabalho, embora possam ser desenvolvidas no trabalho. Há presunção da lei. Exemplo é a doença adquirida pelo mineiro em razão do exercício de sua profissão. As doenças profissionais são as causadas por agentes físicos, químicos ou biológicos inerentes a certas funções ou atividades. Não se confundem com Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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os acidentes-tipo, pois têm atuação lenta no organismo humano. São também denominadas de idiopatias, tecnopatias ou ergopatias.

Dada a sua tipicidade, a doença profissional não demanda comprovação de nexo de causalidade com a atividade. Para sua caracterização, basta confrontar a função desempenhada pelo empregado com a relação elaborada pela Previdência Social (Anexo II, do Decreto n. 3.048/99), cumprindo salientar que a lista fundamenta-se na observação clínica de casos, de sintomas e sinais da doença relacionados com determinada atividade profissional e também em estudos epidemiológicos. Na doença profissional, há presunção juris et de jure de relação com o trabalho, não se admitindo prova em contrário. Existe, portanto, presunção absoluta de nexo causal entre a atividade e a doença. Nessa linha, Oliveira (2011, p. 50) assevera: “Basta comprovar a prestação de serviço na atividade e o acometimento da doença profissional. Sinteticamente, pode-se afirmar que doença profissional é aquela típica de determinada profissão”. 184

3.3.2 Doença do trabalho Doença do trabalho, nos termos do disposto no art. 20, II, da Lei nº 8.213/91, é aquela adquirida ou desencadeada em razão das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente. Subdivide-se em: a) Típica Está prevista no art. 20, II, da Lei n. 8.213/91. Serão consideradas doenças do trabalho típicas aquelas constantes no Anexo II do Decreto nº 3.048/99. Prescindem de comprovação do nexo de causalidade com o trabalho, pois há presunção legal nesse sentido. b) Atípica Também chamada de mesopatia, está prevista no art. 20, § 2º, da Lei n. 8.213/91, nos seguintes termos: Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.” Trata-se das denominadas mesopatias, que exigem comprovação do nexo de causalidade com o trabalho, o que em geral ocorre através de vistoria no ambiente de trabalho. Trabalho Seguro


leciona:

A respeito das doenças do trabalho, Martins (2009, p. 408)

A doença do trabalho é o gênero do qual a doença profissional é espécie. O que deve ser ressaltado é que nem toda doença pode ser considerada do trabalho, pois somente aquelas determinadas pela lei é que o serão, na forma prevista no Anexo II do Decreto nº 3.048. As doenças encontradas nessa relação são chamadas “tecnopatias” ou “ergopatias”. As que estão relacionadas no mencionado anexo não dão direito a prestações por acidentes do trabalho, sendo chamadas “mesopatias”, como ocorre com exposição a agentes químicos, como benzeno, chumbo; físicos, como ruído, radiações; biológicos, como microorganismos e parasitas que causem infecções etc. A exceção à regra se dá quando as mesopatias não relacionadas no citado anexo tenham resultado de condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relacionado diretamente, que serão consideradas pela Previdência como acidente do trabalho (§2º do art. 20 da Lei n. 8.213, p. 408).

A Lei n. 11.430/2006 inseriu o art. 21-A na Lei n. 8.213/91, estabelecendo terceira espécie de doença ocupacional. Trata-se daquela decorrente do NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário). Segundo Dallegrave Neto (2010, p. 307): Da incidência estatística e epidemiológica resultante do cruzamento da CID (Classificação Internacional de Doença) com a atividade da empresa CNAE (Classificação Nacional de Atividade Econômica) advém o NTEP, o qual gera presunção relativa de que a doença acometida pelo empregado é ocupacional.

O grupo atual das LER/DORT é apontado como exemplo das doenças do trabalho. Apesar de terem origem na atividade do trabalhador, não estão vinculadas necessariamente a determinada profissão. Podem ser adquiridas ou desencadeadas em qualquer atividade, sem que exista vinculação direta a certa profissão. São as condições do trabalho que ensejam a quebra da resistência do organismo, seguindo-se a eclosão ou exacerbação da moléstia ou então seu agravamento (OLIVEIRA, p. 50, 2011).

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4 LER/DORT Conforme dito acima, as transformações havidas no trabalho e na organização das empresas, com a introdução de inovações tecnológicas, estabelecimento de metas e produtividade, vêm provocando aumento sensível de distúrbios do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. Tais entidades mórbidas são conhecidas pelas siglas LER/ DORT, que significam, respectivamente, Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. Embora o interesse pelo tema, em razão da multiplicação do número de patologias em trabalhadores envolvendo o sistema osteomuscular e o tecido conjuntivo, tenha recrudescido, o problema não é novo. A síndrome foi alvo de estudo desde 1700, quando Bernardo Ramazzini, considerado o pai da medicina do trabalho, descreveu-a como “doença dos escribas e notários”. Posteriormente, foi exposta como “doença das tecelãs” (1920) e, em 1965, como “doença das lavadeiras”. Entre adolescentes, foi relatada pela primeira vez em 1901, por Miles Franklin. Informa a respeito Codo (1998, p. 8): Que é uma velha patologia ligada, desde seu início, ao trabalho, se pode constatar: já em 1700, Bernardo Ramazzini, o médico italiano que descreveu a patologia, fazia a correlação entre a doença e a ocupação das pessoas, referindo-se às competições olímpicas na Grécia.

1901, uma adolescente, Miles Franklin: Entre os pequenos fedelhos, assim que crescem o suficiente para carregar o balde, aprendem a tirar o leite. Assim suas mãos se acostumam com o movimento, e isto não as afeta. Conosco era diferente. Sendo quase adultos quando começamos a tirar o leite, e só então mergulhando pesadamente neste exercício, um efeito doloroso caía sobre nós. Nossas mãos e braços, até os cotovelos inchavam, de maneira que o nosso sono era constantemente interrompido pela dor.

Na segunda metade do século XX, os estados mórbidos do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (LER/DORT) disseminaram-se em todo o mundo, tendo determinado, no Japão, em 1958, limitação da carga horária para 5h/dia, ou até 40.000 movimentos repetitivos ao dia para os trabalhadores cujas atividades eram frequentemente relacionadas com a cervicobraquialgia (YOSHINARI, 2011, p. 484). Trabalho Seguro


O problema intensificou-se a partir da década de 1980. Nessa época, verificou-se na Austrália, entre trabalhadores de escritórios e fábricas, epidemia de dor crônica incapacitante de membro superior, havendo empresas que chegaram a apresentar um terço de seus empregados com tal quadro, situação que determinou gastos expressivos com tratamento médico e indenizações. Os quadros de LER/DORT vêm atingindo várias áreas profissionais, em especial os segmentos que exigem movimentos repetitivos ou significativa imobilização postural. Além da Austrália, também registram epidemias de LER/DORT, entre outros, a Inglaterra, o Japão, os Estados Unidos e o Brasil. 4.1 Conceito de LER/DORT No Anexo I, da Instrução Normativa INDC/INSS nº 98/2003, que aprovou a norma técnica sobre LER/DORT, seu conceito é assim descrito: Entende-se LER/DORT como uma síndrome relacionada ao trabalho, caracterizada pela ocorrência de vários sintomas concomitantes ou não, tais como: dor, parestesia, sensação de peso, fadiga, de aparecimento insidioso, geralmente nos membros superiores, mas podendo acometer os membros inferiores. Entidades neuro-ortopédicas definidas como tenossinovites, sinovites, compressões de nervos periféricos, síndromes miofaciais, que podem ser identificadas ou não. Frequentemente são causa de incapacidade laboral temporária ou permanente. São resultado da combinação da sobrecarga das estruturas anatômicas do sistema osteomuscular com a falta de tempo para sua recuperação. A sobrecarga pode ocorrer seja pela utilização excessiva de determinados grupos musculares em movimentos repetitivos com ou sem exigência de esforço localizado, seja pela permanência de segmentos do corpo em determinadas posições por tempo prolongado, particularmente quando essas posições exigem esforço ou resistência das estruturas músculo-esqueléticas contra a gravidade. [...]

As expressões “Lesões por Esforços Repetitivos (LER)” e “Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT)” abrangem os distúrbios ou doenças do sistema músculo-esquelético-ligamentar, que podem ou não estar relacionadas ao trabalho. Trata-se de termos genéricos, cabendo ao médico estabelecer o diagnóstico específico da doença que gerou o sintoma apresentado. 4.2 Enquadramento da síndrome como doença ocupacional Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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As Lesões por Esforços Repetitivos (LER) podem definir problemas distintos, de causas diversas, devendo-se salientar que não existem como entidade nosológica. Hipotireoidismo, doenças infecciosas ou imunológicas e ainda quadros depressivos e movimentos repetitivos, entre outros, podem desencadear tendinites, tenossinovites ou capsulites. Entretanto, somente quando alguma dessas enfermidades tiver como fator desencadeante os movimentos repetitivos é que merecerá o enquadramento como LER. Se os esforços repetitivos em questão forem executados no exercício da atividade laboral, a LER então se equiparará à DORT, em razão do nexo causal (ocupacional), indispensável à caracterização da doença ocupacional. A doença ocupacional, considerada pela lei como acidente do trabalho, exige, à sua caracterização, além do nexo causal, também os demais requisitos próprios do acidente do trabalho, quais sejam, a lesão corporal ou perturbação funcional e a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. 188

4.2.1 Nexo ocupacional A IN INDC/INSS nº 98/2003, apresenta, no quadro I, relação exemplificativa entre o trabalho e algumas entidades nosológicas. Cita-se, a título de ilustração, a bursite do cotovelo (olecraniana). Como causa ocupacional, é apresentada a “Compressão do cotovelo contra superfícies duras”, sendo apontado como exemplo “Apoiar o cotovelo em mesas” e, como diagnósticos diferenciais, “gota, contusão e artrite reumatóide”. Portanto, se determinado trabalhador apresentar a patologia em questão, incumbe ao profissional responsável, em geral o médico do trabalho, examinar se decorre do exercício das atividades laborais ou se tem como origem outras causas, a exemplo daquelas mencionadas. Apenas se restar caracterizado o nexo causal (ou concausal) é que a patologia merecerá enquadramento como doença ocupacional. A literatura especializada, assinada por Couto, Nicoletti e Lech (2007, p. 90) preconiza a respeito: É importante destacar inicialmente que muitas das lesões por sobrecarga funcional dos membro superiores não são causadas pelo trabalho, mas por outros fatores. Por exemplo, é bem conhecido que jogar tênis Trabalho Seguro


pode resultar em epicondilite lateral, que jogar vôlei pode resultar em lesão nos ombros; também é bem conhecido que hábitos de vida podem ocasionar dor e/ou lesão, por exemplo, determinadas posições para se dormir, uso de bolsas pesadas nos ombros e até mesmo a inatividade física pode acabar resultando em queda de ombro, freqüentemente acompanhada de dor. Também deve-se destacar ser muito freqüente que em determinadas épocas da vida da mulher (gestação, menopausa), apareçam queixas de dor nos membros superiores, inclusive com compressão de nervos. E que muitas doenças sistêmicas (hipotireoidismo, diabetes) e condições associadas ao envelhecimento vêm acompanhadas de dor em membros superiores (grifo no original).

Para o estabelecimento do nexo ocupacional, existem critérios técnico-científicos preconizados por várias escolas internacionais. No âmbito nacional, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 1488/98, que recomenda, entre outros aspectos, o exame do local de trabalho e da sua organização, além de dados epidemiológicos. A Diretoria Colegiada do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS publicou a Resolução INSS/DC nº 10, de 23 de dezembro de 1999, em que constam procedimentos médicos para o estabelecimento do nexo causal, recomendando incluir nos procedimentos e no raciocínio médico a resposta a dez questões essenciais, que são elencadas no item IV daquele normativo. Faraco (2010, p. 228) explica, quanto ao nexo ocupacional, que Schilling, em 1994, classificou as doenças segundo sua relação com o trabalho da seguinte forma: “a) I – Trabalho como causa necessária; b) II – Trabalho como fator contributivo, mas não necessário; c) III – Trabalho como provocador de um distúrbio latente ou agravador de doença já estabelecida”. O autor faz, ainda, distinção entre o nexo causal e o nexo técnico. O primeiro é a correlação entre a moléstia diagnosticada e o agente desencadeador. Em razão de que o mesmo agente desencadeador pode encontrar-se ou não no trabalho, necessário que o perito, como segundo passo, efetue a busca do nexo técnico. Esse representa a capacidade de desencadeamento da moléstia pela atividade laboral desenvolvida em razão do trabalho. É o vínculo entre a patologia e os riscos de sua ocorrência nos misteres laborais executados. Para o diagnóstico de LER/DORT, são fundamentais a história clínica, o exame físico, as atividades ocupacionais pregressas do trabalhador e a investigação sobre suas atividades não ocupacionais, inclusive de lazer. Segundo Yoshinari (2011, p. 488): “É importante lembrar que, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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não existindo nexo causal entre a atividade ocupacional do paciente e a patologia observada, não se pode denominar o quadro de DORT, pois, por definição, tal condição é ocupacional.” 4.2.2 Lesão corporal ou perturbação funcional

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Lesão corporal, nos termos adotados pela Lei n. 8.213/91, é sinônimo de lesão orgânica segundo o sentido que lhe dá a ciência médica. Para esta (COUTO, NICOLETTI e LECH, 2007, p. 138) lesão significa modificação estrutural de um órgão ou de uma parte do organismo vivo, em razão de alterações de origem interna (p. ex.: tumor ou lesões tendíneas degenerativas) ou externa (p. ex.: traumatismos que provocam fraturas). São fenômenos de natureza biológica, estrutural, morfológica. Sua presença somente se dá em razão de traumatismos, tumores, outras doenças de órgãos e sistemas ou envelhecimento biológico. Perturbação funcional ou distúrbio significa desarranjo, disfunção, alteração do funcionamento considerado normal, sem que, necessariamente, existam lesões. Trata-se de prejuízo ao adequado funcionamento de órgão ou sentido. Os distúrbios normalmente ocorrem quando há algum desequilíbrio entre as condições funcionais da pessoa e os fatores físicos, psicológicos e sociais que encontra no ambiente onde vive e trabalha. Como regra geral, os distúrbios tendem a desaparecer quando os fatores que os determinaram são identificados e eliminados ou minimizados. Distúrbios podem estar associados a lesões, mas com essas não se confundem. Portanto, para que as patologias do sistema osteomuscular e/ou do tecido conjuntivo sejam consideradas doença ocupacional (DORT), devem provocar lesões e/ou perturbação funcional, observado o significado de tais expressões, acima explicitado. 4.2.3 Incapacidade laborativa Segundo a Organização Mundial da Saúde, incapacidade é qualquer redução ou falta (resultante de uma ‘deficiência’ ou ‘disfunção’) da capacidade para realizar uma atividade de uma maneira que seja considerada normal para o ser humano, ou que esteja dentro do espectro considerado normal.

