FAZENDO 100 o boletim do que por cá se faz
gratuito
maio 2015
a ________ ilha é ________ que ________.
A___ILHA É___QUE ___.
Fazendo nº100
Edito
CENTENARIO D
Todos os dias faz annos que f
É preciso festejar todos os dia
Almada N
NOVO *
FAZENDO
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A faialense ilha é fruto do que cá se faz / Lídia Silva - Q9
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oriais
Ficha Técnica Directores P4 P5 Paginação T5 Colaboradores T4 P6 T1 D3 U2 T3 P8 H9 H6 Z3 R5 T8 Z4 O3 L8 O2 B2 P5 P3 H10 G3 P7 T5 X1 Z2 T6 Q7 N7 G8 P4 C5 S8 G8 Z9 U8 Q9 Q8
DAS PALAVRAS
foram inventadas as palavras.
ias o centenario das palavras.
Negreiros
O SITE
propriedade sede
assoc cultural fazendo
rua conselheiro medeiros nº 19 9900 horta periodicidade tiragem
mensal
1000 exemplares
impressão
o telégrapho
registado na erc com o nº125988
www.fazendo.pt A pequena ilha é maior que nós / joão stattmiller - N8
Historia do design do Fazendo Onde estão e o que fazem agora os designers que desenharam cada série do Fazendo?
2010/11
2008/09 VERA GOULART Após fazendo, parti para as madeiras, o barro e as tintas. Passei pelas cartolinas, os moldes e as plasticinas. Hoje caminho com os acrílicos, os pvcs e os vinis, rodeada de maçãs roídas, onde teclo e traço à procura de novas experiências. Dizendo por outras palavras: pela vida, vai-se fazendo!!
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FAZENDO
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2009/10 PAULO NEVES Senior animator na Walt Disney Animation Studios - Sao Paulo. Testes de animação para Zootropia e animando shots para The Mighty Ducks TV series.
NUNO BRITO E CUNHA “Nuno Brito Cunha é o nome deste designer que trabalha no atelier nº 13 da CRU. É daquelas pessoas que mesmo em dias cinzentos passam por nós a cantarolar baixinho uma cantilena qualquer. Um homem que encara os dias com a atitude de quem já lhes descobriu a melhor parte e que, talvez por isso, transmite determinação e tranquilidade. Desenvolve um trabalho curioso, esse de criar as “vestes” dos melhores vinhos, que aprecia, fazendo-o com sobriedade e bom gosto.”
2011/12 LIA GOULART 100 Fazendos depois fui parar de novo a Lisboa. Abri uma agência criativa, tornei-me forrozeira de coração, e continuo a sonhar com o Teatro.
2012/13 COMUNICARATITUDE No n.º 78 do FAZENDO o sonho da Comunicar Atitude era regressar às origens na dúvida de não conseguir executar. Hoje consegue realizar design, comunicação, fotografia e vídeo, nas Lajes do Pico.
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A tua ilha é o que tu fazes com ela… / ruth bartenschlager - T4
A minha ilha é maior que a tua / andr
2014/15
2013/14 /// AMBAS AS DUAS \\\ são uma prodigiosa dupla, dinâmico-criativa. Juntas desenvolvem estratégias de investigação e projecto específicas para cada desafio - profissional ou onírico, promovendo sociedades criativas com outros colaboradores. Actualmente vivem e trabalham em Lisboa, no escritório de AMBAS AS DUAS & ASSOCIADOS e no BEMBOM studio.
ré nogueira de melo - S8
ILHASCOOK As ilhasCook são muitas e estão rodeadas de mar. Somos dois e ainda estamos no Faial. Desenhamos, Filmamos, Fotografamos, Designamos, Pintamos, Falamos, Organizamos e Desorganizamos. Cada um por si e em conjunto.
ANOS Fernando Nunes - P6 A Unesco declara 2015 como o Ano Internacional da Luz e faz agora 100 anos da teoria da relatividade geral de Einstein. Há cem anos nasciam a actriz Ingrid Begman, a pintora Tereza Arriaga, o pianista russo Sviatoslav Richter, o músico norte-americano Muddy Waters, a cantora de jazz norte-americana Billie Holiday, o cineasta, actor, argumentista e produtor norte-americano George Orson Wells, do crítico literário, sociólogo, filósofo e semiólogo francês Roland Barthes. Há cem anos foi publicada a novela “A Metamorfose”, de Franz Kafka e o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez escreveu, em espanhol, “Cien Años de Soledad”, com a tradução para português de “Cem Anos de Solidão”. Os Cem Dias é um período histórico (também denominado de Cem Dias de Napoleão ou Governo dos Cem Dias) e que corresponde ao período do regresso do imperador francês Napoleão I ao poder, após sua fuga do exílio na ilha de Elba. “A Viagem dos Cem Passos” é um filme de Lasse Hallström, com Helen Mirren, Charlotte Le Bom, Juhi Chawla e Manish Daya. O Governo dos Açores apresentou recentemente uma proposta para a aplicação de tarifas aéreas promocionais da ordem dos 100 euros nas ligações entre os Açores e o continente português. Este é a centésima edição do Fazendo.
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A tua ilha é aquilo que provocas/ teresa cerqueira - T1
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A ilha é que nos faz ou somos nós que fazemos a ilha? É antiga esta assombração de ser ilha nos corações nas palavras dos mitos. Ilha é o que une e o que afasta, o ser solidário e a exclusão. Ilha não é o uno mas sim o diverso e o contraditório. É de entre as palavras que se faz mundo e ilha. Ilhas.
