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2. Galerias Comerciais no Centro Novo em São Paulo

relação unilateral em benefício do consumidor, vendendo cada vez mais produtos de categorias variadas em grandes quantidades tornando a atividade comercial impessoal, que se distanciava ainda mais do conceito de galeria e a relação da cidade com o edifício. “Os shoppings centers, os mais significativos edifícios desse momento, nascem independentes, ignoram o lugar e marcam presença pela força do seu tamanho sem, no entanto, criar a diferença e o encantamento” (VARGAS, 2018, p. 207).

O fim do capítulo representa a conclusão da formação da tipologia de galerias que adaptáveis, são parte da dinâmica urbana e essenciais para o desenvolvimento da economia ao longo da história, mas que em sua introdução no Brasil, vieram da influência destas movimentações internacionais vistas ao longo do capítulo 1.

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2. Galerias Comerciais no Centro de São Paulo

Com objetivo de contextualizar as galerias comerciais e seu surgimento na cidade de São Paulo é necessário fazer uma breve explicação sobre os "surtos urbanísticos" ocorridos em São Paulo, denominação esta que foi utilizada por Benedito Lima de Toledo (1996) ao descrever, de acordo com Prestes Maia, a a transformação urbana paulistana em quatro fases.

O primeiro "surto" ocorreu durante a administração de João Theodoro entre 1872 a 1875 e foi caracterizada por intensa atividade na Várzea do Carmo e na estação da Luz. O segundo, no entanto, correspondeu ao período da administração de Antonio da Silva Prado de 1889 até 1911 com destaque para as renovações ocorridas após a construção do Viaduto do Chá(1892),com intervenções como:

[...] Executaram-se vastas e custosas obras de saneamento, sobretudo na várzea do Tamanduateí; canalizaram-se os rios e ribeirões da cidade; garantiu-se, para a população, melhor e maior quantidade de água potável; rasgaram-se novas ruas e avenidas; ajardinaram-se as praças e pavimentaram-se, da melhor maneira possível, as ruas da parte principal da cidade . Disso tudo resultou uma nova cidade de São Paulo, bem diversa daquela que nos havia legado no século XIX (PETRONE, 1955, p. 139).

O terceiro surto urbanístico especificado por Prestes Maia e citado por Benedito Lima de Toledo (1996), sucedeu uma série de obras que estabeleceram novas configurações ao Centro de São Paulo, local de estudo dos próximos subcapítulos, com a construção do Centro Novo durante a gestão do prefeito e Barão de Duprat entre 1911 e 1914. E, por fim, o quarto surto ocorrido entre 1938-1945 que deteve:

O quarto, no período 1938-1945, quando foi tentada uma remodelação mais radical e sob critérios gerais de coordenação. O período imediatamente anterior, do prefeito Fábio Prado, revelara uma visão administrativa nova, porém ainda tímida sob o ponto de vista urbanístico. Do período 1938-1945 data, entre outros empreendimentos, o Perímetro de irradiação, Ring ou circuito de bulevares destinado a desafogar e ampliar o centro comercial. Composto de diversas avenidas de larguras variáveis entre 33 e 45 metros, com numerosas praças intercaladas, essa obra mudou inteiramente a constituição e o aspecto do Centro e o seu esquema circulatório. Tratava-se justamente da seção urbana mais atrasada e a mais arriscada, devido à ereção contínua de grandes prédios, a comprometer-se definitivamente (MAIA, 1961 apud TOLEDO, 1996, p. 17).

Partindo desta delimitação de "surtos urbanísticos" , o segundo capítulo realiza um panorama histórico-comercial da cidade de São Paulo a partir do quarto período supramencionado, pois, anterior a este momento a metrópole possuia características marcadas pelo desenvolvimento industrial e se formou a partir da imigração, com um crescimento da população. Segundo o geógrafo Pasquale Petrone (1955), a aparência de São Paulo nos primeiros 25 anos do século XX consistia em áreas urbanas bem delimitadas, divididas especialmente pelo Rio Tamanduateí. Apesar das diversas movimentações internacionais que ocorreram na Europa e Estados Unidos, a metrópole continuou em uma curva ascendente.

Debalde a crise caféeira, que se seguiu ao crack da bôlsa de Nova-York (1929), abalou em seus alicerces a economia paulista. Debalde os acontecimentos políticos, como as revoluções de 1924 e 1930 e a revolução constitucionalista de 1932, além das vicissitudes que se lhes seguiram, convulsionaram e perturbaram a vida da população do Estado. Debalde a segunda Grande-Guerra (1934-1945), em seus reflexos sôbre o nosso país, criou problemas de tôda espécie, para o seu comércio e para sua atividade industrial. Nada disso foí capaz de interromper ou, mesmo, arrefecer o ritmo de crescimento e a expansão da metrópole paulista. As estatísticas referentes a êsse período dão saltos de assombrar. Alimenta ininterruptamente sua população, amplia-se cada vez mais sua área urbana, consolida-se sua posição na liderança econômica e cultural do Estado e até do país[sic.] (AZEVEDO, 1958, p. 154).

Em seus primeiros trinta anos, a expansão urbana da cidade de São Paulo foi consequente a diversos fatores, entre os quais é possível citar: novos empreendimentos; contribuição estrangeira ; prosperidade econômica e a consolidação da relação entre café e indústria. Com destaque também para os novos impostos sobre importação simultâneos ao sucesso da atividade industrial, que em 1930 já eram superiores à produção agrícola. Fatores estes que caracterizavam São Paulo como parte de um ampliação inconsciente, ou seja, houveram estímulos que cresceram a cidade de forma vegetativa e demográfica.

Todos os fatôres citados, econômicos ou demográficos, palpitam bem vivos na capital paulista. Sentímo-los na potência de sua vida comercial, na quantidade e movimento de seus bancos, na fôrça de suas indústrias

variadíssimas, no ininterrupto despejar de gente que se presencia nas estações ferroviárias e rodoviárias. Sentímo-los, finalmente, na própria massa da população urbana, em que se encontram, de mistura [...] [sic.] (AZEVEDO, 1958, p. 159).

O parque industrial paulistano se instalou também no período posterior à década de 1930, em que houve a grande valorização dos produtos nacionais e consolidação da metrópole industrial como potência na América do Sul. Pode-se dizer que a indústria cresceu no entorno das ferrovias, inseridos em uma industrialização de substituição e forte exportação dos produtos brasileiros. O contexto socioeconômico da capital paulista fortaleceu o comércio em várias formas, em especial o setor varejista e constituiu processos de metropolização e conurbação.

No filme intitulado São Paulo, Sinfonia da Metrópole de 1929, imagens mostram uma cidade de compra e venda, com vida financeira e uma dinamicidade, ilustrando bem esta curva ascendente da metrópole. As imagens variam entre os bondes e automóveis em funcionamento, e uma heterogeneidade marcante. A cidade é mostrada como mecanizada, uma força motriz e alavanca do progresso(figuras 34 e 35)

Figura 34- Anúncio do filme Sinfonia da Metrópole.