Será considerado incapaz para o trabalho aquele que apresenta Trabalho Seguro


impossibilidade de desempenhar os misteres próprios do cargo em decorrência da doença. Não serão havidas doenças do trabalho as que não produzem incapacidade. A legislação prevê a concessão de benefícios não em razão da doença, e sim por incapacidade. Quanto ao grau, a incapacidade pode ser total ou parcial. A primeira determina a impossibilidade de o empregado trabalhar e prover a sua subsistência, enquanto a segunda ocorre quando a tarefa pode ser executada sem risco de vida ou agravamento da doença, havendo, entretanto, baixa produtividade e menor eficiência em razão da patologia. Quanto à duração, a incapacidade pode ser temporária ou permanente. Diz-se temporária, quando a recuperação é esperada em lapso de tempo previsível; permanente, quando o trabalhador for considerado incapaz, sem possibilidade de recuperação para o exercício da atividade inerente ao cargo ou em função análoga, segundo os recursos da terapêutica e reabilitação existentes. Quanto à profissão, a incapacidade laborativa pode ser: a) uniprofissional, quando atinge apenas uma atividade específica; b)multiprofissional, quando alcança diversas atividades profissionais; e c) omniprofissional, quando determina impossibilidade do desempenho de toda e qualquer atividade laborativa. 5 CONSEQUÊNCIAS DO RECONHECIMENTO DA LER/ DORT COMO ACIDENTE DO TRABALHO Havendo diagnóstico de DORT, fará jus o trabalhador a todos os benefícios próprios do acidente do trabalho previstos em lei. O auxílio-doença acidentário será devido ao trabalhador vítima de doença ocupacional (DORT) que ficar incapacitado para o trabalho por mais de 15 dias consecutivos (art. 61, da Lei n. 8.213/91). A aposentadoria por invalidez é cabível quando o trabalhador, em razão da doença ocupacional, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe assegure a subsistência. O auxílio-acidente, previsto no art. 86, da Lei n. 8.213/91, será concedido ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes do acidente do trabalho, resultarem sequelas que determinem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, tendo natureza de indenização previdenciária. Ao empregado vítima de DORT também é assegurada a garantia Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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de emprego de que trata o art. 118, da Lei n. 8.213/91, desde que preenchidos os requisitos previstos naquele dispositivo36. Tendo havido culpa ou dolo do empregador, o empregado atingido por DORT terá direito a indenização civil, nos termos do que preceitua o art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal. A reparação civil por danos causados37 tem suporte nos artigos 186 e 927 do Código Civil. O primeiro diz: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” O segundo completa: “Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. As regras gerais sobre a responsabilidade civil, entre elas as pessoas que devem reparar e a quantificação do dano, estão previstas minudentemente a partir do art. 927 do Código Civil. Importa ressaltar que, de acordo com o inciso XXVIII, do artigo 7º, da Constituição, a responsabilidade civil por danos causados ao trabalhador é, em regra, subjetiva, ou seja, depende, para a sua caracterização, da comprovação da culpa do empregador. Porém, o parágrafo único, do artigo 927, do Código Civil, previu a responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente da comprovação da culpa, “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem”. Esse dispositivo se aplica ao direito do trabalho38, por força do 36. Aqui vale menção ao teor da Súmula 378 do E. TST: “Estabilidade provisória. Acidente de trabalho. Art. 118 da Lei n. 8.213/91. I – É constitucional o art. 118 da Lei 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. III – O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego, decorrente de acidente de trabalho, prevista no art. 118 da Lei 8.213/91. 37. Segundo Pereira (1996, p. 11), “A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõe o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano. Não importa se o fundamento é a culpa, ou se independente desta. Em qualquer circunstância, onde houver subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil”. 38. A respeito, vale citar o teor do Enunciado n. 37 aprovado pela 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, promovido pelo Tribunal Superior do Trabalho Trabalho Seguro


caput do artigo 7, da Constituição, verdadeira cláusula aberta39 que autoriza a aplicação de outras normas que visem à melhoria da condição

– TST, Escola Nacional de Magistrados do Trabalho – ENAMAT, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA e Conselho de Escolas de Magistratura Trabalhista – CONEMATRA, ocorrida nos dias 21 a 23 de novembro de 2007. Disponível em: <www.anamatra.org.br>. Acesso em: 16-04-2013: “RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO ACIDENTE DE TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7, XXVIII, da Constituição da República, não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores”. 39. No ponto, de forma mais ampla, colhe-se a lição de Canotilho (1993, p. 528): “Os direitos consagrados e reconhecidos pela constituição designam-se, por vezes, direitos fundamentais formalmente constitucionais, porque eles são enunciados e protegidos por normas com valor constitucional formal (normas que têm a forma constitucional). A constituição admite (cfr. Art. 16 – Constituição Portuguesa), porém outros direitos fundamentais constantes das leis e das regras aplicáveis de direitos internacional. Em virtude de as normas que os reconhecem e protegem não terem a forma constitucional, estes direitos são chamados direitos materialmente fundamentais. Por outro lado, trata-se de uma ‘norma de fattispecie aberta’ de forma a abranger, para além das positivações concretas, todas as possibilidades de ‘direitos’ que se propõem no horizonte da ação humana. Daí que os autores se refiram também aqui ao princípio da não identificação ou da cláusula aberta. Problema é o de saber como distinguir, dentre os direitos sem assento constitucional, aqueles com dignidade suficiente para serem considerados fundamentais. A orientação tendencial de princípio é a de considerar como direitos extraconstitucionais materialmente fundamentais os direitos equiparáveis pelo seu objeto e importância aos diversos tipos de direitos formalmente fundamentais”. Também, de forma mais específica, a lição de Melo (2006, p. 72-73): “A mais simples análise dessas disposições constitucionais mostra que o disposto no inciso XXVIII constitui garantia mínima ao trabalhador. Ademais a expressão constante no caput do art. 7º (‘outros direitos que visem à sua melhoria’) deixa claro que nenhum dos direitos encartados nos seus incisos é de conceito e conteúdo fechados e imutáveis. De um lado, tem esta expressão dimensão prospectiva, pois ‘estabelece um objetivo a ser perseguido pelo Poder Público, que é a melhor condição social do trabalhador. Não se cuida de exortação moral destituída de eficácia jurídica. É cláusula vinculativa que carreia um juízo de inconstitucionalidade aos atos que lhe são contrários; de outro, a vontade do constituinte e a expressão da Lei Maior são no sentido de assegurar no referido artigo um patamar mínimo de direitos fundamentais, deixando aberta a possibilidade de serem criados outros direitos e melhorados aqueles já enumerados. Essa criação pode decorrer de alteração constitucional, infraconstitucional e convencional”. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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social do trabalhador40 (e, portanto, são materialmente fundamentais)41. Contudo, a doutrina diverge no tocante ao que se entende por “atividade normalmente de risco”, resultando, disso, jurisprudência e doutrina que admitem, em alguns casos, a responsabilidade objetiva e, em outros, não, aplicando a responsabilidade subjetiva (ou aquiliana). 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A saúde tem figurado como um dos mais relevantes direitos fundamentais do trabalhador, prevista como tal nos tratados internacionais e disciplinada de forma mais objetiva na Constituição brasileira de 1988. A preservação e a promoção da saúde do trabalhador é diretriz permanente de regulação e de hermenêutica do direito do trabalho, tratando-se de tema da mais alta relevância, alvo das preocupações não só dos operadores do direito, mas também do Estado e da sociedade civil. As transformações havidas no trabalho e na organização das empresas, com a introdução de inovações tecnológicas, estabelecimento de metas e produtividade, vêm provocando aumento sensível de distúrbios do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. Tais entidades mórbidas são conhecidas pelas siglas LER/DORT, que significam, respectivamente, Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomus-

40. Nessa esteira, Piovesan (2010, p. 25) pondera com propriedade: “Outro relevante princípio é o atinente à interpretação dinâmica e evolutiva dos dispositivos pertinentes aos direitos sociais. É tarefa do intérprete considerar as mudanças ocorridas nos planos social e político para a adequada interpretação dos direitos previstos nos planos constitucional e internacional. O alcance e o significado dos direitos não podem restar confinados e estagnados às concepções do momento em que foram elaborados os instrumentos normativos, devendo ser estes concebidos como living instrument, a ser interpretado à luz das condições dos dias presentes. Cabe aos intérpretes proteger e salvaguardar os direitos sociais, desenvolvendo o alcance e o sentido desses direitos à luz do contexto e dos valores contemporâneos. Aos intérpretes cabe o desafio de ‘vitalizar’ os instrumentos protetivos e não ‘fossilizá-los’, deixando-os reféns do passado. Os parâmetros internacionais e constitucionais não podem ser considerados estáticos, mas devem refletir as transformações sociais. A interpretação evolutiva demanda sejam consideradas realidades e atitudes contemporâneas e não a situação existente ao tempo em que os textos foram elaborados”. 41. Aqui, cabe a advertência de Canotilho (2006, p. 356): “[...] a dimensão básica de muitos direitos é a ‘abertura material’ e o seu ‘peso principal’ inevitavelmente postuladores de tarefas de concordância e de ponderação assentes não em esquemas dicotômicos superior/inferior, constitucional/ordinário, mas em metódicas concretamente concretizadoras das dimensões materiais dos direitos em causa”. Trabalho Seguro


culares Relacionados ao Trabalho. Essas doenças, inicialmente descritas como tenossinovite ocupacional, mereceram reconhecimento oficial como doenças ocupacionais graças a renhida luta dos trabalhadores, em especial na década de 80. A Instrução Normativa DC/INSS nº 98/2003 estabeleceu critérios para simplificar, uniformizar e adequar a atividade médico-pericial frente aos casos de LER/DORT, considerados, atualmente, como acidentes de trabalho, quando preenchidos os requisitos legais à sua caracterização. Além do acidente típico, previsto no art. 19, da Lei n. 8.213/91, essa mesma norma elencou, no art. 21, situações em que o evento danoso guarda relação indireta com o trabalho executado pela vítima, equiparando-as ao acidente de trabalho. Dita lei também considera como acidente de trabalho as doenças ocupacionais, subdivididas em doenças profissionais e do trabalho. Doença profissional é aquela produzida ou desencadeada pelo exercício de trabalho peculiar a determinada atividade e constante da relação do Anexo II do Decreto 3.048, enquanto doença do trabalho é aquela adquirida ou desencadeada em razão das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente. O grupo das LER/DORT enquadra-se como doença do trabalho, quando constatados os requisitos à sua caracterização, quais sejam, o nexo causal, lesão corporal ou perturbação funcional e a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. As expressões “Lesões por Esforços Repetitivos (LER)” e “Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT)” abrangem os distúrbios ou doenças do sistema músculo-esquelético-ligamentar, que podem ou não estar relacionadas ao trabalho. Tendinites, tenossinovites ou capsulites podem ser desencadeadas por diversas causas, tais como hipotireoidismo, doenças infecciosas ou imunológicas. Quando alguma dessas enfermidades tiver como fator desencadeante os movimentos repetitivos é que merecerá o enquadramento como LER. Se os esforços repetitivos em questão forem executados no exercício da atividade laboral, a LER então se equipará à DORT, em razão do nexo causal (ocupacional). Havendo diagnóstico de DORT, fará jus o trabalhador a todos os benefícios próprios do acidente do trabalho. Também lhe será assegurada garantia de emprego, quando preenchidos os requisitos previstos Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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no art. 118, da Lei nº 8.213/91, e, tendo havido culpa ou dolo do empregador, terá direito a indenização, nos termos do que preceitua o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. _________. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. In: Revista da Escola Nacional da Magistratura. Brasília, ano I, n. 2, 2006. BESSA, Leonardo Rodrigues Itacaramby. O direito fundamental ao meio ambiente equilibrado de forma plena, eficaz e efetiva: Direito do trabalho efetivo. São Paulo: Ltr, p. 137-154. 196

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OS RISCOS EMERGENTES TRAZEM NOVOS DESAFIOS PARA O TRABALHO SEGURO Rosimare Alves Ribeiro Petitjean1 Resumo : o artigo inicia fazendo uma explanação dos problemas da saúde e segurança no trabalho ao longo do tempo e evidenciando o desenvolvimento de estudos que contribuíram para a regulação desses problemas, favorecendo a evolução da legislação e a criação de programas de prevenção. Em seguida, apresenta uma pesquisa em desenvolvimento na Aix-Marseille Université, que mostra os novos desafios do trabalho seguro diante das grandes transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho. Os primeiros resultados desse estudo têm revelado as dificuldades e os novos encaminhamentos que vêm sendo dados à prevenção dos riscos profissionais e, em especial, aos chamados riscos emergentes. Por fim, conclui apresentando algumas reflexões sobre a realidade brasileira frente a esses novos riscos. Palavras-chave: saúde do trabalhador; segurança no trabalho; prevenção de riscos profissionais; riscos psicossociais.; terceirização. 1 Introdução Ao longo da história, temos visto vários problemas que afetam a saúde e a segurança no trabalho. Mas, ao mesmo tempo, constatamos o desenvolvimento de estudos que identificam e descrevem esses problemas e chamam a atenção para as suas consequências sociais. Esses esforços se constituem em uma contribuição importante rumo à regulação desses problemas através da legislação e do desenvolvimento de programas de prevenção que ajudam no combate aos riscos profissionais. Assim, observa-se que existem, atualmente, muitos meios de se prevenir os chamados riscos profissionais clássicos, ou seja, aqueles que já foram bastante estudados e sobre os quais existe uma legislação vi1. Doutoranda no Instituto de Ergologia da Aix-Marseille Univertité, mestre em Ciências Humanas e Sociais pela Université de Provence, pós-graduadaa em Educação, Trabalho e Tecnologia pela UTRAMIG e em Educação a Distância pela PUCMINAS, bacharel em Fisioterapia pela UFMG e servidora pública no foro de Barbacena do TRT-3. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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gente e também vários métodos de preveni-los, seja eliminando-os ou minimizando-os. Mas as transformações que têm ocorrido no mundo do trabalho têm produzido novos desafios para a saúde e a segurança dos trabalhadores. Essas transformações estão relacionadas à origem de vários riscos que são considerados como emergentes, ou seja, novos e crescentes em termos de saúde e segurança no trabalho (Agence européenne pour la sécurité et la santé au travail, 2007). Vários estudos indicam que esses novos riscos resultam de mudanças técnicas e organizacionais e que outros fatores também são importantes de serem considerados como as mutações socioeconômicas, demográficas, políticas e o fenômeno atual da mundialização. Esses riscos emergentes, por serem difíceis de identificar e controlar, podem afetar a segurança no trabalho e/ou levar a uma grave degradação da saúde mental e física dos trabalhadores. Para compreendê-los melhor, será mostrada parte de uma pesquisa que está sendo desenvolvida no Institut d’Ergologie da Aix-Marseille Université. Serão apresentados, inicialmente, alguns pontos da evolução do campo da saúde e segurança no trabalho. Em seguida, serão descritas algumas partes da pesquisa em andamento e seus primeiros resultados. 2 Evolução do campo da saúde e segurança no trabalho A saúde no trabalho já era estudada na antiguidade, quando alguns médicos descreviam patologias ligadas ao trabalho. No Egito, foram descritos os traumatismos dos batedores de pirâmides. Os problemas respiratórios foram mencionados por Hipócrates, na Grécia antiga. Os romanos descreveram as difíceis condições de trabalho dos mineiros de ouro, prata e enxofre. Descreveram também sobre a utilização de máscaras, que eram empregadas na época, para se protegerem. Em 1556, surgiram publicações que distinguiam alguns tipos de doenças das articulações, dos pulmões, dos olhos e descreviam também algumas doenças mortais. Algumas dessas publicações já chamavam a atenção para as condições de trabalho e aconselhavam medidas preventiTrabalho Seguro


