P o d i a s e r f i l ó s o f o o u e c o l o g i s ta m a s q u e m é q u e m a rt e l ava ?
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maio 14 mensal d i s t r i b u i ç ã o g r at u i ta
o boletim do que por cá se faz 1
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direcção
aurora ribeiro tomás melo
Das eleições legislativas regionais nos Açores desse ano do século passado, designadas igualmente por eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, resultou a vitória do Partido Social Democrata, liderado por Mota Amaral. A abstenção é de 37,85%, ou seja, dos 183 477 eleitores recenseados votaram 114 023. Vamberto Freitas publica “Pátria ao Longe”, nas Publicações Eurosigno e “O Imaginário dos Escritores Açorianos”, na editora Salamandra. Os selos editados pelos CTT com diferentes preços contêm quatro barcos de grande porte. José Ribeiro Pinto começa a emitir o programa semanal de rádio “Os Sabores do Jazz” na RDP Açores. Sete anos depois, juntamente com João Paulo Valadão, João Pedro Montalverne e Miguel Cunha, é criado o AngraJazz, na Ilha Terceira, aquele que é actualmente um dos mais prestigiados festivais de música jazz do país. A companhia aérea SATA limita os seus voos aéreos internos ao arquipélago açoriano ainda que mantenha voos charter para Toronto e Boston comercializados segundo as marcas de Azores Express e SATA Express. No Rio de Janeiro realiza-se uma enorme conferência mundial para discutir questões relacionadas com o meio ambiente. A União Europeia é instituída após a assinatura do Tratado de Maastricht. É o ano da abertura do primeiro canal de televisão generalista privado, em sinal aberto, a SIC. Na cidade francesa de Estrasburgo é ratificada a Carta Europeia das línguas regionais ou minoritárias, assumindo desde então o compromisso de as promover, reconhecer e respeitar. É enviado o primeiro Serviço de Mensagens Curtas (Short Message Service) do popular SMS pela Rede Vodafone no Reino Unido com o conteúdo de “um feliz natal” a um amigo do autor.
capa
gabriel garcia
colaboradores
ana alves ana lúcia almeida carla de la cerda gomes carlos alberto machado carolina furtado cristina lourido fernando nunes francisco henriques frederico cardigos gui menezes inês ribeiro joão stattmiller josé francisco pereira micael nunes miguel costa miguel machete paulo vilela raimundo pedro almeida maia pomar do atlântico sean paton telmo morato
amigos fazendo
maria noémia pacheco terry costa zumo massimo gelich
patrocinador
IMAR -DOP
design editorial
ambas as duas
paginação
tomás correia da silva
revisão
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sara soares
gabriel garcia
propriedade
associação cultural fazendo
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Como se de um puzzle se tratasse o criador monta as suas peças, moldando e esculpindo uma a uma procurando o encaixe certo. A figura de proa é liderada pelo poeta, Antero, como se de um Deus se tratasse, deixando a mensagem de como montar cada elemento, equilibrado pela harmonia e pela poética de ser ilha, mas querendo ir para lá do horizonte e encontrar outras ilhas e até mesmo continentes. Assim somos, para quem nasceu num rochedo e cresceu olhando para o horizonte.
rua conselheiro medeiros nº 19 — 9900 horta
periodicidade
mensal
GABRIEL GARCIA, nasceu na Vila da Madalena do Pico em 1977. Viveu na ilha de S. Miguel onde frequentou, entre 1994 e 1995, o atelier de expressão plástica - desenho e pintura - da Academia das Artes de Ponta Delgada. Licenciou-se em Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Para lá da sua formação académica tem vários cursos e pós-graduações, em fotografia (A.R.C.O.-Lisboa), ilustração científica com o Biólogo e Ilustrador Pedro Salgado (UAL), gravura e vídeo. 2010- Workshop de Gravura orientado por Catherine Brooks no CPS (Centro Português de Serigrafia), Lisboa. Edições de múltiplos em Gravura, CPS (Centro Português de Serigrafia), Lisboa. A sua obra está representada em diversos acervos e coleções públicas e privadas em Portugal, Espanha, França, Angola. Vive e trabalha em Lisboa. www.facebook.com/gabgarcsart http://www.behance.net/gagarcia
À semelhança de cada vez menos artistas, Gabriel Garcia aposta a sua pintura na narratividade, baseada na figuração e na representação. Fá-lo, dentro de uma técnica de grande tradição e história, no contexto de sonhos que se confundem com a realidade. As suas pinturas recentes pegam no contexto social e psicológico actual e transportam os seus elementos para uma terra incerta, plantada na linha que divide a realidade da fantasia. O trabalho de Gabriel Garcia aproxima-se esteticamente do surrealismo aqui e além, mas afasta-se gradualmente de tal movimento ao nível ideológico. Não é uma pintura só de sonhos nem é uma arte politizada. No entanto, o pintor não se coíbe de deixar um comentário implícito e insinuado sobre a mentalidade portuguesa e as idiossincrasias de quem vive há séculos a construir castelos de areia. Assim, os contos que Gabriel nos apresenta contêm personagens e paisagens que não identificamos, mas que têm connosco, os portugueses, uma coisa em comum: um sentimento de caminho incerto, errante. Um quotidiano a olhar para aquilo que não se tem nem se é. Talvez daí a presença da saudade, uma visão da vida afastada do pragmatismo e uma passividade que ainda se revela na expectativa de um mítico D. Sebastião como o messias que nos virá salvar.(…) 2
tiragem
500 exemplares
impressão
gráfica o telégrapho
distribuição no faial
associação cultural fazendo distribuição no pico
mirateca arts distribuição na terceira
mah d i s t r i b u i ç ã o e m sã o m i g u e l
agecta registado na erc com o nº125988
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crónica
os meninos nascem dentro dos homens “Nadie, nadie, nadie, que enfrente no hay nadie;/ que es nadie la muerte si va en tu montura./ Galopa, caballo cuatralbo,/ jinete del pueblo,/ que la tierra es tuya./¡A galopar,/a galopar,/hasta enterrarlos en el mar!” in Galope de Rafael Alberti “Vou deixar-te aqui estes dois livros de poesia, sei que gostas de ler,” foi dito assim e da maneira mais descomprometida possível numa outra ilha que não esta, lugar de antigas recordações familiares ou ainda das férias ali passadas há muitos, talvez muitos anos. O Pico, essa ilha montanha, motivo de espanto e razão recorrente das primeiras conversas de uma amizade que começava ali a germinar. O gesto e a cedência dos livros terá sido a primeira parte de uma longa sinfonia de generosidade que ainda hoje não sei como agradecer ou tão pouco julgo estar à altura e que, talvez por isso, gostaria muito de ser digno desta nobreza de sentimentos entre amigos.
Começo por dizer que, aquilo que mais apreciei e se tornou admirável neste amigo, foi aquando me ter licenciado a leitura destes livros me ter deparado com a presença constante do brilho e de uma certa candura no olhar e que é manifesta quando enuncio o nome do autor destes versos ou quando acabamos a falar mais do homem e do pai do que do jornalista ou poeta que este foi, para além de hoje saber que terá sido alguém que amou a cidade de Angra do Heroísmo, como provavelmente terá havido muitos. Um amor semelhante ao sentido pela Ilha do Pico, impagável lembrança de férias em conjunto (o que não seria muito difícil, pois como resistir a todo aquele encantamento da paisagem e da sua beleza?). Pude recentemente constatá-lo num destes verões aquando de nova reunião familiar naquele lugar. Recordo deste modo a poesia e os livros em cima da mesa, a delicadeza e generosidade do gesto, os poemas lidos e relidos muitas vezes no bar do Clube Naval de São Roque de Pico a olhar o mar, com a exclusividade e conhecimento de que o autor daquelas palavras e poemas era pai daquele novo amigo “bravíssimo” que eu, um continental com fama de gostar dos Açores, conquistei na Ilha da vinha e dos antigos baleeiros. Um admirável e adorável amigo poderei hoje dizê-lo e escrevê-lo para quem me quiser ler. Um mês depois daquela oferenda, publiquei uma recensão nas páginas do “Fazendo”, Boletim Cultural sediado na Horta, que acolheu assim um texto sobre o primeiro livro de juventude, e, com o título dos títulos, o extraordinário -“Os Meninos Morrem Dentro dos Homens”, editado em 1970, com versos que ali irrompiam nas nossas manhãs picarotas: “Os meninos/ morrem dentro dos homens/ na volúpia escaldante de corpos pegajosos/ em negros e agudos penedos dos profundos abismos do desengano/ na luta do pão/ mel a escorrer das fontes de servidão/ os meninos/ morrem dentro dos homens/ à carícia cada vez mais nostálgica do sol-poente/ à descoberta do segredo guardado e resguardado/ e afinal efémero, fortuito e banal”. Bonito, não é? Aportado pelas vias do acaso à Ilha Terceira em 2012, tive como intenção tratar de descobrir a figura do jornalista
ambiente
porquê outra limpeza Já começamos a ficar fartos de ouvir falar em limpezas. Perguntam-nos às vezes porque é que vamos fazer mais uma. A razão óbvia e imediata é a de deixar as praias limpas e as pessoas felizes com esta resposta superficial e rápida. E essa é uma boa razão pois promove o turismo e a imagem verde da ilha.
alto, mas pelo menos podemos tentar impedir o lixo de lá ir parar, apanhando-o enquanto ainda está na nossa orla costeira.
