LUGARES PEDAGÓGICOS NO ENGENHO DE DENTRO: MAPEAMENTO DAS POTENCIALIDADES DO TERRITÓRIO RAFAEL FERREIRA DINIZ GOMES FELIPE ROHEN DE QUEIROZ PEREIRA 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Desde 2008, o Programa Mais Educação1 do Governo Federal vem implantando as bases para a ampliação do acesso à educação e as oportunidades formativas mais qualificadas. O objetivo do programa é prover a formação de crianças e adolescentes de forma integral, como seres humanos completos e aptos a enfrentarem os desafios do cotidiano, garantindo a eles as noções de cidadania e os deveres cívicos no convívio social. Para tanto, atrelado aos programas políticos pedagógicos das escolas, atividades sociais, culturais e esportivas são desenvolvidas dentro do ambiente escolar, contribuindo para a formação coletiva dos educandos, respeitando as suas individualidades e desenvolvendo suas capacidades. A principal resposta aos problemas do ensino e da escola da atualidade, é a retomada do conceito de Educação Integral. Por todo o território nacional vêm surgindo iniciativas impulsionadas por governos municipais e estaduais, pela União e por organizações da sociedade civil que visam propiciar às crianças e adolescentes múltiplas oportunidades de aprendizagem por meio da ampliação do acesso à cultura, à arte, ao esporte, à ciência e à tecnologia. Desenvolvem-se novas práticas curriculares, pedagógicas e de gestão que buscam conjugar maiores oportunidades de aprendizagem com proteção social. Ao entender que os jovens, que se encontram inseridos em qualquer programa pedagógico, possuem características e aptidões distintas e apresentam demandas educacionais também distintas, a educação integral como processo formativo procura introduzir nos currículos sistemas educacionais baseados nas atividades vocacionais, centrados nas características do indivíduo. Segundo a cartilha do SEB/MEC (2011) essas atividades desenvolvidas dentro da escola, ou por instituições de iniciativa pública ou privada, em parceria com os programas pedagógicos que ampliam a jornada escolar, abrangem os seguintes macrocampos: acompanhamento pedagógico; cultura e artes; cultura digital; direitos humanos em educação; educação ambiental; investigação no campo das ciências da natureza; comunicação e uso de mídias; educação econômica; promoção da saúde; esporte e lazer.
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O Programa Mais Educação foi instituído pela Portaria Interministerial 17/2007 e pelo Decreto Presidencial 7083/2010 e integra as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, como estratégia do Governo Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da educação integral.
A noção de educação integral se renova, agregando então novos paradigmas como os da cidade educadora2. Todas as atividades que realizamos na cidade podem ter um caráter educativo. O meio urbano dispõe de elementos que são capazes de aflorar a curiosidade e despertar diversos processos de aprendizagem no ser humano. Aliados a isso, as relações sociais (família, escola, trabalho, lazer) que acontecem no nosso meio de convívio (a rua, o bairro, a cidade, o estado) são responsáveis pela formação das identidades culturais de cada grupo. Ao vivenciarmos essa cidade, nos seus processos de habitar, de transportar, criando relações com os seus equipamentos públicos, como praças e parques, e instituições culturais, esportivas e comunitárias, como bibliotecas, teatros, museus, públicos e privados, somos instigados a adquirir cognitivamente diversos níveis de conhecimento e experiências. Portanto podemos dizer que esses territórios são a grande sala de aula da vida! Nesse contexto, a escola deixa de ser o único local onde os processos de conhecimento e habilidades são adquiridos. Enquanto equipamento urbano, que atua na composição da unidade sociocultural do território educativo, tem o papel de interagir com as outras instituições e os principais atores sociais envolvidos com a educação, que vão redefinir os limites de espaço escolar. A esse novo espaço, que extravasa os muros da escola, são agregados novos ambientes com possibilidades de