vas, dentre elas o porte e equipamentos de proteção. Começou-se, nessa época, a ser estabelecida uma tipologia das patologias encontradas como as essencialmente respiratórias dos mineiros, as dos fundidores, a dos metalúrgicos e as ligadas ao mercúrio. Posteriormente, essas investigações se completaram sobre outras profissões como a dos mercadores, dos marinheiros, dos soldados, dos trabalhadores do sal etc. Ramazzini é considerado como o verdadeiro fundador do estudo da saúde no trabalho ao publicar, em 1700, o De Morbis Artificum Diatriba. Trata-se do estudo de várias doenças profissionais a partir de suas observações pessoais, de uma grande pesquisa na literatura da época e de conhecimentos e experiências do passado, desde a antiguidade. O que nos chama a atenção é que sua obra é o resultado das pesquisas mencionadas acima e de investigações e entrevistas feitas com trabalhadores. Ele visitou muitos centros de trabalho, onde observou os procedimentos e técnicas empregados e também materiais e substâncias que eram utilizados nos processos produtivos. Essa ida ao terreno lhe possibilitava colher dados com os próprios trabalhadores, sobre suas patologias e como essas se evoluíam, permitindo-lhe relacionar os riscos à saúde dos trabalhadores ocasionados por produtos químicos, poeira, metais e outros agentes. Ramazzini descreveu cinquenta e quatro tipos de ocupações e suas consequências para a saúde. Em sua obra foram expostos princípios gerais de prevenção e de higiene e também outros assuntos que eram preocupantes para ele como a postura, o sedentarismo e o excesso de esforço. Seu trabalho foi traduzido em numerosas línguas e serviu de referência durante muitos anos. A partir dessa época, os estudos e as publicações nessa área se multiplicaram. Mas com o aparecimento das grandes indústrias, começou a se desenvolver uma abordagem mais global, social, levando-se em conta o estatuto de trabalhador e as condições de trabalho. Pensadores do campo político, filosófico, religioso, os médicos, e outros profissionais começaram a se preocupar com a melhoria das condições de higiene, de segurança no trabalho e a preservação da saúde dos trabalhadores. Foram surgindo, assim, um conjunto de ideias favoráveis que levaram em conta, socialmente, as consequências do trabalho sobre a saúde. Surgiram os primeiros trabalhos em saúde pública como o de Villermé na França, sobre as manufaturas de tecidos, em 1840 (Tableau Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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de l’état physique et moral des ouvriers et employés dans les manufactures de coton, de laine et de soie), o de Chadwick, na Inglaterra, o de Virchow, na Alemanha em 1948 (sobre uma epidemia), e também na América, em 1850, o relatório redigido por Lemuel Shattuck (Report of the Sanitary Commission of Massachusetts). Na Inglaterra, o relatório de Chadwick (The sanitary condition of labouring population of Great Britain) escrito em1842, levou à elaboração da primeira lei sobre saúde pública do Reino Unido, em 1848. As opiniões políticas do médico Virchow, na Alemanha, são evidentes em seu relatório. Ele declara, nesse documento, que a epidemia poderia ser resolvida somente por medidas radicais para assegurar um avanço da população através da democracia plena e ilimitada, da educação, da liberdade e da prosperidade, ideias muito avançadas na época. Essa classe de ideias são consideradas hoje, pelo OSHA (Occupational Safety and Health Administration), como muito importantes na promoção da saúde e da segurança no trabalho. Começaram a surgir manifestações sobre as condições de trabalho degradantes com o aumento da industrialização, como a de Friedrich Engels (1845) La sitution de la classe laborieuse en Angleterre. Tudo isso levou ao aparecimento das primeiras leis, em alguns países, regulamentando a carga horária de trabalho das mulheres e crianças. Posteriormente, novos estudos foram sendo desenvolvidos, muitos conhecimentos sobre a segurança industrial foram sendo produzidos e novas leis foram sendo criadas em vários países, no sentido de proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores. Em 1919, foi criada a OIT como parte do Tratado de Versailles que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Fundou-se no princípio de que a paz universal e permanente só pode basear-se na justiça social. A ideia de uma legislação trabalhista internacional surgiu como resultado de reflexões éticas e econômicas sobre o custo humano da revolução industrial. Em sua primeira Conferência Internacional do Trabalho, realizada nesse mesmo ano, a OIT adotou várias convenções de proteção aos trabalhadores. Na verdade, a saúde e a segurança no trabalho, como podemos ver ao longo da história, se ligam fortemente à esfera econômica. Isso se torna ainda mais visível quando nos focalizamos nas condições de vida e de trabalho, nos quais os campos político e principalmente o econômico Trabalho Seguro


têm uma importância fundamental, já que ao mesmo tempo em que se ligam às causas de inúmeros riscos, sofrem também as consequências dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais. Nos anos 70 a organização do trabalho tylorista, e suas consequências negativas na saúde mental, foram colocadas em questão, sendo que muitas delas persistem até hoje e se somaram a muitas outras. A presença de pressões nos ambientes de trabalho, os constrangimentos, as fortes exigências de tempo e de rendimento, e ainda, a grande variedade de empregos atípicos que é necessário preservar, diante do contexto atual, enfim, as várias formas de precariedade que têm se acentuado nos últimos tempos, são alguns dos exemplos a serem citados de aspectos que podem causar vários danos à saúde e segurança do trabalhdor. Todos esses problemas, presentes atualmente, ainda que com características próprias, em inúmeros países, necessitam ser encarados diferentemente pelas várias ações que visam promover e proteger a saúde e a segurança do trabalhador. Somente assim essas ações poderão ir se tornando efetivas e o número de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, especialmente aqueles que estão relacionados aos riscos emergentes, não continuarão aumentando como nos últimos tempos, apesar de todas as evoluções que têm ocorrido no campo da prevenção. A seguir, será apresentado parte de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida no Institut d’Ergologie da Aix-Marseille Université, em uma tese de doutorado ainda em andamento, que estuda o diálogo entre os diferentes atores da prevenção de riscos e os conhecimentos produzidos na circulação dos saberes presentes nesse diálogo. O objetivo de apresentar aqui, essa parte do estudo, é o de se procurar compreender melhor as dificuldades e também os novos encaminhamentos que vêm sendo dados à prevenção de riscos e, em especial, dos riscos emergentes, diante das grandes transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho. 3 Um estudo que vem sendo realizado em uma empresa francesa A escolha do tema da tese acima mencionada, foi motivada por uma pesquisa anterior, realizada no departamento de Ergologia, da Université de Provence. Nesse estudo, buscou-se compreender a atividade de uma equipe de saúde ocupacional de uma instituição pública brasileira Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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e identificar os aspectos que favoreciam sua eficácia. O diálogo foi considerado como um aspecto de grande importância no trabalho da equipe estudada, o que motivou a continuação de uma investigação sobre esse tema, em uma pesquisa de doutorado, a fim de se tentar compreender melhor como ocorre esse diálogo entre os diferentes profissionais que se ocupam da prevenção de riscos e os conhecimentos produzidos por ele. O objetivo na pesquisa atual é estudar o diálogo entre a equipe que realiza a prevenção e, mais especificamente, como esse diálogo contribui no trabalho de prevenção. Para isso está sendo feito um estudo sobre a prevenção de riscos em uma empresa francesa. Partimos das hipóteses de que um diálogo mais eficaz favoreceria o trabalho de prevenção e de que esta também seria favorecida levando-se em conta os aspectos econômicos a nível micro e macro presentes nos riscos ocupacionais. Nessa pesquisa, estão sendo empregados os conceitos e os dispositivos da abordagem ergológica, que, na produção de saberes, considera um polo dos saberes instituídos, um polo dos protagonistas do trabalho e busca num terceiro polo fazer uma ligação entre os dois anteriores. Levando em conta o saber instituído e o saber da atividade, temos buscado identificar os conhecimentos mobilizados por esse coletivo que se ocupa da prevenção de riscos, o que tem ampliado nossas condições para compreendermos melhor o trabalho de prevenção em sua forma individual e coletiva. Serão apresentados a seguir, alguns aspectos sobre a evolução da regulamentação francesa que prevê, atualmente, um espaço para o diálogo entre os diferentes atores envolvidos na prevenção de riscos. 3.1 A regulamentação francesa A primeira lei francesa relativa às condições de trabalho foi votada em 22 de março de 1841. Ela impedia o trabalho de crianças de menos de oito anos nas fábricas com mais de vinte trabalhadores e vedava o trabalho noturno para os menores de doze anos. Essa primeira lei foi seguida de várias outras visando melhorar as condições de trabalho de mulheres e crianças e proteger a saúde dos trabalhadores. Alguns fatos significativos na evolução da saúde e segurança do trabalho, na França, que se pode citar, foram a criação da Inspeção do Trabalho, a lei de 09 de Trabalho Seguro


abril de 1898, que estabeleceu o princípio da responsabilidade patronal sobre os acidentes de trabalho e a instituição do Código do Trabalho, em dezembro de 1910. Merece também destaque o fato de que em 1919, as modalidades de reparação que eram reservadas somente aos acidentes de trabalho foram também estendidas às doenças profissionais. Outros fatos também foram importantes nesse período, entre as duas guerras. A medicina do trabalho se estruturou progressivamente e muitas empresas criaram os serviços de “medicina nas usinas”, orientados para cuidados de urgências, controles de aptidão à admissão dos trabalhadores e de absenteísmo. Era uma medicina patronal, mas que possuía também um olhar social. Os médicos tiveram um papel importante na elaboração de textos que prefiguravam uma legislação ulteriormente editada, sobre o trabalho e as condições de higiene. Os estudos e os trabalhos sobre as doenças profissionais continuaram a se desenvolver e os riscos ligados a certas profissões foram descobertos progressivamente, depois do início da era industrial. Nesse período, foram também criados alguns cursos de medicina do trabalho (Lyon e Paris), surgiram várias revistas especializadas nas áreas de higiene industrial e de medicina do trabalho, e começou a se desenvolver a medicina preventiva. A lei de 28 de julho de 1942 instaurou a obrigação da medicina do trabalho nas empresas com mais de 50 empregados e, em 1946, a lei de 11 de outubro definiu a finalidade da medicina do trabalho. Ela lhe retirou toda missão de tratamento e essa passou a ter uma orientação exclusivamente preventiva no ambiente de trabalho. Essa lei tornou a medicina do trabalho obrigatória em todas as empresas privadas, qualquer que fosse o número de trabalhadores. O serviço médico do trabalho passou a ser controlado pelo “Comitê de Empresa”, uma Instituição Representativa do Pessoal. A lei de 23 de dezembro de 1982 definiu a instalação de Comitês de Higiene, Segurança e Condições de Trabalho para as empresas de cinquenta ou mais trabalhadores. Na pequisa aqui apresentada, está sendo estudado o diálogo em um Comitê de Higiene, Segurança e Condições de Trabalho (CHSCT) de uma empresa de energia nuclear, razão pela qual apresentaremos, a seguir, alguns aspectos sobre esse comitê.

