41 minute read

1. Origem das Galerias Comerciais

Next Article
Referências

Referências

1. A origem das galerias comerciais

Ao se analisar por meio de princípios sociais, não há a possibilidade da existência de uma cidade sem a troca entre indivíduos e a comercialização de bens essenciais para o desenvolvimento das civilizações. O mercantilismo, desde os primórdios, foi um ofício fundamental no processo de transformação, formando aldeias e grupos sociais conforme suas habilidades e tradições comerciais.

Advertisement

A origem do mercado está, portanto, no ponto de encontro de fluxos de indivíduos que traziam seus excedentes de produção para a troca, normalmente situado em locais equidistantes dos diversos centros de produção (VARGAS, 2012, p. 74).

Raquel Rolnik (1988) descreve a cidade como um imã, em que seus serviços são capazes de atrair a atividade humana, evoluindo para locais de permanência. Porém, há também a definição de cidade como mercado, sendo ela um desenvolvimento entre populações que gera parceria e “intensifica as possibilidades de troca e colaboração entre os homens, potencializando sua capacidade produtiva” (ROLNIK, 1988, p. 25). A importância das relações comerciais para a existência das cidades, é definida a partir do momento que a troca de mercadoria entre pessoas requer espacialidade, e assim se formam os mercados e o câmbio.

Presentes nas configurações de civilizações antigas, o elemento social da troca era uma relação vinda da necessidade entre a subsistência e a garantia de sobrevivência a partir de bens, fossem eles: comida, roupas ou instrumentos de trabalho.

Desde o início das civilizações, comércio e cidade têm uma relação de simbiose. Ou seja, não têm significado e definham quando separadas. Ambos são causa e efeito da mesma centralidade que pressupõe o encontro do fluxo de pessoas, mercadorias, idéias [sic.] e mensagens (VARGAS, 2012, p. 1).

Simultâneo à atuação do mercantilismo, houve o crescimento das civilizações a partir de fatores urbanos e sociais como: o transporte; as lutas por território; as rotas de comércio; e, a moeda - condições estas que permitiram um maior alcance de mercadorias do mundo todo. A atividade comercial advinha da trajetória de amadurecimento do trabalho e da serventia que, em alguns momentos, serviram como moeda de troca, parte de uma necessidade de sobrevivência e de boa relação com seus companheiros.

Na Antiguidade Clássica, mais especificamente na Grécia, se constituíram alguns dos modelos de cidade mais importantes para a formação do que se conhece hoje sobre

urbanização e sociedade. Os gregos possuíam localização privilegiada no mundo, estabelecendo influência política, econômica e cultural em diversas regiões de 1100 a.C, até 146 a.C. A economia das chamadas cidades-estado era baseada em insumos agrícolas, trabalho de artesãos e a comercialização em grande e pequena escala, além do comércio marítimo que estabelecia um diálogo entre: Grécia; Egito; as áreas litorâneas do mediterrâneo; e as colônias gregas existentes por toda a Europa. Na Acrópole ateniense eram localizadas as stoas, edificações que apresentavam espaços destinados ao comércio.

A cidade de Roma, com início em 753 a.C, foi, segundo Fazio, Moffett e Wodehouse (2011) muito semelhante a Atenas em sua configuração urbana, que era caracterizada por heranças de um crescimento desordenado, sem desenho específico. Pompeia, fora do eixo da capital, possuía traçado em grelha e as atividades comerciais atuavam nas basílicas, além de outras cidades romanas que sofreram influências de guerras e heranças gregas. E estes conflitos e busca por territórios resultam em plantas padronizadas e “setores habitacionais eram distribuídos em blocos quadrados ou retangulares, com espaços reservados para mercados de bairro e equipamentos recreativos à medida que a cidade crescia. ”(FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011, p.133)

Mas o surgimento da cidade romana, segundo José Ramón Alonso Pereira (2010) foi baseada no melhoramento da qualidade viária das cidades-estados, que também passavam por uma grande expansão e transição do conceito de edifício para o planejamento de um conjunto de construções, responsáveis por atender política, econômica e socialmente as cidades romanas.

A prática mercantil dos fóruns na Roma no século II (figura 1) era parte importante da dinâmica da cidade romana. E nas cidadelas que estavam em processo de centralização havia uma nova disposição da atividade comercial, sendo possível citar a Basílica Ulpia no Fórum de Trajano que possuía local reservado para o comércio. (figura 2).

Figura 1 – Mercado público no império romano situado no fórum, foco na antiguidade romana.

Fonte: VARGAS, 2018, p. 97

Figura 2 – Fórum de Trajano e seu nível na cidade romana. A Basílica Ulpia e o mercado de trajano eram locais destinados à prática comercial.

Fonte: UNGARO, 2008, n. p.

Heliana Comin Vargas (2018) ressalta, que a prática comercial sempre pertenceu às populações de classe social mais baixa, pois tanto “[...] na antiguidade como na Idade Média, o ócio fora considerado uma atividade dos privilegiados, da aristocracia e do clero” (VARGAS, 2018, p. 8). De acordo com a mesma autora, a competição entre níveis sociais era igualmente responsável pela mutação comercial das cidades e, mais tarde, do capitalismo.

Com a queda do Império Romano no Ocidente, em 476 d. C, e as invasões germânicas a fragmentação do poder europeu se tornou inevitável, dando lugar aos feudos. O mercantilismo da Alta Idade Média na Europa, que ocorreu do século V ao XI, marcou a inauguração do sistema de gestão política, social e econômica denominado como feudalismo. As primeiras cidades medievais europeias eram caracterizadas por grandes muralhas que separavam o espaço urbano e rural, e neste contexto, o comércio entre cidades era feito pelos senhores feudais que necessitavam de uma fortaleza, formando os burgos. Os burgos eram estes espaços

de comércio local que depois se desenvolveram originando bairros, praças de mercado e setores independentes da cidade medieval.

Já na Baixa Idade Média, dos séculos XI ao XV, houve o declínio da economia feudal, inserido em uma sociedade estamental. Este período presenciou um grande crescimento populacional, centralização do poder, potências de expansão, colonização de terras e domínio de portos. Sendo estimulado pelos senhores feudais a movimentação da economia no século XV revelou uma nova face do poder civil.