Fonte: DELAQUA, 2013, n. p.

Figura 35- Imagem de um dos excertos do filme Sinfonia da Metrópole, mostrando a predominância dos automóveis e o grande movimento.

Fonte: https://youtu.be/0cumh-UD8GA

Em 1930 os bairros da metrópole abrigaram tanto as indústrias quanto as residências, e as vilas operárias se espalharam pela extensão da cidade, gerando áreas descentralizadas e mais tarde as subprefeituras, reflexo também do crescimento populacional e econômico.

Nos bairros, predominavam as habitações de aspectos modestos, de um só pavimento, geralmente possuindo porões, dando diretamente para a rua e obedecendo a um estilo mais ou menos padronizado, sem ,nenhum encanto arquitetônico; assim eram as moradias da classe média e da população operária, de que perduram numerosos exemplos, notadamente na Bela Vista, em Vila Buarque, em Santa Ifigênia, na Barra Funda, no Bom Retiro e no Brás. Em contraposição, nos bairros aristocráticos predominavam as grandes mansões senhoriais e os ricos palacetes dos milionários do café e "capitães da indústria" [...]. Ao findar o primeiro quartel do século atual, São Paulo era, ainda, uma cidade baixa, que muito pouco crescera no sentido vertical e só excepcionalmente conhecia prédios de seis e sete andares (PETRONE, 1955, p. 146).

No início do século XX, foram construídos também os mercados públicos nas cidades brasileiras, mas que em sua maioria abasteciam as casas da população operária acompanhando o crescimento populacional. Segundo Vargas (2018) nesta época as grandes lojas de atacado e varejo - tal qual a filial da loja inglesa, Mappin - se instalaram no centro novo de São Paulo, que estava em processo de verticalização e popularização. O centro da metrópole concentrou a atividade de comércio, momento correspondente a uma fase de expansão urbana desenfreada entre 1925 a 1950, que originou os subúrbios e o desenvolvimento de regiões de Norte a Sul.

2.1 do Centro Velho ao Centro Novo

O Centro Velho de São Paulo foi local de início da história da cidade delimitado através

dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, que foram importantes formadores de rotas, além dos mosteiros Carmo, São Bento e de São Francisco que eram de uma colonização europeia além das ruas do Triângulo Histórico.

É possível afirmar que as transformações urbanas desta área foram motivadas pela mudança da atividade em procura de minérios, para o triunfo do café que foi fundamental para o desenvolvimento econômico e urbano da cidade, a começar no ano de 1870. Neste período eram frequentes as construções de chácaras, e o adensamento da população que veio para o Centro em busca de melhores condições de mercado nas áreas previamente urbanizadas. O intenso parcelamento do solo e ocupação das periferias para a obtenção de propriedades causou uma alta necessidade de infraestrutura, serviços públicos nos núcleos urbanos e um sistema viário de maior qualidade.

Dessa forma, houve a partir de 1870 um intenso processo de investimentos da elite cafeeira para obtenção de uma cidade aos moldes europeus. Sucedeu-se, nos anos seguintes, a divisão de lotes para um adensamento e a possibilidade de lucro com os aluguéis, somados ao nascimento de uma sociedade capitalista nas entrelinhas do café.

O Centro Velho viveu através das edificações dos barões do café, mas que neste momento de expansão urbana, recebeu os aluguéis de comerciantes e investidores do final do século XIX até 1925. Um dos reflexos da procura por sucesso seguindo os passos da Europa foi a Galeria de Cristal (figuras 36 e 37) do arquiteto francês Jules Martin, construída em 1890, que coincide com as linguagens arquitetônicas utilizadas nas capitais europeias.

Figuras 36 e 37- Galerias de Cristal, semelhantes às galerias comerciais italianas e belgas tanto em materialidade como se observa a esquerda quanto na implantação com diversos caminhos visto à direita na imagem 35.

Fonte: TOLEDO, 1996, p. 60-61

Além disso, é importante ressaltar que as novas instalações comerciais do Centro existiram simultaneamente ao marco arquitetônico deixado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, inspiradas no triunfo dos europeus na arquitetura e urbanismo como por exemplo: o Teatro Municipal, construído entre 1908 e 1911. Representaram esta influência e busca por embelezamento com a aproximação às cidades europeias o Viaduto do Chá (figura 38), e a arborização (figura 39).

Figura 38- Viaduto do Chá, anterior a sua participação no Plano de Avenidas, o viaduto também marcou a divisão entre centro velho e centro novo na metrópole.

Fonte: TOLEDO, 1996, p. 62

Figura 39- Projeto de ajardinamento da Praça da República, 1901, com o engenheiro Carlos de Serico como responsável.

Fonte: TOLEDO, 1996, p. 70

As transformações urbanas do período a partir da construção do Viaduto do Chá em 1892 foram benéficas para a metrópole de forma que destinaram em melhorias nos espaços públicos e eixos viários como: iluminação pública; pavimentação de ruas; melhorias de saneamento básico e aprimoramento dos transportes. A utilização de energia elétrica culminou na iluminação e utilização de bondes nas ruas de São Paulo, serviços estes que eram administrados pela empresa Light.

O Centro Velho da cidade de São Paulo, também denominado Triângulo Histórico, era reconhecido como uma região comercial, em que predominavam os mercados varejistas e atacadistas consolidando ruas e focos específicos de atividade comercial:

"No centro de São Paulo, no Triângulo — afirmou Wolfgang Harnisch — a vida pulsa numa atividade e num ritmo pouco tropical. Nessas ruas estreitas, de edifícios altos, os homens correm e se acotovelam como em qualquer capital da Europa . Nos seus rostos vemos estampada a mesma expressão de fadiga e intensidade" . E conclui: "Aqueles que andam pelas ruas, que olham e gritam e vendem — sentem que ali está o centro de uma metrópole moderna, internacional de uma cidade de comércio e indústria" (HARNISCH, 1935 apud PETRONE, 1955)

Os bairros de São Paulo também se desenvolveram conforme aconteceram as

instalações de imigrantes, e a cidade adotou caráter muito diversificado, com a presença de populações italianas, japonesas e espanholas que exerciam funções específicas na cidade e em seu sistema socioeconômico.