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3.2 Comitê de Higiene, Segurança e Condições de Trabalho O CHSCT é uma das Instituições Representativas do Pessoal (IRP) existentes nas empresas francesas. Ele tem a missão de contribuir na proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores do estabelecimento e também na melhoria das condições de trabalho, incluindo os trabalhadores temporários (code du travail francais). No cumprimento dessa missão ele realiza as seguintes atividades: a) analisa os riscos profissionais e as condições de trabalho; b) efetua pesquisas em matéria de acidentes do trabalho e doenças profissionais, ou de caráter profissional; c) contribui na promoção da segurança e na prevenção de riscos profissionais e toda iniciativa que estime útil nessa perspectiva, propondo ações de prevenção;

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d) dá seu parecer sobre documentos ligados a sua missão como, por exemplo, documentos ligados ao regulamento interno; e) propõe ações de prevenção em matéria de assédio sexual etc. Essa Instituição Representativa do Pessoal deve ser consultada em projetos de mudanças importantes, que modifiquem as condições de higiene e de segurança ou as condições de trabalho. O CHSCT é composto pelo chefe da empresa ou seu representante e alguns membros da delegação do pessoal (outra Instituição Representativa do Pessoal, no qual os membros são eleitos). Podem também participar das reuniões, emitindo um parecer sobre as questões, mas sem poder de decisão, outros atores internos e externos à empresa, previstos em lei. Assim, é possível contar com a presença, nessas reuniões, do médico do trabalho, do inspetor do trabalho, dos representantes dos serviços de prevenção das organizações da segurança social, dos organismos sindicais representativos, dentre outros. Esse Comitê deve se reunir, no mínimo, trimestralmente ou mais frequentemente em casos de necessidade, como por exemplo, após acidentes graves. Cada representante do pessoal no CHSCT dispõe de um tempo mínimo, contado como tempo de trabalho, para exercer as suas funções no Comitê. Trabalho Seguro


A empresa que estamos estudando conta, há vários anos, com um CHSCT bastante ativo, que se reúne mensalmente e ainda realiza reuniões extraordinárias sempre que necessário. Nessas reuniões ocorre um diálogo pluridisciplinar, multiprofissional e ainda um diálogo entre atores de estatutos diferentes dentro da empresa, o que favorece bastante a prevenção de riscos. 3.3 Uma grande evolução na legislação francesa com relação à prevenção dos riscos profissionais Alguns anos após a criação dos CHSCTs foi dado um passo bastante significativo na evolução da legislação, que tem favorecido enormemente a prevenção de riscos nas empresas francesas. A diretiva do conselho das comunidades europeias, hierarquizou a avaliação de riscos profissionais dentro dos princípios gerais de prevenção (diretiva n. 89/391/CEE, de 12 de junho de 1989). Na transposição das disposições dessa diretiva para o direito francês, através da Lei n° 91-1414, de 31 de dezembro de 1991, três exigências de ordem geral foram feitas: a) obrigação do empregador de assegurar a saúde dos trabalhadores; b) a colocação em prática dos princípios gerais de prevenção dos riscos profissionais; c) a obrigação de proceder a uma avaliação de riscos. Posteriormente, foi criado o decreto de 05/11/2001, que dispõem sobre a criação de um documento relativo à avaliação de riscos profissionais. Assim, passou a ser uma obrigação do empregador, a realização por escrito da avaliação de riscos anteriormente prescrita, o que é chamado de “Documento Único” (DU). Como as modalidades técnicas de avaliação de riscos não são precisas nesse decreto, foi criada então, a circular ministerial n. 6 DRT (Direção de Relações do Trabalho), de 18 de abril 2002, que trata da aplicação desse decreto. Assim, a conduta de prevenção dos riscos profissionais nas empresas francesas é a avaliação antecipada de riscos. Ela representa um Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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meio fundamental de preservar a saúde e a segurança dos trabalhadores. A contribuição dos conhecimentos científicos e a avaliação das condições de trabalho colocaram em evidência novos riscos como os do amianto, os problemas dos distúrbios musculares relacionados ao trabalho (DORT), os riscos psicossociais (RPS), dentre outros. Esses novos riscos mostram a necessidade de se reforçar a análise preventiva. Essa avaliação proposta pela lei é a realização de um diagnóstico metódico e completo, por antecipação, dos fatores de riscos aos quais os trabalhadores podem estar expostos. De acordo com a circular acima mencionada, essa conduta permite compreender e tratar os riscos profissionais, numa abordagem global e pluridisciplinar, ou seja, ao mesmo tempo técnica, médica e organizacional. Esse documento indica ainda a realização de um diálogo entre os diferentes atores envolvidos na prevenção.

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A obrigação de transcrever em um documento os resultados da avaliação de riscos não é somente uma obrigação material. Ela representa a primeira etapa de uma ação geral de prevenção que é incumbência do empregador. Mas essa formalização deve também contribuir ao diálogo social no seio da empresa sobre a própria avaliação e ainda sobre a concepção e a realização de medidas de prevenção, que deverão tanto quanto necessário, ser realizadas posteriormente à avaliação de riscos. (n. 6 DRT du 18 avril 2002 / tradução da autora deste artigo).

A circular da Direção de Relações do Trabalho (DRT), explica também certos aspectos do decreto relativos à forma e ao conteúdo do DU. O empregador deve transcrever uma avaliação para o DU, que contenha um inventário dos riscos em cada unidade de trabalho da empresa ou do estabelecimento. O conceito de inventário conduz a definir a avaliação de riscos em duas etapas: identificar os perigos e analisar os riscos. Esse documento chama também a atenção para a combinação de fatores ligados a organização do trabalho na empresa que é susceptível de afetar a saúde e a segurança dos trabalhadores, mesmo que esses não possam necessariamente ser identificados como perigo. É citado o exemplo da associação do ritmo e da duração do trabalho, que pode se constituir em um risco psicossocial, como o stress, para o trabalhador. São tratados ainda, neste documento, a atualização e a acessibilidade do mesmo. Ele deve ser atualizado anualmente pelo empregador que deve colocá-lo à disposição de uma série de atores classificados em duas categorias: Trabalho Seguro


a) os atores internos à empresa – Esse documento deve ser colocado à disposição das instâncias representativas do pessoal, das pessoas submetidas a um risco para sua segurança ou sua saúde (na ausência das Instâncias Representativas do Pessoal) e do médico do trabalho; b) os atores externos à empresa – São os agentes da inspeção do trabalho e os agentes dos serviços de prevenção dos organismos da segurança social. Como a lei prevê também a prática de ações de prevenção, o DU deve ainda contribuir à elaboração de um programa anual de prevenção dos riscos profissionais. Esse programa é considerado essencial na prática das ações de prevenção que se seguem à avaliação dos riscos. Sanções penais são previstas pelo não cumprimento dessas obrigações. Observa-se, de acordo com o que foi descrito anteriormente, que a pluridisciplinaridade e o diálogo são previstos pela lei e essa esclarece sobre os atores da prevenção dando um significado especial ao Comitê de Higiene, Segurança e Condições de Trabalho. Esses aspectos foram o motivo da escolha, como já mencionado anteriormente, do CHSCT para a realização das investigações sobre o diálogo na prevenção dos riscos profissionais em uma empresa francesa. Posteriormente, na terminologia internacional, a expressão “medicina do trabalho” foi substituída por “saúde no trabalho” (1985). Na França, o decreto de 20/07/2004 substituiu esses termos. Mas é importante ressaltar aqui que várias preocupações ainda são fortes no campo da saúde e segurança no trabalho. 3.4 Os riscos emergentes A Agência Europeia pela Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA) define e explica os riscos emergentes da seguinte forma:

–– Um “risco emergente, em termos de saúde-segurança no trabalho” é um risco ao mesmo tempo novo e crescente” [...] “Novo” significa: ––que esse risco não existia antes e que ele é provocado por novos processos, novas tecnologias, novos tipos de locais de trabalho ou mudanças sociais ou organizacionais; Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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––ou ainda, que um problema de longa data é a partir de agora considerado como um “risco”, em função de novos conhecimentos científicos ou da evolução da percepção do público. Um risco é crescente se: ––o número de perigos que levam a esse risco é crescente; ––a probabilidade de exposição ao perigo é crescente; ––ou o impacto dos perigos sobre a saúde dos trabalhadores se agrava.” (Agence européenne pour la sécurité et la santé au travail, 2007, p. 1 – tradução da autora).

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As mudanças no mundo do trabalho estão ligadas à origem dos riscos psicossociais emergentes. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisa Científica (INRS), um organismo francês de referência na prevenção de riscos profissionais, um grande número de trabalhadores declaram sofrer de sintomas ligados aos Riscos Psicossociais (RPS) como problemas de concentração, insônia, depressão, dentre outros. Esses riscos reúnem o stress profissional, as violências internas (assédio moral e sexual) e externas, o burnout e as várias formas de mal-estar e sofrimento experimentadas pelos trabalhadores. (DARES, 2008; SANTÉ & TRAVAIL, 2009; INRS, 2012). Os riscos psicossociais emergentes são considerados como riscos em pleno desenvolvimento, sob o efeito das mudanças no campo do trabalho, como a supressão de tempos mortos, o aumento da complexidade das tarefas, as exigências da clientela etc. Frequentemente eles apresentam causas comuns ligadas à (ao): carga de trabalho, intensificação do trabalho, modo de gerenciamento, falta de clareza na distribuição das tarefas etc. É importante considerar que todos esses aspectos são susceptíveis de se interagir, por exemplo, o stress pode favorecer as violências internas, que podem atingir, de maneira importante, o ambiente de um setor de trabalho ou o ambiente de uma empresa. Esses riscos têm efeitos sobre a saúde dos indivíduos e têm um impacto sobre o funcionamento das empresas como o absenteísmo, a rotatividade de pessoal, os problemas no ambiente de trabalho etc. importante destacar o caráter individual e subjetivo desses riscos, o que torna difícil a sua apreensão. Face a uma mesma situação de trabalho, por exemplo, uma situação dita estressante ou tensa, os trabalhadores podem reagir diferentemente. Mas, segundo o Ministério do Trabalho francês, isso não impede nem de avaliar, nem de medir esses Trabalho Seguro


riscos (a exemplo da dor hospitalar), a fim de apreciar a sua evolução no tempo. O Instituto Nacional de Pesquisa Científica francês (INRS) chama a atenção para o fato de que esse caráter individual resulta frequentemente de abordagens de prevenção unicamente centradas sobre os trabalhadores, mas que para suprimir ou reduzir os efeitos dos riscos psicossociais, é conveniente que as fontes de riscos dentro da organização e o ambiente de trabalho da empresa sejam levados em conta (INRS, 2012; OSHA, 2007; Ministère du travail). 3.5. Os problemas da terceirização para o trabalho seguro Para entendermos o problema da terceirização na prevenção de riscos profissionais, é preciso compreender um pouco de como tem ocorrido essa forma de gestão e suas consequências no campo do trabalho. A terceirização é uma prática econômica que tem tido um desenvolvimento importante nos últimos anos. Ela compreende novas formas de organização das empresas e se encontra presente na maior parte dos setores de atividades. Essa forma de gestão pode ser resultado de um volume variável de produtos a serem fabricados, levando uma empresa a confiar a sua carga de trabalho suplementar a uma outra empresa exterior. Pode também ser fruto da decisão de uma empresa tomadora de se focalizar mais em sua atividade principal reduzindo o seu perímetro de atividade através da separação das atividades secundárias tais como as de manutenção ou as atividades de limpeza, por exemplo. A terceirização pode ser ainda resultado de uma necessidade de competências mais precisas. O fato da terceirização ser uma relação entre empresas tem levado a modificações nas relações de trabalho. Uma delas ocorre pelo fato dessa relação ser regida por um contrato comercial e não por um contrato de trabalho que trata das relações entre empregador e empregado. Outra modificação importante corresponde a uma relação de subordinação entre duas empresas e seus trabalhadores, na qual há um controle, por parte da empresa tomadora, da execução ou da qualidade dos produtos ou serviços realizados, pela empresa terceirizada. Esses aspectos têm forte influência na maneira como o trabalho tem sido organizado nessas empresas, o que tem proporcionado muitos problemas, especialmente aqueles ligados às condições de trabalho e a saúde e segurança dos trabalhadores. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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3.5.1. Tipos de terceirização

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Apesar das situações de terceirização ocorrerem de formas muito variadas e com contornos às vezes pouco nítidos, de uma maneira geral tenta-se descrever alguns tipos dessa forma de gestão de acordo com a natureza da atividade terceirizada, o motivo da terceirização, o local da realização das atividades e também levando-se em conta o número de contratos existentes entre as empresas. Assim, temos terceirização industrial, de serviços, de capacidade, de especialidade, terceirização interna, externa, em cascata etc. (Ministère de l’Économie de l’Industrie et de l’Emploi, 2010). A terceirização é dita de capacidade quando uma empresa tomadora, embora seja equipada para executar um produto ou um serviço, recorre a uma outra empresa, seja ocasionalmente ou de maneira habitual, utilizando capacidades de produção disponíveis externamente. Na verdade, esse tipo de terceirização constitui um reforço da atividade, já que a empresa tomadora está apta a realizar uma parte dessa atividade. Tinel B. at AL (2007), Morin M. (1994), Tazi D. (2010 ), consideram que nesse caso, uma empresa compra um bem ou serviço que ela já produz e a externalização ocorre porque a empresa pode comprar esse bem ou serviço, que a produção requer competências não específicas, por um preço menor. Nesse caso, empresa terceirizada pode ser competitiva e sua escala de produção ser maior que a da empresa tomadora nesse segmento de produção. Na terceirização de especialidade, a empresa tomadora não dispõe internamente de determinadas competências requeridas para responder ao crescimento ou às transformações da organização do trabalho. Normalmente ela solicita essa atividade a uma empresa exterior capaz de produzir por ela sob medida, segundo Tinel B. at AL. (2007), Morin M. (1994), Tazi D. (2010). Esse tipo de terceirização corresponde a operações nas quais a empresa tomadora não dispõe de competências, equipamentos ou meios internos adaptados e não deseja investir em tais meios. A terceirização interna é a mais evocada pela literatura e, em alguns países, está regida por regulamentação específica. Nela, a empresa terceirizada realiza suas atividades nas dependências da empresa tomadora, seja no local da própria empresa ou em outras dependências ou em obras em que se localizem os equipamentos da empresa que recebe Trabalho Seguro


os serviços. A empresa terceirizada, nesse caso, se desloca para o local da empresa tomadora para efetuar a prestação. Isso implica uma coordenação mais estreita entre as atividades da tomadora e das terceirizadas, conforme Santé & Travail (2008) e Tazi D. (2010). A terceirização é considerada externa quando as operações são realizadas nas instalações da empresa terceirizada. Um exemplo desse tipo de prática são as numerosas empresas que têm suas atividades subordinadas a uma ou a grandes indústrias automobilísticas, que controlam de forma precisa as especificações do produto e, às vezes, o próprio processo de produção. Nesse caso, para os trabalhadores terceirizados, a produção da empresa para a qual eles trabalham é determinada pelos mercados de terceirização (pelos tomadores) (GRUSENMEYER, 2007) “Em cascata” é o termo utilizado quando um terceirizado, dito de nível 1 ou de nível 2, se torna tomador para uma outra terceirizada, de nível 2 ou 3, ao confiar uma determinada missão a um outro terceirizado. Quando o número de contratos estabelecidos para a realização de uma prestação determinada é superior a um. Existem assim, dois ou mais intermediários na esfera de uma missão. Nesse tipo de terceirização, que tem geralmente como causa uma prática econômica que busca a redução de preços, não havendo ligação contratual, por exemplo, da empresa de nível 2 com a empresa que recebe a prestação final do serviço, há uma diluição de responsabilidades que leva a vários problemas de organização do trabalho com consequências importantes para a saúde e segurança do trabalhador (GRUSENMEYER, 2007; INRS). Alguns dos tipos de terceirização descritos acima podem se combinar e adquirirem formas bastante variadas, como por exemplo, uma empresa pode ser ao mesmo tempo tomadora com relação a uma empresa e terceirizada com relação a outras empresas. Outro fato muito comum é que, nas dependências de uma determinada empresa, podem trabalhar ao mesmo tempo várias empresas terceirizadas, dificultando não apenas as atividades, mas afetando seriamente a segurança do trabalho, como já ocorrido em alguns grandes acidentes como o da AZF, na França. Outras variações que também ocorrem na relação de terceirização dizem respeito ao caráter ocasional ou permanente dessa relação, podendo ainda a prestação de um serviço ser feita inteiramente ou apenas parte dela no local da produção. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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Todas essas combinações interferem na organização do trabalho e na prevenção de riscos profissionais. 3.5.2 Mudanças nas relações de trabalho