Qualquer que seja sua origem e função urbana, esses burgos, vilas ou povoados com foro próprio têm um papel na estruturação do território que excede muito a propriamente administrativa. Todos eles foram trabalhando e estruturando o território europeu ao longo de muitos séculos a partir de uma trama em grande parte vigente ainda em nossos dias. Em suma, a estrutura urbana europeia se cristalizou nos séculos medievais (PEREIRA, 2010, p. 100).

Enquanto na Idade Média houve uma procura por equilíbrio e proteção da cidade, na Península Itálica do século XV existiu uma preservação dos feudos e cidades-estados que se mantiveram conforme o lucro daquela sociedade mercantil, e o Renascimento teve início no século XIV e fim XVI neste mesmo local, depois se expandindo para outros locais na Europa. Ocorreu uma explosão deste novo modelo de mercado europeu, em que os comerciantes passaram a valorizar sua posição e houve um amadurecimento das artes e da literatura.

Este período marcou nas questões comerciais e sociais, a inserção de uma nova noção de individualidade, movimentos artísticos, ideológicos e religiosos. O Renascimento foi o período das praças que eram a extensão do centro da cidade na Idade Média, ou seja, por conta do crescimento do mercado elas se estabeleceram nos séculos seguintes como vitais para o andamento da economia e das vias de comércio.

Em sequência, o período Barroco foi caracterizado por um progresso na vida cívica com menção às notórias praças italianas e aos jardins franceses. As cidades europeias no período barroco precisavam encontrar compatibilidade com a alta expressão de poder, de ordem e de controle sobre sociedade somado aos interesses burgueses. José Ramón Alonso Pereira (2010) no livro intitulado Introdução À História da Arquitetura - Das Origens ao Século XXI destaca as capitais do Barroco entre XVI e XVIII como:

Entre as capitais do Barroco podem se distinguir dois tipos de cidades: em primeiro lugar, a que é basicamente governamental, como Roma, Madri, Paris ou Viena; e em segundo lugar, aquela essencialmente econômica e comercial, como Londres, Amsterdã ou Lisboa.(PEREIRA, 2010, p. 171).

Foram se formando uma série de camadas presentes nas trocas entre produtores e consumidores, tornando a prática comercial em transição do século XVIII, capaz de gerar desigualdade social e uma disputa infinita por poder na cidade.

Um grande marco da atividade comercial como poder político na Europa Ocidental, foram as transformadoras revoluções que surgiram a partir do fim do século XVIII, visto que existiu a necessidade de suporte à modificação do sistema econômico. Cronologicamente, em 1760, ocorreu na Inglaterra a primeira Revolução Industrial que modificou os processos de produção, trocando a manufatura e o artesão pela maquinofatura e a produção em massa, com auxílio das novas tecnologias e a expansão da indústria.

Em seguida a Revolução Francesa, de 1789 a 1799, foi o processo em busca de reformas sociais e parte da motivação que causou a Revolução na França foram as crises econômicas, e a burguesia que passava a defender seus interesses. Sendo alguns deles: liberdade comercial, abolição das tarifas internas e diminuição do poder das companhias comerciais. E com isso, é possível contextualizar as galerias que localizadas de início na Paris em revolução, foram parte da grande movimentação deste período.

O primeiro ensaio de uma galeria comercial foi aquela que se localizou no Palais Royal1 , em Paris. De modo informal, o Príncipe Phillipe d’Orleans montou uma série de boutiques em seu quintal, e as fileiras de estabelecimentos deram origem à Galerie du Bois (figuras 2 e 3), parte importante do Palácio Real, inaugurada por volta de 1788. Esta galeria, porém, ainda se caracterizava em seu contexto como uma estratégia para “encontrar recursos para manter seu estilo de vida libertino”(VARGAS, 2018, p.129), tendo seu apogeu e consolidação como tipologia no século XIX em que as passagens foram inseridas para a promover a reorganização dos comércios e atividades na cidade.

1 O Palácio Real (Palais Royal, em francês) é um palácio que foi construído em 1624, funcionou como moradia de monarcas como a Rainha Mãe, Ana de Áustria e o jovem Luís XIV até a abertura para o público em 1788.

Figura 2 - Galerie du Bois, dentro da Palais Royal. Quatro fileiras de lojas temporárias, com acesso noturno foram modelo para a criação das galerias europeias por conta de sua dinâmica com a cidade e poder social.

Fonte: GEIST, 1985, p. 455

Figura 3 - Galeries du bois, Palais Royal. O fator social da Galerie du Bois reunia todas as classes sociais, personalidades das artes e intelectuais estando presente na vida noturna e boêmia de Paris.

Fonte: GEIST, 1985, p. 453

Inicialmente, a Galerie du Bois foi modelo para as outras arcadas e marcou o começo do uso desses importantes centros de movimento local e, mais tarde, da vida noturna parisiense, sendo possível a partir dela realizar um panorama de transformações ocorridas nesta tipologia.

Após uma breve contextualização do momento histórico das galerias comerciais e suas motivações perante a cidade da Antiguidade até o século XIX, se inicia o estudo de seus estágios. Acerca da trajetória desta tipologia, Johann Friedrich Geist (1985, p. 65), divide os períodos das arcadas, de forma cronológica, em:

1. O Período da Invenção: até 1820

2. O Período da Moda: 1820-1840

3. Expansão: 1840-1860

4. A fase Monumental: I860-1880

5. O Movimento para o Gigantismo e a Imitação: 1880-1900

6. O Declínio do Conceito Arquitetônico: Pós-1900

Com a delimitação formal dos estágios das galerias comerciais é importante ressaltar que sua raiz se formou na Europa Ocidental, devido a diversos fatores que serão comentados a seguir. A divisão dos subcapítulos do primeiro capítulo do trabalho, é baseada neste desenvolvimento apresentado no livro intitulado Arcades, The History Of A Building Type por Johann Friedrich Geist (1985), que lista detalhadamente as construções e seu decurso da introdução até o declínio.

Antes dar início ao desenvolvimento das galerias comerciais, é importante ressaltar que elas pertenciam antes de 1820, ao período, segundo Johann Friedrich Geist (1985) de invenção, ou seja, a tipologia ainda se localizava como despercebida pelo pedestre europeu, com alguns exemplos singelos em Paris e Londres, como por exemplo o Royal Opera Arcade (figuras 3 e 4) em Londres, e a Galerie du Bois citada anteriormente (figuras 2 e 3).

