Fazendo 98

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FAZENDO 98 o boletim do que por cรก se faz

vivam as low cost, morram as ilhas de baixo

gratuito

marรงo 2015

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FAZENDO

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Ficha Técnica

Sumário

Directores aurora ribeiro tomás melo

Música

marujos de coração aberto por fernando nunes .9804

Coordenadores fernando nunes rita mendes melina álvaro silvia lino

Ciência

Tartarugas nos Açores por helen rost martins

Colaboradores ana lúcia almeida assunção melo bruno da ponte carlos alberto machado carlos bessa gabriela silva helen rost martins josé luis neto miguel costa nina soulimant pedro parreira ruth barthenschlager

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Cinema

Balaou por tomás melo .9811

Revisão sara soares

Sociedade

um Valzinho por nina soulimant

Capa raquel vila

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Paginação raquel vila

História

Projecto Gráfico ilhasCook

OUSS LST -228 por josé luis neto e pedro parreira

Crónica

Viver num paraíso com grades por gabriela silva .9822

ilustração Raquel Vila

.9816

propriedade sede

assoc cultural fazendo

rua conselheiro medeiros nº 19 9900 horta periodicidade tiragem

mensal

500 exemplares

impressão

o telégrapho

registado na erc com o nº125988

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FAZENDO 98 Raquel Vila L’ós

I de cop el cel es torna groc i et surt pèl per sobre del teu cos, et sents lliure como un ós al bosc i tots els teus amics són animals petits i tu només vols transformar-te tu només vols transformar-te

Ilustraç ã o da Olga Capdevila

Diuen que si escoltes aquesta cançó et transformes en un ós que el cel es torna groc i et surt pèl per sobre del teu cos que és en aquest moment quan comença a transfromar-te quan comença a transformar-te

LA IAIA in “On és la Màgia”

I tots junts flotem contents pel bosc entens l’univers per primer cop la gent són ossets petits i surt el sol de nit i sóc un ós feliç que no pot parar de ballar tan lliure enmig del bosc.

A Raquel Vila será estagiária no Fazendo pelos próximos meses, contribuindo com a sua criatividade e imaginação para enriquecer o jornal e tudo o que por cá se faz.

Capa

98

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Fernando Nunes

É o Ano Internacional do Oceano e da realização, em Lisboa, da Expo 98. A Orquestra Regional Lira Açoriana, constituída por um conjunto de músicos recrutados das várias filarmónicas do arquipélago açoriano, participa no evento com um repertório diversificado de música ligeira e erudita. Um forte sismo abala as ilhas do Faial, Pico e São Jorge, com a magnitude 5,6 richter com epicentro a NNE da ilha do Faial, provocando grandes desabamentos de falésias costeiras e origina o desalojamento de 1700 pessoas, a morte de 8 pessoas e 150 feridos. O músico terceirense Carlos Medeiros edita o disco “O Cantar na m’Incomoda”, reinterpretando alguns temas do espólio tradicional

do arquipélago açoriano: “Rema”, “Santiana”, “Marujo”, oriundos das Flores e reinventa outras canções da tradição oral, como o “Caracol”, popularizado por José da Lata e gravado por Artur dos Santos em 1952. Aníbal Raposo grava o CD “Maré Cheia”, registado durante três anos, incluindo quinze originais do autor compostos entre 1988 e 1998. “Maré Cheia é um disco que merece, de facto, ser ouvido em todo o país” escreve o Cartaz do Jornal Expresso. Zeca Medeiros edita

o álbum “7 Cidades, a Lenda do Arcebispo”. A escritora micaelense Madalena Férin publica pela editora Salamandra: “Pão e Absinto” e o Instituto Açoriano de Cultura publica a obra “Paula Rego”. O romancista José Saramago é galardoado com o prémio Nobel e tomámos conhecimento de que haviam 420 línguas quase extintas. Portugal constrói a ponte Vasco da Gama, que passa a ser considerada a maior ponte da Europa..

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música

Marujos de coração aberto

Fernando Nunes

E um “Navio” interior a viajar por entre memórias, carregado de luz e esperança, ainda que para trás fiquem ausências, desaparecimentos.

Conta-me um pescador que todas as manhãs, muito cedo, vai alimentar um cagarro com uma asa ferida no porto da Horta. Diz-me isso no início do mês de Março, com alegria, em suave comoção e o brilho dos olhos que eu não consigo descrever com exactidão. Porventura, até sei, mas a realidade é que este facto real supera em larga medida a ficção. Tudo isto se passa num pequeno café, apelidado de “Vinte,” com uma vista tão ou mais bela para a Baía de Porto Pim, como a história deste biólogo inventado. É um conhecedor profundo de aves marinhas, que se podia fundir com todos os outros seres que habitam no fundo do mar, já que carrega consigo uma voz que é semelhante ao som de um búzio. Por vezes, ao fim da tarde, confirmo com clareza quando me saúda e é, tal e qual, como se fosse a primeira vez a conhecermo-nos. Aquela voz parece vir do fundo dos tempos, um eco tão antigo que me produz uma lembrança imediata de velhos amigos ou familiares de outras histórias e épocas. Ouço as suas histórias e, por isso desato a recordar imediatamente o “Cantar Na m´Incomoda”, editado em 1998, pelo músico terceirense Carlinhos Medeiros e produzido pelo Luís Gil Bettencourt. Foram raras as vezes em que ouvi os temas desse seminal disco, essencialmente o “Rema”,“Santiana”, ou, concretamente, o “Marujo”, oriundas do cancionei-

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ro tradicional da Ilha das Flores, em que não me devolvesse, por instantes, a vida difícil desta gente ou que de súbito me reavivasse os seus dias duros e difíceis da faina marítima e dolorosa existência destes homens enquanto vivem e baloiçam no alto mar. Não raras vezes também é através do som do mar, no que este tem de mais instintivo, primitivo e primordial, que se misturam em mim as suas vozes com a dos cagarros num linguajar imperceptível entre homens e aves marinhas, impossível de distinguir.

aventureiros, nem sempre rudes, como dizem. O Isauro é doce. Admiro-os a eles e às suas reduzidas palavras, arrancadas com um anzol do tamanho da sinceridade. “Eu vejo se uma pessoa é honesta pelo seu olhar”- revelou um dia. Desde pequeno que os ouço, às vezes com toda a atenção do mundo, é apaixonante. É como se o tempo se condensasse numa única frase melódica, num singular timbre inaudito, criptado, assustador, numa articulação de sons que ficarão eternamente por desvendar.

E de cada vez que as oiço, lembro-me do pescador Isauro, um corvino que aprendeu a nadar muito cedo, devia ter entre 6 e 7 anos na sua pequena ilha, disposta ao lado da ilha mais ocidental do arquipélago açoriano: as Flores. É certo, o Isauro é natural do Corvo. Oriundo de uma família de 8 irmãos, filho de um cabouqueiro, começou a pescar aos 14 anos. O Isauro é pescador, agora na Ilha do Faial, há quarenta e quatro anos. Uma existência inteira que se confunde com o mar, possuidor de um rosto carregado de rugas, a certeza e traço de uma expressão rubricada por uma vida cheia, onde se sente esse rumor dos ventos, do sol, da chuva e das tempestades. Foi, ele próprio, quem me disse um dia que não há nada melhor do que permanecer no mar mais do que três dias sozinho, desafiar a vida, imprimir coragem e aventura aos dias e às noites, sentir apenas a presença e o barulho das ondas, perder a noção do tempo e das horas, esquecer diferentes fases do dia, da manhã, da tarde, da noite, e, quem sabe, até das estações. Tenho, por isso, uma admiração indefectível por estes homens que têm o condão de fazer sonhar, homens corajosos,

Escuto, entretanto, o álbum “Mar Aberto”, fixo-me na canção “Navio”, elaborada pelos músicos Carlos Medeiros e Pedro Lucas, e é, tal e qual, este sentimento, este abalo afectivo que nutro, este encantamento crescente dentro desta aconchegante identificação. É um “Navio” interior a viajar por entre memórias, carregado de luz e esperança, ainda que para trás fiquem ausências, desaparecimentos. A canção e a guitarra ficam em permanente escuta num incansável baloiço por entre tantas dores verdadeiras, escritas ou imaginadas, navegando em pleno mar alto através dos sons e do canto que se ouve sem cessar. São marinheiros de alma grande e de coração bem aberto. São também asas feridas que cavam fundo a dor de querer voar.

Ilustração Rodrigo Freitas


Só há um navio Já triste e cansado O resto é vazio No velho costado O mar escreveu Com algas e búzios O que ele sofreu

Armando Côrtes Rodrigues, in “Mar Aberto” (Carlinhos Medeiros e Pedro Lucas, faixa nº11, “Navio”)

NAVIO

No porto deserto

O que ele passou Sulcando oceanos Cruéis temporais Por anos e anos Nas horas sem fim Por noites e dias Das rotas distantes E das calmarias Navio parado Em frente do mar Que bom é partir Que triste é ficar Mistério de longe Chamando, chamando Adeus que me vou Deus sabe até quando.

