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Artigo

SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O MUNDO ATUAL Por Maria Eduarda D. de O. Marques RESUMO: O presente artigo propõe uma discussão sobre as nuances acerca do relativismo cultural aplicado aos Direitos Humanos debatidos na obra “Valores universais e direitos culturais” de Débora Diniz, doutora em Antropologia, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e gênero. A partir de uma revisão bibliográfica, é feita uma reflexão crítica e complementar à obra, amparada sobretudo em temas da Antropologia Cultural, no intuito de questionar os elementos intrínsecos aos limites da Cultura. Palavras-chave: Débora Diniz; Antropologia Cultural; Cultura

Sobre os Direitos Fundamentais

que nossos hábitos e costumes possuem na forma que enxergamos o outro — seja um único

U

ma das frases mais marcantes e que

indivíduo ou um grupo de indivíduos, dentro

refletem a problemática central da obra

ou fora de nossa sociedade — e seus hábitos e

se encontra logo no começo do texto:

cultura. Inicialmente, o processo de percepção da existência do outro nos leva a experienciar um

“É o fato de que exatamente não há nada de inalienável no ser humano, senão a própria crença humana de que temos algo inalienável e, quem sabe, sagrado a ponto de ser protegido” (DINIZ, 2001, p. 58).

sentimento de estranhamento, ou até mesmo de reprovação, baseado no que é julgado estar de desencontro com nossas próprias ideologias. Com isso, o argumento subsequente da autora expressa o inegável papel atuante do relativismo

Tal afirmação da autora me remete, como discutido já nas primeiras aulas da disciplina de Antropologia Cultural na faculdade, ao conceito de etnocentrismo, que consiste na influência

nesse cenário, enquanto discute sobre seus limites e fronteiras quando em relação ao que Diniz chama de “direitos fundamentais”. O exemplo utilizado por Débora Diniz é o da mutilação da genitália feminina, que se encontra ainda presente

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em diversas culturas, e como esta prática pode ser vista como um ritual cultural por uns, assim como um ato de violência por outros, singularmente a partir de um viés ideológico e cultural. Logo, um questionamento é levantado: quais são os valores culturais que justificam essas práticas? E, de forma ainda mais curiosa, chegamos ao fato de que antropólogos, assim como os indivíduos que pertencem a culturas que defendem a prática destes rituais, recorrem antes a justificativas de base cultural do que a julgamentos para esses fatores de diversidade cultural. A inclinação para justificar diferenças do tipo está diretamente ligada a críticas ao imperialismo, não somente dentro do campo da antropologia em si, mas também nas Ciências Sociais. Como seria possível ditar um único padrão cultural válido a ser aplicado sem limitações morais ou culturais? E apesar da inegável pluralidade

não é tão ética como alguns a julgam ser. A

humana — algo que consolida o conceito do

autora chama de “princípio norteador” aquilo

relativismo —, é evidente para a autora o processo

que poderia ser usado para justificar intervenções

de transformação do relativismo cultural como

de ações culturais que poderiam possivelmente

método em ideologia, e a dúvida crescente de

ferir os direitos básicos humanos. Na teoria, este

quem teria a responsabilidade absoluta de julgar

seria o princípio da liberdade, mas logo chegamos

a diversidade cultural como um todo. Contanto,

à conclusão de que há uma inércia cultural que

em outra frase particularmente favorita do

pode influenciar o desejo individual, fazendo

texto, a autora expõe: “A Antropologia mostra

com que, como citado do anteriormente, uma

exatamente que esse tribunal não apenas inexiste

mulher escolha passar pelo processo de mutilação

como qualquer tentativa de constituí-lo está

genital, sem necessariamente ser fisicamente

fadada ao fracasso” (DINIZ, 2001, p. 60), deixando

forçada a fazê-lo. Se torna, então, inviável discutir

claro que é impossível haver imparcialidade no

liberdade em contextos de opressão, e nos resta

julgamento de alguma cultura por parte de alguém

fazer uso, novamente, de perspectivas relativistas

que tem seus próprios valores e ideologias, tendo

para alcançar uma conclusão inclusiva e despida

em vista o fato de que a intolerância é parte

da influência de preconceitos. Complementando,

de todo sujeito que se encontra inserido em

lembro Caruso e Marques (2021, p. 9):

sociedade e que, portanto, possui alguma crença influenciada por ela. Assim, é criada uma tensão entre o universal e o particular, e vemos que a tolerância extrema

(...) Richard Sennett, em sua obra “A corrosão do caráter” (2003)... descreve a suposta “flexibilização” que o capital

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GNARUS - 93 provocou nas relações trabalhistas e sociais, inclusive nas relações entre o mercado e a cultura. Sua premissa inicial é que o modo de produção atual pode colocar a vida emocional das pessoas à deriva. Estamos todos expostos a uma forte tendência de se “reinventar decisiva e irrevogavelmente às instituições, para que o presente se torne descontínuo com o passado”. Justificase, assim, a dificuldade de os indivíduos construírem suas próprias histórias, a partir de suas experiências profissionais e de seus laços de dependência com outros indivíduos.

Referências CARUSO, F. & MARQUES, A. J. Ensaio sobre o negacionismo científico em tempos de pandemia. Research, Society and Development, v. 10, n. 11, 2021. DINIZ, D. Valores universais e direitos culturais. In: NOVAES, Regina (Org.). Direitos Humanos: temas e perspectivas. Rio de Janeiro: Mauad, 2001. pp. 57-66. SENNETT, R. A corrosão do caráter, consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. São Pualo: Record, 2003).

Conclusão Tudo isso nos transporta a um ponto onde

encaramos

o

choque

do

desfecho

proporcionado por todos os argumentos e conceitos apresentados pela autora no decorrer do texto. Qual seria o limite da tolerância? E até onde ela pode ser executada? Aos limites de um “tribunal dos olhos de deus”, como apontado pela antropóloga, ele pode, de fato, vir a ser útil para estabelecer um estado de paz entre conflitos extremos de encontros de diversidades, onde é impossível aceitar, por exemplo, a aniquilação ou escravização de um povo pelas mãos de outro. Com essa sendo a única opção viável que pôde ser encontrada, seu papel é defender a dignidade, liberdade e igualdade de todos, sem exceção. A força da luta dos direitos humanos fundamentais é reconhecermos a sua fraqueza e trabalharmos juntos para criticá-la, e aprimorá-la, visando que essa mesma forma de poder possa ser posta em prática em prol da Cultura, com “C” maiúsculo, como um todo.

Maria Eduarda D. de O. Marques é Graduanda em Ciências Sociais da PUC-RIO

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