Gourmet Internacional

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Gourmet internacional anuário 2012

A cozinha dos

imigrantes

no Brasil

Cozinha une oceanos e exalta diferenças. Negócio da gastronomia. Porque comer é central. Yes, nós não tínhamos banana. Imigrantes formam o paladar brasileiro. À mesa com italianos, libaneses, japoneses, portugueses, armênios, alemães, espanhóis e franceses. A paixão pelo churrasco. Marcas da moderna gastronomia brasileira. Albino Castro. Dácio Nitrini. Fouad Naime. J. A. Dias Lopes. Mario de Almeida. Pola Galé. ano 1 | nº 1 | R$ 14,90




apresentação

Cozinha une oceanos e exalta diferenças Eclético cardápio nacional não renega a origem por Albino Castro

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ngredientes do Novo Mundo transformaram o paladar europeu, no século XVI, com a introdução nas cozinhas do Velho Mundo, por exemplo, de batata, milho e tomate. Muitos são os alemães que acreditam que a kartoffel, a batata, é o mais antigo dos alimentos dos povos germânicos. Inúmeros ainda são os italianos capazes de jurar que o pomodoro, o tomate, base do sugo que dá sabor às massas e pizzas, seja genuinamente napolitano — e que tipicamente veneziana é a matéria-prima da tradicional polenta, o milho, popularíssimo também há séculos na Península Ibérica. O pão de milho está mais presente no Norte de Portugal e na região espanhola da Galícia do que mesmo no Brasil. Mas já nos primeiros anos da presença da Espanha e de Portugal nas Américas muitos itens da cozinha européia foram trazidos para cá — bem como frutas de origem asiática e africana. Como banana, coco, manga, cana-de-açúcar e carambola. É provável que muitos de nossos compatriotas também acreditem, erradamente, que os coqueiros dominassem a paisagem das praias do sul da Bahia quando lá aportou Pedro Álvares Cabral. Os coqueiros só chegariam às praias do Brasil décadas depois, trazidos da Índia. A influência da gastronomia da Europa no Brasil se intensificou a partir de 1808, com a transferên-

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cia de Lisboa para o Rio de Janeiro da Corte Imperial portuguesa de Dª– Maria I (1734-1816) e do filho, então príncipe regente D. João VI (1767-1826). Única metrópole de todas as Américas a ser capital de um Império europeu, onde o sol, à época, nunca se punha, o Rio de Janeiro ainda hoje é profundamente lusitano à mesa. A europeização aumentaria mais ainda nas Américas, do Canadá ao Uruguai, com o desembarque no continente de milhões e milhões de imigrantes entre meados dos séculos XIX e XX. Principalmente em metrópoles como Nova York, São Paulo e Buenos Aires — e, por isso, as três cidades, das quais apenas uma é capital nacional, são à mesa uma síntese da própria história da emigração dos povos europeus, bem como do Oriente Médio e do Extremo Oriente. As massas, do spaghetti à lasanha, desde os anos 1930 se tornaram a pièce de résistance dos almoços de domingo dos paulistas. São Paulo é a mais italiana das capitais do País — e também a mais libanesa e japonesa. Onde o quibe e o Sushi há décadas freqüentam, lado a lado, as mesas de buffet da cidade. Esta edição de GOURMET Internacional é consagrada ao eclético O pintor holandês Albert Eckhout (1610-1665) retratou, entre 1637 e 1644, no Recife de Maurício de Nassau, os cocos originalmente trazidos da Índia pelos portugueses. O quadro está em Copenhague e integra a coleção do Museu Nacional da Dinamarca.


As vendedoras baianas de acarajé são personagens sempre presentes na extensa obra do mais baiano de todos os argentinos, Carybé, apelido que o artista portenho Hector Bernabó (1911-1997) ganhou na infância no Rio de Janeiro. Carybé nasceu em Lanús, na Grande Buenos Aires, e se transferiu em 1950 para Salvador. Tinha o título de Obá de Xangô — posto honorífico do candomblé.

cardápio nacional que, sobretudo em São Paulo, foi influenciado pelo paladar de povos de todo o mundo, porém, jamais renegou os primeiros séculos de sua cozinha, nas quais fortes são as influências dos portugueses, índios e africanos — que originaram o que conhecemos como cozinha dos Bandeirantes. As Entradas e Bandeiras avançaram a oeste, entre os séculos XVI e XVIII, nos territórios vizinhos à área delimitada para o Brasil no Tratado de Tordesilhas. Chegaram até a Cordilheira dos Andes, no início do século XVII, e há quem acredite que estiveram no Pacífico. Mas, por ordem dos espanhóis, que na ocasião eram soberanos do Brasil, retornaram à margem esquerda do Rio Paraná e se embrenharam na Amazônia. Portugal fez parte da coroa de Espanha de 1580 a 1640. Bandeirantes conquistaram cinco dos 8,5 milhões de metros quadrados do atual território brasileiro. Foram eles os primeiros a misturar elementos da cozinha portuguesa aos ingredientes nativos, difundindo o hábito dos índios de comer nas refeições a farinha de mandioPrimordial na cozinha ca — origem da brasileiríssima do Brasil é também o farofa. Primordial tempero africano também nos fundamentos da cozinha do Brasil dos primeiros séculos é o tempero africano — dominante nas casas das famílias vindas da metrópole. Foi na Bahia que povos trazidos como escravos da África criaram, sob várias influências,

uma requintada culinária, mesclando ingredientes indígenas, africanos, portugueses e indianos. As caravelas portuguesas que deixavam os portos da Índia, com destino a Lisboa, atracavam em Salvador, o que aconteceu até os anos 1960, quando Portugal perdeu os três últimos territórios indianos — Goa, Damão e Diu. Muitos elementos da apimentada cozinha baiana são diretamente inspirados nas milenares tradições dos povos do Oceano Índico. Deixaram ainda marcas na cozinha baiana alguns itens das regiões africanas de hegemonia islâmica, como a Nigéria e o Daomé, atual Benin — influenciados, talvez, pelos poucos escravos de origem muçulmana. Um dos exemplos é o cuzcuz, na versão salgada paulista, atribuída normalmente aos Bandeirantes como seus criadores, ou à maneira nordestina adocicada. Ambas são assemelhadas ao cuscuz das regiões do Magreb, no norte da África, e ao da ilha italiana da Sicília — herança, provavelmente, do período de mais de dois séculos, de 827 a 1060, em que esteve sob controle dos muçulmanos da dinastia persa dos Abassides. Outro exemplo é o acarajé, que tudo indica tem origem no falafel, massa frita à base de fava, muito comum no Oriente Médio e em quase toda a África. Bom proveito!

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Sumário Maior dos ícones da cozinha italiana, o spaghetti, plural de spaghetto, que significa cordão, conquistou há quase cem anos o paladar brasileiro.

Apresentação 2

Cozinha une oceanos e exalta diferenças

Negócio

Muitos duvidam, em tom de anedota, que bacalhau tenha cabeça, mas aqui apresentamos de corpo inteiro a paixão dos portugueses.

6 Porque comer é central 72 Grandes redes de um cardápio universal 73 Almanara 74 America 75 Gendai 76 Graal 77 Ráscal

História 12 18

Yes, nós não tínhamos banana É de churrasco que o gaúcho gosta

Imigrantes 22 26 34 40 44

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Imigrantes formam paladar brasileiro Itália — Una cucina brasiliana cem por cento italiana Japão — A comida do Japão desafia os tempos Líbano — A montanha que inspirou a cozinha dos cedros Fouad Naime — Segredos são mantidos em família


Giuseppe Garibaldi

Isabel La católica

D. Afonso Henriques

béChir II Chehab

Otto Von Bismarck

Napoleão Bonaparte

Imperador Mutsuhito

Heróis nacionais de alguns dos países que mais influenciaram o paladar brasileiro através dos seus imigrantes nos séculos XIX e XX.

Dramática imagem da emigração para as Américas, no porto de La Coruña, na região espanhola da Galícia, quando mulheres empurram os próprios baús, nos anos 1930, em busca de um sonho que fez milhares de galegos virem para o Brasil — onde deixariam marcas no paladar do País. Espanhóis fundaram em Salvador um dos clubes mais populares da Bahia, o Galícia E. C. (flâmula ao lado), lendário Demolidor de Campeões.

48 Portugal — À mesa em Portugal como no Brasil 51 Leite — É Portugal falando para o mundo 54 Alemanha — Muito além da salsicha e da salada de batatas 60 Espanha — Caballeros, Paella para todos! 66 França — Le Brésil uma obsessão francesa

Turismo 78

Glamour volta aos hotéis pelo talento dos chefs

Colunas 32 46 70

J. A. Dias Lopes — Bom trabalho dos nossos rapazes Dácio Nitrini — O forno e os sabores das esfihas da Luz Mario de Almeida — As ostras quentes do chef Peyrot

Última Página

Quadro A Feira I, de Tarsila do Amaral (1886-1973), mostra com cores fortes e traços modernistas o mundo encantado de nossos mercados ao ar livre.

80 O homem é o que come GOURMET

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negócio

Porque comer é central Economia saudável altera cardápio do brasileiro

por Fábio Caldeira Ferraz

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nalisar a população de uma cidade, de um país ao longo do tempo, é uma perspectiva promissora para identificar como são saciadas as necessidades alimentares em diferentes locais e épocas. Mais do que o paladar, foram a geografia, a economia e a religião a nos compelir dietas, induzir à formulação de receitas e a determinar as culturas e animais a serem domesticados. Durante a maior parte da história, esses e outros fatores fizeram a moldagem constante das preferências ao meio, não o contrário. Está à mesa boa parte do registro do passado. Em nossa vida nutricional alguns aspectos foram de tal maneira determinantes que, ao constatá-los, revisitamos milhares de anos. A conservação dos alimentos tem início no uso do fogo, e a vanguarda na liofilização passa pelo uso das especiarias e pela pasteurização, do homem das cavernas ao astronauta, da Pré-História à Modernidade. E se a mesa diz tanto sobre as contingências e possibilidades do passado, o que dirá sobre o Brasil contemporâneo? Ou mantida a ordem: o que diz a respeito da mesa o sétimo Produto Interno Bruto do mundo, dono de uma moeda forte, economia estável, às mar-

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ABRIGADOS EM UM BAR DE UMA CIDADE TOMADA PELO SILÊNCIO E pelo SONO, OS NOTÍVAGOS DE NIGHTHAWKS TêM NA BEBIDA DAS XÍCARAS NADA MAIS DO QUE O PRETEXTO PARA UMA INTERAÇÃO DISTANTE. JÁ, AO LADO, EM AUTOMAT É A XÍCARA QUEM FAZ aS VEZES DE ACOMPANHANTE EM UM BAR VAZIO. NOVAMENTE, O CONSUMO DO ALIMENTO PARECE EXISTIR ALI PARA ATENDER a OUTRA FINALIDADE, EM NADA LIGADA À REFRESCÂNCIA PROPORCIONADA POR UM CHÁ FRIO OU CONFORTO DE UMa XÍCARA DE CAFÉ QUENTE. AMBOS OS QUADROS, O PRIMEIRO FEITO EM 1942 E O SEGUNDO EM 1927, SÃO DE AUTORIA DO PINTOR REALISTA AMERICANO EDWARD HOOPER (1882-1967).

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gens do pleno emprego e terceiro maior exportador e da culinária étnica, da simplicidade e da alta gasagrícola — em verdade, segundo, uma vez que os euro- tronomia. Parte disso foi possível pela incorporação de equipeus são contabilizados em conjunto? Especialmente pamentos e processos que reduziram o tempo de feiporque o cenário é de rápida transição. Mantida a tendência, em poucos anos nossos tura dos pratos. O Instituto Brasileiro de Geografia hábitos serão compatíveis com os verificados em e Estatística (IBGE) observou em estudo o que muipaíses mais desenvolvidos, sobretudo nos Estados tos já perceberam — mesmo estabelecimentos mais Unidos. A exemplo dos americanos, estamos comen- sofisticados minimizaram sensivelmente o tempo de espera. Nos 1970, a dedo mais fora de casa. No pender da escolha no resano passado, de cada R$ Duas décadas depois, o “bon taurante, o cliente pode100 gastos com alimenria aguardar por até duas tação — “investidos”, dirá appétit” do garçom era dito horas a iguaria. Duas déo gourmand —, R$ 31 recadas depois, o “bon appéferem-se à aquisição de 15 minutos após a escolha tit” do garçom era pronunrefeições preparadas fora ciado 15 minutos após a do lar ou no mercado de food service, como prefere a Associação Brasileira escolha — desempenho relativamente próximo ao de das Indústrias de Alimentação (ABIA). Nas contas da uma lanchonete ou restaurante por quilo. A boa performance econômica do food service enentidade, o faturamento praticamente dobrou nos contra causa e efeito também no barateamento relativo últimos anos. Na América de 2010, o food service chegou a 48% dos ingredientes e na expansão das redes de atendidos dispêndios feitos pela população — um total de mento. Outro elemento externo com aparente influênvendas de US$ 529 bilhões. Para aquinhoar uma fra- cia sobre o tema é o aumento da participação das mução dos R$ 75 bilhões vendidos no Brasil de 2010, 1,4 lheres na População Economicamente Ativa (PEA). A milhão de estabelecimentos — entre hotéis, restau- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), rantes, bares, lanchonetes, padarias, deliveries, ca- de 1971, reconhece apenas 23% da PEA como do gênero fés, sorveterias e outros pontos de refeições rápidas — feminino. Em 2008, o percentual era de 43,6%. Motivada por quesmantiveram 6 milhões de postos de trabalho e Mercado de Alimentação no Brasil (em R$ bilhões)* tões materiais e culturais, a ida das mulheres investiram em produtos 200 ao mercado de trabalho e serviços condizentes 180 parece ter sepultado a com as necessidades do 160 ordem anterior, calcada brasileiro de hoje. Que é 140 na pontualidade da reumajoritariamente urba120 100 nião familiar à mesa, no, com renda crescen80 no preparo da refeição te, acossado pela falta 60 pelas mãos da principal de tempo, com muitas 40 figura feminina da casa dificuldades logísticas 20 e na qual a opção “coe de hábitos alimenta0 2005 2006 2007 2008 2009 2010 mer fora” era entendida res amplos: apreciador Food Service Varejo como luxo ao qual só do junk food e da comieventualmente se podia da saudável, do tradi* Vendas da indústria de alimentação por canal. Fonte: ABIA. recorrer. Na ordem atucional arroz com feijão

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Índice Big Mac

mundo em relação ao dólar al, o mercado de alimentaUS$ 8,31 — 149%. ção fora do lar persegue a Longe de minimizar os massificação da oferta, o US$ 8,01 problemas cambiais ou os rápido acesso e satisfação preços no mercado mundial do desejo, a celebrização de commodities, em alta rede personagens do segDinamarca nitente desde 2008, comer mento, como empresários Suíça fora de casa por aqui implie chefs, e o enaltecimento ca obrigatoriamente lidar acrítico de marcas. US$ 7,64 com questões locais que enMesmo com todos gordam a conta — e a lista os estímulos ao barateUS$ 6,16 de inflacionantes é enorme, amento, a coluna direia despeito de quem a faça. ta do cardápio continua Suécia Acadêmicos, empresários e desagradando a muitos. representantes de entidades Safras recordes no camdo segmento responsabilipo, demanda aquecida e Brasil US$ 4,07 zam, no front externo, três ampliação da oferta têm grandes grupos pelo cerne se mostrado incapazes do problema. Carga tribude estabilizar os preços. US$ 1,94 tária, legislação e infra-esCapitais como São Paulo trutura têm pressionado a e Rio de Janeiro já ostenEstados Unidos subida dos preços, ainda não tam estabelecimentos com ao ponto de fazer recuar as valores acima dos praticataxas de crescimento do food dos em países de renda per Hong Kong service, mas de impedir uma capita bem superior à braexpansão mais rápida, na sileira — e isso vale tanto O índice big mac the economist, a partir de 2011, passou opinião da Associação Brasipara restaurantes de pria analisar também a relação de valor entre as moedas leira de Bares e Restaurantes meira linha quanto para dos mais de cem países pesquisados, tendo o dólar como divisa de referência, e não apenas o preço do lanche em (Abrasel). Para a entidade, o lanchonetes. valores absolutos nesta moeda. O real é a moeda mais ritmo médio de ampliação Publicado todos os sobrevalorizada do mundo ante o dólar — 149% —, enquanto de 18% ao ano, verificado enanos pela revista semanal o sanduíche brasileiro, nos cálculos da revista britânica, é o quarto mais caro do mundo, e o de Hong Kong, o mais barato. tre 2005 e 2010, poderia ser inglesa The Economist, o O topo do ranking é ocupado pela Dinamarca. maior não fosse o trio. Índice Big Mac, ao lado, É dificílimo sustentar a compara entre os países o valor do famoso sanduíche da rede americana viabilidade financeira de um food service em grandes McDonald’s, considerando o postulado pela teoria centros urbanos do País. O empreendedor precisa lida paridade do poder de compra, que busca auferir dar com uma carga tributária que sorve anualmente quanto uma determinada moeda pode comprar glo- de 35% a 40% de toda a riqueza produzida pelo setor balmente. Em valores absolutos, o lanche por cá só privado, um Estado sempre disposto a legislar. Dos lonão é mais caro que na Suécia, Suíça e Dinamarca, cais nos quais as pessoas devem ou não fumar à forma respectivamente, US$ 7,64, US$ 8,01 e US$ 8,31, con- como é oferecido o couvert. Somado ao encarecimentra US$ 6,16. O indicador de 2011 aponta ainda o real to dos imóveis, aos imprescindíveis gastos com segucomo a moeda mais valorizada entre os países do rança, a uma logística que, para se viabilizar, se vale

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dos fretes mais caros do Distribuição dos gastos com food service mundo e às dificuldades de manter um ponto co2% 7% mercial em endereços com escassez de vagas Almoço e jantar para carros. De cem esta Refrigerantes, cervejas e outros belecimentos abertos, na 26% Sanduíches e salgados 42% capital paulista, apenas Agregadas e outras três completam dez anos. Café da manhã Trinta e cinco fecham em 12 meses, uma tragédia para um dos ramos que, atualmente, mais atrai 23% novos empreendedores. Fonte: IBGE/POF 2003 e ABIA. Outra lista de ingredientes ajuda, no front interno, a salgar os preços. “Falta de planejamento, falta de profissionalismo seja, menos empregos e menor renda não têm feito as e, principalmente, muitos empresários acham que pessoas voltarem, necessariamente, a comer em casa. abrir um restaurante é ter alguém que cozinhe bem, o Nos últimos três anos, houve um recuo de apenas 2% que tem se comprovado bastante errado”, afirma Mar- nos gastos dos americanos com a alimentação fora do lar, o que sugere uma certa consolidação celo Traldi, professor de Gastronomia dos hábitos atuais. do Centro Universitário Senac e autor Talvez estejamos diante de uma irdo livro Tecnologias Gerenciais de Resreversível mudança — a exemplo da intaurantes. Ele defende a melhora do corporação ao cotidiano de celulares quadro a partir da experiência da maioe computadores domésticos. Como no ria dos bons chefs, que tem se associapassado, fatores externos hegemônicos do a pessoas com visão de gestão, divimoldaram as “necessidades” alimentadindo assim as tarefas de acordo com a res — a novidade agora está no alcance especialização de cada um. global do modelo, que se mostra a exNão obstante o inadiável ganho de pressão maior de uma conquista. Enrieficiência, os agentes do mercado de quecemos de subjetividade algo objetifood service sabem que ainda há muito vo e primário como o ato de comer. Hoje espaço para expansão. A experiência ele se mantém central não somente por americana ensina que o crescimento que desejamos ingerir um conjunto de da renda da população tende a ser reTRINTA E DOIS QUADROS COM UMA nutrientes que satisfaçam as demandas vertido em maior consumo no segmen- PINTURA DE LATA DE SOPA CAMPBELL’s to — exatamente o que ocorre por aqui. FORAM SUFICIENTES PARA SUSCITAR, EM do organismo, mas, sobretudo, porque perseguimos o prazer dos sabores, as A própria crise pela qual passam Euro- 1962, O DEBATE SOBRE ENALTECIMENTO ACRÍTICO DAS MARCAS PELA experiências dos locais onde fazemos pa e Estados Unidos tem sido bastante PUBLICIDADE E PELAS ARTES. A FAMOSA didática. A readequação dos hábitos OBRA DO ARTISTA ANDY WARHOL (1928- refeições e as relações com quem divi1987) FOI APOIADA FORMALMENTE dimos a mesa. Comíamos, no passado, alimentares não está acompanhando o PELA FABRICANTE DO ENLATADO, movidos pela fome; agora, por desejo. agravamento do cenário econômico. Ou CONTRIBUINDO PARA CONSOLIDAR A POP ART NOS ESTADOS UNIDOS DA CONTRACULTURA.