A indústria teve papel fundamental no processo de inserção dos edifícios altos no Centro de São Paulo. Explicando melhor, ainda com influências europeias, o Centro Velho de São Paulo possuiu construções coerentes com o adensamento e crescimento demográfico da época. E assim como o que acontecera nas capitais europeias, São Paulo enfrentou problemas urbanos e sociais, como a falta de moradia ocasionados pela industrialização:

Agora a elite industrial dita as regras do ideário estético, mas o desenvolvimento das atividades industriais agrava os problemas urbanos. A disponibilidade de redes de água, esgotos e eletricidade e a atração pelo centro financeiro da cidade são um incentivo para a localização das indústrias na capital, que buscam se instalar ao longo das vias ferroviárias, elevando os preços fundiários e intensificando o problema habitacional. (SOMEKH, 1997, p. 135)

De acordo com a arquiteta e urbanista Nadia Somekh (1997), as transformações do período a partir de 1930 foram resultados da ampla intervenção do Estado na busca por melhora na qualidade de vida e aumento dos espaços para demanda necessária através de intervenções. Segundo a autora, entre as décadas de 1920 e 1930 as edificações se formaram cercadas pelo novo ideal de modernização.

A partir de 1920, a cidade se consolidou como local exclusivo de competição e consumismo em que imigrantes faziam parte de uma classe média com domínio de transações comerciais, além das operações urbanas serem estimuladas pelo capital financeiro. A verticalização foi uma das diversas consequências da economia industrial-capitalista em São Paulo, em que o Estado se responsabilizou como produtor e facilitador dos caminhos de mercado, e conjuntamente com a legislação transformaram a metrópole entre os anos de 1920 e 1940.

A introdução das galerias comerciais favorecidas por atividade cultural em São Paulo ocorreu tardiamente, só em 1950, por conta de diversos fatores. O primeiro deles foi o grande sucesso dos formatos atacado e varejo, e os edifícios de mercado como a Loja Japão, descrita por Cynthia Aleixo (2004) como um dos agentes de venda de produtos em atacado e varejo, além da intensa comercialização de exportação e importação no Centro da cidade. As lojas de departamento também tiveram seu nível de popularidade, e a Rua Barão de Itapetininga (figura 40) foi uma das responsáveis por alavancar o comércio de luxo em outros contornos, além da grande influência estrangeira nas novas edificações para fins comerciais.

Figura 40- Rua Barão de Itapetininga no final da década de 1920

Fonte: NASCIMENTO, 2021, n. p.

Para que seja possível entender o aparecimento das galerias comerciais, é necessário citar a formação do Centro Novo e seus pretextos para aparecimento da tipologia. De acordo com Sabrina Fontenele (2010), anterior ao lançamento dos arranha-céus no Centro Novo, haviam as chácaras de barões e, em 1920, os primeiros edifícios altos do Centro Novo apareceram devido a um loteamento e pavimentação realizado nos terrenos e ao redor das chácaras, ainda de forma desordenada.

Com a abertura das novas vias, o Centro Novo ganhou destaque maior na dinâmica urbana e a área transformou-se em foco de interesse para novas construções. Prestes Maia se utilizou desta ideia para induzir o desenho da paisagem urbana desta área ao modificar a legislação existente (FONTENELE, 2010, p. 100).

Anterior ao aparecimento das galerias comerciais em 1950, transcorreu em 1930 nas gestões de Fábio Prado e Prestes Maia a intervenção urbana denominada Plano de Avenidas, que teve como principal foco a reordenação do Centro Novo e a ampla remodelação das articulações econômicas. O plano desenvolvido pelo urbanista e político Prestes Maia, propôs em conjunto com outros profissionais em 1930 a remodelação de vias do centro. Desenhado para que houvesse uma melhor circulação dos automóveis e a mudança de quadras com ideais

baseados no urbanismo modernizador, que guiados pela intervenção Haussmaniana e das cidades americanas, introduziu as edificações de maior porte,verticalizando assim a cidade.

Desse modo, propôs o adiamento do metrô, pois ele iria valorizar áreas do centro onde ruas deveriam ser futuramente alargadas. Isso seria custoso aos cofres públicos na hora de desapropriá-las para demolição. Desconsiderou exatamente o seu oposto: preservar o centro histórico. Era a visão modernizadora do arrasa quarteirão, tão marcante em Haussmann. (CUSTÓDIO, 2004, p. 92)

Proposto em 1930 por Prestes Maia e Ulhôa Cintra, o plano surgiu de um intenso processo de estudos, em que Prestes Maia começou a trabalhar na Secretaria de Viação e Obras Públicas. O plano manifestou diretrizes para o desenvolvimento urbano e a institucionalização de uma nova centralidade localizada no Vale do Anhangabaú. No plano apresentado aos vereadores nos anos anteriores a 1930, procurou-se descongestionar e estender as áreas dos centros comerciais além de “disciplinar a cidade e reordenar a área central” (TOLEDO, 1996, p. 14).

Prestes Maia ofereceu, após a estabilização da metrópole industrial, em seus estudos sobre São Paulo, chances para se obter mobilidade, em que as avenidas se tornaram limites importantes no território paulista. Na gestão anterior de Fabio Prado, os primeiros conceitos do Plano de Avenidas foram brevemente aplicados e retomados com “a abertura das avenidas Rebouças e Nove de Julho, o alargamento da rua Xavier de Toledo e o prolongamento da rua Augusta” (FONTENELE, 2010, p. 52). Após a consolidação do que desejava aplicar à cidade, Maia elevou-se a prefeito entre os anos de 1938 e 1945 o que garantiu a efetivação de seus conceitos.

Nos estudos acerca do Plano de Avenidas, foram atribuídos aspectos urbanos dos profissionais estrangeiros: o alemão Joseph Stübben e o francês Eugène Hénard. Este último defendia o perímetro de irradiação com caminhos para o centro da área urbana, com apoio de pequenas ruas e ampliação do centro. Similarmente, Joseph Stübben considerava as ruas radiais as principais , e destacava as conexões entre núcleo e entorno. Hénard tem como base teórica o perímetro de irradiação, e Stübben sistema radial perimetral que em união foram incorporados no Plano de Avenidas (figura 41).

Figura 41- Esquema representando a produção de centralidades, Ruas e Avenidas inspiradas em modelos das cidades de Eugène Hénard.

Fonte: TOLEDO, 1996, p. 122

Surgindo destas referências internacionais de planejamento urbano, as Avenidas Radiais do Plano de Avenidas eram as estruturas de desenho viário vindas a partir do centro, e conectavam com ruas importantes os focos comerciais da metrópole (figura 42).

Figura 42- Esquema representando o centro, que concentrou o Perímetro de Irradiação, e as diversas ruas que ligavam as regiões mais movimentadas da cidade na metade do século XX.

Fonte: TOLEDO, 1996, p. 160

O Perímetro de Irradiação tinha como principal foco a descentralização do Triângulo Histórico, expandindo as atividades comerciais e aliviando as vias de trânsito. O foco dessa expansão em todas suas propostas foram a Praça da República e o Parque Pedro II, que faziam parte de uma conexão entre quadras que necessitavam do alargamento de ruas (figura 43).

Figura 43- Alargamento de vias e construção de uma avenida capaz de envolver o Parque Dom Pedro II até a Praça da República, com os bondes e luminárias elétricos.

Fonte: ANELLI, 2007, n. p.