fornecer aos jovens aprendizes as oportunidades de absorção de noções de convivência, civilidade, trabalho, identificação e pertencimento a um grupo, onde eles não serão tratados como problemas da sociedade, e sim a solução deles. Todo esse processo, que vislumbra explorar a cidade como espaço de aprendizagem, além das amarras do espaço físico da escola, constitui a definição básica do conceito de Cidade Educadora. A implantação do sistema de educação integral como política pública de fato vem se apresentando como tendência forte para a educação dos próximos anos. E essa tendência vem se confirmando gradualmente através das iniciativas nos diversos municípios brasileiros, seja pautado por programas federais ou por iniciativas estaduais. O fato é que, consideradas as características e aplicações de cada um, novas oportunidades de aprendizagem vão sendo fornecidas aos jovens, e as escolas, teoricamente, vão tendendo a ser menos isoladas, se permitindo atuarem mais no contexto das cidades. No conceito, a Educação Integral é uma resposta eficaz para os problemas de acesso, aprovação/reprovação e evasão escolar. Na prática, o que percebemos é a falta de entendimento desse conceito por um contingente maior de pessoas envolvidas com o processo, a falta de políticas que visem à adequação de usos nas escolas existentes, que levam aos discursos simplistas da necessidade de 2
O conceito de Cidade Educadora teve origem em Barcelona, em 1990, a partir da “Carta Inicial das Cidades Educadoras”, estabelecendo princípios, valores e práticas pertinentes à atuação das instâncias governamentais, em especial a gestão municipal, no âmbito da organização e qualidade de vida das cidades e territórios onde os seres humanos se formam, trabalham e agem politicamente. Esse documento foi atualizado em 1994 e novamente em 2004 para enfrentar três grandes desafios do século XXI: investir na educação de cada pessoa para que desenvolva seu potencial humano; promover as condições de igualdade e construir uma verdadeira sociedade do conhecimento sem nenhum tipo de exclusão. Em síntese, o conceito de cidade educadora visa à integração da oferta de atividades locais e culturais para potencializar sua capacidade educativa formal e informal. Seu lema é “Aprender na cidade e com a cidade”. (CENPEC, 2011).
produção de novos edifícios escolares, a falta de segurança pública e criação de parcerias no entorno das escolas, que dificultam a ampliação do espaço educativo para além dos muros da escola, ao nível do bairro, da cidade. E as cidades? Elas estão prontas para assumirem seu papel nesse processo de agente educador, através dos seus diversos lugares pedagógicos e redes de ensino? Quais são esses lugares pedagógicos? Como eles podem auxiliar no processo de ensino-aprendizagem juntamente com os edifícios escolares e os novos programas pedagógicos? Essas questões se apresentam como desafios atuais e futuros da educação pública. Nosso problema teórico e prático é o de reconstruir o espaço, para que não seja o veículo de desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, reconstruir a sociedade, para que não crie ou preserve desigualdades sociais (SANTOS, 2009 apud. GOULART DE FARIA, 2011, p, 43).
Toda cidade tem um potencial educativo, porém esse potencial precisa ser revelado e aflorado, para que as próprias instituições escolares possam explorar cada vez mais o território que as cercam, com segurança, responsabilidade e relação mútua de troca de aprendizagens. "A diversidade e complexidade do contexto urbano precisam ser repensadas e incorporadas ao projeto dos ambientes escolares voltados para a educação integral" (AZEVEDO et al, 2015). Dado esse contexto, a realização do I WORKSHOP DO ESPAÇO ESCOLAR AO TERRITÓRIO EDUCATIVO: O lugar da arquitetura na conversa da escola de educação integral com a cidade teve como objetivo constituir como um fórum de discussão sobre as questões relacionadas à qualidade ambiental e o entendimento deste “lugar-escola” considerando o sistema de espaços livres e outros equipamentos públicos da cidade como territórios educativos e parte inseparável dos “lugares pedagógicos”.