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história

Yes, nós não tínhamos banana Cozinha brasileira se beneficiou das rotas lusitanas por Camila Taquari

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s relatos são inúmeros e as fontes as mais diversas. De cronistas, padres, senhores de engenho, humanistas a viajantes e até corsários. As nacionalidades dos autores formam outro mosaico. São franceses, ingleses, alemães, italianos, espanhóis e portugueses. Com base no testemunho dos viajantes que estiveram no Brasil entre os séculos XVI e XIX, é possível determinar a trajetória da cozinha brasileira. Todos reportam, em detalhes, os hábitos alimentares, a culinária e os ingredientes utilizados no decorrer dos séculos. Assim, o encontro do Velho com o Novo Mundo expõe suas diferenças através dos primeiros contatos e, a partir daí vão trocar experiências em técnicas de preparo, sabores e misturas. Um exemplo, bem sucedido, é a “mestiçagem” da cozinha indígena com a portuguesa. Na falta de azeite de oliva, temperavam-se pratos com óleo de peixe-boi; na ausência de farinha de trigo, faziam-se bolos à moda portuguesa, com a fina farinha de mandioca — chamada de carimã. Quando vinho de uva era um artigo raro, colonos e viajantes apreciavam as bebidas indígenas, fermentados feitos de mandioca, milho e de variados frutos nativos. Cada povo extraiu o melhor da troca. Os europeus ampliaram o paladar com as iguarias indígenas como a tanajura frita, as rãs, os cágados, as cobras e o bicho-de-taquara. Já os

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QUARTO ALIMENTO MAIS CONSUMIDO NO MUNDO, CULTIVADA EM CERCA DE 130 PAÍSES, A BANANA TEM ORIGEM NO SUDESTE ASIÁTICO, NAS REGIÕES QUE COMPREENDEM hoje MALÁSIA, INDONÉSIA E FILIPINAS. CIENTES DAS FACILIDADES DE CULTIVO NOS TRÓPICOS, OS PORTUGUESES INICIARAM O PLANTIO SISTEMÁTICO NO PaíS JÁ NO SÉCULO XVI. O ALTO RETORNO OBTIDO PELOS AGRICULTORES CONSOLIDOU A CULTURA, FAZENDO DO BRASIL O SEGUNDO MAIOR PRODUTOR MUNDIAL DA ATUALIDADE. TAMANHA FOI A ABUNDÂNCIA DAS COLHEITAS, EM CERTAS ÉPOCAS, QUE OS PREÇOS DESPENCAVAM DRASTICAMENTE, DAÍ A EXPRESSÃO BRASILEIRÍSSIMA “PREÇO DE BANANA”. A CRÔNICA POLÍTICA TAMBÉM SE VALEU DO FRUTO PARA CLASSIFICAR ALGUNS REGIMES POLÍTICOS DA AMÉRICA LATINA POUCO INSTITUCIONALIZADOS, DAÍ “REPÚBLICA das bANANAs”. AO LADO, A VERSÃO POP DA BANANA bY ANDY WARHOL (1928-1987). A ILUSTRAÇÃO FOI USADA COMO CAPA DO LP THE VELVET UNDERGROUND & NICO, DE 1967.


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história

índios não gostaram muito das plantas e animais tra- as raízes africanas. Como a moqueca, acarajé, bobó, zidos pelos portugueses. Criavam galinhas para ven- caruru e vatapá. De Portugal vieram, laranjas, limões, marmelos, dê-las, mas não as comiam. A formação da cozinha brasileira também se bene- figos e melões, assim como couves, alfaces, salsificiou das rotas marítimas lusitanas entre o Oriente, nha, coentro e diversos legumes e verduras. Além a América, a Europa e as Ilhas Atlânticas, nas quais dos animais nativos, empregados na alimentação se transportavam plantas JEAN-BAPTISTE DEBRET (1768-1848) e animais. Os portugueMONTA UM FLAGRANTE-SÍNTESE ses foram responsáveis, DA INTERAÇÃO ENTRE SENHORES E no século XVI, por uma ESCRAVOS, DE CASA-GRANDE E SENZALA, DO BRASIL IMPERIAL, NA AQUARELA forma de “intercâmbio” UN DÎNER BRÉSILIEN, PRODUZIDA EM botânico, com ampla di1827. EXLORAÇÃO, AFETO, INDIFERENÇA, FUNCIONALIDADE, PERTENCIMENTO. A fusão de espécies natiRELAÇÃO ENTRE OS PERSONAGENS NÃO vas, ao redor do globo. PERMITE SIMPLIFICAÇÕES, É NUANÇADA, Para o Brasil, foram traCOMPLEXA E CONTRADITÓRIA EM SEU ÂMAGO. zidas espécies asiáticas, européias e africanas, e daqui seguiram para os quatro cantos do globo, indígena, os portugueses pelas viagens comerciais, introduziram as vacas, provocando permanentes Especiarias vindas da Índia, como porcos, cabras, carneiros transformações na alie galinhas. Tudo isso dimentação, agricultura e o gengibre e a pimenta-do-reino, versificou o cardápio braeconomia do mundo. sileiro. A troca de culturas criaram pratos baianos A paisagem litorânea gastronômicas acontecia nordestina, no início do predominantemente nas século XVI, não ostentava os esplêndidos coqueirais, costas brasileiras, já que o interior, carente de atratijá que a planta asiática ainda não havia sido trazida vos imediatos, permaneceu quase inexplorado até as pelos portugueses. Assim como as mangas e jacas, expedições dos Bandeirantes. Os desbravadores paufrutas da Índia que só chegariam dois séculos depois. listas partiram do Campo de Piratininga, atual Pateo Uma das primeiras a serem plantadas aqui, a banana, do Collegio, em São Paulo, somente no final do século nativa do sudeste asiático, provavelmente percorreu XVII e avançaram em direção ao sertão. Alargaram o um caminho mais rebuscado, veio da Ilha de São Tomé, espaço geográfico e, segundo Gilberto Freyre (1900na África, também colonizada pelos portugueses. A 1987), construíram um país: “É uma civilização, a bracana-de-açúcar, mais um exemplar da Ásia, chegou sileira, saída dos grandes arrojos Bandeirantes, sem ainda no século XVI e gerou todo um ciclo econômico, os quais não teria o Brasil adquirido sua vastidão em além de impulsionar o transporte em larga escala dos espaço físico”, afirma o célebre sociólogo pernambuafricanos, que também deram um toque especial na cano na obra Brasil Açucareiro. culinária brasileira, com seu paladar mais apimentaA ausência de mulheres européias nas expedições do. Com as especiarias oriundas da Índia, como gen- levou à miscigenação de portugueses com índias, que gibre e pimenta-do-reino, criaram alguns dos pratos acabou se mostrando essencial para a sobrevivência baianos mais famosos, cujos sonoros nomes, apesar deles e decisivo para a adaptação dos colonizadores à dos ingredientes asiáticos, denotam imediatamente alimentação nativa. Ao redor das casas, cultivavam vi-

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história

nhedos, trigais, marmeleiros, goiabeiras, pessegueiros, e, entre outras delícias, a festejada pamonha. Nascia, bem como desenvolviam a criação de animais domésti- assim, durante as Entradas e Bandeiras, a culinária cos e as pastagens de engorda de gado. Os índios eram paulista. José de Alcântara Machado (1875-1941) escreveu seus guias nas incursões pelo sertão e, em suas costas, carregavam farinha de milho, feijão, utensílios de cozi- em Vida e Morte do Bandeirante: “Ao contrário do nha e munições para se defender. Mas o principal ele- que acontecia no Nordeste, os portugueses e mamemento dessa longa lista era a farinha de mandioca, tão lucos, moradores da Vila de Piratininga, de vida mais apreciada pelos índios e uma espécie de personagem simples, adotaram a cozinha indígena: consumiam épica da alimentação brasileira. Nativa do sudoeste feijão, palmito, angu de fubá, canjica.” A primeira da Amazônia, já era utilizada pelos índios tupis. O uso refeição do Bandeirante era a jacuba, mistura de farinha de milho diluída em foi difundido sob diversas água ou cachaça, adoçada formas na época dos bandeicom rapadura. A integração rantes. Além da farinha e do Bandeirantes aprenderam entre índios e portugueses beiju, era utilizada nos bolos deu origem também à cozide carimã, polvilhos, gomas a consumir todos os tipos nha caipira de São Paulo, proe bebidas fermentadas. Até de alimentos silvestres duzindo um cardápio extenhoje, a mandioca é um aliso que contempla salgados mento dos mais importane doces, característicos da tes, sustentando pessoas não cozinha paulista. Exemplo é só na América Latina, mas também na África e Ásia. A farinha, não sem motivo, o trivial das segundas-feiras nos bares da capital — o recebeu do historiador potiguar Luís da Câmara Cascu- consagrado virado à paulista. Outros clássicos são o do (1898-1986), a qualificação de “rainha do Brasil”, no cuscuz paulista, o pastel, que tem origem remota na China, a galinhada, o angu, a paçoca de carne-seca ou livro História da Alimentação no Brasil. Os bandeirantes aprenderam, pelos caminhos, a de amendoim, o frango caipira ou recheado com faroconsumir todo tipo de alimentos silvestres: o coração fa, o pernil com farofa, a canjica, o curau, a pamonha, do palmito, cará, pinhão, amendoim, pacova, jenipa- a marmelada, a goiabada — e muito mais. Na suas buscas por terra, ouro e índios, os Bandeipo, sapoti, cambuci, jabuticaba, jabuti e maracujá. Também usavam o mel como um excelente néctar. Já rantes chegaram às Minas Gerais, no final do século em épocas de escassez, devoravam pequenas larvas XVII. Levaram os hábitos alimentares para a província retiradas da taquara ou do pau-podre, ovos de pássa- e deram contribuição fundamental na formação da coros, larvas de borboletas e gafanhotos. Para evitar que zinha mineira. Procuravam, sempre, carregar alimena situação se repetisse, plantavam roças de subsistên- tos secos e duráveis. Quando pousavam, logo fixavam cia no percurso. Colhiam, no caminho de volta, milho, o caldeirão em uma corrente, sobre um couro inteiro feijão, abóbora, cará e batata-doce, entre outros legu- de boi em chão batido e começavam a cozinhar o feimes. A variedade de carnes, provenientes das caçadas jão com toucinho, que daria origem ao feijão tropeiro dos índios, incluía veado, caititu, preguiça, taman- — prato representativo dessas jornadas. A maneira de duá, queixada, capivara, tatu, anta, paca, cutia, gam- preparar consistia em feijão cozido que, depois de se bá, macaco e, literalmente, cobras e lagartos. Com os retirar o caldo, era refogado em gordura de porco, à índios também aprenderam a comer o peixe fresco moda portuguesa, e misturado com farinha de manenrolado em folhas de bananeira, assado ou cozido. dioca. Um prato autenticamente bandeirante, que O milho e derivados ocupavam papel fundamental na muitas vezes se faz acompanhar de frango em suas dieta, dando origem ao angu, canjica, curau, pipoca inúmeras versões — ao molho pardo, com ora-pro-nó-

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Capa produzida pelo pintor holandês Albert Eckhout (1610-1665) para a célebre edição de 1648 da Historia Naturalis Brasiliae, de autoria de Georg Marcgrave (1610-1644) — que era médico, naturalista, astrônomo, cartógrafo e matemático. Foi o primeiro tratado de etnografia, lingüística indígena, zoologia e botânica brasileiras — publicado conjuntamente com o trabalho sobre ervas medicinais do médico Willem Piso (1611-1678). A obra de Marcgrave documenta a flora e os espécimes vivos encontrados no jardim zoobotânico do Palácio de Friburgo, construído por Maurício de Nassau (16041679) — e atual Palácio das Princesas, sede do Governo de Pernambuco.

bis, com quiabo, ao lado do angu e da couve refogada. Assim como o leitãozinho assado, o milho canjiquinha com costelinha, a lingüiça e o lombo, sempre preparados, em Minas Gerais, em panelas de pedra-sabão. Já no café da tarde não podem faltar broas de fubá ou de milho, pão de queijo, bolo de fubá, biscoito de polvilho e sequilhos. Até hoje, quem visita qualquer fazenda mineira, pode degustar o trivial variado, composto de feijão refogado na banha de porco, lingüiça, torresmo e angu. Aos domingos se deliciar com lombo de porco

ou galinha assada, acompanhada de couve e farinha de milho. De sobremesa, algumas colheres de compota de cidra ou de goiaba. Também o doce de leite, acrescido de uma fatia de queijo-de-minas — fresco ou curado. Se o típico cardápio mineiro se manteve praticamente inalterado ao longo dos séculos, o mesmo não se pode dizer da culinária paulista, à qual os imigrantes do final do século XIX tentaram se acostumar — não sem grande estranheza. Desembarcados aqui para trabalhar na lavoura cafeeira, no final do século XIX, europeus e asiáticos se depararam com o imprescindível arroz com feijão, ingredientes trazidos pelos colonizadores, mas casados no mesmo prato nas Américas. Encontraram também outras variedades de origem européia preparadas com ingredientes locais. Mas, ao longo do século passado, europeus e asiáticos acabariam por influenciar decisivamente o paladar nacional — sem que se perdesse a contribuição das etnias formadoras da nacionalidade brasileira e de nossa mesa.

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História

É de churrasco que o gaúcho gosta E todo o Brasil também aprendeu a apreciar por Evanildo Silveira

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e um buraco no chão na imensidão dos que dentro do Brasil. São sete unidades em território pampas gaúchos às mesas de sofistica- nacional. Três em São Paulo e mais uma em Brasília, dos restaurantes nas maiores cidades do Belo Horizonte, Salvador e Rio de Janeiro. Dezesseis mundo. Não há como negar a trajetória nos Estados Unidos, com previsão de abrir uma nova, de sucesso do churrasco. Durante muito tempo, foi ainda em 2011, em Las Vegas, e outra no ano seguinum símbolo da comida de gaúcho, tão típico quanto te em Orlando, na Flórida. Com faturamento anual o chimarrão, a bombacha e as boleadeiras. A carne de cerca US$ 170 milhões, o controle da rede Fogo de assada no espeto é tradição há mais de três séculos Chão não pertence mais aos irmãos Coser. Foi adquino Rio Grande do Sul. Com o tempo, no entanto, mais rido, em agosto de 2011, pela gestora de fundos de priprecisamente a partir de meados do século passado, o vate equity GP Investments. Os apreciadores da rede, no entanto, podem ficar churrasco começou a se a espalhar pelo Brasil afora, tranqüilos, pois a mudança de virou sinônimo de confraterdono não vai implicar em altenização dos amigos no final Caminhoneiros gaúchos ração na maneira de servir e de semana e hoje é uma paina qualidade do churrasco ofexão nos quatro cantos do país. popularizaram em todo recido aos clientes. É o que gaE muito além. Também pode rante Jandir Dalberto, dirigenser saboreado em diversas País o churrasco te da Fogo de Chão, no Brasil. partes do planeta, em países E ele fala com a propriedade de tão diferentes quanto os Estaquem ingressou na casa há 20 anos, como garçom, e dos Unidos e a China. O sucesso começou pelas mãos dos caminhoneiros conhece todos os detalhes da operação. Dalberto afirgaúchos, que transportavam mercadorias por todo o ma que, diferentemente de outras churrascarias, com país e estimularam o surgimento de churrascarias à buffets repletos de peixes e frutos do mar, Fogo de beira das estradas. Eram estabelecimentos que ser- Chão concentra-se no principal: a carne. “Nossa força viam rodízio, ou espeto corrido, como se diz no Rio reside justamente nos cortes de primeira, dos quais se Grande do Sul, sistema criado para que não faltasse destacam a picanha, o bife ancho, a costela premium, nenhum tipo de carne aos clientes. A exportação des- a fraldinha, a costeleta de cordeiro e o exclusivo shoulse modo de preparar a carne também se deve aos gaú- der steak — primeiro corte nobre da parte dianteira do chos, principalmente empresários, donos de churras- boi”, orgulha-se Dalberto. Qualidade também é a preocupação número um carias que, em busca da ampliação de seus negócios, abriram filiais em outros Estados e em outros países. da rede Rubaiyat, com cinco restaurantes, três em É o caso, por exemplo, da rede Fogo de Chão, nas- São Paulo, um em Madri e um em Buenos Aires, este cida no Rio Grande do Sul em 1979, quando os irmãos com o nome de Cabaña Las Lilas. A história começou Jair e Arri Coser abriram o primeiro restaurante em em 1951, quando o jovem Belarmino Iglesias desemPorto Alegre. Sete anos depois, inauguravam a pri- barcou em Santos, vindo de uma pequena aldeia da meira casa em São Paulo, em Moema, na zona sul da Galícia, região espanhola ao norte de Portugal. Em capital, e em 1997, a marca chegava aos Estados Uni- São Paulo, Iglesias lavou pratos, trabalhou como ajudos. Hoje, a rede tem mais estabelecimentos fora do dante de garçom e maître na churrascaria A Cabana, uma das melhores da cidade, localizada na época na Avenida Rio Branco. Foi convidado por seus paem cima do pingo, cavalo, o gaúcho atravessa os trões, em 1957, para ser sócio de uma nova casa, o pampas e as coxias, enfrenta frio, vento minuano e Rubaiyat, inaugurado naquele ano na Avenida Vieira chuva. Nunca abandona o pago natal e, como na obra do escritor Érico Veríssimo (1905-1975), jamais de Carvalho, no centro da capital paulista. rejeita uma boa peleja. A ilustração à esquerda é do artista carioca Getulio Delphim.

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tia a maciez. A receita era simples, como a forma de vida dos gaúchos campeiros. Primeiro, era feito um grande buraco na terra e acendia-se um fogo com o que houvesse disponível. Depois, a carne era transpassada por um pedaço de pau, o espeto, colocada inclinada sobre o fogo e virada lentamente até ficar no ponto desejado. Essa maneira de assar a carne era comum — e ainda é — na região do campo. Mas há outras pequenas variações, dependendo da região do Rio Grande do Sul. Na fronteira, por exemplo, usa-se mais a grelha do que o espeto, influência de argentinos e uruguaios. Na Serra Gaúcha, quase sempre, a carne é assada em espetos deitados sobre duas varas horizontais, apoiadas em forquilhas, que correm junto às bordas de uma vala, a uma altura média de 60 centímetros. A carne é movimentada, permitindo um assado uniforme. Há ainda outra forma de fazer churrasco, pouco comum, que é adotada em algumas regiões quando se tem Usa-se muito mais a grelha do que o espeto pressa e não há espetos. A carne é jogada diretamente nas branas regiões de fronteira devido à influência sas, e depois de pronta, é só tirar algum carvão que tenha grudade nossos vizinhos argentinos e uruguaios do e saborear o assado. Posso assegurar que fica bom, pois na minha infância, passada na zona rural do Rio Grande do Sul, provei a carne preparada dessa forma. E, mesmo atualmente, depois de tantos anos distante das terras gaúchas, sempre que saboreio um churrasco, me volta à memória a imagem do horizonte amplo dos pampas, alguns cavaleiros ao redor do fogo e a indescritível sensação de liberdade, que só um menino consegue sentir.

Cinco anos depois, Iglesias já era o único dono da churrascaria. O Rubaiyat da Vieira de Carvalho fechou as portas em 1998. Mas as outras três casas do grupo em São Paulo mantêm a marca da família Iglesias — alta qualidade no prato, oferecendo ao cliente o melhor produto e um atendimento cordial e caloroso. Belarmino Iglesias Filho está atualmente à frente dos negócios da rede. Os Iglesias, além dos restaurantes, são proprietários da Fazenda Rubaiyat, em Dourados, no Mato Grosso do Sul. “Há um trabalho na fazenda, inclusive genético, que resulta numa seleção de bovinos, suínos, frangos, javalis de ótima qualidade para o corte”, explica Iglesias Filho. Nas vastidões desabitadas, o gado pastava solto e o pampeano aprendeu a aproveitar ao máximo tudo o que o boi tinha a oferecer como alimento. O sangue conservado, por exemplo, servia de tempero, e a gordura garan-

TEVE VERTIGINOSA ASCENSÃO EMPRESARIAL EM SÃO PAULO O ESPANHOL GALEGO BELARMINO IGLESIAS, PROPRIETÁRIO DOS RESTAURANTES RUBAIYAT, VERDADEIROS TEMPLOS daS CARNES. Ele chegou aO BRASIL Em 1951 e foi trabalhar lavando pratos na churrascaria paulistana A Cabana. Seis anos depois, já era PROPRIETÁRIO DO RUBAIYAT — QUE ENTÃO TINHA UM SÓ ENDEREÇO, À AVENIDA VIEIRA DE CARVALHO. AS CASAS DE IGLESIAS SERVEM CARNES VINDAS DIRETAMENTE DA FAZENDA RUBAIYAT.

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Imigrantes formam paladar brasileiro Vilas operárias italianas consagraram a macarronada por Albino Castro

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padrinhados pelo casal imperial, D. Pedro I (1798-1834) de Bragança e Dª– Maria Leopoldina (1797-1826), da Corte austríaca de Habsburgo, os alemães foram os primeiros imigrantes que desembarcaram no Brasil, em 1824, dois anos depois de nossa Independência. Um outro alemão se tornara uma figura lendária quando aqui esteve por duas vezes, Hans Staden, em 1548 e 1549, o aventureiro que quase virou o jantar de índios canibais que habitavam o litoral paulista, após ter caído prisioneiro em São Vicente e sido levado para Ubatuba pela tribo dos tupinambás. Staden escapou milagrosamente de ir para o caldeirão dos canibais e escreveu o célebre livro Duas Viagens, publicado, em 1557, na Alemanha, narrando a odisséia que viveu no País. Quase três séculos depois, quando chegaram os primeiros imigrantes compatriotas de Staden, já não havia canibalismo no Brasil. Os alemães se fixaram em São Leopoldo, no Vale do Sino, próximo a Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O Brasil, desde então, nunca mais parou de receber imigrantes de todos os pontos do mundo. Temos hoje uma nova leva de imigrantes provenientes de países da América Latina, mas também da Ásia, Oriente Médio e da Europa — estes, principalmente, depois da crise econômica que sacode o continente. Os imigrantes encontraram um país independente e uma nacionalidade forte. Mas, integrando-se à nova nação, também deixaram marcas definitivas no nosso caráter e na nossa cultura. Sobretudo à mesa.