Entre as três fases do Perímetro de Irradiação, efetuou-se próximo à Praça da República um segundo desenho proposto ao Plano de Avenidas que previu a remodelação da Praça da Sé e a chegada a Praça da República pela Rua Timbras.

A partir da Praça da República, mantém-se a idéia de se abrir uma avenida no quarteirão entre as ruas São Luís e 7 de Abril, ampliando-se sua área, já agora com uma praça rotatória ao centro, que iria implodir o quarteirão, dividindo-se em três avenidas no rumo sul. Uma delas é a que figurava no esquema anterior: Viaduto São Francisco, Rua Benjamim Constant, Ladeira do Carmo. A outra era o embrião do traçado que acabaria sendo executado, com alterações, anos depois. A avenida, mais ao sul, cortaria os dois vales onde, hoje, correm as avenidas 9 de Julho e 23 de Maio e passaria atrás da Catedral, continuando pela Rua Tabatingüera até o extremo sul do Parque Pedro II. (TOLEDO, 1996, p. 146)

Segundo Benedito Lima de Toledo (1996), o curso efetivo das Avenidas de Irradiação inseridas na mudança comercial para resultado do Centro Novo continha: a troca da Avenida Timbra para a Ipiranga; eixo da Rua São Luís; formação de viadutos (figura 44).

Figura 44- Alargamento e construção de ruas entre os dois focos de expansão.

Fonte: ANELLI, 2007, n. p.

Baseado na filosofia de diagnóstico da cidade, Prestes Maia, como urbanista, valorizou as obras ao mesmo tempo que esculpiu seus arredores. As áreas comerciais estavam em total desordem com a aglomeração de um comércio baseado no sucesso da imigração, e a intervenção do Plano de Avenidas, além de desenhar estas vias, destacou esta interação humana presente nas atividades econômicas. Vanderli Custódio (2004) caracteriza como uma das essências do Plano, justamente o edifício e a sua capacidade de se inserir uma realidade presente no cotidiano de quem frequentava o centro. Este processo de conceituação e implementação de planos que valorizassem a cidade e suas relações contou com a presença de diversos profissionais na intervenção em São Paulo:

No primeiro escalão do que se poderia chamar de urbanistas paulistas – cujas práticas marcariam a cidade até os anos 1960 –, tem-se o próprio Victor da Silva Freire (1869-1951), João Florence de Ulhôa Cintra (1887-1944) e Francisco Prestes Maia (1896-1965). Em um segundo escalão, encontram-se Arthur Saboya e Saturnino de Brito, este último mais sanitarista do que urbanista propriamente dito. As idéias mais influentes foram as de Camillo Sitte (1943-1903), Joseph Stübben (1845-1936) e Eugène Alfred Hénard (1849-1923) (CUSTÓDIO, 2004, p.82)

A transição de Centro Velho para o Centro Novo, foi parte de uma necessidade de mudança de foco, em que as potencialidades do entorno da Praça da República foram apresentadas com o objetivo de melhorar a qualidade viária e urbana da cidade como um todo. Apesar de externamente dar ênfase a elementos pertencentes a arquitetura clássica e mais tarde ao Art Déco americano, as edificações das quadras possuiam lotes estreitos e de grande profundidade com a exclusão de recuos e uma heterogeneidade de gabaritos.

Esse processo de planejamento urbano apresentou novos pontos a legislação que atuou junto com os investidores para a construção de edifícios marcantes (figuras 45 e 46) e as galerias do Centro Novo. Os novos edifícios do centro de São Paulo no século XIX ainda apresentaram características do ecletismo arquitetônico, mas tiveram que seguir as inovações urbanas, parte de uma ideia que “[...] incentivava a ocupação dos lotes por edifícios que marcaram a paisagem, “seja pelo conjunto arquitetônico que se formaria ao longo das avenidas, seja pela ocupação dos lotes nos pontos focais do circuito ou pela implantação em grandes espaços aberto” (FONTENELE, 2010, p. 57).

Figura 45- O Perímetro de Irradiação entre o Parque Dom Pedro II ao canto esquerdo,até a Praça da República com o Instituto Caetano de Campos.

Fonte: TOLEDO, 1996, p.129

Figura 46- O entorno da Praça da República ainda com os edifícios de 4 pavimentos, mas mostrando a singularidade da Avenida São João que conectou os dois núcleos.

Fonte: TOLEDO, 1996, p.150

Houve claramente a união de uma expansão horizontal e vertical, visto que entre o Centro Novo e o Centro Velho, em 1930, ainda possuiam cerca de cinquenta edifícios mais altos, pertencentes ao fenômeno dominado pela iniciativa privada, explicando suas dimensões reduzidas no início do movimento. Constituindo as atividades de escritório e terciárias no

Centro Novo, os novos edifícios fizeram parte de um movimento de verticalização gradual entre 1930 e 1945, com a aceitação do Movimento Moderno, além dos resultados das interferências de planejamento urbano.

2.2 Movimento da verticalização e a inserção das galerias no Centro Novo

Para dar início ao estudo do movimento de verticalização do Centro Novo da cidade de São Paulo, é necessário pontuar de que forma o urbanismo e a tecnologia se encaixaram e atuaram como ativo preliminar nos investimentos verticais.

Nadia Somekh (1997), cita que os principais fatores responsáveis por estimular a verticalização no século XX em São Paulo foram a: relação do espaço com a economia; o zoneamento; a tecnologia dos elevadores; o controle do estado sobre as terras e as influências internacionais de planejamento urbano.

Ver-se-á adiante que a história do urbanismo e do planejamento urbano nasce da necessidade de controle do conflito de classes nas cidades industrializadas. [...] O mercado da terra urbana, atuando de modo imperfeito, demanda a ação do estado para liberar a terra para investimentos mais lucrativos. (SOMEKH, 1997, p. 30)

O desenvolvimento do arranha céu americano atuou como grande inspiração para a evolução da silhueta urbana em São Paulo. Nos Estados Unidos ocorreram avanços na utilização de estruturas metálicas no início do século XX, o que contribuiu, junto com a tecnologia dos elevadores para a construção de ícones arquitetônicos em cidades como Chicago e Nova Iorque. Exemplos de contemporaneidade e eficiência, os arranha-céus utilizaram estética Art Déco e o Estilo Internacional nos primeiros anos do século XX, mas que com a contribuição de arquitetos como Mies Van der Rohe se tornaram parte do Movimento Moderno e influenciaram nas edificações em São Paulo.

Somado a estes fatores, no século XX na cidade paulista, houve um grande crescimento da população e a consolidação de bairros. Bairros vindos da consequência do zoneamento em que cada região exibiu específicas funções na cidade, em especial o centro que recebeu atividades comerciais e contemplou 70% dos edifícios pertencentes ao fenômeno da verticalização.

