MINAS FAZ CIÊNCIA Diretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr. Redação: Alessandra Ribeiro, Lorena Tárcia, Luana Cruz, Luiza Lages, Mariana Alencar, Maurício Guilherme Silva Jr., Tatiana Pires Nepomuceno, Téo Scalioni, Vanessa Fagundes, Verônica Soares Direção de arte: Felipe Bueno Editoração: Fatine Oliveira Montagem e impressão: GlobalPrint Editora Gráfica ltda. Tiragem: 25.000 exemplares Capa: Fatine Oliveira Redação - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - CEP 31.035-536 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: +55 (31) 3280-2105 Fax: +55 (31) 3227-3864 E-mail: revista@fapemig.br
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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Presidente: Evaldo Ferreira Vilela Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: Paulo Sérgio Lacerda Beirão Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Alexsander da Silva Rocha Conselho Curador Presidente: Virmondes Rodrigues Júnior Membros: Clélio Campolina Diniz, Esther Margarida Bastos, Eva Burger, Luiz Roberto Guimarães Guilherme, Marcone Jamilson Freitas Souza, Michele Abreu Arroyo, Nilda de Fátima Ferreira Soares, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Roberto do Nascimento Rodrigues, Valentino Rizziioli Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, e e-mail) para o e-mail: revista@fapemig.br ou para o endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 31.035-536
Gostou do novo visual da Minas Faz Ciência? Aqui na redação, todos estão felizes com o resultado e torcendo para que vocês, leitores, também achem que a revista ficou muito mais bonita! As mudanças foram estudadas e propostas pela nossa equipe de design com o objetivo de tornar a leitura ainda mais prazerosa, aliando informação de alta qualidade com visual atraente. Perceba que a revista também “ganhou peso”. Acrescentamos mais páginas, que serão usadas para relatar os debates e as novidades da área da ciência, tecnologia e inovação, como aquele que ilustra a capa desta edição: a indústria 4.0. Vários livros e filmes de ficção científica já se propuseram a imaginar um mundo no qual os robôs teriam maior autonomia, tomando decisões sem a necessidade de intervenção humana. Nas páginas e nas telas, a história normalmente se passa em um futuro distante (e não acaba bem para os humanos...). No entanto, é possível afirmar que essa já é nossa realidade. Estamos cercados por máquinas que, a partir do altíssimo volume de dados gerados e capturados por meio da internet, conseguem antecipar necessidades, fazer escolhas e alterar rotinas de forma independente. Isso é mais evidente na indústria, onde os dados são usados para inúmeras análises, permitindo o aumento da performance. Essa nova lógica, segundo a qual robôs e sistemas computacionais, de forma autônoma, tornam-se responsáveis pela execução de tarefas e tomada de decisões, tornando os processos menos dependentes de intervenções humanas, está sendo chamada de indústria 4.0. Enquanto na etapa anterior, marcada por automação e robotização, os homens continuavam dando as ordens, agora as máquinas tomam as decisões que consideram mais assertivas. O tema é aprofundado nesta reportagem especial, assinada pelo repórter Téo Scalioni. Além de apresentar o cenário e ouvir especialistas sobre a situação do Brasil, o texto discute questões importantes, como as repercussões para o mercado de trabalho. Com tais mudanças no sistema de produção, algumas profissões, provavelmente, deixarão de existir, enquanto outras (algumas que ainda nem conseguimos prever) serão criadas. Alguns leitores já arriscam previsões: veja na seção “Ciência Aberta” o que eles acreditam que irá mudar em seu trabalho com o aprimoramento das máquinas. Outro destaque é uma importante pesquisa realizada por equipe da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, cujo foco são os bebês prematuros, ou seja, aqueles nascidos com menos de 37 semanas de gestação. Como aponta a reportagem de Alessandra Ribeiro, essas crianças estão sujeitas a complicações nas primeiras horas de vida. Saber com precisão a idade gestacional é importante para que a equipe médica possa antecipar cenários e tomar decisões. Porém, ainda é comum no Brasil que muitas mulheres iniciem o pré-natal tardiamente, o que resulta em idade gestacional não confiável. O trabalho do grupo de pesquisadores resultou em um equipamento, já patenteado, que calcula a idade gestacional de recém-nascidos. Batizado de skin age, ele fornece os resultados com rapidez e pode ser manuseado por qualquer profissional de saúde – basta encostar o sensor de luz LED na pele do bebê, por alguns segundos. Pelas possibilidades, despertou o interesse do Ministério da Saúde, que sinalizou com apoio para realização de um estudo em escala nacional. Na seção “Entrevista”, a pesquisadora e escritora Heloísa Buarque de Hollanda fala sobre seu trabalho na “Universidade das Quebradas”, que desenvolve na Universidade Federal do Rio de Janeiro. O projeto tem como objetivo promover a troca de saberes entre cientistas, artistas, ativistas, produtores culturais e arte-educadores da periferia. A partir dessa vivência, ela analisa a atual situação da universidade brasileira, com a qual diz possuir um relacionamento de amor e ódio. Nesta última edição de 2017, aproveito para desejar a todos que acompanham os canais do projeto Minas Faz Ciência – revista, site, podcasts e vídeos – um 2018 de muitas descobertas e conquistas. Nossa equipe continuará trabalhando para levar a vocês conteúdo interessante e relevante sobre a ciência desenvolvida em Minas Gerais e no Brasil. Muitos projetos já estão em nossa agenda: reportagens especiais, cobertura de eventos, novos produtos de divulgação científica. Sigamos juntos na crença de que ciência, tecnologia e inovação podem fazer a diferença para o futuro de nosso País. Boa leitura! Vanessa Fagundes Diretora de Redação
AO LEI TO R
E XP E DI EN TE
ÍNDICE
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ENTREVISTA
Professora Heloisa Buarque de Hollanda comenta as ricas possibilidades de entrelaçamento entre os saberes da academia e da periferia
MEDICINA
Idade gestacional de recém-nascidos é medida por equipamento patenteado pela Faculdade de Medicina da UFMG
AGRONOMIA
Sensor de baixo custo permite monitoramento de estresse em plantas e garante melhoria da produtividade agrícola
Grafeno se apresenta como material para múltiplos usos, das demandas da indústria ao desenvolvimento de novas tecnologias
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CIÊNCIA POLÍTICA
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ARQUITETURA
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SAÚDE PÚBLICA
EPIDEMIOLOGIA
Novos fármacos prometem driblar resistência do protozoário causador da malária
ENERGIA
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FÍSICA
Mesmo nas mais remotas áreas do planeta, painéis solares flexíveis mostram-se eficientes na captação de energia
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Estudo realizado em quatro países da América Latina analisa modo como eleitores atribuem autoria às realizações de políticos
ESPECIAL
Reportagem investiga características da indústria 4.0, atual fase da revolução tecnológica iniciada no século XVIII, na Inglaterra
Ao analisar estruturas construtivas, pesquisadores contribuem com preservação do patrimônio histórico de São João del-Rei
Em 2017, ampliaram-se as taxas de crescimento de doenças que pareciam erradicadas
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HIPERLINK
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CONTEMPORÂNEAS
DESIGN
Pesquisadores criam artefatos de cocção capazes de aprimorar processos produtivos e redefinir experiências do usuário
ENGENHARIA ELÉTRICA
Aulas de robótica auxiliam pesquisadores na inclusão de alunos de baixa renda e com deficiência
QUÍMICA
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Diário de bordo do projeto Minas Faz Ciência, hashtags, popularidade de nosso site infantil e blogs de ciência
O fantástico e divertido universo dos fãs torna-se tema de diversas pesquisas acadêmicas
Ao longo dos séculos, diversas teorias tentam compreender os mistérios por trás da poderosa força da gravidade MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ 2017/JAN/FEV 2018
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COMUNICAÇÃO
Na UFMG, pesquisa de doutorado aborda interferência das hashtags em processos sociocomunicacionais on e offline
CIÊNCIA ABERTA
Com o permanente
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aprimoramento das máquinas, o que muda em seu trabalho
“Tudo! Haha! Quando meus instrumentos de trabalho mudam, a qualidade de serviço vai ao topo, assim como a agilidade e a própria qualificação de quem o faz”. Camila Marques Via Facebook
“O que se altera é a técnica, assim como sua relação com o humano. Nada muda, porém, no relacionamento entre o ser e o trabalho, que permanece alienado”. Ueverson M. Melato Via Facebook
“Tudo e nada, ao mesmo tempo! Tudo porque a internet e os aplicativos têm o poder de me oferecer muita informação, e me tirar da ‘bolha’ solitária que é o mundo das pessoas que se dedicam, exclusivamente, à criação dos filhos em seus primeiros anos de vida. Por outro lado, é desafiador saber o limite para tanta tecnologia na vida e na rotina, tanto da criança quanto da mãe e da família, em geral. Além disso, quando disse que ‘nada muda’, refiro-me ao fato de que não acredito que a tecnologia poderá, algum dia, substituir o amor, o tato, o afeto, a atenção e a presença da mãe, do pai, ou de outro cuidador, na criação de um pequeno ser humano”. Lídia Lino Via Facebook
“Vejo melhorias na agilidade e na qualidade do trabalho”. Lena Dutra Via Facebook
“Atualmente, estou no ramo da gastronomia. A tecnologia de ponta chegou em cheio neste segmento: sous vide [sob vácuo], fornos combinados, Gastrovac, sifão termo whip etc.”. Norma Marya Tudo Via Facebook
“Muda o modelo de negócio e a forma de fazer jornalismo. Ignorar a expansão tecnológica envolvida no ramo é caminhar no escuro, com viseiras e cabresto”. William Araújo Via Facebook
“Como professora (de disciplinas PRESENCIAIS), a tecnologia me aproxima dos alunos, por meio de plataformas online ou de aplicativos de conversação em grupo. Em contrapartida, sinto que a tendência à educação a distância (EAD), que caminha de mãos dadas com a tecnologia, provoca, ao contrário, um verdadeiro afastamento do professor, ao mecanizar as aulas e tornar a relação docente-discente distante. Desse modo, põe-se o ensino dentro de um modelo reprodutivista, com a clara intenção de lucro”. Maíra Rocha Via Facebook
“Posso desempenhá-lo de forma mais rápida e eficiente, de modo a atender melhor à expectativa do jurisdicionado”. Tony Valadares Via Facebook
MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução de seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte. MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017
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ENTREVISTA
Em busca de culturas vivazes Diretora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea, Heloisa Buarque de Hollanda comenta relação entre os saberes da academia e da periferia Luiza Lages
Heloisa Buarque de Hollanda avalia sua relação com a universidade brasileira como algo entre o amor e o ódio. Em conflito com as formas e os padrões impostos pela academia, a professora titular da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) não se rende às estruturas burocráticas. Os muros, na verdade, servem-lhe como motivadores para a contínua busca por portas abertas à periferia, à tecnologia, à interdisciplinaridade e a outras formas de construção de conhecimento. Escritora, crítica literária, doutora em Literatura Brasileira, Heloisa coordena, na UFRJ, o Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC), que articula pesquisadores de diversas áreas em um programa de pós-doutorado. Junto ao PACC, gerencia o Laboratório de Tecnologias Sociais, que abriga o Laboratório da Palavra e o projeto “Universidade das Quebradas”, o qual, nos últimos dez anos, promove troca de saberes entre cientistas, artistas, ativistas, produtores culturais e arte-educadores da periferia. Em seu trabalho, dedica-se aos campos da poesia, das relações étnicas e de
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gênero, das culturas marginalizadas e digitais. Nesta entrevista, Heloisa fala sobre a universidade brasileira, discute a coletivização do saber e comenta a participação da mulher na produção acadêmica. Como é seu relacionamento com a universidade brasileira? Uma relação de amor e ódio. Fico muito irritada com o padrão da universidade brasileira: tudo é muito masculino e burocrático. E há dificuldade de inovar. Se você tem um pensamento novo, e ele não cabe nos moldes da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], precisa parar. Isso é muito ruim para a produção de conhecimento na atualidade. Vivemos outro mundo, outra forma de fazer política, em que tudo está muito interligado à tecnologia. Na universidade, as Ciências Exatas acompanham essas mudanças, mas as Humanas estão muito atrás, pois não se interessam pelo que há disponível, tanto em tecnologia quanto do ponto de vista político. Os alunos precisam ter voz, não podem ficar só ouvindo, e o formato das aulas e da pro-
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dução de conhecimento, em nossa área, já está muito atrasado. É menos por vontade da universidade e mais pela pesada burocracia existente: ninguém consegue criar com o tamanho da burocracia das universidades públicas. Por outro lado, o aluno é um capital sem igual. Com o aluno, você é sempre interpelado, ganha vida, é levado ao mundo. Os estudantes não têm ideia do que fazem para os professores. Eles são vitais. E os colegas, também. Há uma massa crítica disponível na universidade que não existe em outro lugar, e é um campo ímpar para que se pense e trabalhe. Não sei o que faria fora da universidade, mas detesto estar dentro dela. Quais as demandas dos estudantes e da sociedade para a universidade? O que a academia consegue devolver às pessoas? Só conheço a área de Ciências Humanas, e acho que estamos muito distantes dos problemas enfrentados pela sociedade. Há bastante produção, mas devolvemos muito pouco. Se olharmos para as Ciências Exatas, por exemplo, encon-
Fábio Seixo
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“O aluno é um capital sem igual. Com o aluno, você é sempre interpelado, ganha vida, é levado ao mundo. Os estudantes não têm ideia do que fazem para os professores. Eles são vitais. E os colegas, também. Há uma massa crítica disponível na universidade que não existe em outro lugar, e é um campo ímpar para que se pense e trabalhe. Não sei o que faria fora da universidade, mas detesto estar dentro dela”.
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tramos pesquisas mais vinculadas a demandas sociais. E temos muitas demandas de educação, de formação de professores, dentre diversas outras iniciativas, que, dificilmente, encaramos como problema e resolvemos. Na área cultural, há novas formas de produção, de financiamento, e estamos muito pouco atentos a isso. Continuamos com processos de criação muito aquém do que existe lá fora. Depois dos anos 1960, com os acordos MEC-USAID [Série de acordos produzidos, na década de 1960, entre o Ministério da Educação brasileiro (MEC) e a United States Agency for International Development], a universidade foi reformulada e perdeu seu projeto. Não adotamos o modelo das universidades americanas, mais a serviço do mercado, nem o projeto crítico dos franceses. Ficamos no meio. As ações são individuais: os professores têm projetos, mas a “instituição universidade” me parece sem projeto explícito. Na prática, como funciona a ideia de interdisciplinaridade no Programa Avançado de Cultura Contemporânea? Hoje, tenho 70 pós-doutores no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC). São pessoas vindas de diferentes lugares, estados e países, e de diferentes áreas. Todo mundo ajuda todo mundo. É engraçado, pois, geralmente, a pessoa chega com um projeto e muda por causa da quantidade de estímulos diferentes. O PACC produz um bloco de pesquisa muito vivo e rico, que, por sua vez, gera laboratórios. Atualmente, temos dois: o Laboratório da Palavra explora o modo como a linguagem se expande pela tecnologia; já o Laboratório Universidade das Quebradas reúne os trabalhos na periferia. Por falar nisso, como tem sido o esforço de abrir as portas à periferia, por meio do projeto “Universidade das Quebradas”? O Laboratório Tecnologia Social, conhecido como “Universidade das Quebradas”, é uma ideia complicada, com o intuito de produzir nova forma de conhecimento
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por meio do compartilhamento entre o saber das quebradas e o saber acadêmico: de que modo as duas coisas produzirão uma nova coisa? Quem se dá bem com isso é a área de Urbanismo, pois são pesquisadores que precisam fazer intervenções nesses lugares, para urbanizar e melhorar as condições de vida. Eles, porém, não conhecem essa cultura. E precisam dessa troca, que influencia muito os projetos para a favela. Em nossa área, não consegui, ainda, que esse tipo de troca transformasse as pesquisas da universidade. Ela transforma a vida dos quebradeiros, e o impacto aferido é muito significativo. Contudo, o impacto que me interessaria mais é na universidade, mas diz respeito a minha militância. O objetivo é que nossas áreas consigam ter necessidade desse saber, assim como o Urbanismo. Sabemos que temos que atender ao que vem das favelas, por se tratar de população crescente, com potencial incrível, e com nova proposta cultural. Como a senhora enxerga tais saberes da favela? Economistas vêm aqui e ficam bestas com as alternativas existentes na favela. É uma geração de renda muito original. São propostas que podiam ser aproveitadas. A criatividade da economia informal das favelas deveria ser observada. Na Arquitetura, não há quem explique como as construções não desabam. São soluções tecnológicas que interessam, sim, pois trata-se de inovações. Assim como a cultura. Estudamos bastante para entender como a definiríamos: a gente costuma olhar a periferia e ver problemas, mas a ideia é procurar soluções. Uma pergunta importante é: “Quem são essas pessoas da periferia”? Há, contudo, uma coisa interessante: ninguém está na periferia. Uma pessoa vem do Nordeste, região representativa da origem de grande parte dos periféricos, chega à cidade, não tem condições de alugar moradia mais cara e vai morar na favela. Ali, ou você está muito inserido ou não consegue gerar renda. Então, essa pessoa vai trabalhar no Centro, em casa de madame
ou na construção civil. Todos os dias, você sai de onde está e vai a outro ambiente, das classes média e média alta. Ao trabalhar como empregada doméstica, uma mulher vai ver roupas novas, comportamentos novos, comidas novas... Um outro mundo, enfim. Ela volta para a favela e envia o dinheiro que ganhou ao Nordeste. Essa produção cultural é um fluxo. A favela é um fluxo. Trata-se de espaço de encontro de informação provinda de diversos lugares. Ali, ocorre a metabolização da cultura do centro, junto à cultura de raiz daquelas pessoas, produzindo coisas novas. Por isso, a cultura é tão viva, interessante, e precisa ser vista como tal. Ninguém enxerga o que acontece ali. É preciso mergulhar para entender que não se trata de cultura de excluídos, mas de cultura híbrida. O “Universidade das Quebradas” tenta metabolizar isso, mas é muito difícil, pois a gente não ouve direito. Já a ouvi falar sobre o sonho de que a favela “hackeasse” a universidade... A universidade precisa trabalhar isso, e se deixar permear pela periferia. Essa é a cultura contemporânea. É o que há de novo e o que chega com muita força. Se você olhar para a moda, há um grau de periferia gigantesca na roupa produzida. Isso aparece na mistura, nas camadas, nas customizações. É um potencial de troca inacreditável, e já se pode ver influência muito forte em outras coisas. O futuro da universidade, portanto, estaria na coletivização do saber? Sem dúvidas. O futuro está no coworking. É preciso olhar para os jovens, que têm sinalizado como será a produção de conhecimento. A mistura e o potencial de inovação estão ali. É a linguagem da internet, do compartilhamento. Por meio das redes, a possibilidade de articulações é incrível. A ideia de rede opera nas Ciências Humanas? Acho que não. Trata-se de coisa das Exatas. Apesar disso, resolvemos fazer, no PACC, um regime de Creative Commons.