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Luminoso salão da Confeitaria Glória, no centro histórico de Recife, propriedade do libanês Aziz Rabay, que também era dono, na capital pernambucana, do Hotel Glória e das lojas Reunidas Glória. Localizada no número 200 da Rua Nova, esquina com a Rua Palma, onde, atualmente, existe uma das lojas da rede Exótica Calçados. foi na Confeitaria Glória que seria assassinado, em 26 de julho de 1930, o então Presidente da Província da Paraíba, João Pessoa, que hoje dá nome à capital do estado. Ele era candidato a vicepresidente da República na chapa de Getúlio Vargas e foi morto pelo desafeto político João Dantas.


Os italianos, brava gente, começaram a chegar quase no final do século XIX, para, em grande parte, substituir, nas plantações de café, a mão-de-obra escrava. A abolição da escravatura levou para as cidades quase todas as famílias de origem africana e o campo ficara vazio. Os italianos praticamente passaram a ocupar as antigas senzalas. Mas só por poucos anos. Eles acabariam sendo os grandes protagonistas da Revolução Industrial do Brasil — através de empreendedores como Francesco Matarazzo e de milhares de operários. Popularizam-se rapidamente os salões de festas dos novos endinheirados italianos na região da atual Avenida Paulista. Também se multiplicaram em poucos anos as peninsulares vilas operárias espalhadas por toda cidade, semelhantes às de Turim, Genova e Milão, ocupando os bairros do Bixiga, Lapa, Luz, Bom Retiro, Moóca, Brás, Belém e Vila Prudente. Nasceu assim, nos almoços de domingo, a macarronada da mamma, feita com massa casareggia, produzida em casa, acompa-

nhada muitas vezes por vinho de garrafão, com gosto de uva, como se dizia na Serra Gaúcha — e que servia para matar a saudade do Bel Paese. Das vilas operárias italianas, com a ajuda dos capitães da indústria, surgiram dois dos mais amados clubes brasileiros, o Corinthians, criado em 1910, e o Palestra Itália, em 1914, atual Palmeiras, ambos fundados no Bom Retiro, bairro que, a partir do final dos anos 1930, passou a ser o endereço de milhares de judeus que fugiam às perseguições na Europa. O Palestra Itália é dissidência do Corinthians. Há também o querido Juventus, da Moóca, fundado, em 1924, pelo Conde Rodolfo Crespi (1874-1939), natural do Piemonte, que homenageou os dois tradicionais clubes de Turim, capital da sua região — no nome, o Juventus,

Havia na ensolarada e tropical Salvador, durante quase todo o século passado, almacenes e pastelarías por toda a cidade, cujos proprietários e empregados eram, invariavelmente, imigrantes espanhóis da região da Galícia — como em Buenos Aires, Montevidéu e Havana. Também todas as padarias da capital baiana eram de galegos. Na maravilhosa foto acima, aparece, em 1917, atrás do balcão, o jovem Ramiro Castro Losón, de suspensórios, num almacén da Praça Flor dos Veteranos, ao lado da celebrada Baixa dos Sapateiros, inspiradora do compositor Ari Barroso (1903-1964). Don Ramiro, como seria reverenciado mais tarde, era natural de Xunqueiras, aldeia próxima de Vigo. Os presuntos que aparecem expostos vinham diretamente das aldeias da Galícia.

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anos 1950 e 1960, nas intermináveis brigas entre Vendidas já esmagadas e preparadas com torcedores, associados, especiarias, para além conselheiros e dirigentes de banhadas nos deliciosos azeites de do Palmeiras, que, por fim, oliva libaneses, as se abraçavam e iam todos azeitonas do País dos comer pizza. Mas, se os Cedros são apreciadas em todo o mundo pelo italianos foram os priseu sabor ligeiramente meiros a impor a cozinha, amargo e próprio para ser degustado também conquistaram o na companhia da paladar brasileiro os imicoalhada seca. Os grantes libaneses e japobrasileiros cada vez mais apreciam as neses — que encontraram, azeitonas do Líbano. nos primeiros anos, mais dificuldades de adaptação por causa da barreira da língua e do alfabeto, bem como para encontrar os ingredientes de seus pratos. O quibe está em todo Libaneses e japoneses encontraram o País. Também o Sushi. E o que dizer da contria barreira da língua, alfabeto e dos buição dos alemães? Salingredientes para a cozinha sichas, saladas de batatas e cerveja são uma paixão preto e branco, e, na cor, o Torino, que é grená. O Cru- nacional. Impossível imaginar a Semana Santa sem zeiro, de Belo Horizonte, também foi Palestra Itália — o bacalhau à mesa — o mais português dos pratos poro clube mineiro e o paulista foram obrigados a trocar tugueses. Espanhóis trouxeram a Paella — e não só. o nome durante a Segunda Guerra Mundial, quando Forte também a presença da cozinha chinesa, difuno Brasil, aliado aos Estados Unidos, se bateu em solo dida no Brasil, porém, na versão mais simplificada. italiano contra os exércitos da Itália e da Alemanha. Armênios estão presentes em São Paulo na Luz e em Ergueu a Copa Jules Rimet, em 1958, em Estocolmo, Santana — cozinha próxima à libanesa e à síria. Num na Suécia, nossa primeira conquista mundial, um fi- só bairro de São Paulo, o Bom Retiro, encontra-se um lho de italianos, o capitão Bellini, nascido em Itapira, típico e barulhento restaurante grego, o Acrópoles, e no interior de São Paulo. Bellini tem hoje 82 anos e é vários locais onde é possível comer especialidades jumeu vizinho no bairro paulistano de Higienópolis. Fi- daicas da Europa Central. Tenho um carinho muito especial pelos imigranguravam entre os 22 jogadores que foram ao Mundial de 1958 mais cinco oriundi: De Sordi, Dino Sani, Ma- tes e pela cozinha que trouxeram de memória nas suzola, apelido de José Altafini, Dida, cujo sobrenome focantes terceiras classes dos navios provenientes da Europa e da Ásia. Eu mesmo sou neto e filho de imiera Santa Rosa, e o laureadíssimo Zagallo. Nenhum outro país contribuiu tanto para a mesa grantes — de pai espanhol e mãe libanesa. O meu avô brasileira como a Itália. Até mesmo a expressão “ter- paterno, Ramiro Castro Losón, foi dono de almacenes minar em pizza”, hoje muito malvista, por significar em Salvador e o meu avô materno, Aziz Rabay, proimpunidade aos crimes de corrupção, tem origem, nos prietário da Confeitaria Glória, no Recife. 24



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Una cucina brasiliana cem por cento italiana Cardápio peninsular no Brasil é cosa nostra por Amarilis Bertachini

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processo de imigração italiana, principalmente para São Paulo, influenciou de forma definitiva aspectos culturais e hábitos dos brasileiros, destacadamente na culinária. O cheiro do molho da macarronada aos domingos, o aroma da pizza saindo do forno a lenha, o perfume do panettone, que traz as lembranças do Natal, cada prato típico italiano penetrou na vida de milhões de brasileiros e tornou-se parte do país que os acolheu. As festas celebradas todos os anos pela comunidade ítalo-brasileira — entre elas San Gennaro, que em português é chamado de São Januário, San Vito, Nossa Senhora Achiropita e Nossa Senhora Casaluce — fizeram fama pela fartura de comidas típicas e atraem descendentes de todas as nacionalidades, refletindo a unanimidade do gosto pela culinária trazida do Bel Paese e popularizada pelos oriundi. A cozinha italiana no Brasil começou a difundir-se entre os anos de 1890 e 1930, com a chegada do segundo grande grupo de imigrantes italianos, com perfil de mão-de-obra mais capacitada e trazendo recursos próprios. Presidente da Federazione Italiana Cuochi (FIC) para o Brasil e América Latina, Bruno Stippe, afirma que os italianos naquela época não encontraram grandes obstáculos para adaptar a cozinha peninsular aos ingredientes encontrados no Brasil.

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Um dos pais do Risorgimento, a reunificação da Itália na segunda metade do século XIX, Giuseppe Garibaldi (1807-1882), foto ao lado, não conseguiu incluir a sua Nice natal no reino de Savoia. Nice continua até hoje francesa. garibaldi é considerado herói de dois mundos por ter se batido pelos republicanos, não só na Europa, mas também no Brasil, quando, ao lado do gaúcho Bento Gonçalves, lutou pela independência do Rio GRande so Sul. Foi casado com a brasileira Anita, nascida na localidade catarinense de Laguna, e aprendeu, nos pampas, a saborear a carne assada ao ar livre. fiel à origem familiar genovesa, tinha, Porém, como prato preferido o spaghetti al pesto — espaguete que até meados do século XX era seco ao sol, como na foto abaixo, na memorável Nápoles, porto de partida de milhares de italianos que para cá vieram.


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A maior parte dos imigrantes foi atraída para São Paulo pelas oportunidades de trabalho, e muitas famílias italianas tiveram influência marcante no desenvolvimento cultural, comercial e industrial do Estado, como os Papaiz, Bauducco, Comolatti, Fasano e Matarazzo. O avô de Bruno Stippe, o siciliano Francesco Stippe, trabalhou como cozinheiro do Conde Matara-

Italianíssimo spaghetti al sugo, molho à base de tomate, com folhas de basilico, o manjericão, é um clássico da dieta mediterrânea. Vai bem nos dias de primavera e verão. E por que não também no outono e no inverno?

zzo e morava na casa do patrão. Ao casar-se, em 1931, alugou um imóvel no Bixiga, com duas canchas de bocha, onde, junto com sua moradia, acabou montando uma pensão para servir refeições e proporcionar diversão para os italianos. “A culinária era a única rota de fuga que o italiano tinha, no Brasil, para se lembrar da casa dele”, conta Bruno Stippe. O negócio prosperou e, em 1940, Stippe transferiu sua residência e deixou o imóvel exclusivamente para o restaurante. O endereço é o mesmo onde está até hoje a cantina C... Que Sabe!, agora administrada pela terceira geração da família Stippe, servindo pratos típicos da Itália meridional. A culinária italiana passou por mudanças mais expressivas nos últimos 15 anos, explica Bruno Stippe,

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com a abertura das importações no Brasil. “Antes, mesmo os restaurantes italianos tinham que fazer uma cozinha mista, porque só podiam usar os ingredientes disponíveis no mercado interno. O Terraço Itália, o Fasano, o Ca’d’Oro, todos faziam cozinha híbrida”, diz Bruno Stippe. Com o acesso a ingredientes genuinamente italianos foi possível desenvolver uma cozinha mais próxima da peninsular. Calcula-se que vivam hoje no Brasil aproximadamente cerca de 30 milhões de italianos e descendentes. Há quem afirme que só no Estado de São Paulo, exista algo em torno de 35 mil de estabelecimentos que oferecem algum tipo de prato italiano no cardápio. Incluem-se, aí, até lanchonetes que às quintas-feiras servem uma lasanha da mamma. Preocupado em conservar a originalidade da culinária dos ancestrais, Bruno Stippe trouxe para o Brasil, em 2006, a FIC, em que estão cadastrados cerca de cem chefs que tiveram comprovadas as contribuições à gastronomia italiana e que se enquadraram em determinados critérios, entre eles, o de serem profissionais que praticam cardápios com pelo menos 30% da autêntica cozinha do Bel Paese. Foi também o cuidado em preservar as raízes da cozinha italiana que fez de São Paulo, em 2010, a primeira cidade do mundo, fora da Itália, a receber o selo de autenticidade e qualidade chamado Ospitalità, por meio da Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura de São Paulo. O certificado foi entregue a 30 restaurantes paulistas reconhecidos como autenticamente italianos. Para ter direito ao selo, Erica Bernardini, diretora de marketing da Câmara, diz que o restaurante precisa atender a pelo menos dez requisitos básicos. Entre eles, é preciso que o cardápio, além de escrito em português, também esteja em italiano — e sem erros gramaticais. Outro item importante é que o restaurante deva ter pelo menos uma pessoa que saiba falar italiano. A carta de vinhos deve oferecer um mínimo de 30% de rótulos italianos e, pelo menos, 5% têm que ser



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DOC (Denominazione di Origine Controllata). O azeite brasileira começa antes dos grandes movimentos da deve ser o extra-virgem italiano e o cardápio deve con- imigração. Tem início na metade do século XIX, quanter 50% ou mais de pratos originais da Itália, ou seja, do vieram imigrantes hoteleiros a convite de gente importante do Brasil, principala receita tradicional não mente para São Paulo e Rio de pode ser modificada e deve manter o nome. “Esse é um “Ninguém comia vongole, Janeiro. Foram eles, segundo Lancellotti, que trouxeram o dos pontos fortes do cere linguado era um peixe sorvete e começaram a importificado, porque se perdeu tar alguns produtos da Itália. muito da tradição devido à considerado muito feio” O gourmand também faz imigração que precisou faquestão de registrar outro zer adaptações na culinária momento histórico, que foi a italiana no Brasil”, explica Erica Bernardini. A cada ano serão concedidos novos sofisticação dos estabelecimentos italianos a partir selos e será reavaliada a manutenção dos já premia- dos anos 1950. Ele credita a mudança principalmendos. A cantina C... Que Sabe! foi um dos 30 estabeleci- te à chegada da família Tatini, vinda da Toscana em 1954, cujo restaurante, em São Paulo, é administrado mentos certificados em 2010. Para o gourmand Silvio Lancellotti, filho de sicilia- atualmente pela terceira geração. “Eles trouxeram nos e também jornalista, a influência italiana na mesa conceitos novos como, por exemplo, o uso de frutos do mar, que antes eram quase desprezados. Ninguém comia vongole, os pescadores jogavam fora, assim como o linguado, que era um peixe considerado muito feio. Também não se usava creme na cozinha e poucos restaurantes faziam sua própria massa”, conta Lancellotti, acrescentando: “O conceito de finalizar alguns pratos à mesa também veio com os Tatini.” Em associação à ideia de uma nova cozinha francesa no Brasil, teve início também aqui a nova cozinha italiana, mais bonita na apresentação dos pratos, buscando a estética além do sabor. Lancellotti lembra que não há uma única culinária italiana, mas, sim, diferentes cozinhas regionais, que totalizam cerca de 40 estilos diferentes, cada um com sua peculiaridade, ingredientes, receitas e até modos de preparo distintos. “O Ca’d’Oro era uma cozinha lombarda, com características da cidade de Bergamo” — afirma Lancellotti. TÍPICA CANTINA DA ITÁLIA MERIDIONAL, C... QUE SABE! SEGUE NO BIXIGA PAULISTANO SOB O COMANDO DA QUARTA GERAÇÃO DA FAMILÍA siciliana “Giancarlo Bolla, do restaurante LaTambouille, veio stippe — desembarcada em São Paulo em 1932, ano da revolução da Liguria, cuja capital é Genova, e trouxe elementos constitucionalista Paulista. Também NO CARDÁPIO está estampada A FIDELIDADE ÀS ORIGENS VERIFICADA NO VISUAL do salão. A cantina ostenta daquela região. Massimo Ferrari, ex-dono do MasO SELO OSPITALITÀ, HONRARIA conCEDIDA PELA CÂMARA ÍTALO-BRASILEIRA DE simo, atualmente no comando da rotisseria Felice e COMÉRCIO, INDÚSTRIA E AGRICULTURA DE SÃO PAULO, AOS estabelecimentos Maria, é uma mistura das regiões do Piemonte, no COMPROMETIDOS COM INDICADORES DE QUALIDADE E PROCEDÊNCIA DE PRODUTOS. cardápio em italiano e um maître que fale o idioma de dante extremo norte da Itália, onde se encontra Turim, com alighieri (1265-1321) são dois itens fundamentais para obter o selo. a Calábria, ao sul, em frente à Sicília. É uma combinação sofisticada, mas de duas gastronomias completamente diferentes”, conclui Lancellotti.

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A transformação da culinária originalmente praticada pelos imigrantes incluiu a fusão com ingredientes tipicamente brasileiros, resultando em uma versão abrasileirada de pratos italianos. Como cappelletti recheado com carne-seca — embora exista uma deliciosa carne-seca na Sicília. Também a lasanha de alho-poró e nhoque de mandioquinha. Muitos restaurantes italianos no Brasil também seguem a moda da cozinha mediterrânea, reconhecida como uma comida saudável, rica em carboidratos e farta em peixes, frutas e muito azeite de oliva. “A cozinha italiana começou a se modernizar a partir de 1970. Tornou-se mais leve, as massas passaram a ser feitas com menos farinha, os molhos ficaram mais elaborados e menos pesados”, conta Joaquim Saraiva de Almeida, Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo Antonio Buonerba, o Toninho, proprietário do Jardim de Napoli, de São Paulo, fez história na TRADICIONAL COZINHA ITALIANA ao criar, aqui, a (Abrasel-SP). Ele ressalta que hoje a culinária italiana rECEITA DE POLPETTONE, NA VERSÃO ALLA PARMiGIANA, COM MOLHO DE TOMATE E está tão disseminada no Brasil que é comum enconQUEIJO. TONINHO PATENTEOU O PRATO, MAS NÃO IMPEDIU QUE DEZENAS DE CONCORRENTES COPIASSEM O DELICIOSO INVENTO. trar no cardápio de qualquer restaurante uma variedade de pelo menos meia dúzia de massas. Apesar da grande concorrência e de tantas evoluções, há sempre aqueles que se destacam e cujos pratos não se alteram ao longo do tempo. Um dos ícones te, é um bolo de carne recheado com legumes e vai ao da tradição italiana em São Paulo é o restaurante Jar- forno. O meu é alla parmigiana, com molho e queijo”, dim de Napoli, que ficou famoso pelo Polpettone alla conta Toninho. O Jardim de Napoli chega a vender Parmigiana, um prato criado ao acaso pelo proprie- até 400 polpettones por dia nos finais de semana. E tário, Antonio Buonerba, o Toninho. Apesar de ter o é preciso chegar cedo para conseguir um lugar. Caso título registrado e patenteado, o prato — uma grande contrário, será necessário aguardar um bom tempo na fila, quase sempre cercado almôndega recheada com de grandes, famintas e barumozzarella e coberta com molho de tomate e parmeJá é tradição enfrentar fila lhentas famílias de origem italiana, que tomam vinho, são ralado — é imitado em domingo em São Paulo conversam e se confraternidezenas de restaurantes zam enquanto esperam uma paulistanos que tentam reem todos os restaurantes mesa livre. produzir a receita. Aliás, fazer fila aos dominA fórmula desse prato gos nos restaurantes italianos que virou um sucesso começou quando Toninho, filho do casal de imigrantes já se tornou uma tradição na capital paulista. Seja uma italianos que fundou o restaurante, tentava descobrir simples cantina, seja um estabelecimento requintado, um aproveitamento para as sobras de filé mignon usa- moderno ou conservador, tenha um chef ou simplesdo no preparo de outros pratos. “Fui criado na cozinha mente um cozinheiro, todos estão à espera de um bel com a minha mãe. Trabalhei anos nessa receita até piatto di pasta, para acompanhar a alegria do fim de chegar ao ponto ideal. O polpettone na Itália é diferen- semana na maior cidade italiana fora da Itália.

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Proprietário e diretor de redação da revista Gosto, o jornalista J. A. Dias Lopes, fundador também de Gula, é colunista do jornal O Estado de S.Paulo. Foi editor de Veja e correspondente da revista em Roma. Visitou como enviado especial vários países. É historiador da gastronomia, conhecedor de vinhos e mestre na cozinha e à mesa.

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s romanos se divertem ao contar uma piada sobre a suposta fragilidade cultural do povo americano. Dizem que na primeira semana de junho de 1944, após invadir a capital da Itália e libertá-la da dominação nazista, o general Mark Clark (1896-1984), comandante do 5º Exército dos Estados Unidos e das tropas aliadas na Segunda Guerra Mundial, quis conhecer os monumentos da cidade. Chamou um dos seus oficiais, que havia morado em Roma, e pediu para acompanhá-lo. Quando o jeep em que estavam parou diante das ruínas do Coliseu, Clark exclamou: “Mas que belo trabalho fizeram aqui os nossos rapazes!” Eles também criticam o gosto dos americanos à mesa, sobretudo o hábito de colocar creme de amendoim no pão e ketchup na pizza. Em compensação, os rapazes do general podem ter contribuído para enriquecer a mesa da capital italiana, ajudando a criar o clássico molho alla carbonara, usado em certas massas: penne, espaguete, bucatini e vermicelli. Leva guanciale (bochecha de porco defumada) frito na banha ou azeite, misturado com ovos batidos, creme de leite (opcional), pecorino (queijo de ovelha), parmesão ralados e pimenta-do-reino. A versão mais aceita sustenta que a receita surgiu casualmente no final da Segunda Guerra Mundial. Quando os americanos entraram em Roma, a cidade estava na penúria, só a tropa de Clark dispunha de alimentos. Combinando dois ingredientes da ração militar — ovo e bacon —, acrescentando-os à massa cozida al dente, um cozinheiro local teria criado o prato. Uma variação dessa teoria localiza o nascimento da receita em uma trattoria romana. Soldados aliados entraram ali levando ovo, bacon e noodles. O cozinheiro os preparou separadamente. Fartos daqueles sabores invariáveis, os estrangeiros misturaram tudo. Um punhado de autores discorda da versão. Afirma que os rapazes do general não inventaram nada. A receita se-

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ria “evolução” de uma mais antiga, chamada caccia (queijo de cabra ou ovelha) e uova (ovo), originária da região do Lazio, onde se encontra Roma, ou da vizinha Abruzzo, que os carbinai (produtores do carvão vegetal, daí o nome do prato) levavam na marmita. Preparavam-na na véspera e a comiam fria. Durante a ocupação de Roma pelos alemães, muitas famílias da cidade foram para as montanhas de Abruzzo, nas quais teriam conhecido a receita de caccia e uova. Outra explicação para o nome alla carbonara: o há-


Bom trabalho dos nossos rapazes A gafe do general americano e a criação do prato romano por J. A. DIAS LOPES Versão exuberante do spaghetti alla carbonara, com dois ovos fritos sobre o queijo pecorino ralado e muita pimenta do reino. A receita teria surgido casualmente no final da Segunda Guerra Mundial. Havia escassez de alimentos em Roma. Mas os soldados americanos tinham ovos e bacon. Foi o suficiente. Os romanos entraram com o spaghetti. Assim teria nascido o picante molho da cozinha da capital italiana.

bito de acrescentar pimenta-do-reino moída, que lembra o carvão em pó. Segundo a Grande Enciclopedia Illustrata Della Gastronomia (Selezione dal Reader’s Digest, Milão, 2000), “os traços deste prato na cozinha romana, antes do final da Segunda Guerra Mundial, são vagos ou inexistentes e se limitam a alguns testemunhos orais, recolhidos porém em tempos recentes”. Mesmo assim, alguns autores insistem na sua antigüidade, atribuindo a invenção a Ippolito Ca-

valcanti (1787-1859), cozinheiro e literato napolitano. Ele teria publicado uma receita semelhante no tratado Cucina Teorico-Pratica, editado pela primeira vez em 1837 e acrescido, na edição de 1839, do apêndice Cucina Casarinola co la Lengua Napolitana. Há também autores que a associam à Carboneria, sociedade secreta e política da Itália no século XIX, com um complicado simbolismo ritual, difundida em numerosos países europeus. Entre seus iniciados figuraram líderes do movimento reunificador da Itália. Não há provas, porém, de que preparassem a receita. O diretor de cinema Luigi Magni aumentou a confusão no filme La Carbonara. Ambientou-o na velha Roma papal, colocando em cena a Carboneria e uma mulher que administra uma trattoria renomada pelo prato. Até agora, a explicação vencedora envolve os rapazes do general.

