Relat贸rio
Anima Mundi completou 21 anos em 2013 e Anima Forum demarcou o que muitos dos que passaram pela Fundição Progresso consideram a segunda fase da animação no Brasil: amadurecida, consistente e robusta, pronta para ganhar o mercado internacional. Da mesa de abertura ao painel final, durante quatro dias, animadores, produtores, incentivadores, legisladores, responsáveis por políticas públicas revezaram os discursos em busca de consenso. O Fundo Setorial Audiovisual e a Lei 12.485/2011 são heróis e algozes. Cada um à sua maneira. As masterclasses serviram para mostrar experiências criativas e exitosas, técnicas tão distintas quanto à origem dos convidados para mostrar seus trabalhos. O Anima Forum também deu um panorama da animação pelo mundo, discutiu os esforços e parcerias possíveis, apontou caminhos para além do Brasil. Discussões, opiniões, ideias, alternativas e trocas sempre frutíferas, devidamente registradas nas páginas que seguem.
6 de agosto
terça-feira
Mesa-redonda: Animação - Indústria Criativa e Produção Cultural
Participantes: Leopoldo Nunes (SAV | MinC), Sergio Sá Leitão (SMC/ RJ e Riofilme), Kiko Mistrorigo (ABPITV) e Rosaria Moreira (ABCA) Moderador: Cesar Coelho (Anima Mundi)
A ambiguidade na produção de animação brasileira, que já se manifesta como indústria e, ao mesmo tempo, firma-se como uma expressão cultural em expansão nas diversas regiões do país. Como estas duas facetas se complementam e devem ser incentivadas. O Anima Forum chegou à sua oitava edição em 2013. Um feito que mereceu uma programação esmerada, própria para a reflexão sobre o mercado, a prática e os rumos da animação no Brasil. Na abertura da edição que reuniu como é usual, especialistas de origens diversas, Cesar Coelho anunciou as presenças que viriam no decorrer da semana e ressaltou o momento de euforia.
“Há oito anos a gente faz, sugere e discute os rumos da animação brasileira. Este espaço é nosso, acolhe todos os atores da produção brasileira de animação, seja ela comercial, industrial ou autoral. Aqui debatemos, planejamos e, muitas vezas, antecipamos os desafios para o desenvolvimento e aprimoramento da nossa arte. Nossa história está apenas começando, portanto, sejam bem-vindos. A casa é sua!”, disse ele sobre as novas perspectivas para animadores, estúdios e produtores. Luciane Gorgulho, chefe do Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo do BNDES, foi especialmente chamada para saudar o público. Um dos patrocinadores do evento, o banco tem especial interesse em fomentar as discussões que o Anima Forum promove. “Temos muito orgulho de estar mais uma vez apoiando o debate e a reflexão dentro do Anima Mundi, o que casa com a estratégia do BNDES que desde 2006 apoia a cultura como financiador de desenvolvimento de empresas e projetos para tornar esse setor relevante. Dentro da cultura, o foco é o audiovisual. E, nesse setor, a animação tem carinho especial. Principalmente pelo talento dos seus realizadores”, ela pontuou o desafio que se impõe: é preciso desenvolver as fontes de recursos e a capacitação em roteiro, assim como outros aspectos que possam aprimorar o setor, como a gestão e formação empresarial do setor. Ela pontuou o desafio que se impõe: é preciso desenvolver as fontes de recursos e a capacitação em roteiro, assim como outros aspectos que possam aprimorar o setor, como a gestão e formação empresarial do setor. No quesito recursos disponíveis, Luciane Gorgulho prosseguiu, já houve diversos avanços. Junto com a Lei 12.485 também vieram várias notícias que fizeram o setor do audiovisual e a animação avançarem em direção à afirmação como indústria. “A gente ainda precisa desenvolver aspectos da capacitação geral do setor. Saber contar
uma boa história é o que faz diferença, todo o mais é subalterno. A história tem de ser interessante. E essa parte de capacitação envolve também capacitação em gestão, para que as empresas possam se organizar. Animação é um setor que vai se desenvolver muito, puxado pela Lei 12.4855. As cotas não são apenas uma reserva de mercado”, ela afirmou. Ao retomar a palavra, Cesar Coelho ratificou a importância do apoio dado pelo BNDES ao longo dos anos, bem como o reforço do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas como apoiador na edição de 2013. “Posso testemunhar que o BNDES deu um apoio fundamental para que o Anima Forum se tornasse o que se tornou. Este ano, o Sebrae despertou para este setor, detectou o seu potencial e juntos, vamos desenvolver cada vez mais iniciativas para promover a capacitação em gestão”, anunciou. Como mediador da mesa que reuniria Leopoldo Nunes (SAV | MinC), Sergio Sá Leitão
(SMC/RJ e RioFilme), Kiko Mistrorigo (ABPITV) e Rosaria Moreira (ABCA), Cesar demonstrou o seu conhecimento da causa que defende, com um retrospecto desde os tempos em que o mercado de animação no Brasil se reduzia à publicidade: “A gente tem um histórico que nos permite dizer ‘a gente viu’. Durante muito tempo, só havia mercado de animação em publicidade. Eventualmente se via um filme aqui e outro ali, filmes autorais, feitos por alguns heróis. Mas não havia uma produção constante, não tinha emprego para animação.” A história seguiu com alguns fatos marcantes. O primeiro deles foi a criação do Centro Técnico Audiovisual (CTAV), no convênio estabelecido entre Brasil e Canadá. “Ali foi desenhada a possibilidade de se criar um núcleo de produção de animação consistente no Brasil. Mas assim que o convênio com o Canadá acabou, o governo federal não se interessou em manter e, pior ainda, nem a Embrafilme restou”, ele relembrou. A turma da resistência, no entanto, permaneceu ativa e, anos depois, foi criado o Anima Mundi, não tardou a ABCA foi oficializada, e vieram o trabalho árduo e as boas surpresas. “A gente criou o Anima Mundi e começou a detectar um talento enorme na produção autoral. O festival passou de um filme ou dois por ano, para uma produção constante de 300 filmes brasileiros. Esse número, por si, já é impressionante em qualquer país do mundo. É um dado importante e foi nossa munição para provar que existia, sim, um potencial muito grande no Brasil”, contou Cesar Coelho. Não faltaram encontros de gente animada a ir além do story board. “A gente começou a se juntar para se conhecer e se organizar. Essas reuniões, mais tarde, resultaram na associação, que é ABCA. A gente teve ouvidos sensíveis em várias instâncias governamentais. Rapidamente, a gente começou a ser ouvido e o desenvolvimento se deu de forma muito acelerada. Hoje, finalmente, a gente pode dizer que tem uma indústria de animação no Brasil.”
Uma indústria cuja competência se pode comprovar inclusive pelos números que ostenta, como Cesar Coelho fez questão de enfatizar. “Já podemos dizer que há falta de animador, pois as produtoras têm dificuldade em formar suas equipes”, disse ele, com fala exultante, mas sem deixar de reconhecer as dificuldades que ainda persistem. “A própria natureza da atividade cria desafios. Você precisa de um estúdio, tem de ter um cronograma de produção que vai além de uma temporada de série, tem de ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo. Esse é o desafio que agora se apresenta. Outro deles é alcançar um nível de acabamento de excelência, o que é exigido para o desenvolvimento de longa-metragem. Esse é o desafio de agora, o longa-metragem, que demanda excelência em todas as etapas. Da produção ao roteiro, a qualidade é um requisito muito importante. É um mercado em que a qualidade é muito importante.” O longa-metragem brasileiro de animação “Uma história de amor e fúria” levou o prêmio de Melhor Filme na mostra competitiva oficial do 53º Festival de Animação de Annecy, na França. Cesar afirmou que a conquista recente de Luiz Bolognesi abriu muitas portas para o que está sendo feito no Brasil. “O presidente do júri disse ‘um país do qual até bem pouco tempo não se ouvia falar, agora aparece aqui, com um trabalho muito bem feito, digno de um prêmio em Annecy’. Foi mais ou menos esse o discurso.” O prêmio veio em boa hora, antes até do que todos esperavam. Um reconhecimento ao Brasil como criador, o que indica a necessidade de se continuar investindo na produção autoral. “É o que vai garantir a permanência da gente no mercado como criador”, ele incluiu o tema como essencial para a mesa que se iniciava.
Leopoldo Nunes (SAV | MinC) Compartilhar ideias é bom, refletir e assistir às novas produções é animador e uma honra,
Gustavo Dahl, do Centro Técnico Audiovisual, um depósito de matrizes cuja construção levou quase dez anos. “O Rio de Janeiro volta a ter espaço com capacidade para 100 mil latas, o que vem dar sentido à interligação entre diferentes instituições que estavam trabalhando de maneira independente. O nome devese ao fato de Gustavo Dahl ser o mentor da iniciativa. Foi ele quem decidiu fazer a reserva técnica, o que consideramos uma visão estratégica. A única certeza que se tem é que não devemos depositar todas as matrizes em um único local, mas em vários. A preservação veio com todas as novidades que a tecnologia vem permitindo. Estamos fazendo investimento alto em tecnologia gerada dentro das universidades públicas brasileiras, o que permeia toda a cadeia de preservação do audiovisual”, explicou.
Linha do tempo disse o Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Leopoldo Nunes, que fez uma saudação especial ao público: “Vocês são a razão de estarmos aqui”, disse. Leopoldo iniciou sua participação na mesa já abordando um tema considerado central. A questão autoral, segundo ele, é uma preocupação de longa data e conta com defesa constante nas ações do Ministério da Cultura: “Sempre garantimos a produção autoral nos editais. É o espaço de experimentação, de revelação de novos autores, é o que revigora. Toda arte é resultado do defeito e da experimentação. Se não fizermos a produção autoral, a arte se torna estagnada. O consumo é uma faceta da maior importância, mas até mesmo os produtos de consumo são resultado do defeito e da experimentação. Tudo teve lá um início experimental”, ele afirmou. Preservar, guardar, tratar, preservar e restaurar também são ações consideradas de primeira necessidade, Leopoldo aproveitou para anunciar a inauguração da Reserva Técnica
Leopoldo iniciou uma retrospectiva sobre os momentos mais marcantes na história da Secretaria do Audiovisual e suas políticas para a animação. Desde o início, em 2003, quando foram lançados os primeiros editais, ainda experimentais, muita coisa mudou. Editais como Curta Criança, Anima TV, Curta Animação e Desenvolvimento de projetos, segundo ele, são iniciativas que contribuíram para impulsionar o negócio no país. “O ‘Meu Amigãozão’, por exemplo, foi produto de uma pílula de um minuto, em uma parceria com a TVE. Um prêmio de R$ 10 mil, em um edital autoral, mas que tinha um recorte. A provocação ‘o meu melhor amigo é’ permitia a revelação de personagens. Hoje, é um exemplo de projeto bem-sucedido”, relembrou. “Nessa mesma linha, estamos fazendo atualmente 40 projetos de R$ 15 mil. São filmes de um minuto, com um prêmio um pouquinho maior do que há dez anos, mas estamos permitindo a realização e experimentação dentro das condições econômicas que se tem.” A criação da ABCA também foi relevante e
determinante para que o setor de animação de desenvolvesse em território brasileiro. A associação desempenhou papel fundamental principalmente pelas ações que desempenhou no campo da política, segundo Leopoldo. Por todos os lados, os desafios se impõem. Para animadores, produtores, e também para quem está do outro lado, na criação das políticas públicas. Refazer o percurso histórico da animação é importante porque ajuda na reflexão que o momento atual exige. A busca é por oportunidade de aliar as diferentes tecnologias e técnicas de animação, especialmente as mecânicas e analógicas dentro dos suportes digitais. Isso vai redundar em resultados e possibilidades absolutamente novos, defendeu Leopoldo. “A realidade digital trará grandes benefícios em termos de criação e acessibilidade, mas é preciso pensar sobre a realidade refletir sobre o conhecimento acumulado da civilização. Não se está criando tudo agora. A cultura remix é uma realidade, mas não se cria a partir da cultura do remix. O remix pode ser comparado com a colagem, que já existiu no passado. Há muitas possibilidades de linguagem, mas é necessário conhecer os clássicos e as linguagens que redundaram as matrizes, os originais. É fruto de muita experimentação, erro e defeito, reflexão e pensamento”, ele insistiu no ponto. No recorte dos desdobramentos e consequências do que vem sendo implementado em animação no Brasil nas duas últimas décadas, a criação do Fundo Setorial é emblemática no âmbito da política pública. Assim como a implementação da Lei 12.485, que impõe a criação de bons conteúdos. “A gente tem uma possibilidade histórica de criar a demanda interna, o que permite uma chegada ao mercado internacional com um impacto que nunca se teve: com diversidade de títulos e linguagens, com oportunidades de novos negócios. E (estamos) muito mais preparados para a realidade do mundo globalizado do que estávamos dez anos atrás. Fomos atrás dos outros e fomos bem acolhidos. Houve conjunção de fatores e
pessoas que permitiu esse salto,” avaliou. E, pelo volume de produção que terá de ser gerado, o salto será ainda mais exponencial. A animação brasileira, para ele, já tem robustez.