Os livros que escrevo estão todos disponíveis para download. Livros acadêmicos vendem muito pouco, e é melhor que você disponibilize para download. Quem quiser ter o produto físico vai comprar. Não é verdade que atrapalha a venda. Não temos boa avaliação do que é a rede para produção. A ideia de propriedade intelectual precisa ser relativizada. Mesmo quando você fecha uma produção a sete chaves, a pirataria é muito talentosa, e tudo vai parar na rede, mesmo à revelia dos autores. É melhor trabalhar com isso a seu favor do que se defender a vida toda. Quais os desafios atuais para a mulher dentro da academia? Hoje, a pesquisa é masculina e a gente precisa se adaptar. Os critérios são de objetividade, rigor, citações e zero de experiência: você não pode falar de si, pois não é acadêmico. Tal formato não possibilita à mulher dar o seu máximo. Acho que as mulheres têm liberdade cultural de falar de si, de cuidar de si. A bióloga Sandra Harding escreveu um texto muito lindo em que diz: “Eu uso a experiência como categoria de análise”. Isso, para uma bióloga, é fundamental. Tal proposta avança a ciência. Se você abre a palavra e o espaço para a mulher, surgirão novos temas, campos de pesquisa, dicções e formas de pensar muito ricos. É necessária, também, a construção de uma política de visibilidade às pesquisas produzidas por mulheres. Existem mais mulheres na universidade do que homens, e mais professoras do que professores. Como a bibliografia pode ser majoritariamente masculina? A luta partirá das pesquisadoras? Tenho estudado mulheres da periferia. Mas sou uma mulher da academia, e deveria estudar mulheres na academia. Estamos em uma sociedade do conhecimento, mas onde está o conhecimento feminino, no formato em que as mulheres desejam? As mulheres estão muito atrás.
“A favela é um fluxo. Trata-se de espaço de encontro de informação provinda de diversos lugares. Ali, ocorre a metabolização da cultura do centro, junto à cultura de raiz daquelas pessoas, produzindo coisas novas. Por isso, a cultura é tão viva, interessante, e precisa ser vista como tal. Ninguém enxerga o que acontece ali. É preciso mergulhar para entender que não se trata de cultura de excluídos, mas de cultura híbrida. O “Universidade das Quebradas” tenta metabolizar isso, mas é muito difícil, pois a gente não ouve direito”.
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MEDICINA
Quando a pele revela histórias
Equipamento calcula idade gestacional de recém-nascidos com mais precisão e ajuda a salvar bebês prematuros
Alessandra Ribeiro
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Basta um rápido passeio pelas redes sociais para encontrar imagens de exames de ultrassom, compartilhadas por mães e pais orgulhosos e ansiosos pela chegada de um bebê. Além do sexo, a moda é ver o rostinho da criança, por meio de imagens tridimensionais – e, até mesmo, em 4D. As inovações tecnológicas avançam a passos largos, mas nem de longe são universais. No Brasil, mais da metade das gestantes não têm acesso ao ultrassom no início da gravidez: 60% delas iniciam o pré-natal tardiamente, após a 12ª semana de gestação. Os dados são da Pesquisa Nascer no Brasil – Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento, realizada entre fevereiro de 2011 e outubro 2012, que envolveu quase 24 mil mulheres e seus filhos recém-nascidos. Uma das implicações disso é que a maioria dos bebês nasce sem idade gestacional confiável, informação valiosa para orientar a tomada de decisões pelos profissionais de saúde sobre os cuidados imediatos necessários para cada criança – especialmente as prematuras (com menos de 37 semanas de gestação). Além disso, o parâmetro é usado para ajustar estatísticas nacionais, a exemplo das taxas de desnutrição intrauterina. A idade gestacional também baliza o acompanhamento pediátrico ao longo do primeiro ano de vida, de forma a garantir o crescimento infantil adequado. Um novo equipamento, patenteado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com apoio do Centro de Informática em Saúde da unidade, possibilita a medição da idade gestacional com erro de até 11 dias, após o nascimento, nas primeiras 48 horas de vida da criança. Isso significa um avanço significativo em comparação com as técnicas atualmente disponíveis, cuja margem de erro é de até três semanas, que ainda dependem de um pediatra ou profissional de enfermagem treinado para fazer a avaliação. O aparelho, que ganhou o nome de Skin Age (“idade da pele”, em tradução livre), se parece com um leitor de código de barras manual: basta encostar o sensor de luz LED na pele do bebê, por alguns segundos, para saber sua idade aproximada ao nascer. Ele pode ser manuseado por
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano, 15 milhões de bebês nascem prematuros no mundo, e 1 milhão morrem por causa das complicações da prematuridade. Eis a principal causa de morte neonatal, responsável por metade dos casos de comprometimento neurológico em crianças. O reconhecimento do prematuro é importante para garantir que ele receba cuidados especiais, como suporte respiratório, controle de temperatura e, se necessário, direcionamento a uma unidade neonatal.
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qualquer profissional de saúde, mesmo que ele não seja especialista na área, em hospitais e maternidades, e, também, em ambulâncias ou centros de saúde menos estruturados. Por enquanto, o Skin Age está disponível apenas em cenários de pesquisa autorizados. O equipamento foi testado nas maternidades do Hospital das Clínicas da UFMG e do Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, com 115 recém-nascidos de 24 a 41 semanas de gestação. Cada criança foi avaliada com o teste da luz, a convite dos pesquisadores, e com autorização por escrito dos pais, depois da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde e dos responsáveis técnicos dos hospitais. “O teste não causa efeito adverso na pele da criança, mas, mesmo assim, é considerado experimental”, explica Zilma Reis, professora da Faculdade de Medicina da UFMG. O cálculo da idade gestacional é feito por meio de um algoritmo, que combina a reflexão da pele ao peso da criança e às condições do ambiente das incubadoras. São usadas três diferentes cores de luz, cada uma com um comprimento de onda, que identifica determinado elemento da pele – colágeno, queratina e glóbulos vermelhos. Os especialistas analisam, então, o modo como a luz interage com a pele e é refletida: a pele do bebê prematuro é mais fina, e, por isso, absorve muita luz e reflete pouco. À medida que ele amadurece, a pele fica mais espessa e reflete bastante luz. Para avaliar a precisão do resultado calculado pelo dispositivo, era necessário ter certeza das idades gestacionais, com parâmetros confiáveis. Um dos pré-requisitos para participação no estudo
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era que as mães tivessem feito ultrassom desde o início da gravidez, além de todo o acompanhamento pré-natal, nas referidas maternidades, reconhecidas pelo padrão de excelência. Ainda é necessário testar a nova tecnologia em outros bebês, de cores de pele diferentes, e por mais profissionais para confirmar a confiabilidade da tecnologia, mas os resultados iniciais foram considerados promissores. “Há pouquíssimo conhecimento científico publicado a esse respeito, em bebês tão pequenos quanto 530g, nossa menor criança estudada. No futuro, acreditamos que o Skin Age poderá salvar vidas, apontando os bebês com maior chance de complicações nas primeiras horas de vida”, prevê a coordenadora.
Financiamento
O projeto foi apresentado no 3º Fórum Global de Dispositivos Médicos da Organização Mundial de Saúde (OMS), em Genebra, na Suíça, em maio de 2017, com apoio da FAPEMIG. No final de setembro, o Skin Age foi levado ao Ministério da Saúde brasileiro. “A discussão sobre o potencial
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frente aos desafios atuais dos cenários de parto no País causou grande impacto. Nossa proposta é viabilizar um estudo nacional de validação do dispositivo que fará o Preemie Test, ou Teste da Prematuridade. Frente aos resultados da primeira etapa do estudo, e da lacuna que a nova tecnologia poderá vir a preencher, o governo sinalizou apoio”, conta Zilma Reis. Segundo ela, isso deve ocorrer na forma de apoio técnico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), instâncias que estimulam, avaliam e regulam a incorporação de novas tecnologias em saúde no Brasil. Além disso, o projeto poderá ser financiado por meio de editais de fomento. Por meio do edital “Programa Pesquisa para o SUS”, a FAPEMIG patrocinou a aquisição de equipamentos como o espectrômetro, para análise da interação entre a luz e a pele do recém-nascido, na primeira fase da pesquisa. Os recursos da Fundação viabilizaram, ainda, consultorias técnico-científicas, que resultaram em três versões do dispositivo eletroeletrônico – a última delas funciona a distância, com internet sem fio (wi-fi). O projeto também recebeu recursos da Fundação Bill & Melinda Gates.
A pesquisa, fase a fase I – A pele humana
A pele absorve e reflete fótons emitidos por dispositivos óticos. Nesta etapa, os pesquisadores estudam propriedades biofísicas da pele humana in vivo e em natimortos: resposta à luz, estrutura e composição. A coleta de dados está próxima de ser concluída.
II - Simulações
Os pesquisadores buscam relação direta e evolutiva entre a resposta da pele à luz, sua estrutura e composição, e a idade gestacional. A análise das amostras está em fase de processamento
III – O protótipo
Com o desafio de desenvolver tecnologia acessível e de baixo custo, a equipe criou um dispositivo de fotometria, composto por um sensor não invasivo, que emite luz de LED sobre a pele do bebê e capta sua resposta – que, por sua vez, é interpretada por um processador e associada à idade gestacional. Esta fase foi totalmente concluída.
IV – Eficácia
A ideia é testar o protótipo portátil em bebês nascidos, com diferentes idades gestacionais. Esta etapa já foi iniciada.
Fonte: skinage.medicina.ufmg.br. Neste link, é possível acompanhar o andamento da pesquisa.
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AGRONOMIA
Eficiência em tempo real Pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa criam sensor de baixo custo capaz de monitorar estresse em plantas e garantir maior produtividade agrícola
Mariana Alencar
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Ao contrário do que Thomas Malthus imaginava, o atual cenário alimentar no mundo não se encontra ameaçado pela escassez, mesmo com o crescimento da população. Entretanto, no Brasil, a fome pode estar prestes a se tornar, novamente, um dos problemas crônicos e estruturais do País. Além da crise econômica, outros elementos parecem potencializar o risco: dificuldade de aumento da produção agrícola – devido a questões ambientais e perdas causadas por pragas –, problemas da distribuição, poluição e contaminação agrícola. Com o intuito de melhorar tal panorama, pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) desenvolveram um sensor que poderá ajudar os produtores a tomar decisões, de modo a evitar perdas de produção, e, consequentemente, garantir vida mais saudável às pessoas. O projeto “Sistemas Computacionais para Inovação em Sensores de Alta Tecnologia”, de autoria do finlandês Christopher Gull, mestre em Ciência da Computação pela UFV e orientado pelos professores José Augusto Miranda Nacif e Eduardo Gusmão Pereira, no campus UFV-Florestal, buscou o aprimoramento dos métodos de medição da poluição ambiental no interior e ao redor das áreas afetadas por poluentes, o que resultou no desenvolvimento de Existem diferentes tipos clorofila, chamados de A, B, C e D. Eles se diferem devido à estrutura de sua molécula e da capacidade de absorção. A clorofila A representa cerca de 75% dos pigmentos verdes encontrados nas plantas. Além disso, é fundamental ao processo de fotossíntese, pois atua, de forma ativa, na produção de substâncias orgânicas.
sensor capaz de monitorar, em tempo real e em campo, diversos parâmetros fisiológicos de espécies vegetais. Segundo José Augusto Nacif, tal tipo de monitoramento tem diversas aplicações ambientais e na agricultura. “A presença de poluentes, como chuva ácida, ou a contaminação do solo por metais pesados interferem na capacidade fotossintética das plantas. As respostas das plantas aos poluentes podem ser detectadas pelo sensor antes do aparecimento de sintomas visuais. Da mesma forma, em área de manejo agrícola, é possível identificar, por meio do sensor, se uma cultura necessita de adubação, irrigação, ou se está doente”, explica. A inovação do projeto está no desenvolvimento e validação de dispositivos de baixo custo que permitem o uso indireto de plantas como sensores de poluição. Eduardo Pereira esclarece que o sensor estima a capacidade fotossintética da planta a partir da técnica de fluorescência da clorofila a. Nessa técnica, o sistema recorre a uma fonte de luz para excitar as moléculas de clorofila, que, por sua vez, emitem radiação de maior comprimento de onda. Ela é medida pelo sensor, e, por meio de cálculos e aproximações, pode-se estimar a capacidade fotossintética e a “saúde” da planta. Trata-se de método, portanto, com vasta aplicação, tanto no monitoramento da poluição ambiental quanto na agricultura de precisão. Para Cristopher Gull, outro diferencial do sistema é o baixo custo do equipamento. Nas produções agrícolas, normalmente, um produtor adquire um sensor de fluorescência portátil por valores muito altos. Além disso, o aparelho não permite
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a medição em tempo real, fator importante para produtores que dependem diretamente dos recursos naturais. O protótipo construído pelos pesquisadores é capaz de identificar o estresse em plantas, causado por poluentes. O foco do produto está no monitoramento em tempo real e na automação das medições, o que abre a possibilidade de usar vários sensores em uma rede com aparelhos sem fio. “O sistema pode ser de grande ajuda para o produtor, na tomada de decisões para minimizar períodos prolongados de estresse. Além disso, o custo é inferior a 100 dólares, pois nosso objetivo é usar vários equipamentos e formar uma rede sem fio”, defende Gull, em vídeo de divulgação do projeto. Por meio do sensor desenvolvido pelos pesquisadores, o produtor pode tomar decisões de forma rápida e simples,, uma vez que o sistema ajuda a detectar problemas com plantas e culturas agrícolas, referentes à ação de agentes poluentes. Dessa forma, a economia, os produtores rurais e a sociedade poderão ser beneficiados pelo projeto, que ajudará a diminuir perdas de produção.
Multidisciplinaridade
Por envolver tecnologia e meio ambiente, o projeto contou com a participação de sete pesquisadores – três das áreas de Fisiologia vegetal e Agronomia; quatro de Ciência da Computação e Engenharia Elétrica. Justamente devido ao caráter multidisciplinar, os estudiosos enfrentaram empecilhos. “Vários desafios, como a identificação de pessoas para a equipe e o financiamento para compra de materiais importados e prototipação, foram superados durante a construção dos sensores”, esclarece José Augusto Nacif. O atual protótipo do equipamento levou cerca de dois anos para ser desenvolvido, e foi parte do trabalho de mestrado de Christopher Gull. No período, até que chegassem ao sensor final, o modelo passou por diversas melhorias. O professor José
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Augusto Nacif conta que, ao todo, foram desenvolvidas seis versões do equipamento. A cada momento, o sensor era testado em laboratório e, em seguida, passava por aperfeiçoamentos. O protótipo criado foi testado em laboratório e em ambientes controlados, mas os resultados mostraram sinais promissores, que poderiam ser explorados em grande escala, e em redes sem fio. Agora, o grupo busca garantir a validação do sensor em diversas culturas, como as de soja, milho e cana de açúcar, assim como na fenotipagem de eucalipto. Outro objetivo da equipe é garantir que o equipamento possa estar, rapidamente, nas mãos do produtor. “A chegada do produto ao mercado está prevista para os próximos 12 meses, com a captação de novos investimentos”, explica José Augusto Nacif. O projeto foi apresentado na Mostra Inova Minas 2017, realizada, em outubro, no Circuito Liberdade. O trabalho também foi escolhido para ser exposto na 2ª edição da Feira Internacional de Negócios, Inova-
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ção e Tecnologia (Finit), ocorrida, entre os dias 31 de outubro e 5 de novembro, no Expominas, em Belo Horizonte.
