portugal presença no brasil anuário 2012 O grande negócio Brasil-Portugal. Sangue lusitano e marcas brasileiras. O mundo que o português criou. Real Gabinete de Leitura. Universalidade lusitana. À mesa com os portugueses. Padarias movimentam mais de 55 bilhões de reais por ano. Abílio Diniz. António Gomes da Costa. António de Almeida e Silva. Luiz Felipe Lampreia.
ano 1 | nº 1 | R$ 14,90
apresentação
O mundo que o português criou O corpo lusitano foi quase sempre mais do Ultramar do que da Europa por Albino Castro
D
o esplêndido Forte de Santo Antônio do Macapá, localizado na Ponta da Cascalheira, à margem esquerda do Rio Amazonas, na antiga Província do Tucujus, cerca de quinze quilômetros ao sul de Macapá, no atual Estado do Amapá, às ruínas das memoráveis Missões Jesuíticas, no Rio Grande do Sul, como a monumental redução de São Miguel, o Brasil possui um riquíssimo acervo arquitetônico português – que inclui as
cidades históricas mineiras, entre as quais, soberana, Ouro Preto, a antiga Vila Rica, e praticamente todas as edificações do centro histórico de Olinda e Recife, em Pernambuco, São Luís e Alcântara, no Maranhão, e de Salvador, na Bahia. Justamente na capital baiana se encontra uma das mais imponentes construções do mundo lusitano, a barroca Igreja de São Francisco, no Largo do Terreiro de Jesus, próxima ao Pelourinho, com um majestoso
desde 1974. Praticamente toda a população cabo-veraltar todo em ouro – semelhante ao Convento dos Franciscanos na indiana Goa. Destaques para outras diana é mestiça – fruto da união entre portugueses duas jóias do barroco português no País – o conven- e povos do Golfo da Guiné. Em sua obra prima Casa to de São Francisco, no centro da atual João Pessoa, Grande & Senzala, lançada em 1933 e adotada em universidades de todo o mundo, antiga Filipéia, homenagem ao Freyre demonstrou que nem semrei de Espanha Felipe II, monarca pre as relações entre senhores e esdo Brasil quando da fundação, em cravos, na sociedade colonial brasi1585, da capital paraibana, e a Igreleira, se davam por meio do uso de ja Nossa Senhora da Conceição violência física. dos Militares, na Rua Nova, no anSeguindo a trilha do barroco tigo Recife nassoviano, que exalta lusitano, lá, em Portugal, e cá, no a vitória luso-brasileira, em 1645, Brasil, o escritor francês Dominicontra os holandeses. que Fernandez também se encanBarroco e, ao mesmo tempo, tou com o mundo que o português universal, foi este o mundo que o havia criado no novo continente português criou – reverenciado em – escrevendo um livro precioso, livro com título homônimo, publiL’Or des Tropiques. Promenacado em 1940, do mais cosmopodes dans le Portugal et le Brésil lita dos pernambucanos, Gilberto Baroques*, publicado, em 1993, Freyre (1900-1987), cuja extensa produção literária enfatiza os moem Paris. Filho de pai espanhol, Brasão de d. jaime de bragança, de 1510, dos brandos lusitanos e a conheci- confeccionado em quatro azulejos Fernandez, 82 anos, deslumbrouda tolerância racial, que permitiria esmaltados, em sevilha, espanha. -se com o barroco das cidades mia miscigenação, não só no Brasil, neiras, de Sabará e Mariana a Ouro mas, também em territórios da Ásia e África. Um Preto e Congonhas do Campo, onde estão as esculturas dos exemplos, fora do Brasil, é o Arquipélago de Cabo dos profetas talhadas por Aleijadinho. Mas, em meio Verde, na costa ocidental africana, independente ao cenário barroco, apaixonou-se ainda mais pela
O Mosteiro dos Jerónimos contempla o porto do restelo, nas águas do rio tejo, de onde partiram as caravelas que cruzaram o mar das tormentas, chegaram à Índia, China e Japão – e também aportaram no brasil. ao fundo, à direita, aparece a ponte 25 de abril.
* O Ouro dos Trópicos. Passeios por Portugal e Brasil Barrocos.
2
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
3
apresentação
família portuguesa desembarca em santos depois de atravessar o atlântico na sufocante terceira classe – como os personagens do escritor ferreira de castro nas obras selva e emigrantes. a foto foi publicada em 2006 no livro presença portuguesa em são paulo, de sônia maria de freitas.
miscigenação. “Fruto, talvez, da própria origem dos portugueses, que possuem ancestrais iberos, romanos, fenícios e dos povos judaicos e islâmicos provenientes do Oriente Médio e do Norte da África” – especulou Fernandez, em seu livro ricamente ilustrado com fotos de Ferrante Ferranti, ao tentar interpretar a origem da mistura de raças no colonialismo português. O corpo do português foi quase sempre mais do Ultramar do que da Europa – escreveu na introdução de Um Brasileiro em Terras Portuguesas, publicado em 1953, o Mestre de Apicucos – referência à localidade em que Gilberto Freyre morava nas proximidades de Recife. “O português foi mais da África ou da Ásia do que do Minho, das Beiras, Trás-os-Montes ou de alguma aldeia para onde sua velhice de rico e mesmo de nababo tantas vezes voltou já incapaz de emprenhar mulher européia ou fazer filho europeu”, escreveu Freyre com a sua linguagem arrojada. “Por mais cristãmente minhota ou trasmontana que se conservasse sua alma, por mais fielmente devota a Nossa Senhora da aldeia ou da vila que se habituara a adorar menino, seu corpo de macho vigoroso multiplicou-se em corpos pardos, roxos, amarelos, morenos, no Oriente, nas Áfricas e na América”. A grande diáspora lusitana, a partir de meados do século XIX, que teve como destino principalmente o
4
Brasil, fez os portugueses trocarem o leme das caravelas pelas sufocantes terceiras classes dos navios que traziam de quase toda a Europa imigrantes para os portos de Nova York, Belém, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires. Como romanceou, com cruel realismo, Ferreira de Castro (1898-1974), de espírito libertário, em seus livros Selva e Emigrantes, ao narrar os desatinos de compatriotas que deixaram aldeias portuguesas e vieram trabalhar no comércio ou desbravar a Amazônia, como o próprio escritor, que viveu dos 12 aos 20 anos a perambular desempregado pelas ruas de Belém ou a trabalhar nos seringais. A humilhação dos porões dos navios não mudaria, porém, o espírito dos portugueses que vieram servir aos antigos colonizados. Estes lusitanos construíram grandes conglomerados industriais, comerciais e financeiros, deixaram suas marcas na cultura e nos sabores – desta vez, não mais como senhores, mas como parte do imenso País que ajudaram a criar.
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
2
1
os salões do manuelino Gabinete Português de Leitura de Salvador,
Entrevista 4
1. Abílio Diniz 2. Luiz Felipe Lampreia
Lisboa em painel de azulejos de 1937.
3. António de Almeida e Silva 4. António Gomes da Costa 3
Sumário Negócio
o venturoso.
pelos portugueses no século xV.
Cultura
34 39 40 42 64 70 8
2
Rei D. Manuel I,
Luiz Felipe Lampreia Abílio Diniz António Gomes da Costa António de Almeida e Silva
tapeçaria sobre a tomada de ceuta
O esplendor de Portugal A lusíada baiana Perto dos olhos e do coração Além da Vila Belmiro Monumento paulistano A Língua viva da Estação da Luz
Real Centro Cultural Português de Santos.
História
Apresentação
Esfera Armilar do
14 28 44 72
Bahia, à esquerda, e, acima,
O mundo que o português criou
18 O grande negócio Brasil-Portugal 24 Chega a Corte e o pão nosso de cada dia 54 Sangue português e marcas brasileiras 55 Galeto's 56 Habib's 58 Pão de Açúcar 60 Trasmontano 62 Votorantim
Universalidade portuguesa
Turismo 48 52
Lisboa seduz brasileiros Três hotéis e uma metrópole de sonhos
Gastronomia 66
À mesa com os portugueses
Esporte
76 78
És um traço de união Brasil-Portugal Hino à liberdade
Última página 80
Uma Escola de heróis dos mares
São Francisco Xavier em escultura indo-portuguesa.
história
Universalidade portuguesa por Albino Castro
D
ebruçado sobre o mar, como um anfiteatro voltado para o Atlântico, e de espalda para a Europa, Portugal só foi admirado e temido, quando, ao final da Idade Média, lançou-se aos mares, como cantam os versos de Luís de Camões (1524-1580), dando mundos ao mundo. As marcas da presença lusitana estão vivas até os nossos dias em todos os pontos do planeta. Do Japão a Ceuta, ao Norte do Marrocos, hoje espanhola. Mas, ainda que essas marcas tivessem sido apagadas e não houvesse mais vestígio da língua portuguesa fora da Europa, mesmo assim, seria fácil perceber que navegou muito o velho Portugal. Voltando-se aos mares, tornou-se o único país cujo principal ingrediente do prato típico, a célebre “bacalhoada à portuguesa”, tem que ser pescado a muitas milhas da sua costa – quando se sabe que os pratos típicos nacionais de todos os países são feitos à base do que se encontra facilmente no quintal das casas. Os portugueses João Vaz Corte-Real e Álvaro Martins, ao navegarem a norte do Arquipélago dos Açores, Atlântico acima, à procura do bacalhau, descobriram, em 1472, a imensa ilha da Terra Nova, no atual o desembarque tapeçaria sobre a tomada de ceuta pelos portugueses, no século xv, início da formação do grande império lusitano. reprodução das réplicas existentes no paço dos duques de bragança, em guimarães, portugal, cujos originais estão na cidade espanhola de pestrana.
8
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
9
história
gravura do século xviii mostra vista panorâmica da praia grande, em macau, a católica, porta de entrada dos portugueses para a conquista da corte dos mandarins chineses de pequim – sonho que se tornou possível graças aos missionários jesuítas.
Canadá, e foram os primeiros europeus a chegar, de fato, às Américas nos albores da Idade Moderna – que teve início em 1453, após a queda de Constantinopla. Dois outros navegadores portugueses, João Fernandes Labrador e Pedro de Barcelos, ao contornarem a ilha da Terra Nova, em 1499, avistaram a península que ganhou o nome de Labrador, em homenagem ao navegador lusitano que a descobriu. Vizinhas ao francófono Quebec, Labrador e Terra Nova se tornaram, em 1949, uma das dez províncias do Canadá. Portugal teve relações coloniais com três dos quatro países que formaram, inicialmente, o bloco BRIC – sigla criada em 2001 pelo economista britânico Jim O’Neil, presidente do grupo financeiro Goldman Sachs, para designar Brasil, Rússia, Índia e China que, segundo análises, serão os novos gigantes da economia planetária, a partir da segunda metade do século XXI. O BRIC passou a BRICS, em 13 de abril de 2011, com a entrada da África do Sul, grafada em inglês como South Africa. Portugal manteve, com efeito, para além do Brasil, profundas raízes com a Índia, onde desembarcou primeiro que todos os europeus,
10
China e África do Sul, banhada pelo temível Cabo das Tormentas, rebatizado, em 1488, como Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias, após ancorar as caravelas no descampado à beira-mar, a atual Cidade do Cabo, na qual, ainda hoje, uma estátua do navegador português de Mirandela contempla o Atlântico. Não é de estranhar que Macau, ao longo de seus 16 quilômetros quadrados, permaneça bastante lusitana, afinal foi a porta de entrada dos portugueses na China – poucos anos depois da chegada de Pedro Álvares Cabral às praias brasileiras. E, na China, por mais de 100 anos, os jesuítas, enviados pelos soberanos lusitanos, converteram milhares de chineses e se tornaram conselheiros das cortes dos mandarins da dinastia Ming (1368-1644). Muitos desses jesuítas, embora vinculados a Lisboa, eram espanhóis, como o venerando São Francisco de Xavier (1506-1552), ou italianos, como o célebre renascentista Matteo Ricci (1552-1610), cientista, geógrafo e cartógrafo, que, como seu compatriota Marco Polo (1254-1324), no século XIII, exerceu grande influência sobre a elite confuciana que, quatro séculos mais tarde, imperava na China. Ricci conseguiu
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
acabaram por introduzir o uso de adaptar ao catolicismo muitos elemuitas palavras de nosso idioma no mentos da filosofia de Confúcio dia-a-dia dos nipônicos. Como, por (552-479 a.C.). exemplo, biscoito, botão, capa, copo, Sucessor de D. Manuel I, o Venobrigado, órgão, pão, sabão, tabaturoso, em cujo reinado (1495-1521) co e tempero – que virou tempurá, foi descoberto o Brasil, D. João III, um dos mais tradicionais pratos da o Piedoso, herdou de seu pai o mais gastronomia japonesa, criado igualimenso Portugal de todos os temmente pelos portugueses. pos – e foi ele, fazendo jus ao epíA presença portuguesa no Japão teto, quem convocou a Lisboa, em criaria em pouco menos de um sécu1539, Santo Inácio de Loyola, fundalo a cultura Namban, os “bárbaros do dor dos jesuítas, para que providenSul”, como os japoneses chamavam ciasse a conversão dos povos que vios lusitanos – gerando a arte japoneviam em todas as terras do Império sa de alma portuguesa. Uma monu– do Japão ao Brasil, onde acabara mental mostra no Museu do Oriende criar as capitanias hereditárias. te, inaugurada em 17 de dezembro de Loyola enviou então a Lisboa o 2010 e encerrada no dia 31 de maio compatriota basco e co-fundador de 2011, expôs objetos e recordou, por dos jesuítas, São Francisco de Xameio deles, o quanto os portugueses vier, que organizou a evangelização foram importantes na vida cultural e do Oriente português. São Francisna organização política do Japão. Foi co de Xavier, como Jesus Cristo e uma mostra imperdível, que à qual os apóstolos, tentou converter privisitei em janeiro de 2011, dividida meiro os mais humildes – não obem quatro grandes núcleos diferentendo, porém, grandes resultados. ciados, compostos por um total de Ricci se tornou famoso por fazer o aproximadamente 60 peças, todas contrário. Buscou evangelizar a eliraríssimas, provenientes de coleções te chinesa e, por meio dela, obter a públicas e privadas. conversão das camadas populares Vivas são, mais do que na China – conseguindo batizar como católiou na África do Sul, as heranças lusicos milhares de chineses. tanas na imensa pátria formada por As caravelas portuguesas aporinúmeras etnias, às duas margens do taram, em 1543, em TanegashiÍndico, a atual Índia, onde a esplênma, localidade japonesa vizinha dida Goa, localizada ao sul de Boma Nagasaki, cidade fundada pe- representação indo-portuguesa de baim, na costa ocidental, preserva los navegadores portugueses em são francisco xavier, no século xvii, em marfim e prata. ainda hoje o idioma de Luís de Ca1570. Além de fundarem Nagamões, as igrejas barrocas, como as de saki, atingida, na Segunda Guerra Macau, Porto e Salvador, e o casario inconfundivelMundial, por uma bomba atômica, juntamente com mente lusitano. De Goa, governou Portugal, por dois Hiroshima, os missionários enviados por Portugal séculos, grande parte de seu vasto império oriental converteram ao catolicismo milhares de japoneses, denominado Estado Português da Índia, que se esmuitos dos quais emigrariam, no século XX, para tendia de Moçambique a Nagasaki. Hábeis negociao Brasil – como a família Hirata, que hoje é minha dores, traço mais forte do caráter colonial lusitano, vizinha em São Paulo. E os mesmos missionários
11
história
Mahal, a Bombaim de hoje, os portugueses, herdeiros a Bollywood, a Hollywood dos feitos de Bartolomeu indiana, é, também, basDias, Vasco da Gama e tante cosmopolita e uma Afonso de Albuquerque, das principais metrópoles que, ao contornarem financeiras dos BRICS – a África, deram novos como a nossa São Paulo e a mundos ao Ocidente, sochinesa Xangai. breviveram à derrocada Celebramos neste anudos ingleses, à chegada ário PORTUGAL – Prede Mahatma Gandhi ao sença no Brasil as raízes poder, em 1948, e mesmo comuns do maior dos à secessão do Paquistão mundos que os universais islâmico – que não aceilusitanos deram ao mundo tou viver sob o domínio – o Brasil, que preserva, dos da maioria hindu da azulejo com esfera armilar, trópicos aos pampas gaúunião indiana construí- confeccionado em sevilha, espanha, chos, o doce e épico idioma da pelo líder pacifista. E, entre 1508 e 1509, a pedido do rei d. manuel i, o venturoso. dos Lusíadas, e cuja naassim, Portugal manteve, cionalidade foi forjada no até o início dos anos 1960, século XVII, nos campos de a sua histórica capital inbatalhas dos Guararapes, às diana, Goa, além dos terPortugal deu Bombaim portas do Recife nassoviaritórios de Damão e Diu, como dote a Charles II no no, quando se expulsou do ao norte de Bombaim. País os holandeses e se resTambém conhecida casamento com Catarina taurou, em 1645, a soberania hoje pelo nome de Mumde Portugal em todo o Norbai, cidade considerada a maior do mundo, com seus 14 milhões de habitantes, deste, mantendo-se a integridade territorial do Brasil. Quatro generais comandaram as batalhas dos Bombaim, corruptela da expressão portuguesa “Boa Baía”, foi lusitana por mais de 150 anos, de 1509 a 1661, ao Guararapes. O primeiro, português de nascimento, ser cedida à Inglaterra como dote da princesa Catarina João Fernandes Vieira, natural da Ilha da Madeira, era de Bragança, filha do rei D. João IV, ao se casar com o rei a principal liderança. O segundo, o paraibano André Charles II. A historiografia registra um curioso diálogo Vidal de Negreiros, era mozambo, filho de português que teria existido entre a princesa portuguesa e o então nascido no Brasil. O índio potiguar Felipe Camarão, noivo rei da Inglaterra – tido, porém, como “fantasioso” o terceiro general, era responsável pelas tribos nativas por vários historiadores. Charles II teria perguntado a aliadas de Portugal, e o quarto, o negro Henrique Dias, Catarina onde ficava Bombaim e ela teria respondido: chefe dos batalhões de soldados de origem africana. “Acho que fica no Brasil”... Bombaim ficava, de fato, Os heróis dos Guararapes formaram há quatro séculos dentro dos domínios do império português, mas não um verdadeiro exército popular luso-brasileiro para era a Baía de Todos os Santos, berço natural da primeira restaurar a soberania portuguesa na Nova Lusitânia – capital brasileira – o que poderia ter induzido Catari- como então era chamado o Estado de Pernambuco. A na de Bragança à geográfica gafe. Cidade onde se en- vocação continental brasileira já estava presente nas contra uma das maravilhas islâmicas do planeta, o Taj lutas contra os invasores da Nova Lusitânia.
12
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
entrevista
Luiz felipe lampreia é bisneto e neto
Luiz Felipe Lampreia Uma família de embaixadores cá e lá por Luiz Voltolini
O
ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia se emociona ao contar que é um descendente de portugueses que conseguiu realizar o sonho do pai, João Gracie Lampreia, de ser embaixador do Brasil em Portugal. Lampreia é a quarta geração de diplomatas de sua família – duas representando Portugal, e duas, o Brasil. O bisavô, João Camilo Lampreia, foi embaixador de Portugal no Brasil, entre 1900 e 1908. Lampreia também ocupou a Secretaria Geral do Itamaraty e, quando ministro, ampliou o diálogo com os países de língua portuguesa. Acredita que o português, ao lado do espanhol, sobreviverá à nova ordem dos idiomas. Nesta entrevista, faz um resumo de sua história familiar e da ligação com a comunidade portuguesa.