Produção digital para todos No âmbito do Ministério da Cultura e da Secretaria do Audiovisual, os frutos das iniciativas estão surgindo, assegurou Leopoldo Nunes. A ênfase na complementação dos Núcleos de Produção Digital (NPD) é um bom exemplo. Laboratórios de apoio à produção, aliados à cinefilia e baseados no conceito da experimentação e da inovação, os núcleos criados alguns anos atrás estão ganhando fôlego novo e destinos diversos. O plano atual é levá-los a todas as regiões do país e estimular a animação entre a população. “Estar para os animadores da geração atual assim como o CTAV esteve para o grupo de jovens que, três décadas atrás, estava viajando para o Canadá e se tornando personalidade”, defendeu Leopoldo, numa referência à turma que criou o Anima Mundi. “Quando foram criados, os NPD’s eram uma coisa singela em termos de equipamento de captação digital e em termos tecnológicos. Cerca de um mês atrás, um representante de Roraima disse que lá surgiram, no último ano, 15 produções em torno desses núcleos. Então, nossa meta é levar os NPD’s a todos os estados. Isso vai permitir muito mais coisas, inclusive fomentar a animação fora dos grandes centros”, afirmou. Com os núcleos, o objetivo é atender a uma política de base de formação de pessoas. Iniciá-las técnica e intelectualmente, mostrar como elas podem localizar no tempo e no espaço a sua realidade. Mas nem tudo se reduz ao esquema da tecnicidade. “Precisamos dos técnicos, mas a formação pode ser mais humanística, envolver conhecimento de história das artes, do cinema, da animação”, ponderou. No rol de novidades estão também os cursos de dramaturgia contemporânea, produção seriada para televisão e de preservação digital que serão oferecidos pelo CTAV. “Vocês são
testemunhas e inauguraram essa vocação de formação incutida na missão do CTAV. Dentre os quatro segmentos que estamos lançando, há cursos curiosíssimos, como o de projeção em película. O CTAV está voltando aí também a um aspecto da sua essência e atividade. O setor cinematográfico é todo grato. Eu mesmo passei boa parte da minha vida ali, utilizando os equipamentos”, afirmou ele. Para fechar a fala, Leopoldo lançou ainda outra questão: a relação da cadeia dos jogos eletrônicos com animação. “Os jogos são um segmento de varejo, apesar de se utilizarem da banda larga, que fecha a conta super bem e é cada vez mais crescente. Já há a discussão de significados, de impacto cultural, por exemplo. Como esse setor e a animação se tangenciam?” Cesar Coelho aproveitou para abrir um parêntese e lembrou que o joguinho Angry Birds, aquele dos pássaros enfezados criado pela empresa finlandesa Rovio, em dezembro de 2009, já foi alvo de 1,7 bilhão de downloads. Não é pouca coisa.
Sérgio Sá Leitão (SMC/RJ e Riofilme) O Secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro e diretor-presidente da RioFilme, Sérgio Sá Leitão, tinha pressa. Pediu desculpas porque teria de sair logo após a abertura e não ficaria para o debate final. Mas adiantaria o que coubesse no seu tempo. O Anima Mundi coincidiu com a realização da Conferência Municipal de Cultura, ele justificou. “O meu grande sonho de infância era ser como o Super Dínamo, um menininho japonês que tinha uma copia dele mesmo e, quando precisava salvar o mundo, mandava o robô para a escola”, ele provocou risos da plateia ao lamentar não ter desenvolvido o dom da ubiquidade. Ao que interessa, avisou o secretário. Retornando ao panorama da animação brasileira traçado por Cesar Coelho, Sérgio Sá
Leitão expressou otimismo diante do cenário atual. E usou uma metáfora conhecida, o copo meio cheio e meio vazio. “Sempre prefiro ver os aspectos positivos, o que evoluiu e cresceu. Faço isso, até para não desanimar”, ele disse como enxergava o copo. A evolução é visível, segundo ele. A animação saiu de um estado em que era feita por pouquíssimas pessoas, para consumo próprio ou para trabalhos universitários, para uma produção significativa como se vê atualmente, tanto na publicidade como para a televisão. “No que diz respeito aos longas-metragens, ainda estamos engatinhando. Mas o fato é que já avançamos muito também do ponto de vista das políticas públicas. A partir de 2003, nós passamos a ter o reconhecimento da animação como um segmento importante, merecedor de políticas públicas especificas”, ressaltou. Dez anos depois de quando começaram as ações do poder público para o setor, o momento é de encarar o desafio e resolver as faltas e pendências. Sem deixar de celebrar
o que foi feito, ou seja, constatar que o copo está meio cheio, é urgente fazer a reflexão: “O que existe hoje foi o bastante para chegar aonde chegamos, mas não foi o suficiente para darmos o salto que precisamos. Do ponto de vista das políticas públicas, conseguimos e fomos bem-sucedidos no sentido de criar condições e estimular o setor para chegar aonde chegamos. Mas a avaliação que faço de tudo que fizemos até agora não é suficiente para encher a outra metade do copo.”
Em busca do grande salto Mas que salto é esse? O salto a que o presidente da RioFilme referiu-se, diz respeito ao momento único que atravessa animação no Brasil. “Pela primeira vez na história da produção audiovisual brasileira, que se caracteriza pela sucessão de ciclos, estamos com a possibilidade, de fato, de nos transformarmos numa indústria estabelecida, com alto grau de impacto econômico e, sobretudo, sustentável e com grau de dinamismo muito grande. É uma possibilidade real. Obviamente, eu me refiro ao conjunto do setor, mas a animação está inserida ai”, reforçou. Com um crescimento exponencial – cerca de 30% de 2011 para 2012 –, o mercado de TV paga ultrapassou em volume de receita a TV aberta e passou a ser mais importante economicamente do que a própria TV aberta. Uma situação inimaginável até alguns anos atrás. “Mas estou falando de um potencial. Temos a TV paga crescendo, a Lei 12.485 regulando o setor e criando a demanda pelo conteúdo independente nacional, no que a animação aparece muito forte. Mas temos o Fundo Setorial que não anda. Os produtores sofrem com isso no dia a dia, mas o fato é que nós tivemos, até 2012, uma arrecadação do Fundo Setorial em torno de R$ 500 milhões. E quanto foi efetivamente desembolsado?”, Sérgio Sá Leitão deu a resposta:
“Segundo a Ancine, até o final de 2012 saíram apenas R$ 39 milhões para serem aplicados na produção. Ou seja, menos de 10%. Este ano, até dezembro vamos passar a ter R$ 1,5 bilhão do Fundo Setorial. Esses recursos, é bom dizer, são extraídos da própria atividade, não é parte do bolo da arrecadação tributária geral do governo. A gente está falando de uma contribuição recolhida de uma série de atividades e negócios feitos no setor. E não somente no setor audiovisual, mas também no bolo das empresas de telecomunicações”, expôs. É preciso, portanto, buscar o equilíbrio entre oferta e demanda para produção independente para TV paga. É fundamental que o Fundo Setorial deslanche, defendeu Sá Leitão. Segundo ele, para que isso ocorra, é preciso incorporar dois fatores igualmente urgentes: agilidade e cooperação com o poder público local. “O Fundo Setorial deve passar a funcionar por meio de mecanismos automáticos, com critérios pré-concebidos e fluxo contínuo, não mais fazendo análise discricionária dos elementos artísticos do projeto. Isso contribuiria para casar a dinâmica com o mercado”, ele explicou. As propostas já estão sendo encaminhadas pela RioFilme ao Comitê Gestor do Fundo Setorial. Já foram implantadas, em 2012, duas linhas de financiamento reembolsável automático. Uma voltada para produção independente de conteúdo para televisão, outra para produção de longas-metragens, ambas incluindo animação. “No caso da televisão, é o clássico formato já estabelecido na Europa, em que para cada um real que o canal coloca no projeto de produção independente de série feita por produtora no Rio de Janeiro, a RioFilme coinveste mais um real. São dois mecanismos automáticos, republicanos, transparentes, com capacidade de desembolso de no máximo um mês, desde a entrada da documentação”, contou ele. Está em análise a proposta feita ao Comitê Gestor para que o do Fundo Setorial seja
coinvestidor, nessas duas linhas, à base de dois reais para cada real investido pela Riofilme. “Foi uma contribuição que demos para, de certo modo, destravar esse lado do investimento público. A gente hoje vive um descompasso entre a demanda dos canais e a capacidade de produção de conteúdo. E o que está gerando esse gap é a falta de investimento público”, avaliou. Na lista de entraves, outro ponto importante, segundo Sá Leitão, é a estrutura, que inclui o custo de produção. O déficit ocorre em muitas frentes: mão de obra qualificada; infraestrutura, ou seja, de parque de produção e finalização, o que tem gerado custos; de profissionais; de equipamentos, já que os existentes custam mais. “Nossos custos de produção estão muito altos se comparados aos de outros países. O que é maléfico não somente para nós, internamente, como diminui nosso poder de atração de parcerias internacionais. Isso é especialmente sensível no caso do longa-metragem. Porque se nós crescemos e nos estabelecemos na publicidade e na produção independente para televisão, nessa área ainda estamos engatinhando”, disse. Trata-se, portanto, de um ponto fundamental que precisa ser enfrentado: “Se não houver uma preocupação especial com esse assunto dentro das linhas de fomento, continuaremos na mesma. Ou criamos especificidades para garantir a produção de longa-metragem, ou não saímos da média de um filme por ano, um filme aqui, um filme ali”, ressaltou. E enfrentar a questão, de acordo com Sá Leitão, não é apenas garantir linhas de fomento específicas para o segmento de longas-metragens. “A gente está falando de uma questão mais ampla. Hoje, a forma de estruturação da atividade dá conta da demanda de produção independente para TV e para publicidade. Em geral, nós temos birôs de criação que contratam mais gente para produções especificas e encolhem quando o projeto acaba”, ele comentou o funcionamento das empresas consideradas sanfona.