Carlos Alberto Machado - Q7 a minha ilha é sol que não se vê Na ilha não habita ninguém Insiste o vento que existe E as aves canoras sussurram Chega-se a todo o lado Por mais que se queira parar Mas quando o verde se ferra No lombo pardo da terra Fico cego do avesso Afogo-me todo no mar
Miguel Machete - N7
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A pequena ilha é afinal tão grande que ocupa todo o espaço do meu coração / Catarina Krug - Q8
A minha ilha é mailinda que
Nuiorque
António Bulcão - G3
Há muitos anos, visitou a ilha do Pico um grupo de nova-iorquinos. Eram uns quantos, músicos de alguma reputação, com uma característica em comum – nunca tinham saído de Nova Iorque. O Manuel Canarinho esmerou-se. Instalou-os na sua adega e serviu-lhes mero. Para tão ilustres visitantes, tinha de ser do melhor peixe que há no mar. Torceram o nariz. Entreolhámo-nos, aflitos, os anfitriões. Perguntámos se havia algum problema. Foi-nos respondido que o mero “tastes too much to fish”. Ora o demoino, estes estupores não devem comer coisas como deve ser lá na terra deles, engolem os douradinhos do Capitão Iglo ou de um seu congénere amaricano e para eles aquilo é que é peixe. Peixe a saber demasiado a peixe é de cabo de esquadra. Pois paciência, não gostam tivessem gostado, passa para cá que mais fica.
embora para os homens descansarem. No outro dia de manhã voltámos, à espera de elogios “oh my god, dormimos que nem anjos, que silêncio, que maravilha”. Qual nada. Olheirentos, com ar fatigado, rapidamente deixaram claro que não tinham pregado olho a noite inteira. But why? perguntávamos desesperados, já sem saber bem o que fazer para contentar os camones. Confessaram que tinham passado a noite em claro “cause of birds”. Os cagarros… Os cagarros não os tinham deixado dormir com os seus cantos nocturnos. Olha a porra. Estes gajos tiveram medo dos cagarros? Imaginaram o quê? O Hitchcock a saltar por cima do calhau, comandando um
bando de pássaros ferozes, prontos para lhes trancar o bico no toitiço ou lhes arrancar as vísceras? A minha ilha é mais pequena que a maçã grande. E dorme, diferentemente dela. Longe de aviões a aterrar a toda a hora, livre de sirenes que anunciam homicídios, incêndios, desastres com mortos e feridos aos montes. Isso é que é barulho, senhores. Da próxima hão-de mamar com lapas cruas e havemos de recrutar uma equipa profissional de galos madrugadores. Com a tenda armada numa das margens da Lagoa do Capitão. E não se assustem com as estrelas que as águas mansas hão-de reflectir. Serão mais que as que drapejam na vossa bandeira.
ilustração Tomás Melo
Restava a paz em que dormiriam para nos satisfazer, como gente que gosta de bem receber. Depois de umas canções partilhadas, fomos
a ilha é muito bonita. Que pinta! / julião agostinho da silva
A ilha é que é/ tomás melo - P4
Arte, Democracia e Participação
A minha ilha é a mesma que a tua ilustração Mrzyk Moriceau
Pedro Lucas - R5
A participação na construção das estruturas, processos e regimes sociais não pode ser encarada simplesmente na capacidade de votar ou não votar Arte, tal como a entendemos hoje em dia – essa coisa capaz de revelar novos mundos dentro e fora de nós – é um conceito relativamente recente e, até há bem pouco tempo, centrado nestes lados do globo. Só com o Romantismo, no início do séc. XIX, é que a arte toma estes contornos de transcendência e a figura do artista ganha o estatuto de “sacerdote sem dogma” que ainda é mais ou menos vigente. Da Grécia Clássica, onde arte estava mais ligada ao trabalho dos artesãos, até aos nossos dias o conceito sofreu grandes alterações, com ímpeto reforçado sobretudo a partir do Renascentismo. O séc. XIX é então o palco dos excessos, epitomados nas expressões “arte pela arte” (art pour l’art) - uma arte autotélica e absolutamente desligada do mundo real – e no seu contraponto da “art engagé” arte útil, enraízada na condição humana, com funções éticas e morais. Felizmente nos nossos tempos já poucos se atrevem a conceber, por um lado, qualquer forma de criação artística que seja integralmente desligada do seu contexto (social, cultural, etc..), nem por outro, a esperar dos artistas ferramentas práticas para mudar o mundo. Ultrapassados estes antagonismos e num século XX que viu os regimes democráticos instalarem-se de vez no
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mundo ocidental, foram prenhes então as práticas artísticas que reflectiam sobre a posição do espectador em relação à obra de arte, o que levou à criação de novas dicotomias. Estados de contemplação ou de distração, audiências passivas ou activas, participação ou interpretação, emancipação ou subjugação de audiências, são alguns dos dualismos que entraram no vocabulário de quem quer que se debruçasse sobre questões de arte. As primeiras aparições dos Futuristas, o teatro de Brecht, os detournements da Internacional Situacionista, os “happenings” dos anos 60 ou o hacktivismo dos nossos dias são exemplos de práticas artísticas que procuram, de uma forma ou de outra, destacar de forma evidente o papel que o espectador tem no desenrolar dos processos artísticos – criando paralelos mais ou menos claros com o papel do cidadão nos processos democráticos ou o papel do consumidor nos processos do capitalismo. Participação é uma palavra ligada umbilicalmente à Democracia e que foi reapropriada pelos artistas ao longo do século XX. Entretanto as oposições entre estas novas dicotomias foram-se também diluíndo: já poucos concebem que seja necessária a interacção física, ou que o artista tenha de recorrer a “práticas de
choque”, para que o espectador possa participar ou ser consciencializado do seu papel na construção do significado de uma obra de arte. Da mesma forma, a participação na construção das estruturas, processos e regimes sociais não pode ser encarada simplesmente na capacidade de votar ou não votar. O Fazendo não é um projecto artístico. Tampouco um daqueles orgãos de comunicação social que são vitais à Democracia. Foi criado para ser um espaço de encontro entre pessoas - espectadores, consumidores e cidadãos - que tornasse palpável o acto de participação tanto na construção cultural de um grupo de ilhas como nos seus processos sociais e políticos. Um objecto construído colectivamente e que gerasse um espaço de reflexão que, como a arte, nem estivesse dissociado do seu contexto, nem tivesse constragimentos de utilidade. Chegar ao número 100 é obra e estão de parabéns, por ordem ascendente de importância, aqueles que o criaram, aqueles que o mantiveram e fizeram crescer, e todos os que nele participaram.