2 I WORKSHOP DO ESPAÇO ESCOLAR AO TERRITÓRIO EDUCATIVO: O LUGAR DA ARQUITETURA NA CONVERSA COM A ESCOLA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL COM A CIDADE O I Workshop DO ESPAÇO ESCOLAR AO TERRITÓRIO EDUCATIVO: O lugar da arquitetura na conversa da escola de educação integral com a cidade é um desdobramento da pesquisa integrada3 dos grupos GAE - Grupo Ambiente-Educação, ProLUGAR - Projeto e Qualidade do Lugar e SEL-RJ - Grupo de Pesquisas sobre Sistemas de Espaços Livres no Rio de Janeiro, vinculados à linha de pesquisa Cultura, Paisagem e Ambiente Construído do Programa de Pós-graduação em Arquitetura – PROARQ-FAU/UFRJ. O evento foi concebido com vistas a promover a articulação de diferentes experiências e conhecimentos gerados por professores, pesquisadores, alunos de graduação e pós-graduação, profissionais e técnicos de distintas áreas de atuação interessados na reflexão sobre a qualidade do lugar e da paisagem dos ambientes educacionais. 3
DO ESPAÇO ESCOLAR AO TERRITÓRIO EDUCATIVO: O lugar da arquitetura na conversa da escola de educação integral com a cidade, contemplada com apoio financeiro do CNPq (CIÊNC. HUMANAS E SOCIAIS22/2014), integra a abordagem conceitual e metodológica dos grupos de pesquisa Ambiente-Educação (GAE), Qualidade do Lugar e da Paisagem (ProLUGAR) e Sistema de Espaços Livres no Rio de Janeiro (SEL -RJ), vinculados ao PROARQ-FAU/UFRJ.
A realização do evento, possibilitou repensar as questões referentes à integração dos campos disciplinares da Arquitetura, do Urbanismo e da Educação, estabelecendo um debate interdisciplinar mais específico a respeito desse ambiente de apropriação cotidiana coletiva e de importância referencial. Foi constituído um fórum de discussão que incorporou as questões relacionadas à qualidade ambiental e o entendimento ampliado deste “lugar-pedagógico'' composto pelo edifício escolar e seu território, considerando o sistema de espaços livres e outras instâncias educativas da cidade como territórios educativos. Além da Identificação do potencial pedagógico dos ambientes escolares, com ênfase no uso e na apropriação por seus diversos grupos de usuários, considerando o edifício escolar e seu território, foi possível fortalecer a integração dos grupos e temas de pesquisa afins que certamente contribuirão para o desenvolvimento do ambiente escolar e seu território, e seus rebatimentos no projeto de arquitetura e urbanismo. O Workshop ocorreu nos dias 18 e 19 de novembro de 2015, em grande parte na Faculdade de Arquitetura da UFRJ - FAU/UFRJ, com aproximadamente 80 participantes, onde foram promovidas as palestras e os debates em mesas redondas (figuras 1, 2 e 3), reunindo os temas referentes às experiências e práticas em Educação Integral e Territórios Educativos, as perspectivas para a constituição das redes de lugares pedagógicos e relatos sobre o papel da cidade e da arquitetura no ambiente escolar. As principais questões que foram discutidas nos debates foram: a consulta aos usuários contribui para qualificar a avaliação da qualidade do lugar e da paisagem dos ambientes escolares de ensino integral? Como tais conclusões podem fundamentar a questão da esfera pública e auxiliar no projeto e na gestão dos territórios educativos? De que maneira é possível identificar, mapear e relacionar o edifício escolar considerando o seu entorno um potencial Lugar de aprendizagem, para a constituição dos territórios educativos? Quais as principais características que configuram a ambiência dos edifícios de educação integral e os territórios educativos?
Figura 1: primeira mesa redonda, debate sobre experiências e práticas em Educação Integral e Territórios Educativos. Fonte: acervo da organização do evento.
Figura 2: segunda mesa redonda, discussão sobre a constituição dos Lugares Pedagógicos e Territórios Educativos. Fonte: acervo da organização do evento.
Figura 3: terceira mesa redonda, relatos sobre o papel da arquitetura e da cidade no ambiente escolar. Fonte: acervo da organização do evento.