PROJETO: Sistemas Computacionais para Inovação em Sensores de Alta Tecnologia COORDENADOR: José Augusto Miranda Nacif INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Viçosa (UFV) CHAMADA: Universal VALOR: R$ 56.884,80
QUÍMICA
De commodity a recurso tecnológico
Material resistente, maleável, leve e transparente, grafeno tem se revelado imprescindível a uma série de processos inovadores Luiza Lages
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Lápis e papel. Os mais básicos materiais escolares fazem parte do imaginário da sala de aula, e, geralmente, do primeiro contato da pessoa com a escrita. Enquanto palavras ou desenhos marcam as folhas em branco, é possível observar uma série de propriedades do grafite: na ponta do lápis, lá está o material de estrutura laminar – formado por diversas camadas, uma sobre a outra – composto por átomos de carbono, devidamente organizados em arranjo planar de hexágonos. Ao rabiscar algo, crianças e adultos deixam, sobre a superfície, inúmeras folhas de grafite, também conhecidas como “grafeno”. Folha atômica do grafite, isolada pela primeira vez em 2004, o material apresenta
Instalado no Parque Tecnológio de Belo Horizonte (BH-Tec), o CTNano é um centro de pesquisa capaz de realizar conexões diretas com as empresas. Seu objetivo é produzir projetos sob demanda da indústria, a partir de tecnologias geradas na UFMG. “Em tal cenário, o potencial do grafeno é enorme. Precisamos criar mecanismos que favoreçam a interação entre o setor produtivo e os institutos de pesquisa”, diz Marcos Pimenta.
diversas propriedades de interesse para a indústria: além de excelente condutor de calor e eletricidade, revela-se resistente, maleável, leve e transparente. “Por se compor de carbono, o grafeno conta com propriedades muito interessantes, com aplicações em várias áreas do conhecimento e ramos tecnológicos”, afirma Marcos Assunção Pimenta, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador geral do CTNano, centro de tecnologia em nanotubos de carbono e grafeno. Atualmente, o material é aplicado na eletrônica, por meio da produção de substâncias diversas, e pode ser incorporado a plásticos, cerâmicas e borrachas, para que
De que modo usá-lo? Diversas são as possíveis aplicações do grafeno, a depender, apenas, de propriedades e usos. Confira exemplos:
Condução de calor
O grafeno é ótimo condutor de calor, propriedade que pode conferir a materiais que, geralmente, dissipam energia. Seria o caso de misturá-lo a polímeros.
Resistência
É possível misturar o grafeno a outros materiais, como o plástico, que é flexível, mas rasga com facilidade. Por ser resistente, o grafeno manteria a maleabilidade do plástico, conferindo-lhe mais resistência.
Energia
O grafeno pode ser usado para aumentar a eficiência de pilhas e de baterias para armazenar cargas. Também há de ser aplicado em dispositivos de conversão, fotovoltaicos, para aumentar a eficiência energética.
Leveza
Componente eletrônico
O material é apontado como estratégico para desenvolvimento de nova era da eletrônica. “Todos os dispositivos eletrônicos são, hoje, feitos com silício. Nos últimos anos, experimentamos computadores mais rápidos, com maior capacidade de memória, que chegarão aos limites do que permite o silício. Existe a perspectiva de que o grafeno permita a continuação da evolução da informática, com materiais mais rápidos e eficientes”, afirma o professor Marcos Pimenta.
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Materiais leves e resistentes são cada vez mais interessantes para a indústria. Que o digam as pás eólicas, que convertem a força do vento em energia elétrica. Quanto maior o catavento, maior a eficiência da conversão – ou seja: pás maiores e mais leves resultam em maior eficiência energética. Na indústria aeronáutica, é possível produzir aviões mais leves, que gastem menos energia e provoquem menor impacto ambiental.
adquiram outras características. A riqueza das propriedades e as múltiplas aplicações tecnológicas do grafeno tornaram-no produto de alto valor agregado. Enquanto uma tonelada de grafite é comercializada por um dólar no mercado internacional, o mesmo volume de grafeno pode custar até 10 mil vezes mais. A possibilidade de transformar uma commodity em recurso para desenvolvimento de tecnologias, com diversificação da economia nacional, gera novas perspectivas para a indústria da mineração. O Brasil é, hoje, o terceiro produtor e maior detentor de reservas de grafite do mundo. “As maiores reservas exploráveis do País estão em Minas Gerais. O potencial para obtenção do grafeno a partir do mineral grafita é enorme”, explica a química Clascídia Aparecida Furtado, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN).
Da pesquisa à indústria
Segundo o professor Marcos Pimenta, existem dois métodos principais para obtenção do grafeno: de cima para baixo;
e de baixo para cima. O primeiro consiste na esfoliação química e mecânica do grafite, com separação das folhas do material. O segundo se refere à construção da folha de grafeno a partir da deposição de átomos de carbono. “Monta-se, então, a estrutura, como se cada átomo fosse uma peça de Lego. Esse método é interessante quando há necessidade de amostra de boa qualidade, para produção de sensores, por exemplo”, explica. Já a esfoliação do grafite é vantajosa devido à possibilidade de produção em larga escala. “Tal processo químico, porém, danifica o material e leva à perda de qualidade”, completa. Hoje, os estudos sobre grafeno e nanotubos de carbono procuram se alinhar com o mercado. A ideia é ampliar o desenvolvimento da cadeia de produção,
Tais estruturas podem ser imaginadas como folhas de grafeno enroladas, de maneira a formar uma peça cilíndrica, com diâmetro próximo de 1 nanômetro – o que equivale a 1×10−9 metros.
da extração mineral à fabricação de ampla gama de produtos de alta tecnologia. Trata-se de cenário em que universidades, centros de pesquisa e indústria trabalham em conjunto. Que o diga um projeto do CDTN, parceria entre mestres e doutores com uma empresa mineira, que busca investigar modos de produção do grafeno (veja box abaixo). “Trabalhamos a obtenção do óxido de grafite em escala piloto. Além de bem-sucedido, o estudo é importante para otimização do processo de produção na empresa e para nossa capacitação”, esclarece Clascídia Furtado. A empresa já operava com a rota de produção, que foi otimizada e teve qualidade atestada pelos pesquisadores. “A parceria entre academia e setor produtivo permite que novas tecnologias alcancem, de fato, o mercado. A indústria só consegue inovar se tiver apoio dos centros de desenvolvimento tecnológico. E o conhecimento gerado na universidade, e nos centros de pesquisa, só pode se transformar caso conte com a demanda industrial”, afirma a pesquisadora.
Rotas de produção Projeto do CDTN investiga duas maneiras de obtenção de obtenção do grafeno Em iniciativa financiada pela FAPEMIG, o CDTN estudou duas “rotas” para chegar ao grafeno, ambas a partir da esfoliação do grafite. A primeira consiste na esfoliação assistida, por ação mecânica, em meios líquidos. “Nesse caso, a separação das lamelas do grafite é feita mecanicamente, mas é preciso mantê-las isoladas. Para isso, fazemos imersão em meio líquido (água ou um solvente orgânico), para que ocorra interação química”, explica Clascídia Furtado. Há, ainda, a esfoliação não assistida, por ação mecânica e por processo químico de oxidação e intercalação. “As duas são importantes. Tudo depende da aplicação. Por meio da rota totalmente química, o produto final é adequado a meios polares, mas não conduz eletricidade de forma significativa. Já pela mecânico-química, além de mais forte, o material revel-ase bom condutor”, explica. O processo de esfoliação pode ser desenvolvido a custos reduzidos. “O interessante, contudo, é ir além da produção do grafeno, e não explorar o material como outra commodity, mas como habilitador de outras tecnologias”, completa.
PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Obtenção de grafenos e/ou nanografites em dispersão a partir do grafite natural brasileiro COORDENADORA: Clascídia Aparecida Furtado INSTITUIÇÃO: Comissão Nacional De Energia Nuclear/Centro De Desenvolvimento Da Tecnologia Nuclear (Cnen/CDTN) CHAMADA: Pesquisa em empresas VALOR: R$ 199.027,00
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EPIDEMIOLOGIA
Milenar e desafiadora
Enquanto espera-se o lançamento da primeira vacina contra a malária, pesquisadores buscam fármacos que driblem a resistência do protozoário causador da doença Alessandra Ribeiro
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Uma das principais causas de mortalidade infantil no mundo, a malária está concentrada na África subsaariana, onde ocorrem 90% das 400 mil mortes anuais provocadas pela doença. Das mais antigas moléstias conhecidas, teria surgido, justamente, em território africano – e é apontada como causa mortis de Cleópatra, rainha do Egito. Séculos depois, a partir de 2018, o continente será o primeiro a receber as doses de vacina inédita, fruto de projeto-piloto, segundo anúncio da Organização das Nações Unidas. A imunização oferece proteção parcial e será aplicada em 360 mil crianças de 17 meses a cinco anos de idade, até 2020, em três países: Gana, Quênia e Maláui. Do outro lado do Atlântico, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) apontou, em 2017, tendência de redução dos casos de malária nas Américas. Ainda assim, no Brasil, os números são vultosos: segundo o Ministério da Saúde, no primeiro semestre, registraram-se 71,5 mil casos, apenas na Amazônia Legal, área endêmica no País – ou seja, região onde a doença existe constantemente. No total, 11% correspondem à forma grave da doença, quase sempre fatal, se não diagnosticada e tratada rapidamente. Tanto o diagnóstico, feito por teste rápido ou “exame de lâmina” (com uma gota de sangue do paciente), quanto o tratamento são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A malária é uma doença febril aguda, causada por parasitas do gênero Plasmodium, transmitidos pela picada da fêmea do mosquito Anopheles, também conhecido como “mosquito-prego”, devido ao pouso perpendicular à superfície. No Brasil, a espécie mais comum é o A. darlingi. Sua proliferação é favorecida por altas temperaturas e umidade. Condições precárias de habitação, falta de saneamento básico e baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) são outros fatores comuns às regiões com altos índices da enfermidade. Os principais sintomas são febre elevada, regular e intermitente (que melhora sem medicamentos antitérmicos), dores de cabeça e no corpo, suor e calafrios intensos, falta de apetite e fraqueza. Paralelamente ao desenvolvimento da vacina, cientistas de vários países bus-
cam descobrir novos medicamentos para curar os doentes e interromper a transmissão das pessoas infectadas aos mosquitos vetores. Além disso, estudam mecanismos capazes de impedir que os protozoários causadores da doença se reproduzam ou se desenvolvam nos insetos.
Novos tratamentos
Nos últimos dez anos, o grupo de pesquisas Malária Experimental e Humana, do Instituto René Rachou, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) instalada em Belo Horizonte, tem se dedicado ao estudo de novos fármacos para o tratamento da malária. Sob coordenação da professora Antoniana Ursine Krettli, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os pesquisadores concentram-se na identificação de um antimalárico de fácil produção e baixo custo, que seja capaz, simultaneamente, de curar a infecção e bloquear a transmissão dos parasitas. Os testes são feitos com compostos obtidos por síntese química – ou seja, produzidos em labora-
tório – e com produtos isolados a partir do fracionamento de plantas medicinais. Até agora, o controle da malária consiste, basicamente, no tratamento dos doentes com medicamentos que destruam o parasita Plasmodium falciparum, o mais letal, no ciclo sanguíneo. Esses organismos, porém, desenvolveram resistência à maioria dos antimaláricos disponíveis. Outro problema é que a malária transmitida pelo Plasmodium vivax, o mais comum no Brasil, é caracterizada por frequentes recaídas, meses ou anos após o tratamento, em razão das formas do parasito, que permanecem “dormentes” no fígado. Neste último caso, no chamado ciclo hepático tardio, o único fármaco disponível para evitar recaídas é a primaquina. O trabalho dos pesquisadores no René Rachou também abrange a avaliação da segurança de substâncias antimaláricas. Em recente artigo, publicado no Malaria Journal, revista científica de referência internacional, o grupo alerta para a necessidade de substituição da primaquina, em
Prevenção em primeiro lugar O ato de prevenir a malária consiste no combate ao mosquito transmissor da doença. Embora a maior incidência da doença seja na região Norte do Brasil, sua ocorrência em outras partes do País não está descartada. Em Minas Gerais, o último foco registrado data de dezembro de 2016, quando se confirmaram sete casos na região do garimpo de Areinha, em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha. Os pacientes foram tratados e não houve registro de mortes. Antes de visitar áreas endêmicas, a Secretaria de Estado da Saúde recomenda aos turistas que busquem orientações com especialistas em saúde do viajante. Em Minas, há centros de orientação públicos, instalados em Belo Horizonte, no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, e nas cidades de Uberlândia e Montes Claros. A lista completa está disponível para consulta no endereço portal. anvisa.gov.br/centros-de-orientação-do-viajante. Quanto ao mosquito Anopheles, certas medidas ajudam a evitar sua picada: ▶ Use roupas claras e longas, como camisas de manga comprida e calças. ▶ Recorra a repelentes nas áreas de pele expostas. ▶ Evite locais próximos a criadouros naturais dos mosquitos vetores (beira de rios e lagos, áreas alagadas, regiões de mata nativa). ▶ Ligue aparelhos de ar condicionado ou ventiladores em ambientes fechados.
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razão de seus efeitos colaterais. Para populações com alto índice de deficiência da enzima Glicose-6-Fosfato Desidrogenase (G6PD), a primaquina é altamente tóxica e pode levar à destruição das hemácias (os glóbulos vermelhos), o que pode ser fatal. “No Brasil, a deficiência é pouco frequente e o maior problema é o desconforto, como a intolerância gástrica, que faz o paciente abandonar o tratamento”, explica a professora Antoniana Krettli. Por outro lado, um novo fármaco é apontado pelos pesquisadores como promissor. Trata-se do Mefas, um sal híbrido, composto de artemisinina, substância derivada da planta chinesa Artemisia annua, e de mefloquina, um antimalárico sintético, desenvolvido por pesquisadores dos Estados Unidos. O produto foi criado e sintetizado por uma equipe de químicos coordenada pela pesquisadora Núbia Boechat, no Instituto Farmanguinhos, unidade da Fiocruz no Rio de Janeiro, e patenteado em parceria com a equipe mineira. “Podemos dizer que o Mefas é um forte candidato a antimalárico para uso humano, em razão de sua dupla atividade, curativa e bloqueadora da transmissão da doença. Novos ensaios em andamento, na cidade de Porto Velho (RO), área endêmica para a malária, têm sido realizados com sangue isolado de pacientes e mosquitos Anopheles, para verificar a atividade bloqueadora da transmissão. Uma vez confirmada, nosso grupo pretende propor ensaios clínicos [testes com humanos]”, afirma Julia Penna Coutinho, pós-doutoranda do Instituto René Rachou. Além do Mefas, outros fármacos com potencial antimalárico e baixa toxicidade já foram testados pelos pesquisadores, em camundongos infectados com o Plasmodium berghei. “Ainda não foi possível, porém, conduzir testes de miliequivalência e exames de toxicidade in vivo em outros animais, essenciais para conduzir testes clínicos em voluntários, sadios ou com malária. Falta expertise e, sobretudo, financiamento adequado, no País, para essa fase crítica de desenvolvimento de novos fármacos”, lamenta a professora Antoniana Krettli. Ela explica que, antes de passar pelas
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três fases de ensaios em voluntários humanos, é necessário testar o fármaco em mamíferos maiores – cães e/ou macacos. Os próprios pesquisadores desenvolveram e padronizaram diversos modelos para testes, a exemplo dos experimentos feitos com a malária aviária em mosquitos Aedes fluviatilis. Uma vez alimentados em aves infectadas com o Plasmodium gallinaceum, e tratadas com os fármacos de interesse, é possível confirmar a atividade bloqueadora. “Mas esse parasito tem ciclo evolutivo muito diferente dos causadores da malária em mamíferos. Ainda não podemos inferir que os resultados dos dois testes seriam comparáveis nos dois modelos”, ressalta. A crescente resistência em torno da experimentação animal constitui-se em mais um fator que dificulta a continuidade das pesquisas. O grupo do Instituto René Rachou havia contratado a multinacional farmacêutica Genotox para fazer testes com os fármacos de interesse, ou seja, os mais ativos. As atividades foram interrompidas com o fechamento da unidade da empresa em São Roque (SP), o Instituto Royal, depois que ativistas soltaram cães da raça beagle usados como cobaias, em 2013. De acordo com as pesquisadoras, caso novos testes sejam viabilizados e tenham resultados seguros, a própria Fiocruz tem condições de produzir o medicamento em larga escala. “O Instituto de Tecnologia em Fármacos ocupa posição estratégica como laboratório farmacêutico oficial vinculado ao Ministério da Saúde, com capacidade instalada de produção de mais de 6,5 bilhões de unidades de medicamentos. Não temos problemas com o Mefas, pois Farmanguinhos pode produzir em larga escala”, garante a professora.
A artemisinina foi descoberta na década de 1970, pela farmacóloga Youyou Tu, com base em conhecimentos da medicina tradicional chinesa. Em 2015, ela se tornou a única mulher da China – e primeira cientista do país – a receber um Prêmio o Nobel, por sua contribuição ao combate à malária. O primeiro medicamento usado em larga escala, no tratamento da malária, foi a quinina, extraída da casca de uma árvore chamada chinchona, nativa da região dos Andes, na América do Sul. O produto teria sido usado, por curandeiros peruanos, como remédio para a enfermidade, trazida ao continente pelos europeus. Eficaz no controle da febre e no alívio das dores, a quinina também mata os parasitas e, até hoje, é empregada no combate à malária causada pelo plasmódio falciparum, mas tem baixa tolerância entre os pacientes por seu grau de toxicidade e por provocar náuseas.