Edifícios altos e verticalização não são consequências naturais da urbanização, mas opções possíveis de configuração no largo espectro das soluções urbanísticas (12). A verticalização constitui um dos traços característicos da urbanização brasileira. Primeiramente, pela própria intensidade com que ela se dá, mas também pelas formas que ela assume. São Paulo é o grande ícone desse fenômeno. Nessa cidade, ele adquiriu proporções de peso apenas a partir das décadas de 1960 e 1970. Antes disso, entretanto, edifícios altos e áreas verticalizadas constituíam uma simbologia que encontrou seu espaço na própria história da cidade. Eles eram associados à ideia de modernização, de progresso e aos êxitos econômicos da metrópole. Durante as décadas de 1920, 1930 e 1940, estabeleceram-se os alicerces para o desenvolvimento desse fenômeno. (SILVA, 2007)

Nadia Somekh (1997) na obra intitulada A (des)verticalização de São Paulo, divide este processo em períodos conforme o caráter das edificações. O primeiro período de 1920 a 1940, é caracterizado por uma grande influência europeia nas edificações em São Paulo, também com destaque para a criação da Lei n. 22.332 que prescreveu a utilização dos elevadores em 1920 mais tarde efetivada em 1940. Houve também estímulos por parte da legislação em que no Centro Novo, permitia edificações com até cinquenta metros de altura, com coeficientes de aproveitamento crescentes por conta da falta de recuos e a simultaneidade ao Plano de Avenidas tornavam as construções cada vez mais altas.

Nos anos seguintes, entre 1940 e 1957, transcorreu a construção de edifícios residenciais na verticalização com influências americanas além do Centro da cidade. Influenciados por movimentações na economia como os financiamentos e a previdência, as propriedades faziam um sucesso entre a população que comprava o que consequentemente proporcionou um crescimento ainda maior nos bairros no entorno do centro.

Na área central, a ocupação do solo urbano era praticamente total, sendo livres apenas as áreas internas dos grandes prédios. A existência de um terreno desocupado, em geral servindo de estacionamento, indicava que mais um “arranha-céu" estava para surgir. O mesmo fato repetia-se em proporções menores no “Centro Novo" , recentemente integrado ao núcleo antigo (SOMEKH, 1992, p. 80).

Os anos entre 1957 e 1967, foram caracterizados por Nadia Somekh (1997) como pertencentes às evoluções causadas pelo automóvel e as mutações de coeficiente de aproveitamento, correspondendo aos índices: 4 em edifícios residenciais, e 6 nos comerciais. O quarto e quinto período de desenvolvimento da verticalização em São Paulo entre os anos 1967 e 1979 segundo a autora, foram manipulados por dois movimentos estatais: a criação do Banco Nacional da Habitação, que era responsável por financiar habitações populares; a Lei de Zoneamento de 1972 que permitia a multiplicação de solo que a longo prazo resultaram em problemas de mobilidade e moradia, e valorização de áreas mais elitizadas.

O Banco Nacional da Habitação foi uma organização nacional, criada em 1964 e encerrada em 1986, responsável por auxiliar a população na compra de imóveis para habitação, e foi importante para o fenômeno da verticalização porque ele estimulava e auxiliava a população resolvendo seus empecilhos em financiamento. O Zoneamento, tornou intensivo o processo de verticalização, supervalorizando as terras e o controle das áreas e preços, mas causou problemas como:

A segregação de usos na cidade, além de inflacionar os preços fundiários, reforça os problemas urbanos através da sobrecarga da infra-estrutura e do sistema viário. Regiões estritamente residenciais não oferecem trabalho, isto provoca o deslocamento da população para os centros de emprego sobrecarregando os transportes. Os quase vinte anos da aplicação da lei de zoneamento tornaram-na um instrumento além de complexo, bastante complicado. Em 1972 foram criadas 8 zonas. Hoje existem 27 modalidades diferenciadas, consolidadas em leis que ocupam mais de 700 páginas de um compêndio. A falta de clareza da legislação é um dos fatores que reforça o processo de clandestinidade da cidade. Além de ser antidemocrática, uma vez que pode ser compreendida por poucos abre espaço para possíveis e prováveis desvios (SOMEKH, 1992, p. 82).

Além das interferências espaciais da lei de zoneamento como auxílio à consolidação da metrópole, sucedeu-se o Plano Diretor 91, que em conexão com as modificações urbanas da cidade e sua verticalização, procurou solucionar problemas de adensamento e de moradia resultados da industrialização. O Plano consistiu em uma série de determinações capazes de controlar as movimentações das empresas públicas e privadas na configuração da cidade. Englobando todas as esferas da atividade urbana, industrial, comercial, imobiliária e as necessidades por condições melhores de vida, a discussão procurou promover uma cidade mais democratizada e justa. Estes fatores presentes na articulação do Plano, estimularam o adensamento de forma compensatória e se relacionavam com a verticalização.

A principal relação entre o Centro Novo de São Paulo e a verticalização, são as consequências destes fenômenos espaciais e sociais citados anteriormente e a grande transformação de desenho que foi o Plano de Avenidas Prestes Maia. A união destas transformações urbanas gerou uma cidade cosmopolita e segregada, além de sedimentar as evoluções comerciais a partir de novas estruturas viárias e edifícios (figura 47).

Figura 47- Avenida São João no ano de 1950, seguintes ao impulso da verticalização, plano Prestes Maia e reformas de legislação.

Fonte: OLIVEIRA, 2014, n. p.

A relação entre o Plano de Avenidas e a Verticalização no Centro

Segundo Nadia Somekh (1997), Prestes Maia aplicava a ideia de uma divisão da cidade baseada no adensamento e verticalização inseridas de forma adequada no viário proposto, e este fenômeno era muito bem vindo vide o momento econômico e urbano da cidade em 1930.

E com isso, é possível dizer que a verticalização estava presente no principal plano urbanístico da cidade, pois Prestes Maia defendeu a construção dos edifícios e o desenvolvimento do zoneamento a fim de controlar as modificações.

A emergência da verticalização em São Paulo resulta da conjunção de uma série de condicionantes. A cidade passa a concentrar população e atividades, requerendo novas configurações espaciais. A atividade industrial, ampliando a divisão técnica do trabalho, necessita de novos espaços de escritórios. O desenvolvimento tecnológico decorre de novas necessidades: estruturas de concreto e a conseqüente provisão de cimento, além da disseminação dos elevadores. A divisão social do trabalho requer novos agentes. O capital imobiliário, em fase de constituição, exige a multiplicação do solo urbano (verticalização), muito mais em função de uma estratégia de valorização, que se compõe com a subdivisão do solo urbano (loteamento), do que efetivamente pela valorização fundiária da metrópole, incipiente (SOMEKH, 1997, p. 65).