O modo de produção que funciona para televisão e publicidade, Sá Leitão sustentou, não é adequado ao longa-metragem, dadas as muitas exigências de um mercado ultracompetitivo. “A excelência da produção – no longametragem – deve estar em todos os seus aspectos. É preciso avaliar a qualidade e também o custo. Não adianta dizer que vamos fazer um longa-metragem e que ele custará R$ 20 milhões, se não sabermos onde conseguir esse dinheiro. Acho que é necessário que a gente (Secretaria de Audiovisual, Ancine e Riofilme) pare e desenvolva um programa especifico para desenvolvimento da animação no Brasil”, disse ele, ao questionar o que vem nesta segunda etapa que se anuncia e em que o longa-metragem aparece como estratégico. “Não se trata apenas de oportunidade de desenvolvimento de um setor que vai gerar renda e emprego. Isso é importante, mas não é só. No que diz respeito à animação infantil, estamos falando do nosso mercado em relação aos corações e mentes do nosso público, das nossas crianças. Hoje nós entregamos, sem nenhuma resistência, um terço do faturamento em salas de cinema no Brasil para as major. Ano passado, o mercado faturou R$ 1,8 bilhão e um terço dessa receita foi de animações infantis, sobretudo as americanas. E nós não competimos. É curioso, porque nós competimos, e muito bem, nas comédias. O Brasil é muito competitivo. Se isolarmos o segmento da comédia na bilheteria, vimos que as brasileiras têm mais market share que as estrangeiras. Mas, no caso da animação, a gente abriu mão de competir. E estamos falando das crianças, de um público que consumirá – ou não – o conteúdo brasileiro durante toda a sua existência. Isso é algo que realmente me preocupa. E aí, volto a olhar para o copo meio vazio”, ponderou. O momento é chave e exige pressa. Como se resolve a questão do longa-metragem? Como dar conta da demanda que já existe para televisão? Responder a essas perguntas de modo assertivo é fundamental para que a animação não perca a oportunidade evidente.
“É preciso estar à altura dessa oportunidade. Precisamos nos preparar para isso. Faço um apelo aos demais órgãos públicos e demais interessados: nós precisamos sentar para definir uma política, programa e conjunto de ações específicas para animação, focando especialmente no longa-metragem e em formas de se aproveitar a produção para TV. Se não, talvez nós desperdicemos a maior oportunidade da história da indústria audiovisual brasileira. É tarefa de todos nós não deixar que isso aconteça”, finalizou. Cesar Coelho assentiu, agradeceu a participação de Sérgio Sá Leitão e fez um anúncio de um projeto que está sendo desenvolvido pelo Anima Mundi e o Ministério da Cultura, com foco em treinamento e desenvolvimento de ponta. “A gente vai realizar, em conjunto com uma escola japonesa e a dinamarquesa Animation Workshop, uma das maiores escolas de animação do mundo, uma oficina de conteúdo para animação. É uma iniciativa que vai reunir três estruturas e três culturas, brasileira, europeia e japonesa. Serão duas semanas em que vão ser desenvolvidos conceitos para produtos comerciais de animação, como séries, longas e microsséries”, anunciou Cesar. Na empreitada, cinco artistas brasileiros viajarão, com tudo pago, para a Dinamarca, onde terão palestras e aulas com os melhores profissionais do ramo. “É pra já, começa a convocação para os artistas que quiserem participar. Haverá uma triagem, obviamente. Faremos um website internacional, nas três línguas. É uma oportunidade maravilhosa. Trata-se de um piloto, uma primeira, que depois será mais ambiciosa no sentido de trazer esse treinamento pra gente, aqui no Brasil”, o recado foi dado.
Kiko Mistrorigo (ABPITV) Kiko Mistrorigo, da ABPITV, já perdeu as contas de quantos Anima Forum presenciou. E a cada vez que comparece há mais para contar, discutir, aprender. Na edição de 2013,
começou animado. Recém-chegado de um evento internacional, ele estava cheio de orgulho do que estão dizendo da animação brasileira lá fora. “Olhando para trás, a gente vê quanta coisa aconteceu desde então. E tudo aconteceu muito rapidamente. A gente está num momento super interessante no Brasil. Acabo de chegar de um evento na Inglaterra, no qual os animadores e produtores britânicos se encontram com os canais de TV. A gente olha aquilo e pensa ‘puxa, que legal, eles se encontram anualmente’. Vendo a organização da comunicação, senti uma inveja saudável desse encontro regular, do mercado mais organizado. Por outro lado, estava lá a Vera Zaverucha, representando a Ancine, e vi que o fato de a Lei do cabo ter entrado em vigor mostrou para o mercado internacional que a gente está aqui como parceiro, não como mero espectador. Eles começaram a nos encarar de maneira mais respeitosa e não vêm mais com aquelas propostas indecorosas com que nos abordaram nos últimos anos”, contou.
Os brasileiros seguem entusiasmados em busca de aprovação no mercado internacional. Mas um pouco mais de orgulho pode fazer bem. “Muitas vezes eu ouvi animador dizer ‘puxa, o canadense adorou o meu projeto’. Mas o canadense faz um produto igual a nós. Isso ainda é um reflexo do nosso complexo. A Vera (Zaverucha) apresentou todos aqueles dados e os ingleses ficaram embasbacados porque não têm mais para onde crescer. Eles olham para o Brasil e o nosso mercado com possibilidade de crescimento gigante de TV por assinatura, e ficam loucos”, Kiko brincou que, obviamente, a apresentação feita pelos brasileiros não revelou detalhes negativos. “Claro que a gente não conta que aqui não se faz as coisas em longo prazo. O único longo prazo que conhecemos é o longo tempo que Fundo Setorial leva para chegar até nós (risos). De tudo isso, a gente não falou, mas a leitura inglesa foi muito interessante. Você vê tanta coisa e fica orgulhoso, porque a gente tem oportunidade enorme de fazer nossa animação funcionar”, emendou.
Para inglês – e quem mais quiser – ver A fala entusiasmada veio com outras lembranças. Como o primeiro MIPCON do qual Kiko Mistrorigo participou, quando a maioria das empresas ainda vivia de publicidade, no ano de 2004. “Naquela época, você dizia ‘Ah, também faço conteúdo’. A gente usava essa expressão. E conteúdo não é só virar um botãozinho e de repente começar a fazer. Em publicidade, o filme tem de ir ao ar no dia seguinte, e eles pagam dali a 30 dias. É muito rápido”, comparou. Ao contrário, a aventura do projeto próprio exige tempo. “Quem conseguiu fazer uma série de animação sabe o quanto é lento. Mas essa velocidade teria de aumentar. Conceitualmente, o Fundo Setorial é sensacional, porque ele passa uma grande responsabilidade para o produtor. Tem um grau enorme de empreendedorismo para a empresa que requisita o investimento e isso
tudo é interessante.” Kiko Mistrorigo ostenta um dos exemplos mais conhecidos de persistência e êxito com o projeto próprio. Com o “Peixonauta”, ele disse que já sofreu o que tinha de sofrer: “A gente sofreu tanto, que hoje não se sofre mais tanto. Na época, não existia nenhuma lei na Ancine que cobrisse obra seriada em geral. A gente estava começando a conversar com o BNDES sobre a atividade no Brasil. E o conselho que a gente teve foi que juntássemos alguns episódios e entrássemos no edital do longa-metragem, que existia. Quem pôde sanar nosso buraco foi o BNDES. A empresa foi obrigada a passar por uma série de análises que até então não tinha passado. Foi uma aula de como cuidar e gerir uma empresa. Isso a gente usa até hoje”, relatou. Ser dono de empresa tem dois lados e não é tarefa para todo mundo, ele reforçou. “É muito difícil. Primeiro, a gente para de desenhar. Não tem jeito, você tem de cuidar da empresa. Segundo, nem todo mundo tem paciência para esperar cinco anos por um projeto inscrito no Fundo Setorial. Muitos colegas acham que têm de ter projeto autoral. Não penso assim. Acho que eles estão se frustrando, perdendo dinheiro e tempo”, afirmou ele, em franca defesa da coprodução nacional. “A gente fez o ‘Peixonauta’ junto com o estúdio Belli, de Florianópolis. E deu tudo certo, a relação foi ótima, foi uma ideia super legal e ficamos super amigos”, elogiou os parceiros. Se a coprodução funciona, a ideia de desenvolver o mercado em lugares mais distantes já não o anima. “É muito complicado. Se o nosso exibidor é a TV a cabo e o mercado é animação, a gente tem concentração nas grandes cidades. É inevitável, nesse momento, que os produtores ou os criadores mais distantes estabeleçam um diálogo com as produtoras que já estão mais estabelecidas. Isso é muito mais plausível para viabilizar a animação mais imediatamente”, ressaltou.
Que se tomem atitudes O mercado de animação vai bem, obrigado, e a forte demanda por mão de obra é sinal de crescimento do setor. O poder de atração é forte. Animação, segundo ele, é uma profissão imediata. “A gente conseguiu, em algumas ONGs de São Paulo, introduzir a ideia de formar animadores. A atividade de animação gera uma linha de produção, é fascinante para qualquer criança. Não necessariamente você precisa saber desenhar ou ser um criador. Em animação, você é um técnico. Isso é uma coisa que a gente vai gerenciando dentro da produtora”, afirmou ele. É preciso, a partir de agora, pensar mais em longo prazo, defendeu Kiko. Investimento em projeto, não em produto final. “Que se façam editais, concursos em que se desenvolvam 20 projetos e se realizem dois, não sei que mecanismos a gente pode usar, mas tem de ser pensamento em longo prazo. Da mesma forma é preciso pensar sobre o patrocínio, que deveria ter contratos mais extensos. É um pensamento que deve ser aplicado a tudo. No Brasil, ainda perdura a ideia de imediatismo nos resultados. Se eu fizer as contas, foram nove anos para fazer o ‘Peixonauta’. Hoje eu não teria essa paciência de ficar pensando em uma coisa que fosse ao ar depois de tanto tempo, com todos os riscos que eu corri. A ideia é essa. Longo prazo, mesmo. Não é médio, é longo. Se a gente pensa num futuro próximo, tem de pensar num longo prazo para esse futuro.”
Rosária (ABCA) A tarefa de Rosária, atual presidente da Associação Brasileira de Cinema de Animação foi explicar o que está sendo feito em prol dos animadores, da animação e do setor como um todo. Não à toa: com mais de 350 associados, a ABCA completa dez anos em 2013. Representatividade foi o mote da criação da ABCA, Rosária começou. A associação nasceu pela necessidade de organização de
um setor que movimentava muita gente, mas não promovia conexões. “Já existia uma produção espalhada pelo Brasil e as pessoas que estavam fazendo já se conheciam. Mas elas precisavam se organizar e se sentirem representadas em diversas situações, diante dos órgãos do governo, por exemplo,” ela explicou o surgimento e as atribuições da associação: “A gente batalhou por editais, por direitos. Há dez anos, a gente trabalha para tentar representar cada vez mais esses profissionais.” Uma das principais preocupações da ABCA é a produção autoral. Segundo Rosária, é esse o equilíbrio que está faltando ao mercado como um todo. “O que falta para encher o copo de que tanto falaram até agora é a gente conseguir não parar de trabalhar. Falaram aqui sobre déficit de infraestrutura e de mão de obra e, absolutamente, não concordo. Vejo uma leva inteira de profissionais com necessidades que não estão sendo consideradas”, afirmou.
Falta espaço para o curta, falta espaço para a experimentação, falta possibilidade de crescimento real aos profissionais. “A gente precisa trabalhar, precisa ter o dinheiro, mas falta escola. O curta é escola para todo mundo. É o que fez o estúdio grande estar lá, o que fez o cara que está gerenciando o estúdio grande, que já teve a experiência do curta, inevitavelmente”, afirmou ela, em defesa de formação de excelência e variada. É preciso gente nova, mas é preciso, também defendeu ela, “mirar mais adiante”. “Essas pessoas novas, daqui a cinco anos, não vão ter formação. Quem está formando o pessoal que chega é quem já está lá. É muita gente chegando, muita gente para formar, mas tem um pessoal no meio que não vai ser absorvido. E é isso que está nos estagnando.” A resposta à escassez de produção de longas-metragens, segundo Rosária, não se resume ao investimento. “A gente precisa de excelência em geral, para se habilitar a fazer o longa. Não adianta formar profissionais para atender a um método só de trabalhar. É lógico que temos de manter o que já foi desenvolvido, mas falta o crescimento dos profissionais que estão ali. Você não tem para onde manda-los.” A urgência maior, Rosária finalizou, é continuar o edital de curtas, o que garante independência. “O curta é a formação mais completa, a que dá mais inspiração, é onde há mais troca, e a gente trabalha com quem a gente escolhe.”