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intervenção

Re.act refunction Um novo espaço para gallery as artes nos Açores Carlos Bessa

Transitoriedade, urbanidade, singularidade poderiam ser maneiras de designar uma nova galeria, a RE.Act, inaugurada a 21 de Fevereiro deste ano na ilha Terceira. Desde logo por se tratar da ocupação de um espaço devoluto num lugar central da Praia da Vitória, localidade que há muito via o seu casco histórico padecer de grave anemia. Num claro gesto de intervenção urbana, como se um pequeno grupo de artistas, locais e visitantes, quisesse evidenciar o poder transfigurador da arte, inquietando o adormecimento de uma população que tem vivido debaixo de focos mediáticos, por via da base norte-americana e das consequências desastrosas para a economia local que o seu abandono provoca numa localidade tão dependente dessa estrutura militar. Trata-se já não da simples mostra de trabalhos mas da intervenção sobre um espaço em desenvolvimento, aberto, no que parece ser um sinal da vontade de colocar a ilha Terceira no mapa da actualidade cultural, compreendendo a arte como prática social e o sujeito como um participante dessa demanda interrogativa. Pelas paredes e pelo chão podem ver-se trabalhos de Sissinho, Pantónio, Netti Kuhl, Luís Brum, em que humor e insólito se aliam para criar imagens de grande e pequeno formato, complementadas com instalações que evidenciam não só diferentes linguagens e mundos particulares, como uma vontade de mostrar algo ainda inusitado por estas paragens. A galeria mora, pois, naquilo que foi outrora uma casa de residência, transformando o espaço interior em salas de artista e reservando o salão para happenings, como o que ocorreu no dia 14 de março, de que aqui se mostram algumas imagens. Dança, mímica e música em diálogo com o espaço, com o público e com o lugar. E o resultado tem o seu quê de inebriante, onde os sussurros dão lugar aos aplausos e às selfies, individuais ou de grupo, assumem uma toada ruidosa e festiva, potenciada pelo ritmo dos Batukes, que se servem de caixotes de lixo e outros objectos domésticos como instrumentos. Animação, boémia, variedade, encontros e aproximações aliam-se, pois, neste espaço criativo de apoio à experimentação cultural, aberto a várias vertentes e intervenções artísticas. Com tais desafios pretendem (sim, trata-se de um colectivo, cujo rosto mais visível será o de Paulo Ávila / Sissinho) criar e potenciar massa crítica. Ainda numa fase embrionária e exploratória de tomada de consciência do espaço, a RE.Act refunction gallery assume o intercâmbio como chave da sua acção. Um intercâmbio com ambição internacional, mostrando que a arte nos Açores de agora age localmente e pensa globalmente.

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Autoria da galeria Re.act.refunction, Pedro Marrafa


algures no mundo alguém é convidado a fazer um retrato das nossas ilhas.

Onde São

Para Ti

Sara Soares

os Açores

antes de responder às perguntas foi-lhe indicada a correcta localização dos Açores

assinala no mapa onde são os Açores

Antuan & Zabid Panamá Que tipo de pessoas pensas que vivem nos Açores? Zabid e Antuane – Afro-caribenhos. Como é que achas que as pessoas vivem nos Açores? Zab. e Ant - Vivem do turismo como nós aqui. E o que pensas que as pessoas fazem nos Açores? Ant– Passear os turistas. Z – Vivem da agricultura. Que língua falam os Açorianos? A – Uma mistura de línguas Z – Eu creio que inglês, um pouco de africano, um pouco de italiano e francês, como estão aí no meio têm que falar um pouco de tudo. Como será o clima nos Açores? A – É bom. Z- Variado, um mês de chuva, um mês de sol, assim variando.

Que animais imaginas que se podem ver nos Açores? A – Iguanas, coelhos, ratos, cães e gatos, vacas, de tudo. Preguiças e lagartos. Z- De tudo um pouco. Que transportes se usam nos Açores? Z– Aviões e carros. Ant.- Transportes aquáticos. O pensas que poderia ser feito nos Açores? A – Poderia ser usado para a pesca, para surfar e mergulhar. Z – Podia ser um sítio onde os barcos podem parar para abastecer gasolina, e os aviões também. Qual achas que é a comida Açoriana mais estranha? Ant – Devem comer tartarugas como nós aqui. Zab – Tartarugas não, mas crocodilos sim que devem comer.

Aí no meio têm que falar um pouco de tudo Que tipo de productos pensas que se exportam? Ant- Ananás. Zab - Arroz . Poderias viver nos Açores? Ant – Sim, se é uma ilha pode-se viver. Zab – Eu também.

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pintura

Mistérios de tinta de Carolina Rocha Carolina Rocha apresenta até ao dia 7 de junho do corrente ano, na Sala Dacosta do Museu de Angra do Heroísmo, uma exposição que vale a pena a visitar, não só por razões estéticas e imperativas de conhecermos os nossos artistas, mas também pelas questões que esta exposição me colocou (e coloca ainda à história da arte) e que neste artigo pretendo refletir. Carolina Rocha nasceu no ano de 1987. É licenciada e mestre de Artes Plásticas pela Escola Superior de Design das Caldas da Rainha. Desde 2010 tem participado em várias exposições individuais e coletivas, bem como é detentora de prémios nos anos de 2012 e 2014. Nesta mostra individual que a artista intitula de Mistérios de Tinta, enquadrando no âmbito da disciplina da pintura, rotulagem esta que (não poderei estar alheia à opção inicial) me colocou várias questões pelo que pretendo fazer uma incursão breve pela arte contemporânea. Interpretei como pintura evolutiva as diferentes situações que apresenta nas suas peças e que se dividem em três principais conjuntos corroborados pelos títulos seriados: PROCESSO, composto por duas peças, MISTÉRIOS, um conjunto de 12 obras e CAPELO, duas peças que a artista apresenta no chão daquele espaço. Nesse sentido é, a meu ver, importante ter em conta estas três categorias para que se possa então compreender o discurso que Carolina Rocha nos propõe.

Na primeira série, Processo, as duas pinturas do mesmo formato são puramente bidimensionais. Compostas por uma tinta aquosa que evidencia a mancha, embora monocromática, são indicativas do processo a ser utilizado nas restantes séries, ou seja: uma mancha marcadamente compacta na zona superior do quadro, que se esvai em laivos de tinta, percorrendo a restante área pictórica, desenhando cursos aquosos até à zona inferior. Podemos facilmente perceber que a artista ao colocar a mancha compacta e aquosa numa superfície, inicialmente horizontal, inclina o plano do quadro para a vertical, por forma a obter aquele resultado. Efetivamente, será este o processo optado para a série de doze quadros que se seguem, se bem que, a textura e a natureza da tinta sejam diferentes. Na série Mistérios, praticamente monocromática, mas de cores diferentes entre si, são visíveis os tons neutros e os ocres semelhantes a tons de terra e de lava. Carolina Rocha pretende, com este conjunto, fazer uma analogia aos percursos de lávicos que compuseram estas ilhas. Num plano inicialmente horizontal, é colocada uma camada muito espessa de tinta com uma textura densa que permite, ao inclinar do plano para a vertical, que sejam as leis da própria física e gravidade que “pintem” o quadro, sem que haja uma intervenção direta da artista. Esta técnica faz com que sejam criadas formas surpreendentes e casuais sem intervenção humana, eventualmente, divina. Semelhante técnica será utilizada nas peças de chão, intituladas de Capelo, que considero esculturas. Há então, assim, uma evolução da pintura bidimensional, para uma pintura tridimensional de baixos-relevos até a uma escultura de vulto, propriamente dita.

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2013. Processo 1#; Dimensões: 151x70; Técnica: Grafite aguarelado sobre papel fabriano. Fotografia de Paulo Lobão.

Assunção Melo


Como referi, no primeiro parágrafo, esta exposição colocou-me várias questões que eu própria atribuí nomenclatura (1, 4, 5, 8) e outras que entendo serem próprias da história da arte (2, 3, 6, 7):

1 - Artista-Espetador/ Observador:

Carolina Rocha não se assume como a única criadora do processo. A dinâmica da criação é também um Auto Processo em consonância com as leis da física e da gravidade, limitando-a a uma condição de espectadora/ observadora, bem mais própria do público, tendo ela a difícil função de definir os limites, de parar, ou seja, determinar o tempo certo de “congelar” o desenvolver desse processo.

2 – Artista-Criador/ Deus Artifex: A artista equipara-se, na utilização deste método a um Criador, no sentido lato do termo, a um Deus Artifex, como Omar Calabrese o define e que tem nas suas mãos a função de criar novas formas na natureza e isso, inicialmente, foi a função de Deus. Neste conceito, a artista sabe que tem esse poder e utiliza-o com todas as forças que lhe são permitidas pela natureza humana.