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A influência de aspectos econômicos na organização e nas condições de trabalho é bem visível nos vários tipos de terceirização e suas combinações. Várias mudanças nas relações de trabalho são observadas nesse processo. Chamamos a atenção para dois aspectos da terceirização discutidos nos estudos de Grusenmeyer (2007), por terem forte influência nas condições de trabalho, dificultando enormemente a prevenção de riscos profissionais. O primeiro é sobre o contrato de natureza comercial entre empresas e o segundo se refere às relações entre as empresas (relação de subordinação, prescrição de atividades, relação desigual). O contrato comercial, que organiza as relações de terceirização, coloca em questão o direito do trabalho, ou seja, as regras que regem as relações entre empregadores e empregados estabelecidas por esse ramo do direito. Na análise jurídica proposta por Morin (1994), ele chama a atenção para o fato de que o modelo da empresa sobre o qual é construído o direito do trabalho é o da grande empresa taylorista que integra em um mesmo local, em torno da atividade principal da empresa, um conjunto de atividades ou de funções que a terceirização tem por objetivo externalizar, seja no próprio local da empresa, seja nas empresas que os realizam externamente. Com relação à natureza das relações entre as empresas, essas se caracterizam normalmente, por relações desiguais, podendo estabelecer uma subordinação entre duas empresas e seus empregados ou até a terceirizada se tornar uma simples executora. Essa assimetria de poder se apoia, muitas vezes, em estratégias de flexibilização da mão de obra e de terceirização em cascata, recorrendo a várias formas de empregos precários. Tudo isso conduz a dificuldades com relação à discussão sobre as condições de trabalho e sobre a prevenção de riscos profissionais nas empresas terceirizadas, pois existe um grande risco de perda do mercado. Alguns atores sociais consideram que a prática da terceirização influencia na baixa dos salários e provoca a instabilidade do trabalho (CGT). Trabalho Seguro


Outros autores (Grusenmeyer,2007; Michel Héry em Santé & Travail, 2008; Morin, M, 2004) consideram que a natureza das relações entre duas empresas não são definidas pela relação comercial entre elas, pois em alguns casos pode ocorrer uma relação de parceria e em outros uma relação de subordinação ou dependência. Mas, Morin, M, (2004) tem-se chamado a atenção para a importância de uma legislação mais apropriada. Muitos reflexos da terceirização têm sido marcantes em alguns campos como o das relações entre empresas, o do emprego e inclusive, como já foi mencionado, o campo da saúde e da segurança no trabalho. 3.5.3 Terceirização e riscos para a saúde e a segurança no trabalho Vários riscos profissionais decorrentes da terceirização e algumas de suas consequências são descritos na literatura. Existe uma superexposição dos trabalhadores terceirizados aos riscos profissionais. Serão descritos, a seguir, alguns fatores presentes nessa prática econômica que contribuem nesse sentido. Muitos estudos2 indicam que os trabalhadores terceirizados são mais expostos aos riscos de acidentes e de doenças profissionais. Mas devido ao fato dessas empresas enfrentarem uma forte concorrência, elas têm todo o interesse a dissimular ou minimizar a gravidade dos acidentes de seus empregados a fim de conservar seus clientes. Isso impede uma maior visibilidade sobre os acidentes de trabalho assim como uma análise de suas causas, impossibilitando não somente a prevenção mas também uma melhoria da segurança no interior das empresas.(SANTÉ & TRAVAIL, 2008). Segundo o INRS, os trabalhadores terceirizados são vítimas de um maior número de acidentes devido ao fato de que as tarefas a eles confiadas proporcionam uma maior exposição aos riscos, e também pelo fato das empresas terceirizadas estarem em piores condições de prevenir esses riscos, uma vez que normalmente elas são empresas menores e menos estruturadas no sentido da prevenção. Outro fator a ser considerado é que o meio concorrencial no qual se inserem essas empresas, as obrigações econômicas e de tempo 2. PEREIRA at al,1999; GRUSENMEYER, 2007; EU-OSHA, 2007; SANTÉ & TRAVAIL, 2008; INRS, 2009. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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as levam a relegarem ao segundo plano os problemas de saúde e de segurança no trabalho. Assim, a flexibilidade e suas consequências como a precariedade dos empregos, a intensificação do trabalho, as pressões temporais, as variações da duração e dos horários de trabalho, têm efeitos sobre esse aumento do número de acidentes de trabalho e também sobre a sua gravidade, repercutindo também na saúde dos trabalhadores. Muitos deles apresentam distúrbios músculo-esqueléticos, raquidianos, depressão, fadiga nervosa e outros problemas ligados, tanto a saúde física, quanto a saúde mental (EU-OSHA, 2007). Outros exemplos de condições que podem afetar a saúde e a segurança são apresentados por Grusenmeyer (2007), como as obrigações ligadas ao tempo (prazo), o reforço da gestão dos homens “pelo stress”, as horas extras, a grande carga de trabalho que, muitas vezes, é recebida de forma inesperada, o recurso a uma mão de obra com baixo nível de qualificação e as diferenças salariais. Pode-se observar que são as condições nas quais o trabalho é executado que representam uma fonte de problemas para a saúde, razão pela qual podemos considerar que são nas condições de trabalho que se situam os riscos mais importantes para a saúde e a segurança dos trabalhadores terceirizados. Seus efeitos negativos nas condições de trabalho muitas vezes se devem ao fato de que, frequentemente, o contrato que liga o terceirizado ao tomador impõe fortes obrigações financeiras, técnicas e também obrigações relacionadas a prazos, fixando exigências precisas com relação à qualidade. Tudo isso pode ter consequências nefastas sobre o modo de gestão e sobre as condições de trabalho. Assim, os trabalhadores terceirizados são submetidos aos efeitos dessas obrigações sobre a execução do trabalho e submetidos também aos riscos ligados a elas. 4 Alguns pontos sobre a metodologia do estudo apresentado e sobre os primeiros resultados alcançados Como já descrito anteriormente, está sendo utilizada a abordagem ergológica no desenvolvimento desta pesquisa. A empresa estudada, por se tratar de um centro de energia nuclear, possui uma estrutura muito bem organizada e que funciona muito bem com relação à prevenção dos riscos clássicos (os nucleares e tamTrabalho Seguro


bém os riscos químicos, físicos, biológicos etc.) Tem-se observado que ela busca seguir, de forma rigorosa, esse saber instituído pela legislação, e em especial, essa nova legislação, que tem favorecido bastante o controle dos riscos profissionais. Mas as preocupações e os esforços têm se voltado especialmente para os riscos psicossociais e para os problemas da terceirização. Com relação aos riscos psicossociais, os problemas giram em torno da dificuldade deles serem apreendidos pela empresa e, em alguns casos, também pelos próprios trabalhadores. Alguns atores do CHSCT têm se preocupado com o rápido crescimento desses fatores de riscos e com o fato de vários trabalhadores já se encontrarem em sofrimento enquanto que as medidas rumo à prevenção desses riscos caminham ainda de forma bastante lenta e difícil. Isso se deve ao fato de que esses riscos emergentes tocam, de forma mais direta, algumas questões econômicas e de organização do trabalho e também por envolverem a parte mais subjetiva do ser humano, impossível de ser abordada como nos demais riscos. Outros problemas são descritos na literatura como a tendência dos riscos psicossociais serem tratados numa perspectiva individual, enquanto seria necessário que fosse examinado o impacto de certos aspectos do ambiente de trabalho e da organização do trabalho sobre a saúde. (COX,T. at al, 2006; Minestère du travail français, INRS, 2012). Sobre a terceirização, como se pode observar, ela se apresenta com uma enorme variação de formas e ainda encontra-se uma grande combinação dessas formas, gerando diferentes dificuldades na prevenção de riscos que não podem ser previstos antecipadamente. Se somarmos a essas variações as diferentes maneiras como se relacionam os coletivos de trabalho, isso conduz nossas reflexões no sentido se buscar novas formas de enfrentar os desafios dos riscos emergentes. As primeiras análises da nossa pesquisa têm mostrado também a importância da participação dos trabalhadores na prevenção dos riscos profissionais na empresa estudada, assim também como a importância da circulação de saberes entre os atores da prevenção. O diálogo instaurado no CHSCT, tem sido fundamental no sentido de construir um espaço para a prevenção desses novos riscos, que não são possíveis de serem identificados e controlados como os demais riscos.

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5 Considerações Finais

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O Brasil também se insere em grande parte dessa evolução da saúde e segurança no trabalho e conta com uma legislação que permite um certo controle dos riscos clássicos. Mas não podemos deixar de mencionar aqui a forte presença dos riscos emergentes também no Brasil, razão pela qual é essencial que as reflexões sobre eles se façam presentes durante essa importante campanha a favor do trabalho seguro, que vem sendo desenvolvida pelo Poder Judiciário. Essa campanha conta com um ponto importante, que são as ações no campo da educação, especialmente na de crianças. Esse aspecto de atuar na educação é algo muito importante, pois permite deixar a posição de apenas prevenir os riscos profissionais entrar no campo da promoção da saúde e da segurança no trabalho. Nesse sentido, seria interessante que as várias ações ligadas ao trabalho seguro atingissem também outros setores, ampliando as reflexões em vários campos do conhecimento, já que esses novos riscos envolvem vários setores da sociedade. 6 Referências Bibliográficas Agence européenne pour la sécurité et la santé au travail (EU-OSHA), Prévisions des experts sur les risques psychosociaux émergents liés à la sécurité et la santé au travail (SST). Facts, Belgium, 74/FR, 2007. BRUN, J. P., Lamarche, C. Evaluation de coûts du stress au travail. Rapport de recherche, Université de Laval, Quebec, Canadá, 2006. CGT, La sous-traitance. Disponível em: <http://www.usm.cgt.fr/rubriques/contexte/sous_%20traitance.html>. Acesso em: 25-03-2013. Code du travail français. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/initRechCodeArticle.do >. Acesso em: 11-04-2010. COX ,T.; GRIFFITHS, A; Rial-González, E. Rapport de Recherche sur le stress au travail. Agence européenne pour la sécurité et la santé au travail, Belgium, 2006. CUNHA, Daisy Moreira. Atividade humana e produção de saberes no trabalho docente. Disponível em: Trabalho Seguro


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Trabalho Seguro


A Prova Pericial relativa aos Danos decorrentes de Acidentes de Trabalho e Doenças Ocupacionais no Cenário Pós-Emenda Constitucional n. 45/2004: A importância da atividade do magistrado em face do interesse público que permeia a prestação jurisdicional afeta aos direitos fundamentais Viviane Colucci1 Resumo: o presente estudo visa a demonstrar a importância da prova pericial relativa aos danos decorrentes de acidentes e doenças ocupacionais como mecanismo processual para a reparação de direitos afetos à saúde e à integridade física, mental e psíquica do trabalhador, a partir da concepção de que, a despeito de suas diferenças funcionais, o direito processual e o direito material convergem para o fim de efetivarem os valores humanos essenciais, constituindo a prova pericial, nesse viés, desdobramento instrumental do binômio justiça e saúde, a exigir do magistrado uma atuação intensa e vívida. Partindo dessa premissa, propõe que seja esse meio de prova realizado em consonância com o extenso conjunto normativo relacionado ao tema da saúde do trabalhador, que inclui normas, expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Instituto Nacional de Seguro Social, Ministério da Saúde e Organização Mundial de Saúde, dotadas de notável conteúdo humanístico e que constituem importantes referências para fins de identificação do nexo causal e concausal entre a atividade laboral e os agravos à saúde e de avaliação da capacidade residual e projetiva, a tonarem possível o resgate da cidadania plena do trabalhador. Aborda, ainda, a aplicação do nexo técnico epidemiológico como forma de aprimoramento da tutela jurisdicional. Propõe também procedimentos judiciais que potencializam a utilidade da prova pericial. Por fim, aponta as ações do Programa Trabalho Seguro/CSJT – TST que, em consonância, especialmente, com a diretriz 1. Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, Gestora Nacional do Programa Trabalho Seguro/TST-CSJT e membro da associação Juízes para a DemocraciaAJD. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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concernente à eficiência jurisdicional, visam ao aperfeiçoamento dos procedimentos da prova pericial. Palavras-chave: meio ambiente do trabalho; saúde do trabalhador; direitos fundamentais; processo do trabalho; prova pericial. 1 Introdução: O processo judicial e a efetividade dos direitos humanos