Resumo do dia Cesar Coelho realçou o consenso geral de que a animação está mudando de fase. A luta já não é mais pela sobrevivência, ninguém mais vende almoço para garantir a janta, ele brincou, ao fazer uma retomada do que foi tratado pela mesa. É preciso pensar uma estratégia sólida, competente e ambiciosa para o setor. “É muito importante pensar e começar a ter
planejamento estratégico de longo prazo, mudar o escopo dos planejamentos. Isso, para os estúdios de animação, sejam médios ou grandes, é questão de sobrevivência. Ou não se conseguirá desenvolver um parque industrial consistente de animação. O que acontece agora é que você começa projeto, treina equipe, acaba projeto, perde a equipe. Temos de pensar em agregação, ou seja, treinou a equipe, no próximo projeto melhora essa equipe. Mas para isso temos de pensar em longo prazo. Também é importante investir em qualidade, em treinamento, na formação da base. Assim como manter arquivos para preservar a história e ter esse material disponível para consulta e retrospectivas. Quem está na ponta da produção não pensa muito nisso, mas é também estratégico”, resumiu Cesar. Leopoldo Nunes retomou a palavra para anunciar outras medidas da Secretaria do Audiovisual, além do edital de curtas. “A gente está retomando o Curta Criança Animação, voltado para infância, mas de filmes autorais, de invenção pura. Além disso, estamos criando um curso de animação que será implantado no CTAV, que ainda será discutido com a ABCA. São políticas que a gente já executou em outros anos com bastante êxito, daí a retomada”, finalizou. Kiko Mistrorigo também assumiu a defesa dos curtas. “Tem várias pessoas que trabalham conosco cujo o teste foram os curtas. É fundamental que continuem existindo os incentivos. É a hora em que você descobre o que tem de talento de verdade dentro de você”, disse. E que o Brasil deixe de ser novidade para o mercado internacional, prosseguiu. “A animação tem de ser pensada de forma globalizada. Nossas séries e longas vão ter de rodar o mundo para fechar a conta. O Brasil está deixando de ser novidade. Nos primeiros MIPCON, o Fernando Meirelles era a referência para se falar de Brasil. Agora, ‘A história de amor e fúria’ é o novo marco”, fechou a fala.
Conversa com a plateia
garantir a formação.”
A primeira pergunta da plateia veio em forma de constatação: todos já assumem que existe uma indústria da animação no Brasil. Tanto que já existe cobrança por gestão e outros ajustes e incrementos nessa indústria. Assumindo que se tem uma indústria e que esse é um começo difícil, do que essa indústria mais precisa nesse momento?
Além de aprimorar o Fundo Setorial e os mecanismos automáticos, respondeu Kiko Mistrorigo, faltam produtores executivos. “A gente tem necessidade de pessoas que vão viabilizar as ideias. Muita gente tem ideias, o que falta é viabilizá-las. Falta quem vai colocar o projeto de pé”, o que o mediador Cesar Coelho corroborou: “Produtor executivo de animação no Brasil é uma joia raríssima.”
Para Leopoldo Nunes, demanda e mercado interno existem. “Temos de produzir bastante para cumprir as cotas exigidas dentro do acesso condicionado da TV paga. Posto isso e comprovada a profusão de talentos, a questão crucial é a formação, a preparação para o futuro, o encontro com o conhecimento, a troca de experiências com outros povos e linguagens. Estamos diante de uma realidade que talvez não seja um mero ciclo e, de fato, a gente entre numa rota de desenvolvimento. Inclusive por uma questão de necessidade de soberania e afirmação da língua, é essencial
Segundo Rosaria, é preciso formação, mas não formação básica. “O que você vai fazer com mais 30 pessoas que chegam ao seu estúdio com uma formação básica? Daqui a pouco, quem vai receber essas pessoas? Obviamente, a longo prazo, só se baixa a qualidade e fica tudo mais ou menos igual. Tenho amigos que trabalham em vários estúdios e todos estão no mesmo nível técnico e utilizando o mesmo método. Não há muita escolha, tanto faz trabalhar em um estúdio ou em outro. A formação pode trazer o diferencial, abrir possibilidades para quem entra no
mercado saber que essa é uma indústria em funcionamento.” Cesar Coelho, já concordando com a necessidade de capacitação, explicou o cenário: “Tem o pessoal que já é animador profissional e o pessoal que está entrando. Falta o pessoal do meio, o animador formado, mas ainda sem muita experiência. E quem é animador formado, precisa aprender também. A gente aprendeu muito as próprias custas, foi autodidata e é carente de formação de alto nível, o que não tem no Brasil. Formação”, ele repetiu. O amadurecimento da indústria de animação no Brasil vai depender também de paz, pontuou Cesar. “É preciso paz financeira, acabar com o ‘meu Deus, como vou pagar?’ Paz para poder errar. Oito anos, o tempo do ‘Amor e fúria’, é um tempo longo. Mas, para longa-metragem, não é tão absurdo. Até a Disney já levou dez anos para terminar um filme. A média de produção normal é quatro anos, mesmo na Pixar. Acontece que os caras demoraram oito anos porque tiveram de parar no meio do caminho. É muito tenso isso. A gente tem de acertar no primeiro tiro. Mudar isso será um pouco de consequência do planejamento de longo prazo”, completou. Não discordando, Leopoldo Nunes, respondeu com uma explicação didática do primeiro movimento de fomento feito no Brasil, no final da década de 1960, que repercutiu e influenciou o cenário atual. “Em franca ditadura militar, o senhor Reis Veloso criou a Contribuição para Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (Condecine). Ele foi o responsável por toda a transversalidade da cadeia do audiovisual, econômica e não econômica. Foi colocado ali um mecanismo de fomento que financiou tudo que está no imaginário das pessoas até hoje, desde a Embrafilme, inclusive o CTAV. O imposto durou até 1990. A canetada do Collor, que acabou com tudo, acabou também com o repasse desse recurso. O que houve agora, com o Fundo Setorial, foi retomar esse imposto, aprimorá-lo, para poder arrecadar em cima das empresas de comunicação, o que permitiu
que se criassem espaços, as demandas dentro da TV por assinatura, do acesso condicionado, com metas a serem cumpridas”, esmiuçou. Explicada a origem, a figura do produtor executivo, segundo Leopoldo, só faz sentido dentro de um contexto que inclui a ação política setorial. “Nos últimos dez anos, fizemos mais longas que em toda história do século XX. E, no entanto, esses filmes não tiveram mercado. Tiveram mercado os que estavam dentro da televisão por assinatura. É importante ressaltar que o produtor executivo é uma consequência de uma demanda gerada pela política setorial, que faz com que as coisas existam. Poucos anos atrás, a gente se deslumbrava, aqui no Anima Mundi, com a diversidade de animação que o mundo todo produz. E você liga a televisão e vê aquele lixo hegemônico, aquela miséria cultural, inclusive uma produção extremamente neurotizada para a infância. Era quase tudo assim até recentemente. Então, houve mudança substancial na aplicação das políticas, o que era uma demanda nossa, da classe setorial. Nós fomos lá, brigar, normatizar, regular e, inclusive, recuperar dinheiro para poder financiar nossa atividade. Mas, em qualquer outra parte do mundo não é comum a política de fomento. Os EUA, maior sinônimo de mercado, não têm política de fomento. Lá, você paga e esse pagamento gera um outro bem. Era assim no Brasil antes de 1960. A Vera Cruz quebrou e fechou para pagar as contas com o Banespa. O Cinema Novo foi financiado por um banqueiro que patrocinava diretamente os filmes. Há uma série de realidades, hoje, e é preciso ter um referencial histórico para que as pessoas não pensem que o mundo foi criado dessa forma. A gente foi abrindo a marretadas”, concluiu. O cinemão americano já produz filmes pensando nos produtos derivados. O quanto se consegue já elaborar isso no projeto? Ainda dá para explorar esse filão no mercado brasileiro? Kiko Mistrorigo – Obviamente, quando a gente faz o plano de negócios, há uma estimativa
de quanto se pode arrecadar com o mercado de licenciamento, que parece uma grande solução, mas pode ser bom e também mais ou menos. A prateleira é uma só e o espaço é finito. Os americanos pensam em licenciamento porque terão retorno mundial. A gente ainda está engatinhando nesse sentido. No mercado americano, o licenciamento gera volumes de dinheiro enormes. A gente olha com desejo, mas não chegamos nem perto. Um dia, se a gente tiver um hit mundial, talvez consiga contratos que vendam no mundo inteiro. O grande dilema é: vende por que está na vitrine ou está na vitrine porque vende? O que a ABCA está pensando sobre o curta como escola, sobre a necessidade de convencer o público de que o produto nacional pode ser bom? A lei do curta está empacada. O que o Minc está fazendo? A ABCA pensa nisso como mais uma janela, ou é assunto morto? Leopoldo Nunes – Com a criação da Lei Rouanet, foi tirada a sanção da lei do curta. Não acabaram com a lei, mas tiraram a sanção. No Congresso, você vai lidar com o lobby dos exibidores, por exemplo, que é bastante forte, já que eles são um dos tripés da existência do cinema. Eles argumentam que a bomboniere, que virou espaço publicitário antes do longa, representa 40% do faturamento de um filme. A argumentação é que impor o curta seria um retrocesso. A lei do curta não existe. Se ela existe é só colocar a sanção nela para voltar a ser aplicada. É uma questão caótica de se enfrentar do ponto de vista legal. Por outro lado, os formatos curtos são atraentes para novas mídias. Nesse ambiente de convergência, ele se afirmou. O que era o Curta um Curta vai virar um canal, como acontece em outros países. O curta é um formato útil e necessário para a televisão também. Você tem uma oferta de títulos para estoque muito grande e o uso depende muito da criatividade de quem dirige e opera a televisão. As pessoas, no entanto, são muito conservadoras. As emissoras praticamente reproduzem a grade da Rádio Nacional, criada nos anos 1930. Com o advento da internet,
você começa a ver de novo a coragem de experimentar também na programação e na forma de interação com o público. Sempre defendi o curta como mercado, como economia. Tenho argumentos de sobra para defender sua viabilidade. Rosaria – O assunto ainda não está na pauta da ABCA. Hoje, mais preocupante, até pelo que está acontecendo, é que a gente esteja fazendo. Considerando a arte e a identidade cultural, qual o caminho que se está tomando? O que as pessoas do lado de fora do Brasil, que estão vendo o florescimento da animação brasileira, estão buscando na gente? Franca, EUA, Espanha, Japão, cada um tem sua identidade. O que pode nos levar a pensar uma animação brasileira? Kiko Mistrorigo – Não sei o que estão buscando na gente, são manifestações espontâneas. Todo projeto passa por um crivo de mercado. Sempre conto que nos eventos em que os canais se apresentam para os produtores, você leva o projeto e ele olha e diz ‘não vai dar’. O cara não quer correr o risco de botar no ar mesmice e falta de ousadia. Até a TV a cabo botar suas séries no ar, ninguém acreditava. O argumento da Sky para a Lei da TV paga era que os brasileiros vão ter de engolir lixo produzido no Brasil. Mas há uma subida de audiência na hora de exibição dos produtos brasileiros. Isso significa que a gente tem um espaço. Não tem como programar, é uma coisa absolutamente espontânea. Mas é certo que a gente pode fazer produtos de alta qualidade. Cesar Coelho – A gente vê, no Anima Mundi, 1500 filmes por ano, e frequenta festivais internacionais. O que identifica a animação brasileira? Não sei, também. Mas a gente está em início de processo, entrando em um mercado de 80 anos. A gente está entrando agora e de várias maneiras. A “História de amor e fúria” é um filme de adultos. O “Peixonauta” é outra coisa. O fundamental
Que tal aproveitar o SEBRAE para formar os capitães e não apenas os marinheiros? Aproveitar os especialistas para pensar a questão da gestão executiva? Cesar Coelho – O SEBRAE tem muito interesse em conhecer o mercado da animação. Essa relação com o Anima é uma troca. A gente está dando a eles o conhecimento de uma área que até então eles não conheciam, mas têm muito interesse em entender e atuar.
nessa questão é que a gente começa a criar vínculos. Quando se começar a falar de Brasil, não vão mais se lembrar do (Carlos) Saldanha ou do (Fernando) Meirelles. Vão lembrar-se de animação brasileira mesmo. A gente está começando a criar uma reputação e isso é mais importante que estilo. É importante ter um festival com respeito internacional. As pessoas te reconhecem por valores inerentes àquela atividade que você exerce. E os games? Como encaixar a animação dentro de outros setores da arte e da cultura pop? Kiko Mistrorigo – Os games, lógico, todos nós queremos. É um grande mercado do qual cada vez mais se fala. O mercado lá fora é duro e a gente está tentando entrar de uma forma diferente. No Brasil, sempre tem alguém fazendo alguma coisa de game em algum lugar. A gente vai entrar nessa de cabeça, fatalmente.