Mas na verdade enfrentamos um problema maior do que parece! Esta é a era da Crise do Plástico para os nossos Oceanos e nunca antes na História vimos tantas quantidades dele nos nossos mares. Estima-se que 70 milhões de toneladas de plástico se encontrem a flutuar em todo o mundo(de acordo com o Capitão Paul Watson da organização Sea Shepherd). Muitos estudos confirmam que a maior parte desse lixo oceânico tem origem nas costas marítimas e praias.
No Faial estamos a dar o exemplo ao mundo com esta campanha de limpeza oceânica e a nossa limpeza-piloto será já no dia 4 de Maio de 2014. Vamos tentar limpar todas as zonas acessíveis da costa da nossa ilha. É uma tarefa árdua e é apenas o princípio.
Não se espera que nos metamos todos em barcos e que limpemos o mar
Junta-te a nós e mostra a tua preocupação com estes assuntos. S e a n P a t o n
Quando se parte e se começa a desfazer, o plástico transforma-se em micro plástico, o que mata os seres marinhos que constituem a base da cadeia alimentar.
Então porquê mais uma limpeza? Porque nos preocupamos com o ambiente, com os peixes do mar e a vida das nossas crianças. Será que poderia haver uma razão melhor?
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e poeta, no fundo o homem que adorava a sua cidade de nascimento, Angra do Heroísmo. Detectar nas conversas e histórias o seu percurso e ainda a sua presença assídua dos seus cafés, conhecida figura da cultura e boémia angrense, naqueles tempos de descoberta e criatividade contínua que eu adoraria ter vivido e conhecido. A curiosidade chegou a ser tanta que acabei por ler os livros de crónicas publicados durante esse período, caso dos livros de José Daniel Macide – Crónicas da Portugália (1991) bem como o seu último “Crónicas com Flores” – “autênticas aguarelas do quotidiano”, segundo os seus amigos mais próximos. Não foi há muitos dias que li palavras dos seus amigos, Marcolino Candeias e Luiz Fagundes Duarte, evocarem o seu nome e saudade no suplemento de Domingo no “Diário Insular”. Ou que o pintor, João Miguel Borba, discorra volta e meia sobre a poesia do amigo de longas tertúlias em muitas das conversas, bem como é evidente a alegria de Carlinhos Medeiros quando se partilha um poema em público do seu velho amigo. Impressões tão fortes que fazem com que ainda agora olhe muitas vezes para esse lugar de tertúlias, a pastelaria Portugália, e imagine o lugar onde ele se sentava ao fim da tarde com o seu silêncio à volta de uma ou várias cervejas, à demanda do segredo das palavras, do verso claro ou do poema justo. Não deixa, por isso, de ser curioso que uma década depois do seu desaparecimento, quedou junto de muitos de nós um lastro de histórias, cumplicidades e uma enorme saudade. Rui Duarte Rodrigues deixou-nos abruptamente na Primavera de 2004, aos 51 anos, tendo dedicado uma boa parte da sua vida ao jornalismo radiofónico, pois era jornalista da RDP/Açores desde 1978. Foi enquanto procurava realizar e concretizar mais uma reportagem, que se despediu desta vida traiçoeira. Hoje podemos vingar-nos dela lendo os seus dois livros de poesia “Os Meninos Morrem Dentro dos Homens” (1970) e “Com Segredos e Silêncios” (1994), assim como agradecer ao Miguel, ao Tiago e ao João este júbilo e alegria de existirmos e de sermos dignos continuadores da sua memória. f e r n a n d o n u n e s
literatura
insolente e límpida Natália Correia (S.Miguel, 1923/ Lisboa, 1993) era uma mulher sagrada. O seu charme atraía como um íman. Possuía uma exuberância oratória fascinante e embaraçosa. Era enfática e barroca. Luminosamente sedutora e inquietante. Comprometida com o seu tempo, de grande coragem combativa no empenho cívico e político. Não consentia em distrair-se da responsabilidade que é viver em direcção à utopia, ao amor, à justiça, à criatividade, à ousadia; levando pelo braço poetas e amantes, perseguidos e ostracizados, loucos e esconjurados. Sobretudo, era íntegra. Nela, a generosidade era literal e a ingenuidade autêntica. Sacudia asperamente os conformismos. Era arguta e lapidar. Defendia o seu campo da invasão da banalidade, que não suportava. Cultíssima, rebatia, porém, a erudição. Destacam-se do carácter polifacetado desta notável escritora vasta bibliografia como poeta, dramaturga, romancista, ensaísta, cronista, conferencista, tradutora e editora. Colaborou com diversas publicações nacionais e estrangeiras. As afamadas tertúlias que animava em sua casa e, mais tarde, no bar Botequim (1970/80), onde reunia intelectuais, artistas e políticos da cultura portuguesa. O programa de televisão Mátria (1986), em que advogava uma forma especial de feminismo, identificador da mulher como arquétipo da liberdade erótica e passional e fonte matricial da humanidade.
Deputada à Assembleia da República (1980/91), como independente, interveio ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e especificamente das mulheres. Autora da letra do Hino dos Açores. Tomou parte activa nos movimentos de oposição à Ditadura, tendo participado no Movimento de Unidade Democrática (1945), no apoio às candidaturas à Presidência da República do general Norton de Matos (1949) e de Humberto Delgado (1958) e na Comissão Democrática Eleitoral de Lisboa (1969). Foi condenada a três anos de prisão, com pena suspensa, pela publicação de Antologia da Poesia Erótica e Satírica (1965), considerada ofensiva dos costumes e processada pela responsabilidade editorial das Novas Cartas Portuguesas (1972), de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta. Foi responsável pela coordenação da Editora Arcádia, uma das grandes editoras do tempo. A obra de estreia de Natália Correia, as Grandes aventuras de um pequeno herói (1945) foi reeditada, este mês, pelo Jornal Público. Romance “infantil”, nele já germina a indignação face às prepotências, a afirmação da vontade em comunhão com as forças da natureza e o sincretismo religioso (culto açoreano do Espírito Santo). Todas as mulheres intimidam os fracos. Algumas intimidam os fortes. Raríssimas intimidam heróis. Natália era desta última espécie. Alguns amigos admiravam-na à distância cheios de encanto e receio, sem coragem para se medirem com a sua inteligência, beleza ou elegância. Sacralizamos as pessoas pelo que simbolizam. Quando pensamos em como é o mundo, a Natália alude à evolução, à democracia e à liberdade. Visão limpidamente humanista e primordialmente transgressora, em pose de diva indomável proferia intervenções inesquecíveis, ora jocosas e demolidoras, ora graves e fracturantes. A sua voz é empolgante a falar, a recitar, a orar, a cantar, a desafiar. Ouvir/ler Natália Correia são invariavelmente lições de sapiência em que muito do que acreditamos pode mudar. Impressiona, deve ser por isso, sem dúvida, que assusta. É uma demasia. Em 1981, foi distinguida Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant`Iago da Espada. Em 1991, recebeu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores pelo livro Sonetos Românticos. No mesmo ano foi agraciada Grande-Oficial da Ordem da Liberdade. Legou a maioria dos seus bens à Região Autónoma dos Açores, que lhe dedicou uma exposição permanente na Biblioteca Pública de Ponta Delgada, instituição que tem à sua guarda grande parte do seu espólio literário (que partilha com a Biblioteca Nacional) constante de muitos volumes éditos, inéditos, documentos biográficos, iconografia e correspondência, incluindo muitas obras de arte e a biblioteca privada. Natália Correia diz Liberdade. A força imperiosa do amor. Somos seres de acrescentamentos. Gostar de alguém é sempre querermos ser melhor. cristina lourido