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A minha ilha é minha. O que é que queres? Tenho esta mania de que só eu pertenço a ela. E mesmo sem lhe pedir,
A minha ilha é a que tem mais pedras roladas
O torna-viagem das ondas encarrilhava sons antigos, quentes, amarelos.
Vicente habitava a praia Formosa (Santa Maria) há já longo tempo, não era um pescador exímio, no entanto, zelava pela harmonia. Nele a memória era leve e translúcida como as pulgas na areia.
Mecânico especializado, olhos atentos à passagem da espuma pela falésia, onde o farol pontuava os dias como um metrónomo. Trabalhava na maré vaza, de sol-a-sol. A sua função consistia em virar os seixos da praia para que, também a outra superfície secasse inteiramente. Amanhava-os do mesmo modo como os encontrava, somente expunha a face húmida ao amplexo do sol. Não era uma tarefa difícil nem fácil, mas um fazer compenetrado por manter a paisagem livre de impurezas.
, ela pertence-me de volta / lia goulart - Z4
A aparente inutilidade do que fazemos calça-nos para acreditar nas estrelas. Ser-se feliz é apenas deixar deus acontecer em nós. Assim seguiam os seus dias, de vento e bonança, falava com os pássaros, não precisava vestir botões. Raramente era interrompido no seu labor, quem aquela praia frequentava conhecia-lhe a silhueta polvilhada de sargaço e sal. No alinhavo das ondas desenhavam-se caligrafias que Vicente decifrava, bordados de tempos vindouros. Sábado, dançava um furacão de cinco anos a aventar pedras à água, Vicente aproximou-se antes que a praia se despenteasse ainda mais. A areia levantou-se com as vozes. Era preciso tomar uma atitude, afinal de contas o adulto ali era ele! Então, começou a fazer salta-pocinhas, como se isso fosse vital, e foi, empataram 6-5, porque acertou numa lula.
Cristina Lourido - T8
Ora cantava, ora afinava silêncios no forro das palavras. As pegadas impressas eram lavadas quando a maré transbordava, pelo que, tudo em que tocava permanecia intemporal.
Sintonizado com a natureza, entregava-se a uma actividade considerada pouco séria pelas pessoas crescidas, provocando-as.
ilustração Tomás Melo *
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Penso em Nemésio. Talvez melhor que ninguém este ilustre escritor, professor e poeta saiba traduzir em palavras as pulsões que a ilha desperta. À minha memória, “se bem me lembro”, surge uma Margarida, personagem de Mau tempo no Canal, num barco, cabelo ao vento, segurando o seu anel da serpente cega, o qual atira ao mar. Numa plongée cinematográfica (plongée, para quem o desconheça, é quando a câmara de filmar filma algo em sentido descendente), sigo o anel de serpente até às profundezas oceânicas, morada de um peixe que Nemésio nomeia, a cucumária dos abismos... E por lá fico... Perco-me em tons de azul, imersa em mim, nas milhas de distância que a minha alma habita e percorre... Mas volto, pouco depois, à superfície, numa lenta contre-plongée, respeitando o tempo de descompressão… (Há-que evitar uma embolia pulmonar, mesmo que seja em pensamento!) Subo a linha de água, para além dos mastros, dos garajaus, das gaivotas e contemplo do alto todo o arquipélago. E, mais do que ilha, arquipélago, para mim, é uma manta que me aconchega as memórias: nove retalhos de terra unidos por uma linha de mar...
Helena Melo Medeiros - H9
A milha é distância que a minha alma habita
Hoje, por alguns momentos, parei e apreciei, olhando a ilha do Pico, a dança afável das brancas nuvens num fundo azul. Quem já apreciou assim o céu, saberá que as nuvens são, por vezes, véus diáfanos que Zéfiro paulatinamente molda. Sento-me e sinto. Sinto o tempo e os ruídos deste silêncio. Ouço a música rouca do mar salgado que me abraça, povoado de inúmeros mistérios.
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A sonoridade da ilha é um contraponto intermitente da terra que
A maior ilha é aquela que nasce dentro de nós Gina Macedo - H6
No princípio era a ilha. O saibro e o sal, as hortênsias e as conteiras, os figos e os araçás, as criptomérias e os metrosíderos. No princípio era a ilha. A chamarrita e a viola da terra, os mistérios e os vulcões, o verdelho e a angelica, as baleias e os baleeiros. Falo-vos do tempo da infância. Do tempo dos dragoeiros e do movimento perpétuo do meu avô a rasgar a terra com o arado. Era um compositor telúrico o meu avô. Falo-vos do tempo em que o via semear o milho, as batatas e o amor. Eu, como tantos outros, nasci do útero desta terra vulcânica a ouvir o brado das cagarras e o vento nos brandais. Cresci com pouco - somos feitos de nuvens e de barcos, de céu e de mar, e de pouco mais. Como o horizonte ficava distante, os nosso olhos habituaram-se a ver mais longe. E por isso ansiavamos continentes. “Das nossas ancas vêem-se as américas”, garantiu-me uma vez certa mulher que sonhava emigrar. Somos então cuspidos para o mundo, rompemos o oceano com a raiva de quem morde, tornamo-nos os escapistas do que julgamos ser a ‘solidão insular’ – mas ainda assim fazemos questão de levar connosco a ilha intacta. Carregamo-la como o crente que carrega o andor na procissão. E depois, depois lá longe continuamos a sonhar com ela. Gerimos saudades. E aos poucos vamos regressando. Até regressarmos inteiramente. E eis-nos agora novamente na casa de partida. Neste promontório de barcos naufragados e corações destroçados. Sentamo-nos nas rochas onde o mar se deteve e ficamos imóveis a ouvir as ondas quebrar dentro do peito. A ilha tem uma força tremenda: Atira-nos sempre para dentro de nós onde encontramos, afinal, a ilha maior. É esta a revelação: a nossa ideia de grandeza associada à partida para o horizonte foi um logro. O nosso valor está, afinal, naquilo de que fomos feitos: nas nuvens e nos barcos, no céu e no mar. A nossa viagem maior é este caminho de regresso ao nosso eu primordial, puro e inteiro. E aprendemos: No fim será a ilha.
ilustração Raquel Vila
e se desenvolve sobre um ostinato turbulento do mar que a rodeia / Luís C. F. Henriques - Z3
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Guia do utilizador/colaborador
FAZENDO
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sim
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G Gostas de escrever?
