generosidade
o sonho depois da tragédia
A fisioterapeuta Carmen Leme criou um centro de reabilitação em homenagem à amiga que morreu nos deslizamentos de Angra dos Reis 94 I época I 28 de abril de 2014
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iniciativa a fisioterapeuta carmen Leme, no centro de reabilitação que fundou. cerca de 700 pacientes já foram atendidos
o Réveillon de 2009, a fisiote rapeuta paulista Joyce de Mello Yamato, então com 26 anos, es tava animada com a perspectiva de, no ano seguinte, concretizar um antigo sonho: criar um centro de reabilitação para quem teve problemas no cérebro e ficou com limitações de movimen to, fala e raciocínio. Os planos foram interrompidos pelos deslizamentos de terra causados pela chuva, que mata ram 53 pessoas em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. A tragédia tirou a vida de Joyce, mas não soterrou seu sonho. Seis meses depois de sua morte, uma de suas melhores amigas, a também fisioterapeuta Carmen Leme, de 50 anos, criou o Centro de Reabilitação Neurológica Joyce de Mello Yamato. Ele fica na cidade de Mogi das Cru zes, a 50 quilômetros de São Paulo. “Nosso atendimento é global: estamos preocu pados com a saúde física e psicológica dos pacientes”, diz Carmen. “Queremos que eles aprendam a executar as tarefas diárias, mesmo com suas limitações, e tenham a vida mais normal possível.” Nos três anos e meio de funcionamento, o centro já atendeu cerca de 700 pa cientes. Ele oferece gratuita mente sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e psicologia, além de massagens terapêu ticas, pilates e acupuntura. O atendi mento é fundamental para pacientes que não têm condições financeiras de arcar com o tratamento e que teriam de esperar por vagas no sistema pú blico de saúde. A demora pode causar deformidades no corpo e tornar a rea bilitação mais difícil. “É comum demorar – ou nem conseguir – atendimento em grandes instituições para deficientes”, diz a dona de casa Maria Eugênia Fraissat. Ela conhece de perto a dificuldade de conseguir tratamento gratuito. É mãe de Henri Fraissat Sobrinho, de 8 anos. Ele nasceu com uma doença que cau sa alterações na estrutura do cérebro e acarreta dificuldades de fala, movi mentação e raciocínio, a lisencefalia. Há quase dois anos, Henri começou a Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA
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ser atendido no centro, e os resultados são visíveis. “Por causa dos exercícios de fisioterapia, a musculatura de Hen ri está mais flexível”, diz Maria Eugê nia. “É inacreditável a diferença que o tratamento pode fazer na vida de um paciente. As meninas que trabalham na instituição são guerreiras.” O centro de reabilitação luta con tra a falta de dinheiro para manter os atendimentos gratuitos. Por isso, há triagem dos pacientes. Quem tem condições de pagar um tratamento não é escolhido. A equipe é enxuta. São oito funcionários, entre três fi sioterapeutas, duas psicólogas, uma fonoaudióloga, uma auxiliar admi nistrativa e uma recepcionista. Só Carmen e uma das fisioterapeutas são voluntárias. Os demais profissionais recebem pagamento. Atual mente, o centro tem três fontes de renda. A primeira é uma verba da prefeitura de Mogi das Cruzes, repassada anualmente a associações. A segunda são eventos para ar recadar dinheiro. São três ao longo do ano: o dia do yaki soba, o almoço de massas e a feijoada. Em alguns desses eventos, empresas doam os ingredientes das refeições, depois vendidas. A terceira fonte de renda do centro são recursos distribuídos por empresas para associações beneficentes. “A maior dificuldade realmente é a falta de dinheiro”, afir ma Carmen. “A burocracia para lega lizar a instituição e montar o estatuto também atrapalha.” As dificuldades não impedem Car men de sonhar com planos ainda mais ambiciosos. Ela planeja ter um imóvel próprio para abrigar o centro e não ter mais de pagar aluguel. Na futura sede, Carmen quer uma piscina, recurso im portante para que os pacientes possam fazer exercícios dentro da água. “Não vai ser fácil, teremos de correr muito atrás de verbas”, diz Carmen. “Todo o esforço vale a pena quando vemos o progresso dos pacientes e penso que o sonho da Joyce saiu do papel.” u Com Felipe Germano 28 de abril de 2014 I época I 95
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