Qual a influência da origem portuguesa em sua vida? Devido à história da minha família, sempre fui muito ligado a Portugal. Isso orientou meu desenvolvimento pessoal. Viajo frequentemente a Portugal, e acompanhei a evolução do país. Não gostava do regime salazarista, pois o país estava muito sofrido. Hoje a situação mudou. Quando o senhor foi embaixador em Portugal? Fui nomeado embaixador do Brasil em Portugal em 1990, durante o Governo Collor, exatamente noventa anos depois de meu bisavô ter sido embaixador de Portugal no Brasil. Contei isso ao então presidente português Mário Soares, quando lhe apresentei minhas credenciais. Foi muito significativo. Qual a sensação de ser embaixador no país de origem da família? Quando eu contava para as pessoas em Lisboa que meu bisavô tinha sido embaixador no Brasil, elas se emocionavam, ao ver o filho de um embaixador voltar a Portugal também como embaixador. Para mim era muito significativo, pois estava realizando o sonho do meu pai, que queria ser embaixador brasileiro em Portugal. Como foi o trabalho em Lisboa? Foi difícil. Fui embaixador durante a crise dos dentistas. Os portugueses não aceitavam a concorrência dos profissionais brasileiros radicados em Lisboa. A formação deles era de Medicina com especialização em Odontologia. Os brasileiros não eram médicos, eram
14
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
de diplomatas portugueses que serviram no brasil.
entrevista
1908. Há uma rua com o seu nome no bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro, que então era a Capital da República. Também há um busto dele no Real Gabinete Português de Leitura, no centro do Rio. Meu avô, José Lampreia, era um jovem diplomata e servia, ao lado do pai, na embaixada portuguesa. Ambos sofreram um Quando foi a volta ao Brasil? golpe irreparável na carreira Retornei ao Brasil por ocaquando, em fevereiro de 1908, sião do impeachment do assassinado o rei de PorCollor, e minha volta ao go"Meu bisavô João Lampreia foi tugal, D. Carlos, no Terreiro verno só se deu quando Ferfoi embaixador de Portugal do Paço, em Lisboa, juntanando Henrique Cardoso foi mente com o príncipe herdeinomeado para o Ministério no Brasil de 1900 a 1908" ro Luiz Felipe, que foi morto das Relações Exteriores, carao tentar proteger o pai com o go que ocupou por oito meses, próprio corpo. e o presidente Itamar Franco me nomeou embaixador em Genebra. Foi justamente Quando seus antepassados optaram por fixar renesse período que se realizou a Rodada do Uruguai, sidência no Brasil? que deu origem à Organização Mundial do Comércio, Eles foram surpreendidos com o assassinato do rei D. a OMC. Com a posse do presidente Fernando Henrique Carlos e afastados das funções diplomáticas. Em 1910, Cardoso, fui nomeado ministro das Relações Exterio- com a queda da monarquia em Portugal, minha família buscou refúgio no Brasil. Instalaram-se em Santos, res, cargo que exerci por seis anos. onde meu bisavô passou a atuar como corretor na BolDe onde vem a vocasa do Café até 1912, quando voltou para o Rio de Janeiro. ção para a diplomacia? O meu avô permaneceu trabalhando em banco e, em É uma tradição fami1923, nasceu o meu pai, João Gracie Lampreia. liar de séculos. Tanto por parte de mãe Quando seu pai ingressou na carreira diplomática? quanto de pai, minha Ele entrou para a carreira diplomática em 1942, um família, desde o final ano depois do meu nascimento. Meu pai serviu em Gedo século XVIII, esteve nebra e Roma. Voltou ao Brasil em 1951 e depois serviu sempre presente nas na França, no Chile, na Etiópia e na Dinamarca. políticas militares e na O senhor esteve com ele em todas as missões? diplomacia. Meu biEu o acompanhei até os 15 anos, quando de Paris volsavô, João Lampreia, tei ao Brasil. Fiquei morando com meu avô no Rio de nasceu em 1865 e foi Janeiro. Aqui terminei o colégio, o clássico, e entrei na embaixador de PortuPUC para cursar sociologia. Em 1962 passei no concurgal no Brasil de 1900 a so para o Rio Branco e entrei na carreira diplomática no final do ano seguinte. formados somente em Odontologia. Foi isso que deu margem para que alegassem que os dentistas brasileiros não podiam exercer a profissão em Portugal. Além disso, também houve o episódio incômodo da grave crise do Governo Collor.
lampreia tem uma filha e dois netos em portugal e vai sempre a lisboa para revê-los.
16
Qual foi sua trajetória no Itamaraty? Meu primeiro posto foi uma missão junto à ONU, em Nova York. Depois fui para Genebra. Voltei ao Brasil em 1971. Fiquei até 1979 com o embaixador Antonio Azeredo da Silveira. Fui com ele para a Embaixada Brasileira em Washington. Depois veio a crise política no Suriname. Os cubanos estavam tentando entrar firme lá.
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
O governo militar brasileiro empreendeu uma missão para suplantar os cubanos, que foram expulsos. Ganhou a diplomacia, sem violência. Em 1985, fui com João Sayad para o Ministério do Planejamento. Voltei ao Itamaraty em 1987, depois do Plano Cruzado.
petrolífera portuguesa que é parceira da Petrobras na exploração do pré-sal. Também faço parte do Conselho da Caixa Geral-Brasil, do conselho da Ampla Investimentos e tenho ligações com a Energias de Portugal (EDP).
E com a comunidade portuguesa no Brasil? Minha participação na comunidade portuguesa do Rio de Janeiro é constante. Relaciono-me muito bem com o cônsul Antonio José Emaus de Almeibusto do embaixador joão lampreia da Lima, vou às festividades exposto no real gabinete portuguÊs do dia de Portugal, em 10 de de leitura do rio de janeiro. junho, quando também se comemora o dia de Luís de Camões, que morreu nessa data em 1580. Só não torço pelo o Vasco. Aliás, meu avô Acredita-se que, dentro de algumas décadas, o já não torcia pelo Vasco, ele era Fluminense. Eu sou sofrancês, italiano, russo, alemão e japonês existifredor, sou torcedor do Botafogo. rão possivelmente como línguas eruditas. E que o português e o espanhol devem sobreviver, ao Como o senhor vê a atuação da comunidade? lado do inglês, o mandarim e o árabe. O senhor A comunidade portuguesa no Brasil já foi mais forte. Com a integração dos imigrantes na sociedade, ela perconcorda com essas previsões? Concordo sim. Acho que as duas línguas ibéricas já deu sua força. A imigração praticamente se fechou e a ultrapassaram a esfera em que estiveram até o século comunidade envelheceu. É natural. XX, terão um peso global cada vez maior e crescerão em E as relações entre os dois países? importância. As línguas tradicionais tendem a perder Hoje bem melhor do que quando eu fui embaixador. força no cenário mundial. Tive de lidar com crises difíceis, como já contei. Agora tudo são flores. Qual sua relação atual com a diplomacia? Eu já me aposentei, saí do governo, mas continuo manQual a sua mensagem para a comunidade e ao tendo boas relações internacionais. Tenho um bom vínpovo português? culo com o pessoal do Itamaraty, com o ministro das Portugal passa por um momento difícil, mas o país Relações Exteriores Antonio Patriota, bem como com os tem um belo futuro pela frente. Os governistas estão demais diplomatas de outros países. Faço comentários fazendo a coisa certa. O País vai se recuperar e volem programas de televisão, escrevo artigos, tenho meu tar a crescer. Minha mensagem é de esperança. Faço blog, enfim continuo atento às questões internacionais. um elogio ao povo português, que nas últimas eleições demonstrou confiança no presidente Cavaco Silva, ao E com Portugal? Portugal é um país extraordinário. Tenho lá minha eleger como primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. filha e dois netos. Vou sempre a Lisboa, visito os pa- O fato de o povo eleger um candidato que durante a rentes, participo da vida social e tenho vínculos pro- campanha avisou que aplicaria remédios amargos fissionais no País. Sou membro do conselho da Partex, para a economia já mostra a confiança popular em controlada pela Fundação Calouste Gulbenkian, uma seus governantes. Como ministro do governo de Fernando Henrique Cardoso, destacou-se, entre outras iniciativas, o seu trabalho na ampliação do diálogo com os países de língua portuguesa. É possível estabelecer um cenário futuro para as línguas ibéricas? Sim, o português e o espanhol vão sobreviver.
17
Negócio
O grande negócio Brasil-Portugal Aumentar as exportações portuguesas para o Brasil ajudará Portugal enfrentar a crise por Amarilis Bertachini
O
ano de 2011 poderá ser marcado como o de melhor resultado na história recente das relações comerciais entre Portugal e Brasil. Essa é a previsão de empresários portugueses que atuam no País, com base nos números do desempenho dos primeiros meses do ano. Até o mês de junho, o valor da corrente de comércio entre os dois países já estava em US$ 1,32 bilhão, o que projeta um volume anual de US$ 2,64 bilhões. Até hoje, o recorde histórico foi de US$ 2,3 bilhões, no ano de 2008, enquanto que em 2010, o comércio luso-brasileiro somou US$ 2,08 bilhões. “Se fizermos uma projeção até o final de 2011, chegaremos a um resultado arredondado de US$ 3 bilhões. Mas acredito que podemos até superar esse número”, declara, otimista, Rômulo Alexandre Soares, presidente do Conselho das Câmaras Portuguesas no Brasil, entidade que reúne as 13 câmaras de comércio luso-brasileiras existentes no País (Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). A retomada no crescimento dos negócios entre os dois países começou em 2010, depois dos números terem sofrido uma redução para quase a metade em 2009, em função da crise financeira internacional.
18
Portugal foi o primeiro país do continente europeu visitado pela presidente Dilma Rousseff, no início de 2011, quando demonstrou disposição em ajudar economicamente o país. “Aumentar as exportações portuguesas para o Brasil ajudará Portugal a enfrentar a crise. Esse é nosso principal objetivo”, declara Soares. Para isso, o Conselho encomendou um estudo à Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) sobre o potencial das exportações de produtos portugueses para o Brasil, e foram identificados 205 produtos com capacidade de aumentar as vendas portuguesas para o mercado brasileiro. São itens que Portugal exporta muito, com competitividade internacional, e o Brasil importa muito, mas vem comprando de outros países, tanto de parceiros do Mercosul, que oferecem vantagens tarifárias, quanto de países europeus que têm tratamentos tarifários iguais aos de Portugal. Segundo Soares, esses 205 produtos representaram 20,7% das exportações totais portuguesas no biênio 2006/2007 – um valor em torno de US$ 9,8 bilhões – e 16,1% das importações brasileiras no biênio 2007/2008, ou um valor de US$ 23,6 bilhões. Desses 205 itens, Portugal vende ao Brasil o equivalente a US$ 93,5 milhões, ou seja, apenas 0,4% do que o País está comprando. “Se conseguirmos aumentar esse
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
lisboa, acima, em painel de azulejos de 1937, é uma metrópole inspiradora de negócios
marketshare para 0,8%, basicamente dobraremos as exportações portuguesas para o Brasil”, afirma Soares. O Conselho coordena uma campanha de divulgação desses 205 itens para empresas portuguesas para que entrem em contato com as companhias brasileiras importadoras desses produtos e verifiquem se há condições de exportar. Fazem parte da lista produtos do setor automotivo, produtos químicos e de borracha, fios e tintas, entre outros.
e foi centro de um império que esteve à frente das relações da europa com nações milenares, como índia, china e japão, simultaneamente com a construção do imenso portugal que é o brasil.
19
Negócio
Os principais produtos portugueses vendidos hoje vendeu para Portugal foram os óleos brutos de petrópara o Brasil são azeite, bacalhau e outros peixes se- leo (US$ 395,33 milhões ou 40,84% do valor total), o cos, vinhos, alguns minérios, lubrificantes e frutas. O açúcar de cana em bruto (US$ 59,18 milhões ou 6,11% azeite de oliva virgem aparece no topo da lista de itens do total) e laminados de ferro e aço (US$ 56,46 miimportados de Portugal. Segundo dados da Secretaria lhões ou 5,83% do total). Mas não é só em termos de balança comercial de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que o relacionamento entre os dois países se destaca. de janeiro a junho de 2011, as importações desse pro- Em verdade, o que mais chama a atenção é o invesduto somaram US$53,5 milhões, equivalente a 14,8% timento externo direto. É expressiva a presença de do total. O segundo item da relação são os sulfetos de empresas lusitanas investindo em negócios na antiminérios de cobre, no valor de US$ 28,33 milhões, re- ga colônia. Os fatos históricos, a língua portuguesa e presentando 7,84% do total. O bacalhau seco do tipo a proximidade cultural fazem essa relação tornar-se Gadus ocupou o terceiro lugar da lista, no valor de ainda mais estreita. Com o processo de privatizações iniciado no Bracerca de US$ 20 milhões, com participação de 5,55% do total, seguido do bacalhau tipo GadusMorhua e do sil na década de 1990, o governo português, alguns GadusOgac, que somaram US$19,79 milhões, repre- bancos e algumas grandes empresas lusitanas investiram pesado no País – como a Energias de Portugal sentando 5,48% do total importado de Portugal. (EDP), que em 1996 adqui“Nós temos que aumenriu participação na antiga tar a exportação de outros Companhia de Eletricidaprodutos com valor agregaInvestimentos diretos de de do Estado do Rio de Jado, como máquinas pesadas neiro (Cerj), atual Ampla. Portugal no País em 2010 e peças para veículos. Portu“Só para se dar uma idéia gal tem um grande parque somaram US$ 1,19 bilhão de dimensão, Portugal automotivo. Uma das maiotem hoje no Brasil perto de res fábricas da Volkswagen US$ 13 bilhões em estoque na Europa está em Palmela, o que mostra que Portugal tem competitividade em de investimento externo direto. Cerca de 10% do PIB insumos para a indústria automotiva e as empresas de Portugal está no Brasil”, afirma Soares. Segundo dados do Banco Central do Brasil, os inportuguesas têm capacidade para aumentar as exporvestimentos diretos de Portugal no País em 2010 sotações nessa área para o Brasil”, conclui Soares. O Brasil ainda exporta mais para Portugal do que maram US$ 1,19 bilhão, valor que representou 2,3% importa e os números até junho de 2011 indicam uma do ingresso total de aplicações estrangeiras no País. proporção quase de três para um. Durante o primeiro No acumulado de janeiro a junho de 2011, Portugal semestre de 2011, o Brasil importou produtos lusita- injetou US$ 216 milhões no País, ou 0,7% do total de nos da ordem de US$ 361,16 milhões e vendeu para lá recursos estrangeiros que entraram em terras brasicerca de US$ 967,98 milhões. Na avaliação de Soares, leiras nesse período. A redução, tanto no valor nomiesse resultado aponta também para a possibilidade de nal, quanto na participação, reflete o momento difícil mais um registro histórico em 2011, porque o maior que atravessa a economia portuguesa. Mas na avaliaano de exportações brasileiras para terras lusitanas foi ção dos investidores, tudo indica que se trata de uma 2007, com a comercialização de US$ 1,8 bilhão, valor retração passageira. Além dos segmentos que passaram pela privatique pode ser superado em 2011, se a crise econômica zação, como o de energia e telefonia, outros invesque afeta Portugal não vier a alterar essa tendência. Segundo dados da Secex, no acumulado de janei- tidores também se interessaram por setores como o ro a junho, os três principais produtos que o Brasil de cimento, turismo e hotelaria, levando em conta a
20
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
experiência das primeiras empresas que vieram para o Brasil. “Hoje um dos maiores produtores de cimento no Brasil é uma empresa portuguesa, a Cimpol”, ressalta Soares, citando também empresas da área de hotelaria, como os grupos Pestana e Vila Galé. Na opinião de Soares, o maior investimento em termos simbólicos de uma empresa portuguesa no Brasil é a companhia aérea TAP. “Só para ilustrar, faz dez anos que o Ceará tem ligações diárias com Lisboa. Hoje existem quase 1.000 empresas com participação portuguesa no Ceará, principalmente nas áreas de turismo e energia”, diz. Exemplo disso é a Martifer Renováveis do Brasil, uma empresa de desenvolvimento de projetos de
energia eólica que começou a atuar no Nordeste, ligada ao Grupo Martifer de Portugal. “O Brasil fazia e faz parte das regiões de expansão do Grupo Martifer. Hoje, devido ao momento econômico positivo que atravessa o Brasil e pelas difíceis condições em Portugal, o País é um mercado natural de expansão de empresas portuguesas. As relações entre os dois países devem estreitar-se cada vez mais no futuro”, declara o diretor da Martifer, Armando Abreu, que veio para o Brasil há 15 anos, hoje tem dupla nacionalidade e mora no País. A empresa tem atualmente 14,2 MW instalados em parques de energia eólica em operação comercial na Região Nordeste e 230 MW em construção, que representam um investimento
parque eólico no ceará do grupo português martifer – que pretende aumentar a presença no país por causa do momento positivo da economia.
21
Negócio
de cerca de R$ 720 milhões. Segundo Abreu, a Marti- um peso de 40% no volume total de negócios do grufer tem outros 700 MW em desenvolvimento e pre- po. Somando os resorts brasileiros às 17 unidades em tende participar dos próximos leilões governamen- território português, o grupo administra 11.918 leitos, dos quais 4.560 estão no Brasil. tais de energia. “Entre os diversos fatores responsáveis pela entraTambém com investimentos no Nordeste, além de outras regiões do País, está o grupo hoteleiro Vila da do grupo Vila Galé no Brasil destaco a simpatia e Galé, o segundo maior do setor em Portugal. Ao lon- o acolhimento do povo brasileiro, o clima e a beleza natural, o potencial de go de 11 anos de presença no crescimento econômico e, Brasil, construiu uma rede Empresários continuarão enfim, a língua portuguede seis hotéis, o primeiro sa”, declara Jorge Rebelo inaugurado em 2001, em a usar Portugal como porta de Almeida, presidente do Fortaleza. Depois vieram de entrada da Europa Conselho de Administraas duas unidades na Bahia, ção da rede Vila Galé. nas cidades de Salvador e Almeida acredita que a aproximação que já se Guarajuba, os empreendimentos de Angra (RJ) e do Cabo (PE), e em 2011 o hotel de Cumbuco (CE), que verificou entre os dois países deverá se estreitar nos consolidou a rede como uma das maiores operadoras próximos anos e que os empresários portugueses enxergarão o Brasil “como um vasto e diversificado de resorts no Brasil. Os investimentos do grupo no País já somam cer- mercado, onde existem diversas oportunidades de ca de R$ 300 milhões. O Brasil é o único país fora de investimento e, complementarmente, também como Portugal onde o Vila Galé opera e tem atualmente plataforma de acesso aos países que compõem o Mercosul”. Do lado do Brasil, ele acredita que os empresários continuarão a usar Portugal como porta de entrada para o mercado europeu, intensificando os investimentos realizados nos últimos anos. Mas, se em termos de investimento externo direto os resultados entre os dois países são extremamente favoráveis a Portugal, o número de investimentos brasileiros no mercado português ainda é considerado pequeno. De acordo com os dados do Banco Central do Brasil, os investimentos brasileiros diretos em Portugal em 2010 somaram US$ 959 milhões e representaram 3,3% do total de investimentos brasileiros diretos em países estrangeiros. De janeiro a junho de 2011, os investimentos totalizaram US$ 62 milhões, o que representa 0,7% dos investimentos brasileiros diretos no exterior. Esse montante mostra também uma acentuada queda em relação ao resultado de igual período rômulo alexandre soares, presidente do conselho do ano anterior, quando o Brasil investiu em Portugal das câmaras portuguesas no brasil, diz que US$ 286 milhões no primeiro semestre. é preciso aumentar a exportação de outros produtos com valor agregado como máquinas pesadas e peças para veículos.
