Guia de Artista

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Guia de Artista



Org. Fernando Piola 2017



As suas obras envolvem o espectador em uma dimensão fortemente física e emotiva, com estratégias que podem adotar o elemento do perigo, da invisibilidade, da perturbação ou do extremo. Tenho a impressão de que a natureza crítica e opositiva da sua obra declare a inadequação do homem contemporâneo, do ser no mundo, uma suspensão necessária para refletir até o fundo sobre os próprios limites, por meio da experiência estética. As minhas obras nascem de intuições que, depois, são metabolizadas com os instrumentos que, de vez em quando, tenho à disposição. Procuro pôr o espectador em condições de provar uma experiência capaz de modificar a própria visão do mundo e de fazê-lo reagir. As situações de risco são aquelas que, com maior facilidade, põem em moto uma reação em quem as encontra. Não sei ainda quanto seja o caso de falar de inadequação do homem contemporâneo, ou melhor, creio que fazer a experiência de alguma coisa seja sempre uma ocasião para se perder e se achar de novo. 1



Você me disse que procura diferentes ferramentas de comunicação de acordo com a nacionalidade e a formação cultural. Eu imaginava que houvesse meios de comunicação universais. Qual a importância desses elementos para o seu trabalho? Nossa pesquisa local geralmente se dedica à busca de inspirações para descobrirmos novas ferramentas – e acreditamos que sejam, na sua maioria, universais, muito embora primeiro originadas em uma localidade específica. A escolha de diferentes ferramentas pode surgir de nossa exposição a um dado cenário e ser determinada pelos diferentes ambientes culturais. Nossa intenção é, em geral, tentar transformar o local em universal à medida que combinamos diferentes estratégias e inspirações em cada projeto em que estamos envolvidos. Não acreditamos em um raciocínio linear ou em uma estratégia única. Por isso, nossa obra jamais pode ser percebida e compreendida apenas de uma maneira. Acreditamos na percepção em forma de uma espiral infinita que pode se abrir e fechar, pois o que nossa 3



obra tem de maior valor é o todo, e não as partes. Ao criar esse tipo de obra, você acredita que a perspectiva artística consegue traçar uma história alternativa ainda não detectada ou especulada pelas abordagens científicas? Sim, mesmo quando baseada na invenção de personagens, fatos ou materiais. As obras são, em geral, especulações a partir da história e revelam a realidade ficcional ou implícita ao contar histórias. As peças exploram tensões, estórias esquecidas, na busca de diálogo com a própria instituição. Como a obra aponta para uma memória alternativa da instituição, propõe uma discussão. Portanto, um dos desafios é negociar as ações e o conteúdo dos projetos e, ao mesmo tempo, administrar as expectativas da instituição com relação à verdade. Nesse sentido, não se trata de criar uma história alternativa, mas de comentar sobre seus sintomas. Você provavelmente tem de experimentar com muitos materiais até chegar ao efeito 5



que pretende. De certa forma, minha obra é muito experimental. Não parece ser, mas é. Você poderia falar um pouco sobre sua tendência ao construtivismo e não ao expressionismo? Na verdade, tenho pensado muito sobre isso. Até o momento, cheguei à conclusão de que essa questão tem a ver com a personalidade de cada um. Para mim, o artista que tenta apenas se expressar pode facilmente cair no auto-envolvimento. Tento evitar qualquer tipo de narcisismo; talvez seja uma sublimação da minha parte. A expressividade pode levar ao narcisismo, e tenho uma reação muito forte às práticas narcisistas, pois simplesmente não consigo ver sentido nelas. Também evito essa coisa toda do corpo – a representação do corpo e obras que enfatizam as experiências sensoriais – porque virou modismo e acabou se tornando o símbolo da arte brasileira. Público e crítica sempre esperam algo surpreen7



dente de seus trabalhos. Como lida com essa expectativa? A verdade é que é um lastro que pesa bastante, mas com o tempo, tenho aprendido a desfrutar mais o meu trabalho e o processo. De qualquer maneira, meu processo criativo é bastante doloroso, creio que tem mais a ver com o meu próprio caráter e também com a insegurança que todos os artistas têm quando iniciam uma nova experiência. Em sua opinião, qual é a importância dos muitos prêmios que já ganhou em reconhecimento por seu trabalho? Os prêmios sempre são reconfortantes. Ajudam a seguir em frente e dão autoconfiança. Você pensa: “Bem, se estão me dando esse prêmio é porque não estou muito equivocado”. Ao mesmo tempo, te dão mais responsabilidade, porque precisa seguir demonstrando que você, e não outro, merece esse prêmio. A questão da comunicabilidade/incomunicabili9