Além das mesas redondas, foi promovida também uma oficina de Mapeamento do Território Educativo do Engenho de Dentro, bairro da zona norte do município do Rio de Janeiro, que tinha como objetivo reconhecer e revelar as redes de lugares pedagógicos no entorno de um Ginásio carioca, seu potencial e as principais questões que foram colocadas nos debates das mesas redondas. O diferencial da oficina foi a análise focada em múltiplos olhares, envolvendo os campos da Arquitetura, do Urbanismo, da Educação, entre outras áreas, e como essa ampla visão pode auxiliar no entendimento e constituição dos territórios educativos. Ou seja, todos pela educação.
3 OFICINA DE MAPEAMENTO DAS REDES DE LUGARES PEDAGÓGICOS DO BAIRRO DO ENGENHO DE DENTRO 3.1 Objetivos A Oficina proposta para o evento objetivou analisar como se configura o Território Educativo em um determinado bairro da cidade, através do mapeamento deste território, realizado por diversas equipes que percorreram as ruas da região seguindo percursos pré-definidos . A importância do trabalho deveu-se à possibilidade de se conjugar múltiplos olhares a respeito do território, aproximando os docentes, discentes, pesquisadores e demais profissionais do campo da arquitetura e urbanismo, com os de outras áreas como educação, psicologia, geografia, sociologia, antropologia, dentre outras interessadas na temática do evento. Além disso, a atividade em campo fortaleceu os debates e temas abordados nas palestras, permitindo com que os participantes identificassem os aspectos potenciais capazes de aproximar o bairro e a comunidade do ambiente escolar, através da sua própria experiência prática no território. A escolha pelo bairro do Engenho de Dentro como território a ser mapeado, na Zona Norte do Rio de Janeiro, reforçou a importância em se observar as áreas de transformação da cidade, além de possibilitar a continuidade do trabalho realizado no Ginásio Carioca Bolívar (figura 4), objeto de estudo das recentes pesquisas de campo do grupo GAE, onde foram avaliadas as escolas municipais com programas de ensino integral. Tendo esta como centro do território educativo, procurou-se identificar as principais características do entorno que pudessem auxiliar na proposta do programa pedagógico da educação integral, através da identificação de possíveis parceiros e também a avaliação da infraestrutura urbana, que permite ou não essa aproximação entre o bairro e a escola.
Figura 4: Ginásio Carioca Bolívar, no bairro do Engenho de Dentro. Fonte: acervo da organização do evento.
O local, que tem seu histórico de crescimento atrelado à expansão da linha férrea na cidade, ainda mantém parte de seu caráter bucólico do passado, composto basicamente por quadras
residenciais com construções de gabarito baixo, permeadas por pequenos comércios que atendem à demanda local. Frente a este cenário, encontram-se drásticas mudanças que geraram rupturas no território, como a implantação da Via Expressa Linha Amarela e o recente processo de verticalização, gerenciado por construtoras. O bairro viu surgir em sua paisagem ao longo dos anos, equipamentos públicos com escalas inéditas para região, como o onipresente Estádio Nilton Santos (Engenhão) e recentemente a Praça e Museu do Trem (figura 5), espaços que podem-se apresentar como potenciais educadores, agregando ao processo pedagógico uma experiência mais abrangente do que a limitada visão intramuros atual.
Figura 5: A Praça do trem em construção e o Engenhão ao fundo. Fonte: acervo da organização do evento.