3 – Artista-Performativo – Action Painting: A artista neste processo faz

parte da ação para a concretização de um resultado. Action painting é um movimento da história da arte que surgiu nos finais da 2ª Guerra Mundial, em que permitia ao artista que ele fizesse da pintura um ato performativo que exigia uma ação muito concreta para um resultado final e que ficasse impressa essa mesma ação. Exemplo disso são as pinturas de Jackson Pollock. Na série Mistérios sabemos, precisamente, qual foi a ação e os gestos que levaram àquele resultado intencional.

4 – Pintura-Relevo: A pintura é geral-

mente, por definição, um suporte bidimensional, ao qual é colocado tinta / cor através das quais se desenvolvem formas e composições bidimensionais, até porque a tinta, tradicionalmente, tende a confundir-se com o suporte. Nem sempre os artistas assim o entenderam e foram colocando mais ou menos textura nas suas obras, mas fazer da própria tinta, ela mesma, forma e composição é já uma tarefa que questiona as premissas mais conservadoras da própria pintura. A pintura de Carolina Rocha é, a meu ver uma espécie de baixo-relevo, uma vez que a tinta monocromática permite, através desses relevos, a inclusão de zonas de sombra e de luz que formam “desenhos”.

Esta técnica faz com que sejam criadas formas surpreendentes e casuais sem intervenção humana, eventualmente, divina 5 – Pintura-Escultura: Na série Capelo,

a pintura-relevo, evolui para escultura. A artista coloca-a num outro plano que não a parede. O próprio chão é o local privilegiado da escultura e assim se assume, embora Carolina Rocha certamente continue a categorizar de pintura, sobretudo pela constituição da matéria: tinta, muita tinta.

6 – Automatismo: Foi um processo

amplamente usado pelos dadaístas do início do século XX. Permitiam que fossem forças do acaso a compor as suas próprias peças. Uma das técnicas utilizadas foi a de deixar cair pequenos pedaços de papel sobre os quadros e também fossem as leis da física e da gravidade a decidir o lugar de fixação daquele pedaço de papel. Experimentações análogas também foram usadas na literatura e poesia. Carolina Rocha permite-se ao automatismo de fixar um determinado momento e estado de espírito e que nos é apresentado nesta mostra.

7 - Auto-Processo: É mais do que um automatismo, é não deixar que haja intervenção humana no desenvolvimento daquelas formas. Tal como referi em artista – espetador, o processo de acontecer formas é o da própria tinta. A intervenção mínima da artista é a de simplesmente de fazer parar a evolução das formas, de modo a que haja um enquadramento mínimo de sustentação e de viabilidade da própria peça.

8 - Pintura-Verdade: Sem artifícios de

cor, de forma e de textura dissimulada, a pintura de Carolina Rocha é formulada através da própria tinta e contém em si a sua própria verdade. Ser simplesmente cor e textura, num plano e formato previamente definido, comandada pelas mãos do seu criador. *

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Tartarugas

ciência

nos Açores

De onde vêm, para onde vão? 60

LOST YEAR SIZE CLASS caretta caretta

50 40 30

O primeiro cientista que se mostrou interessado nas tartarugas dos Açores foi o Principe Albert I do Monaco, que explorou o mar dos Açores em fins do séc. XIX e princípios do séc. XX. Mais tarde, os cientistas Brongersma, holandês e Archie Carr da Florida, U.S.A, questionaram-se acerca da origem das tartarugas dos Açores, pois elas não desovavam nas praias açorianas. Em 1972 Brongersma sugeriu um programa de marcação de tartarugas, com o fim de determinar a sua rota, que no DOP se iniciou em 1982. Foram descobertas 5 espécies de tartarugas nos Açores, sendo a mais comum a Tartaruga-boba (Tartaruga comum ou Tartaruga caretta) com o nome científico Caretta caretta, que é o objectivo central dos nossos estudos.

sidade da Flórida, que trabalhava Archie Carr (o famoso cientista de tartarugas). Depois de receber os dados telefonou-me excitadíssimo, pois, os tamanhos das tartarugas dos Açores eram os que faltavam na Florida! As tartaruguinhas nasciam nas praias da Florida e pouco tempo depois desapareciam daquelas águas. Estava então provado que elas atravessam o Atlântico com a ajuda das correntes.

Originária da Noruega, de mares muito frios, nunca tinha visto uma tartaruga viva. Foi o meu amigo João Carlos Fraga, que partilhava comigo o interesse pelo mar, que me mostrou uma, pela primeira vez, na doca da Horta. Mas como começar as marcações do nada? Por acaso, um dia, num café da Madalena do Pico, li um aviso, posto para chamar a atenção dos pescadores, que alertava para quem encontrasse tartarugas marcadas, para contactar Alberto Pombo no aeroporto de Santa Maria! Sr. Pombo era um naturalista amador que tinha começado a marcar tartarugas com o seu grupo “Jovens Naturalistas”. E foi com as suas marcas que pudemos iniciar o programa de marcação! Estas marcas estavam inscritas no Departamento de Biologia da Universidade da Florida (U.F. Gainesville USA). Em 1984 quando marcámos 41 tartarugas enviámos-lhes os resultados (número da marca e medidas tiradas a cada tartaruga). Era nesse departamento da Univer-

Continuámos com estudos mais avançados: Estudos genéticos (DNA mitocondrial) mostraram-nos que a maioria das tartarugas que aparecem nos Açores vêm dos Estados Unidos e não do Brasil ou das praias da Grécia. Por outro lado, a utilização de tans-

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20 10 0

2,5

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carapace length (cm)

Nos tempos antigos as tartarugas marinhas que apareciam à volta das ilhas dos Açores eram um segredo dos pescadores. Por vezes apanhavam-nas à superfície das águas e serviam para alimentação e utilizavam a carapaça para fins decorativos.

percent

Helen Rost Martins

missores por satélite permitiu-nos mapear as suas rotas no oceano Atlântico. Contudo a maior preocupação com as tartarugas é o perigo de extinção. Todas as tartarugas marinhas estão classificadas como “Espécies em Perigo” na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. Aqui na nossa parte do Atlântico o principal problema é a frota de pesca que acidentalmente pesca milhares de tartarugas todos os anos. Sobre este problema falaO nosso programa continuou e em 1990 rei numa próxima edição do FAZENDO. pedimos cooperação da frota atuneira do Faial e do Pico. Nesse ano os pescadores marcaram 298 tartarugas e no ano seguinte 326. Os resultados chegaram a pouco e pouco. A primeira travessia transatlântica foi documentada em 1994: uma tartaruga marcada pelo atuneiro “Monte do Pico” no dia 18 de Junho de 1991, foi apanhada em Cuba no dia 26 de Fevereiro de 1994! A seguir chegaram notícias de recapturas de tartarugas marcadas nos Açores, na Carolina de Norte, Nicarágua e Florida. Os tamanhos e as datas de marcação e recaptura servem para calcular o crescimento dos animais.


Teatro de Giz e Daniel Pinto workshop de Março

Daniel Pinto respondia a perguntas do jornalista do Tribuna quando cheguei ao Banco de Artistas para o entrevistar para o Fazendo. Uma rapariga ouvia, em silêncio, as respostas que ele dava em voz bem colocada, a linguagem bem escolhida e postura corporal típica de quem tem consciência disso mesmo, expondo pensamentos de uma mente notoriamente informada e plena de ideias. A disposição deste pequeno grupo de pessoas, com o Daniel de um lado de uma secretária e ambos os ouvintes do outro, todos muito próximos, fazia lembrar uma consulta, fosse ela médica ou de outra qualquer outra natureza. Tive a sensação de entrar em cena. Mesmo enquanto ainda só assistia ao fim dessa entrevista, já quase sentia a obrigação de adoptar um papel para mim, nem que fosse só esse, o de espectadora. Daniel Pinto, actor, encenador, chegou ao Faial vindo do norte do país, para leccionar um workshop com o Teatro de Giz. Explica-me que criou quando vivia pai solteiro com a sua filha pequena, um Clube de Leitura. Abria a porta de sua casa para em conjunto com outras pessoas ler textos dramáticos. Chamou-lhe depois mais tarde e recuperando um nome com ecos oitocentistas: Grémio. Com a sua energia e em apenas uma semana que foi o tempo que passou aqui, pôs um conjunto de gente (sobretudo mulheres) a ler uns para os outros e para quem quisesse aparecer no Banco, no jardim em frente, no Lar dos Idosos. Os textos iam de Gogol (“O Inspector”) a micronarrativas de Tonino Guerra e a textos que abordam narrativa e medicina, numa estrutura inspirada na linha da vida: o amor, envelhecer, a guerra/ morte. Tudo isto num único sábado. Diz que gosta de fazer coisas assim: já! Não terá sido feito à pressa. Finalizada a entrevista, em conversa mais casual (casual é coisa que ele não é) diz-me que se sabemos como nos melhorar, que temos o dever de o fazer, de nos aperfeiçoar. Tento aliviar: não é que deva ser vista como uma obrigação, realmente? Ele concorda, e acrescenta: mas esse é o meu papel aqui, tenho que puxar por eles. Aí percebi que ainda estávamos a falar da formação. E acho que é para isso mesmo que o Teatro de Giz manda vir gente de fora. E parece que deu resultado. Agora já em Abril haverá outro com Gonçalo Amorim.

