Os games viraram espetáculo

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experiências digitais

os games viraram espetáculo Quem quer aproveitar os jogos de última geração não precisa de dinheiro ou habilidade. A moda é assistir às partidas dos craques, em vez de jogar

Felipe Germano, com Danilo Venticinque

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esde que conquistaram seu espaço na cultura popular nos anos 1980, os games sempre foram sinônimo de interatividade. Seu principal atrativo, na comparação com a televisão e o cinema, era permitir que os jogadores decidissem o destino dos personagens e se envolvessem em suas aventuras. A vontade de participar da história ajudou os games a superar a indústria cinematográfica em faturamento e criou um mercado cheio de produções milionárias, com multidões nas portas das lojas em dia de lançamento. As filas continuam enormes. Nos últimos anos, a indústria dos jogos começou a atrair um novo público: gente que não se importa nem um pouco com interatividade. São fanáticos por games, acompanham as principais novidades e não perdem uma aventura de seus personagens favoritos. Só não fazem questão de tocar nos controles. Para eles, a graça está em assistir aos jogos. Há mais de dez anos, nada era mais chato que ver alguém jogar. Nas reuniões entre amigos, a graça era torcer para quem estivesse jogando perder o mais rápido possível e me dar a vez. Descobri, recentemente, que estou fora de moda. Para milhões de fãs no mundo inteiro, a graça é torcer por

seus jogadores favoritos. No ano passado, 15 mil pessoas lotaram o Staples Center, em Los Angeles. Não para ver os tradicionais times de basquete que costumam ocupar a quadra, mas para ver a final do campeonato mundial de League of legends, o jogo on-line mais jogado do mundo. A cena se repete no Brasil. No último dia 26 de julho, 8 mil pessoas lotaram o Maracanãzinho para ver a final do Circuito Brasileiro de League of legends. Os ingressos se esgotaram em cinco horas. “Foi maravilhoso. Quando cheguei, fiquei assustado com a empolgação da plateia, a qualidade dos telões, a organização”, afirma o estudante Felipe Cordeiro, de 21 anos. A iluminação do ginásio ficou dividida, metade vermelha e metade azul, para representar KaBuM e CNB, os dois times que se enfrentavam. Telas formavam torres que mostravam o personagem que cada jogador usava. Antes do início, uma orquestra tocou uma das músicas do jogo. A plateia enlouqueceu. Há vários motivos para assistir a um jogo em vez de jogar. Em alguns casos, os vídeos são uma escola. Jogos atuais, sobretudo os on-line, são complexos. Há dezenas de personagens e dúzias de ações, possibilitando milhares de combinações. Observar os melhores ensina

casa cheia Final de um campeonato de games no Maracanãzinho, no rio, em 26 de julho. O evento reuniu 8 mil pessoas

a passar de fase ou derrotar adversários na internet. Depois que descobri os vídeos de games no YouTube, meu desempenho melhorou muito. Outros enxergam as transmissões como uma forma de acessar os conteúdos sem a barreira financeira. Com um jogo novo ao custo médio de R$ 200, e games on-line cobrando taxas fixas dos participantes, os espectadores que não querem gastar muito se integram à brincadeira observando. Alguns até abrem mão de ter games em casa. “Gosto mesmo é da narrativa. Comecei a assistir porque achava que não teria tempo para

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explorar cada jogo. Aí, quando jogava, já sabia o que aconteceria”, afirma o analista de informática Eduardo Trevisani. “Uma hora perdeu a graça. Preferia só assistir. Acabei vendendo meus videogames.” O crescimento do público criou oportunidades de negócio para bons jogadores. O pernambucano Thulio Carlos, de 21 anos, é um exemplo. Conhecido como SirT, ele começou a jogar League of legends aos 17. No ano passado, mudou-se para São Paulo, para atuar como jogador profissional. “Comecei na brincadeira e virei um dos primeiros brasileiros a se destacar Foto: divulgação

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no ranking mundial”, afirma Carlos. Ele é um dos membros da equipe PaiN, fundada por Arthur Curiati, de 25 anos. Arthur era jogador do time. Aposentou-se dos teclados para se dedicar aos bastidores. A PaiN tem uma casa em São Paulo onde vivem todos os participantes da equipe: os jogadores, o responsável pelo marketing, o designer, o fotógrafo e o técnico do time. Para manter isso, conta com patrocinadores. O negócio deu tão certo que a empresa já contrata profissionais do exterior. Dois sul-coreanos se juntaram à equipe para aumentar o nível técnico do grupo.