3.2 Dinâmica e proposta da oficina Objetivando mapear o território, através de um levantamento feito pelos participantes em um período de tempo relativo ao turno da manhã, foram necessários definir importantes pontos para organização da atividade como: Demarcação geográfica do território analisado e dos percursos a serem explorados na visita; metodologia de registro dos itens levantados e etapas de desenvolvimento da oficina ,definindo também o material de apoio a ser distribuído; além da logística de transporte a partir do número de integrantes e equipes estabelecidos; levando-se em conta que a apresentação dos resultados obtidos no retorno da visita, seria de grande importância, assim como a participação de todos os envolvidos durante a seção Relatos da Oficina. Como ponto de partida, definiu-se o limite do território no bairro do Engenho de Dentro (figura 6), tomando-se como base os pontos de ruptura na malha urbana gerados por vias de grande movimento, nas imediações das três escolas da rede municipal da região, sendo uma delas o Ginásio Carioca Bolívar. Desta forma-se obteve-se um polígono limitado pelas Avenidas: Governador Carlos Lacerda (Linha Amarela), Dom Hélder Câmara e Amaro Cavalcanti (junto à linha férrea), além do segmento próximo à Rua Piauí, compreendido como o limite entre os bairros do Engenho de Dentro e Todos os Santos.
Figura 6: Trecho do bairro do Engenho de Dentro utilizado para as atividades da oficina. Fonte: acervo da organização do evento.
Para abranger os diferentes contextos do território definido e viabilizar a atividade no tempo disponível, foram propostos 8 percursos (figura 7) com até 1km de extensão, que englobam desde áreas de grande tensão social até os mais recentes espaços culturais da cidade, percorrendo trechos que ainda preservam as características do bairro, e outros em plena transformação. Os percursos foram previamente testados pelos organizadores do evento, de modo a assegurar que a diversidade espacial do território estaria sendo contemplada, além de promover pequenas alterações nos trajetos, estabelecendo como pontos de encontro as 4 entradas do Estádio do Engenhão.
Figura 7: Exemplo percurso 5 (Amarelo), proposto para uma das equipes Fonte: acervo da organização do evento.
Foi definido o número de 5 participantes por equipe, sendo cada uma composta por 1 líder (membro dos grupos de pesquisa GAE, SEL ou ProLUGAR) e outros 4 participantes, que foram distribuídos de forma a mesclar os alunos da graduação e pós-graduação em arquitetura, com os profissionais de outras áreas. A oficina foi estruturada em 3 etapas. Visando agilizar o trabalho na primeira etapa realizada em campo, onde nem sempre as condições para se produzir anotações ou desenhos são favoráveis, buscou-se estimular o registro fotográfico como principal meio de identificação dos itens observados no território. Desta forma, foram entregues a cada membro da equipe um par de molduras (figura 8), sendo uma verde e outra vermelha, para enquadrar aspectos positivos e negativos, respectivamente. Nas fotografias, que foram obtidas das mais variadas formas, a presença das molduras coloridas em suas extremidades facilitaram a identificação dos itens registrados na etapa seguinte, onde as informações foram organizadas.
Figura 8: Exemplo de aspecto negativo (à esquerda, identificado com moldura vermelha) e aspecto positivo (à direita, identificado com moldura verde) registrados pelos participantes em um dos percursos Fonte: acervo da organização do evento.
Ao registrar-se determinado aspecto, era necessário ter em mente a possibilidade de articulação com as escolas públicas locais, promovendo o território como parte do processo pedagógico, e a capacidade do entorno em acolher essas atividades, sendo através de vias seguras e organizadas, pontos de apoio ao trajeto como pequenos estabelecimentos comerciais, ou mesmo praças e áreas de lazer e permanência. Nos mapas impressos (Figura 9) com os percursos, também disponibilizados para cada participante, foram feitas breves descrições sobre cada item, assim como identificação do ponto onde a foto foi tirada. O número de participantes mostrou-se suficiente para que as tarefas (fotografar utilizando as molduras, descrever textualmente e marcar no mapa impresso) fossem divididas no grupo, possibilitando um registro completo. Considerando que no momento da inscrição, alguns interessados não pertenciam à região sudeste, e outros demonstraram pouco conhecimento sobre o bairro proposto, optou-se por iniciar a atividade no Prédio da FAU - UFRJ, organizando previamente os 40 participantes, e realizar o translado entre a cidade universitária e o bairro do Engenho de Dentro.