música
“vir’ó balho” Myrica Faia no Auditório do Ramo Grande Quem ouve o nome deste novo agrupamento musical terceirense pensa imediatamente numa árvore presente na região intitulada de Faia-da-Terra, natural da região da macaronésia, espécie tão bem conhecida dos estudiosos de botânica. A verdade é que Myrica Faia é uma banda musical assumidamente açoriana, composta por Bruno Bettencourt (Viola da Terra), Cláudio Oliveira (Baixo), Emílio Leal (Piano, Voz), Pedro Machado (Guitarra, Voz), Ricardo Mourão (Guitarra, Voz). No dia 3 de Maio, no Auditório do Ramo Grande, os terceirenses Myrica Faia apresentam o seu primeiro disco, com entrada gratuita, contando com um reportório essencialmente elaborado por músicas tradicionais açorianas e onde será possível escutar “Caracol”, “Charamba”, “São Macaio”, “Sol”, “Lira”, a bem micaelense “Pézinho da Vila”, ou ainda a internacionalmente conhecida “Chamateia”, temas estes revestidos de novas roupagens, reforçadas pela diversidade das vozes e com a predominância das cordas, neste caso das guitarras, inclusive a viola da terra. Não seria despiciendo incorporar um violino ou até mesmo um acordeão para equilibrar a contenda, mas compreende-se o risco em avançar com um projecto desta envergadura. Desta feita, está a ser preparada uma digressão pelas ilhas do triângulo (Faial e Pico) bem como uma passagem por São Miguel (Teatro Micaelense) para apresentação de “Vir`ó Balho” e testar as músicas junto dos melómanos existentes nas ilhas. fernando nunes
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música
dead combo na horta
quem puder e não for ver é um ovo podre
A banda Portuguesa, nascida em 2002, é um exemplo de coragem e criatividade. E como é disso que cada vez mais precisamos, devemos responder à chamada. Se não vejamos: Tó Trips (guitarras) e Pedro V. Gonçalves (contrabaixo, kazoo, melódica e guitarras) juntaram-se num dia feliz e arriscaram um formato (podia pensar-se) precário, para enveredar pelo fado, mas também rock, e também América do sul e África e porque não tudo isto com toques de bonanza. Construíram uma linguagem própria que consola ouvir, como se diz por cá, ao longo de álbuns como “Vol.1”, “Vol.2 – Quando a alma não é pequena”, “Guitars from nothing”, “Lusitânia playboys” e “Lisboa Mulata”. No meio da improbabilidade, foram mestres de cerimónia no programa culinário de Anthony Bourdain sobre Lisboa e, consequentemente, entraram no top 10 do iTunes americano. O corropio foi tal que viajaram até Cannes para actuar na estreia do filme “Cosmopolis”, realizado por David Cronenberg e produzido por Paulo Branco. Recentemente brindaram-nos com o novo álbum “A bunch of meninos”. E é exactamente esta cambada que eles vão trazer até nós no próximo dia 10 de Maio. Verdade, verdadinha. Se não acreditam, é ver e ouvir para crer no Teatro Faialense. Garanto que qualquer um vai deixar o recinto a respirar melhor. Miguel machete
música
epígrafe para a arte de furtar Na, na, naaa, na, na, na, naaa
Lembrei-me agora, porque estamos em Abril e porque neste mês se me dobra o mal estar de toda a gente do meu país, de uma canção palavra. Jorge de Sena escreveu e José Afonso cantou. Epígrafe para a arte de furtar. Bem sei que a dita música de intervenção já lá vai mas a necessidade que aqui cada vez mais vem, traz-nos estes passados. É facto do nosso hoje que nos roubam e cada vez mais intensa e despudoradamente. Mais, não se bastam a furtar. Dedicam-se (Orwell lá sabia o que escrevia) à arte sádica de fazer-nos crer que somos nós os responsáveis pela súbita penúria. Isto é, desenganem-se
aqueles que pensam que se tratam de assaltos ao emprego, às pensões e à casa e ao jantar. Porque vão mais fundo. Porque nos roubam Deus, outros o diabo. Porque nos roubam a pátria e a humanidade. Porque de mim mesmo todos me roubam. Porque me roubam a voz quando me calo ou o silêncio mesmo se falo. Os gritos por socorro ecoam nas ruas de Portugal. É uma barulheira que não se aguenta, ou aguenta, aguenta? Eis a questão. Uma coisa é certa (para além da morte também esta existe), por mais que furtem, nunca chegarão ao fim de nós. Disso, só cada um em si mesmo é capaz. Podemos mais do que queremos? Somos os reis que podem acudir cada um. Só resta saber em que morada param esses gajos. Desculpai-me os maus fígados do na na naaa na na de hoje. Ou não. M i g u e l m a c h e t e
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Letra: Jorge de Sena Música: José Afonso Roubam-me Deus Outros o diabo Quem cantarei Roubam-me a Pátria e a humanidade outros ma roubam Quem cantarei Sempre há quem roube Quem eu deseje E de mim mesmo Todos me roubam Quem cantarei Quem cantarei Roubam-me Deus Outros o diabo Quem cantarei Roubam-me a Pátria e a humanidade outros ma roubam Quem cantarei Roubam-me a voz quando me calo ou o silêncio mesmo se falo Aqui d’El Rei.
design
“vinum culturae nostrae est”
Exposição de rótulos na Biblioteca Diversos rótulos desenhados em papel a anunciar vinhos regionais estiveram expostos aos olhos do público na exposição: «Vinum Culturae Nostrae Est» (“O Vinho é a Nossa Cultura”) no hall da entrada da Biblioteca Pública de Angra do Heroísmo durante o mês de Março e Abril. À colecção pertencente a Luís Mendes Brum juntaram-se rótulos muito recentes da Adega Cooperativa dos Biscoitos C. R. L. e dos produtores Dimas Simas Lopes, José Manuel Mendonça Machado de Sousa e Rufino Simas, todos eles produtores da Verdelho dos Açores. Os nomes dos vinhos inscritos nestes pedaços de papel informavam sobre o local de origem, desvendavam a casta ou o tipo de vinho em questão, tornando-os apetecíveis, sugerindo aromas, sabores e demais oportunidades de saboreá-los. Esta exposição enaltecia essencialmente a zona vitivinícola dos Biscoitos, não esquecendo outros lugares de produção de vinho: São Jorge e, claro, a Ilha do Pico, onde estes rótulos expostos para além de serem vistos e apreciados, puderam servir de lição e inspiração a novos e ousados rótulos por vir, perpetuando deste modo uma imagem de marca passada ao longo dos tempos bem como a sua relação com o público consumidor e demais degustadores dos melhores néctares da região açoriana. PS-O rótulo aqui publicado julgamos ser da pertença de Abraham Abohbot, um desenhador de origem hebraica que terá vivido uma boa parte da sua vida em Angra do Heroísmo e, seguramente, foi dele o primeiro estúdio fotográfico da Ilha Terceira.