dade é recorrente em seus trabalhos. Não à toa, este é um dos pilares que fundamentam o mundo atual. Essa discussão foi seu chamamento para a arte? A questão da comunicabilidade ou a falta dela sempre foi importante para o meu trabalho, pois sempre vi a criação artística como diálogo com o público, ou ao menos como uma tentativa de diálogo, por vezes frustrada, onde entram em pauta importantes jogos de poder, questões de linguagem e semiótica, questões políticas e sociais e também, talvez até acima das questões anteriormente descritas, questões pessoais, emocionais, linguagens privadas. No entanto, não considero que este tenha sido o meu “chamamento” ou “chamado” para a arte (e acho interessante o uso da palavra “chamado” por sua carga religiosa). A arte, no início, foi para mim uma maneira de me colocar quando a linguagem verbal não bastava, e então quando, mais maduro, percebi que a linguagem artística tinha também estruturas semelhantes à linguagem verbal, uma gramática própria, uma retórica da imagem, que 11



poderia ser tão falha quanto aquela, passei a me debruçar conscientemente sobre esta questão. Você mencionou estar interessado no erro. Poderia complementar? O erro é como uma fenda. Abre novas possibilidades, novas maneiras de olhar. Leonilson, um artista brasileiro muito importante que faleceu na década de 1990, tem uma obra intitulada Leo não consegue mudar o mundo (1989). Você fez a mesma afirmação em uma entrevista certa vez: o artista não pode mudar o mundo. No entanto, seu trabalho está muito comprometido com questões importantes da política e da economia contemporâneas e com serenidade dirige o público para uma conscientização clara sobre a ética. Na sua opinião, qual o lugar da arte na sociedade contemporânea? A arte luta contra a falta de consciência e a estupidez generalizadas. Nietzsche definiu a filosofia 13



como a luta contra a estupidez. Hoje, a arte contemporânea tem de operar em campos nos quais outras disciplinas fracassaram. O que você acha da Bienal e do prédio que a abriga em relação à estrutura urbana específica de São Paulo? É curiosa a relação entre as proposições da Bienal (um espaço de reflexão e difusão da arte contemporânea) e o fato de até hoje ela estar encerrada quase que exclusivamente no edifício projetado por Oscar Niemeyer. Em certa medida, para mim, é como se aproximássemos a crise enfrentada pela instituição à crise representada por esse modelo de arquitetura. Quando passou a ser realizada no Pavilhão das Indústrias*, em 1957, a Bienal de São Paulo sinalizava também a intenção de se alinhar a uma discussão sobre as correspondências entre as distintas manifestações na área da cultura. E a transferência da mostra para o Parque do Ibirapuera, um dos principais marcos da arquitetura moderna em São Paulo, só enfatizou tais ambições. Depois de 15



um bom tempo, a discussão ao redor das artes visuais se instalou mais decididamente no interior da trama social da cidade, apontando para a importância e a necessidade da ressignificação de outros espaços urbanos, ao contrário do movimento geral manifestado por “nossa” arquitetura. Minha abordagem aqui considera então se esse edifício, marcado por muitos regramentos arquitetônicos e entraves “patrimoniais”, deveria seguir como o único local reservado para a manifestação da Bienal. Não creio estar em xeque o simbolismo de sua morada, ou a contundência da arquitetura que a abriga. Porém, é importante considerarmos que, se a discussão sobre o futuro dessa mostra pretende se dar de forma mais incisiva e transformadora, seus desdobramentos não podem ficar alheios ao fato de ela se realizar em um local tão cheio de restrições e impedimentos para certas ações da arte. A reflexão provocada e iniciada nesta edição da Bienal me parece uma grande chance para sairmos da posição de mera constatação das contingências desse espaço expositivo e encamparmos a decisão de estabelecer outra relação espacial com a cidade. 17