Figura 9: Exemplo de mapa impresso, com registros relativos ao percurso 5
Na etapa seguinte, realizada no retorno ao prédio da FAU-UFRJ, os participantes reuniram-se novamente em seus grupos, em uma sala de estudos, para debater sobre a experiência do mapeamento, compartilhar as informações e registros obtidos. É importante ressaltar que neste momento foram entregues novos mapas impressos, para que as informações fossem organizadas de forma clara, após a síntese realizada pelos participantes, resultando em 1 mapa final por percurso. Cada equipe foi responsável por selecionar até 15 aspectos, que foram colocados em slides padronizados pelos líderes, de forma a estruturar as apresentações na seção relatos da oficina (figura 10). Como finalização das atividades do evento, na etapa final, denominada relatos da oficina , as equipes apresentaram seus levantamentos, expondo os principais itens observados e propostas contou também com a presença de alunos de graduação da disciplina Projeto de Arquitetura III, na qual abordase a temática dos territórios Educativos para um projeto de Escola Municipal, visando ampliar a divulgação deste tema. Ao fim de todo o processo, foi possível obter o panorama de toda a região e suas sub-áreas, possibilitando o diagnóstico do potencial educativo do território.
Figura 10: Apresentação dos itens observados durante o mapeamento no bairro do Engenho de Dentro, que ocorreu no auditório do PROARQ FAU/UFRJ Fonte: acervo da organização do evento.
3.3 Mapeamento do território O mapeamento do território proposto, dividido em 8 percursos conforme mostrado no item anterior, permitiu a classificação dos principais aspectos (figura 11), positivos e negativos, avaliados pelos grupos.
Figura 11: Exemplo de tabela com classificação e localização dos aspectos positivos e negativos mapeados relativos ao percurso 5
Classificação dos itens mapeados quanto à: Infraestrutura - Equipamentos que dão suporte ao funcionamento do território, como mobiliários urbanos, calçamento de vias, sistema de coletas de lixo e outros serviços. A infraestrutura urbana desempenha um importante papel na viabilização das atividades fora dos limites da escola. Um território adequado é capaz de oferecer aos alunos e professores a acessibilidade necessária para o deslocamento, através de suas calçadas. Aliado à segurança pública e também os problemas
burocráticos de retirada e responsabilização de crianças fora das escolas, este possivelmente seja um dos aspectos que mais facilitam ou dificultam a apropriação do bairro como um espaço educador. Qualidade ambiental - Fatores que influenciam no bem estar de quem circula pelo território, estimulando a incorporação deste no processo de aprendizagem, como: calçadas limpas e organizadas, vias arborizadas e silenciosas, conforto ambiental, desenvolvimento sustentável, áreas de lazer, de convívio e de troca de experiências entre os diversos grupos sociais na cidade. É fundamental que os espaços que compreendem o território educativo facilitem esses processos de integração entre as diversidades sociais e culturais da vida urbana. O respeito ao meio ambiente por parte das crianças, adultos e idosos permite a criação de um sentimento de pertencimento e valorização do ambiente, além da integração e promoção de qualidade urbana. Segurança ao pedestre - Elementos que tornam o deslocamento pelo bairro seguro à todos que nele circulam, como vias sinalizadas, calçadas livres, redutores de velocidade em áreas residenciais. Este aspecto é fundamental para que as pessoas que convivem em determinado ambiente consigam compreender, se apropriar e interagir com o meio urbano. Os problemas de segurança pública e de infraestrutura urbana tendem a diminuir a apropriação do espaço público por parte do seu principal usuário - o pedestre. Apropriação do espaço público - Utilização das ruas, praças, parques e demais espaços do bairro, contribuindo, ou não, para a conformação de um território acolhedor, um senso de comunidade. O investimento das relações entre a comunidade e a cidade educadora pode facilitar o caráter de pertencimento social dos diversos grupos no território educativo, e consequentemente a valorização da educação, como um benefício para todos. Suporte ao deslocamento de alunos - Estabelecimentos comerciais e de serviço, que conferem vitalidade ao entorno urbano, atendendo também à demanda local e as necessidades diárias de quem circula pela região. Além dos pedestres, é necessário que o meio urbano ofereça condições favoráveis ao deslocamento dos alunos dentro do território educativo através de transporte público de fácil acesso, bicicletas, com ciclovias funcionais, e também o transporte particular, que não deixa de ser uma realidade. O importante é que os modos de deslocamento das pessoas na cidade sejam complementares e não conflitantes. Oportunidades educativas - A ideia de que cada espaço da cidade possui caráter educativo, não só a escola, deve ser muito bem vista na busca de parcerias no processo educativo. Igrejas, museus, monumentos, clubes, estádios, associações comunitárias, ONGs, entre outros equipamentos e instituições, ao se inserirem dentro do contexto do espaço escolar, podem agregar valores e potencializar as ações formativas dos alunos. A articulação do saberes adquiridos na escola e a sua prática efetiva podem ajudar no aumento do índice de desenvolvimento do conhecimento na direção de uma educação integral.