O Novo Grémio Literário Faialense Fernando Nunes O Teatro de Giz apresenta na próxima quinta-feira, dia 2 de Abril, o novo grémio literário faialense. Trata-se de um clube de leitura alargado e tem como objetivo principal a dramatização de textos teatrais. Estes escritos que, podem ir dos textos clássicos até a peças contemporâneas, serão lidos por amadores de teatro e restantes espectadores, pois o propósito deste ensejo é privilegiar o modo colectivo de ler em voz alta sem qualquer tipo de constrangimento ou condicionalismo. O primeiro texto que será lido é O Inspector Geral, de Nikolai Gógol. Este dramaturgo russo, de origem ucraniana, escreveu esta peça em 1836. “O Inspector Geral” é uma peça de teatro que retrata a realidade de uma aldeia que está prestes a ser visitada por um Inspector Geral, num discurso transmitido à população por um presidente da câmara sem noção do ridículo, populista e, porque não dizêlo, corrupto. Nessa visita anunciada do Inspector verificamos que isso é motivador de medos, farsas, intrigas e momentos hilariantes.

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sociedade

Uma viagem

uma pesquisa uma mudança

um Valz

Nina Soulimant

“Mas, como é que tu chegaste nesta ilha a primeira vez?” Isso deve ser uma das perguntas que oiço mais desde os cinco anos que vivo na ilha das Flores. Cada pessoa que passa o portão de casa e muitos florentinos já se perguntaram o que é que esta moça francesa esta aqui a fazer… Esta história começou há um tempo, quando ouvi falar dos Açores nas minhas aulas de geografia, na Universidade de La Rochelle em França. Fiquei curiosa da paixão por estas ilhas que sentia atrás das palavras do Professor Marrou, e do brilho que alguns amigos traziam no olhar, de regresso de viagem transatlântica. Sonhando, sonhando, o vento acabou por me trazer até aqui. A aventura iniciou-se com uma simples viagem turística há nove anos, visitando uma amiga belga que participava no programa Eurodisseia em São Miguel. E então a magia das ilhas começou o seu encanto… Em quinto ano de Geografia, decidi estudar os actores envolvidos na eutrofização das lagoas de São Miguel, com a ajuda do departamento de Geografia da Universidade de Ponta Delgada. E a seguir, dediquei quatro anos de doutoramento a percorrer e estudar várias ilhas dos Açores, e além dos nossos mares. Assim brotou o escrito: “Enfrentar a mudança e reinventar ilhas”. A ideia central desta pesquisa era destacar as mudanças fundamentais que tocaram as ilhas durante o século XX (e mais especialmente os espaços insulares integrados no seio da União Europeia) e perceber melhor a relação entre o passado destas ilhas e a construção dum futuro mais equilibrado e sustentável. Dito de outra maneira: demonstrar o potencial disponível para desenvolver um bem-viver nas ilhas. Estudei mais especificamente Santa Maria, Pico e Flores, e três ilhas do arquipélago das Hébridas, na Escócia. Ao escavar, emergiram reviravoltas importantes que alteram imensamente a vida insular nos últimos 50 anos. Mudança de ciclos económicos, emigração, entrada na União Europeia e na PAC, abertura ao mundo com os transportes aéreos, chegada do turismo, conexão a internet, entrada na era da protecção ambiental… Tantas transformações importantes em tão

pouco tempo! Mas além do melhoramento das condições de vida criado por estas mudanças, observamos também consequências problemáticas deste “desenvolvimento” (poluição agrícola, dependência económica e alimentar, degradação do estado de saúde, envelhecimento e emigração da população insular…etc.) Mas como tudo se equilibra, apareceram ao mesmo tempo progressivas tomadas de consciência dos desequilíbrios criados. É aqui que nasce o potencial que permite fazer evoluir as ilhas para lógicas novas, usando as suas heranças históricas, aliadas com uma gestão adequada e pensada com bom senso. Estes anos permitiram-me aprender imenso sobre o arquipélago açoriano, mais que uma tese, foi uma viagem de descobrimento dos Açores e uma semente para criar o espaço que hoje em dia esta no centro da minha atenção e do meu companheiro, João: o Valzinho. Porque além de constatar os factos, escrever e ter ideias, o papel dos científicos é também de propor soluções e oferecer propostas concretas à sociedade. Foi desta vontade de transformar o dizer pelo fazer que surgiu a decisão de viver na ilha das Flores. É triste observar que os belos discursos, estudos e teses apaixonantes ficam nos armários das bibliotecas ou nos corredores dos colóquios. Carecemos é de substância. Daqui a escolha de pôr a minha tese em prática: enfrentar a mudança e reinventar as Flores? Grande programa, ambicioso, sujeito ao fracasso e a desilusão, mas ao mesmo tempo, como dizia o Gandhi, temos que ser a mudança que queremos ver no mundo. É através dos pequenos actos e é à nossa escala de seres humanos que uma real mudança pode acontecer. Assim nasceu, passo a passo, o espaço chamado o Valzinho. É um vale da freguesia de Fazenda das Lajes, que era abandonado, com casas em ruína e quintas invadidas pelo mato, transformado aos poucos num oásis onde se encontram terra e arte numa explosão de criatividade, de encontros improváveis de ilhéus e extraterrestres, de plantas tropicais e endémicas, onde acontecem eventos culturais, culinários, humanos. A nossa pedra no melhoramento da vida insular passa muito na partilha com os vizinhos florentinos, na simplicidade do conviver diário, nos pequenos gestos e escuta de histórias dos antigos, na troca de legumes e plantios. Mas também trazendo os nossos mundos longínquos e

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cinema

Balaou

zinho experiências distintas, de fora para cá, sendo uma janela sobre um além colorido e alegre nos dias de nevoeiro espesso. Acreditamos que a ilha sonhada corresponde a uma realidade tangível. Assim dando vida a este sonho, damos vida a mil outras possibilidades. Em Maio de 2014, juntando nove pessoas residentes na ilha das Flores, criamos a Associação Cultural “Reinventar ilhas”. Esta associação civil de direito privado, sem fins lucrativos, tem como objecto social “dinamizar e trazer uma nova visão de evolução para a(s) ilha(s) através das artes em geral, da partilha cultural, da gestão sustentável da natureza e do acesso a práticas holísticas, contribuindo para o desenvolvimento, a realização e a auto-responsabilização, tanto individual como colectiva do Ser Humano”. Lindas palavras pois… que cada dia tentamos pôr ao serviço da comunidade insular de várias maneiras. Diariamente, passa por escolhas de consumo que tentam aproveitar ao máximo os recursos disponíveis na ilha e os produtos da nossa freguesia, cultivo duma parta da nossa comida em hortas e pomares, reciclagem de materiais jogados ou desapreciados, uso de produtos de limpeza ecológicos, casas de banho secas… etc. Durante a semana, há actualmente aulas de yoga para principiantes e partilhas informais sobre cozinha saudável, plantas medicinais, arquitetura e troca de livros. Mais ocasionalmente, organizamos eventos, como em Junho de 2014 quando acolhemos o Azores Fringe Festival, pela primeira vez no grupo ocidental do arquipélago. Durante este fim-de-semana, vieram mais de cem pessoas das Flores, visitantes de outras ilhas e outros países (França, Espanha). De maneira geral, sujeitos de muitos países do mundo já nos visitaram e passam no vale ao longo do ano. Ajudam como voluntários, curiosos, amigos, viajantes de passagem, espalhando a magia do Valzinho além das fronteiras conhecidas. Estamos agora na nossa primavera, as sementes que plantamos começam finalmente a germinar…

O primeiro filme de Gonçalo Tocha em exibição no Faial

com a presença do realizador Balaou é um hino aos Açores. Este foi o primeiro documentário de Gonçalo Tocha, estreou em 2007 e só depois deste nasceram o “é na terra não é na lua”, o “torres e cometas” e o mais recente “a mãe e o mar”. Quando vi o Balaou, no ano da estreia, nasceu em mim uma vontade de conhecer, de viajar aqui, de viver, entre as ilhas. Aqui podemos navegar com os pés bem acentes na terra. Não sei o que vos vai acontecer depois de verem este filme, mas acreditem, algo vai mudar. Espero que todos os navegadores de todos os barcos venham conhecer os Açores por dentro. Espero que todos os habitantes de todas as freguesias venham conhecer os Açores por fora. É um filme viagem, um poema em constante reflexão, e pensava eu que o que atraía novos habitantes e novos turistas para os Açores eram anúncios com casais a beijarem-se na Lagoa do Fogo… Dividido em três momentos e oito lições, BALAOU é uma viagem para aceitar o esquecimento das coisas, porque quando algo não está bem, temos de provocar novos encontros, procurar é preciso; e no mar, no mar há muitas ondas onde procurar.