O urbanismo em São Paulo buscou resolver problemas de capital imobiliário, tornar a cidade habilitada e setorizada, tudo isso somado com o interesse em contatos internacionais. De acordo com Heliana Vargas (2018), as galerias se inseriram em 1950 na metrópole devido a uma grande movimentação e crescimento de atividades culturais em associação com o adensamento. Este adensamento em muitos edifícios se tornaram residências, mas que dispunham também de espaços públicos. A legislação também permitiu a construção destes edifícios galeria de gabarito alto a partir de 1957, principalmente no centro de São Paulo. Prestes Maia, como comentado, aprovava a inserção dos edifícios altos no planejamento, mas sempre enfatizando a preservação de questões como embelezamento; silhueta; mobilidade e organização da cidade para o andamento da modernidade.

Nadia Somekh (1997) descreveu o urbanismo paulistano como a busca por sucesso nas dinâmicas urbanas, funcionalidade da cidade e de sua economia, deixando de lado a importância das relações sociais para o desenvolvimento da cidade. Houve também a definição do urbanismo moderno como originado de um “[...] crescimento explosivo das cidades industriais, com a consequente concentração demográfica” (SOMEKH, 1997, p. 58). Mais especificamente o urbanismo moderno baseava-se na obtenção de uma cidade com processos mais igualitários, utilizando artifícios políticos para seu sucesso sendo possível relacionar o movimento às atuações do Banco Nacional de Habitação e o Plano Diretor.

Disposto a solucionar os problemas de crescimento populacional e fatores sociais o urbanismo moderno segundo Nadia Cahen (2004) foi junto com os arquitetos do movimento, responsável por disseminar as ideias nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, e nos processos legais como o zoneamento e loteamentos.

Como dito anteriormente, os nomeados arranha-céus foram ponto importante para o desenvolvimento das galerias comerciais, onde a possibilidade de uma variedade de usos na edificação foi apresentada. E junto com as edificações de grande gabarito na Praça da República, também foram concebidas as galerias que, diferentemente do que foi visto na capital francesa, desempenharam um papel de recepção à nova população do Centro Novo vinda com a especulação imobiliária.

A Praça da República, a maior área livre dessa nova porção da cidade foi adquirindo importância e assumindo a função de núcleo desse novo centro. Depois da construção do Viaduto do Chá e de várias intervenções da administração pública e da iniciativa privada, entre elas a reformulação de seus jardins e a construção, em 1892-94, da Escola Normal e seu Jardim da Infância, a praça tornou-se um dos espaços mais visitados da cidade. Nas décadas de 20 e 30, a região da praça abrigou algumas das mais concorridas salas de cinema, mantendo a sua vocação como espaço de lazer. Com as salas de projeção, vieram as confeitarias, floriculturas, cafés, charutarias, ateliês de moda, escritórios, enfim, todo um conjunto de atividades intensificadas nos anos 50. O Centro Novo tornou-se então um importante espaço cultural e intelectual da cidade (ALEIXO, 2005, p. 68-69).

Apesar de inseridas em um contexto similar de expansão urbana, as galerias de São Paulo se diferenciavam arquitetonicamente das passagens de Paris, e receberam destaque com a expansão econômica, mas também já eram parte da malha urbana com os mercados e as feiras mais populares. Com desfecho parecido, os arranha-céus e as galerias imprimiram na capital paulista uma nova vida em meio aos espaços públicos com destaque no bairro da República, em que todo o tipo de público passava, sendo a acessibilidade uma característica muito marcante das novas galerias.

O arranha-céu, segundo Sabrina Fontenelle (2010), inserido neste contexto das galerias e da evolução no Centro Novo, diz mais sobre a característica de gabarito e as suas relações com a cidade visto que, a partir de 1940 os edifícios eram denominados desta forma.

O grande prédio de escritórios apareceu nas nossas cidades como resultado das grandes transações, cuja tendência de se concentrar em pequenas áreas, produziu a super-valorização dos terrenos. Tornou-se assim interessante aumentar o espaço alugável no sentido vertical. A grande loja de departamentos, agora familiar em quase toda parte, não existia há 80 anos atrás. Hoje, para a conveniência do comprador reúnem-se inúmeras lojas num mesmo edifício e sob a mesma orientação. O grande prédio de apartamentos também é de desenvolvimento recente. Com os métodos

modernos de construção, torna-se mais barato construir um único prédio para cinqüenta famílias do que cinqüenta casas isoladas. Assim, não só os aluguéis são mais baixos, mas também a manutenção da casa mais fácil e econômica. Eis aí três novos problemas para o arquiteto. Se ele os resolver de maneira efi ciente e deixar que a forma se desenvolva naturalmente através da função, seus edifícios não se assemelharão a arquitetura alguma do passado; suas formas serão novas, porque suas funções são novas. Portanto, a atual maneira de viver é a base da nova arquitetura.(PILOTIS, 2005 apud FERRONI, 2008, p. 75)

O aparecimento dos edifícios galeria comercial se deu por conta de uma demanda econômica e a satisfação da elite paulistana, além da inserção de atividades culturais no Centro Novo (figura 48).

Figura 48- Transformações urbanas baseadas no sucesso dos arranha-céus.

Fonte: FONTENELE, 2010, p. 70

Entre as diversas transformações da cidade nos anos de 1930 e 1940, a arquitetura moderna paulistana surgiu, ao mesmo tempo que passou a se valorizar a profissão de arquiteto

junto com as influências internacionais. As faculdades de São Paulo em 1930, como o Mackenzie e a Escola Politécnica, formavam engenheiros-arquitetos nacionais famosos por suas intervenções na cidade, podendo citar: Vilanova Artigas; Ícaro de Castro Mello; Oswaldo Corrêa Gonçalves; Eduardo Kneese de Mello e Oswaldo Bratke. Além dos profissionais estrangeiros como Jacques Pilon e Franz Heep. Os projetos defendidos pela arquitetura modernista brasileira se apoiaram em obras públicas, e representaram uma inovação que desfrutou dos prestígios do Plano de Avenidas e da mudança de estilo de vida. O aparecimento de vida cultural na metrópole paulistana foi determinante para a construção destes edifícios modernos, e o Centro Novo se tornou um dos focos desse desenvolvimento.

A concentração destes edifícios na região apontava para o grande ponto de encontro que se formou neste período - uma vez que um grande número de pessoas habitava, estudava, trabalhava e divertia-se entre os diversos edifícios da região. Nos pavimentos térreos de muitos destes edifícios modernos, novos espaços de encontro eram construídos. Cafés, livrarias, galerias de arte eram lugares de permanência aos transeuntes que cruzavam caminho pelas galerias cada vez mais comuns do Centro Novo. A região era palco de uma nova cultura urbana onde as mais diversas tradições de diversos grupos se misturavam, dando origem ao que poderia se chamar de ar cosmopolita (FONTENELE, 2010, p. 79).