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PROJETO: Desenvolvimento de móleculas, combinações e fitoterápicos com atividade antimalárica INSTITUIÇÃO: Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz-Minas) COORDENADORA: Antoniana Ursine Krettli EDITAL: Rede Malária VALOR: R$ 509.485,57
DESIGN
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Verônica Soa
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Presente nas cozinhas de Minas, e, com frequência, associada à tradição do fogão à lenha, a panela de ferro fundido traz à tona cheiros, gostos e sentimentos em relação ao ato de cozinhar. Na região Oeste do Estado, as peças também integram e movimentam a economia local. Trata-se do maior polo de empresas produtoras desse tipo de artefatos na Améria Latina, onde cerca de 100 empresas de pequeno e médio portes confeccionam panelas – e outros itens – por meio de processos semiartesanais, a partir de moldagem manual. A difusão da tecnologia de esmaltação em tais artefatos é um tipo de recurso que melhoraria a competitividade dos produtos, ao inserir nova categoria de panelas no polo industrial. Nesse cenário, surge a pesquisa “Artefatos de cocção em ferro fundido: agregação de valor a partir do design e da seleção e aplicação de processos de revestimento cerâmico”, coordenado por Maria Regina Álvares Dias, professora da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). A investigação buscou o desenvolvimento de técnicas do processo de esmaltação para posterior transferência da tecnologia de revestimento em cerâmica de artefatos de cocção em ferro fundido. Os pesquisadores almejavam agregar valor aos itens, a partir da seleção e da especificação de texturas e cores aliadas ao design dos produtos. “Os estudos sobre as panelas valem para outros objetos de cozinha, e impactam, diretamente, a produção do artefato, a valorização junto ao mercado nacional e o uso mais adequado pelo usuário final”, comenta Regina Álvares. Professor da Escola de Design da UEMG e dos cursos de Engenharia do IBMEC, em Belo Horizonte, Carlos Miranda integrou a equipe de pesquisa, desenvolvida com financiamento da FAPEMIG. O projeto foi uma resposta a demandas do setor produtivo: em 2009, foram atendidas 15 empresas da região Centro-Oeste de Minas, nas cidades de Cláudio, Divinópolis e Carmo do Cajurú, em projeto financiado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Os pesquisadores, então, realizaram ações de consultoria e otimização de pro-
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dução, com agregação de valor por meio do design. “Durante as pesquisas, percebemos a necessidade de análises de objetos similares e de concorrentes, para desenvolvimento de tecnologia que permitisse a aplicação de revestimento cerâmico nos produtos, de forma a melhorar sua aparência estética e otimizar o uso cotidiano. Tal etapa só se tornou viável a partir do financiamento da FAPEMIG”, explica Carlos Miranda. O trabalho consistiu no desenvolvimento de revestimento cerâmico que pudesse ser reproduzido com matérias-primas já disponíveis e acessíveis no mercado, tendo em vista que os concorrentes e similares trabalham com formulações importadas, com alto custo de aquisição. “Como a tecnologia se destinava às empresas da região, buscamos focar a formulação em seus processos e artefatos, para incrementar, tecnologicamente, a produção, frente à concorrência de outros estados e países, a exemplo da China”, destaca. Além de promover estética mais agradável aos produtos fundidos, o revestimento confere mais nobreza às peças, em comparação à tradicional pintura preta, com tinta à base de teflon, comum em objetos orientados ao ambiente rústico de
O termo “artefatos” é mais adequado do que “panelas” no contexto desta pesquisa, pois o estudo tratou também de frigideiras, rechauds, chapas e bifeteiras.
Da lama ao design
Um dos fatos interessantes da pesquisa diz respeito ao uso de pigmento de óxido de ferro, extraído de rejeitos de mineração obtidos na barragem que se rompeu no recente desastre em Mariana (MG). “Esse pigmento nos deu coloração marrom avermelhada e foi fruto de outra pesquisa, desenvolvida junto ao Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN) e à Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Isso caracteriza um viés de sustentabilidade, e, ao mesmo tempo, reforça a identidade tipicamente mineira, que poderá ser explorada, do ponto de vista econômico, em outras áreas. Foram oportunos o contato e a troca de experiências com estudos posteriores”, frisa Carlos Miranda.
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fazendas e fogões a lenha. “A aplicação do revestimento torna os produtos mais aptos a mesas mais requintadas e ao uso em cozinhas domésticas. Abre-se a possibilidade de criação de linhas premium, mantendo-se as tradicionais, rústicas, também de identidade mineira”, destaca o professor.
Revestimento
Formado em Design de Produtos, com mestrado em Engenharia de Produção e doutorado em Engenharia de Materiais, Carlos Miranda foi coorientador de dissertação sobre o tema, desenvolvida por Robert Luiz Gomes, também designer, e, à época, professor da Uemg. Vinculado à Rede Temática em Engenharia de Materiais (Redemat), o trabalho investigou características das panelas de ferro fundido produzidas no Estado e sua compatibilidade com o revestimento cerâmico. “A pesquisa se alinha com os interesses do design, pois desenvolvemos viabilidade técnica para aplicação de um material – no caso, o revestimento – que se tornou opção para agregar valor a produtos mineiros de manufaturas”, reforça Robert. Um dos diferenciais do estudo está na possibilidade de trabalhar cores em produtos que, tradicionalmente, são segregados ao ambiente rústico de fazendas e sítios: “Contribuímos para trazer tais artefatos a ambientes domésticos mais requintados, com estética otimizada, revestimento limpo e refinado”. Ao fim da pesquisa, os integrantes procederam aos trâmites de proteção intelectual, a partir do registro de patentes. “Conseguimos chegar a uma formulação viável economicamente, com resultados interessantes de pigmentação e coloração”, destaca Carlos Miranda.
ratura dos alimentos por mais tempo, além de economizar gás durante o cozimento dos alimentos”, esclarece Carlos. A produção de itens com design diferenciado tem se tornado uma vantagem competitiva às pequenas e médias indústrias da área em Minas Gerais. Os conhecimentos de Engenharia e de materiais usados na confecção dos artefatos são de extrema importância ao processo de design, pois definem formas de processamento e propriedades requeridas, que afetarão, diretamente, a interface e a usabilidade dos produtos por parte do ser humano. No caso das empresas, o estudo de matérias-primas mais adequadas e disponíveis aos pequenos empresários torna o produto mais competitivo no mercado interno, frente à forte oferta de objetos importados, de diversos níveis de qualidade e procedência. “Os estudos enfatizam a usabilidade do produto, da valorização estética à melhoria da qualidade percebida, do conforto à ergonomia. Além disso, o design pode aprimorar questões de segurança e redução de riscos de queimadura durante o uso”, destaca Regina Álvares, a coordenadora da pesquisa. Segundo Robert Gomes, a próxima etapa está vinculada à transferência de tecnologia e ao projeto do processo em linhas fabris, tendo em vista que o desenvolvimento contemplou a formulação em bancada de laboratório. “Precisamos, agora, desenvolver testes em linhas de produção adequadas”, conclui.
Economia, saúde e paladar A principal característica das panelas de ferro fundido é a segurança para a saúde, pois não dispersam elementos nocivos durante o processo de cocção. “Ao contrário! Elas liberam ferro, que combate a anemia, por exemplo. Além disso, são extremamente duráveis e mantêm a tempe-
Parceria firmada, em 1995, entre Uemg, Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec).
PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Artefatos de cocção em ferro fundido: Agregação de valor a partir do design e da seleção e aplicação de processos de revestimento cerâmico COORDENADORA: Maria Regina Álvares Dias INSTITUIÇÃO: Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) CHAMADA: Universal VALOR: R$ 49.744,38
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ESPECIAL
Ao inaugurar a quarta fase do ciclo iniciado, no século XVIII, com o emprego de tecnologias a vapor, indústria 4.0 prenuncia novas relações entre homens e máquinas
Téo Scalioni
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Já parou para pensar que as inovações são gradativas, acumulativas e ocorrem em velocidade relativamente desproporcional à evolução humana? Isso, mesmo! Quanto mais se inventa, mais rápidas serão as transformações ocasionadas por tais descobertas. Basta observar que o homem demorou 1906 anos para voar em um avião, tempo contado a partir da Era Cristã – e graças ao mineiro Santos Dumont –, e, pouco mais de seis décadas depois, pisava na Lua. Na indústria, também é assim. Para que a sociedade atravessasse as inúmeras mudanças estimuladas pela Revolução Industrial, por exemplo, foram necessários, aproximadamente, 1800 anos. Tantas são as transformações, a partir do desenvolvimento da máquina a vapor, que, para explicá-las, os especialistas precisaram subdividi-las em três etapas. Na verdade, até então, os livros de história as dividiam numa tríade de fases (veja box à página 30). Agora, porém, no exato momento em que você lê esta reportagem, a quarta etapa da Revolução Industrial configura-se no mundo, devido a uma série de ocorrências observada com o desabrochar da chamada “indústria 4.0”. Trata-se de expressão recente, surgida como referência ao novo modelo industrial, baseado na integração digital dos diversos elos das cadeias produtivas. O mecanismo está além da automatização, por conectar equipamentos de produção a sistemas computacionais complexos, referendados por algoritmos capazes de reduzir, fortemente, a participação humana em inúmeros processos. Em linhas gerais, a produção industrial passa a obedecer a novas lógicas, segundo as quais robôs e sistemas computacionais, de forma autônoma, tornam-se responsáveis pela execução de tarefas e
pela tomada de decisões, de modo a que o processo fique cada vez menos dependente de intervenções humanas. A principal mudança, pois, diz respeito à possibilidade de redução da participação do homem, então substituído pela inteligência artificial (AI). A promessa de flexibilidade e de rápida adaptação a situações diversas seria outro diferencial de tal modelo produtivo. A expressão “indústria 4.0” surge, pela primeira vez, em 2011, na feira de Hannover, na Alemanha, como resultado de um movimento do governo que envolvera academia e empresas, no sentido de que se traçasse um plano para manter a posição hegemônica da indústria alemã nos próximos 15 anos. Nele, identificaram-se dez tecnologias digitais capazes de habilitar as empresas a dar saltos de produtividade e a reduzir custos, além de permitir maior integração (horizontal e/ou vertical) nas cadeias de suprimentos. As principais mudanças observadas vêm do intensivo uso de dispositivos eletrônicos para captura, aquisição, envio e análise de dados em tempo real. Empresas de qualquer setor, ou porte, geram altíssimo volume de dados, que, na maioria das vezes, não é usado para melhorar processos e gestões, ou para agregar valor a mecanismos e produtos. Por meio de dispositivos de internet das coisas, as empresas podem capturar informações de máquinas, processos e funcionários, além de enviar os dados a um servidor na nuvem – para que possam ser acessados de qualquer lugar –, e, de lá, fazer inúmeras análises, manuais ou com uso de inteligência artificial. Desse modo, permite-se, minuto a minuto, a melhoria de mecanismos, o que culminaria em altos níveis de performance. Para o economista Ulisses Pereira dos Santos, da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), a indústria 4.0 avança ao usar sistemas informacionais interligados, capazes de tomar decisões autônomas e de alterar as rotinas de produção de acordo com as necessidades de momento. Segundo o professor, que atua nas áreas de pesquisa de “economia da ciência e tecnologia e desenvolvimento econômico”, a nova configuração é bastante abrangente. “Não se trata de setor específico, mas de uma nova forma de se produzir bens industriais, que pode ser aplicada à quase totalidade da indústria em transformação”, acredita. No ver de Ulisses, se os avanços da indústria 4.0 alcançarem os objetivos propostos, o setor poderá chegar à completa informatização. Isso mudaria completamente o trabalho, as formas de produção e a relação entre a tecnologia e a sociedade. “Muitas funções podem ser extintas, e outras, criadas. Países desenvolvidos, como Estados Unidos e nações europeias, podem reverter a tendência de desindustrialização pela qual vêm passando desde o último quarto do século XX, sustentados nesse novo modelo industrial”, observa.
O futuro chegou? Conforme ressaltado, a expressão “indústria 4.0” alude à quarta fase da Revolução Industrial, que já está acontecendo – ou está próxima de ocorrer. Tal era deverá ser descrita em livros, e-books, ou em novas tecnologias ainda não existentes para leitura. Segundo o professor Ulisses Pereira, seria necessário difundir melhor os modelos de indústria 4.0 para considerar que a quarta fase se iniciou. É possível, porém, que estejamos bem próximos a ela. “A tec-
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nologia necessária para proporcionar esse processo está desenvolvida. No entanto, são precisos avanços quanto à disponibilidade e ao uso dos recursos fundamentais para essa indústria, como sensores, sistemas computacionais, robôs e impressoras 3D”, esclarece. Na acepção de Márcio Mariano Júnior, especialista em gestão pela Harvard Business School, e em operações, pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), certamente, o mundo já atravessa a chamada “quarta fase”. Segundo ele, contudo, a concepção não se limita à indústria, mas diz respeito à revolução dos modelos de negócios, “potencializados pelas soluções digitais que rompem barreiras físicas, conceituais e culturais, em velocidade que, até então, não havíamos experimentado”. Doutorando em Engenharia pela UFMG, Márcio conta que, diferentemente do que se difundiu nos primeiros anos, a nova revolução pode se dar de maneira prática, simples e acessível. “Tudo passa pela correta identificação de dados e informações relevantes ao negócio, assim como de sua aquisição e análise. Ou seja: não há necessidade de grandes investimentos, em complexas automações, robôs ou outros dispositivos de alto valor”, salienta. Outra característica acerca da nova fase refere-se ao fato de que a revolução também está ligada às soluções provindas de startups industriais, as INDtechs. Para Márcio, tais empresas podem contribuir muito para a rápida disseminação e o uso dessas tecnologias, de maneira a gerar significativos impactos. “Uma oficina de costura, por exemplo, aumentou sua produtividade em 30%, em apenas dois dias, com a adoção de soluções digitais. Já em seis meses, uma empresa de máquinas e equipamentos cresceu seu lucro líquido em 40%. Isso é só o começo”, comemora.
Internet e terceira fase Embora muitas tecnologias já existissem, certamente, foi a internet que lhes garantiu novas dimensões e aplicabilidades. Pode-se dizer, com isso, que foi graças à rede mundial que se tornou possível
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chegar à indústria 4.0. O uso, em tempo real, de grandes volumes de dados, acessíveis de quaisquer lugares ou dispositivos, é o que mais impacta a vida das pessoas, principalmente, devido ao intenso uso de smartphones. Agora, as empresas também se utilizam de tal potencialidade virtual, em processos e relações com os clientes, para alcançar uma série de objetivos. Em relação às diferenças entre as indústrias 3.0 e 4.0, verifica-se que a primeira se caracteriza, basicamente, pela alta aplicação de automação e pela robotização (via hardwares) no sistema fabril. Agora, vivencia-se o emprego de tais mecanismos autônomos, até então pouco difundidos ou não usados pelos industriários. Que o digam os usos da tecnologia de inteligência cognitiva, da mineração e da análise de dados (big data), da computação nas nuvens (cloud), da internet das coisas (IoT) e da digitalização da produção, dentre outros. “A indústria 4.0 seria mais flexível que a 3.0, e menos dependente de decisões humanas quanto ao processo de produção”, lembra o professor Ulysses Pereira.
Máquinas X Empregos Não há como falar sobre avanços tecnológicos e crescimento do papel das máquinas sem pensar em empregos humanos – ou na falta deles. Tem sido assim desde que a Revolução Industrial passou a recorrer a certos equipamentos em sua linha de montagem. O maquinário facilitava e otimizava o trabalho dos operários, de modo a melhorar a produção e a qualidade. A automação recorre a técnicas computadorizadas, ou mecânicas, com o objetivo de dinamizar e otimizar processos produtivos dos mais diversos setores da economia, já utilizados há tempos. Sempre, contudo, o homem estava por trás da história, ao dar ordens, comandar e decidir. A diferença, agora, é que também isso mudou: a própria máquina tomará as decisões que considerar mais assertivas. Parece assustador, mas o caminho é sem volta. Trata-se, afinal, de realidade já existente com a indústria 4.0. Ao pen-
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sar assim, imagina-se que o trabalho do homem possa perder todo o valor. Nesse sentido, que profissões realmente serão indispensáveis? A discussão intriga, até mesmo, os especialistas no tema. De acordo com Ulysses Pereira, em curto prazo, é bem provável que os avanços sejam uma ameaça aos empregos. O professor acredita que toda mudança tecnológica tenha repercussões sobre o trabalho, com ênfase naquelas que surgem com o intuito de substituir o trabalho humano. “Esse período de adequação, muito longo em determinadas circunstâncias, pode levar ao desemprego e a crises duradouras em regiões industriais, como aquelas observadas em países desenvolvidos quando da transferência de unidades industriais para a Ásia, a partir da década de 1970”, lembra. No entanto, para o economista e professor, tais mudanças tecnológicas têm, também, a capacidade de reestruturar a economia, ao criar, inclusive, novas possibilidades de trabalho. O processo de adequação à nova trajetória tecnológica, porém, leva tempo. “Falo do período necessário para o surgimento de novas funções, e, também, para a adaptação e a requalificação dos trabalhadores à nova realidade”. Na visão de Ricardo Aluísio e Silva – gerente de tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e especialista em engenharia de projetos industriais, produção automobilística, sistema de gestão integrado e gestão estratégica de instituições de ensino e tecnologia –, talvez, a nova Revolução Industrial seja a mais inclusiva de todas, no que tange ao emprego. Ele acredita que, ao contrário das demais, pautadas na mecanização e na automatização de fábricas, a quarta fase do movimento baseia-se na informação circulante: “Novas profissões serão criadas com a indústria 4.0, e, por consequência, profissões hão de se extinguir. Aquelas que permanecerão terão perfil diferente das atuais”. O especialista alerta, contudo, que, caso a indústria brasileira fique para trás nesse movimento, ela se tornará ainda menos competitiva. Isso pode gerar, ain-
4.0
Por dentro da
indústria
Sem trabalho
Em futuro próximo, o homem não precisará trabalhar, pois a máquina fará tudo para ele. O estado ficará encarregado de transmitir uma quantia mínima para que os cidadãos possam suprir necessidades. A questão da renda básica está bem avançada nos debates acadêmicos, assim como nos diálogos públicos. São múltiplos estudos, artigos e TED talks sobre o tema. A discussão não é nova, pois já esteve presente na segunda Revolução Industrial – tanto nas vertentes liberal quanto comunista. Por incrível que pareça, ambos os posicionamentos pregaram, em algum momento, que, no futuro, a tecnologia poderia liberar o homem da necessidade de trabalho, de modo a lhe permitir que usufruísse de bens e serviços, além de aproveitar os benefícios do ócio, do tempo para si, do convívio familiar e social e do contato com o meio ambiente. A proposta buscava garantir que as pessoas seguissem livres para escolher quais e quantos bens e serviços gostariam de ter, dentro dos limites de sua renda e daquilo que a sociedade conseguisse produzir. Também garantiria que todos tivessem, ao menos, o mínimo de produtos e ferramentas essenciais a uma vida digna. Por fim, estaria a responsabilidade de todos para com aqueles que, mesmo com esforço, não conseguissem ter acesso ao básico para a vida.