22
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
Negócio
Chega a Corte e o pão nosso de cada dia Os primeiros padeiros portugueses desembarcaram no Brasil na comitiva de D. João VI por Evanildo da Silveira
P
Esse contingente de filhos de Portugal soube criar, ara os milhões de brasileiros que diariamente compram pão fresco ou desfrutam de uma desenvolver e estabelecer um ramo de atividade que média bem quente, não há nada mais natural ganhou importância no cenário econômico nacional. do que ter uma padaria na esquina. Mas esse “Nosso segmento é forte, moderno, com faturamento estabelecimento, tão simpático e familiar, que fabrica anual de R$ 56,3 bilhões, o que representa cerca de e vende os pães e doces diretamente aos consumidores, 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro”, diz o praticamente só existe no Brasil. É uma “invenção” dos presidente do Sindicato das Indústrias e da Associaimigrantes portugueses, que tem início com a vinda ção dos Industriais de Panificação e Confeitaria de São da Corte de Portugal, em 1808. Foi nessa ocasião que Paulo (Sindipan/Aipan-SP), Antero José Pereira. “Do total das padarias, 96,3%, chegou às terras brasileiras Participação das padarias no pib brasileiro em 2010 ou mais de 60 mil, são mia farinha de trigo. Até encro e pequenas empresas, tão, a população local conque atendem, em média, a tava apenas com farinha 40 milhões de clientes por de mandioca e biju. 1,5% (R$ 56,3 bilhões) dia em todo o Brasil, 21,5% Foi na comitiva de D. da população nacional. Em João VI que desembarcaconjunto, elas geram 800 ram os primeiros padeiros mil empregos diretos e 1,5 portugueses, sem saber R$ 3,6 trilhões milhão de indiretos.” que dariam origem a uma Entre 2006 e 2010, o flutradição que se mantém até o século XXI. Atrás do balcão ou no caixa de gran- xo de clientes foi 2,8% maior, o que gerou um crescide parte das 63 mil padarias que existem no Brasil, até mento econômico de 13,7%, ampliando o contingente hoje encontram-se muitos portugueses ou luso-des- de funcionários em 3,4%. Como em vários outros setocendentes. Só no Estado de São Paulo, 65% das pada- res econômicos, a Região Sudeste também se destaca rias são propriedade de compatriotas de Camões ou de no ramo. É nela que se concentra o maior número desses estabelecimentos, especialmente no Estado de São descendentes deles.
24
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
padeiros portugueses vieram com o então príncipe regente d. joão vi, que aparece de braço dado à sua mãe, a rainha dona maria i, na chegada a salvador, bahia, no dia 22 de janeiro de 1808. só a 26 de fevereiro a família real seguiria para o rio de janeiro, onde desembarcaria em 7 de março. D. João VI seria coroado Rei de portugal em 1818, no Rio de janeiro. o painel à oleo, acima, pintado em 1952 por candido portinari, faz parte hoje do acervo do bbm investimentos – antigo banco da bahia.
Paulo. São 12.764, ou cerca de 20% do total existente no Privilégios e Intolerância à Imigração Portuguesa País inteiro, que garantem aos paulistas um consumo no Brasil (1822-1945), defendida em 2007, foi uma camédio individual de 42 kg de pão por ano. É uma quan- rência de produção de pães para alimentar as sucessivas tidade muito maior do que a média consumida no Bra- levas de imigrantes europeus. Os portugueses ainda tesil, que gira em torno de 33,5 kg. Mas ainda é pouco, riam a tradição de fabricar o produto de forma artesadiante do recomendado pela Organização Mundial da nal e conseguiram tirar proveito da situação. De acordo com MenSaúde (OMS), que é de 60 kg des, os lusitanos se impupor pessoa por ano. Portugueses se impuseram seram no setor e, nos anos O que hoje se pode re1930, já dominavam toda a presentar com números elocomo padeiros nos anos 1930 cadeia da panificação. Eles qüentes, é uma longa históe dominaram o mercado eram a maioria entre os ria construída por gerações forneiros e masseiros, que de portugueses que desembarcaram nas costas brasileiras com o coração cheio de faziam o pão, e entre os carroceiros, que o entregasonhos e as mãos vazias. Foi só nas primeiras décadas vam. Era comum nas padarias da época existir um do século XX que a comunidade lusitana conseguiu quarto nos fundos para abrigar os novos imigrantes controlar a fabricação e o comércio de pães, sobretu- portugueses que chegavam ao país. Eram na maior do no Rio de Janeiro e em São Paulo. Há pelo menos parte rapazes solteiros, vindos de zonas rurais de duas razões para isso. A primeira, de acordo com o jor- Portugal, principalmente do Norte do País. Aqui, nalista e professor universitário José Sacchetta Ramos trabalhavam para o compatriota que lhes dava abriMendes, autor da tese de doutorado Laços de Sangue: go, até conseguirem abrir seu próprio negócio.
25
Negócio
Embora ainda haja os tradicionais portugueses Pereira, do Sindipan, confirma a informação. Ele relata que na época havia uma legislação que refor- donos de padarias, hoje as coisas mudaram um pouçava essa situação. “Para poder vir para cá, o portu- co. Há novos proprietários que, apesar da mesma origuês tinha de ter uma carta de chamada”, explica. “E gem, têm perfis diferentes. Mais uma vez quem dá normalmente quem fornecia esse documento eram a explicação é o presidente do Sindipan. “A geração os empresários portugueses que já estavam aqui. dos nossos filhos se formou em universidades e, com Então, muitos imigrantes vinham para a padaria e o suporte financeiro dos pais, conseguiu abrir negóali ficavam trabalhando de empregado durante al- cios diferentes”, diz. Um exemplo que se enquadra na definição é Milton Guedes guns anos, até conseguirem de Oliveira, filho de português adquirir ou abrir seu próprio rosas de Santa Isabel de Barqueiro, próximo ao Douestabelecimento.” ro, no Norte de Portugal. Junto É também fruto da persisO perfil, a cultura, e a fé que anima com um irmão, morto há três tência e criatividade lusitanas os milhares de portugueses que anos, e um sobrinho, todos um produto curioso que freamanhecem atrás dos balcões das com diploma universitário, reqüenta a mesa de praticamenpadarias podem ser percebidos solveu, há 12 anos, criar a Galete todos os brasileiros: o pão de pela data que escolheram ria dos Pães, uma das primeiras francês. A rigor, o “nosso” pão para representá-los. O Dia do “megapadarias” de São Paulo. francês não tem quase nenhuPanificador é comemorado, no A empreitada deu certo. A ma semelhança com a famosa Brasil, em 8 de julho, dia de Santa casa, localizada no Jardim Paubaguete francesa. Nem o forIsabel – rainha de Portugal, no lista, bairro nobre da Zona Sul mato, nem a textura, nem o século XIII, esposa do rei D. Dinis I. de São Paulo, tem 400 empresabor. Conta a história que até Diz a lenda que D. Isabel era gados, funciona 24 horas por as primeiras décadas do século muito caridosa e tinha o hábito dia e, embora os proprietários XX, o pão fabricado no Brasil de distribuir pães aos pobres, não revelem, há informações era escuro porque a farinha de mas o marido não aprovava o de que recebe cerca de oito mil trigo importada era de baixa comportamento. Certo dia, foi clientes e vende 30 mil pães por qualidade. Os brasileiros que surpreendida por D. Dinis e ocultou dia. “Vem gente de longe saboviajavam ao exterior, especialos pães em seu regaço. “O que rear nossos pães e doces portumente aqueles que visitavam tendes escondido?”, perguntou gueses que, embora sejam em a França, voltavam falando o rei. Ela implorou ajuda divina e variedade pequena, produzimaravilhas do pão francês, que respondeu: “São rosas.” D. Dinis mos em grande quantidade”, tinha o miolo branco e a caspediu para vê-las. A rainha, então, orgulha-se Oliveira. “Mas nosca dourada. Essa demanda fez abriu os braços e, para espanto so forte é a qualidade.” Além com que os padeiros do Brasil geral, caíram, de fato, rosas. dos pães comuns e do portuprocurassem produzir um pão guês, a padaria faz apenas dois com essas características e, ao doces típicos de Portugal, os primeiro que fizeram, deram o nome de “pão francês”. Mesmo sendo muito di- pastéis de Santa Clara e de Belém. A casa tem outros ferente dos pães da famosa boulangerie francesa, o atrativos, no entanto. Além da padaria, ali funciona nome pegou e, até hoje, o pão de sal, com cerca de 50 uma lanchonete, a seção de frios, a confeitaria, adega gramas é chamado de pão francês em vários Estados e mezanino com sopas e buffet de pratos variados. A história do português de Aveiro Alberto Caetano brasileiros – principalmente em São Paulo. E ainda é fabricado diariamente em todas as panificadoras, de de Pinho, que chegou ao Brasil em 1967, aos 15 anos, é um pouco diferente. É típica dos portugueses que norte a sul do Brasil.
26
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
vinham para cá e viravam dono de padaria. Durante o regime salazarista, ele resolveu deixar Portugal. Ficou em dúvida entre vir para o Brasil, que também vivia uma ditadura, ou ir para Angola, que estava em guerra. Optou por São Paulo. Durante anos trabalhou muito até conseguir montar seu próprio negócio. Hoje é dono da Padaria Aracaju, em Higienópolis, outro bairro nobre da capital paulista. É seu terceiro estabelecimento, que comprou já com esse nome, em homenagem à rua onde se localiza. Seu forte, no entanto, são os produtos portugueses. Pastéis de Belém e de Santo Antônio, travessa de Sintra, broinha simples e com ovos, rabanada, touciantero josé pereira é presidente do sindicato das indústrias e da associação nho do céu e caraça são os doces mais pedidos entre dos industriais de panificação e confeitaria de são paulo (sindipan/aipan-sp) os que se destacam em sua prateleira. Todos fabrica- e já viu padaria em xangai como as paulistanas. dos ali mesmo. Pinho é quem vai a Portugal uma vez por ano e traz as receitas que passa verbalmente para item obrigatório no balcão da Barcelona, sempre basos confeiteiros. “Quando alguém falta ao trabalho, tante movimentada. Pastéis de nata e de Santa Clara eu mesmo largo o caixa e vou para o fogão preparar e as trouxinhas de Coimbra, feitas com amêndoas, são também uma atração da grande parte dessas delícias casa. “Nossa casa é exclusitodas”, diz. Muitas vezes ele Publicitária assume a vamente padaria, não um não gosta dos ingredientes supermercado ou uma loja das receitas originais, então direção de tradicional de produtos variados, como improvisa e troca por outros, padaria de São Paulo têm se transformado muique considera mais “suaves”. tas por aí”, orgulha-se a proUm de seus pães tem a forprietária. ma de tronco de árvore, uma Galeria dos Pães, Aracaju e Barcelona são padarias invenção sua, cuja receita não passa a ninguém. Inspirou-se em algo parecido que viu em Portugal, mas com diferenças entre si, mas que obedecem ao modelo comum no Brasil: produzem e vendem seus pães acabou por inventar um pão diferente. A publicitária Ana Maria Gomes um dia se quei- e doces diretamente para o consumidor. Esse tipo de xou ao pai de que estava “cansada” do departamento estabelecimento não existe em outros países. No exde mídia das agências, onde o trabalho rotineiro não terior, os empresários da panificação fazem o pão em mais a entusiasmava. Miguel Gonçalves Gomes, por- um centro de fabricação e revendem em diversas lojituguês hoje com 78 anos, a convidou a dirigir em seu nhas, o que torna a padaria brasileira completamente lugar a padaria Barcelona. Fundada em 1976, com só- diferente das demais. Porém, lentamente a fórmucios Benjamim Abrahão, brasileiro nascido em Fran- la de sucesso está fazendo o caminho de volta para ca, interior de São Paulo, descendente de libaneses, e o Portugal. “Estamos começando a ser imitados pelos espanhol Vicente Safoni, a casa tem ilustres freqüen- portugueses que retornaram depois de viver 20 ou tadores, como o ex-presidente da República Fernando 30 anos por aqui”, diz. E como não poderia deixar de ser, o espírito navegador lusitano já carregou a receita Henrique Cardoso, que mora na vizinhança. Aos sábados e domingos o pão português que vem para outros mares, como comprova a surpreendente em gôndolas (parecidas com as que navegam pelos declaração de Antero José Pereira: “Eu também já vi canais de Veneza) – uma ideia de Ana Maria – é um uma clássica padaria em Xangai, na China.”
27
entrevista
Abílio Diniz Garra de vencedores de pai para filho por Luiz Voltolini
A
bílio dos Santos Diniz, presidente do Conselho de Administração do Pão de Açúcar, dedicou a carreira à empresa fundada pelo pai. Responder pelo comando do maior grupo varejista da América do Sul já é, por si só, tarefa pesada, mas a liderança de Diniz se destaca dentro e fora do Pão de Açúcar. Foi um dos fundadores da Associação Paulista e da Associação Brasileira de Supermercados. Desde 1999 é membro do Conselho de Administração do grupo francês Casino. Também faz parte do Conselho Monetário Nacional Brasileiro, e da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, instância criada pela presidente Dilma Roussef para auxiliá-la na elaboração de políticas de desenvolvimento social e equilíbrio fiscal, mais conhecida como Conselhão do Governo Federal.
28
Qual a ligação do Grupo Pão de Açúcar com Portugal? Temos grande respeito e consideração pela comunidade portuguesa e pela profunda influência e importância de Portugal na história do nosso País. No entanto, atualmente toda operação e atuação do Grupo Pão Açúcar se concentra exclusivamente no Brasil. Mas o Pão de Açúcar já teve lojas em terras portuguesas... Sim. Chegamos a ter cerca de 50 lojas, entre super e hipermercados, centros comerciais e atacado em Portugal. Porém, em meados dos anos 1990, quando colocamos em prática um complexo programa de recuperação do Grupo Pão de Açúcar, deixamos de operar no exterior. Naquele momento, tínhamos como foco o Brasil e a retomada da lucratividade e excelência das operações que dariam condições de abrirmos o capital da companhia, em 1995, em São Paulo (Bovespa) e dois anos depois, em Nova York. Como foi a experiência em Portugal? Começou em 1969, quando meu pai participou da Missão Econômica Brasileira à África e Portugal, e foi convidado pelo governo português para abrir um supermercado. Tudo foi muito rápido. Em 1º de maio do ano seguinte já estava sendo inaugurada a primeira loja brasileira de varejo no exterior: um Pão de Açúcar em Alvalade, em Lisboa. Em paralelo, negociamos com a Companhia União Fabril (CUF), o maior grupo empresarial português na época, ao qual nos associamos naquele mesmo mês, triplicando nosso capital, garantindo o controle acionário e administrativo da companhia e formando a Companhia Portuguesa de Supermercados (Supa).
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
abílio Diniz é presidente do conselho de administração do grupo pão de açúcar.
entrevista
Com o apoio dessa estrutura, conseguimos nos expandir rapidamente: em apenas dois anos já contávamos com treze lojas no país. Foi um período atribulado. Atravessamos a Revolução dos Cravos, em 1974, e passamos pela perda e recuperação do controle da Supa. Mesmo assim, em 1983, treze anos após nossa chegada, já estávamos operando 50 lojas em Portugal. Qual foi a relação de seu pai, Valentim dos Santos Diniz, com a comunidade portuguesa no Brasil? Meu pai sempre manteve uma relação muito ativa com a comunidade e com Portugal. É comum que depois de muitos anos longe o imigrante acabe perdendo os laços com a terra natal. Isso não aconteceu com meu pai. Ele sempre se dizia o único português numa casa de esposa e filhos brasileiros. Orgulhava-se de ter uma empresa com capital ganho no Brasil e na qual tudo e todos são brasileiros. Foi esse sentimento que o levou à presidência da Câmara Portuguesa de São Paulo? Ele aceitou o desafio de dinamizar a Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo e assumiu a presidência da instituição em 1968, o mesmo ano em que se tornou duas vezes comendador, graças a um trabalho que fazia discretamente sempre procurando mantê-lo oculto: as obras beneméritas. Um título foi-lhe outorgado pela
Santa Sé, o grau de cavaleiro da Real Ordem Militar de Malta; o outro, a Ordem do Mérito Infante D. Henrique, ele recebeu do governo de Portugal. Quando começou o vínculo de seu pai com o Brasil? Começou em 1929, quando deixou Portugal com destino ao Brasil, tendo como objetivo construir algo novo, grande, que pudesse fazer a diferença na vida das pessoas. Como foram os primeiros anos dele aqui? Meu pai nasceu em Pomares do Jarmelo, subdistrito da Guarda, no interior de Portugal. Ao partir, com 16 anos, já tinha como objetivo construir seu próprio negócio. Quando chegou ao Brasil foi trabalhar como caixeiro em armazém. Em 1936, casou-se com minha mãe, Floripes Pires e comprou uma pequena mercearia. Em 1937 meu pai ficou sócio do Real Barateiro, que transformou na Padaria Nice, uma das maiores da Cidade de São Paulo, e depois, em 1941 tornou-se o único proprietário. Esse foi o começo do Pão de Açúcar? De certo modo, sim. Porém, como nome surgiu em 1948, no dia das comemorações da Independência do Brasil, quando meu pai abriu uma doçaria à qual chamou de Pão de Açúcar, em homenagem ao monumento natural do Rio de Janeiro, que foi a imagem que mais o impressionou ao chegar ao Brasil.