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A concepção teórica que suscitou a vinculação entre o processo e a efetividade dos direitos fundamentais, que tomamos como referência para o fim de, neste estudo, ponderar a dimensão teleológica da prova pericial relativa aos danos decorrentes de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, constitui o ápice do percurso que a história do direito processual percorreu. A partir das profundas mudanças sociais desencadeadas no século XX, motivadas pelo poder reivindicatório da mão de obra que se deslocou para os centros urbanos e, especialmente ao final da segunda guerra, pela derrocada dos regimes totalitários, impôs-se aos juristas a missão de repensar a teoria do direito, visando a que os direitos enunciados contassem com mecanismos que possibilitassem a sua concretização. A normatividade social, como alude Paulo Bonavides, torna-se, então, elemento substantivo, e sua fonte é o princípio, que, enxertado na Constituição, “cria, ordena, qualifica e ilumina a hierarquia do sistema”2. Como enfatiza Luiz Guilherme Marinoni, o processo civil, em decorrência desse movimento, constitui hoje inegável mecanismo de proteção dos direitos fundamentais, “seja para evitar a violação ou o dano ao direito fundamental, seja para conferir-lhe o devido ressarcimento”3. A par da instrumentalidade do processo, a teoria jurídica contemporânea, que, conforme enfatiza Fredie Didier, “vê nos princípios eficácia normativa, pondo-os ao lado das regras jurídicas como exemplos de enunciados normativos com conteúdo aberto”, vem dando lugar a um redimensionamento e mesmo a uma intensificação da atividade do magistrado, inclusive no tocante ao seu poder instrutório, sendo dele exigida uma criatividade ainda maior na identificação da norma jurídica 2. BONAVIDES, p. 169, 2001. 3. MARINONI, 2004. Trabalho Seguro


ao caso concreto4. A realização da prova, o proferimento da sentença, bem como o seu cumprimento não interessam apenas às partes, mas ao Estado, na medida em que o interesse público de efetividade da prestação jurisidicional permeia todos esses atos judiciais. Nesse cenário, a prova pericial desponta como mecanismo de dimensão reparatória e preventiva a viabilizar uma prestação jurisdicional efetiva, na dicção do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, para fins de tutela de valores essenciais à vida, referentes à incolumidade física, mental e psíquica do trabalhador, à sua sáude e ao meio ambiente do trabalho saudável, exigindo a atuação vívida do magistrado na sua realização e avaliação. 2 A prova pericial como desdobramento instrumental do binômio Justiça e Saúde Ao longo da singular trajetória do processo do trabalho, há um marco definitivo a partir do qual a prova pericial tornou-se um elemento de proeminência: o elastecimento da competência da Justiça do Trabalho, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, para julgar os pedidos decorrentes de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. A complexidade da produção da prova pericial de que tratamos, decorrente de sua conotação científica e multidisciplinar, vem, desde então, formulando aos operadores do direito do trabalho uma séria provocação, consistente na tentativa de que a aplicação de todo o requintado e extenso arcabouço técnico-normativo referente à sua realização ocorra em sintonia com a natureza humanitária dos direitos cuja reparação, por seu intermédio, pode ser reconhecida. A empreitada torna-se ainda mais desafiadora porque a prova pericial não pode se apartar da base principiológica do processo do trabalho, ramo do direito adjetivo marcado pela sua índole notadamente instrumental e pela simplicidade das formas. Constituindo-se, pois, como meio de prova que conduz à efetivação de direitos de grandeza constitucional, na medida em que, como já referido, propicia a reparação de uma gama de danos concernentes à violação de direitos fundamentais do trabalhador, deve a prova pericial, relativa a danos decorrentes de acidentes de trabalho e doenças ocupa4. DIDIER, Fredie. Teoria contemporânea da relação jurídica processual. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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cionais, ser concebida como desdobramento instrumental do binômio Justiça e Saúde. Ainda, a efetividade tanto dos direitos sociais, dentre eles a do direito à saúde, na forma preconizada pelo artigo 6º, da Constituição Federal, como a dos direitos de solidariedade, em que destacamos o direito ao meio ambiente saudável, na forma preconizada pelo art. 225, da Constituição Federal, impõe ao Estado o dever de utilizar os mecanismos que lhe são próprios para o fim de coibir a nocividade à saúde daquele que depende de sua força de trabalho para o seu sustento. A prova pericial, no contexto da jurisdição como atividade essencial do Poder Judiciário, configura ato estatal de dimensão preventiva – a par da reparatória – de danos à saúde, porquanto é apta a indicar a existência dos agentes que contribuíram para a ocorrência do acidente ou para a eclosão da doença e, dessa forma, apontar medidas para a readaptação isenta de riscos e para a readequação do meio ambiente onde também operam outros trabalhadores suscetíveis aos mesmos gravames. A realização da prova pericial, portanto, pode também irradiar uma proteção de caráter metaindividual. 3 A utilidade das normas de caráter multidisciplinar na realização da perícia De acordo com Sheila Abed Zavala, presidente da Comissão Mundial de Direito Ambiental da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), a mais antiga organização mundial dedicada ao trabalho de conservação ambiental, o Poder Judiciáro deve assegurar-se de que se aplique rigorosamente a legislação ambiental e, também, por meio de decisões judiciais, garantir o não retrocesso em matéria de proteção ambiental, sendo que o grande desafio para o avanço das medidas de preservação diz respeito à “capacitação do Poder Judiciário para fazer cumprir a legislação ambiental 5”. No tocante às questões afetas especificamente ao meio ambiente de trabalho, o desafio não é diferente em relação ao magistrado trabalhista, que, ao promover nos autos a prova pericial, deve lidar com um amplo conjunto de normas mutidisciplinares, que, ademais, afigura5. A Conservação ambiental nas mãos do Judiciário. In: Fórum – Revista da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, ano 10, n. 32, p. 31, 2010. Trabalho Seguro


-se bastante esparso, porque expedido por diferentes órgãos, e também muito complexo, por envolver conceitos técnicos e científicos em relação aos quais não recebeu a devida formação. Embora não seja a prova pericial obrigatória em se tratando de ações que visam ao pagamento de indenização por danos decorrentes de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, constitui ela elemento de importância irrefutável na instrução porcessual para o fim de, nos termos do art. 145 do CPC, fornecer dados técnicos e científicos que poderão ser fundamentais para, no escólio de Sebastião Geraldo de Oliveira, possibilitar ao juiz avaliar “a extensão dos danos, a capacidade residual de trabalho, a possibilidade de readaptação ou reabilitação profissional, o percentual de invalidez parcial ou reconhecimento da invalidez total, as lesões estéticas e seus reflexos na imagem da vítima, os membros, segmentos ou funções atingidas, os pressupostos da responsabilidade civil, etc. [...]” 6. A realização da prova pericial, tendo em vista o relevante fim a que se presta, é qualificada, como referido, pela incorporação de modernos e científicos conceitos e procedimentos que são ditados por normas expedidas pelo Ministério da Saúde – MS, pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, pelo Instituto Nacional de Serviço Social – INSS, pelos Conselhos Profissionais e também pela Organização Mundial da Saúde – OMS. Esse conglomerado normativo, quando aplicado em conjunto, permite que o trabalhador seja avaliado sob o espectro multidimensional, como pessoa humana dotada de singularidade e parte do meio ambiente em que vive. Esse pressuposto guarda relação com um importante aspecto dos direitos fundamentais: o caráter sistêmico que lhes empresta a qualidade de interdependência. No tocante ao meio ambiente do trabalho, também embute a noção de sua indivisibilidade e sua relação com o meio ambiente em geral. Assim, o direito do trabalhador à saúde deve ser concebido da forma mais ampla possível, não apenas como elemento que integra a cadeia produtiva, mas, uma vez fulcrado no valor da dignidade da pessoa humana, núcleo axiológico da Constituição Federal, deve relacionar-se a outros direitos de grandeza constitucional, como o direito à assistência social, à reabilitação profissional, à educação profissionalizante e à reabilitação psicossocial, levando-se em consideração a capacidade residual 6. OLIVEIRA, p. 326, 2013. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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para o desenvolvimento de outras possibilidades, o que pode provocar o desencadeamento de ações intersetoriais nas três esferas políticas e também na própria empresa em que ocorreu o acidente ou o adoecimento do trabalhador. Torna-se também imprescindível que a avaliação dos elementos investigados na perícia estejam contextualizados nos dados da realidade, especificamente nas transformações do mundo do trabalho, causadas pela “globalização financeira e a mundialização da precarização social, juntamente com as inovações tecnológicas e as novas formas de gestão”7, fatores que vêm exigindo uma extraordinária capacidade de adaptação do trabalhador. Conforme alerta Luiz Guilherme Marinoni, “o direito à tutela jurisdicional efetiva requer que os olhos estejam postos não apenas no direito material, mas na realidade social”8. Mas, o desafio do juiz em se apropriar dessa nova percepção da problemática do acidente do trabalho e da doença ocupacional no Brasil, condição fundamental para a aferição do nexo causal ou concausal, esbarra, também, como apontam estudos da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO, no pensamento tradicional da medicina do trabalho, da saúde ocupacional e da psicologia, que se atém muitas vezes apenas à apreciação “de elementos objetivos” que, de alguma forma, interfiram na integridade física e na saúde do trabalhador, “avaliando as condições de trabalho visíveis e mensuráveis”. Não obstante, “a observação e a evolução do perfil de adoecimento dos trabalhadores têm denunciado outros elementos não abordados pelo tradicional sistema de prevenção de acidentes e de doenças nas empresas”9. 3.1 A Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.488/1998 e a multicausalidade fatorial da incapacidade A Resolução do Conselho Federal de Medicina – CFM nº 1.488/1998 pode constituir uma resposta às novas necessidades sóciojurídicas identificadas, ao estabelecer normas específicas para o atendi-

7. SELIGMANN-SILVA, et al, p.185. 8. MARINONI, Op. cit. 9. SELIGMANN-SILVA, et al, Op. cit., p.185. Trabalho Seguro


mento ao trabalhador, assentando-se, entre outras, sobre as premissas de que “o trabalho é um meio de prover a subsistência e a dignidade humana, não devendo gerar mal-estar, doenças e mortes”, “a saúde, a recuperação e a preservação da capacidade de trabalho são direitos garantidos pela Constituição Federal” e “a nova definição da medicina do trabalho, adotada pelo Comitê Misto OIT/OMS” deve “proporcionar a promoção e manutenção do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores”, assim dispondo: Art. 2º - Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar: a. a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; b. o estudo do local de trabalho; c. o estudo da organização do trabalho; d. os dados epidemiológicos; e. a literatura atualizada; f. a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas; g. a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros; h. o depoimento e a experiência dos trabalhadores; i. os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.

A avaliação proposta na norma transcrita encontra-se permeada pela visão de que a incapacidade laboral está relacionada a fatores multicausais, que devem ser minuciosamente considerados na prova pericial para a avaliação da existência do nexo causal ou concausal, sob pena mesmo de configurar cerceamento de defesa. A título de exemplo da importância da adoção dos parâmetros estipulados pela aludida Resolução do CFM: CERCEMAENTO DE DEFESA. PERÍCIA MÉDICA. Existindo a possibilidade da caracterização de doença profissional decorrentes da atividade na empresa, essencial a elaboração do laudo pericial com diligência no local de trabalho, conforme dispõe a Resolução 1488 do Conselho Federal de Medicina. (RO 3702.2010.5.02.0291, TRT da 2ª Região, 3ª Turma, Relatora Desembargadora Rosana de Almeida Buono, Data de julgamento: 22/05/2012. Data de Publicação: 29/05/2012.)

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Transcrevem-se, por oportuno, excertos das razões do referido tópico do acórdão proferido nos autos desse processo:

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Preliminar – cerceamento de defesa A Reclamante pugna pela nulidade da defesa proferida sustentando cerceamento de defesa com o indeferimento do pedido de realização de nova perícia. Afirma a inexistência de verificação do local de trabalho pelo Sr. Perito, assim como a desconsideração dos documentos juntados pela inicial. Com efeito, prospera o inconformismo da Autora, pois o laudo pericial foi inconclusivo ao afirmar que os problemas constatados na Trabalhadora foram agudizados “provavelmente, ocasionado por quadros de fibromialgia. [...] Considerando que a tendinopatia é comumente associada às doenças profissionais, essencial aos trabalhos técnicos determinados pelo Juízo, a investigação do local de trabalho. Nesse cenário, inclusive, o conselho Federal de Medicina publicou a Resolução 1.488/98 estabelecendo os procedimentos e critérios técnicos para se estabelecer ou afastar o nexo causal. Entre os requisitos determinou o estudo do local de trabalho, incluindo depoimento e experiência de trabalhadores: [...] O Sr. Perito, contudo, julgou desnecessária a averiguação minuciosa do ambiente de trabalho (fls. 91). Não obstante o r. parecer do Perito, a similaridade da doença indicada no laudo e da doença profissional, assim como da imprecisa conclusão de que as dores agudas “provavelmente” eram ocasionadas pela fibromialgia, entendo ser essencial a realização dos trabalhos técnicos segundo preceituado na Resolução 1488 do Conselho Federal de Medicina. Por conseguinte, acolho a preliminar de cerceamento de defesa, anulando a sentença proferida e determinando a reabertura da instrução processual com a realização de novos trabalhos técnicos.

O destaque que a norma do CFM conferiu à narrativa do trabalhador, ao estabelecer, como elementos a serem considerados pelo médico, o seu depoimento e a sua experiência (inciso VIII), revela o valor que deve ser atribuído à singularidade da sua história, porquanto os elementos pessoais poderão guiar as instituições na empreitada de promoverem o reencontro do trabalhador com o seu espaço social, com a referência perdida em razão da dor, do afastamento do trabalho e da incerteza em relação ao futuro. De acordo com Sebastião Geraldo de Oliveira, “os procedimentos recomendados por essa Resolução representam uma diretriz de segurança importante. Além de indicar todos os fatos que contribuem para o adoecimento, apontanTrabalho Seguro


do dados que deverão ser considerados, privilegia o conhecimento científico multidisciplinar como roteiro mais seguro para encontrar a verdade10.

Os elementos elencados pela referida norma do CFM, na lição de Paulo Antonio Barros Oliveira11, levam a outros desdobramentos, referentes, por exemplo, à investigação sobre: a) a jornada de trabalho (cumprimento de horas extras, fracionamento da jornada, existência de turnos e demais modalidades de flexibilização); b) a forma como as atividades eram exercidas (se o trabalhador executava atividades múltiplas, se era hipersolicitado, se lhe era exigida polivalência ou deveria atentar para o cumprimento de metas); c) a qualidade do relacionamento com superiores hierárquicos e colegas (se havia estímulo exacerbado à concorrência entre empregados, se havia humilhações e/ou constrangimentos por parte do empregador ou seus prepostos); e, d) a modalidade de contratação (se era contratado de forma terceirizada ou por prazo determinado, se estava inserido em algum contexto de precarização das relações de trabalho). Recentes estudos acadêmicos também concluem que “a saúde do trabalhador é condicionada por fatores sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais relacionados ao perfil de produção e consumo, além de fatores de risco físicos, químicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos presentes nos processos de trabalho particulares”. Assim, uma gama de fatores distintos contribui para o afastamento do trabalho. Embora importantes os fatores ambientais, alertam Jamir J. Sardá, Emil Kupek e Roberto M, Cruz, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, que também os aspectos psicossociais e ocupacionais devem ser considerados, o que inclui a avaliação do nível educacional, o tempo de afastamento, a sujeição ao estresse e à depressão, as restrições ao ingresso e à manutenção do posto de trabalho, o suporte social etc.12 A par dos elementos mencionados, a resolução do CFM remete o intérprete, necessariamente, a considerar os aspectos das disposições referentes às seguintes normas: a) Resolução n. 10, de 23/12/1999, do 10. OLIVEIRA, Op. cit ., p. 167. 11. OLIVEIRA, Paulo Antonio Barros. Palestra proferida no Seminário sobre Saúde do Trabalho em 23-04-2013. 12. SARDÁ JR, et al, p. 59, 2009. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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INSS, que aprovou os protocolos Médicos sobre 14 grupos de doenças, “com o detalhamento sobre o diagnóstico, o procedimento médico para o estabelecimento do nexo casal, os fatores etiológicos, a mensuração da incapacidade laborativa, além de outras importantes recomendações”, em conjunto com os Protocolos Médicos do Ministério da Saúde; b) Instrução Normativa n. 98, de 05/12/2003, do INSS; e, c) NR-7, da Portaria MTb n. 3.214/1978, e ao seu respectivo manual de aplicação. Essas últimas, referentes à prova pericial nos casos de Lesões por Esforços Repetitivos e dos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT). 3.2 A Instrução Normativa do INSS n. 98/2003, a NR 17, prevista na Portaria MTb n. 3.214/1978, e seu manual de aplicação em face da prova pericial nos casos de LER/DORT