Em transição para o subcapítulo seguinte, o Centro Novo se tornou um local atrativo para os empreendimentos imobiliários, vide o seu caráter dinâmico e inovador. Além disso, esta área da cidade recebia um grande fluxo e as atividades comerciais e culturais, como os cinemas, todas direcionadas para o local a partir do ano de 1950, simultaneamente ao grande índice de adensamento por conta do aproveitamento de lotes e a possibilidade dos arranha-céus. A cidade buscava cada vez mais se tornar moderna, e todos os fatores favoreciam esta transição, com conceitos como organização espacial, economia e diversidade de usos. Com destaque para os bares e restaurantes que se formavam em meio aos edifícios, e os cinemas como o famoso Cine Piratininga.

A partir destes diversos fatores sociais e urbanos vistos até o momento, é possível constatar que a origem das galerias comerciais em São Paulo se alimentou da mesma fonte que as galerias europeias e americanas: vitalidade urbana. Claramente, a viabilização destes espaços dependem das interações humanas e da afetividade com a vida pública sob as galerias.

A paisagem mudou, abandonando aos poucos os ambientes reservados e protegidos da aristocracia para ganhar as ruas. As formas de encontro também mudaram, houve a mescla de tipos humanos: estrangeiros, migrantes e paulistas e a busca por respostas aos anseios sociais oriundos da vida na metrópole e com elas a construção de novos espaços. A vida moderna impunha uma outra relação no campo dos negócios, comércio, trabalho, aprendizado, moradia e cultura (ALEIXO, 2009, p. 91).

Pode-se dizer que qualquer espaço público necessita do fator humano, mas em suas relações com a economia e a vida financeira, as galerias comerciais apesar de majoritariamente inseridas pelo poder da elite, abrigam todo tipo de atividade. As galerias comerciais foram capazes de acomodar as novas necessidades culturais da população, através das quadras do Centro Novo, espaços de convivência e diversidade cultural se formaram, além da apropriação dos arranha-céus que foram destinados aos serviços terciários de escritórios e as residências.

Seu caráter acessível e popular é uma de suas diversas contribuições para as atividades coletivas, e em especial, será estudado e se questionará baseado nos conceitos estudados previamente: por que algumas galerias comerciais do entorno da Praça da República são parte importante da relação entre edifício e espaço urbano em São Paulo no século XXI e outras não? O que as galerias comerciais do centro de São Paulo representam hoje, e qual a importância do pedestre na vitalidade destes espaços?

Assim como feito por Johann Friedrich, é relevante a identificação do que corresponde a “galerias comerciais” no contexto do Centro Novo de São Paulo. A definição desta tipologia, recebe variações e Sabrina Fontenelle (2010), destaca que o aparecimento das galerias comerciais em São Paulo, toma rumos distintos do que já se viu na Europa:

No caso de São Paulo, o que se entende por "galeria comercial” apresenta um desenho que se diferencia da proposta original europeia, em especial a francesa. Configuram-se como corredores de ligação entre ruas (na maioria das vezes, duas) com frentes de lojas voltadas para o seu interior. Estas galerias ligavam vias com um fluxo alto de passagens de pessoas. Não apresentavam iluminação zenital, nem se destacavam pelo corredor central com pé-direito duplo ou triplo, porque, em geral, localizavam-se no pavimento térreo de edifícios de vários andares (FONTENELE, 2010, p. 148).

A autora Joana Sarue Machado (2008) atribui uma coexistência das galerias de São Paulo com a necessidade de espaços privados e acessíveis que a cidade passava, com exemplo das lojas de departamento. É definido que a galeria comercial se forma com bases estrangeiras, e afirma-se que onde mais se localizam as galerias comerciais é no Centro Novo de São Paulo, devido a fatores da transformação urbana:

Em São Paulo as galerias comerciais surgiram no século XX, tendo como base a ideia francesa e com a intenção de aumentar as áreas "rentáveis" dos edifícios. A grande maioria delas existe até hoje e está localizada no Centro Novo da cidade. Com seus usos destinados ao comércio e serviços, muitas delas acabaram por se especializar em algum tipo de produto. São utilizadas também como passagem para os pedestres que querem apenas cruzar as quadras através de seu interior (MACHADO, 2008, p. 2).

De acordo com Heliana Comin Vargas (2018), na obra intitulada Espaço Terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio, o aparecimento das galerias comerciais foi

resultado do estabelecimento de uma cultura urbana, e “tornaram-se símbolos da modernidade por abrigarem no mesmo espaço funções urbanas diversas e oferecerem um espaço privado com características de espaço público” (VARGAS, 2018, p. 221).

Além destes fatores, a autora supramencionada faz uma distinção a partir das galerias vistas anteriormente em edifício-galeria, edifício comercial e passagem porém no contexto do trabalho, cada galeria tem suas especificidades mas todas adotam objetivo comercial, assim como o abordado nas passagens parisienses.

Ou seja, o termo galeria comercial se refere às possibilidades, permitidas pelas transformações urbanas e pela modernidade, de se permear o centro, além de desfrutar das arquiteturas com continuidade e multifuncionalidade. Dessa forma, Heliana Comin Vargas (2018) distingue as galerias comerciais em tipos, sendo eles: Edifício conjunto, capaz de reunir múltiplas funções como comércio e escritórios; Edifício galeria, com acesso a lojas e possibilidade de passagem; Edifício comercial, com sua totalidade atendendo comércios e serviços e a Passagem, que configura um atalho por entre a quadra com a presença de lojas.

Sabrina Fontenele (2010) destaca as implantações dos edifícios do Centro Novo, situadas em grandes quadras; e Nadia Cahen (2004) caracteriza a Avenida São Luís como um dos focos de uma junção perfeita entre intenções comerciais padronizadas no Centro Novo e a prosperidade arquitetônica. Estes estudos e a junção dos últimos capítulos com suas respectivas referências justificam a escolha da quadra e da Avenida São Luís, de acordo com os critérios de morfologia urbana, permeabilidade e arquitetura da pesquisa.

2.3 Galerias comerciais da Avenida São Luís

Para que seja possível a compreensão da relevância da Avenida São Luís para as dinâmicas urbanas do Centro da metrópole, é necessário uma breve contextualização histórica, e neste subcapítulo serão apresentados argumentos para as escolhas do estudo de casos.

Nos anos anteriores à construção dos edifícios marcantes da avenida, ela foi, anterior à 1900, um dos núcleos de atividade da elite paulistana, que iniciou um processo de loteamento dando origem aos palacetes que pertenciam à família Souza Queiróz de 1860 até 1930. Nomeada como Rua a partir de 1881 por conta de suas chácaras, a São Luís era um eixo de passagem do centro histórico e importante via entre cidades na grande São Paulo, também destinando no século XIV ao transporte do café.

A partir de 1930 as chácaras dos Barões da família foram vendidas e divididas por seus herdeiros para atender a necessidade de maior aproveitamento dos terrenos dos palacetes, que tinham caráter muito disperso. E de forma cronológica, paralelamente à criação de novas ruas e avenidas no Plano Prestes Maia, a Avenida São Luís se formou, sendo que antes de 1930 ela possuía grandes lotes (figuras 49 e 50) no Centro Novo de São Paulo.