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13 de Abril na Biblioteca Pública

a

Tomás Melo

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Evocação de António Borges Coutinho

sociedade

Bruno da Ponte

Borges Coutinho foi, sem dúvida, a grande figura da luta anti-fascista em São Miguel No dia 3 de Fevereiro deste ano, recordei-me de que quatro anos antes, no mesmo dia e mês de 2011, faleceu a relevante figura singular de António Eduardo Borges Coutinho. Senti, então, o desejo de publicar este texto como forma de prestação da minha homenagem e de, caso fosse viável, contribuir para que, através do relato de alguns episódios ocorridos no decurso da nossa longa e próxima convivência, relembrar aspectos da sua personalidade, provavelmente ignorada pelas gerações mais jovens.

mundo em que vivíamos. O pensamento do Borges Coutinho era, na altura, fortemente influenciado pela obra de António Sérgio e Agostinho da Silva, que eu também conhecia, mas que encarava criticamente em resultado da minha formação marxizante, embora anti-stalinista e heterodoxa, afastada, por isso, da cartilha oficial.

Borges Coutinho era um homem bom: inteligente, culto, leal, extraordinariamente corajoso e com enorme sentido de solidariedade. E toda a sua vida se pautou por uma elevada consciência dos seus deveres como cidadão. Essas facetas não excluíam, porém, um elevado sentido de humor. Conheci-o em meados de 1955. Após alguns anos de ausência de São Miguel, ocupava os meus dias no cumprimento do serviço militar no quartel dos Arrifes. Sentia dificuldades de reintegração social em resultado de uma vivência diferente, que me marcara profundamente. Com raras excepções, alguns dos antigos companheiros estavam ausentes e outros haviam-se dispersado em novas actividades e separavam-nos as diferentes experiências que percorrêramos. A minha mulher chegara recentemente aos Açores, onde não conhecia ninguém. O nosso refúgio passou a ser os frequentes serões em casa do Borges Coutinho e da sua mulher, a Conceição (minha antiga colega no Liceu de Ponta Delgada), onde ouvíamos música e, sobretudo, discutíamos política e o

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Mas as nossas divergências, expressas por vezes acaloradamente, não afectavam a amizade que se criou e contribuiram para o enriquecimento dos meus pontos de vista e eram superadas pelo nosso comum desagrado em relação ao regime vigente em Portugal. Pouco depois de terminado o serviço mi-

litar, e já regressado a Lisboa, tive uma prova evidente da sua solidariedade. Conjuntamente com a minha mulher, Clara Queiroz, embrenháramo-nos numa polémica com um professor primário sobre questões pedagógicas, mais precisamente, sobre o papel dos castigos corporais no ensino, enquanto ainda em São Miguel. Vim a saber que, alheado de qualquer contexto, o nosso opositor distribuíra um panfleto que nos denunciava como estando a soldo de Moscovo e, na prática, apelava à nossa detenção. De imediato, Borges Coutinho (e houve outras manifestações — Ruy-Guilherme de Morais, um grande amigo, e de Dias de Melo, que na altura não conhecia, e, professor, punha em risco o seu ganha-pão), surgiu a defender-nos e pondo a nu a inconsequência e a baixeza de tal atitude. E quando, em 1967, a PIDE encerrou a minha editora — Edições Minotauro —, apossando-se de todos os seus bens, foi também Borges Coutinho quem generosamente se ofereceu para dirigir juridicamente todos os meus esforços de reverter a arbitrária decisão repressiva. A meu aviso, Borges Coutinho foi, sem dúvida, a grande figura da luta antifascista em São Miguel, do final dos anos 1950 até ao 25 de Abril de 1974. Conseguiu reunir um grupo de jovens que o apoiava nas suas actividades, teve um papel preponderante na campanha eleitoral a favor da eleição de Humberto Delgado (que chegou ao ponto de utilizar o palácio da família, onde residia, como sede da campanha) e influenciou a emergência de uma nova geração de opositores ao regime, entre os quais se contavam Mário Mesquita, Medeiros Ferreira e Jaime


Teve um papel preponderante na campanha eleitoral a favor da eleicão de Humberto Delgado (que chegou ao ponto de utilizar o palácio da família, onde residia, como sede da campanha) Gama. E participou, ainda, na tentativa de construir um apoio, em que se destacou também particularmente Melo Antunes, ao falhado golpe de Beja. As suas actividades conduziram-no a um prolongado período de prisão às mãos da PIDE que tive a oportunidade de acompanhar. Com efeito, a Conceição, a sua mulher solidária com as suas posições e igualmente corajosa, deslocou-se a Lisboa para o acompanhar e hospedou-se no apartamento em que vivíamos. E numa das tentativas de o incriminarem, eu fui submetido a um dia inteiro de interrogatório na PIDE. Mais tarde, e quando eu e a família estávamos exilados na Escócia, foi com enorme alegria que recebemos a sua visita em Edimburgo, onde então residíamos. Encontrei-o uma última vez, pouco tempo antes do seu falecimento, num restaurante em Ponta Delgada, onde, já um tanto debilitado, mas lúcido e determinado como sempre, mantivemos uma emocionada conversa. Sinto ainda hoje o seu desaparecimento com enorme consternação.

Nuno Machado 1973-2015

Ruth Bartenschlager

Estamos no ano de 1998, o ano do sismo. A semana do mar está cancelada e todo o Faial está ocupado pelas pedras e a tristeza. Todo? Não! Um jovem homem entrou, em fim de Julho, na minha loja a falar em fazer uma Semana do Mar alternativa e a perguntar se eu podia fazer publicidade para isto, uma cena diferente que trouxesse divertimento e distracção ao nosso mundo de pó e pedras, a acontecer no Castelo de São Sebastião. Assim conheci o Nuno Machado. Na altura ele era estudante em Lisboa e passava todas as suas férias aqui. A semana foi um sucesso: houve exibições de fotos e pinturas, apresentações de poemas e textos absurdos (tão absurdos como a nossa situação: vivíamos todos em tendas); havia uma nova forma (para nós) de um desfile de moda com manequins gordos e baixinhos em roupas de segunda mão… o meu highlight foi uma adaptação de Tabucchi ´A mulher do Porto Pim´ - uma pantomina de meia hora com um casal a conduzir, em que a mulher era o elemento mais dominante… bem, era uma adaptação muito livre… A partir deste ano o Nuno em cada uma das suas férias trouxe qualquer coisa nova à ilha: ele introduziu no Faial as pinturas de Frida Kahlo e as fotografias de Cindy Sherman, ele foi DJ com músicas que nós nunca tínhamos ouvido (lembre-se: ainda não havia a internet...) e organizou exposições de artistas do continente. O ano de 2003 foi passado inteiramente aqui, a transformar o Teatro Faialense num espaço aberto de visões e cultura, a explorar as possibilidades e hipóteses que o teatro podia ter e organizou uma inauguração não oficial (inoficial): além das visitas guiadas até aos últimos pisos do palco, converteu a sala de som/luz num quarto branco, coberto de farinha com uma personagem também tapada com não sei quantos quilos de farinha e quem entrava deixava pegadas brancas para o resto do dia; havia uma senhora de idade a recitar textos em francês com uma mímica gelada, sem interrupção; um quarto (ironicamente este quarto é o escritório agora) foi transformado num quarto de cama, numa instalação absurda e perturbada. Depois de 2006 começou a criar e adaptar peças de teatro em Lisboa e alguns de nós aqui tínhamos o prazer de as partilhar, cada uma era melhor do que a anterior, mas ele continuava a passar as suas férias aqui cheio das ideias novas - no verão passado criou um programa na Rádio Antena Nove, onde diariamente havia um convidado a falar de música, de tópicos actuais e das suas vidas em geral. Para o Faial o Nuno era uma pessoa que ajudava a transformar e a inspirar a nossa vida cultural numa cena mais moderna, mais alternativa, numa cena com mais visões. Ele explorou a sua procura do sentido da vida de todas as formas existentes. No dia 3 de Março de 2015 o Nuno Machado fez a sua última encenação, numa viagem aos mundos (desconhecidos) dos descobrimentos - que nos deixou tristes, vazios e com perguntas sem resposta. PS: Além de tudo era um verdadeiro cavalheiro e um bom amigo. *

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história

S S U O

Nunca foi esquecido, pela comunidade de mergulhadores da ilha Terceira, tanto de apneia, como de escafandro que, ao largo da Grota do Vale, Atalaia, ali naufragara um navio da Segunda Guerra. Diziam tratar-se de um navio português que havia sido afundado um submarino alemão. Ao longo de décadas, esse navio serviu de complemento económico a algumas famílias, que do fundo marinho haviam retirado metal destinado aos sucateiros, compondo assim os minguados rendimentos do agregado. Entre fevereiro e março de 2015, a Direção Regional da Cultura em colabo-

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8 2 2 T LS eir o Pa r r r d e P Net o e s í u L J os é

ração com Diveropus, procederam ao reconhecimento do local, encontrando os vestígios de um navio profundamente desmantelado, distribuído em três núcleos, sendo um primeiro constituído por fragmentos de chapas de ferro dispersas, um segundo constituído por uma parte de convés, em ferro, de forma aproximadamente quadrangular, com cerca de dois metros de lado e um terceiro de ferros vários e pontuais obuses dispersos. Estes localizam-se ao longo do alinhamento da costa, no seguimento das baixas, a uma profundidade de – 12 metros. Detetara-se o desaparecido navio americano LST-228.