ão M. Esc
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C. he
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Conheces alguém que tem um projecto, uma ideia ou opiniões?
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De natureza cultural/científica
sim
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Tens opiniões sobre a cultura e a ciência nos Açores?
Tens uma ideia que gostavas de fazer?
Viste, ouviste, visitaste algo que te inspirou?
Tens um projecto/actividade que queres divulgar?
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s, to iro e men d i n c e he e eu Faz condess do mo s o o r ã Car tidárioravéso, n nala r i n n e t s e i t t a r s Ao cendico Lond de ael o v ó r d ri ogo xa tá vras pe mól dei o no ala s de ho sso feit as p poi s, po se lgum . De sõe s s es m a reço nvul ore uçõe co ap s co fav vol s e de ita guns , re vio s de sos, mu al icos des smo vido de lít nas, cani du quim nos po ter s me ncia pas em a in tro vivê sse a c mais do ou bre ue e agor os ção so s q ora io d ira nte. ei mem gáud adm ina co ra es e o re pa ent cism cr pti ce
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A magia de morar numa ilha é directamente proporcional à quantidade de vezes que nos conseguimos perder no nevoe
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Letras e imagens são usados para formar uma nova palavra ou frase. Deve ser lido da esquerda para a direita. Os algarismos entre parêntesis indicam quantas palavras compõem o enigma e o número de letras de cada uma. As letras fornecidas devem ser compostas com o nome das imagens para formar novas palavras. Quando uma letra surge entre parêntesis deve ser subtraída da palavra da imagem correspondente.
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eiro que a encobre / ágata biga - L8
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Nenhum homem é uma ilha L. Agostinho - D3
Será admirável que o grande poeta que escreveu a frase “Nenhum homem é uma ilha” tenha nascido numa ilha? John Donne nasceu em Londres, em 1572. Quando tinha 25 anos foi um dos corsários que atacaram as ilhas de S. Miguel e Faial. É possível que John Donne tenha participado no ataque à Horta, um dos alvos dos ingleses. Nos Açores escreveu duas cartas-poemas: “A Tempestade” [“The Storm”] e “A Calma” [“The Calm”]. Vinte e seis anos mais tarde escreveu a frase que dá título a este artigo. Antes desta aventura naval John Donne, que era grande admirador de Petrarca, tinha viajado por Espanha e Itália onde aprendeu as línguas. Sonhara também ir à Terra Santa, o que acabou por não fazer.
Bem se pode dizer que nenhuma frase é uma ilha, esta que nos ocupa nem sequer chega até ao ponto final da frase original, vai só até à primeira vírgula. São apenas as primeiras cinco palavras de uma frase de vinte e uma. E o quarto parágrafo da Meditação XVII prossegue: “Se um torrão for levado pelo mar, a Europa é menos, tal como se fosse um promontório, tal como se um solar dum vosso amigo ou fosse o vosso: a morte de cada homem diminui-me, porque estou envolvido na humanidade, e portanto nunca mandeis saber por quem o sino dobra; ele dobra por vós.” [If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend’s or of thine own were: any man’s death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.] E foi exactamente assim, levada pelo mar, que “Nenhum homem é uma ilha” se destacou do seu continente e navega pelo mundo, de boca em boca, como de porto em porto; de texto em texto, como se de ilha em ilha.
ilustração Raquel Vila
Em 1601, quatro anos depois da estadia nos Açores, e sendo já membro do Parlamento, John Donne cometeu o grave erro político de casar secretamente com Anne More, filha do importante Sir George More que lhe arruinou a carreira, o mandou prender e negou o dote à filha, que tinha então dezassete anos. Apesar de todas as dificuldades John manteve o casamento, continuou a escrever poemas a Anne e tiveram doze filhos.
Em 1623, enquanto convalescia de uma doença que por pouco não o matou, John Donne escreveu “Devoções em Ocasiões Emergentes” que foi uma das poucas obras de Donne publicadas durante a sua vida. Neste livro, a “Meditação XVII” tem esta introdução: “Agora este sino, que dobra suavemente por outrem, diz-me: Vós tendes de morrer.” [Nunc Lento Sonitu Dicunt, Morieris (Now this bell, tolling softly for another, says to me, Thou must die.)] e o quarto parágrafo começa com a frase que nos interessa: “Nenhum homem é uma ilha” e continua assim: “completa em si mesma; cada homem é uma peça do continente, uma parte do principal.” [No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main.]
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A melhor ilha é aquela que é graciosa/ victor rui dores - T3
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A minha ilha é mais bonita que a tua!
Leilão de Arte
Os exemplos dessa avareza são muitos e encravam quase sempre noutra ilha, em frente ou mais a Oriente, “que tudo quer, que tudo nos leva e para onde tudo vai”. Nesta luta inglória com as “maldades” dos outros, perde-se a energia vital de que uma comunidade poderia servir-se para perceber, primeiro, para onde quer ela mesma ir e, depois, que caminho precisa de trilhar para chegar a esse lugar; não porque em frente ou a Oriente também querem ir para lá ou já lá estão, mas porque é lá que a gente quer chegar, em consciência - e partindo de um princípio de oportunidades justas, já que a realidade criada pelos homens do poder é pouco dada a lirismos e alimenta-se das fragilidades humanas para exacerbar rancores e melhor servir a ganância.