Molho seria apropriação de nome da sociedade secreta Carboneria

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japão

A comida do Japão desafia os tempos Tempurá é herança da presença portuguesa

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estaurantes japoneses se multiplicam em todo o País e, sobretudo em São Paulo, onde o tradicional Sushi se tornou, juntamente com o hambúrguer, um dos itens da preferência de grande maioria de adolescentes e jovens — exemplo do que acontece nos Estados Unidos e em vários países da Europa ocidental. O Brasil é um dos dois países das Américas — o outro é o Peru — que recebeu imigrantes nipônicos, em 1908, graças a um acordo firmado com o Imperador do Japão, para a vinda de trabalhadores à lavoura cafeeira. A comunidade japonesa no Brasil conta com aproximadamente 1,5 milhão de pessoas. Só em São Paulo chega a cerca de 800 mil. Surgiram, assim, os primeiros estabelecimentos de comida japonesa no bairro paulistano da Liberdade. E quando, hoje, os estrangeiros em visita a São Paulo, perguntam sobre as comidas que não devem deixar de provar, a resposta, além de churrasco e feijoada, costuma ser culinária japonesa. Mas o que leva a comida do Império do Sol a ser tão apreciada a ponto de estar incluída entre os pratos típicos nacionais?

Imperador do Japão, aos 14 anos, Mutsuhito, o lendário Imperador Meiji, foto acima, comandou o país por 45 anos (1867-1912) — período em que aboliu o feudalismo, bem como o poder dos samurais, transferiu a capital de Kioto, onde nascera, para Tóquio e foi responsável pela grande Revolução Industrial que levaria o país, no século passado, a ser a maior potência de toda a Ásia. Também durante a era de Mutsuhito o Japão consolidou o poder militar no Pacífico. O soberano derrotou dois gigantes, a China, em 1895, e a Rússia, em 1905 — anexando, em 1910, a Coréia. Deve-se a ele a abertura do Japão para a Europa, principalmente para a Alemanha, cuja constituição adotaria em 1890. A Revolução Industrial japonesa desalojou do campo grandes populações. Muitos japoneses, ainda no período Iluminado de Mutsuhito, emigrariam para o Havaí, Peru e Brasil. Com O imperador Meiji, o Japão começou a se abrir novamente para o mundo. O país ficara fechado para os estrangeiros desde a expulsão, em 1633, dos portugueses e a proibição do cristianismo. Graças Às revoluções da era

neste trabalho a jornalista • Ce olaborou chef de cozinha Camila Taquari.

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Mutsuhito, a sofisticada gastronomia japonesa pôde ser apreciada universalmente.


Obra, acima, O Riacho da Primavera, do pintor japonês Taizi Harada, é título de uma canção infantil, Haru No Ogawa, e fala do brilho da corrente de um riacho que flui mansamente durante a primavera — numa época em que era possível ver camarões, caranguejos e barrigudinhos se movimentando. Considerado um dos mais sensíveis pintores contemporâneos, Harada, de 71 anos, retrata um Japão ainda fortemente rural, mas que foi se modificando com a industrialização desde a era Mutsuhito, porém, sem jamais perder o requinte da cozinha.

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TIZUKA YAMAsAKI, nascida em Porto Alegre, é autora do memorável filme Gaijin — Os Cada família japonesa Caminhos da Liberdade, de 1980, tem uma história, como a do que narra a chegada ao Brasil de um grupo de japoneses no início pai da cineasta Tizuka Yado século XX para trabalhar masaki, Tosio Yamasaki, que nas fazendas de café de São veio ao Brasil com um proPaulo. A cineasta de 62 anos foi fortemente influenciada na sua pósito diferente. “Ele chegou obra pelos dramas vividos pelas um pouco antes da Segunfamílias de imigrantes japoneses — como aconteceu com os da Guerra Mundial. Nasceu próprios antepassados. em Tiba, província vizinha a Tokio. Tinha cerca de 20 anos, acabara de fazer um curso técnico de agronomia e não veio como imigrante, mas na aventura de fazer fortuna no Brasil”, lembra Tizuka. Japoneses chegaram no acabou por levar a uma A artista Tomie Ohtake, inestimável contribuição à nascida na família NakakuKasato Maru e foram cozinha do País. Os japonebo há quase um século, em ses introduziram no cardáKyoto, no Japão, em 1913, para as fazendas de café pio nacional mais de 50 tise tornou uma espécie de pos de prato. Dando ênfase embaixadora das artes e da às verduras e aos legumes. cultura de seu país no BraUm povo que tinha, segundo Tizuka Yamasaki, sil. Ela chegou ao País em 1936 para visitar um dos cinco irmãos. Impedida de voltar, no início da Segun- como alimentação diária o arroz branco sem sal e da Guerra, Tomie optou por ficar no Brasil. Casou-se sem gordura, um pedaço de peixe e algumas verdue teve dois filhos, Ricardo e Ruy Ohtake, que conquis- ras, não conseguia se adaptar ao feijão com arroz e taram um espaço importante na arquitetura brasilei- às carnes muito temperadas. “A maior dificuldade de ra. Conviveu aqui com outras comunidades, inclusive minha família, assim como dos imigrantes japoneses morou muitos anos na então italianíssima Moóca. E em geral, era a falta de verduras e pescados, já que até hoje tem como prato favorito o bife guarnecido eles eram deslocados para o interior, onde o acesso com dois ovos fritos. “Nunca me esqueço do Bife a Ca- aos frutos do mar era difícil. Achavam estranho ter de usar a banha de porco, tão comum na alimentação valo que comi quando desembarquei no Brasil.” A bordo do Kasato Maru, primeiro navio de imi- do brasileiro da época. Como também era estranho o gração japonesa a aportar no País, vieram 781 cam- excesso de gordura, presente na carne-seca e mortaponeses. Ao desembarcarem no Porto de Santos, eram dela. Sem contar a farinha de milho, que eles diziam encaminhados para a Hospedaria dos Imigrantes, em raspar a garganta”, recorda Tizuka. A única saída era começar a plantar as próprias São Paulo, e depois levados de trem para as fazendas de café no interior do Estado. Lá, a vida árdua ia desfa- verduras. A cineasta narra que, nos raros momentos zendo a expectativa de acumular dinheiro rapidamen- de folga do trabalho no cafezal, os japoneses passate, à medida que recebiam os primeiros pagamentos, ram a cultivar a horta, e alguns anos mais tarde, se com os descontos da parcela da viagem, gastos com tornaram responsáveis pelo chamado Cinturão Verde em torno de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, planalimentos e remédios. A dificuldade da maioria dos imigrantes, formada tando verduras e legumes para serem consumidos pepor agricultores, de se adaptar ao paladar brasileiro los habitantes das grandes cidades.

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Os japoneses, assim que conseguiram, passaram nam a cena. Mas logo se entregaram à arte criada por a comprar ou arrendar lotes de terras das fazendas uma sabedoria milenar. Antiga e contemporânea ao cafeeiras falidas, após a crise, de outubro de 1929, da mesmo tempo. Torna a experiência, para muitos, irreBolsa de Nova York. Plantaram variedades de cultu- sistível a qualidade e o frescor dos ingredientes somaras que não eram populares no Brasil, entre as quais dos à pouquíssima gordura nos modos de preparo e à muitas frutas, legumes e verduras. Foi o caso do mo- troca dos molhos espessos por temperos leves e sutis. rango e até mesmo da uva itália, que apesar do nome O sucesso do Sushi e da culinária japonesa, segundo foi introduzida no País, na década de 1940, pelos ja- Tizuka Yamasaki, veio a calhar com o culto à comida poneses. Muitos imigrantes traziam nos navios mudas na bagagem. TOMIE OHTAKE IMIGROU DO JAPÃO PARA O BRASIL JÁ COM 21 ANOS E Acabaram por se adaptarem os japoPRINCIPIOU A CARREIRA NAS ARTES neses ao novo País e se integraram à soPLÁSTICAS APENAS AOS 40 ANOS ciedade que os acolheu. Mas o ingresso COM TRABALHOS EM PINTURA, GRAVURA E ESCULTURA. SER UMA de Sushis, Yakisobas e Tempurás no carARTISTA TARDIA NÃO A IMPEDIU DE se dápio nacional levaria muito mais temtornar reconhecida como UMA DAS PRINCIPAIS REPRESENTANTES po. Mais de 70 anos após a chegada dos DO ABSTRACIONISMO NO PAÍS. primeiros imigrantes do Japão, o Brasil RECORRENTEMENTE OPTA POR NÃO contava apenas com 20 restaurantes tíNOMEAR as TELAS, TRANSFERINDO AO APRECIADOR A INCUMBÊNCIA DO picos. Todos concentrados na região da BATISMO, CASO DO QUADRO ABAIXO. Liberdade. Antes só era possível experimentar comida japonesa em pensões instaladas no mesmo Bairro da Liberdade, nas quais jovens vindos do interior de São Paulo se hospedavam. Lá, eles tinham todas as refeições servidas à moda japonesa, com algumas adaptações à cozinha brasileira. Seriam inaugurados no final da década de 1980 os primeiros estabelecimentos de cozinha japonesa fora da Liberdade. Porém, o grande avanço aconteceu na década seguinte, quando se multiplicaram rapidamente por toda cidade. Atraiu um número crescente de adeptos a percepção de que se trata de uma culinária de sabor marcante e saudável, quando comparada a outras cozinhas. A maior concentração de restaurantes japoneses do País já não está na Liberdade, mas, sim, na região Com os portugueses, o ato de fritar se paulistana dos Jardins. Os brasileiros em geral, desacostuestendeu às receitas salgadas e caiu no gosto mados à culinária japonesa, desconfiajaponês, nascendo assim o saboroso Tempurá ram dos pratos de porções delicadas, nos quais, quase sempre, os peixes crus domi-

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O sashimi, UMA DAS delícias japonesas,

saudável. “Acho que foi uma oportunidaconquista em todo o mundo, inclusive no de ímpar”, avalia a cineasta. E tem toda Brasil, o paladar dos que razão. Uma oportunidade ímpar para os apreciam a cozinha do brasileiros, que podem apreciar, cotidiapaís do império do sol. a diferença do sashimi, namente, as delícias de uma das cozipeixe cru fatiado, para nhas mais sofisticadas do mundo. o tradicional sushi, mais popular das Considerado por muitos um dos especialidades nipônicas, pratos mais representativos da gastroestá no bolinho de arroz. nomia japonesa, o Tempurá tem uma O sushi leva o cereal e o sashimi, não. longa história, conhecida por poucos, e que começa em 1543, quando os navegadores portugueses desembarcaram em Tanegashima, ao sul do Japão. O relato do grupo, ao voltar para casa, atrairia para o arquipélago outros portugueses, como o escritor Fernão Mendes Pinto e o jesuíta São Francisco Xavier, que aportaram em ter- alternadas de peixe, sal e arroz, o Sushi só mudou a ritório japonês, em 1549, com a missão de converter aparência por volta de 1700, quando passou a ser preos japoneses à fé cristã. Os religiosos jesuítas cultiva- parado em molde de madeira. O cozinheiro Hanaya Yohei experimentou, por volta vam o hábito de não consumir carne vermelha durante a Quaresma, que, em latim, denomina-se ad tempora do século XVIII, usar peixe fresco em vez da versão em quadragesimae. Os portugueses comiam, no período, conserva, dando origem a um parente mais próximo do um prato composto de verduras, legumes e frutos do atual Sushi. Dois estilos básicos do prato surgiram com a mudança. O tipo Kansai, da mar fritos. Os japoneses já cidade de Osaka, e o Edo, anticonheciam a fritura, introgo nome de Tóquio. Osaka era duzida pelos chineses nos Cozinheiro inovou ao a capital do arroz e ali criouséculos VII e VIII, mas a téctrocar no Sushi o peixe -se um Sushi enrolado que nica só se popularizou com a acrescentava ao arroz outros chegada dos missionários. O em conserva pelo fresco ingredientes. Já em Tóquio, a ato de fritar, com a chegada localização da baía favorecia dos portugueses, se esteno uso de peixe fresco, nascendeu a outras receitas salgadas, caiu em domínio público, logo, o nome Tempurá do o Nigirizushi — pedaços de peixe servidos sobre bofoi adotado pelos japoneses. A união dos dois povos, linhos de arroz temperados e moldados com as mãos. A presença no cardápio brasileiro da culinária mesmo tendo durado menos de um século, foi intensa japonesa é tão forte como no resto da vida nacional e deixou raízes profundas até na culinária. O bolinho de arroz temperado com vinagre, sal e do País. Personagens como a artista plástica Tomie açúcar, e combinado com peixes ou verdura, é o prato Ohtake e a cineasta Tizuka Yamasaki são referências do cardápio japonês mais popular em todo mundo. Re- brasileiras em todo o mundo. Da mesma maneira que ceita chinesa que era, na verdade, um método de con- no Japão, a passagem dos portugueses deixaram inservação de peixes por meio da fermentação, ganhou deléveis marcas no idioma do país, no qual palavras especial importância no Japão, por volta do ano de 676, usuais de nosso idioma são utilizadas com o mesmo quando o consumo de carne e leite foi proibido pelos sentido — como biscoito, botão, capa, copo, órgão, pão, preceitos budistas. Feito, inicialmente, em camadas sabão, tabaco e obrigado.

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A montanha que inspirou a cozinha dos cedros D. Pedro II abriu as fronteiras do Brasil para os libaneses

por Albino Castro

Quase isolada, no alto do Monte Líbano, símbolo da nacionalidade libanesa, está a Catedral Católica Maronita, da cidade de Becharré, ao Norte do País. Os cristãos da montanha libanesa enfrentaram por cerca de mil anos restrições para circular livremente pela costa mediterrânea e, assim, nasceu a esplêndida cozinha à base do que era possível criar e cultivar nas cidades e aldeias situadas próximas aos picos nevados. Uma culinária que é festejada hoje em todo o mundo e cujos fundamentos são a carne de carneiro, trigo e as hortaliças. Era de Becharré o extraordinário poeta Gibran Khalil Gibran (18831931), de família católica maronita, autor, em 1924, de O Profeta. Viveu em Boston e Nova York. Escreveu em árabe e inglês e foi autor de poemas definitivos sobre o sagrado Monte Líbano.

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Iluminado Príncipe da montanha libanesa, o católico maronita Béchir II Chehab (1767-1850) é considerado o grande idealizador da moderna nacionalidade do País dos Cedros, herdeira da antiga Fenícia. Ele se bateu com todas as forças pela independência da nação — então sob o jugo da dinastia otomana islâmica da Turquia. Béchir II Chehab governou o Monte Líbano por 52 anos — de 1788 a 1840. Do palácio de Beit ed-Din, a Casa da Fé, construído por ele, na região do Chouf, a 17 quilômetros ao sul de Beirute, enfrentou os turcos e acabou derrotado. Pagou caro pelo patriotismo, sendo morto, em 1850, nas masmorras de Istambul. Foram implacáveis, depois de enforcado o Príncipe Béchir II Chehab, as perseguições dos turcos nos anos seguintes contra os cristãos do Líbano, Síria e Armênia — e determinaram a emigração destes para o Brasil. E, com os cristãos perseguidos, desembarcou aqui a requintada gastronomia libanesa.

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erdeiros da gloriosa Fenícia, nação que há 4 mil anos, superando os hieróglifos egípcios e os cuneiformes dos povos semitas, assírios e da Babilônia, legou ao mundo o primeiro alfabeto no qual cada letra correspondia a um som, que usamos até hoje, os primeiros imigrantes do Líbano que aqui chegaram, por volta de 1880, se tornaram mascates e acabariam, na prática, por criar em poucos anos o mercado interno nacional, transportando em lombo de burros e vendendo mercadorias de um ponto a outro do Brasil. Os primeiros imigrantes libaneses, quase todos cristãos, desembarcaram no Brasil, fugindo das perseguições muçulmanas movidas e incentivadas pela “Sublime Porta”, então sede em Istambul dos sultões da dinastia otomana que controlava todo o Oriente Médio. O Imperador D. Pedro II (1825-1891), ao visitar o país, em 1877, ficou penalizado com a triste situação dos cristãos e autorizou a vinda deles para o Brasil. O bíblico Líbano é a única nação de maioria cristã entre os países de língua árabe — idioma originário das tribos da Península Arábica e no qual foi revelado ao Profeta Mohamed o livro sagrado do Alcorão. A requintadíssima culinária libanesa, chamada cá, erradamente, de “árabe”, chegou com os imigrantes e hoje está integrada ao cardápio brasileiro. Principalmente o quibe, maior estrela da cozinha do Líbano, facilmente encontrado em qualquer esquina do País. Popularíssimos são também o tabule, originário, assim como quibe, da cidade libanesa de Zahlè, a esfiha, os charutinhos de repolho e de folha de uva, a kafta e os deliciosos patês de berinjela, coalhada seca, pimentão e grão-de-bico — encontrados facilmente em pontos simples e sofisticados. Sobretudo em

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Uma refeição libanesa começa com o mezzè, as entradas, reunindo, quase sempre em pequenas porções, as diferentes pastas — não podendo faltar o babaganuch à base de berinjela, o homus com grão-de-bico, e a coalhada seca. Lugar de honra ocupam também o quibe cru e o tabule — como no tradicional mezzè, ao lado, do Arábia, de São Paulo. Alguns restaurantes de Beirute e de Zahlè chegam a oferecer mezzès com mais de 70 especialidades.

São Paulo. A gastronomia do País dos Cedros possui na capital paulista endereços que podem rivalizar com restaurantes de Beirute, capital do Líbano, bem como de Paris, Londres e Nova York. É paulistano o Arábia. E também a Brasserie Victoria, que mantém uma cozinha mais próxima da original libanesa, assando, por exemplo, o melhor quibe da cidade, e o Hotel Maksoud Plaza, onde se come quibe cru e tabule à zahliota. Destaques ainda para o Miski, o Folha de Uva e a rede Almanara [ver também página 73], sucessora, nos anos 1950 e 60, do antigo Tarbouche, da região da Rua 25 de Março, tradicional reduto de comerciantes libaneses e seus descendentes. O Tarbouche inovou nos anos 1950 ao introduzir o sistema de rodízio, que, ao contrário do que se possa imaginar, não foi copiado das churrascarias. O rodízio é uma das características libanesas, privilegiando o mezzè libanais, a vinda à mesa de vários

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pratos, frios e quentes, em pequenas porções. O mezzè teria origem na antiga Fenícia — na era dos primeiros navegadores e comerciantes da História. A mitologia atribui à filha de Hiram, Rei de Tiro, capital fenícia, ao se casar com um habitante da outra margem do Mediterrâneo, o nome dado ao continente europeu. A filha de Hiram se chamava Europa. Curiosa é a origem da culinária libanesa, sendo um país banhado, de norte a sul, pelo Mediterrâneo, mas no qual é quase nenhuma a influência dos frutos do mar nos pratos tradicionais — embora exista em alguns cardápios de São Paulo, cidade sempre em busca de inovações gastronômicas, e mesmo em Beirute, um bizarro quibe cru à base de salmão, que substitui a carne de carneiro ou de vaca. O que conhecemos como gastronomia libanesa tem origem nas comunidades cristãs do Monte Líbano e lá não chegavam os frutos do mar. Cristãos viveram isolados por mais de mil anos nas montanhas desde o início, no século VII, da conquista dos territórios do Oriente Médio pelos exércitos islâmicos — e, por isso, a sua cozinha se baseia ainda hoje no que era possível encontrar longe da costa que era controlada pelos muçulmanos. Lá nos altos do Monte Líbano era possível a criação de carneiros, plantar o trigo, bem como verduras e legumes. O trigo, especialmente amassado, conhecido em francês como blé concassé, está presente no cotidiano da cozinha dos cristãos. Seja no quibe e na salada de tabule, mas também, claro, nas



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saborosas sopas que esquentam as noites geladas nas regiões dos milenares cedros, que remontam os tempos da mítica Fenícia. A ausência de frutos do mar no menu libanês tem origem também nas restrições de caráter religiosas dos muçulmanos que, como os judeus, consideram “impuros” esses alimentos. O que explica o fato de que, mesmo dominando por mais de mil anos a costa libanesa, os muçulmanos de três diferentes dinastias — omeyades, de Damasco, abassides, de Bagdá, e otomanos, de Istambul — jamais introduziram à mesa, ao contrário dos povos cristãos da outra margem do Mediterrâneo, camarões, lulas, ostras, lagostas e polvos. O peixe é permitido, porém, comido com bastante parcimônia. Os muçulmanos gostam mesmo é de carneiro, geralmente, cozido e misturado com ar-

roz, prato principal, nas mesquitas, em todas as datas festivas, inclusive, antes e depois do santo ramadã. O costume de comer arroz com carneiro, com as mãos, também é observado por todas as etnias religiosas do mosaico libanês. Tradição praticamente desconhecida no Brasil. Mesmo entre as comunidades de origem síria, egípcia, armênia e palestina — que, como a libanesa, são de maioria cristã. Ironicamente, para os muçulmanos, que desde o ressurgimento, em 1948, do moderno Estado de Israel, transformaram os judeus em principal alvo inimigo, é mais fácil encontrar um banquete à base de arroz com carneiro em comemorações das famílias hebraicas, de origem sefaradita, que para cá fugiram, entre os anos 1950 e 1970, para escapar das implacáveis perseguições religiosas na Síria, Egito e mesmo no Líbano.