A máquina no comando
E a possibilidade de o homem estabelecer dependência, subserviência ou submissão às tecnologias? A consciência de que os cidadãos podem dividir o mundo com outros seres inteligentes é fundamental para que todo e qualquer avanço tecnológico seja visto como oportunidade para que os indivíduos se tornem melhores e as tecnologias sejam instrumentos aptos a transformar tal caminho em realidade. Como praticamente tudo na vida, a inteligência artificial exibe duas faces: a primeira é estimulante, clara, perceptível, e facilita nossos afazeres; a outra revela-se desconhecida, oculta, e necessita ser pensada do ponto de vista ético, legal, da individualidade e das relações entre as pessoas, as empresas e as nações.
A maior empresa de 2030
De acordo com o futurista Thomas Frey, do Instituto DaVinci, a maior empresa de 2030 ainda não existe. Ou seja, ela nem sequer foi criada. Há, no entanto, uma única certeza: a “gigante” será do ramo tecnológico. Segundo o especialista, o novo grupo usará inteligência artificial, além de agrupamento e análise de dados.
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da, redução de postos de trabalho. Ricardo lembrar que, para implementar a indústria 4.0 no País, é necessário, primeiramente, solucionar problemas estruturais e regulatórios, que hoje se mostram como obstáculos importantes: “A velocidade da internet disponível à indústria, por exemplo, inviabiliza a eficiência do tráfego e da análise de grandes dados. Além disso, normas regulamentadoras, como a NR12 [Norma Regulamentadora de Máquinas e Equipamentos], impossibilitam a implantação de robôs colaborativos”, explica. Embora exista essa ameaça, é consenso entre os especialistas que novas profissões e empregos podem ser elaborados. Parte-se do pressuposto de que os avanços tecnológicos extinguem certas funções, mas, ao mesmo tempo, geram muitas outras. Datilógrafos, por exemplo, deram lugar a um batalhão de digitadores, programadores, analistas, cientistas de dados; já cortadores de cana foram substituídos por técnicos de manutenção, operadores de equipamentos de colheita ou agricultura de precisão etc. Intui-se, ainda, que níveis gerenciais altos e inferiores tendem a se reduzir, enquanto a chamada “parcela intermediária”, formada por analistas e técnicos especializados, pode aumentar. “Acredito que tais avanços marcarão a nova postura do indivíduo na relação com os demais, e, também, no mundo do trabalho. Creio que o profissional será demandado a realizar nova leitura do ambiente de trabalho e de suas relações, no que diz respeito a novas habilidades a desenvolver”, afirma Maria Alice Mendes Arcebispo, especialista em gestão educacional e mestre em Ciências Sociais Aplicadas, ao exemplificar que, se as organizações podem lançar mão de um software que realiza tradução instantânea em diversos idiomas, que aspectos um profissional de secretariado executivo bilíngue precisaria desenvolver? Também professora da disciplina “Ciências e Humanidades”, Maria Alice prevê que os postos de trabalho e as funções substituídas pela Inteligência Artificial serão aquelas que não demandem habili-
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As fases da revolução Ao redefinir a concepção de trabalho em diversas épocas – como resultado, por exemplo, do uso de máquinas e da transformação de artesãos em operários e de oficinas em fábricas –, a Revolução Industrial modificou profundamente, em todo o mundo, as estruturas sociais, econômicas e políticas. No ver de Eduardo Madeira Marques, mestre em Administração e professor de gestão contemporânea nas organizações, percebe-se, hoje, ruptura das estruturas corporativas da Idade Média, avanço tecnológico, aplicação de progressos científicos na produção e substituição de métodos artesanais. “Quanto às rupturas, pode-se considerar a descoberta de novas formas de energia, o uso do aço na produção e a enorme ampliação de mercados”, ressalta. Confira, a seguir, as quatro etapas da Revolução Industrial, iniciada, na Inglaterra, no século XVIII:
De 1780 a 1860: eis o período da chamada
primeira Revolução Industrial, com predomínio de uso do carvão e do ferro. À época, iniciou-se a mecanização da indústria e da agricultura, a aplicação da força motriz, o desenvolvimento do sistema fabril e a acelerada evolução dos transportes e da comunicação.
De 1860 a 1914:
nesta segunda fase, destaque para o uso do aço e da eletricidade. A partir de 1860, três fatos são bastante importantes: o aparecimento do processo de fabricação do aço, o aperfeiçoamento do dínamo e a invenção do motor de combustão interna.
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De meados de século XX até hoje:
a terceira Revolução Industrial é marcada pela introdução de novas fontes de energia, como a nuclear. Frise-se, ainda, o desenvolvimento da Informática, da Genética e da Biotecnologia, o fortalecimento do sistema capitalista, a globalização e a preocupação com o meio ambiente.
A partir de agora:
conforme ressaltado na reportagem, vive-se, neste momento, a emergência de tempos completamente novos, baseados, por exemplo, na inteligência artificial e na análise do big data.
dades específicas dos humanos – relacionadas à emoção, à criatividade, às artes, à capacidade de se relacionar, à liderança e à versatilidade. “Atividades mais valorizadas poderão fazer parte do portfólio de muitos profissionais que, antes, não haviam pensado nelas”, destaca. Mestre em Direito Internacional, Vladimir Pinto Coelho Feijó acredita serem necessárias medidas capazes de conter os avanços, de modo a manter postos de trabalho. Para ele, é preciso medir os reflexos, pois o emprego não diz respeito, apenas, a fonte de renda. Há preocupação, também, em como as pessoas conseguirão bancar seus estilos de vida, caso não existam salários. “O emprego também é parte importante da forma como julgamos as pessoas, se incluídas, ou não, na sociedade. Integra a dignidade pessoal e a imagem que fazemos delas. Falo, pois, de séria questão de reposicionamento dos valores culturais” afirma. Na visão de Vladimir, como em toda mudança cultural, é possível vislumbrar vantagens e desvantagens da indústria 4.0. Além disso, a discussão está centrada na busca pelo ponto de equilíbrio. Para o especialista, o maior desafio relativo ao (des)emprego, porém, é a dificuldade das pessoas em substituir um tipo de atividade por outra. Afinal, com a perda de vínculo empregatício, os indivíduos precisam se reposicionar no mercado de trabalho. No caso de substituição da atividade humana pela robotização, ou pela inteligência artificial, porém, a história é diferente: “As pessoas não encontrarão recolocação na mesma atividade. Elas terão que se reinventar e procurar emprego em outras áreas. Isso não é algo simples”, alerta. Se, de início, a robótica trouxe ameaças às atividades com pouca exigência de qualificação, hoje, a inteligência artificial põe em risco ofícios reservados aos cidadãos com alta qualificação intelectual. “Nem sempre a formação está acessível. E a pessoa pode não se apresentar apta a realizar essa migração. Outra preocupação diz respeito à eventual necessidade de deslocamento, nacional ou internacional, para procura de emprego”.
O professor explica, ainda, que a legislação brasileira, correlacionada à inteligência artificial e à robótica, baseia-se no Projeto de Lei 1592/2011, ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, que pretende proibir o uso, em licitações, de robôs, softwares e programas de realização de lances em pregões públicos. Segundo Vladimir Feijó, existem movimentos que sugerem tributar os robôs de empresas, ao modo do que se faz com funcionários. Nesse caso, há objetivo duplo: assegurar manutenção de receitas ao Estado, parcialmente dependente da tributação da renda, e evitar forte incentivo à substituição da mão de obra por robôs – simplesmente, por não haver tributação sobre eles.
Copo meio cheio Se a indústria 4.0 pode ameaçar empregos, por outro lado, há de trazer benefícios à sociedade. De maneira geral, o setor deve se tornar mais produtivo e eficiente. A perspectiva é de que as novas tecnologias flexibilizem uma série de métodos, o que permitiria a customização da produção de acordo com a demanda. Os desdobramentos de tal transformação, certamente, passarão pelo fechamento e pela extinção de muitos negócios e setores, e, ao mesmo tempo, estimularão o surgimento de tantos outros. Como fruto das descentralizações e dos agrupamentos, as novas dinâmicas criadas impactarão bastante a economia dos países e de suas cidades – do singelo empório no interior à grande rede de varejo, presente em metrópoles diversas. “A sociedade será beneficiada com a otimização dos processos das indústrias, que as tornarão mais eficientes e competitivas. Isso resultará em produção em massa, e, ao mesmo tempo, em customização das necessidades de cada cliente”, comenta Ricardo Aluísio, ao frisar que, sem agregação de preço significativo, e com processos mais inteligentes e dinâmicos, diminuirão o custo de produção, e, por consequência, os preços de venda. A assertividade também será próxima aos 100%. Equipamentos e máquinas tro-
carão milhões de dados por segundo, de modo a garantir que todos os processos ocorram conforme o especificado, e de acordo com as resoluções necessárias para correção – autônoma – de possíveis problemas. Quanto à robótica avançada, a indústria 4.0 recorre à linha colaborativa, já que os robôs são capazes de interagir com os trabalhadores. Em termos financeiros, espera-se gerar US$ 1 trilhão nos próximos dez anos, apenas na Alemanha, com geração de 6% a mais de empregos. No Brasil, as empresas estimam investimentos de até 21% das receitas da indústria em soluções ligadas à revolução digital. Outra vantagem dos novos tempos está no fato de que tudo o que é desenvolvido para o setor industrial possa ser adaptável ao dia a dia das pessoas. Por isso, espera-se que as invenções usadas na indústria 4.0 logo façam parte do cotidiano humano. “Em nossas casas, por exemplo, a geladeira informará algo sobre produtos que hão de vencer ou acabar. Além disso, ela se comunicará automaticamente, conosco, via celular, ou, até mesmo, com o supermercado, para efetuar as compras de forma automática”, prevê Ricardo Aluísio. Outra meta, ainda mais ambiciosa, foi identificada pelo professor Vladimir Feijó. Trata-se da possibilidade de a máquina “mimicar” o corpo humano, como se pudesse estender a existência do homem: tal tecnologia culminará com a substituição de órgãos por robótica ou com a possibilidade de fazer upload de memórias e traços da singularidade humana – em máquinas que, mesmo sem sistemas humanos, poderiam dar sequência à vida. “Essas pesquisas poderiam, em tese, produzir vidas artificiais totalmente independentes da existência humana. Trata-se, portanto, de questão moral”, problematiza Vladimir, ao reforçar que eventuais limites precisam ser pensados e debatidos à exaustão, para que sejam externalizados os perigos da materialização de tais possibilidades.
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ENERGIA
O sol brilha para todos
Nova geração de painéis solares flexíveis, mais baratos e de fácil transporte e instalação, pode ampliar acesso à tecnologia, até mesmo, em regiões remotas
Alessandra Ribeiro
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O que poderia haver em comum entre uma torre de captação de água no Haiti e o edifício-sede de uma multinacional brasileira de tecnologia? No país mais pobre das Américas, uma estrutura erguida com bambu, revestida por malha de plástico, capta gotículas de vapor atmosférico, convertidas em água potável para consumo de populações que residem em áreas desertas. A iniciativa é da Warka Water, organização sem fins lucrativos focada em soluções de inovação e sustentabilidade para questões humanitárias. Além de fonte de água, a torre haitiana pode funcionar como gerador de energia limpa, com a instalação de painéis solares flexíveis – os mesmos que revestem a maior fachada solar orgânica do mundo, no escritório da Totvs, em São Paulo. Diferentemente dos painéis solares tradicionais, de silício, as células que transformam luz em energia elétrica empregam a tecnologia OPV, sigla para organic photovoltaic. Impressas em plástico-rolo, são leves, semitransparentes e podem, inclusive, ser usadas como adesivos para aplicação em superfícies de vidro. “Os painéis solares orgânicos têm, em sua constituição, tintas de polímeros semicondutores de energia. Trata-se de longas cadeias de átomos de carbono, orgânicos e abundantes na natureza”, explica Tiago Alves, CEO do CSEM Brasil, centro de pesquisa aplicada, privado e sem fins lucrativos, cujo foco é a geração de valor para a indústria nacional por meio da inovação.
O mercado brasileiro de energia solar está em expansão: em 2017, produziu seu primeiro gigawatt. Isso, porém, equivale a apenas 2% do total da produção energética brasileira, o que demonstra potencial de crescimento, especialmente, devido à alta incidência de radiação solar no País.
O nome Warka remete a uma figueira nativa da Etiópia, símbolo de fertilidade e generosidade, que, por oferecer larga sombra, é um ponto de encontro social na região. Assim também é a torre, erguida com bambu ou outro material de fácil acesso no local, que conta com um toldo sob o qual as pessoas podem se reunir. É nele que os painéis solares orgânicos são instalados, graças à leveza e à flexibilidade. A montagem da torre é de baixo custo e fácil: para erguê-la, leva-se, em média, 10 dias, com ajuda da comunidade, que recebe treinamento para aprender a usá-la, além de noções básicas de educação ambiental e compostagem. O projeto Warka Water foi criado em 2012, pelos italianos Arturo Vittori e Andreas Vogler. Inicialmente, os idealizadores pretendem usar a primeira torre equipada com células de OPV como fonte de abastecimento energético para um drone, com a finalidade de transporte de medicamentos no Haiti. No futuro, a ideia é instalar, nela, um ponto de wi-fi, para também promover a inclusão digital em lugares onde isso ainda é um luxo.
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A instituição conta com apoio do Governo de Minas Gerais, por meio de termo de cooperação técnica no valor de R$ 7 milhões, assinado em 2011, que envolveu a FAPEMIG e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sectes) – hoje, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sedectes). Uma das ramificações do CSEM Brasil é a spin-off Sunew, criada em 2015, uma das três fabricantes de OPV no mundo. A empresa derivada é a responsável pela doação dos 30 painéis solares integrados à torre de captação de água no Haiti – projeto em fase experimental. Para Tiago Alves, o Brasil tem demanda e potencial para aplicação semelhante da tecnologia em povoados isolados, carentes em infraestrutura e ainda sem acesso à energia elétrica. “Em muitos locais, não há estradas e só se chega de barco, como acontece em comunidades no Norte do País. A facilidade de transporte do OPV é um dos grandes atrativos nesse caso, pois seu baixo peso facilita muito a logística, além de reduzir custos”, garante. Já nas áreas urbanizadas, o mercado de edificações é o mais promissor, segundo o CEO, “principalmente, para aplicação do OPV em fachadas de vidro e estruturas leves, como galpões industriais”. O chamado “mobiliário urbano”, a exemplo dos abrigos de ônibus, revela-se mais um nicho em expansão. Outro produto que tem ganhado adesão nas cidades é a “árvore solar”, ou OPTree, que usa a tecnologia do OPV em suas “folhas” e gera energia limpa para carregamento de dispositivos eletrônicos, tais como smartphones, e para iluminação noturna, por exemplo. Cinco delas puderam ser vistas no Parque Olímpico durante a última edição do Rock in Rio. Também na capital fluminense, há um exemplar instalado no Museu do Amanhã.
Carro ecológico
Em parceria com o Centro de Inovação da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) e com o Projeto Girassol, iniciativa de pesquisa e desenvolvimento da PUC Minas, a Sunew está envolvida em pesquisas para uso de células fotovoltaicas em automóveis. No total, 25 carros – muitos dos quais, camuflados – circulam na Região Metropolitana de Belo Horizonte com a tecnologia acoplada. As películas de OPV podem ser aplicadas na lataria dos veículos, para captar luz solar e convertê-la em energia elétrica, ou, até mesmo, nos vidros, onde também podem atuar como filtros e ajudar a reduzir a temperatura interna dos carros. Uma vez armazenada na bateria, a eletricidade pode fazer funcionar faróis, painel e ar-condicionado, dentre outros acessórios, com economia de combustível e menor emissão de gases poluentes. Para a aplicação no setor automobilístico, a tecnologia OPV é cerca de cinco vezes mais barata do que a célula fotovoltaica tradicional, mas ainda são necessários estudos para aumentar sua eficiência energética, a ponto de torná-la comercialmente viável.
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FÍSICA
Nas ondas da gravidade Múltiplas teorias buscam explicar a força capaz, dentre outras ações, de equilibrar o Sistema Solar e nos manter seguros na Terra Luiza Lages
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Singularidade gravitacional é um ponto do espaço-tempo em que a massa, a densidade e a curvatura do espaço-tempo de um corpo são infinitas. Trata-se de falha na teoria da relatividade geral: as descrições do espaço-tempo e da matéria não são corretas próximo de uma singularidade. O início do Big Bang e um buraco negro seriam singularidades.