É preciso denunciar a injustiça e destruí-la, sim, mas deitar abaixo os poderes perversos e as suas artimanhas políticas requer mais do que exercícios de bota-abaixo e jogos de imitação. O que é preciso, ao contrário, é construir. E para isso temos de convocar as nossas energias para combater a nossa inércia, a nossa incapacidade de unir, a nossa participação horizontalmente adormecida, a nossa consciência de ecrã-plano feita e os nossos interesses tão turísticos. Para isso temos de ser a força de um povo, muito para além da sua classe política, que lá em frente ou mais a Oriente é respeitado pela sua inteligência de resistir às afrontas dos poderes impuros mas sobretudo capaz de agir para construir, em nome próprio, um futuro novo. E então sim, poderemos dizer, não por desdém mas com alegria, “a minha ilha é mais bonita que a tua” – neste dia, especialmente, porque tem o FAZENDO!
Sá
É uma coisa que me mexe com os nervos e entristece, a tentação muito comum de medir as (p)ilhas. Entenda-se: não é o facto de gostarmos da nossa ilha e de lhe elogiarmos as belezas criadas pela natureza ou os feitos que me abespinha; o que me desgosta é a comparação mesquinha, que cega e torna pequena a coisa exaltada.
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Renata Lima - U2
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ilustração Raquel Vila
Sabiam que a arte pode valorizar 10% ao ano? E que não dá para medir o valor de ter uma peça que nos enche as medidas sempre que olhamos para ela? No Leilão de Arte Fazendo podem tentar a vossa sorte e levar para casa uma das melhores obras de arte feita nos arredores ou pelo menos passar uma noite divertida.
30 10 às 11h lustração ei Oficina d ças para crian o Fazendinh
16h30 PARADA Cultural - A cultura da Horta vai estar na rua, e desfilar na Avenida Marginal
AA A T FES Horta h 1 da -0 18h Marina Na *
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A minha ilha é cem vezes melhor que qualquer outra, sem dúvida! / helena krug - P8
FAZENDO
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Na centésima edição do E pude aperceber-me das dificuldades na divulgação da Fazendo cultura produzida nos Açores, Bruno da Ponte - H10
tanto aqui como no Continente.
Sem competência para o fazer de outra forma, vejo-me limitado a recorrer à experiência da minha atividade editorial nesta modesta tentativa de me associar à publicação do número 100 do Fazendo. Trata-se de uma realização que venho a acompanhar e que muito prezo e aprecio. Só a meados dos anos 1980 tive oportunidade de regressar a um trabalho que fora interrompido no Outono de 1966, devido ao encerramento, pelas autoridades de então – mais concretamente, pela PIDE – das Edições Minotauro, de que era sócio e director. Mas, desta vez, a orientação seria diferente, voltada decididamente para os Açores. Até Janeiro de 2005, quando me reformei, publiquei, entre outros livros, cento e vinte e uma obras de autores açorianos ou que tinham por tema os Açores. Pude, assim, conhecer muitos escritores açorianos que muito me ensinaram sobre a minha terra e ajudaram à minha reinserção numa vida de que estivera ausente demasiado tempo. Vou recordar apenas alguns, com quem mantive uma relação mais próxima: Dias de Melo, Vamberto Freitas, Daniel de Sá, Urbano Bettencourt, Fernando Aires e Emanuel Félix. E pude, também, aperceber-me das dificuldades na divulgação dos seus trabalhos e, em geral, da cultura produzida nos Açores, tanto aqui como no Continente. No Continente, muitos livreiros alegavam que não eram vendáveis e recusavam-se a recebê-los ou, na melhor hipótese, aceitavam receber dois exemplares e nada faziam para os promover. Cheguei mesmo, ao apresentá-los a um director de compras dos hipermercados Continente, a receber uma resposta esclarecedora: não os recebiam por não fazerem trabalhar a caixa…! Consegui, no entanto, alguns, se bem que não os desejáveis, êxitos: livros, em número reduzido, que se venderam mais no Continente do que nos Açores; promovi, na Livraria Ler Devagar, em Lisboa, em parceria com as Criações Periféricas, uma semana dedicada ao livro açoriano, colocado em grande destaque, e em que ocorreram algumas sessões protagonizadas por escritores açorianos que se haviam deslocado ao Continente, que foi um êxito em termos de público e, até, de vendas.
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No Arquipélago, os problemas eram distintos, mas assustadores: os apoios da Direcção Regional da Cultura não asseguravam os meios necessários à edição mas, pelo menos, ajudavam ao investimento inicial (nunca, no entanto, fiz depender a publicação dos livros que, bem ou mal, pessoalmente aprovava, da existência de subsídio). Havia outro problema: o reduzidíssimo número de pontos de venda e a quase total ausência de acções de divulgação levadas a cabo por instituições ou grupos locais interessados. Além de vários lançamentos em Ponta Delgada, sobretudo na Livraria Solmar, tentei verificar o resultado de iniciativas diferentes que, infelizmente, não tinha meios para multiplicar: um lançamento em São Miguel, na Maia, onde se venderam mais de setenta livros. No presente, no que se refere à difusão da literatura açoriana, a situação deteriorou-se: desapareceram
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muitos pontos de venda de livros, entre os quais (no que respeita a São Miguel, que é a situação que conheço melhor) gostaria de salientar, por exemplo, o encerramento da Livraria 9 Estrelas, que desempenhava um papel relevante. Paralelamente, o carácter tendencialmente hegemónico da Livraria Bertrand, que funciona com base numa estratégia estrictamente comercial, não preenche, antes aprofunda, o vácuo criado. Por outro lado, sinto haver um acréscimo das iniciativas não institucionais, em que desejo destacar a actividade da equipa do Fazendo, a quem, nesta data, envio os meus mais calorosos parabéns.