confortável maledicência
Municipal de Angra do Heroísmo
Apontar defeitos é fácil, difícil é apresentar soluções. A crítica comum recorre à maledicência: qualidade do maledicente, ou maldizente, que tem por hábito difamar. O blasfemador não critica comportamentos nem denuncia práticas ou atividades, atinge diretamente o outro. Em vez de “ele fez isto”, diz “ele é aquilo”. Passa a vida a dizer mal dos outros, ferindo-lhes a integridade e desrespeitando o direito à diferença. Na vida em sociedade, somos bombardeados com maledicências: ofendem-se e acusam-se na praça pública. Há tanta rivalidade que até andam com bonecos voodoo. Esquecem-se de que, ao apontar um dedo a alguém, os restantes dedos da mão apontam de volta para si. Que não haja mal-interpretação, sou contra o laissez faire, é crucial que se deem a conhecer os podres da fruta. Para isso, dar à língua é indispensável, e quem se propõe a deixar de lado a participação cívica é um cidadão hipnotizado. Não calem as vozes, podem ser tudo o que nos resta! No entanto, a censura deve ser praticada de forma construtiva. Uma das máximas de Abraham Lincoln afirmava que “só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar”. Bem, na prática estou a falar mal de quem maldiz. Por isso, também eu posso — e devo — ser acusado de maledicência. Mas eu não sou um ser humano, sou só um humano, sendo. Ilustração: Tongue Tied, por Boris Rasin
Fernando nunes
pedro almeida maia
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cinema
a memória na fita Baleias e Baleeiros – Para que a Memória permaneça na Gente, novo filme de Luís Bicudo. Luís Bicudo apresentou no passado mês de Fevereiro em Lisboa, na Cinemateca Portuguesa, a longa-metragem Baleias e Baleeiros. O filme já estreara em Setembro de 2013 no auditório do Museu da Baleação em New Bedford, nos Estados Unidos, a propósito da 7ª Regata Internacional de Botes Baleeiros. Obra de fôlego, nasce e resulta de um demorado trabalho de campo iniciado no Verão de 2010 e concluído em Dezembro de 2012. O filme começa por ser uma revisitação à ilha do Pico e às actividades económicas que marcaram o presente e o passado recente. À semelhança de A Banana do Pico (2010), o ponto de partida é novamente o entorno familiar do realizador, os avós que admira e os bisavós, todos baleeiros, a quem dedica a obra. É esse parentesco e a vontade de filmar os Açores que confirmam uma veia documental
telúrica, embebida na tradição do escritor Dias de Melo que é homenageado no subtítulo da película. O retorno ao sul do Pico revela um universo onde o realizador detém o seu imaginário afectivo e reconhece a sua genealogia, testemunhando hábitos de resistência que regista com o receio de que se esfumem. Não é, nem poderia ser, um filme de etnografia da baleação, ainda que possamos questionar se estamos perante uma etnografia da cultura baleeira contemporânea. A obra trata principalmente dos baleeiros em terra e aquilo que hoje lhes rodeia. Cena a cena, a fita vai-se compondo de memórias em entrevista e as imagens da cultura baleeira numa montagem original. De um lado, ouvimos homens nascidos entre os anos 20 e 40 a descrever tudo o que a baleação lhes trouxe. É impossível ficar indiferente ao espanto da narrativa e à agilidade destas recordações. Os testemunhos marcam importantes diferenças entre as memórias da pesca e da baleação: há companheirismo, dependência e sustento do mar (como na pesca), mas a ideia de combate está muito clara na experiência da baleação. Não quer isto dizer que os baleeiros considerassem a sua presa agressiva. Possivelmente, esta ideia de combate é sempre abstracta, está na relação entre o homem e um comportamento imprevisível da Natureza. O filme é por isso muito rico do ponto de vista antropológico. A docilidade e compaixão exposta pelos entrevistados desconstrói mitos de figuras cruéis. Por outro lado, vemos imagens da festa de Nossa Senhora de Lourdes, da reconstrução das canoas baleeiras, das regatas e suas tripulações, do whale-watching e da reconversão das vigias. Múltiplos contributos para a reinvenção da tradição açoriana. Tal como foi percebida na literatura ficcional, a baleação é um material compósito que não cabe nos compartimentos da história social, económica ou religiosa.
Faltaram ao mosaico a recolha de memórias da Fábrica e do processamento integral do cachalote. Sobram alguns aspectos menos positivos: os cenários em que repousam as memórias assentam num bucolismo por vezes exagerado; e os longos planos, que tornam o filme muito extenso, quase banalizam a imagem das regatas e da sua preparação. O poder do documentário estará numa mensagem contundente que deseja transmitir no final. O desfecho é acompanhado de um belo tema de Carlos Medeiros sobre uma tela negra onde desfilam alguns números crus de desaparecimento. Os baleeiros estão a morrer; alguns dos entrevistados não puderam ver este filme. O que sobrará daquilo que relata(ra)m em primeira mão? O filme deixa-nos a impressão que habitamos num longo rescaldo da Baleação, desse passado recente. Como se não fosse possível, depois de vê-lo, voltar a remar num bote ou entrar numa Fábrica -Museu sem rever as memórias destes homens. É uma criação artística que cultiva as memórias com uma responsabilidade militante, sentindo o dever da retenção audiovisual das histórias de baleeiros em extinção. Pela sua importância e oportunidade, deveria circular por todas as salas de cinema do arquipélago. Francisco Henriques
artes plásticas
levantar do chão objectos pela cidade
ANA AL V ES
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Texto integrado no projecto de
divulgação Port of Call: The Western Islands.
ciência
oceanoscópio promove a marca oceans´on®
ciência
fazendo os
A empresa Flying Sharks tem como princ e invertebrados marinhos vivos para aqu tipicamente de grande dimensão e que o espécimes acolhidos. Cada animal retirad de ter um valor intrínseco, tem uma funçã de pessoas. Com isso, a Flying Sharks pr ambiental mostrando as belezas escondi existem formas alternativas de explorar o
Não posso dizer que o meu percurso profissional me levou ao Oceanoscópio. Diria antes que foi a vontade de partilhar o sonho de viver com o oceano que lhe deu a forma e me conduziu a anos de observação e de experiência na área da educação marinha e da comunicação das ciências do mar do Departamento de Oceanografia e Pescas e no Centro do Instituto do Mar da Universidade dos Açores (IMAR-DOP/ UAç). Um verdadeiro empreendedor, em minha opinião, não é um produto apenas da oportunidade (quer financeira, quer de posição), mas começa sim com um sonho que se deseja colocar em ação. Embora o conceito de empreendedor tenha tido várias evoluções ao longo dos tempos, uma das definições mais aceites é dada por Robert D. Hisrich. Este define empreendedorismo como um processo de criar algo diferente e com valor, dedicando tempo e o esforço necessário, assumindo os riscos financeiros, psicológicos e sociais correspondentes e recebendo as consequentes recompensas da satisfação económica e pessoal. Seis anos de trabalho no IMAR-DOP/UAç ensinaram-me a dedicar o tempo e o esforço necessário ao empreendedorismo. A importância da universidade como comunidade do saber foi fundamental num processo de inovação, com base no conhecimento, por outro lado, a importância da universidade como comunidade de prática, foi decisiva para inovar com base na experiência. Em 2006 surge o Oceanoscópio, considerada uma spin-off da universidade na Horta. Alguns projetos piloto, elaborados naturalmente com IMAR-UAç, começaram a surgir. Entre estes, incluiu-se a direção criativa dos primeiros recursos multimédia sobre a interpretação marinha do mar dos Açores – o CIMV e a Rede Experimental de Educação Marinha dos Açores. Paralelamente, o Oceanoscópio investiu numa linha própria de investigação e desenvolvimento na área da comunicação da ciência, associada ao desenvolvimento infantil. Neste momento, o Oceanoscópio promove a marca registada Oceans´on® (oceans-on.com) e aqui assumem-se os verdadeiros riscos, quer pessoais, quer financeiros, do empreendedorismo, mas gera-se também algo diferente e com valor. Gera-se um novo planeta, o Planeta Oceans´on®. Através do Oceans´on®, está em desenvolvimento um conjunto de produtos para crianças e universidades, com o objetivo de promover a Literacia do Oceano, ou seja, “compreender a influência que o Oceano tem em mim e compreender a influência que eu tenho no Oceano”. Numa abordagem diferente surge também associado ao Oceans´on® um novo método ludo-pedagógico, que pretende estimular não só o pensamento crítico da criança, mas também o seu desenvolvimento como indivíduo, através do conceito inovador, a Infância Azul. A ligação à universidade mantém-se, até pela criação do primeiro habitante do Planeta Oceans´on®, o Professor Oscópio, que gosta de inventar e experimentar! Noutra perspetiva, a marca Oceans-on®, possibilitará também, a criação de micro-negócios, sendo ela própria geradora de futuros empreendedores. No contexto atual do país surgem novos desafios para o Oceanoscópio e a par do empreendorismo empresarial, aparece o empreendorismo social, como um caminho. C a r l a d e l a C e r d a G o m e s – CEO d o O c e a n o s c ó p i o
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A Flying Sharks foi criada em 2008 no Fa actividade noutros pontos do país: Penic empresa beneficiou do apoio do Governo ainda se mantém e tem sido um importan principal ponto de acção na cidade da H Instituto do Mar e do Departamento de O dos Açores. Esta conjuntura promoveu a com espírito inovador e empreendedor e Adicionalmente, a ligação histórica da cid que existam vários sectores da sociedad profissionalismo marítimo. Estas condiçõ ser utilizadas para potenciar, ainda mais, emprego ligado ao mar.
Uma outra grande preocupação desta jov criação emprego e criar oportunidades d empresa deve-se em muito à sua equipa qualidade do serviço prestado com know de boas práticas e critérios de sustentab onde está inserida, ao facto de também t transparência total em relação ao modus encontrámos um nicho empresarial único mais inteligente e correcta.