Leopoldo Nunes – O SEBRAE é uma instituição de excelência e sempre aberta a acolher novas propostas. Criamos um programa internacional de exportação junto com a PEX e o SEBRAE. A gente trabalha de forma alinhada: MEC, MINC, SEBRAE, MCTI, enfim, todos que atuam com formação, inovação e tecnologia. Temos 12 NPD’s, os Núcleos de Produção Digital voltados para a formação em configuração digital. São 12 centros espalhados pelo país. Cada um recebe uma pequena quantia de recursos para formação. São R$ 80 mil para apoiar ações já existentes, e existe uma cota para animação. Estamos criando cinco novos NPD’s, com R$ 200 mil. Estamos trabalhando também com o MEC em um projeto chamado Universidade das Artes, que vai realizar um mapeamento das universidades e institutos federais. Estamos trabalhando. Quais os editais atuais para curtas autorais? Pessoas físicas podem participar? Existe uma proposta de ciclos de oficinas ABCA/SAV? Leopoldo Nunes – Primeiro nada que se fala é excludente, tudo é complementar. Comercial, não comercial, autoral e linguagens formatadas. Um gera emprego, o outro renova a linguagem. No organograma do Ministério da Cultura, o papel da Ancine é regulação para coibir abusos e estabelecer regras de coexistência. E tem o financiamento de fomento. Haverá edital de curtas, serão 11 editais para usar os recursos até o fim do ano, e também o edital de longa de baixo orçamento. Todos garantem total diversidade de expressão, o que tem de ser absolutamente
garantido nas políticas públicas. O estado é mediador dos interesses da sociedade. A experimentação e o referencial não são excludentes. Ambos são necessários. É atípico ser iniciante conservador. Como diria o Papa Francisco, eu estranharia os jovens se não se inquietassem. Mesmo que se reduzam as possibilidades, o espírito de experimentação tem de ser garantido. Há um sistema de seleção em que você disputa a sua ideia com outras ideias. Ali está garantido o espaço para as obras serem realizadas independentemente do mercado. Mas, lembro que antigamente isso se dava de outras formas. “O limite”, do Mário Peixoto, foi pago por ele mesmo. As pessoas se viravam e arrumavam recursos. Há curiosidades do cinema experimental sem fomento que você pode atribuir à necessidade de expressão. Se a pessoa quer, ela vai garantir. Ao estado, cabe garantir especialmente o curta e o longas-metragens experimentais. Rosária – É muito importante lembrar o quanto faz diferença ter um edital específico que inclua um júri, um prazo e critérios de seleção e escolha específicos. Uma coisa não exclui a outra, mas é muito desfavorável ganhar um edital que não considera o nosso método de produção nem o nosso preço. Kiko Mistrorigo – Sobre a importância do curta e dessa experiência para os animadores, vale lembrar que uma empresa como a Pixar, que e rica, dá liberdade aos seus animadores para desenvolver seus projetos próprios a hora que quiserem. O dono da Pixar sabe que ele absorve bastante dessas experiências. Um projeto de iniciativa popular para tentar viabilizar a lei do curta seria uma alternativa viável? Leopoldo Nunes – Há um canal na Câmara dos Deputados. Você tem de recolher um número X de assinaturas, e o projeto vai ser acolhido por uma comissão. Há mecanismo, mas tem de ter capacidade de mobilização. Não é uma luta fácil, mas caminho existe.
Cesar Coelho encerrou a mesa lembrando que todos têm ouvidos e olhos atentos à realidade nas várias esferas do governo. “Nós temos um desafio grande e havemos de aproveitar essa oportunidade. O Anima faz 21 anos, afinal, e testemunha as mudanças que estão ocorrendo”, finalizou.
7 de agosto
quarta-feira
Masterclass I – Nas trincheiras do Story board – Ennio Torresan
Suor, desespero e noites mal dormidas fazem parte do dia a dia de quem vive nas trincheiras do story board. Desde a sua concepção, dos desenhos mais rudes às suas versões mais acabadas, explorando erros de trajeto e sequências bem sucedidas, esta masterclass traz ao público os segredos de como se constroem as histórias dos filmes de hoje. De desenhista de revistas como “Mad” e “Quadra da praia” nos anos 1980, a responsável pelo setor de animação da DreamWorks, com passagem bem-sucedida pela Disney. Do curta “A porta”, a episódios de “Bob Esponja”. Formado em Pintura pela Escola de Belas Artes da UFRJ, o animador Ennio Torresan decidiu, em 1986, durante um curso que fez na Casa de Cultura Laura Alvim, que a animação seria o seu caminho. Hoje, aos 49 anos e há 20 radicado nos
EUA, o diretor tem muitos filmes além de histórias para contar. Passaram pelas mãos dele produções que correm o mundo como “Madagascar”, “Kung Fu Panda”, “Megamente” e o recente “Turbo”. Para a masterclass do Anima Forum, Ennio reservou o que tem de mais pessoal para mostrar ao público: o seu jeito próprio de animar. “Animação é estilo, é estética. Existem as tradições da Disney, as tradições japonesas, que são técnicas diferentes em animação. E elas, conciliadas ao estilo, criam a forma como você se expressa. Essa é uma das coisas mais importantes para um trabalho pessoal: você reconhecer qual o seu caminho. Você toma emprestadas essas técnicas e estilos e cria o seu próprio”. Ele estava apenas começando a masterclass. Os quadrinhos franceses, desenhos de pesos como Uderzo e Moebius, foram determinantes para as descobertas e opções que Ennio faria. De tudo ele tirou um pouco para definir o seu próprio traço. “Juntei todas essas influências e fui criando um mundo na minha cabeça, juntando pedaços, como uma colcha de retalhos. O que eu gosto de fazer, qual a minha tendência, o que mais me afeta, o que mais me inspira?” Na primeira incursão ao mundo da animação, um curso na Casa de Cultura Laura Alvim, ele já entendeu o essencial. “Eu tinha de dar um curso de animação no SENAC e não sabia nada. Hoje, você tem acesso a informação e técnica bem mais do que se tinha naquele tempo. Eu era formado em Belas Artes, mas fui fazer o curso para aprender animação e acabei percebendo que eu conseguia juntar as influências na pintura, quadrinhos e ilustração, e juntei isso tudo num filme só. Vi que aquilo tudo tinha muito mais a ver comigo em tempo, em filme, do que separado desses universos que eu visitava”, ele contou, antes de exibir o primeiro filme selecionado para a masterclass. Para abrir a sessão no telão, o primeiro curta, “A porta”, de 1986. Na sequência, viriam o
cultuado “El macho” (1993) e o videoclipe “A palavra certa” (1997), feito para o cantor Herbert Vianna. Três filmes, três momentos igualmente representativos do estilo de Torresan. Uma amostra de como ele foi criando, desde o primeiro desenho, seu próprio mundo cinematográfico. “Os três filmes vivem o mesmo universo, têm a mesma cara, embora o último tenha sido feito em computador. Eu quis fazer uma coisa com cara de film board canadense, menos que Disney, menos que as técnicas apuradas de Hollywood, mais independente. E eu queria que vocês notassem isso. Eu quase que desenho com mão esquerda o filme do Herbert, para ficar bem básico, mesmo, usando as minhas influências anteriores”, ressaltou. Até aí, tudo foi instintivo. “Eu não sabia nada, não tinha estudado e não tinha adquirido a gramática cinematográfica ainda.” Na medida em que o tempo foi passando, o fazer foi ganhando significado. “Muito por causa dos filmes que a gente vê, a gente acaba desenvolvendo uma linguagem, mesmo sem saber. Com o tempo, fui aprendendo a técnica, descobrindo quais são os instrumentos de que eu precisava para contar uma história de uma determinada forma”, contou ele, que já perdeu a conta de quantos filmes fez depois disso.
“A porta” A animação “A porta” foi feita em papel, a lápis, e filmado em 16 mm. São 30 segundos de filme e 720 desenhos. Primeiro curtametragem de Ennio Torresan, realizado em 1986, foi sonorizado poucos meses atrás. E teve duas exibições na masterclass. A primeira, original, sem som. A segunda exibição foi completa. O som foi obra do próprio Ennio, com um instrumento que os animadores de hoje conhecem bem: “Incrível, fiz isso em duas horas no meu Ipad. Hoje dá para fazer um filme fantástico em três meses. O problema é que a concorrência é absurda. Então, o que é novo? De que forma
vocês conseguem quebrar a mesmice e criar uma coisa nova? Tudo é estética. A ideia do som é que fosse minimalista e fantasmagórico. Meio noir, meio aberto. Esse foi o som mais próximo para o que imaginei para o filme. O som e a imagem são duas coisas importantíssimas. É preciso casar esses dois muito bem. Não deixar o som para depois. Você conta a história inteira com o som.”