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A minha ilha é mais bonita que qualquer outra, porque ... é a minha! / helder bettencourt - B2
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ilustração Luís Brum
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A graça da ilha é ela ser um continente que se pode abarcar / aurora ribeiro - P5
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FAZENDO
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ilustração Raquel Vila
A água salgada da ilha é tão azul que espanta! Frederico Cardigos - P3 Propuseram-me que escrevesse sobre a Ciência que se fazia, ou melhor, como se fazia Ciência, quando cheguei ao Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores (DOP). Sincronizando com a celebração do centésimo número do Fazendo, resolvi partilhar o essencial dos meus primeiros cem dias no Faial.
linha... Ou seja, escrevia-se uma linha, enviava-se para o servidor e, depois, escrevia-se a seguinte. A internet era uma coisa esotérica, acessível com uma lentidão infinita e apenas a partir de dois ou três computadores em todo o DOP.
Estávamos em Março de 1994, há vinte e um anos… Logo após aterrar no Faial, a primeira missão foi encontrar casa para mim e para os restantes colegas que chegariam daí a dias. Encontrei uma casa nos Quinhões, na Feteira, propriedade de um bom amigo que entretanto já partiu, o Sr. Manuel Lopes.
Houve um momento que, penso eu, marcou todos os que chegaram nesse ano. Para celebrar o dia 10 de Junho, já no final do período de cem dias, o dono de uma empresa de observação de cetáceos recentemente formada, o Serge Viallelle, convidou-nos para ir ver golfinhos e baleias.
Cumprida a missão da casa com brio, no primeiro dia estava “despachada”, houve que passar à tarefa seguinte: o estágio. Nesse tempo, o curso de licenciatura apenas estava concluído após a realização de um estágio semestral que, no meu caso, se prolongou por três saborosos semestres. Com o estudo sobre a pesca de lulas nos Açores cruzaram-se outras pesquisas e trabalhos que foram ocupando o meu tempo e permitindo-me experimentar muitas outras disciplinas relacionadas. Assim, andei entretido com as castanhetas do Pedro Afonso, as garoupas do Telmo, as tintureiras do Alex, mais lulas do Filipe e da Susana, as tartarugas da Helen Martins, as aves marinhas do Luís Monteiro, o estudo do mercúrio da Valentina, os polvos do João Gonçalves, as bases de dados do Tózé, a recolha de imagem para o Ricardo, e sei lá… Foi tanta coisa! Enviavam-se então os primeiros emails e estes eram escritos linha a
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FAZENDO
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Eu perguntava-me como poderia ter sido bafejado por tanta sorte. Vimos um pouco de tudo e foi absolutamente fantástico! O ponto alto foi nadar com golfinhos. É-me inesquecível a sensação de os ouvir debaixo de água. Não sei se eles estariam tristes ou contentes por nos ver, mas eu estava em total êxtase. Ao terminar esse dia, ainda vimos um enorme peixe-lua a deambular pelo enorme azulão do Oceano Atlântico. O DOP era uma sombra do que é hoje. Era constituído por uns antigos balneários, uns pavilhões de madeira e um edifício chamado de “mercadinho”. Se as suas instalações eram precárias e inadequadas para se fazer ciência, a equipa
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A cena de ser de uma ilha é todo o potencial que a malta criativa permite pelo seu interesse e proactividade / ma
E daí para a frente, passados os primeiros cem dias, assim continuou... Nos restantes 4000 dias, aprendi imenso, penso que ensinei um pouco e publiquei o que de essencial fui descobrindo. Depois da minha saída, em 2006, o DOP continuou a crescer, ganhou novas instalações e, apesar de ter perdido aquela ingenuidade inicial, manteve o espírito. Com este crescimento tornou-se na mais importante instituição de investigação em ciências marinhas em Portugal. Foi um percurso fantástico e é necessário ter atenção para que não se perca o que se construiu. No campo extraprofissional, penso que o principal ensinamento foi compreender que, no Faial, se quisesse ter acesso a algumas das comodidades culturais e sociais que se podiam facilmente encontrar no Continente, aqui teria de as organizar ou fazer por isso. Por exemplo, para poder usufruir de concertos de música erudita, teria de ajudar na sua organização. Assim foi. Outros colegas envolveram-se com grande sucesso no teatro, na música e em actividades de sensibilização ambiental. Pode parecer pretensioso afirmar que aqueles cem dias foram uma semente para o que se seguiu, mas, honestamente, acho que foram. É sempre com um sorriso que me recordo desse fabuloso período.
arco silva - G1
ilustração Rodrigo Freitas
era fantástica! Entre mais e menos jovens, vivia-se um espírito de constante procura de saber e de entreajuda. As embarcações eram o “Arquipélago” e o “Sargo”. O “Dourado” do Norberto também dava um apoio. O “Águas-Vivas” chegou pouco tempo depois.