Quando comecei a sua entrevista, cheguei a pensar sobre situações dessa natureza, de trabalhos que vão se “decidindo” durante a exposição. Um coeficiente performativo está sempre presente na ordem construtiva dos trabalhos, cujo tempo anterior apresenta apenas indícios, esquemas de uma matriz geradora de procedimentos que são imprevisíveis. Você fala de intervenções muito pequenas, tão sutis e discretas que na escala do prédio da Bienal são quase invisíveis. Numa proposição assim, como você pensa a relação do público com o seu trabalho? Minha proposta vai, de alguma forma, na contramão do que se espera de um trabalho para uma grande mostra. É interessante você tocar nessa questão da relação com o público. Não penso nisso de uma forma pragmática. Cada trabalho acontece dentro de uma dinâmica interna que, de alguma maneira, determina essa relação. Alguns projetos que proponho são, por natureza, para um grande público – Rede e Constelações contam com a participação do público para existirem; outros são mais 19



intimistas, exigem um tempo, uma aproximação e uma atenção para que sejam apreendidos. O que o trabalho propõe é uma experiência “temporal”. Talvez alguém que vá à Bienal querendo ver tudo rapidamente, nem veja. Não importa. Em um dos projetos uma flor desfalece em frente a um objeto. Cada pessoa deverá ver a flor em um estado desse desfalecimento. Tudo acontece num tempo lento. É preciso que o observador entre no ritmo do trabalho. Ele trata exatamente da impossibilidade de apreender o tempo e, de uma forma oposta, do tempo acelerado que nós vivemos tentando dar conta em meio à avalanche de informações. Você fala que, de alguma forma, a sua proposta vai na contramão do que se espera de um trabalho para uma grande mostra. No entanto, essa “invisibilidade” das coisas que estão no nosso entorno por conta do tempo acelerado e da avalanche de informações que seu trabalho propõe não estaria operando próximo dessa perspectiva de pensar a própria Bienal dentro de outro formato? Ou seja, de outros modos de se relacio21



nar com as obras, com as informações e com os espaços expositivos? Acredito que sim. O campo de atuação da minha obra é bastante vasto. Acho que, de alguma maneira, ela busca outras formas de contato. Tem um jogo de articulações internas que acontece nas relações entre os trabalhos, entre os trabalhos e os espaços onde estes estão (e aí não falo apenas do grupo de trabalhos que estou propondo), que tem uma conexão direta com as relações pessoais, institucionais, políticas e que são bastante complexas. Acho muito oportuna esta discussão que a curadoria propõe. Este olhar reflexivo que não é só um “olhar para trás” mas para todas as direções. Estou pensando em um desdobramento analítico do conceito de paralaxe. Marti Perán destaca, em sua obra, que a paralaxe é a única ferramenta a enfrentar o que você denomina “colapso visual”. Com relação à Bienal de São Paulo, me pergunto se não seria possível imaginar a paralaxe como uma ferramenta ou, então, como um 23



recurso para registrar e medir as contradições do sistema da arte brasileira no sentido de que permite a produção de transparência com base em seu posicionamento sintomático de “colapso institucional”. A credibilidade do projeto moderno, representada pelo fisicalismo ao prédio de Oscar Niemeyer, foi posta em dúvida por certo tipo de prática artística que seria irredutível ao modelo de exibição que sustenta. O colapso institucional estaria relacionado à impossibilidade “óptica e política” da Bienal como recurso para a refração social e para deixar claro o tipo de arte que nossos dias exigem. Concordo, mas nem sempre. A paralaxe depende do ponto de vista. Minha pesquisa se volta a Niemeyer com freqüência. Como pesquisa pura, não terá fim. Como pesquisa aplicada, há resultados específicos, como projetos visuais e textos. No entanto, não é minha intenção demonizar nem Niemeyer, nem seu trabalho. E, muito embora seu trabalho e sua visão tenham tido 25



profundo impacto no Brasil, e sejam reconhecidos internacionalmente, são apenas um aspecto do que poderíamos chamar projeto moderno. A paralaxe é minha metodologia de pesquisa para este e outros aspectos dos ambientes construídos na época em que vivemos. Pode assumir muitas dimensões – a social, a política, a estrutural e a teórica. “Paralaxe, substantivo. Aparente deslocamento, ou diferença na posição aparente, de um objeto, causada por uma mudança (ou diferença) real do ponto de observação.” – Oxford English Dictionary. Não posso falar por outros artistas no Brasil ou em qualquer outro lugar no mundo onde eu tenha morado e trabalhado. Todos fazemos escolhas com relação a quando e onde expor. E isso deve incluir os milhares que expuseram no pavilhão de Niemeyer ao longo de sua história sem abrir mão de seus princípios. Pode-se dizer o mesmo sobre os artistas que expõem na Tate Modern. Eles questionam a história e a política do prédio ou o programa dos atuais ocupantes? Para mim, a transparência e o tipo de arte que faço estão incorporados em minha obra – um processo 27