“El Macho” Lançado em 1993, o premiado “El Macho”, que levou oito anos para ficar pronto, foi exibido no telão. Com som. “Levei quase um ano para colorir a personagem. Todas as angulações e cortes eram instintivos, eu nunca cruzava a linha de 180 graus. Como eu não sabia como respeitar essa linha, fazia tudo com movimento de câmera, que é exatamente o que se faz, é a solução. Eu pensei nesse filme lá pelos meus 20 anos, terminei aos 28. Uma ideia que aconteceu num dia e levei oito anos para fazer. São 10’ de filme. Foram dois anos para animar”, contou ele, que foi devidamente recompensado pelo esforço. Veio daí a temporada na Inglaterra, no estúdio Amblimation, para onde Ennio despachou o filme assim que o finalizou. Sobre as semelhanças entre “A porta” e “El Macho”, a explicação: “Eu via todos os filmes. Não tinha preconceito com nada. Via “Os Trapalhões”, Buñuel, Chaplin. Todas essas produções, por pior que sejam, têm alguma coisa boa para dar pra gente. Elas mostram o que não se deve fazer. Você tem de ver filmes que você odeia também, para saber o que não quer e nem deve fazer. Geralmente, o escritor assiste a todos os filmes e lê todos os roteiros sobre o tema que vai trabalhar. E vê o que foi feito de errado para corrigir, e o que pode ser criado de novo naquele tema. Se você tem uma ideia, veja tudo que já foi feito que tenha a ver com a sua ideia, porque provavelmente ela já foi feita”, disse ele. É muito difícil criar uma
coisa nova. “Até os erros fazem parte da sua linguagem”. Ele relembrou um episódio ainda na época do curso na Laura Alvim: “Em uma determinada cena de ‘A porta’, quando o personagem entra, e a câmera começa a andar para trás junto com o personagem, eu faço um corte. É o que eles chamam de ‘jump cut’, em que você corta dentro da própria imagem. É um erro. Só que se você faz o corte no momento ação, funciona. Então, até os erros fazem parte da sua linguagem. Como você corta o clichê e faz com que o clichê se transforme numa coisa nova.” Quando comentou com Daniel Schorr o que queria fazer, ouviu um “Ninguém nunca fez isso em animação”. “Impossível que ninguém nunca tenha feito isso em animação”, Ennio duvidou. “Em todos os filmes que eu vi, ninguém trabalha com a câmera tanto”, Daniel insistiu. Entre outras influências que teve, Ennio citou o curta “Fly”, ganhador de um Oscar, Taxi Driver e Jack Jones. Disney, para surpresa de muita gente, nem tanto. Era uma animação muito açucarada, apesar do respeito que ele mantém a tradição. O que Daniel Schorr falou sobre a animação, Ennio nunca ouvira em Belas Artes. “Tudo já tinha sido feito em pintura, pelo menos era o que eu imaginava. Eu não conseguia ver uma coisa que fosse nova. Dava muito trabalho conseguir alguma coisa nova”, disse. E fazer coisa nova era o que ele buscava. “Queria me descobrir, quebrar regras, influenciar o mundo de certa forma”, afirmou. Mais tarde, quando fez ‘El Macho’, a surpresa com a própria vontade: “Eu queria que cada cena, cada pedaço fosse uma inovação. Queria trabalhar com a câmera tanto quanto com animação. Na época, os animadores não trabalhavam com a câmera rodando atrás do personagem, era com a câmera parada. Hoje, isso me ajuda muito. Essa influência do live action ajudou muito, é o que a gente faz. O filme 3D permite isso”, disse Ennio, do alto de
uma experiência acumulada também em criar soluções de câmera em 2D. “Hoje, animação e live action são a mesma coisa. Claro que dependendo do público. Para o público jovem, a linha tem de ser contínua. Todos os desenhos são feitos de forma contínua não se volta no tempo.”
“A palavra certa” Terceiro filme exibido na masterclass, “A palavra certa” já foi feito em computador, com recursos do Photoshop. Um clip da música de Herbert Vianna, realizado em 1997. Foram dez anos entre “A porta” e “A palavra certa”. Uma década de muitas experimentações e outros tantos filmes: “Em Londres, eu fazia fundos, background. Eu queria descobrir minha técnica e minha cor. E nada melhor que produzir fundos para cenários oito horas por dia. Conseguia pintar três cenários por semana. Trabalhava em papel, ainda não havia computador”,
ele relembrou a experiência. O aprendizado envolveu todas as técnicas de layout para 2D, que ajudaram a desenvolver o que faltava à sua gramática cinematográfica, a mesma que utiliza até hoje. Ennio foi para a Inglaterra pensando em ficar seis meses e ficou quatro anos. Na volta, queria fazer filme, mas foi convidado para Los Angeles. Pensou “mais seis meses, depois volto para o Brasil”. Está lá há 20 anos. O desejo de fazer coisas por aqui sempre existiu. Certa vez, Otto o convidou: “Pô, quer fazer um filme comigo?”. “Não dá, morando aqui, não dá”. “Dá sim, tranquilo, tranquilo”, Otto insistiu. Cinco anos depois, o filme “Até que a Sbórnia nos separe” estava pronto. “É incrível, toda a tortura que passei e os dias sem dormir ficam para trás, porque o produto ficou tão legal que você esquece o que passou. Trabalhar num longa, seja ele de custo alto ou baixo é sempre uma tortura. Lá fora ou aqui, a única diferença é o dinheiro que você ganha. Mas, quanto mais você ganha, mais
você gasta. Se você ficar milionário, vai gastar todo o seu dinheiro”, ele garantiu que não ficou milionário, mas não reclamou do quanto recebe pelos trabalhos que faz. No curso da Laura Alvim, você já começou a aprender a técnica de story board? Eu não sabia que existia story board, fui aprender animação. Story board eu fui descobrir depois, quando o Cesar (Coelho) me convidou para fazer o desenho de um filme que ele estava fazendo. Aí eu descobri que existia. ‘Ah, story board? Eu queria fazer animação’. Depois eu vi a importância do story board em ‘El macho’, no que eu fiz um story board rápido. Se eu tivesse feito o story board direito, todo decupadinho, eu teria feito um filme um pouco diferente, principalmente o final, aquela pan que continua. Claro que todos os filmes que você faz te incomodam. Depois que você faz, você pensa ‘ai, não quero mais ver esse filme nunca mais’, mas você vê o filme o tempo todo. Parece que os primeiros filmes foram feitos à mão, em papel tradicional. Apesar do traço simples no filme do Herbert, já foram utilizadas novas tecnologias? O filme do Herbert foi feito no papel, a gente passou no scanner desenho a desenho, não existia Cintic naquela época, e depois coloriu no Photoshop. Mas a intenção era fazer um desenho com cara de independente, animação meio mal feita, a intenção era essa. A música é linda, maravilhosa, se o desenho ficar muito limpo, ele perde um pouco. A intenção era mesmo ser meio desenho gorila.
Passaporte para a direção Ennio passou adiante para exibir “Teacher’s pet”, da Disney, em que fez o story board para o ilustrador Gary Baseman. Foram três temporadas do programa, Ennio participou das duas primeiras.
“Os story boards têm mais a ver com a direção do filme do que o próprio diretor. Fui vendo a importância no tempo e como o story board influencia as outras fases, como história, câmera, angulação. Você não consegue animar um filme sozinho, precisa de uma equipe. Esse story board foi feito em uma semana e foi direto para a animação. Eles fizeram tudo exatamente como estava no story board”, disse ele. Por causa de “Teacher’s pet”, que ganhou um Emmy, Ennio foi promovido a diretor. “Eles descobriram que eu podia ser diretor. Nessa época, eu estava saindo da HBO, não tinha tanto nome. Fui para a Disney, mas não tinha feito nada para criança ainda, a não ser o ‘Sponj Bob’, que foi feito antes da Disney”, contou. Como se faz um filme desses? Ennio Torresan exibiu e explicou a estrutura de produção: “O script manda nesse filme. Todos os diálogos têm de ser respeitados. A gente tenta outras
soluções e, às vezes, muda um pouco o diálogo de posição. Mas têm de ser respeitado porque são gravados antes do story board. A gente ouve o diálogo e faz o story board de acordo com o que é dito. Todas as soluções são criadas no story board. Essas coisas que dão mais vida ao roteiro e que fizeram o roteiro ficar mais engraçado é que me deram essa promoção a diretor. Não que eu tenha feito essa previsão. O filme podia ter sido feito só com diálogo, mas não é assim que se faz um filme, com tudo parado.”
“Bob Esponja” Ennio Torresan foi responsável pela animação de 15 episódios de “Bob Esponja”, da Nickelodeon. O trabalho, desenvolvido em 1998, foi selecionado para a mostra na masterclass por seguir uma estrutura diferente de “Teacher’s pet”. Depois da exibição no telão, a explicação de como ele recebeu o material para criar o story board. A partir de uma página que continha “the bits”, as partes importantes da história. “Por exemplo: Bob Esponja em casa, fazendo exercício, mas é tudo falso. Dois: ele pensa que está fazendo uma coisa, mas não está. Depois, outro bit: ele recebe a visita da Cindy, e ela mostra que ele está fazendo tudo errado. Terceiro: eles vão à casa dela. Quarto: ele vai para casa, frustrado, e tenta encontrar um jeito de ficar forte. No quinto, ele paga pelo erro dele. Mais um: Bob vai à praia, tem uma competição e ele acaba vendo o problema que criou”, e assim foi feito o story board, Ennio demonstrou. “Muitas vezes era preciso recriar o roteiro inteiro. Eu fazia o pitching e ficava observando a reação das pessoas. Se elas não rissem, eu já sabia que a piada não estava funcionando e já jogava aquela piada fora e pensava em outra”, ele enumerou o passo a passo. “Por isso que ‘Bob Esponja’ é tão mais engraçado. Porque segue a estrutura do roteiro, e às vezes a estrutura do roteiro mata um pouco a criatividade. É muito
difícil entender a essência do roteiro, o que ele quer dizer com aquela cena. Filmes de 7 minutos são diferentes de filmes de 11 minutos, que são diferentes de filmes de 20 minutos. Quanto mais tempo, mais complexa e mais histórias existem. Um filme como ‘Bob Esponja’ é dificílimo, tem de ter uma estrutura muito mais forte ou você se perde”, ele contou e exibiu o story board para a plateia. Era tudo feito em papel. A equipe era de três pessoas. “Ficava tudo pendurado na parede. O escritor vinha, o cara da voz vinha, e cada um dava um pitaco, uma ideia, até a coisa ficar realmente engraçada”, ele seguiu mostrando a sequência do story board: “O lance do Bob Esponja é que ele pode fazer qualquer coisa, não tem limite”, Ennio falava os diálogos enquanto exibia os desenhos. “Vocês conhecem, o cara é um sem vergonha, filho da mãe, um sarcástico, e o Bob Esponja não faz a mínima ideia do que está por trás do diálogo do Lula Molusco.”
Como fazer rir Comédia tem técnica, Ennio explicou o princípio do que funcionava em “Bob “Esponja”: dois comediantes, um do lado do outro e trabalhando juntos, fazem esquetes mais engraçadas. “Um dos comediantes tem de ser o flatliner, que só fica engraçado se há o outro, o cara que vê aonde ele está indo, mas não consegue impedir aquilo. O wav line é o personagem limitado. E aquilo é cômico. No ‘Bob Esponja’, o Lula Molusco representa a gente. Ao extremo. Quando você fizer dois personagens, quanto mais contraste, melhor. Um tem de ser o oposto do outro. Quanto mais opostos, mais cômico.” Mais um episódio no telão, desta vez, Bob fica forte e musculoso, e mais histórias. Ennio contou que a razão de sua entrada para a equipe de “Bob Esponja” foi justamente o seu curta-metragem mais famoso, “El macho”. Mas não o “El macho” que ele exibiu e que todos conhecem, e, sim, um feito para a HBO, numa tentativa de venda que não foi adiante.
“A loucura toda do personagem acontece na primeira temporada. O Stephen (Hillenburg) chegou para mim e disse ‘Ennio, I have a script for you like El macho”, Ennio provocou risos na plateia com a imitação que fez do criador do “Bob Esponja”. Depois do filme, Ennio explicou a diferença que a piada faz. Como trabalhar com clichê para que ele fique novo? O segredo é a surpresa. “O segredo desse filme é a relação entre os personagens e como as piadas podem funcionar. O cara pequeno que leva porrada é cômico. A partir da hora em que a âncora pega o cara, você já está preparado. Existe uma forma de sacar quando a gente está na frente do filme e quando a audiência está na frente do filme? Se a audiência sabe o que está acontecendo, fica chato. Se o filme passa à frente, é exatamente aí que a plateia fica interessada. Seja um filme de arte ou filme clichê como ‘Bob Esponja’. Colocar sombra é uma ótima solução para surpreender. Quando a sombra vem, eis a piada. Quando ele sai correndo e começa a dar voltas pelo campo, a gente fez uma coisa que é ‘milking the jocke’, algo como ‘tirar leite de vaca’. A piada vai ficando melhor quanto mais tempo você faz o cara fugindo da sombra, quanto mais desesperado ele fica. Quando ele bate ali não é engraçado, mas é a chave que fecha a piada. É uma linha muito perigosa entre ficar engraçado e não ter graça alguma”, explicou. Como garantir a piada? “Não mostrar a âncora batendo no cara. A piada está no cara continuar fazendo o trabalho dele, nunca sair da linha. A função dele é medir a distância. No final, fazendo que ele fale a distância, com voz de quem acabou de ser esmagado, mantémse a coerência. É assim o tempo todo: como fazer com que as piadas funcionem, embora tenham sido feitas um milhão de vezes. É extremamente complexo garantir que os personagens não se percam. Não sei como os caras conseguem fazer episódios novos, diferentes. É muito difícil. ‘Bob Esponja’ é assim. A equipe toda teve de sair e ser renovada, depois de tantas temporadas.