Figuras 3 e 4- Royal Opera Arcade em Londres de 1816, ainda com dimensões tímidas a arcada possuía poucas lojas e era considerada por Johann Friedrich Geist um protótipo, uma consequência.

Fonte: GEIST, 1985, p. 312-317

Porém, para que fosse possível o sucesso da tipologia, faltava ainda um fator para se aplicar além do caminhar: o caráter atrativo das passagens. Elas não poderiam ser, em um período industrial, somente vistas como caminhos nas diversas capitais em que foram implantadas, mas sim um destino que proporcionasse os mais diversos atrativos devido justamente ao período de desenvolvimento do capitalismo que estavam inseridas. Tudo se resumia a realização de um espaço ideal: tão procurado quanto os parques; seguro; confortável e lucrativo.

1.1 Introdução à tipologia: de 1820 a 1880

Este subcapítulo especifica o contexto de surgimento das galerias comerciais como tipologia no século XIX. Em sua obra The History of a Building Type Johann Friedrich Geist (1985) lista algumas das variações de nomenclatura das galerias em diferentes localizações, mas reforça que, apesar dos diferentes nomes, elas representavam a “força de organização do comércio varejista” e ofereciam “um espaço público em propriedade privada, atenuação do congestionamento de tráfego, um atalho, proteção contra o tempo e uma área acessível a todos os pedestres” (GEIST, 1985, p. 6).

As arcadas, passagens ou galerias comerciais, a partir das colocações realizadas por Johann Friedrich Geist (1985) e Heliana Comin Vargas (2018), possuem estas oscilações de nome e as diferenças entre elas se dão a partir da mudança de público-alvo. Mas, reforçando que as três nomenclaturas são parte da formação da tipologia sendo que, Johann Friedrich Geist (1985) diferencia a arcada e a galeria por uma questão de formalidade e Heliana Comin Vargas (2018) trata das nomenclaturas de forma opcional, adotando a mesma origem para todas e definindo-as como: “coberturas de vidros que não pertencem, exclusivamente, nem a um espaço privado nem a monumentos públicos” (VARGAS, 2018, p. 134).

Dando sequência aos acontecimentos, a partir de 1820, a cidade europeia foi apresentada a um novo sistema econômico - o capitalismo - presenciou revoluções modificadoras no contexto do século XIX, e se apropriou das dinâmicas urbanas de forma que a atividade comercial fosse parte consolidada da economia. Capitais como Paris, Madrid, Roma e Bruxelas se consolidaram a partir de uma necessidade de demanda para a população que estava em grande crescimento naquele período e o comércio não seria capaz de comportar os efeitos daquelas transformações.

As consequências das duas revoluções, demográfica e econômica, vêm se manifestando gradualmente ao longo do século, sem que existam, na primeira metade deste, instrumentos eficazes para disciplinar sua implementação e sua distribuição territorial. Isso multiplica as densidades urbanas, mas sem uma expansão física das cidades, ou, o que é o mesmo, com expansões anteriores mediante a ocupação de vazios urbanos e a elevação das alturas edificadas (PEREIRA, 2010, p. 209).

Os mercados se instalaram a partir da especulação imobiliária e planejamento nas áreas mais valorizadas das cidades europeias, com a introdução e busca por: infraestrutura, salubridade, necessidades básicas como água, esgoto e eletricidade, além da transformação dos transportes com a grande utilização da ferrovia. A rua se tornou espaço importante para formação da dinâmica urbana e econômica da cidade no século XIX.

As galerias comerciais, na Europa, tiveram seu maior sucesso devido ao aparecimento de uma vida noturna e vitalidade nos seus corredores, pois estes representavam um caminho acessível para todas as classes sociais e, como arquitetura, ofereciam conexão com a cidade existente naquela época.

Na Avenue des Champs-Elysées, entre novos hotéis com nomes anglo-saxónicos, foram há pouco tempo inauguradas as arcadas, e a mais recente Passagem de Paris abriu as portas. Na inauguração, uma banda gigantesca, de uniforme, tocou em frente de canteiros de flores e fontes com repuxos (BENJAMIN, 2019, p. 33).

Os espaços destas galerias eram igualmente destinados à exposição de produtos de luxo, mas também aos bares e cafés frequentados pela população operária que vivia em meio a diversas culturas e personalidades intelectuais. Por esta razão, as galerias se tornaram tão importantes como a rua, se consolidando como a via de comércio das cidades. E, a partir de uma sequência cronológica, é primordial salientar que essas edificações, tiveram princípio na grande explosão de atividade econômica em Paris, e já eram presentes antes do planejamento urbano realizado por Haussmann, inseridas como uma consequência da enorme ascensão econômica da cidade:

O Arcade no Século XIX O fliperama nunca foi um objeto de instrução. Nunca foi escolhido como tema do Prix de Rôme. Não pode ser encontrado em livros didáticos contemporâneos como um exercício arquitetônico. O conceito arquitetônico da arcada é divulgado anonimamente, por meio de travelogues, relatórios boca a boca, observação direta e estudo do próprio local da arcada. É difícil reconstruir um curso inequívoco e demonstrável para o desenvolvimento da arcada ao longo do século. Faltamos, especialmente para os primeiros estágios, registros, nomes de arquitetos, planos de construção e qualquer declaração dos construtores a respeito de seus motivos (GEIST, 1985, p. 64).

A Galerie du Bois, segmento do Palays Royal, supracitada, foi pioneira e representou o arranque da possibilidade vista pelos empreendedores parisienses, além de pertencer ao período de invenção da tipologia das galerias, vide seu caráter experimental. De acordo com Heliana Comin Vargas (2018) , este ensaio deu início a um estudo acerca dos materiais que deveriam ser utilizados nas suas construções, iniciando as suas transformações.

As arcadas consequentes ao Palays Royal se aproveitaram das inovações em materiais e técnicas construtivas da engenharia, introduzindo o vidro e o ferro nas construções no período entre 1820 e 1840 em que as arcadas atingiram a Fase de Tendência - conforme denominado por Johann Friedrich Geist (1985).