Quais são as previsões de investimentos do GruQual é a presença do Grupo hoje no Brasil? Sempre trabalhei pelo crescimento do Grupo Pão de Açúcar po para 2012? buscando fazer o que fosse melhor para a companhia, para Vamos investir ao redor de R$ 1 bilhão, sendo R$ 800 milhões no segmento alimenas pessoas que aqui trabalham, tar e R$ 150 milhões na área nossos acionistas e clientes. Te"Temos grande respeito não alimentar, que inclui a mos o melhor em produtos e Globex – Ponto Frio e a Casas serviços alinhados à realidade e consideração pela Bahia. Estamos sempre atene necessidades dos brasileiros. tos às novas oportunidades Graças às recentes aquisições e comunidade portuguesa" que possam impulsionar os fusões o Pão de Açúcar é o maior negócios do Grupo e que segrupo de varejo da América do Sul e referência mundial em sua área. Hoje são mais de jam benéficas aos acionistas, colaboradores, clientes e 1.800 unidades, entre super e hipermercados, lojas espe- toda sociedade. cializadas em eletroeletrônicos, cash&carry (atacado), postos de combustíveis e drogarias. Estamos fisicamente O que espera para os próximos anos? instalados em 19 Estados e no Distrito Federal, e atende- O Pão de Açúcar sempre teve um olhar atento para mos em todo o país por meio das vendas pela internet. Te- o consumidor, cuidando para que todo o contato que nho orgulho de dizer que o Grupo é o maior empregador ele tenha com nossas marcas se traduza em boas experiências, alimentando uma longa relação de fideprivado do País, com cerca de 160 mil colaboradores. lidade. Essa visão faz com que o cliente sempre volte Qual foi o faturamento em 2010? às nossas lojas. No ano passado, registramos cerca No ano passado o faturamento do Grupo foi de R$ 44 de 600 milhões de tíquetes em nossas lojas, o que rebilhões (considerando a receita dos dois meses de Casas presenta mais de 1,6 milhões de clientes atendidos Bahia, novembro e dezembro de 2010). No primeiro se- por dia. Com sólida estrutura de capital e de gestão, mestre de 2011, o Grupo registrou vendas totais de cerca continuaremos crescendo, gerando empregos e conde R$ 25 bilhões, com lucro líquido de R$ 238,8 milhões. tribuindo com o Brasil.
O guerreiro Valentim Valentim dos Santos Diniz (1913-2008) nasceu em Pomares do Jarmelo, uma aldeia da Beira Alta, em Portugal. Emigrou em 1929 para o Brasil e começou a trabalhar no armazém Real Barateiro. Em pouco tempo tornou-se sócio do estabelecimento, que transformou em uma das maiores padarias da cidade. Mas foi em 1948 que Valentim deu o passo que marcou a historia do varejo no Brasil: abriu uma doçaria, à qual deu o nome de Pão de Açúcar.
Abílio diniz e o seu pai Valentim – imigrante português da beira alta, chegou ao brasil em 1929 e começou a trabalhar no real barateiro.
30
legenda
Apesar de ter feito fortuna e realizado seus sonhos em terras brasileiras, Valentim jamais deixou de considerar-se um português. “Nunca me naturalizei. Sou o único português numa casa de esposa e filhos brasileiros. Sou presidente de uma firma feita com capital ganho no Brasil. Se luso-brasileiro quer dizer alguma coisa, eu sou isso”, costumava dizer.
31
cultura
O esplendor de Portugal por Luis S. Krausz *
34
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, templo de Luís de Camões.
35
cultura
C
om um acervo de cerca de 400 mil livros, dentre os quais estão preciosidades como a primeira edição de Os Lusíadas, o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro possui hoje a maior biblioteca portuguesa fora de Portugal e também as mais importantes coleções de Luís de Camões. Sua história confunde-se com a dos imigrantes portugueses que, depois da independência do Brasil, aqui se instalaram e que, ao contrário de grupos de outros países, encontraram um mundo em muitos aspectos semelhante ao seu. Os demais imigrantes lutaram para preservar no Brasil suas culturas singulares, as línguas e costumes. Japoneses e italianos, poloneses e alemães, holandeses, suíços e outros criaram suas instituições culturais e religiosas, seus clubes, bairros e colônias agrícolas para preservar a identidade e manter atados os laços com as terras e com o espírito de origem dos ancestrais. Com os portugueses a história foi diferente, até porque as histórias de Portugal e do Brasil, antes do século XIX, coincidem em quase todos os aspectos. Sua civilização tornou-se, aqui como na maior parte dos antigos territórios de além-mar, o ingrediente dominante em culturas sincréticas. A língua portuguesa, no Brasil, na África, na Índia, revestiu-se de novos contornos sonoros, incluiu, em seu acervo, vocábulos das civilizações que com ela se encontraram e conviveram nas novas terras e, com o passar dos séculos, adquiriu feições locais, variantes características de sintaxe, de pronúncia e de grafia. Ainda assim, nas terras de língua portuguesa, os recém-chegados da metrópole, invariavelmente, e por séculos a fio, encontraram ambientes culturais pouco diversos dos de suas terras de origem, e sempre facilmente acessíveis. É tal facilidade que levou os luso-descendentes, nascidos em todas as partes do mundo português ultramarino, a se assimilarem rapidamente, em seus modos de falar e escrever, aos ambientes das terras novas, esquecendo-se das tradições dos pais e avós que, por tão próximas às dos muitos Portugais espalhados pela beira dos mares, muitas vezes não lhes pareciam configurar um mundo à parte.
36
Os portugueses – e, sobretudo, os filhos e netos – sentiam muito menos do que outros grupos a necessidade de neles recriar uma atmosfera de origem. As cidades no além-mar não guardavam, com as terras de nascença, diferenças suficientemente substanciais. As levas numerosas, constantes e sucessivas de emigrantes portugueses que aqui aportaram fizeram com que a proximidade com Portugal fosse sempre renovada e parecesse óbvia e natural. O contato com os nascidos em Portugal sempre fez parte do cotidiano de muitas cidades brasileiras – especialmente do Rio de Janeiro, desde a vinda de D. João VI um dos destinos privilegiados pelos que desejavam estabelecer-se do outro lado do Atlântico. O universo de civilização encontrado nessa cidade foi-lhes a tal ponto acolhedor e congenial que o pa-
ção, antigos refugiados do miguelismo em Portugal, membros da elite sócio-cultural que se sentiam no dever de preservar, na América, a cultura lusitana que fora fortemente ameaçada no desastrado reinado de D. Miguel – irmão de nosso D. Pedro I. Monumento às letras portuguesas, o Real Gabinete, no centro da antiga capital do Brasil, próximo à Praça Tiradentes e ao Largo de São Francisco, é um majestoso edifício em estilo manuelino – o mesmo gótico tardio português do célebre Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa – e um monumento às tradições de uma nação de grandes navegadores. São seus co-padroeiros Luís de Camões e o Infante D. Henrique (1394-1460). Sua sede foi inaugurada em 1887, cinco décadas depois da fundação, na presença do Conde D’Eu e da Princesa Isabel, e saudada por Joaquim Na-
buco como o mais belo edifício do Rio de Janeiro em seu tempo. Dentre os que discursaram na ocasião, além do próprio Joaquim Nabuco, estava o escritor Ramalho Ortigão, que declarou: “Se um dia Portugal houver de desaparecer da carta política da Europa, esta casa será ainda como a expressão monumental do cumprimento da profecia: não se acabe a língua nem o nome português da terra.” O prédio chama a atenção dos passantes por contrastar com a arquitetura de estilo colonial e imperial que predomina nessa região do Centro do Rio de Janeiro, em edificações como o Convento de Santo Antônio, e são muitos que entram movidos pela curiosidade, sem saber que é uma das mais belas bibliotecas do planeta. Encontram-se, ali, igualmente, as mais
triotismo trazido da Europa rapidamente adaptou-se, depois de 1822, ao novo país – onde os portugueses jamais sentiram-se ou foram considerados estrangeiros. Por isso, um grupo de portugueses radicados no Rio de Janeiro fundou, em 1837, o Real Gabinete Português de Leitura, a primeira instituição lusitana criada por imigrantes do País. Para lembrar às gerações futuras, especialmente depois de nossa Independência, a verdadeira origem da Língua e recordar que o centro de gravidade do Idioma encontra-se às margens do Tejo. Seus idealizadores eram, sem exce-
Luís de Camões, o poeta maior
importantes coleções Camonianas e Camilianas fora de Portugal, assim como os manuscritos de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, e do Dicionário da Língua Tupy, de Gonçalves Dias. Também manuscritos originais de Machado de Assis e pinturas a óleo de Malhoa, Carlos Reis e Henrique Medina, além de uma importante coleção de numismática e documentos europeus, assinados por reis e papas, bem como obras de arte como o busto do ex-embaixador português no Brasil João Lampreia, bisavô do ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia.
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
da língua portuguesa, e o infante d. henrique, criador da escola de sagres, aparecem ao alto da porta principal do real gabinete português de leitura do rio de janeiro.
37
cultura
– de um centro multimídia Fundado por iniciativa dos anexo ao Real Gabinete, onde portugueses do Rio de Janeiro, o CD-Roms, vídeos e páginas Real Gabinete vem sendo manda internet estão à disposição tido, desde então, pelos seus sódos interessados. “O objetivo cios e por doações da iniciativa do Real Gabinete é ser um privada. Até recentemente era pólo de difusão da cultura administrado e mantido excluportuguesa”, explica o presivamente por membros das gesidente Gomes da Costa, “e rações sucessivas de imigrantes os novos meios eletrônicos, portugueses que chegavam à cicada vez mais importantes, dade e lá progrediam, evoluíam não poderiam deixar de estar e passavam a se interessar pelas presentes, da mesma forma artes e pela literatura. que os livros”. Com o fim da imigração Para preservar o giganna década de 1960, entretanto, tesco acervo, o Real Gabinete essa situação se tornou inviádispõe de um departamento vel pois, como diz António Gode restauração de livros, instames da Costa, presidente há 20 ao centro, no real gabinete portuguÊs lado numa sala anexa ao salão anos, não existe, no Brasil, um de leitura do rio de janeiro, de leitura, onde uma equipe público ou uma comunidade de clarabóia original da biblioteca especialmente treinada subsluso-descendentes. “Os filhos de e sala de leituras. titui capas danificadas, restauportugueses nascidos no Brasil são brasileiros e os portugueses do Rio de Janeiro es- ra páginas gastas e refaz encadernações deterioradas. Garantem o funcionamento do Real Gabinete alguns tão desaparecendo” – constata Gomes da Costa. Essa realidade fez com que ele introduzisse uma imóveis alugados, além das contribuições mensais mudança nos estatutos da instituição que, até o iní- dos sócios no valor de apenas R$ 40 – e de contribuicio de sua gestão, somente podia ser administrada ções esporádicas da iniciativa privada. Todos os dias de 150 a 200 pessoas passam por suas por portugueses. “Hoje pelo menos metade do corpo de associados de todas as instituições da comunidade austeras mesas de leitura. São, sobretudo, estudantes portuguesa são brasileiros”, afirma Gomes da Costa. de letras e de ciências humanas, que também fre“Depois da mudança de estatuto temos hoje oito di- qüentam os cursos sobre língua, história e literatura retores portugueses e quatro brasileiros. Felizmente portuguesa – ministrados, em geral, por professores há brasileiros interessados na passagem de nosso tes- universitários brasileiros. O Real Gabinete edita a revista Convergência Lusíada e, por ser depositário temunho às gerações futuras”. Em sua gestão, Gomes da Costa empenhou-se legal, oficialmente reconhecido pelo Estado portuprincipalmente na modernização do Real Gabine- guês, o Real Gabinete recebe, ainda hoje, um exemte. A biblioteca foi informatizada e hoje os leitores plar de cada livro publicado em Portugal. podem facilmente encontrar, usando o computador, qualquer obra a partir do título, nome do autor ou * Filho e neto de alemães judeus, refugiados em São Paulo, no início assunto. Ele é também responsável pela implanta- das perseguições nazistas em Berlim, Luis S. Krausz é professor de hebraica e judaica na USP e publicou, em 2011, o romanção – que contou com o apoio da Fundação Calous- literatura ce Desterro, trama ambientada no universo da comunidade dos te Gulbenkian, de Lisboa, e do Banco Itaú, no Brasil judeus azkenazi paulistanos.
gabinete português de salvador
A Lusíada baiana Gabinete Português de Leitura, de Salvador, tem fachada e salões em estilo manuelino, que Abel Travassos, diretor de patrimônio, preserva com grande carinho.
M
anuelino, como o Real Gabinete Português de Leitura, do Rio de Janeiro, que exalta o estilo dos Jerónimos, em Lisboa, monumento ao reinado de D. Manuel I, o
Venturoso, descobridor das Índias e do Brasil, o baiano Gabinete Português de Leitura domina uma das praças centrais de Salvador, o antigo Largo da Piedade, na extensa Avenida Sete de Setembro, que liga o Largo da Vitória à Praça Castro Alves. Uma relíquia lusíada numa das metrópoles brasileiras com maior acervo arquitetônico colonial português. Fundado em 1863, o Gabinete de Salvador teve a atual sede inaugurada em 1918 – 31 anos depois do inspirador carioca. “É uma pena que os portugueses e lusos descendentes da Bahia quase nunca vêm nos visitar” – lamenta o arquiteto Abel Travassos, um português de 66 anos, natural da Beira Litoral, região de Coimbra, diretor de Patrimônio do Gabinete soteropolitano. Travassos emigrou adolescente, com os pais, e desde os 19 anos é dirigente da biblioteca portuguesa baiana – que possui cerca de 15 mil volumes. Os turistas estrangeiros, porém, cada vez mais visitam o templo baiano de Camões.
38
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
39
real gabinete português de recife
Perto dos olhos e do coração
O real gabinete português de leitura de recife, cuja atual sede, desde a sua inauguração, em 1921, na rua do imperador d. pedro ii, transformou-se em referência na capital pernambucana com seus 80 mil livros.
B
erço da restauração portuguesa em 1645, depois que os ocupantes holandeses do Nordeste foram derrotados nos Guararapes, muito se orgulha o Recife, metrópole
dos palácios, jardins e pontes de Maurício de Nassau, do seu imponente Real Gabinete Português de Leitura – fundado em 1855. Cidade com uma presença marcante de imigrantes portugueses – só comparáveis ao Rio de Janeiro, São Paulo, Santos e Belém –, o Real Gabinete, à Rua do Imperador D. Pedro II, centro da capital pernambucana, possui valioso acervo, com cerca de 80 mil livros. É bastante freqüentado, não só pela numerosa comunidade luso-brasileira, mas também por alunos de diferentes idades das escolas e universidades. No Real Gabinete foi fundado o prestigioso Real Hospital Português e, mais tarde, o tradicionalíssimo Clube Português. Também na gastronomia destaca-se a lusitanidade em Recife, onde funciona o mais antigo restaurante do País, Leite, templo da culinária portuguesa, fundado em 1882, propriedade de várias gerações de imigrantes beirões e minhotos. O Real Gabinete de Recife é o único que não foi edificado em estilo manuelino.
40
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
real centro cultural português de santos
Além da Vila Belmiro
C
onsiderada a segunda edificação em estilo manuelino mais preciosa do Brasil, depois do carioca Real Gabinete
Português de Leitura, o Real Centro Cultural Português de Santos é, a rigor, um gabinete – como o do Rio de Janeiro, Salvador e Recife. O Centro Português de Santos foi fundado em 1895 por vários portugueses residentes na Baixada Santista e teve como líder o dentista açoriano Manuel Homem Bittencourt. O seu magnífico edifício foi inaugurado em 8 de outubro de
Inaugurado com o século passado, o Real Centro Cultural Português
1900. Uma caixa com tampo de vidro, desde
de Santos é cartão-postal, desde
1947, guarda, no Salão Cardeal Cerejeira, pedras
então, da cidade – famosa em
do promontório da antiga Escola de Sagres do
todo o mundo pela Vila Belmiro, estádio do Santos F. C. de Pelé.
Infante D. Henrique. “O Real Centro é o maior orgulho de todos os portugueses de Santos”, afirma o comendador Vasco de Frias Monteiro, histórico membro da entidade e também dirigente da Casa de Portugal de São Paulo. Alguns portugueses de Santos acham que o Real Centro Cultural Português é uma jóia da cidade de Pelé e da Vila Belmiro.
42
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
entrevista
António Gomes da Costa Que não se acabe a língua nem o nome português por Albino Castro
U
m dos mais brilhantes intelectuais portugueses no Brasil, o economista António Gomes da Costa, 77 anos, nascido, como Eça de Queiroz, na Cidade da Póvoa do Varzim, distrito do Porto, preside há 20 anos o Real Gabinete Português de Leitura – considerado uma das bibliotecas mais bonitas do mundo e principal obra cultural da comunidade lusitana do Rio de Janeiro. Ele também é presidente do Conselho Deliberativo da Beneficência Portuguesa e do Vasco da Gama. Autor de obras como Farpas e Louvações, que abordam a presença do homem português entre nós, e articulista na imprensa lusitana no Brasil e em Portugal, Gomes da Costa nos recebeu em sua magnífica sala no Real Gabinete, à Rua Luís de Camões, no centro do Rio, para a entrevista a PORTUGAL – Presença no Brasil.
44
Quais os erros e acertos da colonização portuguesa no Brasil? Todos os processos de colonização tiveram aspectos positivos e negativos. A colonização portuguesa no Brasil deixou-nos um legado de acertos que foi determinante para a construção do grande País que somos. Mencione-se, entre eles, a ocupação e a unidade territorial, que se deve não só à coragem dos colonizadores que, rasgando os sertões, levavam a linha da fronteira na biqueira das botas, como também à estratégia da metrópole em Tordesilhas e outros tratados diplomáticos. E, por isso, ao contrário do que aconteceu na América espanhola, o Brasil não se fragmentou. Outro acerto foi a difusão da língua portuguesa. Dos confins do Amazonas aos campos do Rio Grande o idioma cimentou a unidade nacional. Outra herança decisiva deixada pelos governos coloniais foi a estratégia da defesa do território, com a construção de fortes e fortalezas nos pontos mais vulneráveis do País. Referia-se ainda à propagação da doutrina cristã e à catequese, que começaram logo com os primeiros encontros com os indígenas. Ou ainda a mistura de etnias, o traçado das vilas e das cidades, a transferência de produtos agrícolas de outras possessões ultramarinas, as ordenações jurídicas, as reformas no século XVII feitas pelo Marquês de Pombal e o formato das instituições. Dos defeitos, que também os houve, desde o tráfico negreiro e a escravidão à demora de introduzir o ensino universitário, podemos “compensá-los” no julgamento da história pelos méritos maiores que a colonização por parte de outras potências européias nas Américas, na África e no Oriente.