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Após uma série de pesadas derrotas e retiradas das forças britânicas, nomeadamente a retirada inglesa na batalha de Dunkirk, em 1940, os aliados depararam-se com a necessidade de criação de um novo tipo de embarcação, que fosse capaz de suportar um grande número de veículos pesados, associado a uma boa capacidade de manobra, facilitando uma célere invasão ou retirada, sem grandes perdas humanas ou materiais. Seguindo um modelo planeado por Winston Churchill, ainda no ano de 1940 iniciam-se os esforços para remodelar alguns cargueiros britânicos, adaptando-os a essas necessidades. Nas-


O modelo Mark.2, iniciou a sua produção em massa em 1942. Cerca de 1000 navios foram criados, entre eles o “LST228”. Eram embarcações com cerca de 100 metros de comprimento, 15 de largura e capacidade para carregar 2100 toneladas. O convés dividia-se em duas seções, uma inferior com capacidade de transporte de 20 tanques e uma superior para veículos de médio e pequeno porte. Em média, eram tripulados por 120 soldados e 10 oficiais, guarnecidos com algumas metralhadoras pesadas e peças antiaéreas. Equipados com dois motores a diesel conseguiam adquirir uma velocidade máxima de 11,5 nós. A sua presença foi crucial nas mais importantes batalhas do conflito. Atualmente o USS LST-325 encontra-se musealizado em Ingalls Harbor, no Alabama, tendo como missão explicar como se construíram e como se vivia a bordo naquela embarcação durante a Segunda Guerra. A 25 de setembro de 1942, nos estaleiros de Seneca, em Chicago, nos EUA, deu-se por concluído o “LST-228”. Nos últimos meses de 1942, o “LST-228” encontrava-se em Nova Orleães, nos Estados Unidos, para treino e abastecimento com alguns veículos, materiais construtivos e mão-de-obra, a ser transportada para a Terceira, com o objetivo de auxiliar a construção da Base das Lajes. O tráfego aéreo no Atlântico nas primeiras décadas do século XX forçou as autoridades a formular uma solução que desse resposta a esta nova realidade. Para o governo português solidificar a posição atlântica permitia proteger os interesses ultramarinos. No final de 1939, Salazar encontrava-se perante uma delicada si-

A questão agravou-se com as sucessivas pressões, da parte dos Aliados, para que os Açores fossem alvo de reforço militar.

ce a primeira classe LST (Landing Ship Tanks), designada por Mark.1. Com o auxílio dos EUA, adjudica-se a criação de um novo tipo de embarcação ao “Bureau of Ships”, que, coordenados por John Niedermair, completam os primeiros protótipos em novembro de 1941. A principal inovação tecnológica consistiu num alargamento do sistema de lastro, permitindo a entrada de água em grandes quantidades em alto-mar, o que aumentava a margem de manobra do navio. Com o auxílio de bombas de drenagem, em situação de descarga de tropas e veículos, esta água era expulsa do lastro, facilitando a atracagem em locais de baixio.

tuação política. A presença constante de forças alemãs no Atlântico revelava-se uma ameaça. A posição oficial de neutralidade impedia a tomada de medidas abertamente hostis. A questão agravou-se com as sucessivas pressões, da parte dos Aliados, para que os Açores fossem alvo de reforço militar. A construção de um aeródromo na Achada, Terceira, na década anterior, não se revelou resposta suficiente. Preconizou-se então construir um novo centro militar na zona das Lajes. O projeto teve início em 1941, tendo sido acompanhado por Humberto Delgado e executado por João Romão. No ano seguinte, chegam as novas forças militares à ilha. Entretanto, e atendendo ao potencial estratégico do arquipélago, as forças aliadas discutem a possibilidade de invadir os Açores. Por via de um contato diplomático realizado durante o início das preparações de uma invasão, a Inglaterra invocou o centenário tratado Luso-Britânico, com o intuito de utilizar as infraestruturas das Lajes. Os EUA manifestaram também interesse na base, enviando forças de engenharia, materiais e veículos para auxiliar no processo, ainda que de forma dissimulada. A 19 de janeiro de 1943, o “LST-228” encontrava-se na baía de Angra do Heroísmo, onde tinha vindo descarregar reforços americanos para os trabalhos da base das Lajes. O mau tempo atingiu fortemente naquele dia. A tempestade abateu-se sobre o navio, forçando à quebra das correntes de ancoragem e empurrando-o na direção dos rochedos. Nos dias que se seguiram, novas vagas tempestuosas provocaram um pequeno incêndio na sala das máquinas, o que impossibilitou o resgate de toda a carga e provocou o pânico entre os tripulantes e a população, dado o número elevado de munições que a embarcação carregava. Contudo, as próprias vagas marítimas foram suficientes para apagar o fogo, ainda que os estragos tenham sido elevados, forçando as autoridades a declarar o navio como perdido. Criar-se-ão agora as condições que permitam a sua visita a mergulhadores, no âmbito da reestruturação do parque arqueológico subaquático da baía de Angra.

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Montra de livros Carlos Alberto Machado Companhia das Ilhas

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Edição: Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, 2005, 100 páginas

(…) Em Mau tempo e má sorte estamos situados na ilha, numa ilha que só poderia ser açoriana quando os narradores e narradoras da autora assumem por inteiro a sua fatalidade de relatores, na primeira ou terceira pessoas, dos que giram à sua volta, e com eles e elas partilham um lugar e uma tradição (…) As linguagens destes contos são feitas tanto da erudição insinuada dos narradores, como de saberes populares, movimentam-se livremente entre a descrição convencional desta gente e suas vidas, com os dizeres, crenças e superstições que subjazem a própria comédia teatral em que se tornam todas estas narrativas. Desde a esposa que se suspeita traída e velhas burguesas ridículas e psicossomáticas a famílias rurais extensas e comicamente alinhadas em usos e costumes a bêbedos de taberna, estas ficções começam com uma viagem a Lisboa e acabam com duas amigas a enviar mensagens crípticas no telemóvel sobre amores e ódios, o mundo citadino uma mera continuação da ruralidade acéfala em que se encontram todos, a geografia indo de uma Ponta Folgada a uma terra de nome Asa de Grilo, a ilha, uma vez mais, tornada palco em miniatura da loucura e excentricidades sem fim de cada um e de todos (…) A literatura como espelho – reflexo distorcido, mas também ora claríssimo ora de sombras no que nos singulariza e aproxima de todos os outros.

Manuel Tomás

Mau tempo e má sorte. Contos pouco exemplares é o livro vencedor da primeira edição do novo concurso literário do Governo dos Açores, através da Secretaria Regional da Educação e Cultura/Direcção Regional da Cultura, que traz o nome de Prémio de Humanidades Daniel de Sá (2014). Eis a leitura que dele faz o crítico Vamberto Freitas (em 27 de Janeiro, na sua página net):

AINDA HÁ A CHUVA A CAIR

MAU TEMPO E MÁ SORTE. CONTOS POUCO EXEMPLARES

Leonor Sampaio da Silva Edição: Direcção Regional da Cultura, Angra do Heroísmo, 2014, 120 páginas.

literatura

Manuel Tomás é mais conhecido na escrita como autor de crónicas na imprensa e divulgador da literatura açoriana, mas nos últimos anos tem publicado trabalhos de poesia – e já este ano também se estreará no romance, com O Pintor Excessivo (Parsifal). Depois de Maroiço (também editado pela Companhia das Ilhas, em 2013), surge este Ainda há a chuva a cair, que tem como leit motiv o tempo: o tempo é inexorável, por isso tentamos jogar com ele, na medida em que nos faz contar, sentir, amar, recordar e, às vezes, ficar sem tempo e, então, em tempo de tanta seca, ainda há a chuva a cair, na poesia e nas vidraças das janelas da vida – diz-nos o autor. Trata-se de uma poesia sem arrebiques, profundamente ligada à terra picarota e açoriana: “Estou sempre a chegar / a um porto que não existe. / Cresceu o salgueiro / em sofrimento / e as cagarras cantaram / em concerto puro.” [de “Sempre à espera”] Manuel Tomás nasceu em 1950 na ilha do Pico. Obras publicadas: O Pintor Excessivo (romance, Parsifal, 2015), Maroiço (poesia, Companhia das Ilhas, 2013), Picolândia (crónicas, Companhia das Ilhas, 2012), Entre sei lá e o quê (poesia, Edições Vieira da Silva, 2012), A Música das Sete Cidades (ensaio, CAIP, 1999), ‘Miragem do tempo’ de Tomás da Rosa (edição crítica, Núcleo Cultural da Horta,1996), Eça de Queirós, Fernando Pessoa e Sttau Monteiro (ensaios, Didáctica Editora, 1978), Elementos para um estudo actualizado da língua (ensaio, Didáctica Editora, 1978). Organizou e fixou o texto de dois livros de contos de Tomás da Rosa, editados pelo Núcleo Cultural da Horta: Ilha Morena (2003) e A tarde e a sombra (2005).