em colaboração com colegas, estudantes e público. Imbuído desse espírito, é importante não cair na retórica. Agora, depois de quase 30 anos de trabalho, posso dizer que o projeto é a vida. Como é a relação entre autor e leitor em sua obra? Reconhecendo minha dívida com Jorge Luis Borges, entendo que ler é mais criativo que escrever, que o leitor é mais criativo que o autor. Quase todas as minhas obras começam com um texto preexistente. Utilizo esse texto como uma partitura para uma ação, um objeto ou qualquer forma de obra. Considero a palavra “texto” em sua concepção mais ampla e aberta possível. Assim, ele pode ser uma trilha, como uma composição musical, ou planos de um objeto tecnológico, um diário, uma obra de teatro, um mapa, enfim, qualquer rastro cultural que se possa seguir ou interpretar de maneira parecida com a que o músico utiliza uma partitura. O que me interessa é a tensão entre a originalidade de um autor e a originalidade de um intérprete. Interessa-me 29



o texto que não consegue ser arte sem a participação do leitor. Como essa dinâmica foi variando? No passado, o enfoque da minha obra era quase que exclusivamente na minha pessoa. Eu era o leitor. Eu era o pesquisador, o explorador, aquele que exercitava atos de cor (pois grande parte dessa dinâmica está no fato de o texto preexistir, ser passado; o leitor e a leitura são o presente). Há cinco anos, momento em que fiz duas obras utilizando chaves, comecei a pensar mais no público. Se sou somente um leitor e o público é um público de leitores (em vez de autores), será que não tenho mais em comum com o público do que com o autor? Mas ser leitor é ambíguo… Por um lado, um público leitor implica um público ativo. Mas, por outro, o leitor é também passivo, um tanto preguiçoso, porque ainda não é um público autor, gênio, criador, revolucionário. O ideal, para mim, é esse terreno vago, onde apatia e atividade se mesclam. 31



Ocorre-me que podemos extrapolar este pensamento para a vida de uma forma mais geral, no que tange à busca por driblarmos estruturas já existentes em favor de outras mais livres. Uma mesma estrutura, que por vezes parece engessada, guarda a possibilidade de se desdobrar em outras conformações que pareciam insuspeitas. Claro. Podemos derivar este pensamento para vida, minha, sua, de qualquer pessoa. Esta questão do ponto de partida começa num trabalho que fiz em Cuba há alguns anos. Há sempre um ponto de partida sendo lançado em uma cidade onde você nunca esteve. Não existe nem para trás, nem para a frente. Há um ponto de partida. Claro que sou a mesma pessoa, com uma história, mas a questão é como eu encaro, com esta mesma estrutura, um sistema novo. Você não tem o mesmo clima, as mesmas localizações, a mesma língua. Você se vê impelido a construir um novo sistema com a mesma estrutura. Você é obrigado a reformular o sistema. A idéia de trabalhar no jornal da __ Bienal 33



me traz a possibilidade de traçar essas equações. São equações muito simples que guardam pontos de partida em comum. Eu posso, por exemplo, criar uma estrutura com a qual o público possa criar por si próprio os seus sistemas em outro espaço que não o jornal. Há um traço de esperança neste pensamento, não? Sim. Muitas vezes descartamos uma estrutura porque parece que ela não dá certo. E aí vamos fazer tudo de novo, do zero. Calma, talvez possamos fazer outras coisas com as estruturas que estão aí. A Bienal é uma estrutura que funciona, ela serve, podemos é pensar um outro sistema para a Bienal, diferente do que se pensou até agora. Como mudar as estruturas não deve ser o alvo principal, mas sim os sistemas de uso dessas estruturas. Deve-se tentar criar sistemas alternativos para o uso dessas mesmas estruturas. Todos têm certas estruturas estáticas. A gravidade, nós não vamos sair voando desta sala. Mas todos nós podemos criar novos sistemas, cotidianamente, 35