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
antónio gomes da costa é presidente desde 1992 do real gabinete português de leitura, do rio de janeiro.
entrevista
O senhor concorda com o ex-embaixador por- questão da remuneração do trabalho e o câmbio. Após tuguês no Brasil, Francisco Seixas da Costa, que o 25 de abril ainda tivemos a vinda de alguns milhaafirmou no livro Tanto Mar?, publicado em 2009, res de portugueses, quase todos empresários ou técnique só se pode entender bem o que Portugal é, e cos, que na maioria voltavam. Mas depois a corrente não apenas o que Portugal foi, depois de se mer- emigratória para o Brasil foi diminuindo cada vez mais, até porque a economia gulhar no Brasil? portuguesa e a da Europa Desde menino que ouvia os "O movimento modernista passaram por um período de “brasileiros” da minha alforte crescimento e demanda deia, quando visitavam a de 1922 levou a um de mão-de-obra. Hoje, com a terra natal, dizer aos homens que tinham ficado: “Para voesfriamento luso-brasileiro" elevada taxa de desemprego, os portugueses voltam a sair cês avaliarem o tamanho de em massa do País. Mas quase Portugal, têm de ir ao Brasil”. Estava certo o embaixador Seixas da Costa ao fazer tal todos os que emigram, pela proximidade e pelas faciliafirmação. Precisamos conhecer o Brasil para compre- dades decorrentes do “espaço cívico”, preferem a Euroender bem o que é Portugal no presente e o que Portu- pa. Acrescente-se a propósito que, durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, foram criadas gal foi no passado. algumas exigências que tornaram mais difícil a enPor que o Brasil, apesar de ter uma economia que trada de trabalhadores estrangeiros. Mas, a persistir a vem se consolidando nos últimos 10 anos, não é crise atual, o Brasil voltará a ser o “Eldorado” dos pormais um pólo de atração para a emigração portutugueses, como foi noutros tempos. guesa – uma vez que os portugueses continuam O escritor português António Alçada Baptista a emigrar? Desde a década de 1960 que a emigração portuguesa (1927-2008), em ensaio publicado em 1990, constomou outros destinos que não o Brasil: os países da tatou que desde a Semana de Arte Moderna de Europa, o Canadá, a África do Sul, os Estados Unidos, 1922, em São Paulo, deixou de existir um “diáloa Venezuela – e assim por diante. Para isso influiu a go” entre a literatura portuguesa e brasileira – ao contrário do que ocorre em países de língua inglesa e espanhola. Por que isso acontece? O movimento modernista de 1922 levou, como escreveu Alçada Baptista, senão a uma ruptura, pelo menos a um “esfriamento” no contexto cultural luso-brasileiro. Foi uma decorrência da própria afirmação do movimento que irromperia em São Paulo contra os “clássicos” e as tradições acadêmicas. Isso não significou que tanto em Portugal como no Brasil não continuássemos a ter, no campo literário, grandes figuras que “dialogavam”, amorosa e fraternalmente, de um lado e do outro do Atlântico: de Gilberto Freyre e Manuel Bandeira a Vitorino Nemésio e Miguel Torga; de Érico Veríssimo a Ferreira de Castro; de Jorge Amado a José Saramago. A “ponte literária” foi sempre a mais “vistosa”, mais do que a política, mais do que do “comércio das sobremesas”, mais do que a técnico-científica e a desportiva. antónio gomes da costa diz que a "ponte literária" entre Brasil e Portugal é mais "vistosa" do que a política e a do comércio.
46
Deixando de lado a nossa língua comum, quais os três traços mais marcadamente portugueses no Brasil?
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
Histórica foto publicada em 1885 na revista a ilustração, de lisboa, reunindo os cinco gigantes das letras portuguesas da geração de 1870. da esquerda para a direita, aparecem eça de queirós, o historiador oliveira martins, o poeta açoriano antero de quental, ramalho ortigão e o poeta guerra junqueiro.
Os portugueses deram para a formação do Brasil, como Estudiosos da economia, como o britânico Jim não podia deixar de ser, um contributo importante em O’Neil, do Goldman Sachs, acreditam que o Bramuitas outras vertentes: a miscigenação, como já disse, sil continuará crescendo – e se fortalecendo – e não permitindo que florescessem preconceitos ou se crias- será, a partir de 2050, o centro de um grande bloco com cerca de 700 milhões sem barreiras raciais, bem como de habitantes, reunindo o catolicismo, que se estendeu "Por que não renascer o países do Sul do México, por todo o território, a partir da catequese dos jesuítas, com José sonho do Quinto Império de Portugal, Espanha e a África portuguesa. Esse bloco, de Anchieta e Manuel da NóVieira e Agostinho da Silva?" que terá São Paulo como a brega – ou, se quisermos, com principal metrópole ecoa celebração da Primeira Missa nômica, faria do português por Frei Henrique de Coimbra, ainda nas praias de Porto Seguro. E também o universa- a mais influente língua de origem latina, supelismo, que marca o caráter do povo brasileiro em todos os rando o francês, italiano e até mesmo o espanhol. sentidos: nos brandos costumes e no sincretismo religioso, Como o senhor analisa a perspectiva? Não há dúvidas que o Brasil – colocado hoje no BRICS – na mistura de sangue e na compreensão do outro. passará dentro de poucos anos para o rol das grandes poEm histórico discurso pronunciado por Ramalho tências mundiais. Já é a nação-líder da América Latina Ortigão, na inauguração do atual prédio do Real e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; em Gabinete Português de Leitura, em 1887, o escritor pouco tempo, vai emparelhar com as nações que, por dilusitano clamou para que “não se acabe a língua versas circunstâncias, ainda estão na sua frente. E com o nem o nome português da terra”. O Real Gabinete Brasil, na sua grandeza e na sua vocação, por que não há cumpre a profecia do autor das célebres Farpas? de renascer o sonho do “Quinto Império”, do Padre AntóO Real Gabinete Português de Leitura não é apenas uma nio Vieira, no século XVII, e do filósofo Agostinho da Silva, matriz onde encontramos muito do que de melhor produ- que viveu no Brasil por décadas durante o século passado, ziu o “gênio lusitano”, mas é também uma grande prova onde caberão todos os povos que falam português? Ambos de reconhecimento dos portugueses ao Brasil. Faço mi- eram portugueses, viveram na Bahia e são, historicamennhas as palavras de Ramalho Ortigão. E assim como nes- te, os inspiradores da CPLP, a Comunidade dos Países de te País e demais espaços lusófonos não acabará a língua Língua Portuguesa, criada em 1996. E os espanhóis, mais de Camões, também no Real Gabinete, nas suas pedras de os irmãos da língua castelhana, são todos da família... liós e no acervo de sua biblioteca, não se extingüirão os tes- Santiago de Compostela é logo ali – perto de Fátima e dos temunhos da nossa gratidão e do nosso louvor ao Brasil. Jerónimos e não longe de Aparecida e do Planalto...
47
turismo
Lisboa seduz brasileiros Capital portuguesa já é o quinto destino mais procurado pelos brasileiros em todo o mundo por Amarilis Bertachini
O
Brasil descobriu Portugal como destino turístico. Os brasileiros cada vez mais viajam às terras lusitanas e encontram um país que se modernizou sem perder as encantadoras tradições. O jeito hospitaleiro português conquistou os turistas brasileiros. Antiga metrópole imperial, faceira e misteriosa, como seus fados, Lisboa tem a preferência de nossos turistas – seguida da imponente Cidade do Porto. Viajar a Portugal passou a ser uma escolha e não só uma opção como porta de entrada para a Europa. O número de visitantes brasileiros em Portugal tem mostrado crescimento constante nos últimos anos. Dados do Turismo de Portugal – entidade encarregada de promover o país como destino turístico e que tem sua representação no Brasil há 48 anos – mostram que enquanto 152.785 brasileiros estiveram em Portugal em 2004, no ano passado o número subiu para 376.540 – um aumento de 146,45%. E os números continuam a subir. De janeiro a maio de 2011, hospedaram-se 153.808 brasileiros em Portugal, ou 19% a mais do que os 129.081 registrados no mesmo período do ano anterior. Para Paulo Machado, diretor do Turismo de Portugal no Brasil, são vários os fatores que explicam o crescimento, entre os quais a demanda brasileira que
48
que a atual crise financeira afete o desempenho do segmento. “Estamos sempre trabalhando em várias frentes para atrair o público brasileiro: workshops, feiras, ações de relacionamento com a imprensa, roadshow e viagem com celebridades ao país”, diz o diretor do Turismo de Portugal. O tempo de permanência do brasileiro em Portugal também cresceu – a permanência média hoje é de 3,7 noites – e trata-se do turista que tem o maior gasto médio no país. Os brasileiros gastaram em Portugal, em 2010, € 309,12 milhões, de acordo com dados do Turismo de Portugal. A média de gasto diário do turista estrangeiro é de € 118 – e o brasileiro € 192, sem contar as despesas de hospedagem. Levantamento da entidade mostra que o principal motivo das viagens dos brasileiros a Portugal é o lazer, mas há grande procura também por viagens de negócios e turismo religioso.
viagem à Europa. Portugal, hoje, é a porta de entrada da Europa, e Lisboa é a cidade que mais se beneficia disso”, afirma Machado. De janeiro a maio de 2011, Lisboa recebeu 89.217 hóspedes brasileiros – cerca de 15,6% a mais do que os 77.158 registrados em igual período de 2010. Machado acredita que o brasileiro tem atualmente uma melhor percepção de Portugal e os próprios visitantes afirmam que o país conseguiu se modernizar sem perder a ternura. “Os turistas dizem que em Portugal as pessoas são hospitaleiras, os valores dos bens e serviços são menores que no resto da Europa e o binômio custo/benefício é extremamente favorável para o consumidor brasileiro”, diz. As viagens a Portugal aumentaram – mas a demanda também cresceu para outros países da Europa. “A cidade mais procurada pelos brasileiros que
do alto da igreja de são vicente de fora,
está aquecida pelas condições favoráveis da economia nacional e os investimentos na área de turismo que foram feitos ao longo de muitos anos em Portugal. Segundo Machado, o País continua a apostar na vocação de bem receber, o que também ajuda a evitar
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
Lisboa tem mais de 60% da preferência dos brasileiros. Porto vem em segundo lugar no ranking e o charme de Coimbra e a religiosidade de Fátima vêm na seqüência.“Durante muito tempo a Cidade de Lisboa era o último destino visitado pelos turistas em
acima do bairro da alfama, lisboa contempla as vielas, o casario e o estuário do rio tejo – fonte de inspiração para os fados e encanto dos turistas.
49
turismo
viajam pela TAP é Lisboa, mas, na média geral, a capital portuguesa se encontra em terceiro lugar, depois de Paris e Londres”, diz Mário Carvalho, diretor geral para a América Latina da companhia. De acordo com Carvalho, a procura pelo destino Lisboa cresceu 10% e a companhia aérea transportou em suas linhas, a partir do Brasil, em 2010, 1.427 milhões de passageiros. Ele prevê para 2011 um crescimento da ordem de 20% nas vendas de passagens, em 2009 relação ao ano anterior, com base no resultado dos primeiros meses do ano. Em números globais, a TAP registrou em 2010 um recorde + 7% de 9 milhões de passageiros transportados, com um aumento superior a 7% em relação ao ano anterior. As vendas de passagens, envio de carga e serviços de manutenção, no mercado brasileiro, ficaram 55% acima do registrado em 2009 e contribuíram decisivamente para o bom resultado da companhia aérea, que fechou 2010 com vendas de € 2,22 milhões. A TAP é hoje uma das companhias aéreas estrangeiras com maior número de ligações diretas de cidades brasileiras com o exterior. Com o início de operação de um novo vôo entre Porto Alegre e Lisboa em junho de 2011, a empresa já soma 77 freqüências semanais ligando Brasil a Portugal, e de lá para 49 cidades européias, o que reforça os negócios entre os dois países, tanto no transporte de passageiros, quanto no de cargas. Atualmente a TAP tem vôos diretos para Portugal partindo de 10 cidades brasileiras – Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Fortaleza, Natal, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Porto Alegre. A diversificação dos pontos de saída é uma estratégia adotada pela TAP nos últimos anos para proporcionar melhor serviço aos passageiros que estão em outras cidades, aliviando o fluxo dos já tão congestionados aeroportos de São Paulo e Rio de Janeiro. “É uma política que estamos seguindo de oito anos para cá e que acabou dando resultado, pois aumentou a demanda no Brasil, ocasionada pelo maior poder aquisitivo e o câmbio favorável aos que viajam para
50
o exterior”, afirma Carvalho, concluindo: “Com o real mais valorizado em relação a outras moedas, ficou mais barato o cidadão do Brasil viajar para o exterior”. Exemplo de cliente assíduo da TAP, o produtor musical brasileiro João Mario Linhares viaja há 22 anos, entre quatro e seis vezes por ano, para Portugal. “Vou a trabalho e a passeio. Gosto mais do vôo da noite porque saio daqui às 23 horas, janto, durmo e quando acordo já estou em Lisboa, 2010 por volta das 12h”, conta Linhares, acrescentando elogios ao atendimento e à alimentação a bordo das aeronaves. “Entre os países da Europa, Portugal tem um custo-benefício muito bom: o preço é mais acessível, come-se muito bem e 9 milhões de passageiros ainda há a familiaridade com o idioma”, declara Bárbara Piccolo, gerente comercial e de vendas internacionais para Europa, Ásia, África e Oceania da CVC, uma das maiores empresas brasileiras de turismo. A operadora trabalha com o destino Portugal há mais de 10 anos. No ano passado, a CVC levou para Portugal cerca de 2,5 mil turistas em viagens individuais e mais de 30 mil passageiros em circuitos (excursões). Para este ano, a previsão é de um incremento de 25% nesse movimento. Segundo Bárbara Piccolo, Portugal faz parte dos destinos “Top 5” da CVC, pois está entre os países que concentram as cidades preferidas pelos turistas brasileiros: Paris, Roma, Madri, Lisboa e Londres, nessa ordem. Entre as cidades portuguesas, Lisboa e Porto são as duas mais procuradas pelos clientes da CVC, seguidas por Funchal, capital da Ilha da Madeira. Entre os serviços especiais oferecidos nesses roteiros se destacam, informa Bárbara Piccolo, os 20 ônibus adesivados com a logomarca da CVC que a empresa tem em Portugal, esperando pela chegada dos passageiros que saem do Brasil. “Isso dá segurança ao passageiro. Após percorrer dez horas de avião, ele é recebido por uma equipe uniformizada e entra em um ônibus com a marca da CVC”, diz. Ela conta também que tem crescido a procura por uma hospedagem diferenciada, em hotéis bem localizados e charmosos, como antigos
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
ÀS MARGENS DO RIO DOURO, IMPONENTE, A CIDADE DO PORTO, COM O SEU BAIRRO DA RIBEIRA, FAMOSO PELOS RESTAURANTES, E AS BARCAÇAS QUE TRADICIONALMENTE TRANSPORTAM O PRECIOSO VINHO DO PORTO.
conventos, castelos e palacetes nas áreas centrais ou do curso fazem uma viagem ao exterior), luxo, resorts e aventura, para lugares menos conhecidos, como Lipróximas a Lisboa. O fluxo contrário, o de turistas portugueses em toral Paulista, Bonito, no Mato Grosso do Sul, Minas viagem ao Brasil – que sofreu certo abalo com a crise Gerais, Amazônia e Sul do Brasil. O gasto médio de cada turista português no Brasil, financeira em 2008 – também apresentou uma pequena melhora em 2010, subindo de 183.697 visitantes em 2009, último dado disponível, foi de US$ 78,04 em portugueses, em 2009, para 189.065 no ano passado, lazer e US$ 94,09 em negócios, eventos e convenções. De acordo com levantaum aumento perto de 3% mento feito pelo Ministério no movimento, segundo Proximidade com a Europa do Turismo (MTur), Pordados da antiga Embratur, tugal ocupou o nono lugar que agora se chama Instifaz do Nordeste a região entre os 20 principais países tuto Brasileiro de Turismo. emissores de turistas para De acordo com levantapredileta dos portugueses o Brasil em 2010 – Argentimento feito pelo órgão, em na, Estados Unidos e Itália 2010 foram disponibilizados 585.261 assentos aéreos em vôos operados pela TAP ocuparam os três primeiros lugares. Um estudo sobre partindo de Lisboa e Porto com destino ao Brasil. As o Perfil da Demanda Turística Internacional do MTur cidades mais procuradas pelos portugueses no Bra- mostra que a maior parte dos portugueses vindos ao sil são Rio de Janeiro e Fortaleza. A Região Nordeste Brasil em 2009 tinha idade entre 32 e 40 anos (25,9%), ainda é a preferida pelos portugueses – pelos atrativos viajou sozinha (46,1%), tinha renda média mensal intropicais e pela proximidade com a Península Ibérica. dividual de US$ 3.206,55 e teve um gasto médio per A Embratur também desenvolve um trabalho para capita/dia de US$ 52,80. O Brasil está longe de repreque o público português conheça um Brasil diferente sentar, para os portugueses, o que os turistas brasileiros e multicultural. Os principais nichos e destinos tra- equivalem para Portugal. Lisboa, mesmo atrás de Paris balhados em 2011 foram: golfe, lua de mel, finalistas e Londres, já rivaliza, afinal, com Buenos Aires e Mia(estudantes de nível médio ou superior que ao final mi, na preferência do turista nacional.
51
turismo
Três hotéis e uma metrópole de sonhos Hotéis Bairro Alto, Pestana Palace e Olissipo são pontos de luxo e glamour em Lisboa por Fábio Caldeira Ferraz
B
Olissipo lapa significa palácio da rocha dos mouros.
erço da hospitalidade ibérica, Lisboa, desde o final do século XIX, possui refinados e aconchegantes hotéis. Mas, a partir do ingresso do país na União Européia, nos anos 1990, a capital portuguesa ganhou hotelaria de altíssimo requinte – como os três hotéis selecionados por Portugal – Presença no Brasil.
olissipo lapa palace Pestana palace integra o antigo palácio valle flôr.
Pestana palace hotel
Bairro Alto Hotel Hospedar-se é, antes, uma escolha, e das mais difíceis, quando o destino é Lisboa. Quem avalia as excelentes opções da cidade sabe que este hotel do Bairro Alto não é apenas uma das melhores casas do gênero na capital portuguesa. Unem-se, neste edifício de 1845, elegância e sofisticação com as delícias de um bairro tradicional, que se quer interligado por linhas de bondinhos, iluminado por candeeiros vitorianos e embalado pelos fados que transbordam dos salões. O design do Bairro Alto Hotel também atrai. O projeto aproxima o clássico de tendências contemporâneas. Concilia ambientes menores e intimistas com outros maiores e imponentes, garantindo acomodações adequadas tanto para atividades profissionais quanto pessoais. Contudo, na sobriedade reinante do local, há
52
Bairro alto hotel, na praça luís de camões, no bairro que lhe dá nome.
espaço para a ousadia. Aqui e ali, elementos decorativos exóticos, a maioria originário das ex-colônias portuguesas, adornam as áreas privativa e social. No terraço desta casa aconchegante, um prazer maior está reservado ao hóspede. É de lá que, ao sul, se vê o Rio Tejo e, mais adiante, a bela Cidade de Almada. E, ao lado, o Consulado do Brasil.
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
Doze anos de um minucioso trabalho de restauro devolveram a um endereço de Lisboa as glórias de outros tempos. O Palácio de Valle Flôr, antes símbolo de um nobre português bem sucedido no além-mar, hoje acolhe e deslumbra visitantes e hóspedes do Pestana Palace Hotel. Este imenso complexo, erguido ao estilo francês, em 1904, transformou-se em uma rara opção para quem deseja ficar na capital e gozar da tranqüilidade única do Bairro do Alto de Santo Amaro – local próximo ao Centro Cultural de Belém, do Mosteiro dos Jerónimos e do Centro de Congressos. Além da recuperação interna e externa deste palacete, o Grupo Pestana conduziu, por anos a fio, uma sistemática caçada a objetos decorativos e de mobiliário em antiquários europeus. Somam-se mais de cinco mil peças. Juntos, restauro e decoração, constituem uma fuga no tempo. Nesta, o hóspede vive o Portugal áulico, monárquico e imperial, de riqueza aparente e suntuoso em cada detalhe. Entregue o palácio, o Estado português agradeceu o gesto. Conferiu-lhe o status de “monumento nacional”.