Em 1830, a Galerie du Bois foi substituída pela luxuosa Galerie d’Orleans (figuras 5 e 6) que, em sua arquitetura, apresentou vedações em pedra, vidro na cobertura e estruturas de ferro, tornando-se referência para as próximas construções na Europa. Eram de grande destaque as fachadas e vitrines de vidro, assim como sua escala, que chamava atenção dos consumidores, características coerentes com a expansão comercial já mencionada. Este edifício funcionou na cidade de Paris como um espaço independente financeiramente, e com grande movimento de todas as classes sociais.

Figura 5- Galerie d´Orléans, de 1830 e a utilização do vidro na cobertura e nas vitrines, atraindo mais a atenção da população mais rica.

Fonte: GEIST, 1985, p. 527

Figura 6- Galerie d´Orléans, de 1830 eram criados caminhos por entre as galerias, promovendo interação social entre burgueses e aristocratas que frequentavam as lojas de luxo. Fonte: GEIST, 1985, p. 525 As galerias comerciais do período compreendido entre os anos de 1820 e 1840 foram construídas, em sua maioria, na capital francesa, centro do mundo naquela época. Dentro desse contexto, a partir de 1823, pode-se citar: a Passage de l’Opéra (figura 7); Galerie Vivienne; e, a Passage Choiseul - todas nomeadas levando em conta as ruas parisienses, espaços estes que se caracterizavam pela venda de mercadorias de luxo, e também funcionavam como local para encontros sociais.

Figura 7 - Passage de l’Opéra 1822-1823 Fonte: GEIST, 1985, p. 484

Estas passagens possuem características típicas do período de desenvolvimento das técnicas construtivas com aço e vidro, e funcionavam como ruas internas dos edifícios. A Passage Choiseul (figuras 8 e 9), foi considerada a maior passagem parisiense, além de uma das galerias que pertencia ao grupo advindo do Palais Royal. Em sua implantação era possível observar seu caráter acessível, ou seja, a Passage tinha acesso por toda a quadra, abrindo caminho entre edifícios, de forma que “[...] duas fileiras de edifícios se opõem, conectadas apenas por um telhado de vidro visivelmente recuado. A caverna de 190 metros também exemplifica o elemento ilusório da arcada” (GEIST, 1985, p. 510).

Figuras 8 e 9 - À esquerda a figura 8, uma fotografia tirada mais a frente da construção em 1825 da Passage Choiseul que possuía as estruturas de vidro, e uma conexão extensa na quadra, como pode-se observar na implantação, figura 9, do lado direito. Fonte: GEIST, 1985, p. 511-514.

Em paralelo ao aparecimento das galerias implantadas dessa forma, fora da capital francesa houve, a partir de 1826, um crescimento deste modelo, mas com diferentes particularidades na sua arquitetura. A Lowther Arcade (figura 10 e 11), localizada em Londres e construída entre 1829-1831, foi baseada na Royal Opera Arcade, e uma das primeiras construídas na Inglaterra. Marcado pela volta de utilização da linguagem clássica na arquitetura,neste período, era possível notar a presença de colunas, abóbodas e arcos nas edificações. A área em que foi construída estava amplamente influenciada pela ascensão da moda na capital inglesa. Em Milão, a Galleria Cristoforis (figura 12), construída em 1831 e financiada pela alta sociedade italiana, teve sua edificação baseada nas passagens francesas e inglesas, também marcada pelo estilo Neoclássico vigente à época.

Figuras 10 e 11-Lowther Arcade, Londres 1829-1831, à esquerda na figura 10 é possível observar sua estética clássica com os arcos, e na implantação posicionada à direita a figura 11 mostra sua capacidade de união com a rua e traspassamento pela quadra. Fonte: GEIST, 1985, p. 329-333

Figura 12- Galleria de Cristoforis, Milão 1831-1832, que também atendia população influente e interessada nos produtos de luxo vendidos, e nas atividades socioeconômicas do local. Fonte: GEIST, 1985, p. 383

Seguindo em crescimento por toda Europa, as galerias foram construídas com uma sutil mudança da tipologia conforme seu contexto e objetivos, fossem estes puramente comerciais ou para exposição de riquezas e luxo. Após esse período, essas edificações começaram um processo em que se moldaram de acordo com as transformações ocorridas nas áreas urbanas de Paris e foram construídas em outros locais da Europa, como as cidades de Berlim e Milão, parte de um período de propagação - momento este abordado a seguir.

1.2 Popularização: de 1840 a 1880

Este período, denominado por Johann Friedrich Geist (1985) de Popularização, foi caracterizado por uma difusão e expansão do modelo de galeria comercial pelas capitais europeias, com exemplares construídos em toda a Europa Ocidental. Além disso, houve em seus anos iniciais, como determinante das características da metrópole parisiense e do contexto das atividades comerciais, a proposta de planejamento urbano apresentada pelo, então prefeito, Barão George-Eugène Haussmann.

Entre os anos de 1853 e 1870, esta proposta foi encomendada pelo chefe de estado, Napoleão 3º , responsável por “reorganizar” e restaurar a metrópole descrita como doente. Nota-se, portanto, que outras motivações acerca das intervenções do Barão Haussmann, deram origem a:

[...] um tipo de cidade, um espaço configurado segundo a lógica da burguesia, que então se tornara a classe dominante; elas impuseram um modelo espacial específico que perdurou após Haussmann e condicionou o urbanismo no início da Terceira República (PANERAI; CASTEX; DEPAULE, 2012, p. 5).

Momentos antes da grande intervenção proposta, a capital francesa estava em ritmo frenético, e acabou por se desenhar por meio de um crescimento desordenado e grande quantidade de pessoas vindo da zona rural em busca de novas oportunidades oferecidas pela indústria. Este êxodo rural culminou em diversos problemas sociais e urbanos, tais como a ausência de saneamento básico e moradia; além de tornar mais evidente a desigualdade social existente (figura 13).

Figura 13- Paris pré-Haussmann, com contrastes entre áreas mais insalubres com áreas residenciais em péssimo estado, além de ser um grande foco para proliferação de doenças.

Fonte: MARVILLE, 2014, n. p.