Figura 49- Centro Novo em 1930, Mapeamento 1930 - Sara

Base: GEOSAMPA, Mapeamento 1930 - Sara

Desenho: autora (2021)

Figura 50- Rua São Luiz, Mapeamento 1930 - Sara

Base: GEOSAMPA, Mapeamento 1930 - Sara

Desenho: autora (2021)

Os grandes lotes pertenciam às famílias mais influentes da década de 1920, com atenção para a grande escala dos lotes que ainda continham os palacetes vindos do sucesso da economia cafeeira, e o caráter da Rua era muito disperso e heterogeneizado (figura 51).

Figura 51- Loteamentos da Avenida São Luís em 1930, pré Plano de Avenidas.

Fonte: CAHEN, 2004, p. 72.

Este caráter residencial dos lotes da via se modificou conforme o interesse de

aproveitamento do eixo e dos terrenos no Plano de Avenidas Prestes Maia já apresentado anteriormente. A Avenida ainda tinha nome de Rua São Luís e a suas transformações urbanas foram:

Começadas as obras, a então Rua de São Luiz foi regularizada, nivelada e alargada, passando de 13 para 33 metros, prolongando-se da Avenida Ipiranga até a Rua da Consolação (1942). As árvores existentes foram preservadas apesar do alargamento: as localizadas do lado par (Biblioteca Mário de Andrade) passaram a ficar no canteiro central da avenida; as do outro lado (EdifÌcio Italia), foram mantidas na calçada (CAHEN, 2004, p. 82).

A verticalização da Rua São Luís foi um processo presente nas inovações de Prestes Maia, que acreditava na padronização de estética ao longo das vias, com as modificações de zoneamento, foco na descentralização do centro histórico e popularização do Centro Novo.

E com a transferência parcial do perímetro de irradiação do Plano de Avenidas para a até então Rua São Luís foi determinante para a caracterização da via, que recebeu este foco por conta da construção dos edifícios Esther (1938, arquitetos Adhemar Marinho, Álvaro Vital Brazil) e a Biblioteca Mário de Andrade (1942, arquiteto Ramos de Azevedo) a partir do ano de 1930.

Doravante aos projetos citados, é possível seguir em uma conceituação cronológica da Avenida São Luís, renomeada de acordo com as transformações do Plano de Avenidas. Primeiramente o edifício Itália inaugurado em 1965, projetado pelo arquiteto alemão Franz Heep, foi um dos marcos da arquitetura verticalizada da área de estudo, além de adotar relações comerciais diferentes das abordadas no trabalho, com seu terraço e restaurante como ponto da boemia da década de 1970.

O edifício Itália é caracterizado por Denise Xavier (1999) como privilegiado na cidade, capaz de conter uma série de atividades. Sua galeria comercial, localizada no térreo possuia catorze lojas com anexo de sobrelojas, mas é possível apontar que sua importância como variável urbana para as galerias não se sobressaia comparado com sua inovação arquitetônica. Ou seja, aspectos construtivos, estruturais, estéticos e de escala são os destaques da arquitetura. E por conta disso o edifício não se encaixa na proposta de estudo das arquiteturas, apesar de adotar prestígio na história das galerias.

O desenho da galeria,no entanto, à revelia do que sugere a perspectiva de apresentação do empreendimento, funciona muito menos pelo caráter atrativo da elegância do espaço interno ou das lojas - de número muito reduzido para justificar o passeio — e muito mais pela possibilidade de encurtamento de caminho, uma vez que desenha um corte transversal no terreno ligando a calçada da avenida Ipiranga com a calçada da então rua São Luiz (XAVIER, 1999, p. 82).

Mais a frente na Avenida, encontram-se os edifícios Conde Silvio Penteado (1951, Engenheiro Ricardo Capote Valente), Louvre (1942, João Artacho Jurado) e o Conjunto Zarvos e Embaixador (1959, Julio Neves), além do edifício Copan (1952, Oscar Niemeyer) e do edifício Galeria Metrópole (1956, Gian Carlo Gasperini e Salvador Candia). Entre os citados, todos em algum momento possuíam a atuação como galeria comercial e neste momento é importante relatar suas trajetórias enquanto espaços públicos comerciais da Avenida São Luís (figura 52).

Figura 52- 1-Edifício Itália, 2- Edifício Conde Silvio Penteado, 3- Edifício Louvre, 4- Edifício Copan, 5- Edifício Conjunto Zarvos e Embaixador e 6- Edifício Galeria Metrópole

Base: GEOSAMPA

Desenho: autora (2021)

O edifício Conde Silvio Penteado, com projeto de 1950, é um dos destaques da avenida por se apresentar como um dos caminhos entre quadra, se conectando com o Copan e segundo as definições de Heliana Comin Vargas (2004) definido como uma passagem que segue como percurso com focos comerciais de um ou dois lados. Com autoria do engenheiro Ricardo Capote Valente o edifício possui pavimentos residenciais em sua extensão e no térreo apresenta quatro lojas, com duas viradas para a avenida e duas para a parte interna da galeria. A junção dos caminhos com o Copan caracterizam a permeabilidade da quadra e refletem a relação arquitetura e cidade presente no Centro Novo e na intenção dos ideais do modernismo na época (figura 53).

Figura 53- Edifício Conde Silvio Penteado e uma de suas passagens

CUNHA JR, 2018, n. p.

Ao final do lado da quadra em questão, se encontra o Conjunto Zarvos e Embaixador projetado pelo arquiteto Arquiteto Júlio Neves em 1958 que se encaixa no subcapítulo devido novamente ao seu caráter de permeabilidade. Conectando a Avenida Consolação e a Avenida São Luís por dois níveis, o projeto possui pavimentos superiores com residências e antigamente acomodou o restaurante Paddock que oferecia música ao vivo com “seus salões amplos voltados para a avenida São Luís [...]” e um dos “endereços elegantes que sobrou no centro” (MELO, 2001, n. p.).Estes dois exemplos na Avenida São Luís, possuem pouca documentação e por conta disso não foram selecionados para o estudo de caso, além de suas galerias atualmente se encontrarem em situação instável com as lojas fechadas e sem atividade cultural considerável. O restaurante Paddock não persiste no percurso das galerias, e o edifício Conde Silvio Penteado está com a atividade comercial paralisada e acesso restrito.

Ao se adentrar no percurso, estes edifícios formalizam uma falta de incentivo e recursos a favor da atividade comercial nas galerias, fato que será estudado mais a frente no estudo de casos. E por conta da ausência de material e afastamento da dinâmica urbana de forma dramática, os edifícios presentes na escolha dos estudos de caso são o Louvre, a Galeria Metrópole e o Copan. Explicando melhor, por pertencerem a arquitetos presentes arduamente na construção das volumetrias do século, os três edifícios do estudo de casos são mais

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