Actualmente, a Flying Sharks efectua cer cerca de 3000 animais marinhos vivos, p Japão, EUA, Dubai, Turquia e, também, o Espanha, França, Áustria, Holanda, Reino O número de movimentos recentes estão em anos anterios. A crise económica tam entanto, estamos empenhados em ultrap para a Flying Sharks e para qualquer emp inovar, procurando produtos novos e apo mercado, mas sempre e sempre de forma
T e l m o M o r a t o , F ly i n g S h a r k s e I n v e s t i g
ciência
momentos “eureka” conhecimento e ecossistemas Os Açores, como região insular, têm naturalmente características únicas e potencial para encarar o mar como um desígnio estratégico para o desenvolvimento. Existem muitas áreas por explorar e há potencial para o incremento de iniciativas empreendedoras. Para além dos setores tradicionais (pescas, conservas ou transportes marítimos), começam a emergir as atividades marítimo-turísticas.
peixes voar
cipal objecto a exportação de peixe uários públicos, i.e. instituições oferecem condições óptimas para os do do seu ambiente natural, para além ão: ser visto, em média, por 3 milhões retende contribuir para a educação idas, mas, também, demonstrar que os oceanos.
aial, mas desenvolve também a sua che, Olhão, e Funchal. O arranque da o dos Açores, sendo que esse apoio nte auxílio. O facto da empresa ter o seu Horta deve-se, em parte, à existência do Oceanografia e Pescas da Universidade a reunião nesta cidade de várias pessoas e todos com ligação às ciências do mar. dade da Horta ao gigante azul faz com de com elevado grau de conhecimento e ões são únicas a nível nacional e podem , o empreendedorismo e a criação de
vem empresa é contribuir para a de investigação. E o sucesso da jovem, dinâmica e empreendedora, à w-how muito elevado, à auto imposição bilidade, à proximidade da sociedade ter uma componente científica e à sua s operandi. Gostamos de pensar que o e que o estamos a explorar da forma
rca de 40 transportes anuais, movendo ara locais tão distantes como a China, outros mais próximos, como Alemanha, o Unido, entre muitos outros. o um pouco aquém da expectiva criada mbém chegou à nossa actividade. No passar esta adversidade. A solução presa nacional é simples: continuar a ostando fortemente no alargamento do a sustentável.
Se nessas áreas já existem atividades económicas consolidadas, as iniciativas empreendedoras mais baseadas no conhecimento e na inovação tecnológica, como é o caso da biotecnologia marinha, apesar do seu potencial, ainda têm um longo caminho a percorrer. Uma das exceções é o sistema Fishmetrics por mim idealizado. Este novo sistema tecnológico resolve problemas persistentes relacionados com a amostragem dos tamanhos dos peixes desembarcados, dados estes essenciais para a avaliação dos mananciais de pesca. O sistema utiliza tecnologias de visão e software próprio para realizar um trabalho que hoje em dia é feito manualmente. Dadas as suas características, este será um produto transacionável a nível internacional. Se é certo que a ideia surgiu num momento de inspiração, é também certo que o seu desenvolvimento requereu o envolvimento de várias áreas do saber (biologia, eletrónica e informática). A Universidade é um espaço de liberdade de pensamento e de geração de conhecimento e onde, espera-se, possam surgir iniciativas empreendedoras. Claro que há áreas mais propícias ao aparecimento de iniciativas empreendedoras, como as escolas de engenharia, e todo o conhecimento produzido pela escola do saber é importante e não tem necessariamente que resultar em aplicações úteis imediatas para economia. Os avanços do conhecimento resultam de uma acumulação de saberes e é neste contexto que podem surgir soluções inovadoras e iniciativas empreendedoras. Para que estas iniciativas sejam mais frequentes é necessário olhar para o sistema universitário e perceber se existem áreas, motivações ou estímulos que possam de facto potenciar a criação de valor. Por outro lado, é necessário perceber que em redor da Universidade e centros de investigação terá de existir um contexto facilitador que promova a transferência de saber para a sociedade e para as empresas. Um “ecossistema empreendedor”, para além de incluir a universidade como fonte de saber e de inovação, inclui inúmeros outros atores como os investidores, os capitais de risco, os “business angels”, os bancos, os incentivos Estatais e a existência de outras empresas afins já instaladas (os clusters). Em conclusão, diria que as ideias são importantes, mas não são suficientes para vingarem como negócios, e que a Universidade, o Governo e as Autarquias têm de combinar entre si uma estratégia política coerente e de longo prazo para fomentarem um verdadeiro “ecossistema” empreendedor baseado no conhecimento e no mar. G u i M e n e z e s , CEO d a F i s h m e t r i c s e I n v e s t i g a d o r d o DO P / UA ç
g a d o r d o IMAR / UA ç
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sociedade
um projeto de cidadania O Instituto Açoriano de Cultura encontra-se a desenvolver um projeto de reflexão cívica, desencadeado pela efeméride comemorativa do trigésimo aniversário da classificação pela UNESCO da zona histórica da cidade de Angra do Heroísmo, como património mundial. O projeto intitulado “vamos discutir a cidade” visa englobar um abrangente conjunto de ações, promovendo uma reflexão obrigatória e necessária sobre a cidade numa abordagem que tenderá a expandir-se a toda a população interessada, desenvolvendo-se em múltiplos formatos e suportes, numa estratégia multidisciplinar tão abrangente quanto possível, não se fidelizando a locais ou a correntes de opinião. Com vista à consolidação deste objetivo, e com a ambição de que deste resulte um conjunto de conclusões potenciadoras da valorização da cidade e dos seus habitantes, foram convidados a integrar o colégio de consultores os reconhecidos Angrenses Dr. José Guilherme Reis Leite, Dr. Miguel Monjardino e Dr. Nuno Martins, que assessorando a direção do IAC, colaborarão na organização do conjunto de atividades e na síntese final que se pretende plasmada em textos a integrar na Atlântida – Revista de Cultura de 2014.
No âmbito deste compromisso, e até ao final do corrente ano, serão editadas as seguintes publicações: 1. “Danças de Espada”, de José Luís Neto (já editado). 2. “Açores, Cidade e Território”, de Antonieta Reis Leite. 3. “Casa Santa, Mimosa…: Olhares sobre o Seminário de Angra do Heroísmo”, de vários autores. 4. “Inventário do Património Imóvel dos Açores – Concelho de Angra do Heroísmo” (3 volumes). 5. “Atlântida – Revista de Cultura 2014”. No campo das conferências, palestras e debates (e no decurso de um processo evolutivo de agendamento), serão abrangidas temáticas e áreas do conhecimento tão vastas quanto possível, abordando-se da arquitetura à história, da geopolítica à sociologia, … numa análise fundamentada e complementar do conceito de se ser Angrense em território classificado como Património Mundial. Neste segmento realizou-se no passado dia 22 de abril, na sede social do IAC a conferência Radicalidade, Pastiche e Afeto: Três modos de olhar a Intervenção Patrimonial, proferida pelo Arqt.º Manuel Graça Dias. No próximo dia 10 de maio, pelas 15H00, realizar-se-á no coro baixo da Igreja de S. Gonçalo, a conferência Do lugar à paisagem, e algumas memórias de S. Gonçalo a proferir pela Dr.ª Maria Manuel Velasquez Ribeiro, á qual estará associada a apresentação pública de um documentário vídeo, da realizadora Filipa Rodrigues, com sonografia de Rodrigo Rodrigues, sobre o Recolhimento de S. Gonçalo. Com uma periodicidade regular, que se pretende (no mínimo) mensal, outras conversas/conferências se realizarão, discutindo-se (conhecendo) o passado e o presente, para melhor construir o futuro de Angra do Heroísmo. Juntem-se a nós para influenciar o futuro! Pa u l o V i l e l a R a i m u n d o
música e dança
o u t r a s m ú s i c a s / o u t r a s d a n ç a s n o MAH O Museu de Angra do Heroísmo (MAH) tem vindo a diversificar a natureza da sua oferta cultural, promovendo ações de extensão das exposições vigentes, que incentivam o público a visitá-las e simultaneamente a participar de eventos de natureza lúdico-cultural. Muitas destas ações de dinamização envolveram as comunidades imigrantes que tradicionalmente não frequentam o MAH, mas que têm uma forte presença em Angra. Mais do que centrar objetivamente uma qualquer atividade na temática da diferença ou da integração, têm vindo a promover-se situações em que a convivência e a descontração dos ambientes criados facilitam a relação entre grupos com diferentes origens e vivências, recorrendo à dança e à música como traços de união. Assim, na sequência dos encontros Caboverdianamente, versando a história sócio-identitária, a língua, a literatura, a música, a dança e a 10