Segredos são mantidos em família por Fouad Naime*

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hora da refeição é sagrada para os libaneses. Todos os acontecimentos da vida, alegres ou tristes, são compartilhados em torno de uma mesa. A amizade e o amor se medem, freqüentemente, pelo prato, reforçando o provérbio que diz que “quanto mais comeres na casa de alguém, mais o apreciarás”. Vem daí a insistência, muitas vezes constrangedora, dos convites. Os segredos das receitas de família passam de geração para geração. Ainda hoje, toda jovem esposa, de qualquer classe social, deve preparar, diariamente, dois ou três pratos típicos libaneses

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para o exigente marido — provavelmente “mal-acostumado” às delícias feitas pela mãe. As receitas variam ligeiramente entre uma região e outra. Os produtos básicos são a carne de carneiro, o berghoul, o trigo seco ao sol, o arroz, as lentilhas, o tomate, a berinjela e o grão-de-bico. Quase todas as casas, no campo, têm à porta o jurn — o pilão de pedra que serve para preparar os pratos de carne. Geralmente quibe ou kafta. A carne é misturada aos

Estrela de primeira grandeza da cozinha do Líbano, o quibe está sempre presente no dia-adia do país — nas versões crua, frita (ao lado), ao forno, cozido na coalhada à moda armênia ou grelhado, conhecido como quibe michuí.


Esplêndido instantâneo do célebre Studio zahliota Fakhoury, de 1929, mostra as duas margens do rio Bardauni, que corta a mítica cidade libanesa de Zahlè, com os centenários restaurantes e cafés, provavelmente no final da manhã de um domingo, depois da missa, momento de degustar o quibe cru, que será assado, depois, para o almoço, acompanhado do inconfundível sabor adocicado do arak, a aguardente de uva aromatizada com anis. Ao longo das margens plácidas do rio de Zahlè, nasceram alguns dos pratos mais saborosos da cozinha libanesa, como o quibe, nas diferentes formas, e o tabule, ambos à base de trigo moído.

demais ingredientes e batida com uma pá de madeira — a mdaqqa. Cada família fazia, no passado, o próprio pão que era consumido na casa. Os talheres só apareceram em meados do século XIX. Sentavam-se, à noitinha, ao redor de uma grande bandeja de cobre ou madeira onde estavam dispostos os pratos, cuja preparação, feita pela mãe da família, levava, quase sempre, o dia todo. Depois das preces usuais, ritual seguido por todas as confissões religiosas, os dedos se juntavam, apertando um pedaço de pão, e, em seguida, era molhado nas comidas colocadas sobre pratos de cerâmica. Faziam-se as refeições habitualmente em silêncio. O momento era solene. E o alimento representava o fruto de um elaborado trabalho. Estavam sempre presentes à mesa, principalmente nas casas camponesas, as azeitonas, a labne, a coalhada, os queijos, os pires contendo os patês de grão-de-bico e de berinjela, a yakhne, a mjaddara, o arroz

com lentilha e tabule. As frutas secas apareciam para adocicar o paladar. As favas ou manúche, servidas pela manhã, calavam o estômago muitas vezes por todo o dia. Os doces no Líbano são geralmente à base de massa folheada e mel — uma herança dos séculos de ocupação do país pelos turco-otomanos. Atraem legiões de apreciadores os enormes pratos de cobre guarnecidos de losangos afogados no mel. O nascimento de um bebê é festejado com o meghlé, espécie de pó-de-arroz que, supostamente, trará à criança sorte e prosperidade. Para preparar o tradicional maamoul, um doce com tâmaras, pistaches ou amêndoas, consumido durante a Páscoa, as mulheres se reúnem numa das casas vizinhas e cada uma leva a receita da avó — a rainha do maamoul. * O jornalista libanês Fouad Naime é proprietário e diretor de redação da revista mensal Carta do Líbano, editada em São Paulo, com circulação nacional.

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O forno e os sabores das esfihas da Luz Os armênios eram os mestres no bairro paulistano por DÁCIO NITRINI

Diretor de Jornalismo da Rede Gazeta de Televisão, com sede em São Paulo, Dácio Nitrini foi diretor do SBT e da Rede Record. Atuou também na TV Cultura, O Estado de S.Paulo e na Folha de S.Paulo.

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forno armênio da Rua São Lázaro não existe desde meados dos anos 1970. Fez parte de minha vida. Levei muitas vezes esfihas para assar. Antes, assistia em casa a um ritual de pura gastronomia afetiva. O bom naco de capa de filé fresco era lentamente passado no moedor a manivela por duas vezes para depois ser temperado por minha mãe. Tomate fresco picado sem sementes e sem pele, filetes de cebola branca, algum alho amassado, sal, pimenta síria e, às vezes, um toque de canela só para dar aroma. Todo o recheio era colocado numa forma de alumínio, coberto por um pano branco, amarrado nas pontas e imediatamente levado por mim à padaria armênia. Era só dobrar a esquina e andar uns 50 metros pela mesma calçada. Morávamos numa travessa da São Lázaro, na estreita e curta Rua Francisco Sá Barbosa, que dava para a Rua Cantareira, aquela do Mercadão. Era uma vila de casas térreas geminadas, corredor de entrada lateral, portão de ferro. Típicas residências operárias dos anos 1920. Algumas estão

lá até hoje. Nossos vizinhos eram na maioria armênios. Em segundo lugar vinham japoneses que vendiam verduras e frutas no Mercadão e alguns libaneses e italianos. Todos nos dávamos muito bem. Uma solidariedade emocionante. Naquela época nem sabia ser um “turcaliano” genuíno. Agora o sou assumido. Meus avós paternos, nasceram na velha bota. Os Nitrini são toscanos de Vagli Sotto, paese perto de Lucca. Meu lado “turco” ficou escondido no registro oficial. Falta nele o sobrenome materno, infelizmente. Minha mãe, era uma Caram, filha do ourives libanês Gabriel, nascido em Beirute. Meus bisavós se chamavam Nur e Abdulah. Impossível não amar esfihas, quibes, folhas de uva, zátar, azeite e coalhadas. Fazem parte do meu cardápio desde que nasci. Assim como os deliciosos pratos italianos que via sendo meticulosamente preparados por minhas tias. A massa caseira enrolada no ferrinho, o fusilli, longo macarrão furado, a pastiera di grano na sobremesa. O cálice de licor perfumado Strega... A padaria armênia nem placa tinha. Não era conhecida por um nome. Produzia pão pita, rosca de gergelim, pão folha e esfihas, autênticas esfihas de carne, abertas e fechadas. Funcionava todos os dias. Mas o sábado era especial. Nos anos 1950, armênios da Luz se encontravam ali para falar da vida e de negócios. Alguns tinham fabriqueta familiar de sapatos nos porões das casas em que moravam. Eu mesmo, aos 12 anos, fui aprendiz na Calçados Infantis Tio, do boníssimo Seu Levon Akralian, que mal falava português e tratava sua meia dúzia de operários como filhos.

A padaria dos armênios nem placa tinha. Produzia esfiha, pão pita e rosca de gergelim

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O forno de esfihas e de pães tipo pita era um sucesso nos anos 1950 e 1960, no bairro da luz, e reunia armênios, libaneses e italianos. As esfihas, ao contrário dos quibes, são bastante comuns em todo o oriente médio. são preparadas de diferentes maneiras. especialmente na Armênia e nos antigos territórios do país bíblico do monte ararat, ocupados hoje pela Turquia.

Outros tinham que batalhar duro. Vendiam especiarias nas feiras. Poucos eram ricos. Vinham de carro. Lembro bem que os Simca Chambord Jangada estavam na onda, chamavam a atenção pelos desenhos dos arcos do Palácio da Alvorada nas portas. Era Juscelino, claro. Geralmente traziam mulheres e fllhos. Carregavam enormes tigelas, cobertas por panos brancos, transbordando de recheio preparado em casa. Entregavam a tigela para o dono da padaria, um egípcio de origem armênia, casado com uma negra de olhos verdes. Ela falava muito pouco, sempre em árabe. Ou seria armênio? Ele escrevia o nome da família num papel e o colava com fita Durex na vasilha. O recheio era levado para os fundos da padaria. Tudo ficava à vista. A massa era aberta, cortada em pequenas rodelas. Os auxiliares numa rapidez de artista circense preenchiam os bocados com a carne, dispondo-os em uma longa e larga pá de madeira coberta de farinha. As esfihas escorregavam para dentro do forno a lenha. Assavam em minutos. Saíam fumegantes, crocantes e macias. Sabor de mãe. O cheiro bom invadia a rua. Niguém resistia. Rapidamente eram retiradas, dispostas em bandejas de papelão grosso, protegidas por folhas de um resistente papel rosa. O pacote era amarrado com barbante branco. Na saída, compravam pão pita e roscas cobertas por sementes de gergelim. Minassian, Baghdassarian, Paloulian, Messegian, Krikorian, Bougikian, Agop, Manucha, George, Archaluz, Stepan, Avediz e Farid. Mas também havia Fujiwara, Sakamoto, Miura e Nagamine. Bem com Nitrini, Pisaneschi, Zechinatti, Panella e Roma.

Naqueles anos 1950, a Luz tinha um refinado ristorante na Rua São Caetano, hoje conhecida como rua das noivas. Era o Ao Jardim Toscano, dirigido com mão forte pela proprietária, Dona Nella. Não havia como comer melhor na região. Era o ponto alto da elite do bairro. Aniversários, casamentos, vitória do time do Clube Araguaia... Tudo era comemorado lá na prestimosa Dona Nella, que havia trazido uma raridade à cidade, difícil de encontrar em toda a São Paulo. Um cremoso café expresso extraído de uma máquina a vapor, reluzente, com a marca em neon verde, Gaggia. Pessoas atravessavam a cidade para degustar apenas um cafezinho ali. Havia fila no caixa e no balcão. Tudo isso também se esfumaçou. Exatamente no mesmo local está um acanhado Il Giardino. Não me atrevi a entrar. Mas ainda resiste bem no coração da Luz um oásis que pode matar nossa sede por boas e originais esfihas armênias. Um forno com mais de 40 anos. Sente-se a uma das mesas do Effendi, na Rua Dom Antonio de Mello, 77. Viva o que resta de uma cidade ingênua, sem pressa, com vozes em árabe, armênio, japonês, italiano. Faça isso enquanto espera a sua esfiha ser assada. É lá onde ainda levo as minhas, mantendo a receita dos Caram.

Esfihas escorregavam para dentro do forno a lenha e assavam em minutos

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À mesa em Portugal como no Brasil A aventura da pesca do bacalhau nas águas geladas por Fábio Caldeira Ferraz

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ortugal é o único país cujo ingrediente principal do prato nacional, a célebre Bacalhoada à Portuguesa, precisa ser pescado e salgado a muitas milhas ao norte da sua costa atlântica. Contraria assim Portugal a lógica segundo a qual os pratos nacionais são sempre baseados — como na cozinha libanesa — em produtos facilmente encontrados dentro das fronteiras do país. E torna evidente a vocação marítima da nação que embarcou nas caravelas, no final da Idade Média, e deu mundos ao mundo. Também na Espanha o bacalhau tem lugar de honra na gastronomia, como o clássico Bacalao a Vizcaína ou a Bilbaína, tipicamente de Bilbao, capital do País Basco, ou na Itália, onde, em Roma, às sextas-feiras, é dia de saborear, no almoço, o Baccalà ai Ceci, o bacalhau com grãos-de-bico. O primeiro é acompanhado de fatias de pimentão. O outro tem o tomate como principal elemento do molho, semelhante ao usado nas massas. Mas em nenhum dos dois países o bacalhau é o prato nacional. Identificar entre nós os traços da cultura portuguesa, mais de 500 anos após o épico desembarque de Pedro Álvares Cabral, em Porto Seguro, na Bahia, é um empreendimento arriscado, notadamente se o autor os persegue no campo da gastronomia. Talvez

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O painel de azulejos da pesca do bacalhau, ao lado, localizado na vila portuguesa do Tocha, freguesia de Cantanhede, próxima a Coimbra, simboliza a aventura lusitana, desde o século XV, de pescar em águas a muitos quilômetros ao norte de seu território o ingrediente do prato nacional — a bacalhoada à portuguesa. Desde a era dos descobrimentos o bacalhau não pode faltar na mesa dos portugueses. O nome do pescado esteve durante muitos anos entre as primeiras denominações atribuídas ao continente americano. É farta a documentação do estado português em que, referindo-se à América do Norte, aparece como Terra do Bacalhau o atual Canadá. Os portugueses, na rota do bacalhau, chegaram em 1472 à imensa ilha canadense da Terra Nova — 20 anos antes, portanto, de Cristóvão Colombo descobrir oficialmente a América. Portugueses enfrentam até hoje as águas geladas do Canadá, Groenlândia e Noruega para pescar o bacalhau.


D. Afonso Henriques (1108-1185), O Conquistador, foi o fundador e o primeiro Rei de Portugal — mais antigo país da Europa com fronteiras consolidadas. O monarca enfrentou os exércitos da própria mãe, Dª Teresa, filha do imperador Alfonso VI de Castela e León, na memorável Batalha de São Mamede, a 24 de junho de 1128, junto ao Castelo de Guimarães, para tornar independente da Galícia o então Condado Portucalense. E, por isso, Guimarães, região do Minho, é considerada o berço de Portugal. Fundador da pátria lusitana há quase 900 anos, D. Afonso Henriques, que nasceu e morreu em Coimbra, estendeu os domínios portugueses até o sul do país e inspiraria, através das conquistas, as dinastias que o sucederam a lançar Portugal em busca de novos mundos. Um dos maiores símbolos do espírito desbravador lusitano é a bacalhoada à portuguesa, cujo ingrediente principal só é encontrado nas águas geladas do Atlântico Norte.


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estabelecer o exato limite no que se refere às coisas de cuárias de corte e de leite. Distantes do litoral e sem comer e beber seja apenas isso, traçar uma fronteira a estrutura necessária para praticar a pesca com uma — uma linha imaginária a separar Estados, como nos escala considerável nos rios, mestiços e portugueses ensina a Geografia Política. Obviamente estão a His- passaram a recorrer cada vez mais à carne bovina e de tória e os indicadores atuais sobre a alimentação em outros animais criados pelas famílias sertanejas para ambos os países a nos evidenciar elementos próprios fins de subsistência — como porcos e aves. Enquanto Portugal figude parte a parte. Não ao ra hoje como o maior consuponto de negar os evidenmidor de bacalhau do muntes elos dos dois povos. do, com uma importação Pelo contrário. Embora anual de cerca de 60 mil toaparentemente distintos, neladas, a pecuária fez do nesses elementos tamBrasil o detentor do maior bém estamos todos. rebanho mundial, princiDe ambos os países O bacalhau é salgado e vendido sem cabeça. E, por isso, pal exportador e o terceiro pode se dizer, de pronto, em tom de brincadeira, aqui e em Portugal, muitos duvidam que o peixe tenha uma. maior consumidor. Entre serem diametralmente opostas algumas preferências. Portugal mantém-se as carnes, a bovina responde por, aproximadamente, há séculos um voraz consumidor de frutos do mar. São 40% do mercado interno. Os peixes equivalem a apepredominantes no cotidiano do país Ibérico os mo- nas 5%, mesmo sendo nossa uma das mais extensas luscos e os peixes — com destaques para o bacalhau e faixas litorâneas do mundo e nossa a maior reserva outros pescados salgados. Longe da costa, e em menor de água doce. Esse percentual seria ainda menor não escala, suínos e aves são relevantes na rotina gastro- fosse a influência católica que tem no pescado o alinômica, assim como novilhos, cordeiros, cabritos e a mento adequado das sextas-feiras e dias santos. São caça de faisão, lebre, perdiz e javali. O Brasil, por sua evidentes também as divergências quanto aos pendovez, paulatinamente foi cedendo à mesa maior espaço res para bebidas alcoólicas entre as nacionalidades. O vinho segue mais apreciado lá, e a cerveja uma paixão à carne bovina. Não foi o peixe a prosperar juntos aos paladares no nacional por aqui. Há certamente os pontos de convergências entre Novo Mundo português, a partir de 1530, quando aqui chegaram os primeiros rebanhos de gado. As levas ini- os paladares. Têm origem portuguesa os doces à base de ovos, como os deliciosos ciais de bovinos, trazidas de Cabo de Verde, arquipélago a Produtos vindos de todo Fios de Ovos e Chuviscos, bastante apreciados na região de oeste do continente africano, o Império enriqueceram a Campos, no norte fluminense. tinham a função de meio de Também é lusitano o Toucinho transporte e força de tração cozinha portuguesa do Céu, que mistura magistralou motriz para apoiar os tramente ovos e amêndoas, e as balhos agrícolas nas recém-criadas vilas coloniais. Os dois pólos de receptação mais variadas compotas. É português, sim, senhor, o dos animais, São Vicente, em São Paulo, e Salvador, mais antigo restaurante brasileiro, o tradicionalíssina Bahia, com o crescimento do rebanho e, principal- mo Leite [página ao lado], símbolo da boa gastronomente, com a expansão da cultura de cana-de-açúcar, mia de Pernambuco, com endereço na Praça Joaquim no entanto, passaram a irradiar sertão adentro, nos Nabuco, quase às margens do Rio Capibaribe. O Leite, anos seguintes, o gado e os vaqueiros. Os territórios às vésperas de completar 130 anos, continua sendo o que viriam a se tornar as regiões Nordeste e Centro- orgulho da grande comunidade portuguesa de Recife -Oeste já abrigavam, no início do século XVII, as pe- e uma referência gastronômica no País.

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É Portugal falando para o mundo O Leite é o mais antigo restaurante do Brasil

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iz muito sobre portugueses e brasileiros ser lusitano o mais antigo dos restaurantes do País, o Leite, no coração do Recife histórico, às vésperas de completar 130 anos. Austero e imponente como um solar português, com azulejaria lusitana à meia parede na vasta fachada que ocupa o quarteirão mais nobre da Praça Joaquim Nabuco, célebre abolicionista pernambucano, freqüentador assíduo do restaurante, o tradicionalíssimo Leite, fundado em 1882, testemunhou a ascensão e queda de modismos da alta sociedade pernambucana — e de suas intrigas políticas e sociais. Foi após almoçar no Leite, em 26 de julho de 1930, que seria assassinado pelo desafeto João Dantas o então governador paraibano João Pessoa, ao chegar, uma quadra adiante, à Confeitaria Glória, na esquina das ruas Nova e Palma. O Leite, instituição secular dos gourmands da metrópole fundada por Maurício de Nassau, pratica uma cozinha lusitana com naturais concessões afrancesadas na ementa, bem como às influências dos ingredientes e temperos nordestinos. Um sincretismo que se tornou fórmula de sucesso. A gloriosa história do decano dos restaurantes brasileiros mereceu um livro da jornalista pernambucana Goretti Soares, O Leite ao Sabor do Tempo, publicado em 2002 por ocasião do aniversário de 120 anos do estabelecimento — e ganhará agora uma segunda edição, organizada pela própria autora, atendendo encomenda do proprietário do estabelecimento, o beirão Arménio Ferreira Diogo, de 78 anos, nascido na localidade de Pinheiro de Lafões, freguesia do distrito de Viseu, Beira Interior, ao norte de Portugal. Ele está à frente do Leite desde 1953. “A alma do restaurante é o seu Armênio”, afirma Goretti Soares, acrescentando: “Ele mantém o Leite por amor e devoção.” A casa foi fundada por outro português originário das Beiras, Armando Manoel Leite de França, a quem se deve o nome do restaurante. Arménio Ferreira Diogo prepara as filhas para assumir o Leite, e, certa vez, disse a uma delas: “O Leite não está aqui para fazer dinheiro, e, sim, para fazer história”. Bem haja!

azulejos da fachada do Leite, na praça joaquim nabuco, no recife, foram restaurados durante a última reforma do restaurante. Também a calçada recebeu as pedras portuguesas.