Em busca de uma solução para os problemas supramencionados, foi proposto por Haussman um redesenho para a cidade de Paris com a ajuda de arquitetos e urbanistas como por exemplo, Gabriel Davioud. Nesta proposta de planejamento urbano foram abertos boulevards , além de: uma maior estruturação das áreas de periferia, reforma de edifícios, ruas e avenidas para obter uma cidade mais salubre e com mais infraestrutura em tempos de industrialização e riqueza. Sucedeu-se, então, a extinção da Paris medieval com suas ruas limitadas, dando origem ao desenho da metrópole, que abriu novos caminhos e outras atividades por meio desse planejamento urbano (figura 14).

Figura 14. Georges Eugène Haussmann, Plano para Paris, 1851-1870. Plano indicando as novas ruas, os novos bairros e os dois grandes parques Bois de Boulogne e Bois de Vincennes. É possível observar a grande valorização da malha viária e a criação das rotatórias.

Fonte: PANERAI; CASTEX; DEPAULE, 2012, p. 20.

É importante ressaltar que o fenômeno das galerias teve sucesso antes das propostas urbanas elaboradas por Haussmann, por conta de sua necessidade como tipologia e o nascimento de uma economia de grandes proporções, além do crescimento populacional, mas a menção do projeto de planejamento urbano definiu muitos dos caminhos acerca do comércio parisiense (figura 15).

Figura 15- As galerias estavam presentes, mas em meio a uma cidade desorganizada.

Fonte: MARVILLE, 2014, n. p.

Como um projeto de planejamento urbano, o plano Haussmann, previa um maior controle da articulação urbana entre vizinhos, construção de ferrovias, melhora de infraestrutura, valorização da economia visando as centralidades e o aproveitamento das vias. Porém é possível observar que assim como a indústria, a população operária migrava para as periferias e não faziam parte do público-alvo das transformações urbanas. E dessa forma as arcadas, em período de popularização, se adaptaram a uma cidade remodelada, e se transformaram em um espaço fechado de comércio varejista, sempre estrategicamente localizadas. O comércio interno das galerias não foi prioridade na implementação deste plano, e sim por conta dele, se tornaram cada vez mais moldadas à nova escala da cidade.

A arquitetura das galerias, comprometida com os princípios dos anos de 1800, de dimensões acanhadas para o momento de transformação pelo qual passava a cidade, agonizou com a abertura das estações de trem e com a nova escala urbana. O caráter multifuncional, aglutinador e inovador para o início do século XIX, reunindo unidades de apartamentos, lojas e oficinas não respondia mais aos novos valores e costumes do século XX. (ALEIXO, 2005, p. 23)

Paris, como diversas outras cidades da Europa apresentou uma sequência de grandes mudanças, e de acordo com Heliana Comin Vargas (2018) houve, entre 1840 e 1880, um período de difusão e crescimento do modelo de galeria, que com origem na capital francesa se espalharam por toda a Europa, em cidades como Londres, Bruxelas, Milão e Hamburgo.

Como exemplos deste trecho de popularização da galeria fora de Paris, temos a Passage Pommeraye em Nantes (figuras 16 e 17), construída entre 1840 a 1843, localizada no oeste da França. Nela foi marcado um desenvolvimento das vitrines e a criação de anúncios nos espaços internos da galeria, em que os arquitetos procuravam superar as passagens parisienses.

Figuras 16 e 17- A Passage Pommeraye tinha vários níveis como mostrado na figura 16 à esquerda, e escadas em seu centro, cobertura envidraçada e espaços centrais para encontros sociais. A implantação na figura 17 a direita mostra sua capacidade de atravessar a quadra, e os diversos acessos pelas escadarias.

Fonte: GEIST, 1985, p.415-416.

Analisando de forma espacial, as galerias, fora da capital parisiense, não sofreram com os impactos da intervenção Haussmaniana, visto a ascensão do modelo em cidades como Milão e Bruxelas. Segundo Heliana Vargas (2018), em sequência houve o aparecimento da tipologia na cidade de Hamburgo com o Sillem’s Bazar (figura 18) e igualmente houve nesta época a construção de Royal Arcades, tanto em Londres quanto em Melbourne no ano de 1874.

Figura 18- Sillem’s Bazar, em Hamburgo em 1845. Inspirado nas galerias francesas, vendia produtos de luxo em conjunto com um hotel, sendo um espaço importante para o comércio local.

Fonte: GEIST, 1985, p. 279.

As galerias St. Hubert de 1847 (figuras 19 e 20) e a Queens Arcade de 1853 também são exemplos dessa difusão, com destaque para a St Hubert em Bruxelas. Importante por diversos fatores, esta galeria foi projetada pelo arquiteto Jean Pierre Cluysenaar2 e foi pioneira tanto em sua monumentalidade quanto na nova utilização de iniciativa pública para sua construção. A galeria era responsável por reunir pessoas de diversos setores burocráticos da cidade, com sua própria estrutura administrativa e sua arquitetura que revisitava os padrões renascentistas.

2 Jean Pierre Cluysenaar foi um arquiteto belga, e importante para a história das galerias comerciais na Europa devido ao seu amplo estudo sobre as arcadas parisienses e seus projetos nas cidades belgas.

Figuras 19 e 20-A Galeries St Hubert de 1847 era muito frequentada por todo tipo de classe social como mostrado na figura 19 à esquerda, a implantação na figura 20 a direita mostra a possibilidade de atravessar a quadra, além de sua escala, tomando suas quadras.

Fonte: GEIST, 1985, p.202-211.

Pertencente ao ano de 1863, a passagem alemã Koningin Augusta Halle (figuras 21 e 22), após o Sillem’s Bazaar, foi a galeria de maior importância da Alemanha e seguiu os moldes franceses com o vidro e o aço na sua construção. Naquele espaço eram vendidos livros, artigos relacionados à arte e obras, sendo assim foco de cultura; além de sua implantação contemplar a conexão com três ruas, possuindo uma praça interna.

Figuras 21 e 22-Suas características inspiradas nas galerias parisienses como mostrado na figura 21 à esquerda, a implantação na figura 22 a direita mostra as três possibilidades de se atravessar a quadra.

Fonte: GEIST, 1985, p.245-247.

Antes as galerias comerciais possuíam toda a infraestrutura e o público que necessitavam para se tornarem viáveis em um espaço único e central, mas com a expansão das cidades, o sucesso das lojas de departamentos passou a depender da localização em uma área de prestígio, servida por meios de transporte e próxima ao público que a pretendia atender (ALEIXO, 2005, p. 24).