para habitar essas mesmas estruturas. Qual seria, para você, a relação entre o espaço, os objetos inseridos em seu interior e o uso que se pode fazer dele? Como isso se dá na relação entre os suportes desenhados por você para o terceiro andar, o espaço existente e o público que irá percorrê-lo e usá-lo? A arte não precisa da arquitetura nem dos museus para existir; ela precisa de redes e de tecidos sociais que suportem seus conteúdos, fazendo uso da lógica para construir um sistema de maneiras possíveis para dispor e mostrar arte. Também me pergunto de que e como são feitas essas redes. Quais são as redes que configuram a idéia da arte, que a fazem funcionar? São comunidades especializadas em produção e consumo, ou são os habitantes das cidades, o povo, os indivíduos que a vêem arte como espectadores? Nesta exposição, o espaço será abordado e confrontado não como uma separação de espaços fechados e neutros. A idéia de limite é exercida pela configuração de cada trabalho e de suas 37



possibilidades de leitura. Como você pensa a arquitetura em geral e as diferentes formas de habitá-la? Para mim, o conceito de habitat é relativo, depende de como cada um configura e modifica sua própria experiência no mundo. O problema da arquitetura é que ela não pode ser modificada diretamente por seus habitantes sem empregar grande quantidade de recursos; todo o debate é uma questão de representação e produção. A arquitetura, em geral, é um território limitado, não só no que se refere a seu aspecto físico, como também ao funcional. É projetada a partir da lógica institucional e produtiva, a partir do cumprimento de normas, o que faz com que os indivíduos percam a subjetividade e a capacidade de transformar o mundo com base em sua própria experiência. A arquitetura e o desenho estão centrados em uma única proposição que tenta infiltrar o contexto em busca de determinadas qualidades, a maioria associada a uma idéia de controle e poder, deixando de lado as necessidades importantes e me39



nos transcendentais dos indivíduos. A modernidade trata da padronização do mundo material, das emoções e, por último, da forma de pensar das pessoas. Acho que a arquitetura deveria evoluir com a mesma lógica com que se desenvolvem as necessidades e expectativas daqueles que usam o espaço físico de uma construção. A descrição da obra planejada para a __ Bienal envolve tanto conteúdo crítico como humor e a irreverência do entretenimento. Na sua obra, há alguma preocupação em combinar essas esferas – em uma comunicação pop eloqüente e dinâmica – sem perder de vista uma voltagem crítica, quase irônica? Nossa idéia para a Bienal é fazer uso da situação que a instituição enfrenta neste momento como pano de fundo de nossa peça, que é concept specific. Estamos planejando fazer a apresentação em português, pois será uma maneira de realmente nos integrarmos e incorporarmos nossas personagens, que são brasileiras, mas temos de aprender 41



a língua antes do final de novembro. Method acting. Muito embora as pessoas tendam precipitadamente a considerar a ironia como uma constante no nosso trabalho, entendemos estar traduzindo o momento em que nos conectamos com o que está ao nosso redor. Nossas interpretações equivocadas ou imitações traduzidas podem, sem dúvida, acabar produzindo algum tipo de comédia, mas aqui comentamos como nós (as pessoas em geral) recebemos informações e por fim criamos julgamentos rigorosos e crenças definidas, por vezes até mesmo inventando realidades que são apenas o espelho de nós mesmos, e não da situação crítica que tentamos discutir. Estamos abertos a todas as possibilidades. Nunca nos interessamos pela ironia como um recurso artístico, mas certamente cultivamos o absurdo e o humor que com freqüência vemos como resultado de esforços muito sérios. Cresci assistindo a esquetes de comédias sexy na tevê argentina, que eram ao mesmo tempo grotescos, políticos e irreverentes. Os comediantes, em geral, faziam uso da tensão criada pela desagregação que ocorre quan43



do um ator esquece o texto, tenta improvisar uma falha, ou está bêbado demais para conseguir representar. Gosto de pensar em nossas performances como um todo, formado por camadas que são como gestos, momentos, um passo de dança, e também como que um script: não como crítica somente, e sim como uma pintura. Em termos de crítica – um elemento de nossa performance –, a cor de um painel suspenso no palco tem a mesma importância que qualquer outro aspecto em nossa obra.

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Todo o conteúdo aqui transcrito foi retirado do Guia da 28ª Bienal de São Paulo (em Vivo Contato). Os textos foram retirados do seu contexto original porém não foram editadas as perguntas e respostas, exceto quando menciona-se a 28ª Bienal. Neste caso o termo “28ª” foi substituído por pelo sinal “__”.

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