A gravidade é a força mais dominante do Universo: ela move a “montanha russa”, segura-nos, mantém o Sistema Solar unido e liga toda a matéria. Galileu Galilei (15641642) foi o primeiro a reconhecer a existência de tal força, já no início do século XVII, ao observar que objetos de massas diferentes caíam à mesma velocidade. A famosa maçã de Isaac Newton (1643-1727) levou o físico à conclusão de que não só a fruta caía no planeta, mas também a Lua: com a gravidade a forjar o caminho, o Satélite dá a volta na Terra, que dá a volta ao Sol, e, assim, todos permanecem em órbita. Newton, em suma, descobriu o que a gravidade faz, até que Albert Einstein (1879-1955) trabalhasse “o porquê” de tal atividade. Por meio de sua teoria da relatividade geral, o cientista mostrou que o espaço se curva em função da massa. Dessa forma, os trajetos que os planetas traçam, em torno das estrelas, são resultado direto da curvatura do tecido do espaço-tempo. Apesar de fornecer descrição clássica bem-sucedida da gravidade, demonstrada por diversos testes e aplicações, a relatividade geral, como a conhecemos, parece estar com os dias contados. Conceitualmente, apresenta falhas, relacionadas às singularidades gravitacionais. A teoria descreve, adequadamente, a gravitação e o espaço-tempo apenas em escalas maiores que o comprimento de Planck. “A granulação da teoria quântica não é compatível com a uniformidade da relatividade geral de Einstein. Esses problemas, juntamente a alguns quebra-cabeças conceituais, levaram muitos físicos a acreditar que uma teoria mais completa deveria regular o comportamento da matéria, próximo ao comprimento de Planck”, explica o físico Ilya Lvovich Shapiro, professor
Unidade de comprimento de 1.616,199 × 10-35m. Para comprimentos inferiores ao de Planck, a Mecânica Quântica e a relatividade geral deixam de conseguir descrever os comportamentos de partículas.
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Trata da separação de grandezas físicas em pacotes: elas são quantizadas quando – entre um valor e outro a ser assumido pelas medidas – existem valores proibidos.
titular do Departamento de Física da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A interpretação padrão entre físicos é de que existem limites de aplicabilidade para a teoria de Einstein, que precisam ser completados ou modificados por outra proposta teórica, que elimine as singularidades. É aí que entra a mecânica quântica, cuja teoria fundamenta praticamente toda a ciência e a tecnologia, ao escapar aos pressupostos teóricos da gravidade e da relatividade geral. A gravitação quântica propõe fim à dualidade entre as teorias, e está no centro da explosão produtiva de conhecimentos na Física teórica. “Em certas abordagens, a gravitação deve ser considerada junto a outros campos; em outras, não é necessário. Contudo, do ponto de vista da Física, a gravitação e a teoria quântica devem ser pensadas juntas, pois a matéria deve ser quantizada”, afirma Ilya Shapiro.
Modelos de gravitação Ainda não existe uma teoria quântica da gravidade, e, sim, características e ideias exploradas pelos profissionais da área, que tentam unificar a gravidade com as outras forças fundamentais da Física, já trabalhadas em conjunto. “Existem diversos modelos de gravitação quântica, e, de modo geral, dizer por onde passa a unificação é impossível. Historicamente, a Física caminhou para a aliança das forças fundamentais, a exemplo da elétrica com a magnética, por James Clerk Maxwell, no século XIX. Agora, acreditamos que devemos continuar em tal direção”, esclarece Ilya. Há diversas propostas de teoria da gravitação quântica: supergravitação, teoria das cordas, gravitação quântica de loop, gravitação quântica Euclidiana, geometria não comutativa de Alain Connes, gravita-
Ondas gravitacionais?
Há um século, Einstein previu a existência de ondas gravitacionais, ondulações no tecido espaço-tempo provocadas por mudanças de gravidade. Em 2017, o Nobel da Física foi dado aos americanos Rainer Weiss, Kip Thorne e Barry Barish, do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro a Laser (Ligo), devido a suas contribuições para a detecção do fenômeno. Qualquer tipo de massa em movimento, grande ou pequena, gera uma onda gravitacional: o espaço se deforma e propaga energia. Para serem perceptíveis, tais ondulações precisam ser originadas por grandes objetos cósmicos, como buracos negros e estrelas de nêutrons.
ção quântica discreta de Lorentzian e teoria do campo unificado, dentre outras. “Temos muitos modelos, mas nenhum é perfeito, do ponto de vista matemático. A ideia principal refere-se a ter a gravitação quântica como teoria para energias altas, em ordens de grandeza maiores do que temos no LHC, por exemplo”, explica. Em altas energias, porém, os modelos hoje existentes mostram inconsistências e instabilidades causadas, dentre outros fatores, por estados quânticos denominados “fantasmas massivos”. Atualmente, tais estados não físicos, com massa em escala Planck, representam o principal foco de pesquisa do professor da UFJF.
Desafios da pesquisa As atuais impossibilidades de aplicação e comprovação empírica, associadas à pesquisa em gravitação quântica, tornam as produções muito atreladas à teoria. “Por isso, tudo depende de pessoas que trabalham nas universidades”, afirma Ilya Shapiro. No Brasil, há especialistas em campos próximos, como Cosmologia, Astrofísica, física de partículas e teoria de campos. Para o professor da UFJF, as dificuldades técnicas, referentes à construção matemática do conhecimento na área, oferecem grandes desafios ao campo da Física. “Tem coisas que eu quero calcular e não sei como fazer por anos. Às vezes, é difícil inventar problemas que podemos fazer em prazo razoável, e sejam suficientemente interessantes”, diz. Área da física com os maiores progressos tecnológicos e experimentais, a Cosmologia tem contribuído para o trabalho com a gravitação quântica. “Além dos avanços puramente teóricos, acho muito interessante a possibilidade de ver os traços de gravitação quântica em observações cosmológicas – ligadas à necessidade de observar energias absurdamente grandes. Em expansão, o Universo está se resfriando. As ondas que hoje detectamos, e vêm de muito tempo atrás, foram muito mais quentes, com energias maiores. Um dia, poderemos detectar traços de gravitação quântica nas observações cosmológicas”, explica o professor Ilya Shapiro. Grande Colisor de Hádrons, acelerador de partículas da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear.
Mecânica quântica e aleatoriedade
O físico alemão Werner Heisenberg mostrou, em 1927, com base na teoria quântica, que o ato de medir a posição de uma partícula gera um distúrbio em sua velocidade, o que diminui a precisão da análise. O princípio da incerteza levou Heisenberg, Erwin Schrodinger e Paul Dirac a reformularem, nos anos 1920, a mecânica de Newton e a criarem a mecânica quântica. Na nova teoria, as partículas não tinham mais posições e velocidades separadas, bem definidas, mas um estado quântico. Tais partículas passaram a ter combinação de posição e velocidade definidas dentro dos limites do princípio da incerteza, com diferentes desfechos possíveis para uma única observação. A mecânica quântica introduziu um elemento de aleatoriedade à ciência: é possível determinar a probabilidade para uma medição possível.
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ENGENHARIA ELÉTRICA
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Quando a oportunidade se junta à tecnologia, os resultados podem ser transformadores. Isso foi observado, de perto, por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), para quem as diferenças cognitivas e limitações individuais de alunos são superadas com trabalho em equipe, em prol da tecnologia. Por meio da pesquisa “Robótica e a inclusão social: tecnologia e acessibilidade aplicadas ao ensino”, idealizada pelo Grupo de Controle e Modelagem (GCOM), em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Acessibilidade, Diversidade e Trabalho (Nace), da UFSJ, os especialistas buscaram averiguar a validade da robótica como ferramenta auxiliar à integração de alunos com deficiência cognitiva e/ou física em turmas regulares do ensino público. O projeto, entretanto, foi pensado aos poucos, em permanente diálogo com a trajetória dos profissionais envolvidos. Segundo Márcio Barroso, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFSJ e coordenador do projeto, a motivação para realização da pesquisa surgiu de sua participação em seminários de extensão universitária na UFSJ, e de sua curiosidade em compreender as possibilidades de interação entre a técnica, a tecnologia e a ciência. “Partimos de relatos da dificuldade de motivar a integração entre alunos com deficiências cognitivas e aqueles ditos ‘normais’, e de como tecnologias da informação, brinquedotecas, dentre outras ferramentas auxiliares, quebravam paradigmas. Tais narrativas foram fundamentais para que eu tomasse coragem e perguntasse, a colegas da Psicologia, da Educação e das licenciaturas em geral, de que modo a robótica poderia ajudar”, explica Márcio. Assim nasceu a primeira etapa do projeto. “Vimos, no edital de extensão em interface com a pesquisa, da FAPEMIG, uma maneira de financiamento adequado”, explica o professor. Buscou-se, na fase inicial, verificar como a tecnologia melhoraria a aprendizagem dos alunos. Para isso, os pesquisadores escolheram alunos dos níveis fundamental e médio, ligados a escolas com os piores índices de ensino, nos bairros mais carentes de São João del-Rei.
Em seguida, os estudantes participaram de um curso de robótica educacional e foram avaliados de acordo com seu desenvolvimento e a participação nas atividades. “Os primeiros resultados foram lindos. Nossos alunos foram a Juiz de Fora, participaram de uma competição de sumô para robôs e venceram escolas particulares. Cada aluno ganhou um netbook. Depois de experimentarmos esse sucesso, tomamos coragem de ampliar os estudos para inclusão de pessoas com deficiência”, comemora. Depois de passarem a considerar a integração de jovens com deficiência, a pesquisa iniciou nova etapa. As escolas de São João del-Rei com menores índices de pontuação no Enem foram novamente acionadas. Mas, dessa vez, o projeto teve, como como participantes, crianças e adolescentes dos ensinos fundamental e médio, incluindo estudantes com deficiência, com faixa etária entre 10 a 20 anos. Ao todo, 6 escolas do município participaram da pesquisa: eram 64 crianças e adolescentes, sendo quatro surdos, um esquizofrênico, um com síndrome de Asperger e um com déficit de aprendizagem. Em seguida, os jovens participaram de um curso de robótica educacional, ministrado por um instrutor e auxiliado por quatro monitores dos cursos de Engenharia, e tiveram acompanhamento de um intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras), no caso dos estudantes surdos, e de um graduando em Psicologia. As aulas foram realizadas no Laboratório de Ensino de Robótica Educacional da UFSJ, que, atualmente, dispõe de arenas de treinamento, computadores, bancadas, datashow e kits didáticos de robótica. “Importante ressaltar que a seleção dos bolsistas e voluntários, para desenvolvimento do projeto, assim como sua preparação para as lições de robótica, precedeu tais etapas. As aulas foram filmadas e gravadas, para possível análise posterior”, alega Barroso
Integração
O curso de robótica foi realizado durante três meses, em 20 aulas – com duas horas de duração, duas vezes por semana –, e em horários diferentes das aulas regu-
Os kits, que incluem componentes mecânicos estruturais e de movimento, motores, sensores e um controlador programável, foram essenciais para o desenvolvimento da pesquisa.
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lares. Para que os alunos pudessem interagir, e para que os monitores pudessem dar maior assistência aos jovens, dividiram-se os participantes em turmas de 16 integrantes, que, por sua vez, acabaram subdivididas em grupos de quatro. Os temas de cada aula variaram ao longo do curso. Os alunos aprenderam montagem mecânica, eletrônica e programação. Desse modo, tiveram a oportunidade de construir, por exemplo, um protótipo de robô no formato de um veículo, além de compreender o funcionamento de tais robôs. Eles também montaram e programaram robôs para competir na Olimpíada de Robótica do Campo das Vertentes. Tudo isso em equipe, com auxílio dos monitores, e com o intuito de promover integração entre os alunos com deficiência e não deficientes. Os primeiros resultados mostraram interesse dos participantes surdos em ampliar seu conhecimento, assim como vontade de superar limitações. Em seguida, observou-se como os outros participantes se dispunham a ajudar e a entender a dificuldade do próximo. No ver de Márcio Barroso, o maior ganho da pesquisa foi ver a interação entre os alunos e a superação das desigualdades. “Diante da possibilidade de contribuir, de alguma forma, para o desenvolvimento pessoal e profissional dos alunos, foi possível perceber que atitudes simples fazem grande diferença na vida das pessoas. Ter a oportunidade de trabalhar com indivíduos de realidade social diferente, e com pessoas com deficiência, e lidar com tais desafios foram experiências de enorme aprendizado”, comemora.
robótica. A maior preocupação dos monitores era como reagir em caso de preconceito com os alunos deficientes. Márcio Barroso conta que, durante as aulas, houve um caso de preconceito a um aluno deficiente, por parte de uma colega de sala. O grupo de pesquisadores decidiu trocar a garota de turma, para evitar problemas. O professor explica que, mesmo com essa dificuldade inicial, as preocupações dos monitores e a possível exclusão dos alunos deficientes foram passos importantes para que pensar em ações para além da robótica, e, consequentemente, tornar o processo mais humanizado. Até o momento, ainda que o projeto tenha mostrado resultados positivos, não há planos de expansão e implementação da proposta em outras escolas. Márcio Barroso entende que a falta de recursos e financiamento dificulta o andamento da iniciativa. “O grupo continua trabalhando. Entretanto, a ausência de editais específicos para a área de interface entre pesquisa e extensão tem sido um dificultador. Mesmo assim, continuam as aulas de extensão e o desenvolvimento de equipamentos para inclusão de pessoas com deficiência de aprendizado”, conclui.
Dificuldades e planejamento
Durante a realização do curso, os monitores que ministraram as aulas perceberam a necessidade de cuidado especial com os estudantes com deficiência, pois, para muitos monitores, aquela era a primeira vez em que exerciam o papel de professor. Para solucionar tal problema, realizou-se conversa entre as professoras dos cursos de Psicologia e de Letras, orientadoras do projeto, e os graduandos de Engenharia, responsáveis pelas aulas de
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PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Robótica e a inclusão social: tecnologia e acessibilidade aplicadas ao ensino COORDENADOR: Márcio Falcão Santos Barroso INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) CHAMADA: Extensão em Interface com a Pesquisa VALOR: R$ 31.206,00
COMUNICAÇÃO
#TudoMudouComigo
Hoje objetos de estudo sob perspectivas as mais diversas, hashtags redefiniram processos de conversação em todo o planeta Lorena Tárcia
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O termo “hash” é usado na ciência da computação desde 1961. Acredita-se ser uma alteração de “hatch”, originária da frase “hatch mark”. De acordo com o dicionário Oxford, o termo técnico para hashtag é “octothorp,” sendo octo referente aos oito pontos da figura # e thorpe, um sobrenome inglês, cuja relação não é detalhada pela publicação.
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Ela chegou em 2007 e virou fenômeno mundial, incorporando-se às nossas conversações on e offline. Entrou oficialmente para o dicionário Oxford, em 2014, como “a palavra ou frase precedida pelo sinal hash (#), utilizada em sites e aplicativos de redes sociais, especialmente o Twitter, para identificar mensagens ou tópicos específicos”. Na verdade, a primeira hashtag remonta ao criador do Twitter, Chris Messina. Nos últimos dez anos, tornou-se um fenômeno comunicacional importante, assim como objeto de pesquisas acadêmicas em todo o mundo. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisadora Luciana Andrade, doutoranda em Comunicação Social, começou a estudar as hashtags em 2013, durante as chamadas “Jornadas de junho”, quando acompanhou de perto as manifestações, com muitos registros fotográficos. Ao analisar as imagens, uma de suas percepções refere-se ao uso recorrente de hashtags em cartazes e camisetas, principalmente, em relação a #vemprarua e #ogiganteacordou. “Até então, estávamos acostumados com hashtags sociopolíticas nos ambientes digitais, como ferramentas de monitoramento de conteúdo”, conta. O fenômeno, então, passou a ser mais atentamente observado. No ano seguinte, o comportamento se confirmou com os protestos contrários à realização da Copa do Mundo, de maneira a configurar certo padrão à dinâmica sociocomunicacional. “Em 2015, entrei no programa de doutorado em Comunicação da UFMG para investigar, academicamente, o fenômeno. No princípio, queria entender a cultura participativa nas manifestações sociopolíticas. Com a iminência do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, porém, foquei no uso de hashtags nos ambientes on e offline”, relata Luciana.
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Enquanto as tags funcionam como etiquetas para classificar referências nos arquivos digitais, as hashtags não apenas classificam, mas se configuram enquanto hiperlinks, para agrupar conteúdos afins, por meio do hash (#), e promover espaços de discussão. Seu amadurecimento, até chegar à representação e à determinação nas dinâmicas comunicacionais, foi decorrente da experimentação dos usuários: “No ambiente digital, é impossível a imposição de manuais de uso. Tudo acontece de forma intuitiva. No Twitter, o processo foi mais natural porque, rapidamente, as pessoas entenderam que o uso das hashtags contribuía para a visibilidade do conteúdo gerado dentro de determinada conversação”. Segundo Luciana, porém, algum tempo depois, outras experiências começaram a ser notadas, inclusive, fora do espaço demarcado pelo Twitter. “No começo, as pessoas começaram a transformar todas as palavras de uma frase em hashtags. Em seguida, pelo refinamento dos próprios usuários, apenas algumas palavras, que mereciam destaque, passaram a ser usadas, configurando-se em hábito. Com as manifestações e os eventos sociais e políticos, isso se tornou notório, pois as hashtags foram incorporadas para expressar posicionamentos dentro da conversação”, esclarece. Além das expressões textuais, as hashtags coloquiais interessam, à pesquisadora, como recurso importante para compreensão de novos padrões de comportamento. “Um belo dia, no início da pesquisa, ao zapear, cheguei a um programa infantil. Foi a primeira vez em que vi uma personagem, na TV, apropriar-se de hashtag para construção discursiva, sem a intenção de fazer conexão com as redes digitais. Era uma menina de, aproximada-
mente, 14 anos, que usava recorrentemente a hashtag ‘#ficaadica’, fazendo o símbolo do hash (#) com as mãos”, conta Luciana. Para a pesquisadora, tal incorporação diz muito da cultura participativa contemporânea, que se apropria de todo tipo de códigos para produção de conteúdo. Tornou-se algo natural, um expediente para dar mais expressividade à fala.