Área potencial para intervenção - Espaços atualmente sem uso, ou mal aproveitados, que podem ser ressignificados a partir de pequenas intervenções, possibilitando a apropriação da comunidade local. Projetos de revitalização de áreas degradadas do território podem promover também a valorização do meio ambiente e principalmente o resgate e fortalecimento das tradições culturais locais, entre outros aspectos.
3.4 - Resultados Após as etapas já descritas nas seções anteriores, foi possível obter uma visão geral (figura 12 e 13) das potencialidades e fraquezas do bairro do Engenho de Dentro como um lugar facilitador dos processos de ensino-aprendizagem além dos muros das escolas.
Figura 12: Tabela síntese da avaliação do território através do levantamento de 104 aspectos, positivos e negativos. Fonte: acervo da organização do evento.
Figura 13: Identificação das porcentagens relativas à cada classificação no total de aspectos mapeados
Maior recorrência dentre os pontos mapeados durante a visita, os aspectos relativos à Qualidade Ambiental do território demonstram o contraste existente nas sub áreas do Engenho de Dentro. Nas imediações da Linha Amarela, via expressa que fragmenta territorialmente o bairro observam-se áreas inóspitas, com ausência de calçamento para pedestres, vegetação e edificações voltadas à rua, predominando os extensos muros que transmitem insegurança, além de falta de qualidade de vida urbana. Apesar de ser um bairro essencialmente residencial, há poucas ofertas de áreas de lazer e de convívio que poderiam facilitar os processos de integração e apropriação do território, e também a formação de potenciais lugares de aprendizagem. Ao longo dos anos o bairro do Engenho de Dentro vem perdendo suas características urbanas típicas da zona norte do município do Rio de Janeiro, onde as ruas eram bastante apropriadas pelos moradores e relações de vizinhança, como espaços públicos de intensa movimentação, circulação e convívio, principalmente de pedestres. A grande oferta dos empreendimentos imobiliários de edifícios residenciais multifamiliares na região tem aumentado significativamente a densidade do bairro, porém esse aumento populacional não se refletiu em maior qualidade dos espaços públicos. Os grandes conjuntos habitacionais possuem proposta inversa ao empoderamento do cidadão pela cidade. Pelo contrário, tendem a se voltar para o lado interno e consequentemente se fechar para o lado externo, oferecendo dentro de um espaço restrito, particular, tudo aquilo que a cidade poderia oferecer, mas não o faz. Com menos pessoas circulando pelas ruas, ou utilizando os espaços públicos com suas funções de lazer e convívio, têm-se a falsa impressão de que a cidade ou o bairro não tem condições de oferecer qualidade de vida e facilitar os processos de integração social. Nesse sentido, é necessário repensar e requalificar a infraestrutura urbana do bairro do Engenho de Dentro para que não só os moradores, mas todos que convivem ou circulam pela área tenham condições de usufruir da região, seja nos processos de transportar, habitar, as relações com os equipamentos públicos e privados. Um bairro apropriado e qualificado pelos usuários é menos suscetível à degradação, segregação e violência urbana. Dessa maneira será possível, de maneira gradual, a dissolução entre os espaços educativos dentro e fora das escolas e, consequentemente, a ampliação dos processos de ensino-aprendizagem no território Em contrapartida, também foram mapeados alguns trechos que ainda preservam a identidade da região, com construções de gabarito e muros baixos, acompanhadas de arbustos e árvores que promovem sombreamento, além de pequenos espaços comerciais, que conformam um ambiente agradável e acolhedor. A construção da Praça do Trem e reforma do Museu, além do onipresente Estádio Nilton Santos (Engenhão), apresentam-se como espaços potenciais educadores, capazes de se articularem ao processo pedagógico, trazendo parte da vivência escolar para o território, distanciandose da limitada visão intramuros. É necessário sobretudo que as escolas do entorno possam estabelecer essas parcerias e que possam incluir a utilização desses espaços nas suas políticas pedagógicas, como