Como citado anteriormente, a cidade de Bruxelas também foi um dos locais das galerias comerciais em seu momento de expansão, e estas foram implementadas devido a um capital imobiliário. Essas edificações representaram, em um período de independência belga, o triunfo econômico da cidade atuando também como parte do embelezamento urbano.

Além das manifestações em cidades como Bruxelas, com a definitiva consolidação das galerias como um símbolo de modernidade e luxo em algumas cidades da Europa do século XIX, na Itália, a galeria Vittorio Emanuele II foi a primeira, com sua concepção em 1867, a representar uma questão política de nacionalidade, proveniente de um concurso, e a ter as lojas como principal atração do edifício.

A Galleria Vittorio Emanuele II incorpora um arsenal de referências históricas. Representa uma tentativa de dar à cidade e à sociedade, com sua crescente consciência nacional, um novo centro. É a primeira vez na história do tipo arcada que se realiza um concurso e que a prefeitura é a proprietária. A arcada foi construída por um consórcio inglês denominado City of Milan Improvement Company, Ltd. Um engenheiro francês forneceu as especificações para a construção em ferro e um arquiteto italiano projetou o edifício. Consequentemente, o fliperama foi produto da cooperação internacional. Em 7 de maio de 1865, o Rei colocou a pedra fundamental no centro da rotunda octogonal; dois anos depois, o fliperama foi dedicado; só uma década depois foi o arco triunfal agora para a praça concluída, da qual o arquiteto caiu para a morte. O efeito da Galleria Vittorio Emanuele foi extraordinário e não pode ser comparado com a resposta de qualquer fliperama anterior (GEIST, 1985, p. 74).

De acordo com Johann Friedrich Geist (1985), essa galeria italiana situa-se no período de monumentalidade da história das arcadas , sendo caracterizada pela utilização de todas as inovações presentes na Europa industrializada. A Galeria Vittorio Emanuele II (figuras 22 e 23) era local de investimentos e “importante símbolo de Milão como capital moral da Itália e símbolo do seu progressivo ressurgimento” (VARGAS, 2018, p. 148).

Figura 22 e 23. Galeria Vittorio Emanuele II, de 1867, Milão. Símbolo de uma metrópole com seu poder econômico consolidado, com a utilização do aço e vidro como mostra a figura 22 a esquerda e a 23 a direita.

Fonte: GEIST, 1985, p. 388 - 314

No fim do período de popularização situado entre 1840 a 1880 , pode-se dizer que no local de origem das galerias o planejamento da quadra, presente no plano para a cidade de Paris, ocasionou o apagamento das arcadas francesas, (figuras 24 e 25) devido ao seu caráter adaptativo e flexível fazendo parte de um mercado de especulação imobiliária, que funcionava

mediante as vontades dos empreendedores. E dessa forma, os centros que antes pertenciam à boêmia e ao comércio seriam parte de uma divisão de setores em atividade em Paris. O grande anseio econômico presente na sociedade e na cidade industrializada, tornou a galeria comercial pequena perto de suas predecessoras.

Figura 24- A Rue des Moineaux em 1860, antes da intervenção de Haussmann, mostrando que o caráter diminuto e dinâmico das galerias se perde, havendo uma padronização de novos edifícios.

Fonte: PANERAI, 2012, p. 8

Figura 25- A Avenue de l’Opéra na atualidade, com as mesmas configurações presentes na intervenção.

Fonte: PANERAI, 2012, p. 9.

1.3 Gigantismo e descaracterização: de 1880 a 1900

Seguindo de momentos de muita movimentação, a cidade de Paris, considerada como centro do mundo naquela época, recebeu um dos principais exemplos dos avanços da engenharia e arquitetura: a Torre Eiffel, construída entre os anos de 1887 e 1889 impressionou por sua precisão, sua escala e a rapidez de sua construção.

Este foi um dos acontecimentos arquitetônicos que exemplificaria o caráter sublime adotado nas edificações e novas galerias, que se tornaram grandes estabelecimentos por consequência: do planejamento das cidades e valorização da economia em grande escala; a euforia da Belle Epóque em 1871; explosão de cultura e lazer; e, o aumento dos investimentos em expressões artísticas, como o teatro e as exposições de arte.

As arcadas deste período seguiram frequentemente o modelo vitoriano advindo da França, com as coberturas de vidro e estruturas de aço.

Este é o princípio do fim. Início do formato das arcadas que passaram a adotar cada vez mais, o formato de grandes estabelecimentos multifuncionais referindo-se mais às novas técnicas de venda num só empreendimento imobiliário focado na atividade comercial e de serviços do que a qualidade do espaço construído, onde o meio passará pouco a pouco a ser o argumento de venda (VARGAS, 2018, p. 150).

Como exemplo desta natureza grandiosa pode-se citar a galeria New Trade Halls que era parte de um grande complexo, o Grand Magasin Universal em Moscou (figuras 25 e 26), que seria considerado um dos maiores conjuntos de lojas, capazes de movimentar a cidade toda.

Existem três entradas em cada um dos quatro lados, cada uma levando a três espaços de arcada longitudinais e aos três saguões laterais, que têm apenas dois andares de altura. Essas ruas internas dividem todo o quarteirão em dezesseis unidades, todas conectadas umas às outras nos três níveis por degraus, galerias e pontes. [...] Escadas em contra-rotação, que vão de um corredor longitudinal a outro, funcionam como centros estáveis, ligando os níveis de varejo à adega onde são feitas as entregas. Os dois blocos do meio têm, cada um, dois pátios internos quadrados e fechados [...] (GEIST, 1985, p. 403).

Figuras 25 e 26- Ambas imagens, Grand Magasin Universal em Moscou, construída entre 1888 e 1893.

Fonte: GEIST, 1985, p. 408-409.

Por conta dessa escala (figura 27), os ambientes internos da galeria passaram a necessitar de iluminação artificial, formando corredores e circuitos que funcionaram quase como uma pequena cidade. Ela abrigava trocas comerciais, mas também movimentações sociais e exposições inteiras, servindo como um destino acessado por toda a população russa.

Figura 27 - Uma fotografia tirada no Red Square mostrando a grandeza do complexo Grand Magasin Universal em Moscou.

Fonte: GEIST, 1985, p. 406.