Vertentes de pesquisa Semanalmente, Luciana Andrade monitora os grupos interessados em pesquisas afins à sua. Nos Estados Unidos, uma vertente significativa tem trabalhado o conceito de ativismo hashtag, com ênfase no campo do feminismo. Outra importante referência é o pesquisador australiano Axel Bruns, cujo foco está na dinâmica de compartilhamento das redes sociais. Já os pesquisadores alemães Theresa Heyd e Cornelius Puschmann as analisam fora do ambiente midiático. Por fim, no campo da linguística, existe grande interesse pelo potencial discursivo das hashtags. Outro objeto de interesse da pesquisadora são as hashs políticas. Também na UFMG, a professora Geane Alzamora, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, coordena a pesquisa intitulada “A dinâmica transmídia mediada por hashtags em conexões de redes sociais online – agenciamentos semióticos e sociotécnicos em contextos de grande mobilização social”. Nesse caso, parte-se da da premissa de que hahstags são vetores de conteúdos afins, em dinâmicas reticulares online/ offline. “Operam, assim, como instâncias aglutinadoras de conteúdos fragmentados em rede, vinculando posicionamentos por empatia, alteridade e convenção social”, explica Geane. A hipótese norteadora do
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estudo é de que as hashtags podem sinalizar o agendamento primordial da conversação social midiatizada no contexto das eleições presidenciais de 2018, no Brasil, recorte empírico da investigação. A pesquisa busca, neste momento, procedimentos metodológicos adequados para realizar a coleta automática de hahstags – e, ainda, para análise qualitativa da conversação social mediada pelas hashtags preferenciais no contexto investigado. “Outro desafio é encontrar modos possíveis de investigar ambiências midiáticas importantes como o WhatsApp”, conclui.
Coleta e visualização De acordo com Luciana Andrade, não faltam ferramentas para pesquisar as hashtags online, tanto para direcionamentos comerciais quanto para pesquisas acadêmicas. Porém, já prevendo o investimento financeiro como empecilho na academia, ela prioriza o uso de ferramentas gratuitas. Nos sites http://hashtagify.me/, https://ritetag.com/ e http://keyhole.co/, a pesquisadora consegue monitoramento rápido e sem muitos recursos. Para coleta, usa o chamado TCAT-DMI (https://github.com/digitalmethodsinitiative/dmi-tcat), criado pelo Digital Methods, grupo de pesquisa de Amsterdã, na Holanda. Quem não tem muita familiaridade com programação, pode optar pelo Tags V6.2 (https://tags. hawksey.info/get-tags/), que possui extensão no Google Drive, sendo possível acompanhar o processo de qualquer lugar. “Ele é bem simples, tem potencial reduzido, mas atende bem, dependendo do propósito. As duas ferramentas geram arquivos que podem ser usados em programas de visualização de dados, como o Tableau (https://www.tableau.com)”, explica Luciana. No momento, Luciana encontra-se na fase de limpeza e visualização dos dados coletados, além de realizar entrevistas com os principais perfis que aparecem como influenciadores das hashtags “#foradilma” e “#naovaitergolpe”. Como desdobramento dos resultados iniciais, incorpora, aos estudos, o conceito de “transmídia ativismo”, com base em Lina Srivastava, que cunhou o termo em 2009. Dessa forma, busca compreender o papel mediador das hashtags nos contextos de mobilização sociopolítica. Já Geane Alzamora, na condução do grupo de pesquisa, do ponto de vista teórico-metodológico, busca subsídios no modelo de semiose de Charles Sanders Peirce. “Estamos confiantes de que a pesquisa pode resultar em compreensão refinada sobre os processos contemporâneos de conversação em rede, no âmbito do que denominamos ‘transmídia ativismo’. Acreditamos, ainda, que a pesquisa possa servir de parâmetro teórico-metodológico para contextos similares de investigação em rede”, destaca.
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CIÊNCIA POLÍTICA
Quem leva a fama? Pesquisa mostra que a responsabilidade dos feitos de políticos está atrelada ao sistema de governo Mariana Alencar
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Que avaliação você faz do atual prefeito de sua cidade? E do presidente da nação? A partir de duas simples questões, Felipe Nunes dos Santos, doutor em Ciência Política pela Universidade da Califórnia (UCLA), averiguou se os eleitores são capazes de identificar os verdadeiros responsáveis pelas ações realizadas em seu município. Parte da tese de doutorado do pesquisador, o artigo intitulado “Quem recebe recompensas eleitorais? Um estudo experimental sobre como os eleitores respondem aos benefícios produzidos pela União, estados e municípios no Brasil” revelou características interessantes acerca das recompensas eleitorais no País. Segundo Felipe – que, durante a pesquisa, recebeu tutoria da professora Maria de Fátima Anastasia, do departamento de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) –, a investigação partiu do fato de que, em sistemas federativos pouco centralizados (como nos casos do Brasil e do México), o repasse de verbas do governo federal aos municípios ocorre, mais efetivamente, quando há coerência partidária entre as esferas de governo. Ou seja, a distribuição de verbas será destinada, mais facilmente, aos municípios com prefeitos filiados ao mesmo partido do Presidente da República. Já em países cujo sistema federativo é centralizado (como Venezuela e Argentina), o repasse de verba pelo governo federal é feito, de forma mais efetiva, a cidades onde o eleito obteve mais votos.
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No ver de Felipe Nunes dos Santos, foi vital compreender melhor a maneira como os eleitores atribuem crédito eleitoral aos políticos, quando mais de um tem autoridade legítima para reivindicar crédito para resultados observados nas diversas localidades brasileiras. A questão que surge, a partir desse cenário, é: quando uma obra é realizada na cidade, quem receberá os créditos, o prefeito ou o presidente? “Normalmente, o que se vê em países com o sistema federativo menos centralizado é a tendência de o prefeito receber as recompensas. Já em países centralizados, a responsabilidade vai para o governo federal. Minha intenção era verificar tal hipótese. O objetivo, então, foi investigar como e por que os eleitores brasileiros atribuem crédito político a determinadas figuras, e não a outras”, explica, ao destacar que outro ponto explorado refere-se às condições nas quais os eleitores revelam-se mais propensos a identificar os verdadeiros responsáveis por resultados que lhes interessam. Para isso, o pesquisador adotou, como método de pesquisa, o chamado endorsement experiment (ou “experiência de endosso”, em tradução livre). A metodologia tem sido usada para medir os níveis de apoio político a grupos minoritários que, aos olhos da sociedade, adotam comportamentos não tradicionais. Em tal mecanismo, um grupo de
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pessoas é selecionado de forma aleatória, e convidado a expressar sua opinião sobre ações políticas. “Na sequência, dividimos os participantes em três grupos: placebo, controle e tratamento. Fazemos perguntas semelhantes a todos, mas com sutis modificações, e comparamos as respostas obtidas”, esclarece o pesquisador. Durante a realização da pesquisa, foram entrevistados 2400 eleitores, em 195 cidades. Na ocasião, os entrevistados responderam, primeiramente, às seguintes perguntas: “Que avaliação você faz do atual prefeito de sua cidade?”, “E do atual presidente do País?”. Em seguida, o grupo placebo deveria responder à seguinte pergunta: “Você deve estar percebendo melhorias em infraestrutura que devem estar sendo realizadas aqui na cidade. Você concorda com a realização dessas obras?”. Já o grupo controle deveria responder a outra questão: “Você deve estar percebendo melhorias na infraestrutura
da cidade sendo realizadas pelo prefeito. Você concorda com a realização dessas obras?”. Por fim, aos integrantes da equipe de “tratamento”, perguntava-se: “Você deve estar percebendo melhorias na infraestrutura da cidade sendo realizadas pela Presidência da República. Você concorda com a realização dessas obras?”. Após a realização de outras tantas perguntas, os grupos voltavam a responder às duas questões iniciais, relativas à avaliação dos desempenhos dos governos municipal e federal. “No primeiro grupo, não houve alteração na avaliação feita pelas pessoas. Já no segundo grupo, depois de afirmarmos que a melhoria era de autoria do prefeito, os eleitores passaram a avaliar positivamente o governo municipal. Por fim, no terceiro grupo, não notamos alteração, mesmo tendo sugerido que as melhorias teriam sido realizadas pelo governo federal”, analisa o cientista.
Hipótese comprovada
A pesquisa realizada com eleitores brasileiros foi só uma etapa da tese de doutorado de Felipe Nunes dos Santos. Além de investigar as recompensas eleitorais no Brasil, o pesquisador aplicou a metodologia junto a eleitores do México, da Argentina e da Venezuela. O resultado comprovou a hipótese de que, em países mais centralizados, prefeitos não recebem tantos créditos quanto presidentes, ao contrário do que ocorre em nações menos centralizadas. Em sua tese, Felipe mostra que, no Brasil, 53% dos eleitores acreditam que a prestação de serviços públicos e infraestrutura, destinada aos municípios, é responsabilidade dos governos locais, enquanto, na Venezuela, só 11% pensam assim. Já no México, 45% atribuem a responsabilidade ao governo local, e, na Argentina, apenas 19% dos eleitores acreditam que os políticos locais são responsáveis pela provisão de bens. Em relação à responsabilidade dos governos federais, os resultados obtidos também foram diferentes nos quatro países. No Brasil, apenas 29% dão créditos ao governo federal. No México, o número cai para 24%. Já na Argentina, 46% acreditam que o governo federal é responsável pelos investimentos. Por fim, na Venezuela, país com a maior centralização dentre os quatro pesquisados, 63% da população conferem a responsabilidade ao presidente. Ainda que a pesquisa não tenha sido incorporada pelos governos dos países analisados, os resultados apresentam impacto em relação a sistemas centralizados ou não. “Durante muito tempo, o Banco Mundial defendeu que os países da América Latina deveriam aumentar a descentralização para diminuir a corrupção, melhorar o repasse de recursos, e, consequentemente, os gastos. Entretanto, o órgão não considerou os fatores políticos envolvidos pela questão”, esclarece o pesquisador. Seria preciso, pois, entender que os políticos não agem de forma cega, mas estratégica, de forma a melhorar o sucesso eleitoral. “A ideia pregada pelo Banco Mundial não parece ser boa, nem eficaz, pois o sistema político de cada país da América Latina funciona de um jeito”, completa Felipe dos Santos.
PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Quem recebe recompensas eleitorais? Um estudo experimental sobre como os eleitores respondem aos benefícios produzidos pela União, estados e municípios no Brasil COORDENADORES: Felipe Nunes dos Santos e Maria de Fátima Anastasia (tutora) CHAMADA: Universal VALOR: R$ 39.273,15
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ARQUITETURA
História feita de adobe Projeto auxilia preservação do patrimônio de São João del-Rei, por meio da análise de técnicas construtivas de casas centenárias Luana Cruz
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Cidade na qual a poesia se debruça nas janelas dos casarios. E onde becos bucólicos misturam-se a igrejas grandiosas, largos de tradição e montanhas de contorno. No mais, a mineira São João del-Rei caracteriza-se por portas e fachadas, meio desalinhadas e coloridas, capazes de garantir o tom de diversidade à arquitetura. Resgatar a história desse importante patrimônio do Estado, por meio das construções, é a tarefa de preservação de uma série de pesquisadores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Ao encarar a missão, eles realizaram o levantamento de edificações remanescentes no município, com o intuito de documentar a diversidade de estilos arquitetônicos. O resultado é um inventário com mais de 40 imóveis, sobre os quais foram descritos o tipo de alvenaria predominante, a tipologia construtiva, as características do entorno e o estado de conservação. “São João del-Rei é muito rica em construções históricas. A cidade se diferencia de outros municípios mineiros porque não ficou congelada. Ouro Preto, por exemplo, conta com um dos maiores acervos de casarios barrocos e coloniais do mundo. Lá, existem técnicas de alvenaria e materiais correspondentes ao contexto de um período. Em São João, é diferente, pois ocorreram modificações a cada ciclo econômico e histórico”, comenta o professor Mateus Martins, coordenador do projeto de pesquisa, ao destacar que, hoje, existem, no município, construções com estilo barroco, neoclássico e neogótico, dentre outros. “As alvenarias e as técnicas acompanharam as mudanças”, explica. O grupo de pesquisadores escolheu os casarões que integrariam o inventário segundo seus estilos arquitetônicos. Para tal, visitaram os imóveis, fotografaram, entrevistaram moradores e observaram os tipos construtivos. A equipe encontrou grande diversidade de técnicas: há casarios de terra crua, tijolo maciço, taipa de pilão, pau-a-pique, bloco de concreto, pedra, adobe, dentre diversas outras alvenarias. No ver de Mateus Martins, o banco de dados com informações sobre os
imóveis contribui com a preservação do patrimônio cultural edificado. Mesmo que certas construções estejam descaracterizadas, é possível saber se foram compostas de pedra, tijolo, argamassa de cal ou barro. Além disso, compreende-se a estrutura de fundação das casas. Uma alvenaria em adobe, por exemplo, diz respeito ao uso de tijolos crus, que não passam pela queima. Eles são secos, naturalmente, pela ação do sol e do vento. Para confecção dos adobes, recorre-se a água, palha, areia e estrume, que funciona como estabilizante. Em seguida, misturam-se os elementos, até que se forme a massa consistente que é posta em formas de madeira, para configuração dos tijolos. Segundo o professor, tais paredes têm alta capacidade estrutural, sendo usadas, predominantemente, nas partes externas dos edifícios. O modelo adobe foi muito empregado em casarios de São João del-Rei. Mateus explica que, apenas no final do século XIX, e no início do XX, surgiram as alvenarias de tijolos cerâmicos, que dependem de queima e resultam em tipo construtivos bem mais resistentes à água. Fotos: Divulgação
Construções históricas de São João del-Rei revelam diversidade arquitetônica MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ 2017/JAN/FEV 2018
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Inventário enumera tipos de alvenaria, tipologia construtiva, características do entorno e estado de conservação
A pesquisa de resgate histórico envolve equipe multidisciplinar de arquitetos, historiadores e engenheiros. “É muito importante envolver outras áreas. Não posso, por exemplo, restaurar uma igreja histórica, de 200 ou 300 anos, com um problema no altar, sem saber algo sobre a fundação e a alvenaria daquela construção. O restauro que não se atenta a questões estruturais pode significar trabalho jogado fora”, esclarece.
Zona rural Muito se engana quem pensa que os patrimônios históricos estão apenas nos centros urbanos das cidades. Os pesquisadores também percorreram zonas rurais de São João del-Rei e municípios vizinhos, como Ritápolis, Nazareno, Coronel Xavier Chaves e Prados. Nessas localidades, coletaram informações de casarões em fazendas, além de pequenas casas quase esquecidas. Segundo Mateus Martins, alguns imóveis são pouco valorizados porque não têm destaque estético, nem chamam atenção
no primeiro olhar. Trata-se, porém, de ricas fontes de informação sobre sistemas construtivos. “Na zona rural, há imóveis centenários. São casas de alvenaria de terra crua, pau-a-pique, tijolo adobe e capa de pilão, feitos com técnicas extremamente peculiares. Muita gente acha que patrimônios históricos são apenas belos prédios, mas, em distritos da zona rural, percebe-se que também há estilo”, relata o pesquisador. Que o diga o exemplo de Nazareno, pequena cidade a 50 quilômetros da Universidade Federal de São João del-Rei. Além da pesquisa, o professor coordena um projeto de extensão nos distritos quilombolas do município, onde existem construções simples, de adobe, que usam as mesmas técnicas de palácios e igrejas dos centros urbanos. “Quando se fala em meio rural, vêm à mente as lindas fazendas de leite e café. Elas também são interessantes, mas, na pesquisa, destacamos a riqueza material de casinhas simples e intactas há 100 ou 200 anos”. PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Resgate de Sistemas Construtivos do Patrimônio Edificado de São João del-Rei COORDENADOR: Mateus de Carvalho Martins INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) CHAMADA: Universal VALOR: R$ 24.828,17
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SAÚDE PÚBLICA
E o corpo ainda é pouco Com assustadoras taxas de crescimento, doenças que pareciam controladas voltam a atacar em 2017 Mariana Alencar
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Depois de registrar alto número de vítimas das febres chikungunya e zika vírus, o Brasil, no início de 2017, sofreu com o crescimento da incidência de outra doença: febre amarela. Além disso, outras epidemias, causadas por vírus, bactérias e protozoários, foram manchetes de jornais durante o ano. Se, há algum tempo, enfermidades como sífilis, leishmaniose, caxumba, febre amarela e hepatite pareciam ter dado trégua, o aumento da incidência de tais patologias torna necessário que se acione um sinal de alerta. Entre 2010 e 2015, o Ministério da Saúde registrou, no Brasil, crescimento de mais de 5000% de casos de sífilis adquirida (transmitida por meio da relação sexual). Já a leishmaniose visceral, cujo número de casos havia caído em 2013, também voltou a crescer. Em Minas Gerais, em 2017, registrou-se alta de 74% no número de diagnósticos em humanos, na comparação com o ano anterior. No que tange às doenças virais –caxumba, hepatite e febre amarela –, verificou-se surtos pontuais: em São Paulo, por exemplo, apenas em setembro de 2017, houve aumento de 700% no número de casos de hepatite A. Embora essas doenças sejam de natureza diferente – posto que algumas são causadas por bactérias; outras, por protozoários ou vírus –, é possível encontrar um denominador comum que explique o aumento do número de casos. Segundo Dirceu Greco, médico infectologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o crescimento das enfermidades atrela-se às condições socioeconômicas da população brasileira. “Todas apresentam ligação? Um determinante social atua como pano de fundo para disseminação das doenças. Se compararmos, veremos que sua incidência é maior, na maioria das vezes, em regiões onde a população é economicamente vulnerável”, explica.