O Bairro da Lapa surge após o terremoto de 1755. Destruída a região central, a nobreza lisboeta passa a investir em casarões mais afastados. A Lapa atraía por dispor de terrenos maiores, capazes de incorporar jardins (símbolo de status) e por sua proximidade com o Rio Tejo. O imóvel onde hoje está o Olissipo Lapa Palace está a apenas quatro quadras do mágico rio. Seduz os clientes a proximidade do hotel com o aeroporto de Lisboa, em Portela do Sacavém, e os centros comerciais das Docas, que reúnem restaurantes e a sofisticada vida noturna da capital. Nas três alas que compõem o hotel – Villa Lapa, Jardim e Palácio –, foram preservados e, quando impossível, adquiridos mobiliários estilo D. João V (1689-1750), D. José I (1714-1777) e D. Maria I (1734-1816). As inúmeras peças de cerâmica que adornam o interior do prédio foram encomendadas à prestigiosa azulejaria de Vista Alegre, fundada em 1824. Nas áreas social e privativa, conjugam-se art déco, colonial e neoclássico. O Olissipo também ganhou fama nos últimos anos por hospedar clientes ilustres em seus Tower Room e Suite Count of Valenças. Esses aposentos são os preferidos da nobreza européia e, claro, de astros e estrelas do show business.
53
negócio
Sangue português e marcas brasileiras Empresas genuinamente brasileiras criadas pelos lusitanos por Luiz Voltolini
D
esenvolvido a partir de uma cultura das maiores comunidades portuguesas fora expansionista, Portugal é um país da pátria lusitana. cujo nome já desenha seu destino. O maior fluxo de imigração portuguesa ocorSendo derivado de Portus Cale, ou Porto de reu entre 1890 e 1930, coincidindo com uma Cale, nome dado quando ainda era parte do série de crises iniciada com a queda da moImpério Romano, esnarquia em ambos tabeleceu sua vocaos lados do AtlântiTrabalho duríssimo dos ção para o desbravaco. Depois da instauimigrantes portugueses mento do mundo e o ração da República deu frutos no Brasil comércio. Portuguesa, a estabiApesar da presença lidade só veio com o em todos os continenregime de António de tes, Portugal sempre manteve relações estrei- Oliveira Salazar, que também provocou grantas com o Brasil, que está entre os cinco prin- de onda de emigração. Foi do trabalho descipais destinos de investimentos portugueses. sas famílias que aqui chegaram, muitas veEm contrapartida, em 2010, o Brasil foi o zes em condições duríssimas, que surgiram maior investidor estrangeiro em Portugal. Os algumas das principais empresas brasileiras, brasileiros são os mais numerosos imigrantes como Galeto's, Habib's, Pão de Açúcar, Transem Portugal e estão aqui no Brasil algumas motano e Votorantim.
54
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
A
Galeto’s
ssim como tantos conterrâneos, Adelino Gala, imigrante português, fundou em São Paulo um restaurante. O ano era 1971 e o estabelecimento era especializado em galetos desossados. Para homenagear seu prato principal, foi chamado de Galeto’s, e adotou o Galo de Barcelos os ingredientes artesanalmente para atender aos rescomo símbolo, revelando o forte laço de seu criador taurantes, garantindo o mesmo sabor e qualidade em todas as unidades com o país de origem. Em 2003, a rede passou por uma reformulação O primeiro restaurante funcionava na Rua Dr. Vieira de Carvalho, no Centro da cidade. De início, que, de maneira inovadora e peculiar, uniu tradição os galetos com acompanhamentos tradicionais eram à contemporaneidade. Foram incluídas no cardápio servidos no balcão, tornando-se uma excelente opção novas opções, como pizzas e massas, sem deixar de para quem procurava uma refeição rápida e de quali- lado as características originais, como qualidade, dade. Pioneiros e únicos a servir galetos desossados, bom preço, beleza e leveza dos pratos. O slogan, oporforam necessários apenas dois anos para surgir a pri- tunamente, passou a ser “tradicional e contemporâmeira filial, na Rua Pedro Américo, consolidando a neo”, traduzindo a experiência da rede e a modernimudança na cultura gastronômica de São Paulo, que dade paulistana. Logo foram abertas fiestava acostumada a consuliais em Alphaville, em São mir carnes apenas em granRede inova no cardápio Paulo, Rio de Janeiro e Brades churrascarias. mas mantém as raízes sília, consolidando a marEm 1982, a rede viu-se ca e a política de expansão. obrigada a acompanhar a portuguesas do bacalhau A rede conta atualmente transformação da cidade, com 14 restaurantes, sendo fechando os restaurantes do Centro e abrindo sua primeira sucursal nos Jardins. 12 em São Paulo, um no Rio de Janeiro e outro em Foi inaugurado o Galeto’s na Alameda Santos. Era ape- Brasília. Empregando mais de 600 pessoas, atende nas o início de uma expansão pela região dos Jardins mais de dois milhões de fregueses por ano, que rede São Paulo. Mais sofisticado, dois anos depois abriu presentam um consumo de aproximadamente 60 filiais no Itaim Bibi e em seguida em grandes centros mil galetos por mês. Sem jamais perder o contato com as raízes, Adecomerciais, como os Shoppings Morumbi e Iguatemi. Um dos segredos do sucesso da rede Galeto’s é sua lino Gala optou por servir nos restaurantes bolinhos gestão de qualidade. Em 1994 treinou a indústria ali- de bacalhau, bacalhau à camponesa (prato que leva mentícia Sadia para fornecer, de forma personalizada bacalhau norueguês tipo Porto, batatas ao murro e e única, o frango de leite, exclusividade da rede. Além brócolis) e ainda a opção de batatas ao murro como disso, foi instaurada uma cozinha central que elabora um dos acompanhamentos dos galetos. Sentir-se em casa, ainda que a um oceano de distância, é o que buscam os imigrantes portugueses no Brasil. Não seria possível sem incorporar ao país a cultura das novidades gastronômicas e, por que não, a inovadora gastronomia.
55
negócio
Habib’s
mesmo a arquitetura das lojas estão sob o controle da rede Alsaraiva, administrada por Saraiva, responsável pelos negócios do grupo. Ao longo dos anos o Habib’s rendeu ao doutor, que não chegou a exercer sua profissão, o tíuando pensamos em gastronomia lusita- tulo de “Rei da Esfiha”. Um dos segredos do sucesso na, logo vêm à mente os tradicionais pra- deve-se às suas esfihas abertas, que custam menos tos de bacalhau e os doces de ovos, porém, de um real. Graças aos constantes investimentos em nem sempre são essas as receitas que con- padronização e centralização da produção, Saraiva duzem os portugueses ao sucesso. Foi o que ocorreu consegue manter preços acessíveis em todas as lojas. Atualmente a rede conta com 13 centrais de procom Antonio Alberto Saraiva, cujos pais emigraram para o Brasil na década de 1950, quando não tinha se- dução em regiões estratégicas do país, que abastecem quer um ano de idade. Estabeleceram-se no interior lojas instaladas num raio de até 300 km. O método do Paraná e, quando completou 17 anos, compraram escolhido para gerenciar esse crescimento foi o de franquias. uma padaria na região da Penha, em São Paulo. Após mais de 23 anos de sucesso, 340 lojas (disSeu sonho de infância era ser médico. Estudava medicina na Santa Casa de Misericórdia quando o pai tribuídas em 110 cidades de 17 Estados e do Distrito Federal) e 20 mil funcionáfoi assassinado durante um rios, Saraiva é responsável assalto à padaria. Saraiva Receita libanesa da esfiha pelos restaurantes Habib’s, conta que ao assumir o conRagazzo e Box 30. Seus trole do negócio revezavafaz o sucesso do imigrante empreendimentos passam -se entre os livros e o balcão, português em São Paulo por outros setores, que inmas o segundo predominou cluem a Promilat (laticísobre o primeiro e o levou a uma próspera carreira empresarial. Em 1988, o Dr. Sa- nios), Arabian Bread (padaria e doçaria), Ice Lips/Porraiva, como é conhecido por seus funcionários, abriu tofino (sorvetes e sobremesas geladas), PPM (agência de propaganda), Bibs’Tur (agência de viagens), Vector o primeiro Habib’s na Cidade de São Paulo. O surgimento do Habib’s foi quase por acaso. Ele 7 (escritório de arquitetura), Franconsult (consultotinha acabado de abrir uma lanchonete na Vila Ma- ria de franquia), Planej (consultoria imobiliária) e a riana, quando foi procurado por Paulo Abud, um Voxline (contact center). A última garante um sistevelho cozinheiro de origem libanesa, a lhe pedir em- ma de delivery considerado um dos mais eficientes prego. Foi da união do empreendedorismo de Sarai- da América Latina. Parece até obra de um gênio da va e das receitas de Abud, que nasceu a maior rede de lâmpada, mas trata-se apenas do trabalho e do engefast-food “genuinamente brasileira”, como gosta de se nho de um homem nascido em Portugal, criado por autodenominar – um cardápio libanês adaptado ao portugueses, e vitorioso no Brasil. paladar tropical. Saraiva explica que apenas a farinha e a carne são compradas fora das empresas da rede. O conceito de produção verticalizado do Habib’s propicia a padronização de produtos e processos, garantindo qualidade e escala necessárias. Os laticínios, pães, doces e até
Q
56
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
negócio
N
o auge da crise de 1929, ainda adolescente, Valentim dos Santos Diniz deixou Portugal e veio para o Brasil, com o objetivo de ter seu próprio negócio. Realizou sua meta em 1948, ao abrir uma doceira e batizá-la com o nome de Pão de Açúcar, em homenagem ao primeiro contato que teve com o país que lhe prometera prosperidade – o morro do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. O sucesso foi tão grande que, quatro anos após a abertura, já havia duas filiais da Doceira Pão de Açúcar. Mas foi em 1959 que Valentim, como é conhecido, deu
pátria portuguesa chegou a 50 lojas, mas teve fim na década de 1990. Após a recessão causada pelos planos econômicos pós-ditadura, o grupo viu-se obrigado a reestruturar as atividades, chegando a demitir mais de 20 mil funcionários. Apesar disso, em 1992, Abílio dos Santos Diniz, um dos filhos de Valentim, decidiu abrir o capital da empresa, e reverteu a crise. Abílio Diniz desde cedo atuou no grupo ao lado do pai. Aos 20 anos, iniciou como gerente de vendas. Em 1999, passou a controlar as operações da Companhia Brasileira de Distribuição (CBD) em conjunto com a rede francesa Casino. Com a entrada do grupo francês, que ficara com 24% das ações, Abílio redesenhou a companhia, e em 2000 assumiu a liderança de uma das maiores redes varejistas do país, que hoje é composta pelos supermercados Pão de Açúcar e Comprebem; pelo hipermercado Extra, as lojas de eletrodomésticos Extra-Eletro, o supermercado Sendas e, desde 2009, as redes Ponto Frio e Casas Bahia, consolidando sua posição no ranking nacional do varejo. Atualmente Abílio Dinis é presidente do Conselho de Administração da maior empresa de distribuição da América Latina, responsável por mais de 1.800 unidades, entre lojas, hipermercados, postos de combustível e drogarias. Após a fusão com a Casas Bahia, o grupo tornou-se o maior empregador privado do País, com cerca de 145 mil funcionários. A companhia mantém operações em 19 Estados de todas as regiões do Brasil e Distrito Federal, totalizando mais de 2,8 milhões de metros quadrados de área de vendas. Os sonhos do jovem Valentim cresceram muito além do que ele poderia imaginar. Em 2010, as vendas brutas do Grupo Pão de Açúcar superaram os R$ 36 bilhões, uma cifra que o coloca acima do PIB de 91 países, segundo a lista divulgada pelo Fundo Monetário Internacional.
Pão de Açúcar o passo que mudaria o hábito de consumo dos brasileiros. Nesse ano, transformou sua doceira em supermercado, um dos primeiros estabelecimentos com o conceito “pegue e pague”. Em 1965, após a incorporação da cadeia “Sirva-se”, a primeira rede de auto-serviço do país, já podia contar com 11 lojas. Um ano depois, abriu sua primeira filial fora da Cidade de São Paulo, em Santos, e o negócio não parou de expandir. Ao completar 64 lojas, Valentim deu início à internacionalização, levando o Pão de Açúcar a Portugal, Angola e Espanha. Em 1970 inaugurou o primeiro Pão de Açúcar na Europa e, em apenas dois anos, já contava com 13 lojas em Portugal. A operação na
58
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
negócio
Trasmontano F
alar de iniciativas de portugueses no Brasil quase sempre é tratar de negócios exitosos e perenes. Isso vale tanto para as inúmeras de 30 mil para os 100 mil associados atuais e retomou padarias, que passam de pai para filho, como o caminho do crescimento. “O Moredo era presidente para as grandes marcas, como Votorantim e Pão de e eu era o vice-presidente, quando compramos o HosAçúcar. Mas a investida dos imigrantes não ficou res- pital IGESP, antigo Instituto de Gastroenterologia do trita ao comércio. Aqui também criaram entidades Estado de São Paulo. Hoje trocamos de posições e culturais, esportivas e de saúde. nosso hospital oferece atendimento de alta compleFoi para prestar atendimento de saúde aos imi- xidade, como cirurgias de grande porte nas áreas de grantes e promover a cultura por meio da divulga- ortopedia, neurologia e cardiologia”. ção do rico folclore português que, na noite de 28 de A entidade ainda participa das atividades da comaio de 1932, foi criado o Centro Trasmontano de São munidade portuguesa, mas de maneira indireta, Paulo. Com o passar do tempo, o foco principal pas- dando apoio às comemorações. Porém, como operasou a ser a assistência médica e hoje o Trasmontano dora de plano de saúde, segue as normas da Agência não é mais uma sociedade Nacional de Saúde (ANS), voltada apenas aos portucomo todas as demais, exNos anos 1950 o plano de gueses, mas ainda mantém plica Alcides Terrível. “India sede na Rua Tabatingüevidualmente, os laços com a saúde passa a atender ra, no mesmo endereço do comunidade são muito fortodas as nacionalidades primeiro imóvel comprado tes e o relacionamento ainda pela entidade, em 1942. é grande. Meu pai, José Au“Até a década de 1950 todos os nossos associados gusto Domingues Terrível, fez parte da diretoria do eram portugueses. A partir daí abrimos para outras Trasmontando e ainda hoje, apesar da impossibilidanacionalidades e hoje atendemos indistintamente a de física de atuar, é conselheiro do Centro e da Casa todos”, afirma Alcides Felix Terrível, presidente da de Portugal. Sou associado do Trasmontano desde empresa. Não foi só em termos da nacionalidade dos que nasci, ou seja, há 54 anos. Meu avô entrou para associados que o Transmontano expandiu. Geografica- a associação em 1932. Sou muito apegado às minhas mente, o Centro deixou de atender somente no muni- raízes e só não participo mais das atividades por falta cípio de São Paulo, e passou a atuar também nas cida- de tempo”. des da Grande São Paulo, Alto Tietê e Litoral Paulista, Ele conta que é cardiologista, tem sua clínica, faz onde chega de Peruíbe a Ubatuba. parte da diretoria do Hospital IGESP, preside a direAlcides Terrível lembra que no passado o Centro toria do Centro Trasmontano e que essas atividades Trasmontano atravessou algumas dificuldades finan- deixam pouco tempo para os eventos sociais. Entreceiras, mas foi com o plano de recuperação implanta- tanto, afirma, o “Centro Trasmontano é uma entidade do na administração de Fernando José Moredo, presi- luso-brasileira e tem muito orgulho de trabalhar em dente por 14 anos, que a empresa saiu de um quadro prol da comunidade. Nós atuamos com vista a honrar o nome do Trasmontano como uma das principais unidades de saúde do cenário nacional”, conclui.
60
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
negócio
D
uas famílias portuguesas, Pereira Ignácio e Moraes, que se uniram por casamento, deram origem a um dos principais conglomerados empresariais brasileiros: o Grupo Votorantim. A história do grupo começa na Aldeia de Baltar, Norte de Portugal, de onde, em 1888, parte António Pereira Ignácio, acompanhado do pai, rumo ao Brasil. Instalam-se em Sorocaba, no interior de São Paulo, mas o pai fica somente quatro anos e retorna para cuidar da esposa. Com apenas 14 anos, António decide permanecer e trabalhar. Em 1892, abre o primeiro armazém, única incursão no comércio, antes de passar os negócios para o setor industrial. Foi em Boituva, também no interior de São Paulo, que António Pereira Ignácio instalou a indústria de descaroçamento de algodão e iniciou a produção de
António Pereira Ignácio. Foi nessa viagem que a graciosa Helena Pereira Ignácio e o jovem José Ermírio de Moraes se conheceram. A união foi um sucesso no campo sentimental e empresarial. José Ermírio de Moraes, filho do português Ermírio de Moraes, passou a fazer parte do dia-a-dia da Votorantim e, ao longo de oito anos, ele e o sogro dividiram o comando da companhia. Fora dos portões da empresa, José Ermírio organizou os empresários e tornou-se um dos fundadores do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). Foi responsável pela criação da Fundação de Rotarianos da Cidade de São Paulo, do Colégio Rio
Votorantim
manufaturados que culminaria no Grupo Votorantim. O jovem empresário diversificou as atividades, que abrangeram desde a Companhia Telefônica do Sul Paulista até a Fábrica de Cimento Rodovalho. A Pereira Ignácio & Cia era fornecedora de algodão da fábrica de tecidos Votorantim, que entrou em crise em 1914, permitindo que António Pereira Ignácio arrematasse a controladora e registrasse o novo negócio como Sociedade Anônima Fábrica Votorantim. Muito distante de Votorantim, na costa de Pernambuco, o filho de duas famílias tradicionais, Albuquerque e Moraes, embarcava para a Suíça com o intuito de adquirir equipamentos para melhorar a produção das usinas de cana da família. Coincidentemente, a família Pereira Ignácio também partia para a Europa em busca de tratamento para a esposa de
62
Branco e do Hospital Beneficência Portuguesa e elegeu-se senador por São Paulo. A partir do final da década de 1940, os dois filhos de José Ermírio assumiram gradualmente o comando do grupo, que em 1955 já contava com 28 empresas e começava a atuar na produção de alumínio. Após o falecimento de José Ermírio de Moraes, assumiu a presidência da Votorantim o filho mais velho, José Ermírio de Moraes Filho e Antônio Ermírio seguiu no comando da metalurgia, atuando como porta-voz do grupo. Em 2001, os filhos de José Ermírio de Moraes passaram para o Conselho de Administração do Grupo e transferiram para as novas gerações o controle de um conglomerado 100% brasileiro, criado por portugueses e que está presente em mais de 20 países. O grupo atua em diferentes setores, como cimento, mineração, metalurgia, siderurgia, celulose e papel, geração de energia e mercado financeiro, entre outros. Em 2010, obteve receita líquida de R$ 29,5 bilhões e faturamento bruto de R$ 34,2 bilhões.
