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> O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

MIGUEL GUIMARÃES

Bastonário da Ordem dos Médicos

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É FUNDAMENTAL NÃO FACILITAR, PARA EVITAR O CONTÁGIO

Miguel Guimarães assegura que a vacina traz uma nova esperança, mas explica que é fundamental as pessoas «não facilitarem» e continuarem com as medidas preventivas até que se alcance uma imunidade de grupo «robusta».

REVISTA H - COMO VIVE A ORDEM DOS MÉDICOS ESTES TEMPOS DE PANDEMIA? MIGUEL GUIMARÃES (MG) - A OM procurou acompanhar a pandemia desde o primeiro momento. Logo em janeiro, criei o Gabinete de Crise para a covid-19, que nos permitiu recolher sistematicamente informações do terreno, a nível nacional e internacional, e partilhar publicamente as nossas preocupações e recomendações. Para quem concretiza o SNS todos os dias, já com muitas dificuldades mesmo antes da pandemia, foi com preocupação que encarámos mais este desafio, pois sabíamos que os meios humanos, técnicos e infraestruturais com que contávamos eram insuficientes, e continuam a ser. Ainda assim, sei também que temos excelentes médicos e profissionais de saúde que fazem todos os dias verdadeiros milagres e que têm minimizado o impacto deste grande desafio, com um enorme sentido de humanismo e solidariedade.

H - A PANDEMIA APANHOU TODA A GENTE DE SURPRESA OU A COMUNIDADE CIENTÍFICA JÁ ANTEVIA UM PROBLEMA DESTA NATUREZA? MG - A criação de grandes reservatórios de vírus em animais, que são depois transmitidos aos humanos, estão longe de ser uma surpresa ou um exclusivo desta pandemia. Aliás, o SARS-CoV 2 é um Coronavírus da família dos Coronaviridae. Estes vírus pertencem a uma grande família de vírus RNA com abundantíssima expressão no reino animal, nomeadamente nos morcegos e envolvendo outros mamíferos, aves e répteis. Desde o início do século já aconteceram pelo menos dois surtos relacionados com coronavírus. O primeiro, a 16 de novembro de 2002 com o SARS-CoV (Severe Acute Respiratory Syndrome – CoronaVirus) na província Guangdong, na República Popular da China, e estendeu-se a 17 países. A OMS declarou o fim do risco de ocorrência de novos casos a 19 de maio de 2004. Um novo surto ocorreu em 2012 na Arábia Saudita, posteriormente designado de MERS-CoV (Middle East Respiratory Syndrome-related CoronaVirus). Este teve maior expressão no Médio Oriente e ainda não foi considerado extinto. Finalmente, em dezembro de 2019 foi detetado um novo surto na cidade de Wuhan, província de Hubei na China. A comunidade científica tem desenvolvido muito trabalho nestas áreas e sabia-se que, entre os grandes desafios de saúde no futuro, estavam as doenças de origem infeciosa. H - AS INFORMAÇÕES E ATUALIZAÇÕES SOBRE A DOENÇA SÃO CONSTANTES E, POR VEZES, CONTRADITÓRIAS. MG - A produção científica durante a pandemia tem sido extraordinária. Nunca tivemos tanta informação sobre um vírus e sobre uma doença em tão pouco tempo, e isso permitiu que em poucos meses percebêssemos melhor que vírus é este, como o podemos tratar e evitar. Por exemplo, entre a primeira vaga e a segunda vaga já temos estado a tratar os doentes de forma diferente, com capacidade de selecionar melhor quem internar, quem ventilar, quem colocar em ECMO, etc. Contudo, a velocidade também levou a que algumas etapas fossem aceleradas ou aligeiradas, pelo que alguma informação mereceu atualização. Isso não deve desacreditar as autoridades de saúde. Devemos sempre acompanhar as regras por elas emanadas, confiando que seguem e analisam todos os dados que existem e que tomam as decisões com base numa visão global. H - UM DOS PROBLEMAS QUE SURGIU COM A PANDEMIA É A CONTRAINFORMAÇÃO VEICULADA PELOS NEGACIONISTAS. MG - Esta pandemia teve uma virtude: colocar-nos em grande sintonia do lado da ciência e confiantes de que é pela investigação e pela medicina que venceremos este desafio global. De todas as formas, a contrainformação de alguns grupos minoritários, a quem é dada muita voz, é motivo de preocupação e é urgente que o Governo tenha uma estratégia de comunicação que permita combater esses movimentos. A OM foi a primeira, e que saiba única estrutura, a agir disciplinarmente contra os médicos envolvidos na partilha desse tipo de informação, mas os médicos são uma ínfima minoria das pessoas que integram esses grupos. H – QUE CONSELHOS DEIXA À POPULAÇÃO? MG - Não facilitem! O vírus aproveita todos os momentos de fraqueza para entrar nas nossas casas. Estes meses têm sido cansativos e somos um país de afetos, mas temos mesmo de cumprir as principais medidas de segurança preconizadas: distanciamento físico, uso correto de máscara, higiene das mãos e etiqueta respiratória. A melhor arma que temos contra o vírus ainda é a proteção. Por outro lado, não deixem de ir ao médico, de fazer os vossos exames e de, perante sinais de alarme de outras doenças, procurar ajuda médica. A covid-19 merece grande preocupação, mas todas as outras doenças também. VS - O DESENVOLVIMENTO DAS VACINAS VEIO TRAZER UMA NOVA LUZ? MG - Sem dúvida. As vacinas são uma arma importantíssima no combate a várias doenças. Já salvaram muitos milhões de vidas no passado. A expetativa é que as vacinas contra a covid-19, que estão a chegar ao mercado, sejam determinantes para vencermos a pandemia. Mas ainda nos falta conhecer muita informação sobre as mesmas, para além de que será necessário vacinar uma parte significativa da população (65-70%) o mais rápido possível (alguns meses) para que exista uma imunidade de grupo robusta, pelo que não podemos aligeirar as outras medidas. MG – VAMOS VOLTAR A TER UMA VIDA “NORMAL”, SEM MÁSCARAS? MG - Ninguém pode dar essa garantia. Todos o desejamos, mas é prematuro dizer que vamos voltar ao que éramos em 2019. Mais importante é encontrarmos estratégias para nos adaptarmos a estas mudanças, para que as novas rotinas pesem menos e ganhemos gosto e felicidade noutras tarefas e descobertas. A máscara é um elemento que associamos à pandemia e que estranhamos no mundo ocidental, mas a verdade é que no Oriente já era muito comum e é, por isso, natural que acabe por ser mantido por várias pessoas, sobretudo durante o outono/inverno.

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