gastronomia de Cabo Verde, realizaram-se workshops de Kizomba e de Funaná que tiveram como formador Humberto Furtado. A sua simpatia e entusiasmo funcionam como um elemento agregador nestas sessões, a que presença forte e continuada da comunidade cabo-verdiana retirou o cariz formal de mera formação técnica, transformando-as numa festa em que se celebra e transmite uma herança que se vê apreciada. E como a quem gosta de dançar apetece sempre mais, pelo Carnaval foi a vez de artistas brasileiros residentes na ilha Terceira trazerem ao Museu “um pouquinho do Brasil”, criando uma roda de samba animada e fogosa em que Angra se tornou Baía. Integradas no programa de dinamização da exposição “Património Mundial: do Mundo a Angra do Heroísmo” que propõe uma reflexão sobre os temas da Herança, da Pertença, da Identidade e sobre os modos como a Humanidade com eles convive, estas atividades partem do aproveitamento das sinergias disponíveis, recorrendo a parcerias com entidades privadas, de modo a não só fornecer formação de qualidade, como a manter aberto um serviço de bar, cujas especialidades vão variando de acordo com a temática do workshop de dança. A sistematização destas atividades, o fato de se realizarem paralelamente oficinas lúdico-pedagógicas para as crianças que acompanham os participantes e a atmosfera envolvente e descontraída das sessões geraram uma forte dinâmica de grupo, pelo que na próxima edição de “Outras Músicas/Outras Danças”, formandas passarão a formadoras, organizando uma aula aberta de Sevilhanas. Dança-se, pois, no MAH! a n a l ú c i a a l m e i d a
opinião
os valores do 25 de abril e a cultura… No passado dia 5 de Abril decorreu na Academia de Juventude e das Artes da Ilha Terceira um fórum de discussão em torno das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril, sob a organização conjunta da Associação 25 de Abril, da Associação Portuguesa de Criatividade e Inovação e ainda da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto. O objectivo do encontro foi comemorar o quadragésimo aniversário do 25 de Abril reflectindo sobre a democracia, evento que tem vindo a realizar-se por várias cidades do país, e que visa originar acções colectivas que influenciem o discurso e a prática política, mantendo (ou repondo…) os valores originais da revolução, associados à liberdade, democracia e desenvolvimento. Os participantes encontravam-se organizados por grupos temáticos (como liberdade de imprensa, educação ou voluntariado), sendo que participei no grupo convidado a reflectir sobre cultura. Este foi coordenado por Jorge Bruno (director do Museu de Angra e antigo director regional da cultura), e do qual também faziam parte Dimas Simas Lopes (médico e artista plástico), Rafael Barcelos (professor e técnico da DRaC), Rogério Sousa (professor e programador cultural), Sara Leal (artista na área dos audiovisuais) e Luís Brum (artista plástico) – um grupo bastante diversificado, quer geracional, quer disciplinarmente. Foi solicitado a cada grupo que apresentasse várias propostas de medidas e desafios a serem realizados em torno do espírito referido, preferencialmente que fossem exequíveis. Na nossa perspectiva, o que se torna de facto essencial, quer a nível nacional, quer a nível regional, passa por quatro conceitos transversais: 1.- Uma maior e contante aposta na democratização cultural, numa perspectiva de levar a cultura “cultivada” ao maior número de pessoas possível, e envolvendo de preferência as escolas do 1º e 2º ciclo; 2.- Um investimento na descentralização cultural, fazendo uma programação dirigida a toda a população, saindo preferencialmente dos grandes centros “urbanos”, e indo de encontro às pessoas; 3.- A importância da criação e manutenção de “hábitos culturais”, pois são esses hábitos que de uma certa forma legitimam o trabalho dos agentes culturais, muito dependentes dos apoios públicos, mas totalmente dependente do público;
4.- Que leva ao último ponto, a criação e formação de públicos da cultura, factor também transversal, mas não menos fundamental, pois se não existir uma educação direccionada para a fruição e usufruto cultural, dificilmente as populações se irão aproximar de certos eventos culturais. Outras questões foram abordadas, como o actual défice de politização da área cultural, ou a importância do espaço público, utilizando de facto a arte e a cultura para despertar mentalidades. Também as sempre presentes indústrias culturais e criativas foram referidas, dando exemplos de outros países europeus que têm feito uma grande aposta no sector, assim como a actual dicotomia entre economia e cultura. No que diz respeito a políticas culturais, o debate foi mais prolongado, sendo no entanto unânime realçar o retrocesso que actualmente se vive nesse campo, e fazendo jus a quem de direito, ou seja, a quem deu os primeiros passos em termos de políticas culturais públicas em Portugal, nomeadamente Lucas Pires (numa fase inicial) e Manuel Maria Carrilho, reconstruindo todo o sector público da cultura (com os pormenores da sedimentação de um Ministério da Cultura e o 1% do orçamento de estado destinado ao sector…). Numa segunda fase dos trabalhos, e após nova organização dos presentes em grupos, consoante as suas preferências pelas acções propostas, foi solicitado que se apresentassem actividades a realizar tendo em vista a formação para o compromisso com a cidadania ativa. No caso do tema da cultura, mantendo-se o grupo original e adicionando-se alguns membros, a proposta foi no sentido da criação de um fórum, com um cariz de mobilidade e multitemático, envolvendo várias entidades, destinado à discussão de questões e soluções em torno da arte e cultura. De seguida, organizaram-se as medidas com vista a colocar em andamento o fórum proposto, nomeando para o efeito dois coordenadores do evento, onde se decidiu associar esta actividade a uma outra já em desenvolvimento, pelo Cine-Clube da Ilha Terceira, relativo à exibição de cinema em salas fora dos centros urbanos da ilha. Assim, ficou previsto a realização de quatro eventos, com uma sessão de cinema e posterior fórum de discussão, a realizar em quatro freguesias da ilha, duas de cada concelho, assim como uma última sessão, em jeito de conclusão. Vamos ver como corre. Em jeito de conclusão, resta destacar a importância que todos atribuem à sociedade civil, e em particular às associações culturais, e ao papel da cultura na construção de uma sociedade com uma elevada cidadania – em oposição a uma sociedade inculta e pouco civilizada, aproveitando a dinâmica da própria sociedade, articulando-a com as políticas públicas, nunca devendo a programação ser política, mas sim adaptável aos locais para onde se destina. M i g u e l C o s ta
(Cine-Clube da Ilha Terceira)
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literatura
lançamentos Paulo Borges É A HORA O silêncio cala a palavra. Rara e preciosa a que o faz falar. Paulo Borges, “grãos de areia”, in revista Cultura ENTRE Culturas, nº4, 2011.
É a Hora! de Paulo Borges, é um livro sobre outro livro: a Mensagem de Fernando Pessoa. O título é o último verso do último poema intitulado “Nevoeiro” da Mensagem. Muitas têm sido as pessoas a escrever sobre a Mensagem, livro cheio de mistério, único publicado em vida do autor, em 1934, um ano antes de morrer. Em nota, Paulo Borges refere cerca de vinte estudiosos, como por exemplo, Agostinho da Silva, Eduardo Lourenço, António Quadros e Onésimo Teotónio de Almeida. Paulo Borges também já se debruçara sobre a mensagem da Mensagem em vários livros e artigos. Na introdução, Paulo Borges explicita muito claramente a intenção que o leva a escrever este livro e que surge no ilhéu da capa, foto do bem conhecido Jorge Barros: é a hora de agir para se efetuar “uma transformação profunda, de nós mesmos, de Portugal e do Mundo”. Esta mensagem da Mensagem aqui sintetizada, é desenvolvida poema após poema no livro, com uma interpretação e comentários absolutamente singulares na sua profundidade, partindo de ensaios e entrevistas do próprio Fernando Pessoa (como em “A Nova Poesia Portuguesa” de 1912 em que Fernando Pessoa aponta esta nova poesia como germe de uma nova religião e de uma nova civilização) e de outros autores, e alargando a sua análise a Portugal (“o rosto” da Europa, logo no último verso do primeiro poema) como um possível mediador de um novo paradigma civilizacional que Fernando Pessoa (e anteriormente em Padre António Vieira e Camões) chama de Quinto Império e ao qual Paulo Borges apelida de “Uma Visão Armilar do Mundo”. De qualquer modo, será uma sociedade fraterna, baseada nos valores do espírito. Para que este novo paradigma aconteça, urge começarmos por despertar a consciência individual e coletiva: Portugal, depois de morrer, ressuscitará, já desperto para abraçar todos os povos com todas as suas diferenças significativas e salutares, e todos juntos construiremos esse Mundo Novo. O Encoberto não é o rei que virá tomar conta de um Reino, é sim um processo de transformação interior em cada um de nós. Fernando Pessoa, que foi buscar o nome Mensagem a uma parte do verso 727 do Canto VI (porventura o mais belo) da Eneida de Virgílio: Mens agitat molem: o espírito move a matéria/massa/multidão, parece já ter tido, ao escrever este livro, a intenção de deixar a mensagem de “mover-nos” para o despertar dessa consciência espiritual. O último poema da Mensagem, “Nevoeiro”, revela bem o estado atual de Portugal (da Europa e do mundo) “O Portugal, hoje és nevoeiro...” e termina com o verso: “É a Hora!” E depois deste apelo, finaliza com: “Valete, Fratres”: Saúde, Irmãos. Do “nevoeiro” hoje existente, pode surgir esse despertar já atrás referido. Que venha em breve, pois de nevoeiro estamos fartos. Nos 80 anos da publicação da Mensagem e nos 20 anos da morte de Agostinho da Silva, chamando a nossa atenção para esse novo paradigma civilizacional de fraternidade universal, é urgente ler este É a Hora! de Paulo Borges.