Com treinos e imersão no sistema de jogo, os profissionais de videogame adquirem velocidades assustadoras de raciocínio e movimento. A agilidade no mouse e nos teclados é medida em ações por minuto, ou APM. Um jogador profissional chega a realizar 300 comandos no mouse ou no teclado em apenas um minuto – ou cinco movimentos por segundo. Para qualquer amador que se considera bom no videogame, digitar “APM” no YouTube é suficiente para recobrar a humildade. Fiz isso e ainda não consigo acreditar na velocidade dos jogadores coreanos. s 1 o de setembro de 2014 I época I 87

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experiências digitais Há profissionais que, em vez de competir e jogar em velocidades sobre-humanas, tentam conquistar os jogadores pelo carisma. Alguns são divertidos de assistir, porque mostram os sustos que tomam jogando games de terror. Outros fazem comentários engraçados ao longo da partida. Há quem se torne celebridade digital ao ser acompanhado por espectadores que querem saber o que jogam no momento. Um exemplo é Leon Martins, de 30 anos, fundador do canal Coisa de Nerd, com mais de 2 milhões de inscritos no YouTube. “Em 2008, eu morava na Alemanha e criei um blog de vídeos para mostrar minha rotina à família, que estava aqui. Quando voltei ao Brasil, continuei esse trabalho na internet, mas abordando meu principal interesse: os games”, afirma Martins. Embora os games no YouTube façam sucesso, o grande negócio no ramo atualmente é o Twitch, um site comprado pela Amazon por US$ 970 milhões. Sustentado por anúncios, ele reúne mais de 55 milhões de usuários por mês. “Todos na indústria usam o Twitch para promover seu conteúdo. Toda grande organização tem um canal”, diz Matthew DiPietro, vice-presidente de marketing do Twitch. Com os vídeos disseminados pelas redes, seus produtores acabam criando legiões de fãs. “Tenho 90 mil pessoas em meu Facebook. É um público ativo e formador de opinião”, afirma Thulio Carlos. A influência desses jogadores é sua maior arma. São pessoas que, por meio de seu conteúdo e de sua criatividade, se tornam influenciadores. A influência é um capital dentro do mundo hiperconectado”, afirma Gustavo Teles, fundador da Influencers, agência que administra a carreira de produtores de conteúdo para a internet. Teles diz que os jogadores transformaram sua diversão num trabalho que dá muito dinheiro. “Temos jogadores que faturaram no ano passado R$ 1 milhão. Não dá para falar que isso não é uma carreira.” Há quem jogue pelo dinheiro e há quem jogue pela arte. O programador finlandês Joel Yliluoma, criador do site TAS videos, está no segundo grupo. Ele se debruça sobre os jogos com a ajuda

Para todos os estilos

Alguns dos tipos de games que fazem mais sucesso com os espectadores

esTraTégia

Administrar recursos e conquistar territórios inimigos são os principais objetivos de Starcraft 2, o favorito dos coreanos, e outros games do gênero

Tiro

Geralmente ambientados em guerras, jogos como Battlefield 4 põem o jogador na pele de um personagem armado. São quase filmes de ação

esporTes

MMorpg

hiTbox

YouTube

Uma partida entre bons jogadores de Fifa 14 tem cara de jogo de Copa do Mundo. Partidas não profissionais lembram a série C do Brasileiro