Albino Pinho - P7
A vida é um sopro
Cumprida a missão da casa com brio, no primeiro dia estava “despachada”, houve que passar à tarefa seguinte: o estágio
A ilha é a paisagem que a anima
Tantos são os instantes vividos cremados pela fugaz memória que integra cada dia. O que resta? Pequenas paisagens descritas com audácia. A Ilha. A Ilha pode ser uma porção de terra rodeada por água; um aglomerado de casas dentro de um muro; o planeta com todo o espaço em volta; cada um de nós rodeados por cada existência... Importante? Talvez a escala do tempo, presente na percepção de sentir a integração do respirar Ilha. Respiramos cada passo, é certo. Tantas vezes, somente, respiramos a cada passo. A Ilha. Trememos. A Ilha treme connosco. Treme a Ilha. Trememos com ela... Neste compasso, naturalmente, tornamo-nos um só! Os pés sentem a areia quente que queima. Os pés sentem a frescura da areia banhada pela água do mar. O corpo mergulha, tempera-se a água salgada. O ar quente do Sol seca a pele... O olhar perde-se aqui e ali, em horizontes “à mão de semear” ou esbarra na Ilha em frente - a paisagem é imensa e é pequena. A escala do tempo suavizada faz emergir a percepção subtil e inscreve-a na memória do dia: Imagino integrar-se totalmente no sopro de vida que une sem distinguir. E no horizonte íntimo do olhar visito todas as Ilhas na escala do tempo do sentimento maior... Desde que o vento me sopra na face. Velejo com todos os ventos. (2) (1) Expressão de Oscar Niemeyer que deu origem ao documentário sobre a sua vida e obra. (2) Verso do Prelúdio em rimas alemãs, A Gaia Ciência, de Friedrich Nietzsche *
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FAZENDO
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A minha Ilha és tu que a fazes! Fernando Nunes - P6
Os dias estão maiores agora que os garajaus regressam, muito pouco tempo depois das leituras nocturnas e demoradas de “O Inspector”, de Nicolai Gógol, ou de “As Possibilidades”, de Howard Barker, fossem assim feitos os dias e noites em que as estações nos confundiram com a luz do sol, atordoados que ficamos com tanta luminosidade e as visitas inesperadas do azul, ainda que por breves instantes o odor das flores anunciem um presente de brisas frescas, líquidos rejuvenescentes e aromas primaveris. O verão há-de, portanto, despontar e, à semelhança das cigarras, ninguém conseguirá dormir a horas certas. Daí a evocação e memória das tardes de estio à beira-mar, com os cabelos doirados das mulheres deitadas ao sol, no areal, junto dos barcos, o rasgo daqueles clarões de luz sobre a merenda e os frutos, as mãos enfiadas na areia branca e os barcos no horizonte do tempo, o passado a tornar-se cada vez mais longínquo. Deve ser isso envelhecer, carregar o peso das lembranças, memórias, as recordações dos amigos e dos cães a rondar a praia do pescado, tantas vezes as cabeças enfiadas nos batéis revirados do avesso com os eflúvios de maresia e das algas na fímbria da orla marítima ao cair da tarde. “A infância é o cheiro do salitre”, disse um dia o belga Jacques Brel, que por aqui também andou a caminho das Ilhas Marquesas. No preciso instante em que os garajaus exibem os seus voos picados e garantidos, estamos, portanto, na presença de veleiros detentores de nomes como “Chronos”, “Stad Amsterdam”, “Nashachata I”, “Reina”, “Mónaco”, “Che Bella” ou “Boreas” e, talvez por isso, o sono perde-se em derivas noctívagas, poesias e gestos silenciosos, quando a noite é só uma obrigação do cumprimento do sono, voltamos ao calor, à estação das estações, ansiando o toque e afago de mulheres, supostas mães que entretanto se afastaram para deixar as sementes medrar. *
FAZENDO
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Descia, por isso, as vezes que fossem necessárias, até ao restaurante para jantar, deter-me junto à escotilha da porta de madeira, esperar e ler, pouco tempo depois dos velejadores desenharem os seus símbolos pintados nas paredes enquanto os pescadores se sentavam no muro da marina a desejar mais tempo e mais certezas para regressar à vida ou ao torpor de existir, seguido da faina e do mar e do barulho intenso dos jovens cagarros. Terá sido certamente por essa altura, o primeiro contacto com este jornal, uma fotografia de capa com peixes na lota à venda, a leitura deste em modo solitário nas mesas vazias com as estantes carregadas de livros, enquanto o Emídio no interior da cozinha (em labuta e na luta com os boca negras, cântaros ou imperadores), o ruído permanente dos tachos, ainda a canção da Anna Järvinen a clamar um regresso a casa em “Kom Hem”, o retiro solitário em forma de conforto da suite do hotel com os nomes de verde e de mar. O silêncio da ilha. Passaram praticamente cinco anos, chegados à edição 100, a firmeza de que os garajaus recomeçarão os trabalhos de acasalamento e nidificarão em plena cobertura do Vulcão, pensar nisso torna-se tão relevante como recordar a noite em que nasceu esta relação de escrever, e, no entanto, continua a ser difícil encontrar as palavras certas. No fundo, não se deve justificar esta união, este maravilhoso e contínuo enleio. Relembrar apenas essa infância das bicicletas encostadas na parede, os bichos a povoar as ranhuras das casas, o verde a irromper nas frinchas e nas rachas nas paredes, a ferrugem nas rodas e nos raios, o suor, tão idênticos à elaboração e ao jogo de construir ou elaborar um ou vários textos. E à laia do cantor belga, evocar infância para dizer e mostrar do que se gosta, isto é, a minha ilha é feita no gerúndio…fazendo.
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A cor da ilha é verde mesmo que digam que é azul / felix kremer - Z9
A minha ilha é do que é bom! /
A próxima ilha é aquela que amo O mar é mais firme do que esta terra devastadoramente fascinante
/ jose nuno gomes pereira - V8
O barco avança através de uma espessa neblina. A luz do dia é escassa e o frio entranha-se no corpo. Sente-se o cheiro forte a maresia e ouve-se o som dos cagarros. Não há qualquer dúvida: aproximamo-nos de terra. Depois de tantos e tantos dias nas certezas do mar alto, surge a dúvida: como será a estadia naquela ilha? Uma certeza: vou encontrar a natureza em atividade frenética. Estamos no início da primavera e Perséfone já está de novo nos braços de sua mãe. O vento mudou de direção e a neblina dissipa-se. Já se avista, na linha do horizonte, o perfil montanhoso da ilha. A brisa está forte e o barco avança rapidamente. A ilha é uma mancha escura onde pousaram as estrelas. Avisto os primeiros rochedos, negras pupilas contornadas por íris latejantes de alva espuma. Ao fundo, eleva-se uma parede vertical de rocha vulcânica, qual muralha de castelo flutuante. Lá no alto, a inspiradora Vénus espera uma oportunidade para abençoar o amor. O dia começa a clarear e vêem-se já linhas de fumo agarradas a pequenas casas. Sinto o cheiro a cedro queimado. Ali, ao centro, três altas araucárias alinhadas, mastros deste navio que, sem descanso, navega no mar. Ouve-se o desassossego matinal dos bandos de pássaros nos verdes prados de cabelo arrepiado pela forte brisa primaveril. Aos primeiros raios de Sol, brilha intensamente a camada de orvalho que cobre o extenso manto vegetal. A serenidade fecunda da natureza emite notas musicais e pode ouvir-se “De povos e terras distantes” de Robert Schumann. Mesmo na minha frente, um ribeiro, engrossado pelas chuvas dos últimos dias, desce apressado do alto da montanha até aos terrenos quase planos que ficam junto ao mar onde, o seu percurso, é marcado pela guarda de honra dos ulmeiros. Sobre a esquerda, à entrada do bosque de cedros, um pequeno grupo de cavalos selvagens comem petúnias multicolores que cobrem o terreno. Eis que surge um a galopar, logo seguido de outro, longas crinas voando livremente ao sabor do vento. Um milhafre solitário voa em largos círculos, coroando a beleza da paisagem. Sinto vontade de mergulhar nesta terra. Se, como disse Diotima, o amor é uma aspiração e uma iniciação no Belo e no Bem, então, eu quero amar esta ilha. Aqui há vida antes da morte! Depois do barco amarrado ao cais, salto para terra. O chão debaixo dos meus pés vacila. O mar é mais firme do que esta terra devastadoramente fascinante.