Mariana, há seis dias, não era vida. Muito menos ouvida. Faleceu esquecida no quarto da filha. Micael Nunes
josé francisco pereira
Camilo Mortágua ANDANÇAS PARA A LIBERDADE II
Ca
Seguindo-se ao volume I de Memórias (de1934 até 1961), publicado em Abril de 2009, com o nome Andanças para a Liberdade, eis que agora Camilo Mortágua, o nosso Che como lhe chamou José Afonso, nos relata o seu andarilhar pelo mundo em busca da Liberdade que não havia no seu país e que o fez atuar com coragem, desde o assalto ao Santa Maria em 1961 até ao 25 de Abril de 1974. Como o distinto historiador do Estado Novo, Luís Reis Torgal, nos diz, a Memória não é História, mas é uma das fontes que servem para “fazer história”. Camilo foi um revolucionário oposicionista ao regime salazarista, participou entre outras atividades, (além da mais conhecida, o assalto ao Santa Maria) no assalto ao banco da Figueira da Foz e na preparação da operação Vagô. Fará obrigatoriamente parte da História da Oposição ao regime de Salazar. Por estas Memórias perpassam muitas estórias com protagonistas bem conhecidos por serem opositores ao regime vigente, como, por exemplo, Palma Inácio, Henrique Galvão, Humberto Delgado e Emídio Guerreiro. Mas também aqui o leitor encontrará estórias comovedoras passadas com gente simples reveladoras de um grande humanismo.
ro lin u a F rt ad o
José francisco pereira
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conto
literatura
aventuras de ezequiel malaquias no paraíso
montra de ler Luísa Franco (Edição de Miguel Real) A MONTANHA E O TITANIC Edição: Parsifal, Lisboa, 2014.
No dia em que recebe a notícia que autoriza a sua aposentação, Luísa Franco é uma mulher naturalmente feliz. Professora do ensino secundário durante mais de 30 anos, na ilha do Pico, poderia finalmente descansar. Mas esse dia haveria de trazer-lhe também uma novidade devastadora e para a qual não estava preparada: o resultado das análises médicas a que procedera não deixava margem para dúvidas, explicando as dores, as manchas no corpo e a ausência de vigor muscular que vinha sentindo nas últimas semanas – sofria de leucemia mielóide aguda. Confrontada com esta situação e tendo consciência de que não lhe resta muito tempo de vida, decide enfrentar um último desafio: escrever a história de Álvara Bitancurt e de Manuel Franco, seus avós, vítimas do naufrágio do Titanic. Com edição de Miguel Real, que fixou definitivamente o texto, e agora apresentada a título póstumo aos leitores, A Montanha e o Titanic é uma obra intensa, emotiva e, nalguns casos violenta, na qual realidade e ficção se vão intercalando, que não deixará nenhum leitor indiferente.
(continuação do número anterior) Meio entontecido com o hálito etilizado do energúmeno, seu pretenso anfitrião, o professor Ezequiel Malaquias, acompanhado do “chefe de assistência em terra”, dirigiu-se para o balcão da companhia aérea com o fito de apresentar reclamação sobre o desaparecimento da sua tonelada de bagagem embarcada em Lisboa. Esperava-o uma fila caótica, com atropelos, gritos, gestos bruscos. Fechou os olhos, tentando alhear-se de tudo. Solícito, o “chefe de assistência em terra” ia procurando romper por entre a pequena multidão reclamante. Ao fim de muitos minutos, Malaquias achou-se junto de uma simpática e bonita funcionária que lhe entregou, sem uma única palavra, um impresso, enquanto dizia a um outro passageiro, abarrigado ao balcão, «Senhor, estou há meia hora a dizer-lhe que logo que sejam encontradas as suas malas lhe telefonaremos a avisá-lo! Agora, tem de me deixar atender os outros passageiros!» «Mas onde é que estão as minhas malas?» «Ó senhor, eu já lhe disse…» Malaquias assentou uma violenta pisadela num dos pés calosos do senhor que não largava a funcionária. Depois, desfez-se em desculpas, o que não remediou nada mas teve o condão de libertar o balcão e de ganhar imediatamente ainda mais simpatia por parte da funcionária da SATA. «Então, diga, senhor?», a funcionária, ruborizada, dirigindo-se a Ezequiel Malaquias, ainda embasbacado com o seu próprio comportamento tão incivilizado, e o impresso esquecido na mão. «Já preencheu o formulariozinho, senhor?» Na ausência de qualquer reacção por parte de Malaquias, ela retirou-lhe o impresso da mão e pediu-lhe o cartão de embarque. «Cartão de embarque?», balbuciou Malaquias, «Ah, sim, deve estar aqui.», e começou a procurar em todos os bolsos da roupa. O “chefe de assistência em terra” procurava ajudar, sem resultados. «Vamos adiantando, senhor, diga-me o seu primeiro e último nome.» Malaquias, absorto na procura no cartão de embarque não a ouve. «Senhor?» O “assistente” procura ajudar «Como se chama?» «O quê?» «Como se chama?» «Como me chamo? Ezequiel Gonçalo de Azevedo Montana e Malaquias.» «Malaquias… como é que disse que é o primeiro nome do senhor?» «Ezequiel.» «Esequiel, sim, ”I” de “Inhame”, “S” de “Setúbal”…» «Não, não! “E”, “E” de “Epistemologia”, e “Z”, “Z”, de “Zenão”! E-z-e-q-u-i-e-l-!» Soletra. «Sim, senhor, E-z-e-q-u-i-e-l, muito bem, muito benzinho, então, diga-me agora – e mostra-lhe uma folha envolta em mica encardida com desenhos de malas de viagem e outros objectos, e respectivas medidas – aponte-me aqui como é a sua malinha?» «Malinha, menina? Eu trago comigo quase uma tonelada de livros, maioritariamente, são dezenas e dezenas de malas e de caixas!» «Pois, sim senhor, está muito bem, mas vai ter de me fazer o favorzinho de me apontar aqui o tipo de malinha…» «Está a brincar? Acabo de lhe explicar que… eu dou em doido… as malas e caixas terão sido colocados em contentores que deveriam chegar a esta terra tal e qual e agora a menina está a pedir-me modelos e medidas?» «São as regras, senhor, eu tenho de…» «Regras? Regras devem ser as que levam a que não se percam contentores de bagagem. Para que é que serve isto?» Malaquias, finalmente tinha encontrado o cartão de embarque, repleto de etiquetas autocolantes com códigos de barras. «Isto serve para quê?» «Para reclamar a sua bagagem, senhor.» «E o que é que eu tenho estado aqui a fazer? A discutir com a menina a estrutura molecular das gardénias?» Enquanto decorria esta espécie de conversa, o energúmeno, que mais tarde se saberá que se chama Idalécio, foi-se aproximando do balcão da companhia aérea. «Posso ajudari?», atreveu-se o Idalécio. Ezequiel deu um grito de pavor e desatou a correr em direcção à rua. (continua)
Dos editores.
Fátima Maldonado LAVA DE ESPERA Edição: Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, colecção mundos, 2014.