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“AMOSTRAM’ISSE” - Mostra de Cinema dos Açores consiste num evento com exibição de filmes realizados recentemente na região, contando com o apoio do Governo dos Açores e o patrocínio da SATA, e tem por principal objetivo abordar a situação atual do cinema na região. Felizmente continua-se a falar muito de cinema nos Açores, devido principalmente a projetos como o “AMOSTRAM’ISSE”, e outros eventos organizados por várias entidades, fazendo com que exista cada vez mais visibilidade dos jovens criadores açorianos, permitindo-lhes exibir os seus filmes. E são muitos os casos de qualidade e inovação que continuam a surgir todos os anos, sendo o grande objetivo desta mostra permitir que o público tome contacto com essa realidade. Desde 2013 o evento percorreu as cidades de Angra do Heroísmo, Horta, Ponta Delgada e Lisboa, passando em 2014 pelo Porto, Toronto, Pawtucket, Fall River e North Dartmouth. Estão previstas ainda várias deslocações ao continente português, assim como ao Canadá e Estados Unidos a partir de Abril de 2015. O projeto naturalmente transformou-se em itinerante, sendo organizado onde surgem os apoios necessários para o efeito, sempre numa perspectiva de divulgação e promoção. Em novembro de 2014, regressou à Horta, mais especificamente ao Teatro Faialense, onde mesmo contando com pouca adesão do público, cumpriu o papel de disponibilizar à população um conjunto de filmes que de outro modo seria impossível.

Miguel Costa

MOSTRA DE CINEMA DOS AÇORES

MOSTRAM’ISS

cinema

Nesse espírito, foram exibidos no primeiro dia os filmes Suicídio, de Sara Azad, uma curta-metragem em animação, que aborda um tema sensível mas real, de 2012; de seguida Varadouro, de Paulo Abreu e João da Ponte, um filme de cariz experimental, realizado durante o encontro Doc’s Kingdom, no Faial, em 2013; e a terminar, Meu Pescador, Meu Velho, um ternurento documentário de Amaya Sumpsi, uma espanhola que se apaixonou pelos Açores e por Porto Formoso em particular, onde acompanha um conjunto de pescadores ao longo de 7 anos e de várias transformações sociais decorrentes. Na segunda sessão apresentámos mais um filme de Luís Bicudo, Funeral Artístico de um Projecionista, um documentário deste já profícuo realizador faialense, num registo tipo manifesto de um personagem muito particular, de 2013; de seguida exibiu-se História dos Açores, de Tiago Rosas e Victor Descalzo, de 2012, um filme em animação sobre a cultura e lendas da região, numa perspetiva apelativa para os mais jovens; a concluir, Ser Ilhéu, de Francisco Rosas, um exemplo da ficção que se produz nos Açores, com todas as dificuldades inerentes, onde se aborda a temática da solidão e do isolamento, produzido em 2013. No último dia do evento, exibiram-se Ponta dos Rosais, de Dinarte Branco, num outro exemplo de ficção, mais experimental, sobre um grupo de amigos em passagem pelo grupo central, também de 2013; e a terminar a mostra, outro sensível documentário, Herberto, de Bruno Sousa, sobre um ativo nonagenário e a sua realidade, plasmada pela poesia das ilhas, num filme de 2013.

Precisamos trabalhar mais e melhor a divulgação e promoção? Sempre! No início de março decorreu também pela segunda vez o evento em Angra do Heroísmo, estando as três sessões com um número muito interessante de público, fidelizado de outros eventos relacionados com cinema não comercial, mas aderiram.

O feedback do público foi excelente, e outra coisa não seria de esperar perante tais exemplos de criatividade, poesia e profissionalismo – a surpresa de quem assiste é notória, pois da inicial curiosidade em ver um filme realizados nos Açores, à surpresa com a qualidade do trabalho, a distância é enorme.

Apresentaram-se nestas duas últimas organizações um conjunto de curtas e longas-metragens de ficção e documentário, de filmes de 2012 e 2013, e que pretendem não mostrar os “melhores” filmes dos Açores, pois para isso não temos competência nem intenção, mas sim um grupo heterogéneo e diversificado de filmes, de diferentes géneros, estilos e durações.

Esperamos continuar a congregar os apoios necessários para a continuidade deste projeto, sempre com uma forte vertente de promoção da língua portuguesa junto das comunidades de açor-descendentes , assim como a proporcionar possibilidades aos criadores regionais de exibirem os seus filmes e ao público da região de os poder assistir.

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Entr Mo

Tomás M

O que é que pequeno-almoçaste? Pão de milho, café, queijo, doce de amora, fruta. Estou em São Caetano, no Pico. Se o Conde Drácula viesse cá às ilhas onde o levarias? Nunca o levaria aos pastos, por piedade dos animais. Esperaria pela noite, entrávamos numa pick-up, ligávamos o auto-radio e faríamos voltas à ilha, sem parar, até ao amanhecer.

Esperaria pela noite, entrávamos numa pick-up, ligávamos o auto-rádio e faríamos voltas à ilha, sem parar, até ao amanhecer. *

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Qual é a semelhança entre o Pico e o Faial? Oh, uma sem a outra não seriam a mesma coisa.. Se não gostas de chuva o que é que estás aqui a fazer? Mas eu gosto de chuva! E de vento, blocos de nuvens com sol, de nunca saber o que me espera no mesmo dia. Na escola que outra “disciplina” deveria ser obrigatória? Por exemplo, algumas disciplinas que senti falta enquanto andei na escola: mecânica, trabalhos manuais, natação, ética e amor.


revista com o orcego

Melo

Nome Gonçalo Tocha Idade 36 Profissão Filmador e Entertainer

história

Museu Adentro Ana Lucía Almeida

O Museu de Angra do Heroísmo deu início a um novo projeto intitulado Museu Adentro, inaugurando a 10 de março uma mostra de paramentos antigos da Igreja do Colégio de Angra do Heroísmo, em resultado de uma parceria com a Ordem Terceira de Nª Srª do Carmo. O projeto Museu Adentro consubstancia a missão institucional de divulgar e potenciar as coleções e áreas temáticas representadas no acervo deste Museu Regional e no seu âmbito é intenção do MAH organizar mostras de peças, oriundas quer das suas reservas, quer facultadas para esse fim por entidades externas, que, pela sua natureza, se associem às temáticas dos diferentes núcleos que compõem a exposição Do Mar e da Terra… uma história no Atlântico. À semelhança do que aconteceu aquando da inauguração da mostra de paramentaria antiga Vestir a Fé, assinalada por uma comunicação de Maria Manuel Ribeiro Velasquez, técnica-superior do MAH, a cada uma destas exposições será associada uma comunicação de um especialista, de forma a explicitar o valor patrimonial, museológico ou afetivo das obras ou artefactos apresentados.

Porque é que tens alguns projectos na gaveta? Nem gavetas nem armários. As coisas, ao contrario das ideias, não existem se não estiverem feitas. O que é que odeias na internet? O problema é ter rede em, quase, todo o lado… Que forma de arte é que te aguça os caninos? A arte de apanhar um bom peixe, ou de fazer umas boas brasas. A arte de fazer arte que diga muito a, pelo menos, uma pessoa. O que é que gostavas de ter nascido? Nada em particular, ninguém pode escolher, é a regra da aceitação Gostavas de ir morrer longe? Sim, a morte é sempre um sitio longe e quanto mais longe melhor.

Com o Museu Adentro, o MAH pretende continuar a chamar a si a comunidade em que se insere, facultando-lhe (in)formação no âmbito da história, da arte, da religião e também da ciência e da técnica. Paralelamente, está a ser editado um boletim em formato digital, que, mediante a colaboração com um fotógrafo, concilia o descritivo ou comentário das peças com uma fotografia de natureza artística que a valoriza esteticamente. A primeira edição conta com a participação do fotógrafo José Guedes da Silva, sendo a autora do texto Maria Manuel Velasquez Ribeiro. A primeira edição do Museu Adentro apresentou quatro exemplares de paramentaria antiga pertencentes à Igreja do Colégio de Angra do Heroísmo que se destacam pela sua antiguidade, finais do século XV e princípio do século XVI, de origem inglesa e flamenga.