forma de potencializarem o ensino através daquilo que o bairro pode oferecer de melhor para as crianças e jovens das redondezas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização do Workshop, com as palestras, mesas redondas e a oficina, possibilitaram uma maior aproximação e entendimento, ainda que preliminar, do conceito dos Territórios Educativos, visto que é um conceito em construção, tanto no campo da Educação quanto na Arquitetura e Urbanismo. Foi possível verificar algumas experiências de implantação desse conceito, no contexto de algumas escolas e cidades pelo Brasil, e o quanto ainda é necessário pensar, discutir, trabalhar e agir coletivamente em torno dessa questão em prol do pleno desenvolvimento da educação integral. Ainda há uma clara desconexão entre o conceito da educação integral e território educativo com a prática pedagógica diária nas diversas regiões brasileiras. As escolas ainda não se abrem tão facilmente para a cidade e vice-versa, muito em função da falta do reconhecimento e apropriação do potencial educativo dos diversos ambientes existentes nas cidades, além de outros aspectos, que se apresentam como problemas a serem solucionados na atualidade. A diversidade de participantes no evento, oriundos de diferentes campos de atuação tais como arquitetos e urbanistas, pedagogos, professores das redes municipais e estaduais de ensino, gestores de educação, alunos de graduação, entre outros, demonstra a relevância que o tema tem ganhado nos últimos anos. Mais do que isso, a sociedade está começando a entender o papel que ela deve e pode exercer na construção e articulação dos lugares de aprendizagem no contexto urbano. Durante a realização da oficina no bairro do Engenho de Dentro, a avaliação do território educativo, através de múltiplos olhares, reafirmou que o problema da educação é de todos. Somente através do diálogo entre as diferentes instâncias sociais será possível desenvolver plenamente a educação no território e a criação de cidades mais responsivas com os processos de ensino-aprendizagem das crianças e jovens da nossa sociedade. Cidades de todos, para todos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, G. A. N.; FARIA, J. R. F.; PEREIRA, F. R. Q.. Do espaço escolar ao território educativo:o lugar da arquitetura na conversa da escola de educação integral com a cidade do Rio de Janeiro. 7 PROJETAR: originalidade, criatividade e inovação no projeto contemporâneo - ensino, pesquisa e prática. Natal: UFRN, 2015. BRASIL, Ministério da Educação. Programa Mais Educação: gestão intersetorial no território. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2009. CENPEC. Tendências para a educação integral. São Paulo: Fundação Itaú Social, 2011. CIEDS. Rio, cidade que educa: guia de recursos educativos. Rio de Janeiro, 2013
GOULART DE FARIA, A. B. . O pátio escolar como ter[ritó]rio [de paisagem] entre a escola e a cidade. In: AZEVEDO, G. A. N.; RHEINGANTZ, P. A.; TÂNGARI, V. R. (Org.). O lugar do pátio escolar no sistema de espaços livres: Uso, forma, apropriação. 1. ed.Rio de Janeiro: UFRJ-FAU, 2011, v. 1, p. 35-44. SEB/MEC. Caminhos para elaborar uma proposta de Educação Integral em Jornada Ampliada. Brasília: Secretaria de Educação Básica, 2011.