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
Cultura
Monumento paulistano Uma casa portuguesa, com certeza, generosa e hospitaleira por Andrea Wolffenbüttel
S
ão Paulo nunca parou de crescer e sua vocação cosmopolita parece sintetizar, no Novo Mundo, o que Portugal simbolizou para o Ocidente na Idade Moderna – uma pátria que uniu os oceanos e miscigenou os povos. A metrópole paulistana foi fundada em torno do Pátio do Colégio, em 1554, pelo jesuíta português Manuel da Nóbrega, com o auxílio do então seminarista espanhol José de Anchieta, natural das Ilhas Canárias, e de João Ramalho e os seus descendentes mamelucos, bem como pela tribo do cacique Tibiriçá. Às vésperas de completar 460 anos, bem próximo ao seu coração, está a imponente Casa de Portugal, no Bairro da Liberdade, região tradicional dos imigrantes japoneses – a celebrar, com a sua presença, a universalidade lusitana na maior cidade de língua portuguesa do mundo. A construção parece inspirada nos solares dos morgadios provincianos das terras ao norte do Porto. Fala-se nesta metrópole um português com forte acento italiano – mesmo os descendentes de japoneses, libaneses, alemães, gregos, espanhóis, membros da comunidade judaica de diferentes países, lituanos e, também, os portugueses. Os italianos ajudaram a construir a Revolução Industrial paulista, povoaram
64
erguida à semelhança dos solares lusitanos, a casa de portugal, no bairro da liberdade, é o símbolo dos que deixaram as aldeias na península ibérica e aqui construíram a cosmopolita são paulo.
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
grande parte das vilas operárias e muito influenciaram é a segunda cidade portuguesa com 1 milhão de imio cardápio de São Paulo. Poucas são as famílias pau- grantes. São Paulo possui hoje, segundo o Consulado Português, cerca de 200 mil listanas que não comem, aos luso-descendentes. domingos, massa, no almoTambém é missão da Casa Natural de Chaves, no ço, ou pizza, no jantar. Mas a Norte português, e presidenalma portuguesa está presende Portugal amparar os te no Brasil do Banif, sigla te em cada detalhe da cidade do Banco Internacional do e a Casa de Portugal, fundada imigrantes necessitados Funchal, da Ilha da Madeira, em 1935, é o centro das festas Júlio Rodrigues explica, com e celebrações da comunidade. “Existem inúmeras agremiações, clubes e entidades inconfundível sotaque à moda dos paulistanos, que a lusitanas em São Paulo”, diz o português Júlio Rodri- Casa de Portugal tem um papel social muito imporgues, 61 anos, presidente da Casa de Portugal. “E mui- tante na comunidade de São Paulo, pois, para além de tas vezes organizam simultaneamente festas e todas ser uma entidade cultural, exerce ainda a missão de amparar os imigrantes com dificuldades econômicas. ficam lotadas”. Isso demonstra, segundo Rodri- “A razão de ser das Casas de Portugal espalhadas pelo gues, que chegou aos cinco anos de mundo é a de juntar os portugueses para que tenham idade a São Paulo, em 1955, o quan- momentos, ainda que poucos, de fortalecimento de to é grande e atuante a comunidade sua cultura e estarem mais próximos do seu país de luso-brasileira da metrópole que, origem”, afirma Rodrigues, liderança emergente na até os anos 1970, era considerada a comunidade e que também tem o prestigioso cargo segunda maior cidade portuguesa, de presidente do Conselho Deliberativo da Portuguecom 600 mil imigrantes – à frente sa de Desportos. Célebre madeirense, o jornalista Martins Araújo, do Porto, então com 400 mil habitantes, e atrás de Lisboa, que pos- 72 anos, nascido no Funchal, comentarista esportisuía à época 1 milhão. Um fato his- vo da Rádio Jovem Pan e âncora de programas para tórico ocorreu no dia do aniversário a comunidade portuguesa em duas outras emissoras de rádio de São Paulo, a Trianon e a de São Paulo, em 1968 9 de Julho, é presença constante nos tra– comemorado em 25 dicionais almoços das quintas-feiras na de janeiro. O São Paulo cave do prédio de cinco andares da Casa F.C. enfrentou na ocade Portugal. “Os portugueses não fazem sião o poderoso Benfica, tanto barulho como outras comunidades de Eusébio e Coluna, de São Paulo”, diz Martins Araújo. “Mas no Morumbi, e, por innós, luso-brasileiros, somos uma presencrível que pareça, havia ça pujante e permanente em todos os mais torcedores do clusetores desta metrópole, dos bares e pabe lisboeta, quase todos darias aos bancos e grandes empresas de imigrantes lusitanos, tecnologia.” do que são-paulinos no estádio, que estava lotaJúlio Rodrigues, presidente da casa do. Mas o time paulista venceu o amistoso de portugal de são paulo, define sua por 3 a 2. Há mais de 30 anos, porém, Paris comunidade como discreta, mas capaz de desbancou São Paulo – a capital francesa lotar numa mesma noite várias festas típicas.
65
gastronomia
À mesa com os portugueses Feijoada é uma adaptação feita no Brasil do cozido à lusitana por Amarilis Bertachini
O
jeito brasileiro de iniciar o preparo de um alimento, partindo de um bom refogado, a popular feijoada das quartas-feiras e sábados, e o uso das gemas em diferentes doces, como o Quindim, são algumas características que revelam que a herança portuguesa à nossa mesa vai muito além do bacalhau com batatas, tido como o mais português dos pratos. Na verdade, uma grande quantidade de comidas consideradas tipicamente nacional resulta da adaptação de receitas da culinária portuguesa, como é o
caso da feijoada. Ao contrário da difundida teoria de que teria surgido na senzala, como uma forma de aproveitar as sobras de carne dos senhores da casa-grande, a feijoada teve origem nos famosos cozidos portugueses, que no Brasil receberam o acréscimo de ingredientes encontrados no País, como o feijão preto, que substituiu o grão-de-bico da receita original. As partes do porco usadas na feijoada, que hoje são
A tasca da esquina do mundo Percorrendo mais uma vez a antiga rota que liga Portugal ao Brasil, o chef Vítor Sobral, proprietário do restaurante Tasca da Esquina, em Lisboa, decidiu abrir uma filial na maior cidade de língua portuguesa do mundo. No novo empreendimento, inaugurado em julho de 2011, o chef recria as delícias já servidas na matriz, que fica no bairro Campo de Ourique, desfilando no cardápio os clássicos portugueses e receitas mais modernas criadas por ele.
66
O chef português Vítor Sobral, que aparece acima no alto de lisboa, abriu uma filial em são paulo de sua Tasca da Esquina. Uma das estrelas do cardápio é a Raia cozida em azeite – como aparece ao lado.
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
tidas como menos nobres, como orelhas e pés, não eram naquela época consideradas restos, mas, sim, bastante valorizadas e apreciadas. Além disso, hábitos como sentar-se à mesa, servir o almoço em travessas com fartas porções e até o uso de talheres são heranças européias trazidas ao País principalmente a partir da chegada ao Rio de Janeiro da família real. Os cozinheiros que vieram com a comitiva começaram a inovar para servir à Corte, criando uma fusão de alimentos trazidos de Portugal com ingredientes locais. “A matriz da cozinha brasileira, a técnica, é totalmente portuguesa porque quando os portugueses chegaram ao Brasil os índios ferviam água e assavam, mas aprenderam olhando os portugueses que refogavam e grelhavam. O inglês, o alemão, o povo do norte de uma maneira geral, quando começa a cozinhar, coloca uma panela de água no fogo. Já o brasileiro, quando começa a cozinhar, faz um refogado, aprendeu com os portugueses”, afirma a mais nova estrela da cozinha portuguesa no Brasil, o chef alentejano Vítor Sobral, que inaugurou, em julho de 2011, a filial de seu restaurante Tasca da Esquina na região dos Jardins, uma das áreas mais valorizadas da Cidade de São Paulo. O recém-chegado Tasca da Esquina está procurando ganhar espaços junto a nomes tradicionais, como o Antiquarius, freqüentemente apontado como referência em alta gastronomia. Aberto há mais de 30
anos no Rio de Janeiro e com uma filial inaugurada em São Paulo, o restaurante permite não só saborear a legítima culinária portuguesa, mas também se encantar com peças exclusivíssimas, obras de arte e mobiliários antigos distribuídos pelos ambientes e à venda, de onde vem o nome que remete a um antiquário. O cardápio do Antiquarius manteve a tradição dos clássicos da cozinha portuguesa, como a Cataplana de Mariscos e o Bacalhau ao Lagareiro, mas também fez adaptações para o gosto brasileiro. “Incorporamos pratos nacionais como o picadinho, a dobradinha e a feijoada,
Sobral conta que precisou adaptar apenas algumas poucas coisas em relação ao menu original porque consegue encontrar quase todos os ingredientes necessários no Brasil. Uma das modificações foi a retirada de pratos elaborados com berbigão, um tipo de marisco que não se encontra nos mercados brasileiros. Outra alteração foi em um embutido chamado paio de toucinho, feito com a carne do porco preto, que não é criado em terras brasileiras e que foi substituído pela panceta. Para garantir a qualidade do Tasca da Esquina de São Paulo, mesmo à distância, Sobral diz que manterá o local
a funcionar como seus outros empreendimentos lusitanos – ele tem também em Lisboa a Cervejaria da Esquina –, deixando permanentemente um chef residente coordenando a equipe, além dele mesmo, que é um chef itinerante. A decisão de abrir a filial em São Paulo foi a realização de um desejo antigo de Vítor Sobral, motivado pela diversidade cultural de uma metrópole que fala a mesma língua de seu país de origem. Ele classifica São Paulo como uma cidade agitada e emocional e diz que deixará para os clientes avaliarem qual o principal diferencial de sua casa em relação aos outros restaurantes portugueses.
Salão do restaurante Antiquarius, de São Paulo, que incorpora o bom gosto nas cores, objetos e na excelência da comida.
67
gastronomia
Como se Faz na Fazenda (um bacalhau em postas com ratatouille de legumes), o Cordeiro à Moda Alentejana, o Picadinho e o Bife à Portuguesa. De acordo com ele, o que mais agrada ao paladar dos portugueses são os pratos à base de caça e frutos do mar e os mais pedidos do cardápio são o Arroz de Pato e o Camarão à Bela Sintra. Já os brasileiros pedem, principalmente, o Bacalhau Nunca Chega e o Bife à Moda Portuguesa. Aliás, o tradicionalíssimo bife, quase onipresente nas refeições brasileiras, também é uma herança lusitana, como lembra a chef Gislaine Oliveira, proprietária do Buffet Gislaine Oliveira Gastronomia. “Acho thales martins filho é proprietário do antiquarius – restaurante que formou uma geração de chefs portugueses no Brasil. que o bife foi a maior contribuição portuguesa para a culinária do País, uma vez que o bacalhau, apesar de ser o prato mais conhecido, tem um preço restritivo sempre com um toque pessoal. Nossa dobradinha é ‘dis- para os consumidores brasileiros”, diz. A chef, que também ministra cursos de gastronoputada a tapa’ porque fazemos uma quantidade limitada e é oferecida apenas em alguns dias da semana”, diz mia em algumas escolas especializadas e em prograThales Martins Filho, proprietário da filial de São Paulo. mas de televisão, viajou a Portugal, onde deu aulas de Mas as receitas preparadas com bacalhau ainda culinária brasileira e aproveitou para visitar diversos são o grande sucesso do Antiquarius. No restaurante restaurantes, conhecer novos ingredientes e reciclar – que atende perto de 1.500 clientes por semana – são as informações, para montar uma aula especial sobre consumidos semanalmente cerca de 250 quilos do culinária portuguesa para brasileiros. De acordo com Gislaipescado, no preparo de mais ne, o que os brasileiros mais de vinte diferentes pratos. Alfama dos Marinheiros procuram é o aprendizado de O Antiquarius tem sido uma espécie de escola da de São Paulo é pioneira em pratos portugueses específicos, como os à base de bacagastronomia portuguesa. apresentar receitas na TV lhau, bem como o Arroz de Com exceção de alguns porPato e o Toucinho do Céu, e tugueses que vieram há anos e de outros que estão chegando, todos os demais res- ela diz que gosta sempre de incluir um contexto histaurantes hoje que trabalham dentro dessa linha de tórico sobre cada iguaria ou hábito alimentar. Foi deculinária portuguesa saíram do Antiquarius. São ex- vido a esse interesse histórico que ela descobriu mais -funcionários daqui que abriram os próprios restau- um legado português: o costume de comer peixe às sextas-feiras. Segundo a chef, esse hábito chegou ao rantes”, relata Martins Filho. Entre os que passaram pelo Antiquarius, está Brasil com D. Maria I de Portugal, conhecida como o alentejano de Sousel Carlos Bettencourt, que em Maria, a Louca, que era extremamente devota à Igreja 2004 abriu seu próprio negócio, A Bela Sintra. Rapi- Católica e que, além de guardar a sexta-feira santa, damente tornou-se um dos mais prestigiados restau- passou a fazer jejum de carnes todas as sextas-feiras rantes portugueses de São Paulo e já tem uma filial do mês, em memória à crucificação de Cristo. Por falar em peixes e frutos do mar, um dos mais em Brasília. “O cardápio é internacional, com foco em gastronomia portuguesa”, diz Bettencourt. Ele famosos restaurantes de São Paulo dedicado a essas destaca como pratos principais da casa o Bacalhau iguarias é o Alfama dos Marinheiros, de proprieda-
68
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
de do português Jerónimo Augusto Gomes Alves, um dos pioneiros em apresentar receitas em programas de televisão, ensinando pratos tradicionais da cozinha portuguesa e alguns de sua própria autoria. Jerónimo veio para o Brasil quando tinha 18 anos, trazendo a experiência de já ter trabalhado em alguns restaurantes em Portugal. “Naquela época, a maioria dos restaurantes aqui só oferecia carne ou macarrão e as poucas casas portuguesas só serviam bacalhau com batata e batata com bacalhau. Foi difícil no começo, tive que me impor porque montei uma casa toda voltada para frutos do mar e peixes”, conta. Até hoje 98% dos pratos do Alfama dos Marinheiros são à base desses ingredientes, incluindo os clássicos da cozinha portuguesa e inovações criadas por Jerónimo Gomes, como o Camarão à Moda do Jerónimo, o Misto de Peixe à Moda do Comandante e o Bacalhau à Vila Real, inspirado na cidade onde nasceu.
bacalhau à minhota, um dos pratos fortes de A Casota, de são paulo, restaurante que se orgulha de não fazer concessão ao paladar brasileiro.
Já no restaurante A Casota foram poucas as adaptações feitas ao cardápio. Segunda geração no comando da casa, Nuno Ricardo Palmela Mateus Silva conta que o cardápio do restaurante praticamente não fez concessões ao paladar brasileiro, por resistência de sua mãe, a chef Milu (Maria de Lourdes Palmela), uma portuguesa que, depois de morar um período em Angola, veio com o marido para o Brasil, em meados dos anos 1970. Ela abriu o restaurante em 1984 e até hoje supervisiona pessoalmente a cozinha. Com muita insistência, o filho conseguiu convencer Milu a introduzir, na feijoada portuguesa, a couve ao alho e óleo como acompanhamento. “Ela não queria porque em Portugal o prato não tem esse acompanhamento, mas essa mudança sutil acabou valorizando o prato”, diz Silva. O restaurante, no bairro de Moema, em São Paulo, é mais conhecido pelos deliciosos doces portugueses e como rotisserie, mas o cardápio oferece várias opções de pratos tradicionais, como o Bacalhau à Minhota, o mais pedido, que é uma posta de bacalhau grelhada com batata ao murro e fatias de pimentão e azeite temperados no alho. Outros sucessos da casa são o Bacalhau com Natas, e o Duque de Palmela, que são lascas de bacalhau com camarão. Apesar de todos esses estabelecimentos dedicados às delícias lusitanas, quem anda pelas ruas das grandes cidades brasileiras pode concluir que há mais restaurantes italianos ou japoneses, mas aqueles que conhecem um pouco da história da culinária sabem que os hábitos, os temperos e o gosto brasileiro têm um quê, lá no fundo, das cozinhas do Minho, das Beiras, do Porto, de Coimbra e, principalmente, de Lisboa. Culinária que não aparece em destaque nos letreiros nem nos cardápios, mas está gravada nos sabores de todos os dias dos brasileiros.
69
cultura
A língua viva da Estação da Luz Mais de 2 milhões de pessoas já visitaram o museu paulistano do nosso idioma por Evanildo da Silveira
S
eguramente uma das mais conhecidas expressões cunhadas pelo poeta lusitano Fernando Pessoa é aquela em que afirma “Minha pátria é minha língua”, deixando claro que se refere a um idioma falado, cantado e vivido muito além das fronteiras territoriais de um só país. A língua de Luís de Camões, Eça de Queiroz, Alexandre Herculano e José Saramago espalhou-se pelo sete mares e pelos cinco continentes, mas foi no coração da maior cidade
70
lusófona do mundo, São Paulo, que MUDANÇAS ORTOGRÁFICAS tomou corpo um museu dedicado ao DO PORTUGUÊS ESTÃO NA GRANDE GALERIA DO imenso desafio de apresentar, em co- MUSEU, QUE É vanguarda res e formas, a história, a sonoridade, DE SÃO PAULO. o sabor, os segredos e os sentimentos da mais antiga língua de origem latina falada até hoje. Cravado bem no centro de São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa está instalado na imponente Es-
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
tação da Luz, construída no final do século XIX, em estilo inglês que remete ao Big Ben. Desde a inauguração, em 2006, já recebeu 2,3 milhões de visitantes, cifra que o coloca no topo do ranking dos museus mais concorridos da América Latina. Dividido em três andares, o espaço é totalmente utilizado. Até os elevadores são usados para exposições e para observação do acervo a partir de pontos de vista diferentes. Aproveitando as novas tecnologias, o Museu usa e abusa dos recursos audiovisuais para contar a história do nascimento, evolução, expansão e contemporaneidade da língua que falamos. BIG BEN PAULISTANO DA ESTAÇÃO DA LUZ É CENÁRIO DE CAMÕES. Uma das principais atrações é a Grande Galeria, na qual uma tela recebe simultaneamente as imagens de A padronização da ortografia despertou apoios e 38 projetores passando filmes nos quais a língua portuguesa surge no cotidiano e na história de cidadãos ataques irados em ambos os lados do Atlântico. No comuns. No mesmo andar, é possível ver os sete totens Brasil, há os que execram a decisão, como a doutoque apresentam as influências das línguas e dos po- ra em lingüística Eni Puccinelli Orlandi, professora vos que contribuíram para formar o idioma falado no da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Brasil. Um oitavo totem é dedicado ao português dos “Esse acordo era desnecessário e não faz nenhum demais países. Mas o Museu não conta apenas com o sentido. Além de ser mal feito”, dispara a professora. seu acervo para atrair turistas. As exposições especiais O lingüista Ataliba Teixeira de Castilho, professor tilevam milhares de pessoas à Estação da Luz. A mostra tular aposentado da Universidade de São Paulo (USP), de maior público foi dedicada ao bardo lusitano. Intitu- tem uma opinião diferente: “O Brasil fez bem, saiu na frente em sua adoção”, lada Fernando Pessoa, plural afirma. Já Adelto Gonçalves, como o universo, recebeu 150 A missão do Museu é fazer professor de Língua Portumil pessoas, entre agosto de o público se interessar mais guesa da Universidade Pau2010 e fevereiro de 2011. lista (Unip), considera que a “Como todos os museus, pela língua portuguesa unificação era necessária e vê este tem por objetivo preservantagens de ordem cultural. var, divulgar e pesquisar”, diz seu diretor, Antonio Carlos de Moraes Sartini. “A missão “A União Européia só reconhece como idioma oficial dele é fazer com que os visitantes passem a se interessar o português de Portugal”, diz. “Com a unificação, isso mais pelo nosso idioma, tenham orgulho dele e iden- deixa de existir. Livros publicados no Brasil poderão tidade com o que falamos.” E o momento não poderia ser lidos do mesmo modo em Portugal e nos países ser mais propício, uma vez que o idioma lusófono passa africanos ou até da Ásia, como no Timor Leste, facilipor um polêmico processo de uniformização da escri- tando a vida dos leitores”. Independentemente dos embates de estudiota, coordenado pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): Brasil, Portugal, Angola, Cabo Ver- sos, o mais importante é que a língua portuguesa de, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e continua firme e forte. É o idioma natal de 240 miTimor Leste. O primeiro passo concreto dessa iniciativa lhões de pessoas, que vivem em países banhados foi o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1990, pelo Atlântico, Pacífico e Índico, em oito nações, nas adotado pelo Brasil e por Portugal em 2009, mas que só quais Fernando Pessoa poderia dizer, com certeza, “esta é minha pátria”. será implantado em 2015.