Transmissão imperceptível A sífilis é uma doença milenar, facilmente curada por meio de doses de penicilina. Entretanto, mesmo com as fa-
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cilidades de tratamento, a alta incidência da infecção preocupa os profissionais de saúde. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um milhão de novos casos de infecções sexualmente transmissíveis são diagnosticados, no mundo, a cada dia. Dentre essas infecções, a sífilis chama atenção pela alta ocorrência. Por ano, estima-se que ao menos 6 milhões de pessoas sejam infectadas pela doença. Transmitida pela bactéria Treponema pallidum − que sobrevive por pouco tempo fora do corpo –, a sífilis é mais infectante que o HIV, pois, ao contrário do vírus da Aids, pode ser transmitida apenas pelo contato íntimo. Ou seja, não há necessidade de penetração para que ocorra a transmissão. Quando não tratada corretamente, ela pode causar cegueira, demência e má formação fetal. A infecção pode ser adquirida por meio do contato sexual (“sífilis adquirida”), transfusão de sangue ou transmitida da mãe ao filho, durante a gestação (“congênita”). No Brasil, em 2010, identificaram-se 1.249 casos de sífilis adquirida. Cinco anos depois, o número de pessoas infectadas subiu para 65.878 – o que representa aumento de mais de 5000%. Em relação ao número de casos de incidência da infecção, transmitida da mãe ao feto, a ampliação foi de 900% entre 2005 e 2015. Ainda que especialistas afirmem que a sífilis é uma doença que não escolhe gênero, idade ou classe social, no Brasil, tal recorte influencia a disseminação da doença. Segundo Dirceu Greco, as pessoas mais atingidas são, possivelmente, mulheres e jovens homossexuais. “No caso das mulheres, isso ocorre porque, embora elas estejam conquistando mais espaço na sociedade, a negociação dos riscos causados pelo sexo ainda é vista, por muitos, como responsabilidade dos homens. Muitas delas não carregam camisinha por medo do julgamento dos parceiros. O preconceito também afeta os homossexuais. A homofobia faz com que jovens deixem de procurar ajuda médica, quando desconfiam que foram infectados, por medo de represália e hostilização”, explica.
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No caso de doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis, prevenir é mesmo a melhor maneira de diminuir sua incidência. Segundo o médico Carlos Starling, diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, é de extrema importância – ainda que tabus envolvam a questão da sexualidade –, que a população se cuide. “É fundamental que as pessoas se atentem ao uso de preservativos, para prevenir a sífilis e outras tantas doenças. A gonorreia, por exemplo, tem preocupado a OMS [Organização Mundial da Saúde]. Se não houver prevenção, há grandes chances de epidemia da doença por aqui”, alerta.
Males cíclicos Ano após ano, com a chegada da estação chuvosa, começam a aparecer notícias sobre o aumento do número de casos de dengue. A sazonalidade da doença viral transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, entretanto, não está atrelada apenas à mudança de estação. A eficiência das políticas de saúde e o comportamento da população são fatores que contribuem para que a doença sempre volte a preocupar. “Embora haja grandes campanhas que visam a extinção do vetor, mosquito Aedes aegypti, as condições sociais e econômicas parecem ignoradas. As doenças imunizáveis são controladas, mas
as campanhas não tocam na questão da vulnerabilidade social. Isso colabora com a constante volta de certas enfermidades, principalmente, aquelas transmitidas por vetores, como é o caso da dengue”, afirma Dirceu Greco. No final de 2016, e nos primeiros meses de 2017, a febre amarela, também transmitida pelo Aedes aegypti – no meio urbano, já que na área rural, o vetor de transmissão, normalmente, é o mosquito Haemagogus –, preocupou a população, devido às altas taxas de incidência. Segundo o Ministério da Saúde, até 1º de agosto de 2017, confirmaram-se, no Brasil, 777 casos e 261 óbitos causados pela doença. Contudo, no início de setembro de 2017, o Ministério da Saúde anunciou que o surto de febre amarela, que ocorria desde dezembro de 2016, chegara ao fim. O último caso confirmado da doença remonta a junho, no Espírito Santo. Apesar disso, há chances, ainda que pequenas, de novo surto em 2018, caso a população e o governo negligenciem a importância da vacinação. “Falta de planejamento e marketing malfeito contribuem para que a cobertura vacinal não atinja a totalidade da população. No início de 2017, creio que, em relação à febre amarela, houve desleixo em relação à cobertura vacinal. Agora, porém,
Amparados pelo SUS Ainda que, historicamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) seja visto como deficitário e ineficiente, ele é bastante importante ao combate, ao tratamento e à prevenção de várias doenças contagiosas e/ou transmitidas por meio de vetores. Segundo Dirceu Greco, sem o SUS, a situação, na atualidade, seria diferente. “Todas essas doenças são tratadas pelo Sistema. Além disso, a cobertura vacinal para doenças virais, como febre amarela, sarampo e caxumba, dentre outras, não aconteceria. Ainda que haja muitos elementos a serem melhorados, a situação estaria bem pior se o SUS não existisse”, alerta. Mesmo com todos os problemas relacionados à saúde pública, o Sistema é um dos maiores mecanismos públicos de saúde no mundo. Criado em 1988, o SUS busca garantir atendimento integral e gratuito à população. Investimentos são fundamentais para que o tratamento e a erradicação de doenças sejam garantidos. “Importante destacar que, com a mudança de governo, ocorrida em 2016, a saúde pública foi completamente deixada de lado. Acredito que o surto de doenças como a febre amarela é resultado da falta de planejamento e de saneamento básico em determinadas regiões”, defende o médico.
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a cobertura está relativamente boa, mas sempre há chances de a doença voltar”, informa Carlos Starling.
Vacinar para quê? Seja por motivos ideológicos, religiosos ou filosóficos, pessoas que se recusam à vacinação, aos poucos, ganham seguidores, por meio da disseminação de suas ideias em redes sociais. Embora tal movimento seja recente no Brasil, em países da Europa e nos Estados Unidos, a recusa às vacinas já gera grandes impactos à saúde. Durante os dois primeiros meses de 2017, mais de 1.500 casos de sarampo foram relatados em 14 países europeus. Segundo o Centro Europeu para a Prevenção e o Controle de Doenças, a causa para o aumento das enfermidades foi o “acúmulo de indivíduos não vacinados”. Tanto no Brasil quanto nesses países, a disseminação de informações contra vacinas ocorre, principalmente, via redes sociais. Recentemente, pesquisa realizada pela Agência Estado identificou que, no Facebook Brasil, diversos grupos pregam o combate à vacinação. Ao todo, mais de 13 mil pessoas fazem parte do movimento antivacina brasileiro. Nesses grupos, além do compartilhamento de reportagens e notícias tendenciosas sobre os perigos da vacinação, adultos discutem, entre si, a decisão de não vacinar os filhos. Recentemente, tanto a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) quanto a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) posicionaram-se contra esses movimentos e alertaram sobre os riscos que a falta de vacinação pode causar na saúde pública, ao aumentar o risco de epidemias de doenças que podem ser combatidas por meio de vacinas. Carlos Starling e Dirceu Greco, entretanto, concordam que, no País, o número de pessoas que se recusam a vacinar é muito pequeno. Além disso, não são as causas da incidência de doenças imunizáveis. “O que assusta na existência desses movimentos é o fato de eles refletirem a falta de informação de parte da população”, analisa Dirceu.
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Lorena Tárcia
Palavras-chave
#
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CONTEMPORÂNEAS
De excluídos a protagonistas Após anos sob estereótipo negativo, fãs exercem papel importante na indústria do entretenimento e são objetos de pesquisas acadêmicas Mariana Alencar Os inúmeros pôsteres do cantor favorito colados à parede do quarto eram marca registrada dos adolescentes dos anos 1980 e 1990. Se você viveu nessas décadas, lembra-se, certamente, das famosas pastas com recortes de matérias publicadas sobre qualquer grupo musical de sucesso à época. Para os menos musicais, as coleções gigantescas de histórias em quadrinhos, que contavam, inclusive, com exemplares raríssimos, eram fundamentais para que se pudesse se autoproclamar um legítimo – e bom – fã. Devido ao avanço da internet, e, consequentemente, com as mudanças na maneira de nos comunicarmos, tudo isso parece ter ficado no passado. Se, antes, a moda era criar fã-clubes, hoje, o fã cria histórias, textos e imagens, de modo a se tornar o centro das atenções dos grandes conglomerados midiáticos. Chamadas de fandom, termo em inglês derivado das palavras fan (fã) e kingdom (reino), as comunidades de fãs de determinado produto cultural são mais do que simples grupos de jovens que se reúnem em função de gostos em comum. Mestranda em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora da cultura fandom, Vitória Barros explica que tais comunidades correspondem a um grupo ativo, consumidor e produtor de conteúdos, que, por vezes, atinge domínio global, devido às redes sociais. “Para os fãs, não basta ter um pôster do artista favorito ou todos os CDs de
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um cantor. Eles se engajam em produções próprias e formam comunidades em torno daquilo que consomem, partilhando o que encontram, e, até mesmo, o que fazem com as próprias mãos”, afirma. A cultura fandom é objeto de diversas pesquisas em universidades brasileiras e internacionais. Precursor dos estudos sobre tal universo, o norte-americano Henry Jenkins cunhou o termo “aca-fã”, referente àqueles que, ao mesmo tempo, são pesquisadores e fãs. Eis o caso de Vitória Barros, que, apaixonada por animações japonesas desde criança, decidiu pesquisar produções de admiradores da famosa série japonesa Attack on Titan, no Tumblr, rede de blogs onde os usuários podem criar ou “reblogar” conteúdos. Para ela, sua trajetória de fã é essencial para compreender como o fenômeno é capaz de modificar noções de comunidade e identidade, discussões sobre direitos autorais, e, até mesmo, questões econômicas. “Nas pesquisas acadêmicas, é importantíssimo que os fãs falem, de dentro das comunidades, sobre suas próprias práticas e vivências. Sei que, por muitos anos, a academia defendeu que o pesquisador se afastasse do objeto, de modo a colocá-lo numa caixinha hermética, e o olhasse de longe, mas não me sinto representada por pesquisas de gente que não é fã, como eu sou. Sempre falta algo, e percebo certo olhar preconceituoso e equivocado”, reflete a pesquisadora.
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Consumo consciente, produção criativa
No livro Cultura da convergência, Henry Jenkins deixa claro que as mídias corporativas têm reconhecido o valor e a ameaça da participação dos fãs. Hoje, anunciantes e produtores de mídia falam em “capital emocional” ao se referir ao envolvimento dos admiradores em produções de entretenimento. A prova de que os fãs tornaram-se fundamentais à indústria – principalmente, do ponto de vista comercial – é a adoção de um “fanthropologist” pelos grandes estúdios de cinema hollywoodianos. O termo se refere a um antropólogo especializado em estudar e compreender desejos e práticas de consumo dos fandoms. O resultado de tais estudos é importante para que os produtores culturais, e de entretenimento, pensem em ações junto ao público consumidor.
“Muitas vezes, o fã é associado ao fanático, ao alienado. Tive um professor que chegou a comparar o fandom à indústria cultural de Adorno [referência filósofo alemão Theodor Adorno, um dos expoentes da chamada Escola de Frankfurt], na qual a sociedade massificada consumia tudo cegamente. Não é isso! Pelo contrário! O fã é sempre quem mais vai questionar e tensionar o lugar do autor, a instância ‘oficial’”, afirma Vitória. Do outro lado da moeda, para os fãs, a prática de produzir conteúdos que vão além do produto consumido pode ser a oportunidade de desenvolvimento e aprimoração das habilidades de escrita, desenho e edição, dentre outras. Embora essa mobilização se dê, principalmente, no meio digital (ou,
Universo inspirador
Quem conhece as histórias dos super-heróis criados pela editora Marvel Comics sabe que personagens como Capitão América, Homem de Ferro e Homem-Aranha são peças importantes para salvar o mundo de terríveis vilões. Para os fãs, as aventuras dos super-heróis, contadas nos quadrinhos e no cinema, não parecem suficientes. É preciso que eles se sintam donos do universo, à medida que recriam, à sua maneira, cada trama da história principal.
Glossário fandom
mais especificamente, na plataforma Tumblr), há casos em que os fãs extrapolam
o espaço virtual e passam a se manifestar em espaços físicos, por meio de cosplay ou flashmobs. O sucesso de eventos como os festivais de animes e a Comic Con – convenção originalmente realizada em San Diego, na Califórnia (EUA) – revela a capacidade dos fãs em reproduzir, com criatividade, o visual de personagens preferidos. Por meio de tais ações, virtuais ou não, gera-se o sentimento de comunidade, uma das principais características da cultura fandom. Quando milhares de fãs se unem para dividir os mesmos interesses, ao mesmo tempo em que debatem ideias, compartilham experiências e transformam a produção de entretenimento pelo mercado, as relações estabelecidas são modificadas – de fã a fã; de fã ao produto ou de fã em relação aos produtores. “No Tumblr, por exemplo, os fãs se identificam como tal ao escolher seu ícone/ avatar e a URL do blog, de modo a fazer algum tipo de referência ao que gostam. Assim, eles podem, rapidamente, identificar outros blogs que partilham os mesmos interesses para segui-los”, esclarece Vitória.
A apropriação e a modificação da história por meio do olhar de um fã tem nome: “fanfic”, abreviação do termo “fan fiction”, ou, em português, “ficção feita por fãs”. Sem caráter comercial ou lucrativo, as histórias criadas pelo fandom têm motivações diversas: justificativa de trama mal contada; narrativa de amor vivida entre personagens que, na trama original, não formam casal; ou final alternativo para saga já encerrada. Henry Jenkins defende que, nas histórias criadas por fãs, é possível encontrar traços da identidade de quem escreve: nas ficções, há temas complexos, como doenças ou abuso sexual, e tramas que transparecem o imaginário dos indivíduos, como casais fictícios com relacionamentos amorosos perfeitos. Jenkins diz, ainda, que, por meio do hábito de escrever fanfics, muitos jovens buscam fugir de – ou reafirmar – aspectos da vida real. Para o autor, trata-se, por fim, de um modo de desenvolver compreensões mais ricas de si mesmo e da cultura à sua volta. As fanfics também permitem que os fãs desenvolvam suas habilidades de escrita. Jenkins defende que canalizar os esforços de criação, a partir de um conteúdo original, faz com que que os jovens concentrem sua energia na produção de textos, e aperfeiçoem a comunicação e a escrita. Bom exemplo disso é a norte-americana Cassandra Clare, que ficou conhecida, entre os fãs da saga Harry Potter, por escrever histórias com os personagens da série. Seu sucesso na internet foi tanto que Cassandra chegou a publicar série própria de livros, intitulada de Instrumentos mortais. A obra se tornou best-seller e ganhou adaptação para o cinema em 2013.
Fandom: diminutivo de fan kingdom, que, em tradução livre, vira “reino dos fãs”. Trata-se, pois das comunidades de fãs. Fangirl/FanBoy: membros do fandom classificados por gênero. Fanfic: narrativa criada por fãs a partir de história já existente. Ship: abreviação de relationship (relacionamento). Quando um fã tem um ship, significa que ele apoia a relação entre dois personagens. Muitos fãs de Star Wars, por exemplo, “shippam” o casal Luke e Leia. Canon: é o ship confirmado pelos criadores da história oficial. Fanon: é o ship criado pelos fãs nas fanfics. OTP: sigla para One True Pairing, que, em tradução livre, significa “um par verdadeiro”. Ou seja, trata-se do ship favorito dos fãs. Fanart: a arte dos fãs. Ou seja, são desenhos, pinturas e montagens dos personagens de uma história. MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ 2017/JAN/FEV 2018
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MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ 2017/JAN/FEV 2018 Délcio Julião Emar de Almeida
“Não há nada estático no Universo. Tudo está em constante movimento e transformação, influenciando-se mutuamente, criando novas formas e possibilidades. A Terra, o Sol e seus companheiros de viagem atiram-se pelo Universo a velocidades inimagináveis. Assim me sinto, passageiro e mutável, na interação infindável com o todo que nos cerca”.
Délcio Julião Emar de Almeida é designer gráfico formado pela Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) e professor dos cursos de Design e Comunicação em instituições de ensino superior como o Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) e a Faculdade Promove de Sete Lagoas. Mestre em Educação pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), desenvolve projetos relacionados à comunicação e à divulgação da ciência. Na arte ao lado, intitulada “Prestissimo” (2017) – e feita com exclusividade para MINAS FAZ CIÊNCIA –, pode-se perceber uma ligeira e harmônica dança, sob o poderoso ritmo da valsa cósmica. No trabalho, Délcio usa técnica mista sobre cartão
O caminho certo para empreender e inovar em Minas Gerais!
Acesse: www.simi.org.br/trilhamineiradainovacao
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