Resta observar que estes aspectos de grandeza acabaram descaracterizando não só a arquitetura das galerias, mas igualmente suas atividades internas que passaram a se envolver com grandes investimentos e novos modelos de mercado.

De acordo com Heliana Vargas (2019), a partir de 1880, houve uma descaracterização do modelo de galeria que, devido a busca por maiores escalas e edifícios proeminentes, acabou se fundindo ao mercado competitivo do final do século XIX, gerando os shopping centers nos Estados Unidos, e os grand magasins e as magasins de nouveautés na Europa.

1.4 Declínio: a partir de 1900

Este subcapítulo se inicia com o estudo acerca das relações entre os acontecimentos do final XIX e da virada para o século XX, destacando : a progressividade das atividades comerciais e a decadência do modelo de galeria perante a industrialização. Busca-se, portanto, explicar a transformação das atividades comerciais de forma cronológica na Europa e Estados Unidos da América, preparando para que, na sequência , ocorra o estudo da inserção das galerias no Brasil, abordadas especificamente no capítulo 2.

Assim como delimitado por Johann Friedrich Geist (1985), a fase de apagamento das galerias na Europa a partir de 1900, ocorreu por conta da remodelação urbana proposta, que acabava por setorizar os usos, dispersando o caráter multifuncional e proibindo a construção das galerias em alguns locais. Além disso, houve a grande explosão do modelo de grandes lojas de departamento e as Grands Magasins que atendiam uma grande massa da população e representavam verdadeiros setores do poder civil.

Em cidades como Londres, a descaracterização das galerias comerciais aconteceu em 1900 com o crescimento e centralização das atividades comerciais relacionadas à indústria. Sendo possível citar Friedrich Engels (1845) que descreveu, em sua obra intitulada Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, de que forma a industrialização e a remodelação urbana culminaram em guerras, desigualdade social e problemas urbanos. As áreas residenciais da classe operária eram marcadas por insalubridade e condições péssimas de vida, além de se situarem próximas às indústrias - fatos estes que prejudicavam a qualidade do ar e da água nestes locais. Enquanto a população com maior poder comercial e capital, desfrutava das cadeias de lojas de luxo e monumentos comerciais da cidade.

Heliana Comin Vargas (2018) explica que este afastamento do centro seria ocasionado, também, por um excessivo movimento pendular da população que necessitava de melhores

condições de emprego. Pode-se dizer, portanto, que parte do prejuízo e esquecimento da galeria aconteceu na Europa por questões sociais e de expansão urbana desenfreada.

Consequentemente a estes acontecimentos, como últimos exemplos de galeria comercial na Europa a partir de 1900 temos as passagens: Friedrichstrassenpassage (figura 28) de 1908 em Berlim; as Galerie Lafayette de 1912.

Figura 28- Uma das últimas manifestações da galeria comercial a ser construída na Europa a Friedrichstrassenpassage na capital alemã, de 1908.

Fonte: VALENTINY, 2016, n. p.

As grandes lojas como os Grands Magasins nasceram simultaneamente ao sucesso da mecanização que ocasionou mudanças urbanas como: a inserção de ferrovias em 1830; o afastamento do campo; comércio livre consequente à revolução; direitos do comprador e a acessibilidade deste tipo de varejo. “A filosofia dos Grands Magasins assumia que quando uma senhora adentra o seu espaço, não deve haver razão alguma que a faça sair” (VARGAS,2018, p. 168).

O declínio da tipologia também foi, em parte, por conta de uma mudança cultural em meio a grandes revoluções das capitais já consolidadas, em que a riqueza e o lucro se sobressaíram à espontaneidade presente nas relações comerciais das galerias. Além destas edificações serem parte de um ciclo pequeno, em que ocorria uma estagnação devido a movimentação de capital nos empreendimentos, não era possível, desse modo, um

deslocamento nem adaptação radical do modelo que não fazia mais sentido em termos lucrativos.

Outras consequências existiram após a segunda metade do século, com a Segunda Guerra Mundial e suas influências na arquitetura, com o Movimento Moderno, um novo planejamento urbano e reconstrução das ideologias perante a expansão das atividades socioeconômicas. As cidades da Europa em transição para o século XX, sofreram com o aumento da população e, em consequência, um congestionamento e queda da qualidade de vida em cidades como: Londres, Paris e Roma.

As cidades européias, cada vez mais tomadas pela fumaça das fábricas, pelo congestionamento de pessoas e pela baixa qualidade de vida, passaram por um período de esvaziamento nas primeiras décadas do século XX, com parte de sua população mudando em direção aos subúrbios. As várias propostas urbanísticas geradas nesse quadro, como as da cidade jardim do inglês Olmsted propunham a fuga das cidades industriais e a construção de pequenas estruturas urbanas auto-sustentáveis, arborizadas e conectadas umas às outras por vias de transporte coletivo (ALEIXO, 2005, p. 34).

Devido aos problemas urbanos enfrentados pelas capitais europeias no fim do século , o frenesi em termos de desenvolvimento econômico se fez presente na América do Norte que, naquele momento, passou por processos de industrialização semelhantes. As galerias não atendiam mais à dilatação econômica da indústria, sendo substituídas na Europa e Estados Unidos pelos shopping centers e hipermercados. E consequentemente o comércio de bairro não conseguiu suportar a alta quantidade de produtos necessária para a população.

O século XX será marcado por dois processos fortemente relacionados entre si e que se rebatem, diretamente, sobre o desenvolvimento varejista: o crescimento demográfico e a industrialização. Esses dois fenômenos, juntos, responderam pelo forte processo de urbanização e congestionamento das grandes cidades e pela deterioração ambiental e da qualidade de vida (VARGAS, 2018, p. 179).

Em relação à atividade econômica na Europa no contexto do século XX, houve a apresentação de novas tecnologias como os automóveis e os novos modos de conservação dos alimentos, fatores que modificaram totalmente a forma como aconteciam os serviços comerciais na dinâmica das cidades.

Este avanço no processo de conservação dos alimentos causou uma padronização dos produtos vendidos, prejudicando os consumidores pequenos, e as pequenas lojas dentro das galerias que no século XIX tinham produção artesanal, foram substituídas por grandes mercados e atacados capazes de vender diversos produtos em grandes quantidades.