O nome é dado a games de aventura em que vários jogadores interpretam diferentes papéis e interagem on-line. League of legends é o destaque

Onde assistir

TwiTch

Comprado pela Amazon por US$ 970 milhões, é a principal plataforma para jogadores que querem transmitir partidas ao vivo

Concorrente do Twitch, tem funções semelhantes e um design simples, para quem quer acompanhar seus jogadores favoritos

O maior site de vídeos do planeta tem um bom acervo para quem quer assistir a jogos. Alguns jogadores ganham milhões com publicidade

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seM as MãOs O analista de informática eduardo trevisani. ele vendeu seus videogames e agora assiste aos jogos dos outros

sandbox

Minecraft é um exemplo desse gênero, que cria mundos digitais cheios de possibilidades. Nos vídeos, os jogadores compartilham descobertas e experiências

Terror

Além de assistir às cenas mais assustadoras de Slender e a outros sucessos do gênero, o espectador pode se divertir com as reações dos jogadores

speed deMos archive

Reduto de jogadores competitivos desde 1998. O objetivo deles é chegar ao final de jogos em tempo recorde – e registrar cada minuto

avenTura

O roteiro é o grande trunfo de games desse estilo. Bem jogados, The last of us e outros jogos do tipo são tão envolventes quanto um blockbuster de Hollywood

Tas

Trapacear é permitido. Com a ajuda de recursos digitais, os jogadores tentam gravar a melhor partida possível de diferentes games no site

Fotos: Rogerio Cassimiro/Editora Globo e reprodução (6)

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LuTa

Sucesso nos fliperamas dos anos 1990, jogos de luta popularizaram os campeonatos de games. Street fighter 4 é o herdeiro dessa paixão

Tv coreana

Os games são tão populares na Coreia do Sul que ganharam canais exclusivamente dedicados a eles na televisão a cabo

de computadores, para prever os movimentos de personagens inimigos, descobrir brechas na programação e chegar ao final do jogo no menor tempo possível. O objetivo é a perfeição em forma de game. “Os vídeos vão além do limite humano. É como se nossos reflexos fossem automáticos, tivéssemos premonições e nunca cometêssemos um único erro, nunca”, afirma Yliluoma. Ele criou um site que mostra jogadores que excedem seus limites. Num dos vídeos, um jogador consegue terminar o clássico The legend of Zelda: majora’s mask em menos de uma hora e meia. Levei meses para fazer o mesmo e me senti humilhado. Pior ainda foi quando descobri outro profissional que captura todos os 152 monstrinhos de Pokemon yellow em um minuto e 20 segundos, graças a um erro na programação. Joguei esse jogo todos os dias durante minha infância e nunca consegui a proeza que ele atingiu em segundos. A frustração é inevitável, mas é impossível não assistir, admirado, ao resultado do vídeo. Confesso que me senti um pouco melhor quando descobri que o próprio Yliluoma já se sentiu como eu. “Meu vídeo favorito atualmente é de um jogador que completou Super Mario Bros 2 em menos de nove minutos, algo impensável para um jogador ocasional”, diz Yliluoma. “Em 2004, fiz um vídeo desse jogo e estava com o recorde. Aí, apareceu um jogador que me superou usando o personagem mais lento do game. Estava derrotado, mas feliz.” Tudo pela arte. E pela admiração de nós, pobres jogadores ocasionais. Seja nos vídeos com auxílio do computador, seja nas transmissões ao vivo de campeonatos no Twitch, o hábito de assistir a jogos de videogame parece estar a caminho de se tornar tão popular quanto o hábito de jogar. “É como o futebol: você gosta de jogar com seus amigos, mas também aprecia ver os profissionais, boas jogadas e estratégia”, diz Roberto Iervolino, gerente-geral da Riot Games Brasil, empresa detentora dos direitos de League of legends no Brasil. A comparação faz algum sentido. Para uma torcida que já lota ginásios, os estádios são o próximo passo. u 1 o de setembro de 2014 I época I 89

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