Este livro oferece-nos a imagem de uma ilha em que a Criação se deixou repousar, interrompida e em aberto. Por um lado, olha-se o passado cristalizado na memória dos que viveram a caça à baleia ou na devoção dos que, regressados entretanto à sua terra, sentem a necessidade de repetir os mesmos rituais ano após ano; talvez de modo quase mágico, para manterem sinais reconhecíveis num presente que inevitavelmente se transforma. Por outro lado, o futuro da ilha ultrapassa essa ameaça de perigo que a destruição do passado e o avanço do progresso sempre implicam em maior ou menor grau. Como nos indicia o próprio título do livro, trata-se de uma ilha feita de espera, em que um portal em ruínas pode significar, para Fátima Maldonado, “início, conhecimento ou pacto”. Aliás, o mais belo símbolo do Pico, neste livro, é justamente essa espécie de crisálida encontrada por uma criança e encerrando em si todas as possibilidades do mundo: “Ao descermos, a criança descobriu por baixo de uma vela rota, que alguém atirara sobre os degraus, esquisita borboleta. (...) Talvez fizesse parte de qualquer mutação, enfaixada depois nas sedas da crisálida transformar-se-ia. Em quê não sei, mas ela havia de encontrar-se”. Inês Dias
Maria de Fátima Borges A COR CICLAME E OS DESERTOS Edição: Cotovia, Lisboa, 1989.
O volume de contos A Cor Ciclame e os Desertos da autora açoriana Maria de Fátima Borges, propõe-nos uma série de personagens ferozmente individualistas e reivindicadoras da sua diferença. É perante a constatação de que o jogo da vida implica sempre uma dose de desencanto e perda que estas personagens se sentem compelidas a procurar um sentido capaz de devolver o mundo à frescura da sua criação. Uma busca que parece nunca encontrar um fim, apesar de pequenos momentos de aproximação a esse ideal. c a r l o s a l b e r t o m a c h a d o / c o m pa n h i a d a s i l h a s
c ARLOS ALBERTO MACHADO
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J o ã o STATTMILLER
Retrato de Yolanda Corsépius. Natural do Faial é filha de uma faialense e de um funcionário da antiga companhia alemã dos cabos submarinos. É autora de algumas publicações, entre elas “Aspectos Sócio-culturais no tempo dos Cabos Submarinos na Horta” e “Algumas plantas medicinais dos Açores”.
olhares da gente
saúde e bem estar
aromáticas A N OSSA TERRA
Este mês decidimos deixar-vos com algumas considerações sobre algumas ervas aromáticas. Começamos pelo manjericão (Ocimum basilicum); é uma planta muito sensível. Não gosta de mudanças extremas de temperatura, nem de temperaturas muito baixas. Deverá colocá-la num local quente e com bastante luminosidade e regá-la apenas quando começar a murchar. As condições preferenciais são de clima quente e húmido e proteção contra o vento, geadas e excesso de temperatura. O solo deve ser fértil, permeável, húmido e rico em matéria orgânica. A colheita da planta (folhas frescas) deve ser realizada a cerca de 15 cm do solo, de modo a garantir o crescimento para uma segunda colheita. O seu aroma afasta moscas e mosquitos. Pode ser adicionado a saladas, sopas, pratos de cordeiro, porco, pratos italianos, peixe e frutos do mar. Deve ser acrescentado no final do cozimento. Delicioso em combinações com tomate fresco e queijo fresco ou mozarella. Também conhecido como Basílico, é a erva aromática de excelência para a aromatização de pizas, molhos (principalmente com base de tomate) e massas. Como medicinal é conhecida por estimular o apetite, acelerar a digestão, impedir o inchaço e melhorar o funcionamento dos rins. Em segundo lugar temos o tomilho, Thymus vulgaris, conhecido por gostar de solos bem drenados, adaptando-se mesmo a solos muito secos. Deverá regar apenas quando a terra estiver bastante seca. A rega não deve ser efetuada nas horas de maior calor e as folhas não devem ser molhadas. É uma planta sensível ao oídio e a podridões radiculares, quando ocorrem excessos de água. Subsiste também nos meses mais frios do ano desde que protegido ou colocado no interior. Prefere locais temperados, no entanto são resistentes às geadas. Deve ser podado logo a seguir à floração, podendo ser colhida em qualquer altura do ano. Dá-se bem junto do Alecrim ou da Salva. As condições climáticas preferenciais são de boa exposição solar. Em condições de Invernos muito chuvosos e solos encharcados as plantas podem morrer precocemente. A propagação deve ser feita por estacas de caule herbáceas. Deverá ser podado logo a seguir à floração, de forma a evitar que lenhifique na base, mantendo-se vigoroso e saudável por muito mais tempo. O corte das plantas não deve ser próximo do colo, para que a planta recupere com maior facilidade. A planta deve ser colhida antes da floração e utilizada fresca ou seca. Salienta o sabor de outras ervas, sem no entanto intensificá-las em demasia. Esta erva aromática é considerada um substituto saudável ao sal, e é a erva perfeita para guisados e cozidos, pratos de carne, de peixe, sopas e molhos. Finalmente deixamo-los com a azedinha ou sorrel (Rumex acetosa) e a stevia (Stevia rebaudiana). O sorrel é uma erva importante para as dietas sem sal, porque acrescenta tempero sem o uso de sal. Produz melhor em solos ricos e húmidos, mas cresce em qualquer solo bem drenado. Pode ser plantada em zonas de sol parcial ou mesmo em locais mais sombrios e húmidos. O solo deve manter-se húmido, mesmo nos meses mais secos. É uma erva que resiste bem a temperaturas baixas e invernos frios. Se nunca usou o sorrel tente adicionar pequenas quantidades nas suas saladas - o sabor picante dá-lhe uma sensação muito fresca. As folhas maiores podem ser utilizadas em sopas, molhos e risotos. Experimente colocar algumas folhas nas sanduíches e transforme-as em sanduiches frescas e requintadas. É fantástica em sopas de tomate ou peixe. Também pode ser adicionada com cuidado em saladas de frutas, geleias, bebidas e cremes à semelhança da erva-cidreira ou verbena. Apresenta efeitos diuréticos e devido ao elevado conteúdo de Vitamina C considera-se antiescorbútica. A stevia é um pequeno arbusto que gosta de solos húmidos, ricos em matéria orgânica e com boa drenagem. Não deve estar num local onde alcance luz solar direta, no entanto deve ser um lugar luminoso e morno/quente. Não sobrevive em temperaturas baixas. É um adoçante natural não calórico, saudável para os diabéticos (não altera o nível de açúcar no sangue) e inibe a formação da placa e da cárie dental. Pode ser usada para cozinhar (café, sobremesas, chás, sumos, gelados, pratos assados ou cozidos) e a nível cosmético. Use as folhas frescas moídas salpicando-as sobre a comida. Adicione-as durante o cozimento ou quando a comida ainda estiver quente. Podem ser usadas em molhos de churrasco, molho agridoce, sopas, feijões, piza, molho de maçã, pães, massa de biscoitos, em temperos de saladas, etc. Se decidir usá-la como açúcar/adoçante deverá secar as folhas (média 12 horas ao sol) e posteriormente esmagá-las num almofariz até fazer um pó. p o m a r d o at l â n t i c o
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rebus
cabeça de
solução do número anterior
Jogo enigmático em que letras e imagens são usados para formar uma nova palavra ou frase. Os algarismos entre parêntesis indicam quantas palavras compõem o enigma e o número de letras de cada uma. As letras fornecidas devem ser compostas com o nome das imagens para formar novas palavras. Deve ser lido da esquerda para a direita. Neste número introduzimos uma variante do REBUS: quando uma letra surge entre parêntesis deve ser subtraída/eliminada da palavra da imagem correspondente.
se não arrisco não petisco
LETRAS d o r e b u s ( 2 + 3 + 7 + 3 + 7 )
LETRAS ( 6 + 9 )
solução no próximo número
charlie chaplin
92 3 os meninos nascem dentro dos homens 3 porquê outra limpeza 4 insolente e límpida 4 vira o balho 5 dead combo na horta 5 epígrafe para a arte de furtar 6 vinum culturae nostrae es 6 confortável maledicência 7 a memória da fita 7 levantar do chão 8 oceanoscópio 8 fazendo os peixes voar 9 momentos eureka 10 um projecto de cidadania 10 músicas e danças no mah 11 os valores do 25 de abril
inês ribeiro
12 uma história ao calhas 12 montra de ler 13 aventuras de ezequiel malaquias 14 olhares da gente 15 ervas aromáticas
Escreve para o FAZENDO vai.se.fazendo@gmail.com
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f a z e n d o f a z e n d o . b l o g s p o t. c o m