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lares por aqui”, e da eliminação de alguns legumes e carnes — contudo, sem nunca perder de vista a “tentativa de obter refeição única” do cozido. Antes do Novo Mundo, portugueses já conheciam a experiência da interação, ainda que forçada, com outros povos. Os registros sobre a formação do país identificam a presença de fenícios, gregos, cartagineses, romanos, mouros, judeus e nórdicos. Aclimatar-se aos rigores de Notável salão do secular Tavares, um dos restaurantes mais antigos e nobres de trópicos dominados por índios exigia flexibilidade. Intoda a Europa. Fundado em 1784, à Rua da Misericórdia, ao Chiado, bairro central de Lisboa, o Tavares está presente em vários momentos da obra do escritor corporar ao cotidiano, simultaneamente, índios e negros português Eça de Queiroz (1845-1900). O restaurante do Chiado é conhecido, em escravizados, bania de vez qualquer desejo de ortodoxia Lisboa, como o Tavares Rico. E o Tavares Pobre é o Farta Brutos, à Rua da Espera, no Bairro Alto, tradicional reduto comunista. O escritor José Saramago foi Um de gastronômica. “Dentro da extrema especialização de seus ilustres clientes. escravos no serviço doméstico das casas-grandes, reservavam-se sempre dois, às vezes três, indivíduos aos Se pelos caminhos dos ingredientes mais popula- trabalhos de cozinha”, conta-nos Gilberto Freyre (1900res portugueses e brasileiros, em alguns pontos, se 1987), na monumental obra Casa Grande & Senzala, distanciaram, foram reservadas às técnicas de prepa- para logo a seguir apontar que “várias comidas porturo dos pratos, à capacidade de incorporação dos ele- guesas ou indígenas foram no Brasil modificadas pela mentos naturais de outros povos e, sobretudo, à for- condimentação ou pela técnica culinária do negro.” Vale citar também que o europeu não manifestou mação cultural semelhante a condição de elementos quaisquer pudores ao trazer espécies de plantas e de coesão luso-brasileira. Do modo lusitano de trabalhar os ingredientes animais de outros continentes para cá ou exportá-los surgiu a feijoada, “o primeiro prato brasileiro”, como para o seu, enriquecendo a cozinha da Metrópole com a diversidade presente no Impéclassifica Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), em Fronteiras das cozinhas de rio. Os fatos sugerem, portanto, uma integração gastronômica, História da Alimentação no Portugal e do Brasil são não apenas por conveniência, Brasil. “O cozido português por vontade própria. que originou a feijoada”, praticamente inexistentes masAlgo certamente faz um braacrescenta o antropólogo posileiro sentir como experiência tiguar, reúne “carne de vaca, fresca e seca, paio, salsicha, presunto, toucinho, lom- única estar em um tradicional restaurante lisboeta, bo de porco, couve, repolho, rábanos, cenouras, bata- como o Tavares, a escolher um prato entre os muitos de tas, nabos, vagens, abóbora, feijão-branco.” Cascudo uma ementa secular. Não será nunca experiência inuobserva que a reprodução do prato no Brasil ao longo sitada. Os ingredientes, o modo de preparo, os aromas, do tempo foi sendo modificada — caso da substituição o sabor sempre vão trazer a impressão de estar diante do feijão-branco pelo preto ou fradinho, mais “popu- de algo próximo, familiar, quase brasileiro.

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Muito além da salsicha e da salada de batatas Gastronomia alemã acima de tudo — como no hino por Evanildo Silveira

N Prussiano, como Frederico, O Grande, e o pai da moderna Filosofia, Immanuel Kant, o chanceler Otto von Bismarck (18151898), reunificou, em 1871, grande parte dos territórios da Alemanha de nossos dias. Primeiro Ministro do Império alemão, de 1862 a 1890, ele dá nome ao saboroso bife a Bismarck com dois ovos fritos servidos em cima da carne, que também conhecemos, no Brasil, como filé a cavalo. A Prússia de Bismarck, por ironia ou tragédia, hoje não faz mais parte da Alemanha. É um enclave russo nos bálticos desde o final da Segunda Guerra Mundial.

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atural de um distrito rural de um pequeno município do interior do Rio Grande do Sul, tenho entre as mais agradáveis lembranças de minha infância e adolescência os churrascos em família ou a campo aberto, nos torneios de futebol do nosso time ou nas quermesses da escola onde aprendi as primeiras letras. O espeto de carne assada no braseiro vinha sempre acompanhado de uma salada de batatas — o tubérculo cozido misturado com uma maionese caseira e ovos, também cozidos. Por muito tempo, para mim essa refeição era sinônimo de comida gaúcha. Só bem mais tarde aprendi que a salada de batatas é, na verdade, uma contribuição dos imigrantes alemães para a nossa gastronomia. Assim como as cucas que minha mãe fazia nos aniversários e festas de família — ou a qualquer pretexto ou sem razão nenhuma — e que eu também jurava que eram coisas de gaúcho. Hoje, sei que é de gaúcho, sim, porque foi incorporada ao cardápio dos pampas, mas que a origem está do outro lado do Atlântico. Há outros pratos, no entanto, sobre os quais poucos têm dúvida de que são tipicamente alemães, como joelho de porco, chucrute e salsicha, sem esquecer as bebidas, como por exemplo, a cerveja. O hino alemão tem uma estrofe que conclama o povo germânico com o brado “Deutschland übber alles”. Alemanha acima de tudo. O mesmo brado poderia ser adotado na gastronomia, Deutschküch übber alles. Cozinha alemã acima de tudo. Um pouco de história ajuda a entender a popularização da


Os imigrantes alemães foram os primeiros a chegar ao Brasil, em 1824, apenas dois anos depois da Independência. Eles tiveram como madrinha a Dª MARIA LEOPOLDINA DE ÁUSTRIA, NOSSA Imperatriz Dª Leopoldina (1797-1826), esposa de D. Pedro I, que pertencia à corte vienense e era protetora dos povos de língua alemã. As guerras napoleônicas, concluídas em 1808, destruíram o que restava do Sacro Império Romano Germânico e levaram à ruína milhões de alemães. Alguns deles vieram para as colônias no Rio Grande do Sul — enfrentando uma longa viagem, como se vê, acima, na tocante aquarela de Rita Bromberg Brugger. Descendente dos primeiros viajantes, ela é autora de Diário de um Imigrante, um relato da aventura dos pioneiros, publicado em 2000. Os alemães acabariam por transformar em paixão nacional a cerveja e a imprescindível salada de batatas que acompanha o churrasco.

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gastronomia alemã no Brasil, por onde se esFrancisco Krieger, um palhou principalmente dos proprietários do tradicional restaurante a partir da região Sul. alemão Windhuk, de São Em 2014, ano da Copa Paulo, é descendente de uma família alemã do Mundo no País, seradicada há mais de cem rão comemorados os anos em Santa Catarina. 190 anos da chegada dos O windhuk é uma das melhores opções da primeiros imigrantes da cozinha germânica em Alemanha ao território todo o Brasil. nacional. Desconsiderando desembarques mais conhecidos e apreisolados anteriores, ciados, que podem ser como o do astrônomo e degustados nos bons cosmógrafo Meister Johann, conhecido como Mestre João, da frota de Pe- restaurantes de cozinha germânica no Brasil, estão a dro Álvares Cabral, e a do escritor Hans Staden, no weisswurst (salsicha branca), o kassler (costeleta de século XVI, que foi aprisionado por índios no litoral porco), o eisben (joelho de porco), o mit rotkohl (marpaulis­ta, os alemães começaram a chegar ao Brasil reco assado) e a bockwurst (salsicha feita de vitela e em maior número a partir de meados do século XIX. de porco, servida com mostarda quente). Não faltam Estima-se que até a Segunda Guerra Mundial vieram doces e geléias. Dá água na boca só de imaginar soaproximadamente 300 mil. Dirigiram-se em maior bremesas como o apfelstrudel, uma tradicional torta folhada de maçã e que hoje número para o Rio Grande incorporou outras frutas. Há do Sul, Santa Catarina, ParaSão cinco milhões no ainda as cucas ou kuchen, ná, São Paulo, Rio de Janeiro uma espécie de bolo-pão com e Espírito Santo, em regiões Brasil de alemães e cobertura doce, que na minha de clima mais próximo ao que seus descendentes memória funciona como as estavam acostumados na Eumadeleines do escritor franropa. Hoje, os alemães no País cês Marcel Proust (1871-1922) somam cerca de 5 milhões, entre imigrantes e descendentes. A expansão das úl- — sem a pretensão de ter o mesmo talento, é claro, e a timas décadas deve-se principalmente à vinda de inú- käsetorte, uma torta de ricota. O catarinense Francisco Krieger, filho de imigranmeras indústrias alemãs. E a acordos firmados entre os dois países, que fizeram do Brasil um dos maiores tes, e proprietário, juntamente com o irmão Valfrido, do restaurante de comida alemã Windhuk, um dos parceiros comerciais da Alemanha. A gastronomia germânica no País é apreciada em mais tradicionais de São Paulo, fala um pouco sobre toda parte, porque muitos dos ingredientes são co- a origem histórica da gastronomia da terra dos pais muns às duas culturas. É o caso do porco e da batata — e avós. “Muitos dos pratos alemães nasceram da necampeões do consumo. Também o pão, a couve, a mos- cessidade de armazenamento de alimentos, principaltarda e o repolho, do qual se faz o famoso chucrute, mente por conta de épocas de baixa temperatura e de o sauerkraut, uma conserva fermentada da verdura. guerras”, ensina Krieger. “Daí é que vem a variedade De típico, eles ainda contribuíram para introduzir no de molhos, queijos, manteiga, pães, embutidos, conBrasil o gosto pelos embutidos, como as salsichas, as servas, patês e geléias, chegando a centenas de tipos mortadelas e os salsichões. Entre os pratos alemães diferentes.” Para acompanhar as refeições, a cerveja

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ainda é insubstituível. Considerada inicialmente um Rolff Stephan, um dos tripulantes do navio alemão verdadeiro alimento, a cerveja é parte da cultura ale- Windhuk, que dá nome à casa. A história conta que mã, integrando a própria refeição, e, ao contrário do a embarcação de passageiros fazia a rota Alemanhaque muita gente acredita, é servida quase sempre ge- -África do Sul, quando não pôde retornar à Europa, lada na Alemanha. Mas, como as garrafas são grandes devido ao início da Segunda Guerra Mundial. Depois e existem copos de até um litro, a bebida esquenta ra- de inúmeras tentativas de voltar para casa, a tripulapidamente e assim deixa a impressão de que é servida ção decidiu atracar, em 1939, no porto brasileiro de Santos, em São Paulo. O Brasil até então se mantinha em temperatura ambiente. neutro no conflito. Com a deForam os alemães que eleclaração de guerra de Getúlio varam a cerveja à condição Tripulação do navio Vargas à Alemanha e à Itália, de paixão nacional no Brasil. Que o digam os promotores da Windhuk ficou presa em em 1942, imigrantes dos dois países passaram a ter restriOktoberfest, em Blumenau, Pindamonhangaba ções no Brasil. Foram proibiSanta Catarina, que todos os dos jornais e escolas alemãs, e anos, desde 1976, abrem um clubes típicos tiveram de mulargo sorriso com a visita de milhares de turistas. Estiveram na cidade catarinense, dar de nome, como, por exemplo, o Germânia, que se em 2011, nada menos do que 560 mil turistas. A culi- tornou Pinheiros, em São Paulo. O mesmo aconteceu nária alemã, como não podia deixar de ser, tem uma aos italianos. A tripulação de cerca de 250 pessoas do Windhuk, presa no porto de Santos, seria enviada história ligada à do país e do povo. O ambiente e os sabores alemães podem ser apre- para um campo de concentração construído em Pinciados no restaurante dos irmãos Krieger, nascido damonhangaba, no Vale do Paraíba, e lá ficou até o como bar em 1948, no Bairro de Moema, na Zona Sul final da guerra, em 1945. Os alemães do Windhuk não chegaram a sofrer da capital paulista. O estabelecimento foi fundado por maus tratos no campo de concentração brasileiro e, quase todos, ao final do conflito, preferiram permanecer no País. “Somente um tripulante voltou para a Alemanha. Os demais ficaram e refizeram a vida por aqui”, recorda Krieger, concluindo: “Era muito difícil, naqueles primeiros anos do pós-guerra, com a Alemanha arrasada e com a dramática falta de emprego, alguém voltar para casa”. O restaurante que os tripulantes do Windhuk criaram no Bairro de Moema é, hoje, uma referência obrigatória da gastronomia alemã em todo o País. O Windhuk está quase sempre com a lotação esgotada. O restaurante, nos fins de semana, é frequentado por muitas famílias de origem germânica da capital paulista. E o atendimento, nesses momentos, é em língua alemã. Idioma que ainda hoje os descendentes dos primeiros imigrantes que Obra Konservenmacherinnen retrata, em 1879, alemãs aqui chegaram, em 1824, preservam em várias cidadurante o exaustivo trabalho em uma fábrica de conservas — um traço da industrialização acelerada da Alemanha des do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Como os após a unificação. O quadro é do pintor impressionista Max Krieger, do Windhuk, e os Wolffenbüttel, da família Liebermann (1847-1935). está em Leipzig, na antiga Alemanha oriental, no Museum der Bildenden Künste. do escritor gaúcho Fausto Wolff (1940-2008).

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O Mural, abaixo, elaborado pelo artista Ramón Sarabia, em 1968, para o tradicionalíssimo restaurante Los Caracoles, um dos mais antigos da Europa, especializado em frutos do mar e localizado no centro histórico de Barcelona. Fundado em 1835, no solar de número 14 da Carrer d’Escudellers, onde se encontra até hoje, em pleno coração do medieval Bairro Gótico da capital da Catalunha, é, possivelmente, um dos melhores endereços em toda a Espanha para degustar a paella — especialidade originada na vizinha Valencia, cidade dos Borgia, família de papas, e parte histórica dos Paisos Catalans. Imperdível a Paella Los Caracoles. O restaurante também é conhecido como Casa Bofarull, porque há cinco gerações a família Bofarull, retratada no mural de Sarabia, é proprietária de Los Caracoles.

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Caballeros, Paella para todos! Prato que une as Espanhas mesmo nas guerras civis por Pola Galé *

Rainha da Espanha que, no mesmo ano de 1492, expulsou os muçulmanos de Granada, último califado islâmico da Península Ibérica, e descobriu as Américas, Isabel I, La Católica, (1451-1504), acima, retratada numa obra de 1500 do pintor Juan de Flandes, amava as frutas. Austera e severa, casada com Fernando de Aragón, se alimentava quase sempre à base de frutas e, segundo os biógrafos, maravilhava-se, a cada regresso ao porto de Sevilha dos galeões de Cristóvão Colombo, que traziam espécies tropicais do Novo Mundo — como a goiaba, abacaxi, pinha e mamão. Foram os Reis Católicos, Isabel I e Fernando, que recuperaram a hegemonia da Europa cristã sobre os muçulmanos após a queda, em 1453, de Constantinopla, a atual Istambul, em poder islâmico.

* O jornalista Pola Galé foi Diretor de Jornalismo da TV Cultura, de São Paulo.

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o perfumar a cozinha com o cheiro de alho em azeite de oliva bem quente, pode ter certeza: você está diante de uma bela tradição herdada dos países do Mediterrâneo. Se o hábito é comum nos países europeus, na Espanha ele se transforma em ato obrigatório em todas as cozinhas da terra de Cervantes, Goya e Picasso. A crise econômica na Península Ibérica no final do século XIX fez com que muitas famílias espanholas viessem para a América na esperança de vida melhor. Desembarcaram no Brasil trazendo suas tradições na mala e na alma. Os primeiros registros da chegada dos imigrantes espanhóis no porto de Santos são de 1884. Estabeleceram-se em cidades como Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, mas vieram principalmente para o interior paulista na busca de trabalho nas lavouras de café. Levantamento de 1920 mostra que, dos 220 mil espanhóis no Brasil, 80% viviam em terras paulistas. A presença espanhola nestas terras é mais antiga. Padre Anchieta — o apóstolo do Brasil, fundador da cidade de São Paulo, por exemplo, era espanhol das Ilhas Canárias. E nosso país foi também colônia espanhola entre 1580 e 1640, durante a União Ibérica, quando a Coroa portuguesa esteve em poder dos reis de Castela — Filipe II, III e IV. Foi nesse período que os espanhóis fundaram, na Paraíba, a cidade da Filipéia de Nossa Senhora das Neves, em homenagem ao Rei Filipe II. A Filipéia passaria a se chamar Fredericstadt, Cidade Frederica, durante a ocupação holandesa, depois Cidade da Paraíba e, por fim, João Pessoa. No fluxo migratório do final do século XIX para o XX, a maioria dos espanhóis vinha do sul, da Andaluzia, e do extremo noroeste, da Galícia. Os primeiros se adaptavam melhor ao campo, enquanto os outros

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preferiam a cidade. A atividade urbana principal era o comércio de alimentos como chorizos caseiros, azeite, azeitonas e queijos. Em Salvador, nessa época, os armazéns de secos e molhados, padarias, confeitarias e bares ostentavam nomes como Pérez, Fernández, González. Em São Paulo e no Rio de Janeiro também era freqüente a presença de um espanhol atrás do balcão da mercearia. Entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, a imigração para cá ficou paralisada, porém foi retomada no pós-guerra e até o final dos anos 1950. As famílias que aqui chegavam traziam a devoção à boa comida e ao futebol. Sim, ao futebol, esporte que por ali sempre foi paixão nacional — juntamente com

Almoço de despedida de emigrante, em 1956, num fogar de Galegos, um lar, na Província de Pontevedra, retratado por Virxilio Vieitez (1930-2008). renomado fótografo galego, Nascido na mesma Pontevedra, em Soutelo de Montes, aldeia próxima à Província de Orense, Vieitez documentou, com rara sensibilidade, de 1955 a 1965, a trágica divisão das famílias galegas causada pela emigração. Veio de Pontevedra grande parte dos mozos da Galícia que embarcaram para Salvador, na Bahia, Montevidéu, Buenos Aires e Havana.



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as touradas. O Corinthians atraiu, em São Paulo, a simpatia da comunidade. Os imigrantes formaram em Santos o Espanha — atual Jabaquara. Os galegos, na Bahia, não deixaram por menos e fundaram o Galícia Esporte Clube, que chegou a ser chamado de Demolidor de Campeões. Não há outra explicação, senão a influência espanhola, para o grito que até hoje toma conta dos estádios quando um jogador dribla outro e a torcida se manifesta com um sonoro “Ooolééé”. Mas é o gosto pela comida que mais mostra a alma espanhola. Não é à toa que o país tem a mania nacional do tapeo, hábito unânime de beliscar tapas antes das refeições, ou seja, um tira-gosto para acompanhar a bebida, de preferência vinho. Visitar um amigo ou amiga, na Espanha, e recusar a comida oferecida é falta de educação. Comida, enfim, chega a ser o sentido da vida de muitos espanhóis. O movimento dos bares e restaurantes de Madri é prova incontestável. Como dizem por lá: de cada três euros que o madrilenho ganha, dois são para bares e restaurantes, e um para manter a casa. Vieram ao Brasil, na leva de imigrantes do pós-guerra, dois nomes que se transformaram em ilustres representantes da gastronomia espanhola — o andaluz Francisco Ríos Domínguez, toureiro fundador do restaurante Don Curro em 1958, e o galego Belarmino Iglesias, fundador do Rubaiyat há 52 anos, ambos em São Paulo. Belarmino especializou o restaurante para as carnes e já por muitos anos é considerado pelas revistas de gastronomia como a melhor churrascaria de São Paulo. Mesmo assim, os Iglesias não conseguem esquecer o paladar espanhol e gradualmente foram incluin-

Notável foto de um grupo folclórico de cantares e danças galegas na Bahia de 1953. Apresentavam-se em Salvador, aos domingos à tarde, na antiga sede do Centro Espanhol da Bahia, no Corredor da Vitória, após intermináveis almoços, nos quais não faltavam o vinho de Jerez, as empanadas e o cocido. Tocavam as tradicionais gaitas, herança celta, e bailavam muñeiras, primairmã do vira português, e a dança dos arcos. Aparecem, ao centro, à direita, o casal Maria Helena e Ramiro Castro Freaza, vindos de Pontevedra, e hoje bisavôs de vários baianos.

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do embutidos, Paella e pescados na ementa de seus restaurantes. O maior e mais requintado deles, o Figueira, se transformou em um cartão-postal culinário de São Paulo. O estabelecimento, montado embaixo de uma grande figueira, tem o DNA da Espanha. Peixes e frutos do mar são preparados na brasa, fornos especiais e a la plancha — na chapa. O pescado é hábito diário espanhol. Na Catalunha, País Basco, Andaluzia, Astúrias e Galícia, principalmente, fazem parte de receitas tradicionais como Pulpo a la Gallega, fritada de mexilhões, merluza ao molho verde, salmão a la ribereña, atum à moda basca, peixes grelhados, gambas y lagostines en la plancha, e, entre tantos outros, o célebre Bacalao Al Pil Pil — tradicional prato basco de Bilbao. Mesmo as cidades interioranas recebem diariamente o pescado do mar, uma frota de caminhões-frigorífico que tem prioridade nas estradas que cortam a Espanha. Mas nenhuma outra casa é tão entrañablemente espanhola como o Don Curro, que se tornou sinônimo de Paella na capital paulista. Quem administra hoje o restaurante são os filhos do fundador, Rafael e José Maria Domínguez. A Paella foi criada pelos camponeses de Valencia. O tacho largo, baixo e com alças, empresta o nome ao prato. A Paella, juntamente com o jamón, é a marca culinária espanhola mais difundida pelo mundo. E nasceu da necessidade. Os valencianos saíam para o trabalho no campo e levavam de casa azeite, arroz e sal. No campo, caçavam algo, como lebre ou perdiz, colhiam legumes e faziam uma fogueira. Misturavam tudo na paella e comiam ao redor da panela coletiva. Paella transformou-se de coletivo num prato festivo. E


A Paella é o único prato que uniu por séculos as diferentes preferências da Espanha — muitas vezes dividida em fratricidas guerras civis. O prato na versão original valenciana é a fusão de vários ingredientes. Arroz, açafrão, ervilha, porco, frango, camarão e outros frutos do mar.