De acordo com Heliana Comin Vargas (2018) a prática do varejo se tornou decadente e incompatível com a modernidade, ocasionando a introdução de novas formas de comércio

como o self-service e as grandes cadeias de lojas na Europa e, mais tarde, nos Estados Unidos da América.

A atividade do comércio no século XX ilustrou o distanciamento de uma arquitetura presente na dinâmica urbana, já que para os grandes empreendedores com capital imobiliário, o único interesse era a capacidade de venda dos edifícios. Na Europa, a direção do planejamento urbano seguiu os princípios da Cidade-jardim, o que ocasionou em um programa de descentralização que obtivesse uma hierarquia de usos evitando o movimento pendular, em resposta aos excessos da industrialização. A reconstrução da metrópole europeia também teve motivação acerca dos efeitos da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945).

Na Europa, os Centros de Compras Planejados, construídos até 1968, fizeram parte de cidades inteiramente novas, edificadas por meio de políticas de descentralização urbana para fazer face a um crescimento da população, ou das cidades que haviam sido destruídas pela guerra embora o número de cidades incluídas nesta última categoria fosse reduzido.(VARGAS, 2018, p. 187).

A transformação do comércio ocorrida na Europa também aconteceu nos Estados Unidos da América, que passava por um mesmo período de introdução às máquinas. A mecanização modificou os Estados Unidos e suas cidades, em especial Nova Iorque, em territórios padronizados para receber as novas propostas urbanas e avanços da tecnologia. O grande aumento da população devido à industrialização ocorreu e, em termos de planejamento urbano, ocasionou em um processo de hierarquização, dividindo a cidade e as pessoas em diferentes setores, reproduzindo a segregação da população.

Assim como Paris, a cidade de Nova Iorque também recebeu uma remodelação urbana em que o objetivo era a instalação do comércio em grande escala no centro da cidade, e a indústria passou a ser localizada nos subúrbios juntamente com áreas residenciais. Na cidade americana de Nova Iorque, acontecia o Regional Plan of New York and Its Environs, liderado por Thomas Adams, que visava o destaque da metrópole e seu crescimento, promovendo a ordem das áreas públicas e dos transportes.

As propostas do plano para a cidade sofreram críticas por parte do grupo de filósofos e profissionais da arquitetura entre 1930 e 1940, entre eles Lewis Munford e Benton Mackaey que defendiam uma ideia de cidade mais humanista, inspirada nas cidades-jardins inglesas conceituadas por Ebenezer Howard. Houve este ensaio de uma cidade americana inspirada nos conceitos humanistas de recreação e inserção de áreas verdes, mas o crescimento populacional e a disseminação do automóvel tornavam as características do urbanismo americano voltadas para a produção de auto-estradas.

As principais diferenças entre os conceitos dos que criticaram o plano regional de Nova Iorque e o planejamento em si eram a sua categorização: Howard defendia a ideia de que a cidade precisava preservar as áreas verdes, e estas ideias foram em 1903, efetuadas por Raymond Unwin e Barry Parker, na primeira cidade-jardim de Letchworth, Inglaterra.Inseriu-se as áreas verdes como recurso para a criação de pequenos sistemas autossuficientes para evitar o movimento pendular em excesso e promover uma cidade com menos problemas de infraestrutura.

Howard propôs (figuras 28 e 29) um controle de uma população estimada para cada área valorizando a relação entre os espaços em oposição ao efetuado em Manhattan em 1932. O Regional Plan of New York and Its Environs (figura 30) colocava a rua em destaque como espaço e na relação entre comércio e cidade, além de promover um crescimento ainda maior das áreas metropolitanas, valorizando o automóvel e os arranha-céus.

Figuras 28 e 29- A esquerda estimou-se um princípio correto para o crescimento da população e a comunicação entre os diferentes setores da cidade. E à direita a figura 29 mostra a abertura de maiores avenidas e um desenho das ruas com inserção das áreas verdes nas cidades jardins.

Fonte: ANDRADE, 2003, n. p.

Figura 30- Regional Plan of New York and Its Environs. A valorização do automóvel, 10% da área para recreação e parques, distritos de shopping preferencialmente conectados, avenida e ruas internas pequenas com acesso às lojas e aos centros comunitários.

Fonte: WOLFE, 2018, n. p.

Importantes para o diagnóstico da falência do modelo de galeria, e centro comercial de menor porte, estes ocorridos mostram como que em oposição ao que ocorreu na Europa, as capitais americanas foram induzidas desde início a um pensamento voltado para a valorização da mecanização e do trabalho otimizado.

Em paralelo com a consolidação da economia americana, houve a inauguração, em 1930, do primeiro supermercado na cidade de Nova Iorque: o King Kuller. Este estabelecimento ofereceu acessibilidade à população que passou a se abastecer mediante as grandes franquias de lojas, além da introdução de conceitos como o marketing e direitos trabalhistas que colocavam o comércio de bairro em segundo plano. As grandes estruturas geraram uma impessoalidade estética e foco somente no produto e no lucro que se obteve com os comércios varejistas de grande porte.

A arquitetura do período torna-se pobre, monótona e sem expressão principalmente nas grandes lojas, super e hipermercados. A grande maioria dos shopping centers é semelhante, na forma e no conteúdo. As técnicas e vendas e estratégias dos negócios são a força do seu sucesso que desprezam a importância do lugar. (VARGAS, 2018, p. 207).

Nas capitais americanas houve a relevância das vias, local destinado ao comércio em grande expansão, simultâneos à concepção do automóvel. Em relação às trocas comerciais

neste período, há a ascensão do modelo de shopping center, que eram categoricamente localizados de acordo com o planejamento urbano (figuras 32 e 33).

Figura 32- Nova Iorque em 1950, e o frenético movimento causado em parte pelas lojas de departamento e a valorização do comércio varejista.

Fonte: CORTINA, 2013, n. p.

Figura 33- Nova Iorque em 1950, mostrando as grandes vitrines e outdoors, além dos automóveis em alta na época.

Fonte: DONOVAN, 1953, n. p.

Heliana Comin Vargas (2018) ressalta como a valorização do grande centro de compras era observada, em que os conceitos de “shopping center (centro de compras)” se opunham ao “selling center (centro de vendas)” . Essa comparação ilustra como os novos shoppings centers, que tomavam conta das metrópoles tanto na América do Norte como na Europa, criavam uma

This article is from: