Revista Família Cristã

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IGREJA

DISCERNIR SEM RESPOSTAS À PARTIDA

O QUE É QUE DEUS QUER DA MINHA VIDA? TEXTO E FOTOGRAFIA | RICARDO PERNA

Esta é a pergunta que todos os cristãos fazem, ou deveriam fazer. Por ela, a descoberta da vocação pode ser feita através de um discernimento livre e pensado. Mas... discernimento? Vocação? O que são estes conceitos? Leia e descubra.

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as margens do lago de Tiberíades, Jesus encontrou uns homens a pescar e disse-lhes: «Segui-Me e farei que vos torneis pescadores de homens.» ( mc 1,17) Eles largaram tudo e seguiram Jesus. Naquele momento, discerniram a sua vocação, assim como todos os católicos depois deles fizeram, de forma mais ou menos consciente. Alicerçados na mensagem de Jesus, escolheram o seu caminho. «O discernimento é uma arte espiritual, que pode servir para muito mais que escolher a vocação», explica-nos o Pe. Joaquim Félix, diretor do Pré-Seminário de Braga, uma estrutura que acolhe jovens que querem perceber o que fazer da sua vida, à luz daquilo que Jesus tem para lhes propor.

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O Pe. Joaquim Félix no meio dos jovens que, em Braga, estão a discernir a sua vocação.

Se está a pensar que esse discernimento é a decisão de entrar para o seminário, caro leitor, está enganado. Aliás, apenas uma pequena percentagem dos jovens que frequentam o pré-seminário acabam por ingressar no seminário e, desses, nem todos terminam essa caminhada, pelo menos em Braga. «Propor o discernimento não ofende. É abrir-te um horizonte onde tu, por determinadas qualidades que eu vejo em ti, podes ser chamado para esta ou aquela missão na Igreja, para exprimires os teus dons, sem enterrares nenhum», explica o sacerdote bracarense. Uma das provas vivas deste discernimento aberto a todas as possibilidades é Fábio Pereira. Aos 24 anos, entrou no pré-seminário

porque sabia que «não ia ser empurrado apenas para ser padre». «Foi um discernimento sério e difícil, porque colocamos perante nós todas as possibilidades da nossa vida, o que temos feito com ela e o que poderemos vir a fazer, e sobretudo o que Deus quer que nós façamos com a nossa vida. Isso dificulta-nos um pouco mais, porque somos cristãos católicos assumidos e praticantes, mas às vezes colocamos Deus de lado nos nossos projetos de vida», conta Fábio que, entretanto, discerniu que a sua vocação estava na construção de uma família cristã. «Não foi algo mágico, mas foi algo que foi amadurecido e que me foi mostrado ao longo do caminho, que o meu maior desafio fevereiro 2018 |

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essa poderia ter sido a vocação, mas não a soube investigar e descobrir. Mas também para mim, que sou casado, foi muito importante ter passado por aqui, porque não foi um discernimento direcionado ao sacerdócio, foi direcionado para a vida, para sermos realmente católicos e cristãos de verdade e de coração», explica. O discernimento pode dar tantas respostas diferentes que até pode nem sugerir o sacerdócio/vida religiosa ou o matrimónio. No caso de Ausenda Pires, a opção foi pela vida consagrada a Jesus na Ordem Fábio Pereira escolheu das Virgens, a primeira forma de a vocação do matrimónio. vida consagrada no feminino. «No Evangelho há mulheres que seguem a Igreja com a sua vida, faseria o de constituir uma família zem de Cristo o seu esposo e da cristã, uma casa cristã, e construir Igreja a sua família. Estavam sob essa igreja cristã com alguém», a alçada dos Apóstolos, e ao longo relembra. Quando saiu, não sada história sempre existiram», conbia se iria encontrar alguém com ta esta lisboeta, que vive uma vida quem partilhar esse desafio, mas consagrada a Jesus, mas sem ligaa certeza de que tinha feito o disção a nenhuma ordem ou instituicernimento correto apareceu sob ção monástica. «Sou solteira no a forma de uma antiga amiga, que civil, tenho uma vida de oração já conhecia até este percurso do diária, um serviço concreto que o Fábio. «Deus sabe muito bem bispo pode pedir – pastoral «[...] às vezes colocamos ou não, até nos nossos emo que faz», afirma Fábio Pereira. pregos –, e um emprego norDeus de lado nos nossos Para este jovem, a presença mal. A vocação é muito mais projetos de vida.» no pré-seminário fez todo de um ser do que de um fazer, Fábio Pereira o sentido, mesmo que a decino caso da Ordem das são tenha recaído sobre a vocação Virgens, porque é uma vocamatrimonial, até porque o processo ção pessoal», elabora, para dar em si é que é importante, não o desa conhecer esta vocação, que em tino que ele revela. «Muitas vezes Portugal já tem mais de 20 mempodemos ter conceções erradas sobros, espalhadas pelas diferentes bre a nossa vocação, e ela pode pasdioceses do país. sar pelo seminário ou pela família, No seu caso, o discernimento lemas se não passarmos pela expevou-a primeiro à decisão pela vida riência das duas podemos estar erreligiosa, e só depois até aqui. rados em relação à nossa vocação. «Um dia, um padre perguntou-me Muita gente que tem família pode“e se Jesus te quer só para Ele?” ria estar numa paróquia, porque Isso ficou a matutar e só um ano 48 |

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depois é que pensei mesmo nisso e fui falar com o meu pároco, que me indicou a direção espiritual, que me ajudou a ir vendo onde é que sentia as maiores alegrias da minha vida, que era a falar de Jesus e a cuidar destes que me eram entregues. Depois, fui conhecendo carismas, mas achava tudo fantástico, todos bons. Lembrava-me de Santa Teresinha, que queria ser tudo, mas eu não queria a vida contemplativa. O meu diretor espiritual falou-me da Ordem das Virgens, e eu, ao ler o rito, percebi que era isto mesmo, e para cá vim. Depois foi todo o processo de “namoro”, um discernimento feito com o próprio bispo, porque não existia isto em Lisboa, e ambos os cardeais-patriarcas acharam que era algo que Lisboa precisava, e restaurou-se a Ordem das Virgens», há dois anos. Os rapazes que pretendam discernir sobre a sua vocação têm a vida facilitada, uma vez que praticamente todas as dioceses têm experiências de pré-seminário, que na verdade são alguns encontros mensais durante cerca de um ano em que se aborda a questão da vocação e se auxilia na reflexão. Mas para as raparigas o processo não é tão simples, já que não existem estes pré-seminários. Isto incomodava muito algumas raparigas da diocese de Setúbal, que iam «reivindicar» junto do Pe. Rui Gouveia, diretor do Seminário de Almada. «Por causa do pré-seminário dos rapazes, algumas raparigas amigas deles começaram a reivindicar algo parecido onde pudessem elas caminhar», conta o sacerdote, que se viu surpreendido pelo pedido e pela adesão.

Ausenda Pires vive como esposa de Cristo.

Filipe Alves vai ser ordenado sacerdote em julho.

Em funcionamento há um ano, o grupo FIAT Voluntas Tua (Faça-se a tua vontade) inspirou-se na figura de Maria e reúne-se uma vez por mês, com o objetivo de auxiliar o discernimento das jovens entre os 14 e os 18 anos. «O grupo surgiu de forma inesperada, e não sabemos o que vai dar, além da amizade que elas já criaram e a possibilidade de viverem essa amizade num contexto de fé. Mas seja qual for a vocação, será sempre mais bem vivida depois deste discernimento, disso não tenho dúvidas, e só esta atitude de discernimento e busca justifica a existência do grupo», afirma o Pe. Rui Gouveia. Finalmente, o discernimento vocacional pode, claro, conduzir

«Não foi a preocupação com a diminuição das vocações na Europa que motivou o Sínodo dos Jovens.»

Pe. Joaquim Félix

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O Pe. Rui Gouveia (à esq.) com as jovens do grupo de discernimento de Setúbal, num jantar de convívio com o bispo, D. José Ornelas.

«[...] seja qual for a vocação, será sempre mais bem vivida depois deste discernimento, disso não tenho dúvidas [...].» Pe. Rui Gouveia

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à noção de que o projeto de vida que Deus propõe a uma pessoa é a vida religiosa, que no caso do Filipe Alves, de Braga, se irá concretizar na ordenação sacerdotal de julho próximo. «Não há um período estanque no meu discernimento. A questão surgiu-me muito novo, ainda em criança. Pensando no que queria ser quando fosse grande, sempre achei que queria ser padre, o que era estranho para toda a gente. Mas a questão sempre me acompanhou, e o discernimento parte muito por aí, uma questão que nos surge e acompanha ao longo da vida», explica. Filipe deixou a ideia de lado durante a juventude, mas, mais velho, entrou diretamente para o seminário. «Tinha a vida profissional e académica toda pensada, e eu “queria” outra vida que não a de ser padre. As raparigas atraem-nos, e é bom. Mas depois, no final do mestrado, decidi que não podia continuar assim, com estas dúvidas e questões. Falei

com o meu pároco, porque eu lia muitos testemunhos vocacionais, o exemplo de outros com processos semelhantes ao meu, e entrei para o seminário. Continuei o processo de discernimento, que nunca acaba, mas, ao fim de seis anos aqui, tenho a certeza do caminho feito», sustenta. Quando o Papa Francisco fala em discernimento vocacional, o Pe. Joaquim explica que o objetivo é bem mais do que “angariar” vocações de padres e freiras. «Não foi a preocupação com a diminuição das vocações na Europa que motivou o Sínodo dos Jovens. Tem mais que ver com o dinamismo do discernimento ao nível da juventude em ordem a haver um maior compromisso da juventude em relação à sua vocação, assim como das comunidades em relação à juventude», conclui. E é neste sentido que vem o discernimento: perceber o melhor caminho a seguir na nossa vida, dentro do projeto que Deus define para ela.

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