Depois de cinco anos, você enlouquece. Um cara que fazia story board virou produtor executivo. É assim que ele se mantém lá até hoje.” Na sequência, Torresan mostrou um pitch inédito para a plateia: ‘Sponj board’, ou Bob Esponja tentando surfar. “A ideia inicial era fazer ‘Bob Esponja’ em três minutos. Mas o formato de 11 minutos funcionou tão bem, que eles acabaram desistindo dos três minutos”, ele explicou, depois de exibir o story board feito antes do primeiro episódio que ele fez de fato. Durante a exibição, ele fazia os diálogos, os sons do Bob e todos os outros. Sem vergonha alguma. E fez a plateia rir e aplaudir.
Da televisão para o longametragem Depois de “Bob Esponja” veio a Disney e de lá ele quis deixar a televisão e rumar para os longas-metragens. “Demorou um tempo para eu entender como se pensa e como se faz um longa-metragem. É completamente diferente da televisão. Você tem de se preocupar com tantas coisas, que é preciso esquecer o que aprendeu. Você tem de se reinventar e aprender tudo de novo. Tive de começar e aprender fazendo na prática. Li muitos livros e fiz cursos de roteiro. Hoje, faço cursos de atuação também. Tudo para entender como posso trazer isso para o meu trabalho. Isso ajuda muito a forma como faço story board”, ele contou. A exibição seguinte foi um clip de “Kung Fu Panda 2” em duas versões: a versão de story board feita por ele e a versão final. A sequência é aquela em que os cinco personagens principais vão para uma vila que foi atacada pelos lobos. “A primeira versão foi feita com script, e não deu certo. Todos os longas-metragens são feitos, pela primeira vez, totalmente errados. É assim que se pensa. Não sai certo da primeira vez. E esse é um exemplo de uma primeira versão ou de ‘como eu fiz errado’. Dez versões depois, vocês
vão ver o que ficou na tela”, ele exibiu. “A diferença entre um e outro é absurda. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. No entanto, a ideia é mesma, não mudou. Às vezes, você escreve o roteiro e depois tem de voltar e reescrever tudo. Write and rewrite, board and reboard, é isso que as pessoas falam lá. Fazer o story board é refazer o story board. Você faz a versão errada até fazer a versão certa. É como um diamante, que você lapida até que ele fique da forma que você quer que ele fique. Mas a ideia principal tem de funcionar dentro do roteiro, tem de ter uma função dentro do filme.”
“The bulletproof sequence” A próxima sequência foi de “Madagascar 2” e tinha uma razão especial para ser exibida. Trata-se de um exemplo de aprovação, já na segunda versão, de um story board que valeu para o filme inteiro. Marty, a zebrinha que sempre quis encontrar um grupo para se encaixar e chamar de seu, é o ponto de partida da sequência. “Essa é a razão dele no filme, e ele encontra o grupo. Mas quando encontra, não é o que ele queria, ele queria outra coisa. O dilema dele é um reflexo da própria vida. Cuidado com os desejos, eles vêm com efeitos colaterais”, ele disse. “Fiz o story board em três dias. Foi muito rápido, e essa foi a segunda versão. Eu havia feito a primeira versão, pediram alguns ajustes, e, na segunda, os diretores disseram ‘perfeito, vamos animar’, e ficou no filme inteiro. Nem limpar foi preciso, ficou perfeito do jeito que estava. É raro acontecer”, Ennio ressaltou, antes de mostrar o seu exemplo do que eles chamam ‘the bulletproof sequence’. Ennio exibiu outras duas sequências de “Madagascar”. Nos dois casos, tanto a versão do story board como a versão final. A principal delas, com Julien, o autoproclamado rei, um dos personagens preferidos de Ennio Torresan. “É fantástico trabalhar com o Julien porque ele é um sociopata totalmente inesperado.
E personagens inesperados são um mundo rico para se trabalhar e fazer com que eles tomem vida. Herói é difícil porque, em geral, eles são muito chatos. O Julien é um sociopata mais legal de fazer porque é cômico, não se preocupa com a vida dos outros. Ele é mínimo, não tem poder nenhum no filme, não consegue nada, e essa é que é também a comédia do personagem. A gente inventa um jeito de, sem querer, ele conseguir aquilo. É a linguagem do filme. Ele se autodenominou rei dos animais, e todos aceitaram aquilo. É absurdo, mas fica engraçado, e a gente consegue se relacionar até politicamente com aquilo. Isso reflete uma coisa da nossa vida, e fica engraçado.” Durante a produção, cada filme tem dez exibições. Uma a cada três meses. Ennio explicou como se dá o processo: “A primeira vez é todo story board. É sempre uma porcaria. É terrível, a turma já se prepara para ver a reação dos executivos. A segunda versão pode vir com as mesmas observações, porque a gente recebe as notas dos executivos especialistas em roteiro. As notas que vêm dos executivos não são incorporadas por uma questão de tempo. Dez vezes isso acontece até o fim do filme, a cada etapa vão sendo incorporadas as partes que já estão terminadas. Lá pela sexta versão do filme é uma bagunça. De repente a gente vê que a cena está uma porcaria e joga fora. O problema é quando a gente começa a fazer exibição para a plateia, para ouvir o que as pessoas acham. Tem de deixar bonitinho ao máximo, para que a plateia não tenha choque com os desenhos no papel. No entanto, acontece um fenômeno: se a história funciona, o contraste entre o desenho e a animação se perde e a pessoas conseguem ver a história. E aquilo funciona mesmo com partes separadas”, ele esmiuçou a odisseia que dura em média três anos. Clip de “Megamente” no telão, novamente Torresan reuniu pedaços de várias etapas da produção para mostrar para a plateia. “A primeira parte está bem mais próxima do
final. As primeiras versões dessa sequência eram bem diferentes dessas, têm pedaços de várias épocas, vários artistas. O desenho muda muito. A minha parte é construir a cidade em After effects e colocar o personagem andando de cima para baixo, para pegar o movimento de câmera todo. Desenhar a cidade em movimento era insuportável. Então, era mais fácil construir em After effects e depois colocar o desenho dos personagens, para que o story board ficasse o mais parecido com o filme final”, explicou.
A primeira vez A história dos longas-metragens seguiu com “Turbo”, o primeiro em que Ennio se conectava diretamente com o diretor. “Nós criávamos a cara do filme, ele confiava a mim a cinematografia. ‘Turbo’ tem muito a ver com ‘El macho’, com ‘A porta’, com o movimento de câmera e como os personagens funcionam. A primeira sequência que eu fiz, ele não mudou de jeito nenhum. E foi essa sequência que deu a cara do filme. Demorou um pouco porque ela era cheia de problemas. Era a sequência que nós chamamos de ‘spider bit’, a mordida da aranha, que é o momento em que o Homem Aranha ganha superpoderes. É isso que acontece com o Turbo: no momento em que ele é injetado com ácido nítrico, ele fica super poderoso”, Ennio contou que teve de estudar mecânica de carro e sobre a anatomia e estrutura molecular sanguínea de caramujo. “O roteiro dessa sequência tem uma página, sem diálogo nenhum. Falava assim: Turbo sai de casa, deprimido, vai até a freeway, que faz com que ele sinta a vontade de ser rápido. É o momento do desejo. Nós escrevemos ‘eu quero ser rápido’, mas tiramos, porque uma vez que ele é rápido, acabou o filme, já que ele fica rápido nos primeiros 20 minutos. Então, nós tiramos e ficou só ‘eu quero ser’. Assim o espectador fica sem saber. O que ele quer mesmo é ser diferente do que ele precisa. O que ele precisa é ser diferente do que ele quer. Isso é clichê, todo filme de herói
tem isso”, ele acentuou. Ennio fez o pitch do story board. “Só fiz o story board duas vezes. Praticamente não mudou nada. Muitas sequências ficaram do jeito que foram criadas. Tive muito mais influência nesse filme do que nos outros, nesse sentido.” Também em duas versões, o diretor exibiu o clip, devidamente explicado tal qual ele faz nas regiões de trabalho: com narração, simulação de movimentos de câmera, ponto de vista do personagem, cada tum tum. “Turbo sai, passa pela calçada e vai até a ponte. Inseto voando rápido, chuva caindo, tudo é rápido ao redor dele, menos ele. A câmera vai atrás e se posiciona entre os olhos dele e ele tem o desejo. O caramujo se esconde e vê o mundo passar através do buraquinho. O vento dos carros faz com que ele voe para o outro lado da freeway. A câmera se afasta, gira, passa por dentro do motor”, ele encerrou e passou para versão limpa: “O caramujo na rua, depois
na ponte, olhando os carros, a velocidade, o desejo, ‘ai eu quero ser’. Um avião, antes era o helicóptero, o vento o empurra para as plantas. Pow, ufa, o mundo começa a tremer, vruummmmm, pow. Outro ângulo, mais outro ângulo, o carburador, pá, perseguição de carro, os olhos, a corrente sanguínea, moléculas rodando como pneus de carro”, Ennio fez uma performance digna de muitas palmas da plateia. O clip seguinte foi a demonstração de uma das etapas da sequência pronta para a quarta exibição, já com som e partes de layout, animação e de story board. “Vocês vão ver que praticamente não mudou nada desde a primeira versão.” E, por fim, Ennio exibiu a versão que foi para os cinemas. Para encerrar, o trabalho que fez com Otto, “Até que a Sbórnia nos separe”, filme feito à distância. “É um filme mais artístico, um filme mais lento. São dois universos diferentes. Mas ainda assim eu não quis perder a minha visão, a minha gramática cinematográfica. Gosto muito e tenho outros projetos independentes que estou tentando levar adiante. É tão difícil para mim como para vocês. Conseguir direitos autorais, financiamento, é um caminho longo e tortuoso e muitas vezes não dá certo. Muitos dos meus sucessos se incompassam de fracassos. São 20 fracassos para um sucesso, isso também funciona para mim. A batalha é a mesma. ‘Até que a Sbórnia nos separe’ ficou de uma riqueza absurda. Eu fiz o story board no Tumbnails e eles fizeram um trabalho incrível de transformar aquilo em filme. Eram mais ou menos de 25 a 50 pessoas na equipe do Otto. Um filme como o ‘Turbo’ tem 1500 pessoas. Como a gente seguiu muito a estrutura do roteiro, até que ficou mais barato, só $ 70 milhões”, disse. Com o clip, Ennio Torresan encerrou a apresentação de 25 anos de carreira em três horas. Algumas fases do story board contêm áudio. Você costuma colocar efeitos de
áudio já nas primeiras fases? Você acha isso importante? O Animatic foi inventado para ajudar os executivos a verem o filme além do story board. Eles não faziam a mínima ideia do que era aquilo, então a gente pegava o story board, filmava e colocava o som provisório. No início do filme, nem sempre a gente tem os atores, mas os substitutos. A música é temporária, os efeitos, o som dos atores, tudo é temporário. Conforme vai evoluindo, a gente vai inserindo o ator certo. No entanto, o som, os efeitos e a trilha são sempre emprestados. A loucura é que a gente constrói o filme baseado naqueles efeitos especiais, por três anos, quatro anos, e tudo é emprestado. Existem os editores que são especializados em música, que têm memória musical e conseguem saber qual música fica melhor ali. Essas pessoas valem uma fortuna. E os efeitos especiais são feitos por um assistente desse editor. A equipe de edição tem cinco profissionais, cada um fazendo uma parte. E depois eles têm de reinventar isso tudo para
remixar o filme quando fica pronto. Por fim, o trabalho de três anos e meio tem de ser feito em duas semanas. O filme tem de ser reinventado sonoramente. O diretor tem de refazer o filme inteiro. Ele já está exausto e ainda tem de viajar pelo mundo para refazer essa parte, porque a orquestração na Europa é mais barata que nas Américas. Qual o nível de liberdade criativa que você tem na grande indústria? Que tipo de informação você recebe e de quem? A gente não recebe nada. Apenas o roteiro e, às vezes, uma informação do que está acontecendo e porque o personagem está pensando daquela forma. A gente trabalha direto com diretor, produtor e editor para definir para que serve e, qual a importância daquela sequência. É trabalho do diretor, passar isso claramente para o artista que vai fazer a animação. Indicação de câmera, de corte e angulação nunca é feita. Às vezes, é feita em televisão, mas raramente. Cabe ao artista desenvolver tudo. E as pessoas são especializadas em um tipo de story board. Uns são bons com humor, outros com cinematografia, alguns são bons de momentos íntimos entre dois personagens. E há aqueles que conseguem ser muito versáteis e pular de um estilo e característica para outra com mais facilidade. Geralmente, essas pessoas viram os header of story, porque conseguem ajudar o pessoal que faz story board enquanto o diretor não está ali. O filme vai progredindo e o trabalho vai se dividindo. Geralmente existe um casamento muito grande entre o diretor e o header of story. Quando não acontece isso, o filme volta e toda a equipe é mudada. É traumatizante e difícil, mas acontece. E alguns projetos acabam nunca acontecendo porque não conseguem encontrar a equipe certa. É como massa de pizza. Se a equipe escolhida não consegue desenvolver, vem outra e outra e o filme acaba ficando caro demais e sendo cancelado.