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A minha ilha é o livro que estou a ler / catarina azevedo - G8
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A DERROCADA SONHO
A nossa ilha é tão vas quanto o que ousarmo Deparo-me hoje com uma realidade que me roubou esse marco de vida, essa bandeira no saber estar e pensar Para mim, e para muitos da minha geração, a cidade de Kathmandu ficou colada ao imaginário coletivo, como local mítico no respeitante às vivências multiculturais que lá proliferavam e ao enquadramento arquitetónico construído, que sobejamente justificava a sua classificação pela UNESCO como património da humanidade. Desde o momento em que li o livro de Charles Duchaussois “Viagem ao Mundo da Droga” que uma viagem ao Nepal se tornou num dos múltiplos e improváveis projetos para a minha vida, que felizmente se veio a concretizar cerca de duas décadas depois. Só nos finais do milénio anterior, e em passagem entre as realidades hinduísta (Índia) e budista (Tibete), tive o raro privilégio de desfrutar da região do vale de Kathmandu (Patan, Bhaktapur, Swayambhunath e Boudhanath) e da, então e agora, cidade - capital do reino. Alojado no âmago do Thamel, bairro central desta Meca do oriente, convivi em pé de igualdade com locais e forasteiros, num permanente misto de surpreendente novidade (face ao inesperado) e permanente resiliência histórico-religiosa (perante quem pouco tem, senão certezas resultantes de um longo passado coletivo e consciente). Num ambiente mesclado de residentes, turistas, montanhistas e comuns viajantes usufruí de um
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Paulo Vilela Raimundo - X1
sentimento único de pertencer ao lugar, que não meu, convivendo amigável e respeitadoramente com todos com quem me cruzei. Do vendedor da loja das thangkas (pinturas sobre tecido, maioritariamente alusivas à vida de Buda, utilizadas no ensino e na meditação) que vinha à rua convidar-me a entrar na sua loja para tomar chá; ao condutor de riquexó que por mais uma rupia tudo fazia para chegar primeiro ao destino previamente acordado; tudo fazia sentido num ambiente universalista e respeitador das diferenças de cada um. Deambular pela cidade, inspirando os sons/cheiros de uma cidade plena de vida, revelou-se com especial deleite um exercício que me marcou definitivamente, demonstrando-me que a diversidade cultural, religiosa e/ou de origem não constitui, por si só, um aspeto impeditivo de um saudável relacionamento em sociedade. Em pleno Thamel (centro histórico-cultural da cidade), onde edifícios seculares classificados conviviam com uma omnipresente rede wireless gratuita de Internet, o encontro fortuito com um junkie do ocidente, saído do seu refúgio/albergue em busca da sua dose do dia, no caminho da Pilgrims Book House (verdadeiro tesouro livreiro planetário) onde encontraríamos o(s) livro(s) que há muito procurávamos em vão ou que sintetizava(m) a aventura por nós iniciada, culminaria correntemente com um pepper steak de búfalo, num qualquer restaurante/ bar de montanhistas e aventureiros vários. Em pleno regime monárquico em convulsão (pouco antes terá ocorrido um golpe de estado palaciano, que através do extermínio da família real em funções, redirecionou o regime para uma monarquia conservadora e tendencialmente absolutista), presenciei manifestações pró-maoistas e o desconforto de alguns setores da sociedade nepalesa que, numa postura estranhamente
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A finita ilha é o efémero que torna o mar mais necessário / carla cook - Z2
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ilustração Raquel Vila
sta os complacente e respeitadora (para nós ocidentais), usufruíam da certeza e confiança no devir. Deparo-me hoje com uma realidade que me roubou esse marco de vida, essa bandeira no saber estar e pensar. O sismo e as réplicas subsequentes que ocorreram nos últimos dias destruíram grande parte desse edificado insubstituível, modificando indelevelmente todo um passado antigo e recente, bem como o quotidiano de um vasto leque da população da região. À escala temporal do homem não é comum assistir-se a uma transição brusca entre o conhecido e o vazio. ...e para muitos dos cidadãos nepaleses o estado de espírito atual deverá ser de pleno e omnipresente vazio! Independentemente da nossa idade, sempre se mostrará estranho e algo inexplicável o falar-se de um lugar que já não existe!... Perdido um passado consolidado e enfrentando a inexistência de um futuro imediato, para onde caminharão todos aqueles que nos saudavam regularmente com um gentil namaste? Como poderá a sociedade ocidental auxiliar a reconstruir, mais do que um conjunto edificado de valor patrimonial único, mas tão só, o modo de vida de milhões de nepaleses?
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A nossa ilha é forte maravilha que sempre está fazendo coisas de vá-se co diacho! / sara soares - T6
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