é sempre o homem quem a prepara nas festas e reuni- como o jamón Ibérico alimentado com bellota, o Pata ões familiares. Surgiu daí a versão romântica da origem Negra, o melhor presunto cru do país. A abertura tamdo nome Paella, que seria a corruptela de para ella — o bém aumentou a oferta de vinhos da Rioja e da Ribera homem apaixonado cozinha para ela, a mulher amada. del Duero, embora os preços ainda assustem um pouEmbora nascida da rusticidade da vida no campo, co se comparados aos dos portugueses. Outro fato ima Paella se sofisticou. Passou a ter ingredientes do portante é que a cozinha espanhola ganhou destaque mar, outras carnes e verduras, ultrapassou os limites internacional nos últimos anos. Ferran Adrià revolude Valencia para se transformar num prato nacional cionou a gastronomia com suas espumas e esferas e extrapolar as fronteiras do país. Dizem os cozinhei- no El Bulli, ganhou todos os prêmios importantes do ros espanhóis que, em cada região do país, se faz uma mundo e transformou os chefs espanhóis em grandes Paella diferente. E cada cidacelebridades. Vieram, em conde tem uma à sua maneira. E seqüência, restaurantes com Em todas as regiões da cada casa tem seu jeito partinovidades, modernidades e cular de fazer o prato ao gosEspanha se faz um tipo adaptações a nossas matériasto da família. Os restaurantes -primas como o Eñe, do Rio de diferente de Paella espanhóis, no Brasil, também Janeiro e de São Paulo. preparam o prato cada um à Esperamos que o modismo sua moda, seja no Shirley, no estimule também a abertura de bairro carioca do Leme, na Taberna, do Centro Espa- novos restaurantes no Brasil com comida clássica esnhol da Bahia, em Salvador, ou no paulistano Don panhola, diversificada e, por que não?, simples e a preCurro. O certo é que a Paella é uma unanimidade na ços mais em conta. Que venham os cocidos madrileños Espanha, e mesmo quando o país esteve em guerra ci- (com grão-de-bico), os gazpachos (sopa fria à base de vil, nos anos 1930, o prato continuou sendo o símbolo tomate), os cochinillos (leitõezinhos de leite), as migas da gastronomia nacional de todos os espanhóis. de Aragón (pão duro em lascas umedecido, temperado Mas de um modo geral, os espanhóis e seus des- com azeite e alho) e Lacón con Grelos (pernil de porco cendentes brasileiros tiveram motivos para comemo- com um tipo de couve). Tudo isso seguindo ao pé da lerar a boa comida nos últimos anos. Alimentos mais tra o que se entende por gastronomia. A arte de transsofisticados começaram a chegar com a abertura das formar o ato de comer num momento de grande prazer. importações no início dos anos 1990. Teve-se, assim, É o que todas as mães e abuelas espanholas já fazem acesso mais fácil a ícones da culinária espanhola em suas casas em qualquer parte do mundo.

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Uma das mais famosas obras do irrequieto pósmodernista holandês, Vincent van Gogh (1853 – 1890), tem título comprido e completo. Chama-se O Terraço do Café, na Praça do Fórum, Arles, à Noite — reprodução ao lado. A tela foi concluída em setembro de 1888. Sete meses depois que Van Gogh trocou Paris por Arles, no sul da França, onde se deslumbrou com as cores do campo da Provence. O pintor holandês captou magicamente o espírito dos cafés franceses – marca de uma gastronomia requintada e que, após séculos de supremacia, continua a ser referência para a alta cozinha. De Berlim e Nova York a Londres e Milão. O café que inspirou o artista continua com as portas abertas e roteiro obrigatório para quem visita Arles. Chama-se agora, com justiça, Café Van Gogh. Desde os anos 1990 a fachada possui tons verdes e amarelos. Próximos às cores originais escolhidas por Van Gogh.

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Le Brésil uma obsessão francesa Paixão de Villegagnon aos chefs da nouvelle cuisine

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França foi o primeiro país a ter sua gastronomia declarada Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Apesar de o reconhecimento ser recente, essa arte pioneira é muito antiga, e começou a ser desenvolvida na Idade Média. Primeiro, veio a descoberta dos ingredientes e, depois, a sabedoria dos primeiros gourmands que identificaram as melhores maneiras de elaborar os pratos. Nos banquetes oferecidos a reis e rainhas, através dos séculos, muitos desses pratos passavam por testes decisivos, antes de chegar à mesa dos nobres. Depois, caíam no gosto popular. Uma das principais determinantes para a evolução sempre foi a natureza. As diversas regiões do território da França, das montanhas aos campos e ao litoral, reúnem tudo que é necessário para uma gastronomia extremamente rica, e até hoje qualquer uma das cozinhas francesas, seja a clássica, a regional, seja a nouvelle cuisine, encanta o mundo com a art de vivre. Inclui-se a admiração pela cultura francesa como uma das muitas marcas deixadas no Brasil pelos portugueses. Pode-se perceber em todas as áreas a influência dos franceses. Desde a chegada ao Rio de Janeiro da esquadra do Almirante Nicolas Durand de Villegagnon, que se estabeleceu em duas ilhas da Baía de Guanabara e na região da atual Praia do Flamengo. Uma

Nascido na ilha francesa da Córsega, vizinha à italiana Sardenha, Napoleão Bonaparte (1769-1821), filho de pais com ascendência da nobreza italiana, é considerado por muitos o maior personagem da História da França. Ele detestava o requinte da cozinha francesa e preferia a simplicidade da culinária peninsular — embora durante o período em que ocupou o Bel Paese os laticínios, como manteiga e creme de leite, passaram a ser usados como molho de massas, principalmente, ao Norte de Roma. Deve-se a Napoleão Bonaparte a criação da comida enlatada — invenção do francês Nicolas Appert, em 1808, para melhor transportar alimento para os soldados nos mais diferentes fronts. A invenção da comida em lata foi um sucesso, porém, não impediu a débâcle napoleônica na Rússia, em 1812, e, em 1815, em Waterloo, atual Bélgica, diante de ingleses e prussianos. E ainda por cima, por ironia, a inovação acabou por ser patenteada pela Inglaterra.

neste trabalho a jornalista • Ce olaborou chef de cozinha Camila Taquari.

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dador da pâtisserie Douce das ilhas tem hoje o nome France, ao chegar, ficou de Villegagnon e a outra é muito impressionado com a Ilha do Governador, onde o tamanho e o sabor dos se encontra o Aeroporto do maracujás. Com o cupuaGaleão. Fundaram uma coçu, recheia tortas, trufas e lônia, dedicada ao comércio faz um magnífico sorvete. e ao abrigo de protestantes, O encanto é semelhante que ficou conhecida como ao registrado, nos idos de França Antártica e durou de 1550, por Jean de Léry, que 1555 a 1560, quando foram elogiava inúmeros ingreexpulsos pelos portugueses. dientes, entre eles a taioMuitos viajantes gostaram ba, espécie de couve, com da experiência de se deliciar Célebre Froide d’Agneu, cordeiro frio, da glamurosa Brasserie Lipp, que ocupa o número 151 do Boulevard Saint-Germain dês Prés, na margem folhas largas, um dos atracom as novidades dos trópiesquerda do Rio Sena, defronte ao lendário Café Deux Magots. Fundada tivos da época, que teve a cos. Foi assim que começou pelo alsaciano Leonard Lipp, em 1880, freqüentaram a Brasserie Lipp escritores como Marcel Proust, André Gide, Antoine de Saint-Exupéry, chance de provar, como o cruzamento de culturas sopa, na Ilha de Villegagque se pode saborear até Albert Camus, Jean-Paul Sartre e André Malraux. non, então reduto francês. hoje. Frutas como o abacaxi Quando, em 1815, o Rio de Janeiro foi elevado a casurpreendiam os recém-chegados. André Thevét (15161590), no Singularidades da França Antártica, cita a pital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, fruta como “excepcionalmente boa de se comer, tan- já eram observadas na sociedade carioca os hábitos inspirados na elegância e bom to por sua doçura quanto por gosto franceses — cultivados seu sabor”. O caju, a fruta e a Troisgros e Suaudeau pela Rainha da França Catarina castanha, também agradava, de Medici, italiana de Florença, assim como a goiaba ou araçá trouxeram na bagagem responsável pela introdução brasileiro, o mamão, mangaba, umbu, a mandioca, batata- ensinamentos de mestres de boas maneiras e etiquetas à mesa, além do uso do garfo. Fo-doce, cará, taioba, as favas, ram então, sob inspiração franamendoim, abóbora, milho, palmito, pimentas nativas, entre carnes de caça e pei- cesa, inaugurados novos estabelecimentos comerciais de todos os gêneros: mercearias de secos e molhados, xes de água doce e salgada. Alguns desses ingredientes até hoje são os favo- as primeiras padarias, confeitarias e restaurantes. As ritos dos chefs franceses que chegaram ao Brasil nos confeitarias francesas e italianas serviam empadas reúltimos 30 anos e deram nova vida à gastronomia no cheadas de camarão, frango ou carne de porco, tortas, País. Claude Troisgros e Laurent Suaudeau, por exem- frango assado, doces e sorvetes. Também dispunham plo, trouxeram na bagagem, sólida formação técnica de serviço de buffet para festas e reuniões em casa. Fundou-se a primeira Escola Real de Ciências, clássica e ensinamentos de seus mestres. A paixão por mandioquinha, mandioca, jabuticaba, maracujá, Artes e Ofícios do Brasil. Destacava-se a presença cajá, banana e palmito é um traço comum entre esses de um grande artista francês, o pintor Jean-Baptiste profissionais, que aqui lançaram um novo conceito de Debret (1768-1848), que registrou algumas das mais cozinhar, preferindo os produtos frescos e da estação. importantes imagens do cotidiano no Brasil colonial. Pode-se dizer que foram os precursores da valorização Inspirado nos losangos dos regimentos bonapartisda cozinha nacional. O pâtissier Fabrice Le Nud, fun- tas, Debret desenhou a primeira bandeira brasileira e

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a coloriu com o verde da Casa de Bragança, uma homenagem ao Imperador D. Pedro I (1798-1834), e, o amarelo dos Habsburgo, em reverência à austríaca Imperatriz D. Leopoldina. Ao contrário do que muitas escolas ensinam hoje às crianças, o verde empregado por Debret não representaria as riquezas de nossas matas, e nem o amarelo, os tesouros minerais do Brasil. Desde os anos 1980 trabalhando no Brasil, o chef francês Mas essa não foi a única influência francesa sobre Emmanuel Bassoleil, incorporou às criações vários ingredientes da cozinha do país. mas acha que a culinária francesa não o pendão nacional. Com a Proclamação da Repúbliprecisa acompanhar a modernidade. ca, foi a vez do positivismo de Augusto Comte (17981857) acrescentar à nossa bandeira a frase “Ordem e levards, na margem direita do Sena, e construindo a célebre L’Opéra da capital francesa. Nesse cenário de Progresso”. Com a ascensão de uma classe média, a partir do desenvolvimento, as elites carioca e paulista, enriSegundo Reinado, o Rio de Janeiro viu seus comer- quecidas pelo café, promoveram a publicação de uma ciantes aderirem à cultura da França, vestindo-se e literatura culinária, que privilegiava receitas com degustando cardápios à moda francesa. Nos menus os maionese, suflês, molho béchamel, filet mignon, cassoulets, potages (sopas), e, restaurantes apresentavam entre os doces, bavaroises os pratos em língua francede frutas e savarin. sa: Badejo à la Brezilienne, Pereira Passos espelhou-se Misturando ingredienAsperges Sauce Mousseline tes locais, os chefs inovae Dinde Farci, além dos paem Haussmann para criar ram com purês e gratins de tês e sortidas sobremesas, a Belle Époque carioca mandioquinha, jabuticaba dessert assorti. Eram muicom foie gras, peixes ao to consumidos os vinhos molho de maracujá ou com franceses como Sauterne, Bordeaux e o próprio Champagne. Entre 1880 e 1920, banana grelhada. Maravilhas da cozinha contempoo Rio de Janeiro conheceu o ápice da cultura france- rânea. O festejado chef Emmanuel Bassoleil, instalasa com a Belle Époque. O prefeito Francisco Pereira do no Brasil desde a década de 1980, defende que a Passos (1836-1913) espelhou-se no seu colega francês cozinha francesa não precisa acompanhar a moderBarão Georges-Eugène Haussmann (1809-1891), o ar- nidade, pois foi sempre a base para outras vanguarquiteto que revolucionou Paris, quando prefeito, na das gastronômicas. Impossível não se perfilar diante segunda metade do século XIX, abrindo grandes bou- da mesa francesa.

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As ostras quentes do chef Peyrot Uma refeição inesquecível no parisiense Le Vivarois por MARIO DE ALMEIDA Comentarista da Rede Gazeta de Televisão, o jornalista Mario de Almeida foi Vice-Presidente, Diretor de Redação e correspondente em Paris da Gazeta Mercantil. Também dirigiu as revistas Istoé e Gourmet. foi editor de Veja.

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o outono de 1981, Le Vivarois resplandecia de novo. Esse restaurante parisiense, indecifrável na forma, decorado em metal, mármore e essências de madeira clara, tinha como dono e chef uma figura muito especial: Claude Peyrot, que vagava entre seus fogões e clínicas de repouso psiquiátrico, mas era o favorito dentre todos os demais chefs de cozinha estrelados de Paris. Seu talento criador e uma capacidade de execução sem par fizeram-no um dos grandes do século passado — desde que estivesse de bem com a vida. Era o caso naquela tarde ainda cálida, quando este jornalista levou dois colegas, especialistas mais consagrados e exigentes, para o que deveria ser uma seção de taxonomia culinária e acabou em uma experiência memorável. Naquela beirada do Bois de Boulogne, quando a Avenida Victor Hugo se desvencilha das grandes fachadas coloridas

das grifes e vira um canto residencial — muito caro e meio chato —, podia-se comer algo que estava bem acima da cuisine bourgeoise, como os franceses batizam o trivial fino criado no século XIX por suas tataravós, mas que também não pode ser classificado hoje como nouvelle cuisine. Chama-se isso fusion. Fala-se que foi inventada na Califórnia, mas Claude Peyrot é o seu verdadeiro criador — e, por isso, tantos cozinheiros estrelados iam ao Vivarois, madrugada adentro, para festejar Peyrot depois de fecharem suas casas. O salão claro e envidraçado da Victor Hugo era defendido por Jacqueline, mulher do patrão, muito simpática e competente a receber a clientela, entre meias explicações sobre o humor do chef, que raramente subia de sua cozinha no subsolo. Mas na visita inesquecível foi Claude que oficiava soberano. Estava no auge, tinha notas altíssimas e recendia confiança. Dava-se a provas cada vez que um garfo subia do prato à boca. Tinha gênio, inclusive na instabilidade. O restaurante, por exemplo, nunca trabalhou aos sábados e domingos porque o homem gostava de passar o fim de semana com a família. A carta do Vivarois era curta e incompleta. As sugestões eram recitadas pelo maître d’hôtel. Mas o melhor era só para iniciados. O que era o nosso caso, pois o franco francês andava fraquíssimo e o menu do almoço, a 185 francos sem vinho, equivalia a 25 dólares. Tratava-se, portanto, de ir direto ao ponto. Claude Peyrot é o inventor das ostras mornas sobre um leito de espinafre, servidas individualmente sobre a concha, sob um lençol

A carta do Vivarois era curta, incompleta, e as sugestões vinham do maître

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A França é um dos maiores produtores e consumidores de ostras. Também outros países da Europa, como Portugal, Espanha, Bélgica e Holanda, cultivam os caprichosos moluscos. Cananéia, no litoral sul de São Paulo, e Florianópolis, capital de Santa Catarina, são produtores de ostras no Brasil. Existe até um roteiro turístico em Florianópolis, Caminho das Ostras, na freguesia de Ribeirão da Ilha.

de especiarias e curry. Isso figura nesses tempos em milhares de cardápios e pode ser encomendado em quase todas as línguas. Essa era, pois, a entrada obrigatória dos conhecedores e freqüentadores habituais. Ostras da Bretanha, gordas pela estação, de preferência belons número 2. O vinho: Mersault les Genevrires-dessus 1970. Aguardávamos aquelas ostras discutindo exatamente sobre a clarividência de pedir Mersault, quando a pequena procissão de garçons e de comis surgiu com os pratos debaixo daquelas tampas prateadas, os cloches. Foi quando se descobriu que nosso chef dos fogões gauleses estava em dia de gala. Para começar, eram nove em cada porção. Ora, pratos com nove ostras, em Paris, sabe-se há gerações, só no Prunier, e frescas. Além disso, havia naquele reluzente disco de faiança branca até mais execução do que criação. Bichos supimpas, perfumados ao cardamomo, noz-moscada e um fio de curry para acender papilas gustativas sem derrubar a percepção do vinho. Os espinafres, como se cada folha tivesse merecido andar sozinha à caçarola, presa a uma pinça, para 15 segundos de imersão, tinham gosto e aroma intactos. Serviço de restaurante em Paris é coisa séria. Obcecado pelos detalhes, chef Peyrot fez da sua brigada um modelo de precisão. Executada a entrada, comis precisos recolhiam despojos e detritos enquanto a procissão reaparecia, desta

vez com a segunda pedida, também ausente do cardápio: Coq au Vin de Pommard. Pode parecer exagero, e é mesmo: o galo de monsieur Peyrot é diferente de tudo. Para começar, os vinhos de Pommard têm aquela cor profunda de terra, e, no entanto, aquele galo tinha carnes visíveis e consistentes — da cor que devem ser as carnes de aves. Nada de tonalidades escuras. Coq au Vin é prato caipira, legítimo plat canaille, como os franceses chamam carinhosamente a mesa popular, com suas receitas de miúdos, conservas e cozidos. Pois a bela arte de Claude Peyrot transformou a mesa do povo numa festa de modernidade. Desossada, bem apresentada, a ave estava acompanhada de minúscula e perfumada mousse de azedinha. O conjunto, por recomendação do sommelier, ficou ainda melhor na presença de um tinto potente, que então apenas desbravava alguns endereços parisienses e custava, na mesa, menos de 200 francos (30 dólares): Côte-Rôtie, exemplar capitoso e particularíssimo da vizinhança do Châteauneuf-du-Pape, mistura de uvas Syrah com 20% de brancas Viognier no começo da fermentação para quebrar o teor alcoólico.

Coq au Vin é prato caipira, legítimo plat canaille, como os franceses chamam

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Grandes redes de um cardápio universal Marcas mostram diversidade da gastronomia no País por Luiz Voltolini

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lgumas conquistas do século XX fo- seduzida por bossa nova e rock’n roll. O Bob’s ram determinantes para chegarmos populariza o cachorro-quente, o hambúrguer, ao perfil atual do mercado de alimen- o milk-shake e o sundae. A mesma Copacabatação fora do lar. Destaque para a melhora na recebe, em 1979, a primeira unidade do dos padrões de higiene na manipulação dos McDonald’s do País. A rede chegou, em alingredientes e preparação dos pratos, a frag- guns anos da década passada, a ser o maior mentação e automatização dos processos empregador privado no Brasil, superando a produtivos, a segmentação dos mercados e, Volkswagen. claro, o surgimento das A entrada maciça de grandes redes de varejo. empresários brasileiFalkenburg inovou, em O início da história das ros no segmento se dá 1951, a produção de redes, no Brasil, coube a nos anos 1980 e 1990, sorvete no Rio de Janeiro um americano – Robert dando origem a marcas Falkenburg, hoje com 85 célebres, como Amerianos, tenista vencedor do Torneio Wimble- ca, Gendai e Ráscal. Outro fenômeno, nesse don dos anos de 1948 e 1949. A Falkenburg período, se sucede no mercado interno. ResSorvetes inovava, em 1951, ao produzir com taurantes já consagrados iniciam ousados máquinas as massas geladas feitas a partir projetos de expansão, que, mais tarde, os de receitas importadas dos Estados Unidos. alçariam à condição de rede — caminho perO empreendedor, em 1952, muda o nome corrido com sucesso pelo Almanara e Graal. do estabelecimento para Bob’s e abre uma Os muitos elementos que constituíram as unidade na mítica Copacabana, àquele ins- redes nacionais estão nas histórias desses tante cenário preferido da juventude carioca cinco campeões.