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A Instrução Normativa do INSS n. 98/2003, que visou a uniformizar e a adequar a atividade médico-pericial frente ao atual nível de conhecimento das LER/DORT, veio a promover a atualização dos conceitos científicos que abarcam a síndrome, enumerando os “fatores de risco”, assim considerados os fatores do trabalho relacionados com as LER/DORT, que não são independentes e interagem entre si. De forma completamente inovadora, considerou, dentre esses, os fatores organizacionais e psicossociais do trabalho, esses últimos definidos como “as percepções subjetivas que o trabalhador tem dos fatores de organização do trabalho”, a exemplo “das considerações relativas à carreira, a carga e ritmo de trabalho e ao ambiente social e técnico do trabalho”. Ainda, estabeleceu o detalhamento dos procedimentos diagnósticos nos termos das normas e manuais técnicos do Ministério da Saúde (2001) e tratou da investigação de outros sintomas ou doenças de origem não ocupacional, que podem exercer influência na determinação e/ou agravamento do caso, alertando para o fato de que, para ser significativo como causa, o fator não ocupacional precisa ter intensidade e frequência similares àquelas dos fatores ocupacionais conhecidos. Se do ponto de vista da legislação previdenciária, havendo relação com o trabalho, a doença é considerada ocupacional, mesmo que haja fatores concomitantes não relacionados à atividade laboral, porquanto as perícias do INSS têm por objeto a incapacidade do trabalhador, no tocante à responsabilidade civil, que é o tema central da prova Trabalho Seguro


pericial de que tratamos, a análise da intensidade dos fatores não ocupacionais constitui foco relevante para o estabelecimento do nexo causal ou concausal. Para o processo do trabalho, tornam-se, assim, sobremaneira pertinentes os questionamentos que a norma aponta, como: houve tempo suficiente de exposição aos fatores de risco? Houve intensidade suficiente de exposição aos fatores de risco? Os fatores existentes no trabalho são importantes para, entre outros, produzir ou agravar o quadro clínico? Dispõe a norma, ainda, que a avaliação pericial deve contar com uma análise ergonômica, abrangendo o posto de trabalho e a organização do trabalho. E vai além. Estabelece como deve ser realizado o tratamento adequado e traça as linhas gerais dos programas de prevenção, que não prescindem do estudo global dos aspectos organizacionais e psicossociais do trabalho, à luz dos parâmetros consagrados da NR 17 prevista na Portaria MTb n. 3.214/1978 e seu manual de aplicação, que, apesar de não serem específicos para a prevenção de LER/DORT, permitem a adaptação das condições de trabalho às caracterísitcas psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. Ademais, reforça as medidas de prevenção que devem ser incorporadas ao meio ambiente de trabaho para fins de retorno ao trabalho, que deverá ocorrer “em ambiente e atividade/função adequados, sem risco de exposição, uma vez que a remissão dos sintomas não garante que o trabalhador esteja livre das complicações tardias que poderão advir, se voltar às mesmas condições de trabalho que geraram a incapacidade laborativa”. Por fim, e a par de promover a atualização clínica das LER/ DORT, instituiu a Norma Técnica de Avaliação da Incapacidade Laborativa. 3.3 A Instrução Normativa MTE n. 88/2010 na avaliação da organização do trabalho em superação ao modelo de atribuição de responsabilidade exclusiva ao trabalhador pelos acidentes de trabalho (ato inseguro) A Instrução Normativa n. 88/2010, expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, notadamente em seu artigo 5º, oferece um roteiro bastante abrangente de investigação das causas dos acidentes de trabalho Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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e das doenças ocupacionais, ao estatuir, entre as providência que devem ser tomadas nesse sentido, a análise de possíveis irregularidades e infrações às Normas Regulamentadoras de Segurnça e Saúde no Trabalho – NRs aprovadas pela Portaria MTb n. 3.214/1978, especialmente as de n. 1 (disposições gerais), 4 (SESMT), 5 (CIPA), 7 (PCMSO) e 9 (PPRA), e a provável deficiência na capacitação dos trabalhadores ou nos outros aspectos de gestão de segurança e saúde que influenciaram a ocorrência do evento. Há que ser destacado, também, o item concernente à investigação acerca de possíveis infrações referentes à jornada de trabalho, incluindo os períodos de descanso. A concepção que inspirou a edição dessa norma suplanta a “visão simplista” consistente em que os acidentes de trabalho têm como causa o “ato inseguro” ou o “erro humano” praticado pelo trabalhador. Rodolfo Andrade Gouveia Vilela Machado, em seu trabalho referente à teoria da culpa nos acidentes de trabalho, com respaldo em Machado & Minayo-Gomez, enaltece que a atribuição da culpa do acidente de trabalho ao vitimado está assentada na concepção de recursos humanos do taylorismo e fordismo, que preconizam o “homem certo no lugar certo”, numa explícita adaptação do homem ao risco. Assim conclui: Investigações que atribuem a ocorrência do acidente a comportamentos inadequados do trabalhador (“descuido”, “negligência”, “imprudência”, “desatenção” etc.), evoluem para recomendações centradas em mudanças de comportamento: “prestar mais atenção”, “tomar mais cuidado”, “reforçar o treinamento”[...] Tais recomendações pressupõem que os trabalhadores são capazes de manter elevado grau de vigília durante toda a jornada de trabalho, o que é incompatível com as características bio-psico-fisiológicas humanas. Em conseqüência, a integridade física dos trabalhadores fica na dependência quase exclusiva de seu desempenho na execução das tarefas (HALE & GLENDON , 1987).

Conforme ainda refere o autor, o contraponto ao “ato inseguro”, que constitui a “visão sistêmica do fenômeno acidente”, incorpora a noção de que “a prevenção parte da compreensão das limitações biológicas, fisiológicas e psicológicas do ser humano, ou seja, quando os processos de trabalho são concebidos, projetados e executados de modo a suportar, como naturais, as falhas humanas”13. 13. MACHADO, 2003. Trabalho Seguro


3.4 A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF e o modelo biopsicossocial A incapacidade ainda pode ser avaliada por meio da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF, metodologia à qual vem sendo dado muito destaque, que, como explica Heloísa di Nubila, pesquisadora de Saúde Pública do Departamento de Epidemiologia da Univesidade de São Paulo, “é hoje o modelo da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a saúde e incapacidade, constituindo a base conceitual para a definição, mensuração e formulação de políticas nesta área”. Como a CIF é uma classificação da saúde e dos estados relacionados com a saúde, também é utilizada por setores, tais como, seguros, segurança social, trabalho, educação, economia, política social, desenvolvimento de políticas e de legislação em geral e alterações ambientais. Por esses motivos foi aceita como uma das classificações sociais das Nações Unidas, sendo mencionada e estando incorporada nas Normas Padronizadas para a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Incapacidades. Assim, a CIF constitui um instrumento apropriado para o desenvolvimento de legislação internacional sobre os direitos humanos bem como de legislação a nível nacional.” 14

Constitui um modelo cujo centro é a atividade humana, nominado “biopsicossocial” que fornece “uma visão coerente de diferentes perspectivas da saúde: biológica individual e social”. Por meio dessa metodologia, a incapacidade pode ser melhor compreendida “a partir da interação negativa entre um indivíduo com uma determinada condição de saúde e os seus fatores contextuais (ambientais e pessoais)”, sendo consideradas as “múltiplas dimensões envolvidas no processo de saúde e funcionalidade/incapacidade”15. Pela via da CIF, ainda, como revela estudo elaborado pela Universidade Federal da Bahia em parceria com outras entidades, é possível “conhecer e reconhecer não só as limitações, mas, principalmente as possibilidades físicas, psíquicas e sociais do trabalhador”16. As classificações internacionais da OMS concernentes aos esta14. OMS, p. 9-10, 2004. 15. DI NUBILA, p. 122-123, 2010. 16. LIMA, et. al, p. 112-121, 2010. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região

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dos de saúde (doenças, perturbações, lesões etc.) possuem como referência o CID-10 (abreviatura da Classificação Internacional de Doenças – Décima Revisão), que fornece uma estrutura de base etiológica. A funcionalidade e a incapacidade associados aos estados de saúde são classificados na CIF. Portanto, a CID-10 e a CIF são complementares, e os utilizadores são estimulados a usar em conjunto esses dois membros da família de classificações internacionais da OMS. A CID-10 proporciona um “diagnóstico” de doenças, perturbações ou outras condições de saúde, que é complementado pelas informações adicionais fornecidas pela CIF sobre funcionalidade. Em conjunto, as informações sobre o diagnóstico e sobre a funcionalidade dão uma imagem mais ampla e mais significativa da saúde das pessoas ou da população, que pode ser utilizada em tomadas de decisão 17.

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4 Aspectos decorrentes da aplicação das normas de caráter multidisciplinar na realização da perícia Os novos conceitos incorporados ao conjunto normativo comentado, que advêm da produção dos centros de pesquisa oficiais e da academia, incluída a CIF, devem levar o juiz, ao julgar o pedido de ressarcimento pela violação a dano moral, estético ou patrimonial decorrente de acidente de trabalho ou doença ocupacional, a avaliar amplamente, por meio da prova pericial, as condições do meio ambiente do trabalho. Esse entendimento vem sendo assimilado pela jurisprudência: RESPONSABILIDADE CIVIL. DOENÇAS OCUPACIONAIS. DANOS MATERIAIS. DANOS MORAIS. PRESSUPOSTOS. CONSISTÊNCIA. A petição inicial aponta a ocorrência de doenças ocupacionais limitativas da funcionalidade dos membros superiores, formulando pretensão de responsabilidade civil da empresa por danos materiais e por danos morais perpetrados. A prova pericial, precedida de rigoroso exame clínico do autor, de extensa análise dos riscos ergonômicos do ambiente de trabalho e dos riscos biomecânicos das atribuições desempenhadas nas sucessivas funções exercidas, oferta conclusão pela aferição positiva de relação de causalidade entre as patologias e a prestação de serviços na empresa, deduzindo, diante da aplicação de método da “Classificação Internacional de Funcionalidade”, pela redução temporária da capacidade laborativa na proporção de cinqüenta por 17. OMS, p. 7-8, 2004.

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cento, diante da constatação do comprometimento do sistema músculoesquelético. Tal contexto explicita a presença dos pressupostos da responsabilidade civil, implicando no reconhecimento do direito à reparação por danos materiais e por danos morais perpetrados. Recurso da ré a que se nega provimento, no particular, por unanimidade. (RO 1193-10.2011.5.24.0022, TRT da 24ª Região, 2ª Turma, Relator Desembargador João de Deus Gomes de Souza, Data de julgamento: 20/03/2013. Data de Publicação: 25/03/2013) DOENÇA OCUPACIONAL. PERÍCIA. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE. GRAU. PENSÃO MAJORADA. CRITÉRIOS. TABELA CIF. Para as hipóteses que envolvem redução da capacidade laborativa, respeitado o disposto no art. 436 do CPC, o deferimento de pensão mensal pode adotar, como critério, pelo menos três parâmetros: 1) quando há definição no laudo técnico quanto ao percentual da perda da capacidade, a conclusão do perito; 2) quando o laudo define o grau da perda da capacidade, mas não o percentual, segundo o princípio do livre convencimento motivado, os percentuais estabelecidos pela Tabela CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, editada pela Organização Mundial da Saúde; 3) quando o laudo confirma a limitação da capacidade, mas não esclarece o grau ou o percentual da limitação, a tabela elaborada pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, que se revela um parâmetro lógico. Se o laudo atesta a redução permanente da capacidade, em grau médio, como na situação dos autos, mas não define em que percentual, colhe-se da Tabela CIF que, em semelhante situação, o percentual pode variar entre 25% e 49%. Consideradas as variáveis expressas na Tabela, com destaque para a funcionalidade como componente da saúde, fixa-se a restrição de capacidade em 45%, percentual adotado para definir a pensão mensal a cargo da ré. Recurso ordinário provido para majorar a pensão mensal. (RO 804-2009-658-09-00-2, TRT da 9ª Região, 2ª Turma, Relatora Desembargadora Marlene Suguimatsu, Data de Publicação: 05/08/2011)

A realização da prova pericial sob o enfoque multidisciplinar pode exigir a atuação de outros profissionais além do médico do trabalho18. O Código de Processo Civil, nesse sentido, faculta ao juiz nomear mais de um perito nos casos de “perícia complexa” (art. 431-B, CPC), o que torna pertinente a atuação de psicólogos, fisioterapeitoas, fonoaudiólogos, e outros, além da indispensável participação do engenheiro em segurança do trabalho para a avaliação dos riscos que permeiam o ambiente de trabalho, o que requer a aplicação das normas afetas aos conselhos profissionais respectivos. O espectro de investigação da prova pericial nos processos tra18. OLIVEIRA, Op. cit., p. 329. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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balhistas, considerando os métodos que podem ser utilizados, inclusive a CIF, supera os limites da patologia ou da limitação instalada, podendo indicar a medida da capacidade residual projetiva, o que torna importante, caso pertinente, sejam impostas medidas de reinserção social, tutela que se afigura consectária ao pedido e que inclui expedição de ofícios ao INSS, para que providencie a readaptação oficial (Programa de Reabilitação Profissional) e a requalificação profissional, bem como a determinação à empresa no sentido de que implemente os atos necessários a tornar adequado o retorno ao trabalhador, com a eliminação dos agentes patológicos – que estão na gênese dos acidentes de trabalho e das doenças ocupacionais –, o reordenamento da organização do trabalho e as mudanças funcionais para fins de compatibilização com a nova condição do trabalhador19. Nesse sentido, deve ser enaltecida a conclusão de Sandro Sardá, Roberto C. Ruiz e Guilherme Kirtsching, em estudo intitulado Tutela jurídica da saúde dos empregados de frigorificos, de que “a prevenção de doenças ocupacionais por meio da redução de riscos inerentes ao trabalho encerra valor jurídico fundante de todo o modelo de proteção à saúde dos trabalhadores”20. Ademais, as medidas de reinserção do trabalhador à sociedade, que inclui o retorno ao trabalho em ambiente isento de riscos, podem adquirir caráter reativo a que os pesquisadores da FUNDACENTRO, Maria Maeno e Victor Wuncsh Filho, referem como “a falência de reabilitação profissional por parte do Estado e da empresa”, e que vem consolidando uma situação propícia ao rebaixamento dos trabalhadores adoecidos à condição de “cidadãos de segunda classe”21 A utilização das normas de caráter multidisciplinar referidas, especialmente a CIF, diante da complexidade do modelo e da profundidade da investigação que propõem, torna pertinente a capacitação dos operadores do direito do trabalho em torno das metodologias nelas previstas. Nesse sentido, também importa que os peritos mantenham-se atualizados. Essa questão, contudo, não pode se apartar do debate que gira em torno do valor atribuído aos honorários periciais e da sua forma