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V

iver num paraíso com grades

Gabriela Silva

As ilhas de Flores e Corvo foram, desde sempre as menos conhecidas. Situadas já na placa americana, as ilhas do grupo ocidental do arquipélago estavam a uma distância consideráveldetodasasoutrasevivia-senum esquecimento sem mágoa e sem revolta. Em 1924, Raul Brandão deu á estampa uma obra que ainda hoje é referência obrigatória na literatura de viagens. As Ilhas Desconhecidas mostram bem a realidade ilhoa desse tempo. A descrição das ilhas de Flores e Corvo desse tempo deveriam ser leitura obrigatória. Nasci em 1953 no seio de uma grande família. A minha avó materna foi mãe de 21 filhos e viveu uma vida de alegria saudável, lado a lado com as suas crias que trabalhavam a terra com amor e viviam sem conflitos. A minha avó paterna teve apenas sete filhos mas passou 14 anosàesperadomeuavô,emigradonasSerras de Nevada a construir o futuro de uma família

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quedeixoucedodemaisvítimadeinsuficiência respiratória prolongada, doença que hoje já tem inúmeros paliativos. Foi pois, no seio de uma família tradicional e bastante modesta, que vivi a minha infância e adolescência. Na década de 60 saí pela primeira vez da ilha para ir à Horta. Era governador civil o irmão da minha avó paterna, meu tio, Dr. António de Freitas Pimentel que, imediatamente após o Vulcão dos Capelinhos, assinou muitos vistos dando origem à vaga de emigração para os Estados Unidos – saída encontrada para ajudar os faialenses do Capelo a resolverem a sua vida, despojados que ficaram dos seus bens pela crise sísmica de longa duração. Graças, também, a ele, a ilha das Flores iniciou a construção de edifícios escolares do Plano dos Centenários - o Plano dos Centenários constituiu um projeto de construção de escolas em larga escala, levado a cabo pelo Estado Novo em Portugal, entre 1941 e 1974 - e foi feito


crónica o abastecimento de água a todas as localidades do concelho. A sua paixão pela ilha que vira nascer e a proximidade que mantinha com a família faziam com que se deslocasse com frequência às Flores e levasse as preocupações das nossas gentes até ao Terreiro do Paço. A ilha vivia de forma auto sustentável. Todos os florentinos eram agricultores e apenas se conhecem meia dúzia de famílias ricas desse tempo. Mas ricas de terras, porque o dinheiro em circulação era muito pouco. Todos cultivavam a terra que dava para o sustento de cada família. Matavam-se muitos porcos e havia fartura de legumes, peixe e frutas. Pertenço a um reduzidíssimo número de jovens que estudaram. A maioria trabalhava na terra. Na ilha não havia estabelecimentos de ensino oficial. Aqueles que estudaram, fizeram-no em explicações particulares com professores do primeiro ciclo ou sacerdotes. Nas Lajes das Flores o senhor Padre Luís Pimentel contribuiu e muito para que muitos jovens da ilhapudessem estudarnosprimeiros anos após o final do ensino primário. Os primeiros sinais de cultura vêm com a biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian, uma das maiores revoluções da minha vida enquanto jovem. Podíamos requisitar cinco livros por semana. Depressa li tudo o que a biblioteca tinha disponível para a minha idade. Estudei no Faial um ano. Fiz o quarto ano do liceu no Colégio de Santo António, uma casa de brandos costumes, dirigida por Irmãs Franciscanas que faziam o seu melhor no sentido de proteger as meninas contra todos os perigos da alma e do corpo. Quem ali estivesse como interna tinha de cumprir a disciplina férrea de uma instituição religiosa onde as regras eram impostas sem discussão. Uma saída mensal era permitida desde que acompanhadas por alguém da confiança da família e da instituição. O resto do tempo era passado dentro das quatro paredes com muito estudo, missa diária e regras severas de comportamento. Abriu entretanto na ilha das Flores o Externato da Imaculada Conceição que viria a ser a base da Escola que ainda hoje existe. Foi aí, onde atualmente é o Museu, que fiz o quinto ano. Estávamos em 1970 e já havia muita gente a estudar. As meninas seguiam diretas para a Escola do Magistério Primário da Horta e os rapazes tentavam a sorte na função pública ou seguiam também os passos das meninas para se tornarem professores. Antes, muitos iam para o seminário e por

lá concluíam o 12º ano mesmo que não quisessem depois ser sacerdotes. Em 1972 concluí o curso e vim trabalhar para as Flores. De novo, a ilha de fronteiras fechadas, com sonhos a granel. Estava na Fajãzinha quando se deu o 25 de abril. A ilha recebeu a revolução com entusiasmo. Não se notava pressão sobre as pessoas por parte da PIDE que também aqui tinha quartel general mas o fantasma da guerra colonial estava presente em todos os lares da ilha. A ideia de ver acabar uma guerra que já fizera vítimas, entusiasmava as pessoas. Há pois uma ilha de antes e uma ilha do depois. A verdade é que levou muitos anos para a ilha das Flores viver Abril em pleno. As mudanças deram-se de forma muito lenta. Fui deputada regional de 1984 a 1988 e no grupo parlamentar do PSD havia apenas duas máquinas de escrever, as sessões parlamentares eram gravadas em gravadores de fita e passadas a escrito, não havia tipografia e o Diário das Sessões chegava a demorar uma semana a ser escrito, impresso e distribuído. E os funcionários do apoio aos partidos trabalhavam incansavelmente. Isto serve para explicar a dureza do trabalho de pesquisa, por exemplo. Os primeiros governos preocuparam-se com a dotação das estruturas fundamentais nas diversas ilhas. Portos e aeroportos foram a primeiraprioridade.Em1985,deu-seaentrada de Portugal para a CEE. Estava lá, no epicentro dos acontecimentos e assisti à transição e à discussão dos documentos. No tempo, o Dr. FreitasdaSilva,SubsecretárioparaaIntegração Europeia, conduziu as conversações com Bruxelas. A Europa aparecia então como a solução para todos os problemas dos países aderentes.

Os transportes nunca satisfazem mas há aviões todos os dias a preços que não agradam à população. Apenas dá para fugir de vez em quando pela porta mais larga da ilha - o aeroporto. O transporte marítimo de passageiros não tem dado grandes alegrias. Apenas no verão, em viagens excessivamente espaçadas. Este transporte não terá grande futuro se não mudar as regras e os preços. A ilha tem hoje tudo o que precisa. Ou não. A ambivalência continua a ser a nota numa terra com pouca gente, o poder nas mãos de quem sabe jogar melhor o jogo das pessoas, inconformismo e revolta de uns, alegria prazerosa de outros. A ilha, essa, é uma das mais lindas do mundo. Muita água, segurança, paz e silêncio são condimentos que fazem as delícias de muitos estrangeiros que aqui aportam para ficar atraídos por essas características. Os locais, com mais ou menos razão de queixa vão partindo e chegando. Sobram 3400 habitantes dos sete mil ou mais que já fomos. Vamos ficando. Quando os sonhos ainda são muitos mas as asas ficam frouxas, a ilha oferece recantos de paz absolutamente incríveis. E no verão, podemos mudar de discurso. Podem-se falar todas as línguas e conhecer gente que cheira a progresso na marina das Lajes onde aportam iates de todo o mundo para um repouso absolutamente digno de guerreiros do mar.

Mas o que transformou a vida nestas ilhas foi, sem dúvida, a chegada da televisão e, posteriormente da internet. São as comunicações que fazem a diferença. Esta rapidez nos contactos, esta possibilidade de alargamentosdasnossasfronteirasindividuais, levaram a ilha ao mundo e trouxeram o mundo à ilha - mas na ilha das Flores tudo chega com vagar... A televisão chegou em 1985 e a internet com qualidade apenas no ano passado. Todavia, muito antes, já os florentinos se tinham apercebido da existência de mais mundo para além dos limites da ilha. Depois do 25 de abril, muitos jovens começaram a estudar. A vida foi facilitada para todos e a integração europeia trouxe dinheiro para a Região. Ajudas financeiras, favoreceram famílias com poucos recursos e facilitaram a vida de todos.

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FAZENDO 98 o boletim do que por cá se faz

março 2015

fazendofazendo.blogspot.com

Em Maio celebramos a edição

100

Recebemos ideias e propostas para a edição especial e comemorações em vai.se.fazendo@gmail.com

desculpas.

palavra “uníssemos”. As nossas

ciso local, estava mal escrita a

Na passada edição, neste pre-

ERRATA

vai.se.fazendo@gmail.com

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FAZENDO 9 8 2 4 não * * * lucrativo e independente está a ser financiado pela comunidade de leitores colaboradores e parceiros este jornal comunitário,


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