71
entrevista
António de Almeida e Silva É natural o abrasileiramento da língua portuguesa por Amarilis Bertachini
A
tual presidente da Diretoria do Conselho da Comunidade LusoBrasileira do Estado de São Paulo, António de Almeida e Silva é considerado a principal ponte entre a comunidade e o governo da antiga metrópole. Sucessivas vezes membro do Conselho das Comunidades Portuguesas, em 2003 foi guindado ao mais alto cargo que um emigrante pode ocupar nas Comunidades: o de presidente mundial do Conselho das Comunidades Portuguesas, órgão de consulta do governo português. Almeida e Silva chegou ao Brasil quando tinha dois anos de idade e desenvolveu uma brilhante carreira. Advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), especializou-se em direito empresarial e é sócio do escritório Mesquita Pereira, Marcelino, Almeida, Esteves Advogados.
72
O senhor é um dos principais elos políticos entre a comunidade portuguesa no Brasil e o governo português. Como classifica essas relações? As relações entre os dois países, eu diria, estão boas, embora ache que às vezes patinam devido a um certo empirismo. Acredito mesmo que muito poderia ser feito no sentido de termos relações mais concretas e efetivas no plano de realizações culturais e empresariais. E mesmo as relações comerciais, que não são apenas de vendas de produtos e serviços, mas também investimentos entre os dois países, que têm registrado crescimento sistemático, ainda não alcançaram os níveis desejados, de parte a parte. Portanto, ainda existe muito a fazer. Como as relações comerciais com o Brasil têm contribuído para Portugal enfrentar a crise que atravessa? O Brasil, por vários motivos, pode ser o grande parceiro para ajudar Portugal a sair dessa crise, que não é só dele, mas que também afeta outros países europeus. Nesse contexto, com a posse do novo governo, têm sido vistos alguns ensaios no sentido de uma melhor ajuda mútua. A visita da presidente Dilma Rousseff representou um inegável movimento de aproximação que poderá frutificar em ações concretas de apoio, tanto no plano financeiro e comercial, como no plano político.
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
António de Almeida e Silva, presidente do conselho da comunidade portuguesa em são paulo, afirma que há luso-descendentes plenamente conscientes do patrimônio histórico e cultural que representa a presença lusitana no país.
Ainda no plano econômico, há como, individualmente, os membros da comunidade auxiliarem? Em alguns momentos do passado, Portugal contou com uma sensível ajuda financeira dos emigrantes, que enviaram remessas e mais remessas de recursos financeiros. A crise atual pela qual passa a Europa deve trazer à tona esse expediente mais uma vez. Certamente, isso vai minorar as dificuldades da sociedade portuguesa. Qual o atual peso político da comunidade portuguesa no Brasil e, no sentido inverso, da comunidade brasileira em Portugal? O peso político da nossa comunidade no Brasil é expressivo, já que ela está presente em todos os segmentos da sociedade brasileira, mercê da sua total e efetiva integração, fato que nos orgulha muito. Em Portugal, a comunidade brasileira ainda não alcançou o mesmo espaço, mas já se organiza para isso. A Casa do Brasil, em Lisboa, é prova do crescimento de um movimento
associativo, que seguramente colaborará para aumentar o peso e a influência dos brasileiros. Qual será o futuro da comunidade portuguesa no Brasil e, mais especificamente, em São Paulo, que já foi a segunda maior cidade de população portuguesa do mundo? A nossa comunidade, como já salientado, tem uma posição sedimentada, e diria definitiva, neste querido país de acolhimento. Possui um movimento associativo forte e organizado, como nenhuma outra, com quase 200 associações em todo o País. Está presente em todos os setores da vida do Brasil, tanto econômico, quanto social, e há luso-descendentes plenamente conscientes do patrimônio histórico e cultural que está na base dessa comunidade. Se numericamente formos menos, o significado e importância desse patrimônio acumulado não sofrerá decréscimo. O imenso patrimônio histórico e cultural atinente à comu-
73
entrevista
nidade luso-brasileira exige que acreditemos no seu futuro. Não acreditar seria o mesmo que nos despojar de um elemento da própria nacionalidade. Precisamos, sim, brasileiros e portugueses, desenvolver projetos adequados a enriquecê-lo, pela transferência dos legados recebidos às gerações emergentes, que devem entender e incorporar essa importante herança.
aquilo que é típico de uma região. As festas, as feiras, os encontros já são tradicionais, fazem parte do calendário e contam com a participação de um grande número de portugueses e luso-descendentes mais arraigados. Já a comunidade em geral, pela sua integração e pela identidade histórica e cultural, acaba tendo muita facilidade nessa integração à sociedade brasileira.
E o senhor não pensa em Quais as principais didocumentar toda essa exficuldades para harmo"Conselho da comunidade periência em livro? nizar tantos interesses e Escrevo semanalmente a entidades – dos panificatem papel agregador e coluna “Opinião e Diálogo” dores, por exemplo, aos banqueiros? atuação voltada para a união" para jornais e revistas da comunidade portuguesa no Temos um movimento assoBrasil. Pretendo também ciativo sedimentado e organizado. Na área empresarial, a Câmara Portuguesa escrever, em breve, um livro sobre a minha trajetória de Comércio realiza um papel fundamental e é hoje a como dirigente do Conselho da Comunidade Luso-Brareferência para os dois governos, de Portugal e do Bra- sileira do Estado de São Paulo. sil. Nessa instituição há espaço tanto para o pequeno Sobre o acordo ortográfico, quais os impactos quanto para o grande empresário, porque essa variepara cada um dos dois países? Alguns acreditam dade é característica da comunidade. Na área especíque a ortografia brasileira vem se impondo à porfica das padarias, ou, com mais precisão, do setor da tuguesa. Como vê essa relação? indústria de panificação, existem o sindicato e a assoEram necessárias algumas normatizações. De outro ciação dessa categoria, que vêm fazendo um trabalho lado, o Brasil, pelas suas condições naturais, é inegaexcepcional. Realizaram este ano a 18ª Fipan (Feira velmente o grande condutor dessa língua, hoje uma Internacional da Panificação, Confeitaria e do Varejo das cinco mais faladas no mundo. É natural, a meu Independente de Alimentos), com uma presença imver, esse “abrasileiramento” que vai surgindo... pressionante de expositores e de público. É um setor que alcançou um grande status, que dialoga com os Considerados os fatos históricos, o senhor acha que a permanência da Família Real no Brasil governantes com freqüência e familiaridade. criou certa animosidade e deixou marcas na reE qual o papel do Conselho da Comunidade Lulação entre Brasil e Portugal? É possível que em so-Brasileira na Cidade de São Paulo? função desse distanciamento que existiu os porO Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estatugueses ainda se sintam estrangeiros no Brasil? do de São Paulo é órgão representativo da comunidade Eu sempre achei que a vinda da Família Real deixou como um todo e das suas associações. Tem tido um papel marcas positivas que ajudaram a sociedade brasileira agregador e tem atuação voltada para a manutenção da a se consolidar. Eventuais animosidades, normais no união e dos valores que estão na base da coletividade. contexto da época, encontram-se hoje totalmente supeComo preservar e ao mesmo tempo integrar os radas. Os portugueses não se sentem estrangeiros neste país de acolhimento. Sentem-se integrados e agradecicostumes portugueses aos costumes brasileiros? As nossas associações acabam cumprindo bem esse pa- dos pelo acolhimento generoso e, por isso, ao longo dos pel porque, no seu âmbito, acontecem os movimentos e anos sempre procuraram retribuir com muito trabalho eventos que propagam e divulgam os costumes e tudo realizador.
74
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
esporte
És um traço de união Brasil-Portugal O Vasco da Gama quebrou o preconceito racial no futebol e foi campeão carioca Por Albino Castro Deslumbrante fachada principal em estilo manuelino do estádio do vasco da gama, na colina de são januário, nos altos de são cristóvão, bairro imperial carioca que foi residência do rei português d. joão vi e dos imperadores brasileiros d. pedro i e d. pedro ii.
N
Considerado o terceiro clube mais o alto da colina que domiquerido de todos os brasileiros, prena no Rio de Janeiro o imcedido por Flamengo e Corinthians, perial Bairro de São Cristóo Vasco da Gama, simplesmente vão, próxima ao Palácio da Vasco, como carinhosamente é chaQuinta da Boa Vista, residência do rei mado, clube amado desde a infância português D. João VI, e também de seu por Pelé, ganhou títulos em todos os neto, D. Pedro II, imperador do Brasil, campeonatos que disputou. Incluportugueses e brasileiros, torcedores sive, em 1998, o de campeão da Taça do querido Vasco da Gama, brancos, Libertadores, competição que reúne mulatos e negros, se uniram e ergueos melhores times da América do ram, desafiando as “elites” da Zona Sul – continente que, com apenas Sul carioca, o grandioso estádio de São três países, Brasil, Uruguai e ArgenJanuário, inaugurado em 1928 – e cuja tina, rivaliza com todas as nações monumental fachada, em estilo mada Europa em conquistas de Copas nuelino, como o Real Gabinete Portudo Mundo. Os sul-americanos posguês de Leitura, é uma das muitas relísuem nove títulos mundiais contra quias da arquitetura lusitana no Brasil. dez europeus, no total de 19 Copas. O Vasco da Gama, fundado em 1898, Coube, aliás, a um ilustre vascaíno, ano do quarto centenário da epopéia o capitão Bellini, erguer a taça Jules da chegada do valoroso almirante Vas- almirante vasco da Gama. Rimet na primeira conquista brasico da Gama à Índia, nasceu para vencer, na terra e no mar, e quebrar preconceitos raciais, con- leira do mundial, em 1958, na Suécia. Mas o maior tísagrando, assim, a miscigenação no esporte, como já tulo da história do glorioso Vasco aconteceu em 1923, quando, ao disputar pela primeira vez o Campeonato havia acontecido durante a colonização no País.
76
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
Carioca, foi campeão na bola e na luta contra o preconceito racial, derrotando Flamengo, Fluminense, Botafogo e América – clubes que ainda prezavam e se batiam pelo elitismo no futebol. Traço de união entre o Brasil e Portugal, conforme exalta a belíssima letra de seu hino, de autoria de Lamartine Babo, lendário torcedor do América, o Vasco de 1923 conquistou o título trazendo consigo um fortíssimo desafio, pois, para além de quatro jogadores negros, o clube ainda colocou em campo mais quatro brancos analfabetos – apesar dos protestos dos clubes da Zona Sul e mesmo do tijucano América, alusão ao tradicional bairro da Tijuca na Zona Norte carioca. Os negros eram Nelson Conceição (chofer de táxi), Ceci (pintor de paredes), Nicolino (estivador) e Bolão (motorista de caminhão). “Foi muita humilhação para os times grã-finos, cujas equipes eram formadas, em sua grande maioria, por jovens estudantes e profissionais de alto nível da elite carioca”, escreveu o sociólogo paulista Waldenyr Caldas,
professor da USP e notório vascaíno, em sua obra O Pontapé Inicial – Memória do Futebol Brasileiro, uma das referências da literatura acadêmica sobre o mais popular dos esportes do século XX. As represálias se sucederam contra a ousadia do Vasco. E, num determinado momento, exigiu-se da agremiação, que mandava suas partidas em campos suburbanos sem arquibancadas, a construção de um verdadeiro estádio – caso contrário, seria excluído do campeonato. O Vasco deveria seguir o exemplo do Flamengo, que possuía o seu park na Gávea, bem como do Fluminense, nas Laranjeiras, Botafogo, em General Severiano, e o América, em Campos Salles. Desafiados, mais uma vez, os vascaínos construíram São Januário, que se tornou o maior estádio da América do Sul. Foi erguido em tempo recorde, graças a uma campanha inesquecível, organizada por portugueses e brasileiros, que pedia a cada torcedor um simples tijolo como contribuição para erguer São Januário.
77
esporte
Importante lembrar que, assim como no Brasil, onde o Vasco foi o primeiro grande clube a escalar jogadores negros em seu time, também Portugal quebrou preconceitos, ao ser pioneiro, na Europa, a convocar para a seleção, entre os anos 1940 e 1950, dois extraordinários atacantes, o moçambicano Matateu e o angolano Iaúca, ambos negros e craques de Os Belenenses – clube de Lisboa que mantém inalterado o seu tradicional estádio, no bairro do Restelo, acima do Mosteiro dos Jerónimos. Quatro negros moçambicanos também seriam titulares na maior das seleções portuguesas de todos os tempos, a da Copa do Mundo de 1966, disputada na Inglaterra – e treinada pelo luso-carioca Oto Glória, ex-vascaíno: o lateral esquerdo Hilário, do Sporting de Lisboa,
o quarto-zagueiro Vicente, irmão de Matateu, e também jogador de Os Belenenses, o meio-campo Coluna e o atacante Eusébio, ambos do Benfica. Vicente é considerado por muitos o melhor marcador de Pelé. Quatro negros titulares com a escarlate camisola lusitana, numa época em que ainda não havia nenhum afrodescendente numa seleção européia. E quatro negros no campeão carioca de 1923 – num tempo em que só os brancos alfabetizados podiam atuar por equipes tão populares, hoje, como Flamengo, Fluminense e Botafogo. Um marco histórico cá como lá. Traço de humanismo de uma nação imperial que soube – e sabe – respeitar e integrar as diferentes culturas e raças embaixo de sua grande bandeira. Portugal é o único país do Velho Continente, por exemplo, que tem como ídolo máximo no futebol um negro, Eusébio, a Pantera, considerado até hoje o Pelé europeu.
Hino à liberdade Filho de pais alemães, mas nascido em Lisboa, em 1850, o maestro Alfredo Keil optou desde jovem pela nacionalidade lusitana e compôs, em 1890, no calor das lutas dos liberais do Porto contra a influência dos ingleses na Corte de Lisboa, o célebre hino da República, A Portuguesa – que ganhou letra do dramaturgo português Henrique Lopes de Mendonça. A exaltação à Portuguesa inspiraria, no Brasil, os clubes dos imigrantes lusitanos fundados depois da proclamação da República em Portugal, em 1910, como a Portuguesa de Desportos, de São Paulo, a querida Lusa, criada em 1920 – e considerada por quase todos paulistanos a segunda equipe do coração. A Portuguesa de Desportos possui uma torcida bastante aguerrida e fiel às cores republicanas – encarnada e verde. Tradicionalíssima também é a decana Portuguesa Santista, a Briosa de Santos, fundada em 1917, que revelou Tim, El Peon, um dos grandes craques dos primórdios do profissionalismo, nos anos 1930, e por onde também passou Waldemar de Brito, o descobridor de Pelé. Há outra Portuguesa, a carioca, criada em 1924, que derrotou por 2 a 1, em pleno Estádio Santiago Bernabéu, em 1956, o poderoso Real Madrid, do genial Di Stefano, que acabara de se sagrar o primeiro campeão europeu. Existe ainda a caçula Portuguesa Londrinense, fundada em 1950, em Londrina, no Paraná. A grande comunidade portuguesa da Amazônia, que teve no escritor Ferreira de Castro, autor de Selva e Emigrantes, um de seus mais ilustres imigrantes, tem uma paixão especial pela centenária Tuna Luso, de Belém do Pará, nascida em 1º de janeiro de 1903 – terceira força do futebol paraense. O nome do clube inicialmente foi Tuna Luso Caixeiral, depois Comercial e, hoje, Brasileira. O uniforme tem o padrão do Vasco, com a faixa diagonal na camisa e a cruz de Malta no peito, mas o verde substitui o preto. A mascote é uma águia, semelhante à do Benfica, clube mais popular de Portugal.
Última página capa desta edição de portugal – presença no
Uma Escola de heróis dos mares
brasil é do artista
fabio mariano, inspirado na cúpula da igreja nossa senhora do rosário dos pretos na ladeira do pelourinho, em salvador.
N
unca chegou ao trono de Portugal o célebre criador da Escola de Sagres, o Infante D. Henrique, o Navegador – quinto filho do rei D. João I, fundador da dinastia de Avis, sucedido pelo primogênito D. Duarte. Mas foi graças a D. Henrique, com seus estudos marítimos, que Portugal venceu os mares tenebrosos, unindo os oceanos, e conquistou as maiores glórias. O Mestre de Sagres, mesmo sem ter sido rei, foi o maior vulto da história dos descobrimentos portugueses. Da escola criada por ele no Algarve, extremo sul de Portugal, saíram navegadores reconhecidos em todo o mundo, como Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Cristóvão Colombo, Fernão de Magalhães e o nosso Pedro Álvares Cabral. Os portugueses construíram, ao sul do Equador, na margem oposta à costa africana, o imenso Brasil, de Roraima ao Rio Grande do Sul, unido pelo nobre idioma de Luís de Camões. Desde 1500, quando aqui aportaram as primeiras caravelas, 83 anos após a criação da Escola de Sagres, os lusitanos estiveram sempre presentes no desenvolvimento do País, inclusive com a criação do Banco do Brasil e a abertura dos portos às nações amigas – com a chegada, em 1808, da Corte de D. João VI ao Rio de Janeiro. Os portugueses são hábeis negociadores e exímios comerciantes. Estão na linha de frente dos empreendimentos no Brasil. Ontem como hoje.
Conselho Editorial
Luiz Fernando Levy Albino Castro Andrea Wolffenbüttel Editor
Albino Castro Secretário de Redação
Fábio Caldeira Ferraz Projeto Gráfico e Diagramação
Fonte Design Textos e reportagens desta edição
Albino Castro Amarilis Bertachini Andrea Wolffenbüttel Evanildo da Silveira Fábio Caldeira Ferraz Luis S. Krausz Luiz Voltolini Administração
Marcos dos Santos Comercial
C. N. Neto Planejamento
Gustavo Aranha fotos e ilustrações
Agência Estado Agência A Tribuna Alfredo Gusmão Gilberto Tomé Maria von Wasielewski Divulgação Revisão
Francisca Evrard Impressão
Prol Editora Gráfica o infante d. henrique aparece num detalhe dos painéis de são vicente de fora, museu nacional de arte antiga, lisboa.
LUIZ FERNANDO LEVY
PORTUGAL – Presença no Brasil anuário 2012
Rua Acruás, 220 São Paulo, SP, 04612-090 tel: [55 11] 3459-2077 redacao@plugeditora.com.br comercial@plugeditora.com.br