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decisão de manter em atividade o estabelecimento da Rua Basílio da Gama, no centro de São Paulo, certamente foi recompensadora para a família Coury, fundadora da rede Almanara. Os duros primeiros anos paulistanos, semelhantes aos de tantos outros imigrantes vindos do Líbano, a partir do final do século XIX, foram Os quatro filhos de Zuhair Coury comandam atucoroados pela transferência, em 1952, do restaurante para o novo endereço, àquela época um ponto nobre almente o negócio iniciado pelo pai. Ele se lançou no da cidade, a poucos metros da Praça da República e empreendimento, em 1950, em um ponto comercial da da Avenida São Luís, a poucos outros de onde come- Rua 25 de Março, originalmente movido pela idéia de çaria a ser erguido, nos anos seguintes, o que viria a atender com as preciosas receitas trazidas do Líbano ser dois dos símbolos da maior metrópole ao sul das pela mãe os imigrantes do País dos Cedros, além de sírios, armênios e povos de outras nacionalidades do Américas — os edifícios Itália e Copan. Foi um sucesso e deu fôlego à empresa. Novas uni- Oriente Médio. As iguarias da família Coury fizeram, de fato, muidades foram abertas, anos mais tarde, em shoppings to sucesso junto às comue bairros ascendentes da nidades de imigrantes, no Capital e da Grande São entanto, foi a procura de Paulo, além de uma ouRestaurante apresentou brasileiros por aqueles tra loja em Campinas, no o Quibe Cru ao grande sabores, então ainda pouinterior do Estado. O conco conhecidos, que levou sumo médio do cliente do público de São Paulo o restaurante a um novo Almanara hoje é em torno patamar no cenário gasde R$ 40 numa rede fortronômico paulistano. É mada por dez restaurantes que oferece a tradicional comida libanesa — com atribuída ao Almanara a popularização entre eles de algumas concessões ao paladar local. O Almanara foi um dos pratos símbolos da culinária libanesa — o Quieleito, em 2011, pelos próprios clientes, pela terceira be Cru. Claro, para viabilizar o prato, os cozinheiros vez consecutiva, o melhor restaurante do que se con- do restaurante substituíram a carne do carneiro, mais vencionou chamar de comida “árabe”, de acordo com cara e difícil de encontrar, pela bovina, há séculos poo Instituto Datafolha. Há ainda o Almanara Delivery pularíssima por aqui. Do restaurante original da Basílio da Gama muito que já responde por, aproximadamente, 30% do fatuficou. Lá estão, recém-restaurados, o espelho jateado ramento da rede. A prosperidade nos negócios não fez os Coury do modernista italiano Vitorio Gobbis, o painel a óleo mudarem a gestão familiar. Nem centralizarem a co- do também italiano Tulio Costa Giovaneieli, além do zinha, garantindo, assim, ao cliente pratos prepara- salão principal art déco. À cidade só coube recompendos na hora e com ingredientes sempre frescos. Cada sar tamanho cuidado. As instalações do restaurante unidade da rede tem relativa autonomia operacional inaugural do Almanara são hoje oficialmente patrie mantém, como elemento de coesão, um ligeiro inti- mônio histórico de São Paulo. mismo presente no design interior.

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Nove de Julho, Avenida Paulista e nos shoppings Anália Franco, Bourboun, Center Norte, Eldorado, Higienópolis, Iguatemi, Jardim Sul, Morumbi e Villa-Lobos. Atendem mais de 250 mil pessoas por mês. O America conta utro bom exemplo do empreendedorismo com um quadro de mil funcionários. A rede oferece ampla variedade de opções: burgers, é a rede Restaurante America, que continua 100% paulistana. Os fundadores Helio sanduíches, massas, grelhados, acompanhamentos, Mattar, Artur Guimarães e sua esposa Ma- saladas, sobremesas, sorvetes, frozen yogurt, além ria Helena, Luis Guelpi e Paulo Maluhy são paulistas de um vasto buffet de saladas, servido diariamente e a rede não existe fora da Grande São Paulo. Quando na hora do almoço. Sempre atento às tendências e noabriu suas portas pela primeira vez em dezembro de vidades do setor, o cardápio do America está sempre 1985, o America alterou definitivamente os hábitos em renovação. A maioria das receitas é desenvolvida pelo chef Marcelo Favaro em parceria com a equipe de desenvolvimento de produtos. Nem todas são genuinamente brasileiras. Algumas são tradicionais americanas, como a receita do Devil’s Food Cake. Mesmo a do Frozen Yogurt America, que, embora seja exclusiva, é baseada na clássica receita original do produto. As crianças também recebem atenção especial no da gastronomia paulistana. A empresa nasceu e foi planejada para ser uma rede de restaurantes. A inspi- America. A garotada encontra cardápio kids, toalhas ração para a criação do America veio dos diners ame- de papel com jogos e histórias em quadrinhos, giz de ricanos, trazendo à cena um novo conceito em restau- cera, brindes exclusivos do Fogofino, além do cantinho da leitura — uma estante recheada de livros para rantes, o casual dinner. A inovação completou 26 anos no ano passado, ofe- que se entretenham lendo enquanto os adultos terminam sua refeição. recendo qualidade nas reAlém de fornecer refeiceitas e produtos, servidos ção de qualidade, o America com uma decoração desconO frozen yogurt servido acredita que pode contritraída, aconchegante e mopela rede é baseado na buir para a melhora do bemderna. Atendimento cordial e rápido num ambiente com clássica receita americana -estar da população. Desde novembro de 2001, particimuita higiene. Esses ingrepa do Projeto Mesa Brasil, dientes compõem a receita doando o excedente de alide sucesso do America e representam os elementos de uma filosofia única, que mentos não processados para o projeto do Sesc, que norteia o funcionamento da rede desde a fundação, de- distribui os alimentos para instituições que auxiliam monstrando preocupação com a satisfação do freguês. pessoas carentes. A missão da rede é oferecer um serviço com excelência de qualidade em refeições fora de casa, satisfazendo e encantando clientes e funcionários. O America tem, hoje, 14 lojas na Grande São Paulo, localizadas na Alameda Santos, Alphaville, Moema,

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surgimento do Gendai marcou uma inflexão no mercado paulistano de restaurantes de comida japonesa, marcadamente concentrado, no início dos anos 1990, no nipônico Bairro da Liberdade, em São Paulo, e detentor de um perfil de atendimento que exigia dos clientes mais tempo para realizar a refeição, quando comparado à média dos dias atuais, e que emulava nos modos, trajes e estética o Japão tradicional. A idéia inicial era simples — criar uma loja para o já estava um passo a frente. Os sócios Sadaki e Shiba público leigo de produtos e utensílios típicos da culi- costuraram um acordo e, em 2007, efetuaram a fusão nária japonesa em um ponto comercial fora do conhe- das duas empresas, a primeira do tipo entre redes de cido núcleo da comunidade na região central. Meta franchising do País. O faturamento conjunto de R$ 80 realizada com sucesso. A unidade de estréia no Shop- milhões garantiu o ganho de escala, e a conseqüente -ping Morumbi rapidamente mostrou viabilidade fi- redução de custo, para ambas as companhias enfrentananceira, o que estimulou o quarteto de empresários, rem os concorrentes, que esta altura também inovavam liderados por Carlos Sadaki e Robinson Shiba, funda- ao lançar as temakerias e restaurantes que fundiam no cardápio a gastronomia dor da rede China in Box, a nipônica e chinesa. lançar, apenas dois anos dePreservada a marca no pois, em 1994, desta vez um O japonês que conquistou acordo de fusão, dada a boa restaurante, sob a mesma com qualidade as praças receptividade junto aos emmarca, no mesmo shopping. preendedores no segmenNovamente o negócio de alimentação do País to de franquias, o Gendai mostrava-se um contraponalcançou o número de 44 to ao que existia no mercaunidades, no ano de 2011, do de então. As premissas do restaurante reuniam a praticidade da cozinha in- divididas em seis Estados, mais o Distrito Federal, dustrial, preços mais baixos e rápido atendimento. tornando-se a maior rede do segmento no Brasil. PerSeguiram-se novas inaugurações, nos dois anos se- tencem ainda ao grupo as marcas Domburi, também guintes, em outros shoppings paulistanos da agora especializada em comida japonesa, e Owan, cuja prorede Gendai. A empresa adotou como estratégia de ex- posta reúne em um único cardápio opções diversas pansão, ainda em 1996, o sistema de franquia e, nos das gastronomias tailandesa e chinesa, além da nipôdez anos que se seguiram, alcançou outros Estados. nica. Ambos os restaurantes atuam no segmento de Chegou a enfrentar, em dado momento, problemas fast-food. A fórmula empresarial de sucesso da dupla de despara contratar mão-de-obra especializada. A alternativa foi treinar por conta própria sushismen. O expe- cendentes de japoneses e outros sócios, literalmente, diente gerou uma situação incomum. Os clientes da estava escrita. O nome Gendai, sugestão dos pais de marca passaram a ver, por trás dos balcões, rostos das Sadaki, vertido para o português, corresponde a “temmais variadas etnias produzindo as especialidades pos modernos” — tempos nossos também carentes da milenar cozinha japonesa compatível com a pressa criadas pelo Império do Sol. O sucesso estimulou a concorrência, que procu- dos ponteiros do relógio. rou reproduzir o modelo, mas a essa altura o Gendai

Gendai

GOURMET

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negócio

O NYC — New York Company, presente em toda a rede Graal, oferece aos viajantes o sabor especial inspirado nos melhores sanduíches de Nova York. A Graato Sanduíches é a marca da Graal para a lanchonete especializada em sanduíches tradicionais. Exemplos: americano com carne ou presunto, bauru, calabresa, churrasquinho com ou sem queijo, queijo quente, pão com manteiga na chapa, misto-quente ou frio, mortadela no pão francês. A Route Café é a marca própria da carede Graal surgiu em 1974, tendo como feteria da Graal. Uma verdadeira griffe em café. Grãos foco o público das estradas. Os empresá- selecionados produzindo um café de ótima qualidade, rios Manuel Alves e Antonio Eduardo Ro- que pode ser acompanhado por uma linha própria de cha Alves, irmãos e fundadores da rede, produtos: bolos, tortas, doces e salgados, frappés, chás começaram a investir no setor de combustíveis na diversos e cappuccino. A Graal oferece alto padrão em cidade de Registro, no Vale do Ribeira, São Paulo, ao café, num ambiente agradável e aconchegante. No restaurante Via Grill, além de todas as opções comprarem o primeiro posto de serviços. de alimentação nos postos Durante homenagem da rede Graal, não poderia prestada pela Câmara de faltar a churrascaria. O que Santa Cruz do Rio Pardo, Portugueses criaram nas seria da estrada sem churrealizada no Icaiçara Clube, estradas uma paradinha rasco? No Via Grill o clienquando receberam o título te encontra o requinte dos de cidadania, em maio de obrigatória para comer melhores restaurantes com 2009, Manuel Alves explia qualidade das carnes nocou que o nome Graal não bres e cortes especiais das foi escolhido apenas por inspiração religiosa. Graal é o nome dado ao cálice mais renomadas churrascarias. Um cardápio especíusado por Jesus Cristo. Manuel Alves conta que, se- fico e diferenciado: carnes grelhadas, rodízio ou à la gundo a lenda, o graal era um cálice cravejado com carte, além do buffet self-service por quilo com grande pedras preciosas. E como tudo aquilo que ele e seu ir- variedade de saladas e sobremesas. A Graal faz questão de ressaltar que na Bella Farimão conquistaram é sempre muito precioso, seja pelo trabalho ou pela vontade, então, decidiram batizar a nha, marca das padarias da rede, a farinha faz a diferença. De qualidade incomparável, é a base de todos rede com o nome de Graal. Os irmãos Alves, naturais de Portugal, estão no os produtos: baguettes, croissants, pães e frios, pão Brasil há cerca de 50 anos. Eles administram, por sovado, doces, bolos caseiros e outras delícias sempre meio da rede Graal, mais de 40 postos de serviços quentinhas e fresquinhas. Preparados por padeiros localizados nas estradas dos principais Estados bra- altamente qualificados. sileiros, onde mantêm o restaurante Via Grill, a lanchonete Graato Sanduíches, o Route Café, o NYC, que oferece sanduíches com receitas de Nova York e a padaria Bella Farinha.

A

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Graal


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A gestão do Ráscal é centralizada e há uma equiinspiração da rede Ráscal vem de um grande espaço para alimentação que Roberto pe de dez sócios — também funcionários da empresa. Bielawski e Liane Ralston conheceram na Tanto as unidades de São Paulo, como as do Rio de Alemanha e no Canadá. Em uma viagem Janeiro, possuem as mesmas receitas, o que muda é a Berlim, Liane conheceu o restaurante Marché, que a freqüência com que aparecem no cardápio rotativo. era uma enorme praça abrigada com várias ilhas que Cada loja tem gerente geral e gerente sênior, que são serviam diferentes opções de comidas. Alguns meses supervisionados pelo Departamento de Operações, o depois, viajando juntos a Toronto, Roberto e Liane co- qual se reporta diretamente à Diretoria. Os pratos mais tradicionais do Ráscal são o Polpetnheceram a versão canadense do Marché, bem mais sofisticada que a de Berlim. Foi em Toronto que decidi- tone, Ravioli Ráscal, Fettuccine all’Alfredo e Atum com ram adaptar o projeto para o Brasil, num formato dife- Gergelim, além da famosa Torta de Maçã. Os clientes desfrutam, no buffet, de uma coleção de azeites de oliva rente do canadense. Quando o Ráscal foi inaugurado, em 1994, a intenção do casal Roberto e Liane, era servir opções de massas, saladas e pizzas em um ambiente que proporcionasse interação entre clientes e cozinheiros, onde comer fosse uma experiência agradável e aconchegante. Até hoje essa é a base do Ráscal. Quem conhece uma das nove unidades percebe a inspiração. As mesas estão espalhadas entre a ilha de massas, o forno a lenha de diferentes procedências — Portugal, Espanha, Itália, e a cozinha aparente. No Ráscal Itaim, Market Place, Chile, Argentina e Grécia. Uma das preocupações da rede está em adquirir azeiHigienópolis, Casa Shopping, Rio Sul e Leblon, é possível ainda ver os cozinheiros preparando as massas e as tes de marcas confiáveis e das melhores que existem no sobremesas. Passados 16 anos, a rede atende por mês mercado. Manter a diversidade tem uma razão especial: em torno de 180 mil clientes servindo 160 mil buffets. proporcionar aos clientes a oportunidade de degustar Só para citar um exemplo da grandiosidade, o Rás- azeites de diversas regiões, com a possibilidade de comcal compra mensalmente aproximadamente 21,7 mil pará-los entre si. A sugestão da rede é que o cliente selequilos de laranja, 40,5 mil cubos de gelo e 29 mil quilos cione mais de um tipo de azeite, coloque no prato e prove, de tomate. As receitas da rede são inspiradas no sa- como entrada, com um pão quentinho. Uma dica é provar o azeite feito da azeitona arbebor mediterrâneo. Elas são quina espanhola e, depois, o elaboradas por uma conQuando o melhor de tudo azeite italiano: uma verdadeisultora gastronômica que, ra viagem pelos sabores. diariamente, testa novas está nos buffets de saladas O Ráscal consegue ofereceitas ou busca formas e nos pratos quentes recer, no buffet de saladas, de melhorar as já existensem perder nunca o preciotes. Um dos principais objesismo das receitas origitivos é surpreender a clientela com novos pratos e garantir sempre o que há de nais, um refinado Cuscuz Sírio e um autêntico Risotto ai Funghi. Ou um Quibe Cru bovino e um Ceviche de melhor num mercado em constante mudança. Os chefs supervisores são todos formados no Ráscal peixe, inspirado na versão peruana. Imperdíveis são e têm em média dez anos de casa. Eles são responsáveis o magnífico grão-de-bico com coalhada seca e os ovos por inserir as receitas nas unidades e atuam juntamen- cozidos de gemas moles e aromatizados com truffa. É te com os cozinheiros para garantir que os clientes en- para tirar qualquer um do sério. contrem a cada visita o mais alto padrão de qualidade.

Ráscal

GOURMET

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turismo

Glamour volta aos hotéis pelo talento dos chefs Restaurantes tornam-se referência de requinte nas grandes redes como nos anos dourados por Fábio Caldeira Ferraz

A Espanha de hoje

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Tivoli

Tivoli São Paulo — Mofarrej cedeu à gastronomia sua parte mais nobre — a cobertura. Do arranha-céu da Alameda Santos, no 23º andar, o restaurante Arola Vintetres é um observatório equipado com cozinha. Daqui, as estrelas e os prédios da capital paulista são uma só constelação. Já à mesa são as duas estrelas Guide Michelin do chef Sergi Arola a iluminar o paladar dos clientes. Nesse espaço reservado à contemplação e à leitura atual da típica cozinha espanhola, beleza e sofisticação arquitetônicas, cedem lugar à simplicidade dos modos. AROLA VINTETRES proporciona em São Paulo ambiente reservado e deslumbra os olhos e o paladar . Nada de cotas individuais em pratos. As iguarias são dispostas em travessas no centro das me- tropicalizar platillos, pasteles e cocas. Após quase sas. Ao servir-se, o gourmand é convidado à interação dois anos de convívio com Sergi, em Madri, o paulismais informal com os comensais, algo mais à brasileira. tano foi escolhido como o representante do Arola GasO próprio cardápio incorpora às receitas do premiado tro, em São Paulo. chef espanhol os elementos nacionais, uma maneira, Hóspedes ou não do Tivoli têm, no Arola Vintetres, um segundo Arola, de evitar custos com importações e de ambiente reservado e tranqüilo, até mesmo distante da garantir a Fábio Andrade a margem necessária para cidade vertiginosa que assistem se acalmar noite adentro, em meio a vinos e tapas. Não se vive uma noite comum aqui.

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Fasano

Le Bristol

ATMOSFERA SÓBRIA E TRAÇO SIMÉTRICO DA DECORAÇÃO INSPIRAM CONVIVAS.

Um clássico italiano

C

om o restaurante Fasano ocorreu o exato oposto dos hotéis de luxo de São Paulo. Em vez de investir em um espaço gastronômico interno à altura do estabelecimento, a empresa fundada, em 1902, pelo patriarca milanês Vittorio Fasano construiu a partir da consagrada gastronomia um hotel à sua altura. A aposta deu certo. Hoje, o Grupo Fasano compreende os hotéis Fasano e Fasano Boa Vista, ambos em São Paulo, Fasano Rio de Janeiro e, o mais recente, o Fasano Punta del Este, no Uruguai. O restaurante liderado pelo chef Salvatore Loi executa, no térreo do Fasano São Paulo, com toque contemporâneo, a cozinha italiana ou, como ensina, as cozinhas italianas. O menu da casa está dividido em quatro grupos — Capri, Piemonte, Sicília, Al Mare e Umbria —, cada qual subdividido em aperitivo e quatro pratos. O Fasano é a prova de que o clássico realizado com maestria permanece como umas das melhores receitas de sucesso.

Jardim de magnólias, o maior dos Hotéis de Paris, visto do restaurante de verão.

Eternamente francês

Ú

nico hotel do mundo a ter à frente do restaurante um chef com três estrelas do Michelin, o Hotel Le Bristol Paris desenvolveu um perfil tão singular que é impossível compará-lo aos demais. A obsessão pela excelência faz o hotel manter dois salões para o celebrado restaurante — um de inverno, outro de verão. O primeiro funciona de maio a setembro, o outro de outubro a abril. No menu, o tradicional da cozinha francesa, com o resgate de pratos e ingredientes que sucumbiram aos modismos. Ao citar as honrarias do “guia vermelho” do Michelin, é sempre bom esclarecer que as estrelas pertencem ao chef, não ao restaurante. O profissional estrelado carrega-as consigo ao se mudar de estabelecimento. Contudo, no caso de Le Bristol, as três estrelas concedidas ao francês Eric Frechon, aconteceram exatamente quando o chef se transferiu para o hotel — um delicioso paradoxo.


última página

capa desta

O homem é o que come

edição de Gourmet Internacional é uma obra do artista

fabio mariano, inspirado nos navios que trouxeram da Europa e da Ásia milhões de imigrantes que revolucionaram a gastronomia

C

hurrascarias apresentam no cardápio, especialmente nos buffets de salada, o melhor resumo do que se transformou a cozinha do Brasil depois de quase dois séculos de influência de gastronomia de todos os continentes. Inclusive dos Estados Unidos, de onde vieram dois dos itens dos fast-foods, o hambúrger, nas diferentes combinações, e o cachorro-quente, ambos, porém, de origem alemã. Come-se cada vez mais carnes saborosas. Mas muitas vezes a carne é só um grande detalhe. Churrascarias se transformaram quase em casas de frutos do mar e local onde convivem em harmonia a culinária de vários países do mundo. Do Quibe Cru ao Sushi. Influência que chegou até aos restaurantes a quilo freqüentados no almoço das metrópoles. A variedade de alimentos, claro, faz parte do ambiente que, mesmo requintado, mantém um certo ar delicioso dos tempos em que churrascaria era apenas o templo das carnes na brasa cobertas com uma capa de sal — servidas somente com molho à campanha, arroz branco, farofa, feijão e batatas fritas. Somos, enfim, o que comemos. A desregulamentação de hoje das churrascarias parece inspirada nos antigos restaurantes, que mantinham longos cardápios como listas telefônicas e ofereciam do Camarão à Baiana ao Pato com Laranja. Mas os tempos são outros. O negócio da gastronomia nunca esteve tão em alta e, por isso, com perdão do trocadilho, comer é capital.

no Brasil.

Conselho Editorial

Luiz Fernando Levy Albino Castro Andrea Wolffenbüttel Editor

Albino Castro Secretário de Redação

Fábio Caldeira Ferraz Projeto Gráfico e Diagramação

Fonte Design Administração

Marcos dos Santos Comercial

C. N. Neto Planejamento

Gustavo Aranha fotos e ilustrações

Acervo Albino Castro Agência Estado Edson Kumazaka Evanildo da Silveira Fernando Dantas — Gazeta Press Getulio Delphim Laílson Santos Divulgação Revisão A bizarra obra Verão, acima, foi

Sílvia Balderama

pintada em 1572, em Bérgamo, pelo

Impressão

italiano Giuseppe Arcimboldo (1527-

Prol Editora Gráfica

1593), da escola de pintura maneirista e influenciado por seitas ocultistas. De família originária do sul da Alemanha, viveu muitos anos em Praga, mas nasceu e morreu em Milão.

CIRCULAÇÃO

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