Os Gaymers saem do armário

Page 1

experiências digitais

os gaymers saem do armário Para atender o público gay, o universo dos videogames começa a se abrir para personagens homossexuais

o

movimento da afirmação do orgulho gay gerou publicações exclusivas, ganhou espaço nos cinemas e chegou às novelas de TV. Nada mais natural, portanto, que homossexuais aficionados de videogames, autointitulados “gaymers”, também se organizassem para reivindicar seu espaço no mundo virtual. Algumas produtoras de jogos ficaram tocadas com a reivindicação do combate ao preconceito e, finalmente, começam a incluir personagens gays em seus enredos. Ainda são poucos, mas já há games cuja trama principal gira em torno do ambiente gay. A diversidade sexual, enfim, começa a se manifestar num universo conhecido, até aqui, pelo seu notório machismo. Embora as produtoras prometam emular a vida real em cenários e no comportamento dos personagens dos games, os enredos da maior parte dos jogos disponíveis no mercado estão baseados em situações estereotipadas de um mundo com altíssimas doses de testosterona. Em jogos de luta, como Street fighter, personagens femininos aparecem em trajes mínimos, enquanto os homens estão quase sempre sem camisa. A maior parte dos jogos da série GTA – Grand theft auto segue essa mesma receita.“Para a comunidade gay, a maioria dos jogos está longe de conse-

guir retratar a sociedade”, diz Matt Conn, da produtora de jogos MidBoss. As mulheres foram as primeiras a reagir contra os clichês machistas nos videogames, com bons resultados. Os jogos Metroid, Tomb raider, Portal, Heavenly sword e Beyond two souls têm mulheres como protagonistas. A Associação de Softwares de Entretenimento (ESA), dos Estados Unidos, afirma que 45% do público americano de videogames são mulheres. Com esse exemplo, os “gaymers” passaram a se mobilizar para também reivindicar seu quinhão. No ano passado, organizaram, na cidade americana de San Francisco, a GaymerX, um evento com 2.300 pessoas. “Os jogadores, em geral, são contra a cultura LGBT (sigla para lésbicas, gays, bissexuais e transexuais)”, diz Conn, criador do evento.“Mas todos devem poder falar abertamente sobre assuntos por que são apaixonados e ser respeitados por isso.” Essa mobilização gerou as primeiras inserções de gays, em séries antes dominadas por machões que namoram garotas sexy. A expansão The ballad of Gay Tony, do GTA IV, coloca o jogador do game como segurança de um dono de boate gay. O personagem homossexual não é o protagonista do jogo, mas é essencial para a trama. Ele leva o jogador para missões variadas, como tirar satisfação de desafetos ou entrar num tiroteio. A mesma

em busca de opções o estudante de tecnologia marcos berto. ele se define como um “gaymer”. Quer poder escolher ficar ou não com meninos nos jogos

54 I época I 19 de maio de 2014

EP833p054_055.indd 54

15/05/2014 21:38:31


A diversidade sexual chega aos games

Enredos e personagens gays tornam os jogos mais reais

Coming out on top

gta – the BaLLad of gay tony

the Last of us

Read onLy memoRies

É um simulador de encontros gays

Ellie é homossexual assumida, sem estereótipos Fotos: Camila Fontana/ÉPOCA e reprodução

EP833p054_055.indd 55

Um gay numa série de jogos de durões

the sims

É possível se casar com alguém do mesmo sexo

BuLLy

O jogador homem Apresenta gays e héteros pode escolher beijar ou não outro menino em pé de igualdade

produtora do GTA pôs no enredo do game Bully a possibilidade de o jogador beijar um rapaz. O protagonista da trama recebe a cantada de outro jovem e pode escolher beijá-lo, ou reagir como um brutamontes e socar o garoto. Não há meio-termo. Em The last of us, um dos jogos mais premiados de 2013, da produtora Naughty Dog, a protagonista Ellie é uma jovem homossexual. “É importante que todos possam criar relações dentro dos jogos similares às que têm na vida real. É isso que permite uma conexão emocional com a história”, afirmou a ÉPOCA Sandy Goldberg, da EA Games, caso raro de produtora que há muito tempo deixa que jogadores escolham sua preferência sexual. “Gaymers” podem fazer isso em jogos como The Sims, Mass effect e Dragon age. “Não quero ser obrigado a ficar com uma mulher no jogo”, afirma Marcos Berto, estudante de tecnologia em jogos digitais da PUC de São Paulo. Ele se autodefine como gaymer. “Prefiro jogos que me deixem escolher ser o que eu quiser.” No Brasil, o movimento tem esbarrado no machismo ainda predominante. O estudante carioca de designer Julio Queiroz criou uma página no Facebook, a Gaymers Brasil. “Muitos dizem que adoraram a ideia, mas não curtiram a página por medo de os outros descobrirem”, diz Julio. “A página tem 70% menos público que o grupo de gaymers que conhecemos.” Por causa do preconceito, as iniciativas dos “gaymers” costumam ganhar maior adesão quando garantem anonimato. O americano Conn usou a plataforma de financiamento on-line Kickstarter duas vezes e foi bem-sucedido. Na primeira, arrecadou US$ 90 mil para organizar o GaymerX. Na segunda, angariou US$ 60 mil para desenvolver o jogo Read only memories, de temática gay. A desenvolvedora americana de games que se identifica como Obscura conseguiu também na Kickstarter mais de US$ 38 mil para criar o simulador de encontros gays Coming out on top. “Os brasileiros estão entre os que mais visitam o site da plataforma”, diz Obscura. Ela (ele?) afirma usar o pseudônimo por “medo de se meter em encrenca”. u Com Felipe Germano 19 de maio de 2014 I época I 55

15/05/2014 21:38:34


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.