19. TAKAHASHI, et al, 2010 20. SARDÁ, et al, p. 59, 2009. 21. MAENO, et. al, 2010. Trabalho Seguro


de pagamento, porquanto questões referentes à destinação orçamentária e aos óbices processuais relacionados ao adiantamento dos honorários processuais constituem sérios entraves para a viabilização da própria perícia, quadro que vem concorrendo para a afastar do âmbito de atuação da Justiça do Trabalho muitos profissionais qualificados para a realização desse imprescindível mister. 5 A realização da Prova Pericial e a constatação do Nexo Técnico Epidemiológico O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP22), conforme expõe Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira, constitui uma metodologia adotada pelo legislador para estabelecer a existência de uma relação causal presumida entre a doença e a atividade econômica à qual o trabalhador está submetido. É atribuído a partir de associações entre patologias (agravos à saúde, conforme a Classificação Internacional de Doenças – CID) e exposições (fatores de risco sintetizados pela Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE) constantes do Regulamento da Previdência Social, inclusão dada pelos Decretos n. 6042/2007 e n. 6957/200923. No escólio do referido autor, o NTEP tem por objetivo: a. Estabelecer uma modelagem jurídico-previdenciária que seja capaz de salvaguardar os interesses não apenas das empresas, mas, sobretudo, do Estado e dos trabalhadores; b. Criar uma metodologia de aferição da morbidade laboral brasileira que seja independente da vontade-poder do empregador, para fins de tributação flexível do Seguro Acidente do Trabalho – SAT, e concessão de benefícios acidentários; c. Diminuir a burocracia imposta ao trabalhador acidentado antendido pelo INSS; d. Assegurar efetividade dos direitos constitucionais previdenciários ao tra-

22. O NTEP e o FAP foram criados por uma tese de doutoramento na Faculdade de Ciências da Saude da Universidade de Brasília, em 2008, por Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira, intitulada Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP e o fator acidentário de prevenção – FAP: Um novo olhar Sobre a Saúde do Trabalhador, posteriormente publicada em formato de livro pela Editora LTr, em 2009. 23. ALBUQUERQUE, p.86, 2011. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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balhador acidentado brasileiro.24

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O NTEP constitui, portanto, evolução do conceito individualista dos nexos técnicos para o coletivo, ao incorporar a dimensão epidemiológica ao aparato teórico de investigação. A aplicação do NTEP guarda consonância com a teoria dinâmica da prova, porquanto conduz à inversão do ônus da prova, medida processual relevante para o aperfeiçoamento da tutela jurisdicional, porque, como ressalta José Affono Dallegrave Neto, o trabalhador é a parte hipossuficiente e o empregador é quem possui a aptidão para produzir a prova da inexistência do nexo causal 25. Dessa forma, uma vez estabelecido epidemiologicamente o nexo técnico entre o trabalho e o agravo à saúde, à empresa é conferido o ônus processual de apresentar em juízo dados, informações fundamentadas ou elementos circunstanciados e contemporâneos ao exercício da atividade que evidenciem a inexistência do nexo causal entre a doença e o agravo instrução normativa INSS. n. 31/2008. A prova pericial, nesse contexto, apresenta-se como elemento imprescindível, para o fim de avaliar a possível influência de outros fatores que teriam operado, em algum grau, na configuração do nexo causal ou concausal, como, por exemplo, a vida profissional pregressa do trabalhador, os seus hábitos de vida e a predisposição genética, para fins, inclusive, de ponderar o valor da indenização por danos morais. A jurisprudência dos Tribunais pátrios vêm consagrando a utilização da metodologia de que tratamos. Nesse sentido, destaca-se o acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região: Apesar de o parecer técnico apresentado pelo Assistente Técnico da ré ter concluído pela ausência de nexo causal (fls. 181/185), entendo que não infirmou o laudo apresentado pelo i. Perito judicial, na medida em que, verifica-se que o INSS ao conceder o afastamento previdenciário à obreira, enquadrou o auxílio doença como decorrente de Acidente do Trabalho (fls. 24/28), o que vai de encontro ao laudo pericial. Saliente-se, ainda, que comparando a lista B do Anexo II do Decreto 3048/99 (agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho,

24. ALBUQUERQUE, Op. cit., p.89. 25. DALLEGRAVE NETO, p. 145, 2007. Trabalho Seguro


conforme art. 20 da Lei 8.213/91), com a Classificação Nacional de Atividade da reclamada, lançada no TRCT da autora às fls. 131 - código C.N.A.E. 3811-4/00, cuja descrição se refere a “Coleta de resíduos não perigosos” (descrição que se coaduna com o objeto social da ré - fl. 114), verifica-se que há identificação das doenças “M54.5” “M65.9”, “M75.1” “M77.9” (fls. 31, 33, 40), descritas no título DOENÇAS DO SISTEMA OSTEOMUSCULAR E DO TECIDO CONJUNTIVO, RELACIONADAS COM O TRABALHO (Grupo XIII da CID-10), com a CNAE (classificação Nacional de Atividade) da empresa reclamada, o que evidencia existência do nexo técnico epidemiológico e corrobora as conclusões do laudo do perito do juízo. Tenho, pois, como comprovado o nexo causal e o dano que evidentemente foi suportado pela autora em razão da doença de cunho ocupacional que adquiriu.(PROCESSO TRT - 15ª REGIÃO N.º 0000656-30.2011.5.15.0130)

6 A adequação dos procedimentos judiciais atinentes à realização da prova pericial sob a ótica da garantia dos direitos fundamentais No escólio de Eduardo K. Scarparo, o magistrado, ao promover a tutela jurisdicional, especialmente sob a ótica da garantia dos direitos humanos fundamentais, não pode “confundir boa técnica com submissão cega a critérios formais e abstratos”, devendo adequar o processo a “especificidades e diferenças”26. Não há dúvida de que, em face da inexistência de um procedimento próprio, no âmbito do processo do trabalho, que vise especificamente a instrução probatória das ações indenizatórias decorrentes de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, emerge a necessidade de serem promovidas providências específicas pelo magistrado para o fim de potencializar a utilidade da prova pericial, as quais poderão, especialmente, constituir referências para a a realização da referida prova. Nesses termos, torna-se pertinente que o juiz determine a juntada aos autos dos “instrumentos de tutela do meio ambiente de trabalho”27, como o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, o Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho – LTCAT, previstos na NR-9 da Portaria n 3214/78 do MTE, o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO, nos termos da NR-7 da Portaria n. 3214/78, que constituem medidas de prevenção que visam à preserva26. SCARPARO, p. 179, 2006. 27. MELO, p. 97, 2008. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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ção da saúde e da integridade física do trabalhador. O Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP é, da mesma forma, documento necessário para a instrução processual, porque reflete o histórico da vida laboral do trabalhador, considerando que, como ressalta Raimundo Simão de Melo, “seu alcance “vai muito além do simples propósito previdenciário, pois visa, como resultado final, fiscalizar a distância ou in loco as condições de trabalho em ambiente de risco para o fim de eleminá-lo ou diminui-lo”28. Ainda, constitui dado importante a informação nos autos, pela Previdência Social, acerca do FAP – Fator Acidentário de Prevenção referente à empresa. Ademais, convém que o INSS seja intimado para o fim de fornecer os códigos de afastamento referentes aos benefícios previdenciários concedidos ao autor e encaminhar os laudos periciais produzidos. Em relação aos prontuários médicos, a sua juntada aos autos, quando determinada pelo magistrado, deverá ser autorizada pelo trabalhador (Resolução CFM n. 1488/98). Os exames médicos admissional, periódicos e demissional, de que tratam o art. 168 da CLT e a NR-7 da Portaria n. 3214/78, a serem providenciados pela empresa, poderão revelar ao magistrado a evolução da saúde do trabalhador no decorrer do desempenho da atividade laboral para o réu. Torna-se, por fim, indispensável, para o fim de garantir o devido processo legal, defina o magistrado a repartição do ônus da prova. Todas essas providências, que podem ser efetivadas por meio de despacho saneador, como vem sendo cogitado nos fóruns virtuais de discussão dos magistrados do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, estão respaldadas na noção, bem ressaltada por Luiz Guilherme Marinoni, de que “o juiz não pode fugir do dever de aplicar a técnica processual adequada ao caso concreto”29. Nesse sentido, ainda defende Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, “o juiz tem o poder-dever de, mesmo e principalmente no silêncio da lei, determinar as medidas que se revelem necessárias para melhor atender aos direitos fundamentais envolvidos na causa, a ele submetida” 30. Essa concepção, contudo, não autoriza medidas judiciais que, em

28. MELO, Op. cit., p. 101. 29. MARINONI,, Op. cit. 30. OLIVEIRA, apud, MARINONI, Op cit. Trabalho Seguro


nome da simplicidade do processo do trabalho e da atuação criativa do juiz, configurem práticas atentatórias aos direitos fundamentais, como, por exemplo, a realização da prova pericial em audiência, ato que esbarra inegavelmente na violação ao direito da intimidade. Com efeito, o sistema processual deve ser interpretado de acordo com a Constituição. 7 O Programa Trabalho Seguro e o Aperfeiçoamento da Prova Pericial O Programa Trabalho Seguro, criado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho e pelo Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Resolução Conjunta n. 96/2012, veio a delinear uma nova face da Justiça do Trabalho, em que seu papel não mais se restringe à sua importantíssima e indispensável função reparatória, na medida em que imputou a esse ramo do Judiciário, também, o desenvolvimento de ações voltadas: 1) à promoção da saúde do trabalhador; 2) à prevenção de acidentes de trabalho; e, 3) ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. A institucionalização do Programa Trabalho Seguro decorre de uma nova concepção de gestão para o Poder Judiciário, fundamentada no entendimento de que o disposto no art. 2º, da Constituição Federal de 1988, que trata da independência do Poder Judiciário, não se confunde, em hipótese alguma, com soberania, nem com isolacionismo. Tanto que a referida disposição constitucional enaltece que a independência deve ser gerida de forma harmoniosa. Para serem alcançados seus objetivos, o Programa Trabalho Seguro estabeleceu sete importantes linhas de atuação, dentre as quais destacamos, em face do objeto do presente estudo: a. a promoção de medidas que visem a efetiva aplicação do arcabouço normativo existente, incluindo as normas internacionais e internas sobre saúde do trabalhador; e, b. a eficiência jurisdicional (que se traduz, especialmente, nas medidas que viabilizam a tramitação das ações regressivas).

Para o fim de serem implementadas essas diretrizes, foi edificado um projeto executivo específico para o aperfeiçoamento da prova pericial de que tratamos neste estudo, tendo em vista o indiscutível destaque Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região | v.17 n. 26 2012-2013

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que o tema vem ocupando no cotidiano dos magistrados do trabalho e que envolve desde importantes questões conceituais técnicas até problemas de ordem prática, como o pagamento dos honorários periciais. Nesses termos, está sendo realizado questionário destinado aos magistrados do trabalho do país, que visa a detectar os entraves e as soluções apresentados pelos próprios juízes na realização dessa prova, para o fim de que, uma vez conhecida a realidade, possam ser propostas medidas institucionais mais amplas. Outrossim, visa-se a divulgação de material, sempre atualizado, que congregue normas técnicas aplicáveis à prova pericial e referências de consulta de conteúdo técnico-científico, a ser formulado e compilado por grupo de estudo interinstitucional de formação multidisciplinar. Também está sendo fomentada a realização de eventos nos tribunais regionais que propiciem a discussão entre magistrados acerca dos procedimentos da prova pericial, de forma que a interação e a troca de experiências conduzam à construção conjunta do conhecimento. Ainda, estão sendo estudadas medidas que viabilizem a capacitação periódica de peritos. Ademais, está sendo considerada a divulgação de lista das empresas que sofreram condenação, com sentença transitada em julgado, em relação a pedidos decorrentes de acidentes e doenças profissionais, também para o fim de que o magistrado tome conhecimento dos precedentes da empresas, de forma a conhecer a realidade a que está submetido o caso sub judicie. Todas essas medidas traduzem o inegável compromisso da Justiça do Trabalho com a garantia ampla dos direitos atinentes à vida, à saúde e à integridade física, mental e psíquica do trabalhador, direitos que são inalienáveis e universais e que, portanto, não admitem a perversa distinção que o mundo hoje estabeleceu entre cidadãos e subcidadãos – esses, passíveis de terem suas vidas ceifadas pela negligência, pela indiferença e pelo famigerado processo de “coisificação do homem”. 8 Conclusão Por todo o exposto e considerando a visão de Ada Pellegrini Grinnover no tocante a que o acesso à justiça não se restrinja ao aces-

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so ao Poder Judiciário, mas essencialmente a um “processo justo”31, é imperioso concluir que a observância das diversas normas de direito ambiental do trabalho que guardam estrita sintonia com a teoria dos direitos humanos, quando da realização da prova pericial, reforça o importantíssimo papel conferido atualmente ao processo, como instrumento de garantia da supremacia dos valores humanos essenciais. Cabe ao magistrado do trabalho, em sintonia com as concepções teóricas que consagram a constitucionalização do processo, emprestar à prova pericial um valor renovado, tão atual como a crescente demanda social que vem sendo imputada à Justiça do Trabalho em decorrência das competências que lhe foram atribuídas pela Emenda Constituição n. 45/2004. Dessa forma, deve constituir-se como verdadeiro intérprete de uma sociedade que, assistindo com assombro aos eloquentes números das estatísticas referentes a acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, confirma a impressão cotidiana de que a supremacia das necessidades do mercado vem se cristalizando sobre as possibilidades humanas. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Paulo Rogério. Uma sistematização sobre a saúde do trabalhador. Do exótico ao esotérico. São Paulo: LTr, 2011. BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa, 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 169,2001. CARVALHO, Carlos Alberto Álvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Jurisdição e Direitos Fundamentias. v. 1. tomo 2. p. 252. CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. DALLEGRAVE NETO, Jose Affonso. Nexo epidemiológico e seus efeitos sobre a ação trabalhista indenizatória. In: Revista TRT 3ª Região, ed. 76 , jul/dez. p. 143-153, 2007. DIDIER, Fredie. Teoria contemporânea da relação jurídica processual. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/grupo-de-

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Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Regi達o | v.17 n. 26 2012-2013



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