7 de agosto
quarta-feira
Mesa-redonda: O Caminho da Pedras – Alemanha | Brasil
A mesa será dividida em duas etapas: na primeira, conheceremos as possibilidades de coprodução e financiamento com produtoras e instituições alemãs. Na segunda parte serão apresentadas estas possibilidades pelo lado brasileiro. Participantes: Oliver Zeller (MFG-Film Fund BadenWuettemberg), Andreas Trautz (Cluster | MFG-Film Fund BadenWuettemberg), Ina Werner (ZDF), Eduardo Valente (Ancine), Fernanda Farah (BNDES), Rachel do Valle (ABPITV). Moderadores: Luciana Dolabella (FilmCup) e Júlia Levy (SEC)
Uma apresentação alemã com pontualidade carioca brincou César Coelho ao abrir a segunda mesa do Anima Forum. Uma celebração do acordo de cooperação recémfirmado entre Brasil e Alemanha. “Uma das grandes preocupações do Forum é criar laços, fazer novas amizades, uniões, promover troca de informações e, quem sabe, bons negócios. Os convidados alemães vão contar como funciona a produção e a coprodução na Alemanha. Em seguida, será a vez dos convidados brasileiros”, ele explicou como seria a tarde. Luciana Dolabella dividiria a mediação da mesa com Júlia Levy, que anunciou a assinatura de um acordo de cooperação entre os estados do Rio de Janeiro e Hessen, na Alemanha. Um acordo além do que já fora assinado no âmbito federal. Ela pontuou e prosseguiu com a apresentação dos participantes da mesa. “A gente vai falar aqui de coprodução entre Brasil e Alemanha. A Luciana (Dolabella) vai falar um pouco da experiência dela como produtora, a relação que ela tem com a Alemanha, país onde ela também estudou. O que deu a ela uma excelente rede de relacionamentos nos dois países. Tanto que ela já desenvolveu algumas atividades aqui para realmente aproximar representantes da indústria e de instituições alemãs com o mercado brasileiro”, Júlia avisou que Luciana comporia o lado alemão da mesa. Na ordem de apresentação, portanto, Luciana Dolabella abriria a parte alemã da mesa, seguida de Oliver Zeller, do Film Fund BadenWuettemberg e Andreas Trautz, ambos vindos de um fundo alemão e do mercado de filme de animação. E, para fechar, Ina Werner, representante da ZDF, um dos principais canais alemães. Oliver e Andreas contariam como produzem, que tipo de trabalho fazem, financiam e apoiam. Ina, por sua vez, iria falar sobre como a ZDF trabalha, que tipo de projetos apoia e coproduz. O lado brasileiro da mesa contaria, na segunda etapa, com Eduardo Valente, da Ancine, Raquel do Valle, da ABPITV, e Fernanda Farah, do BNDES.
O lado alemão Luciana Dolabella (FilmCup) Para quem estudou na Academia Alemã de Cinema, Luciana Dolabella falou com conhecimento de causa, ou melhor, de território. Feliz em receber os colegas em solo carioca, ela lembrou que houve um grande encontro em 2012, em São Paulo, que reuniu alemães e brasileiros para discutir o mercado de animação. Apesar de trabalhar mais com live action do que com animação, Luciana já tem experiência em coproduções. Na época em que estudou na Alemanha, conferiu como a integração entre brasileiros e alemães funciona bem, apesar das diferenças culturais. O encontro em São Paulo se deu graças ao MFG Film Fund, Luciana ressaltou: “Foi iniciativa deles, enviar representantes e fazer algo para os animadores. Eles são basicamente o coração da animação na Alemanha”, ela enalteceu e, em seguida, apresentou três estúdios de animação que vieram ao Brasil
para falar um pouco da experiência deles com coprodução. Enquanto isso apresentava os filmes correspondentes a cada estúdio. O primeiro deles foi do M.a.r.k. 13, que usa modelagem sobre lighting animation. “O primeiro longa-metragem que fizemos vai estrear em janeiro de 2014, nos países de língua alemã na Europa, que são Áustria, Suíça e Alemanha. Esta foi a exibição de uma variedade de animações do M.a.r.k. 13, a maioria propagandas e shows de exibição. Fazemos muitos shows de exibição para montadoras de carros. Não são filmes, mas é amostra de outra parte da animação que fazemos”, explicou o representante do estúdio, Holger Weiiss, presente na plateia. O filme seguinte foi da Pixomondo. “Uma empresa muito grande, que emprega gente em várias partes do mundo e que também faz efeitos especiais. Na Alemanha, é muito comum estúdios de animação também fazerem efeitos especiais”, disse Luciana. “Temos estúdios na China, nos EUA, Canadá e Alemanha. O que vocês viram é um exemplo do nosso trabalho. Fazemos de tudo em termos de animação e efeitos especiais. Trabalhamos com TV, cinema e apresentações”, explicou Christopher Malessa, chefe do estúdio Pixomondo de Stuttgart, logo após a exibição do filme sobre a companhia. O terceiro filme exibido no telão foi do estúdio Soi, que inclusive já ganhou prêmio no Anima Mundi. “O Soi, que já existe há dez anos, foi fundado por alguns estudantes. Fazemos animações curtas e também fazemos coproduções, algumas com estúdios na Inglaterra. A última foi com a Cartoon Network europeia, que fica em Londres. Como vocês podem ver, estamos sempre misturando técnicas, tentando redefinir o que fazemos”, explicou Mathias Schreck, o representante do estúdio. Luciana Dolabella passou então a palavra para os convidados da mesa.
Oliver Zeller (MFG-Film Fund Baden-Wuettemberg) Responsável pelo financiamento de produções do MFG-Film Fund, Oliver Zeller anunciou, com bom humor, ao que veio: “Tenho a ingrata tarefa de informá-los sobre o sistema de financiamento na Alemanha. Que não é nada excitante. Interrompam-me quando estiver muito chato”, brincou ele. Com os dados exibidos no telão, Oliver Zeller iniciou sua apresentação contando um pouco da história da Alemanha. “Há 300 anos, a Alemanha era um monte de reinados, com milhares de fronteiras. Hoje em dia, o país tem apenas 16 divisões. Não vim lá de longe só para dar aula de história, mas é preciso que vocês entendam a alma alemã. Ela é original, o que significa que, para trabalhar em coprodução com alemães, vocês têm de ser originais”, explicou ele, para que a plateia compreendesse que apesar de não ser territorialmente grande se comparada com o Brasil (na verdade é menor que o
Mato Grosso), a densidade populacional na Alemanha é expressiva e uma das maiores da Europa. Zeller mostrou números reveladores do quanto os alemães são ricos, mas “infelizmente, não na indústria do cinema, mas estamos trabalhando nisso”, disse ele. A Alemanha é um país carregado de regionalismo, esta foi a primeira lição dada por Zeller, que explicou os orçamentos das três fontes de recursos disponíveis no país: “Eles têm fundos de financiamentos federais e regionais. O ministério da Cultura tem um orçamento de € 14 milhões, financia muitos programas infantis, e é um importante parceiro para coproduções. O Federal German Film Board tem um orçamento de cerca de € 100 milhões e também é um bom parceiro para coproduções, mas para se conseguir esses financiamentos é preciso ter algum fundo local no projeto. E, para completar, o mais antigo financiador de filmes da Alemanha, o Kuratorium Junger Deutscher Film, que tem um orçamento pequeno, mas é muito importante, especialmente para diretores iniciantes. Fica muito mais fácil conseguir financiamentos se você está associado a ele.” A Alemanha não possui nenhum sistema de incentivo fiscal, Oliver Zeller ressaltou que essa é uma informação de extrema importância para os produtores internacionais. “Mas existe o German Federal Film Fund, que dá um financiamento automático, se você atingir certo número de pontos. Por exemplo, se a produção tem um diretor ou animadores alemães, você ganha certo número de pontos, e pode conseguir até 20% do financiamento do seu filme à custa do governo alemão”, detalhou.
Alemanha de Norte a Sul Na sequência, Zeller apresentou os fundos locais de financiamento e algumas curiosidades sobre a Alemanha. Começando pelo Norte do país, ele apontou no mapa: “Em Hamburgo, cidade onde os
Beatles começaram a carreira, há o Film Fund de Hamburgo. Há também o Film Fund da cidade de Bremen, onde é produzida a cerveja Beck´s, que pertence à Interbrew, que agora é uma companhia brasileira. Isso significa que cerveja Beck´s é agora, na verdade, uma cerveja brasileira”, brincou. Em Berlim, ele prosseguiu, há um dos maiores fundos regionais, com um orçamento de € 30 milhões. “Eles financiam muitos filmes de live action e têm excelentes estúdios. Mais para o Sul, temos os fundos Medienboard e MDN, que também fazem muitos filmes de live action e têm um excelente centro de animação. Os números são estimativas, o que significa que podem ser um pouco maiores”, Oliver ponderou. Mas é certo que em toda a Alemanha são cerca de € 400 milhões disponíveis por ano para financiamentos de filmes. Seguindo viagem, Zeller mostrou que o estado de Hessen tem um fundo de € 12 milhões. “É o estado da Bavária, que tem um dos mais fortes sensos de regionalismo da Alemanha. Há alemães, e há bávaros”, ele pontuou e, por último, citou o estado de Baden-Württemberg, lar dos fabricantes de carros Mercedes e Porsche. “Os alemães são um povo bastante técnico. E temos focado, durante muitos anos, em animação e efeitos especiais. O que quer dizer que se vocês quiserem fazer efeitos especiais ou animações em nossos estúdios, podem conseguir financiamentos na Alemanha”, afirmou. Os fundos locais de financiamento, segundo Zeller, geralmente são estruturados com a participação do governo e da emissora local. “Temos muitas coproduções com as principais emissoras alemãs. A WUR, por exemplo, coloca € 17 milhões todo ano em um dos fundos, com o objetivo de fortalecer a cultura de produção de filmes na Alemanha.” Os fundos regionais oferecem financiamento para todas as etapas do processo de produção de um filme, incluindo o desenvolvimento do roteiro, pré-produção, produção (para onde vai a maior parte do dinheiro), pós-produção e
distribuição. Também financiam treinamentos. “E, atualmente, estão investindo no desenvolvimento de jogos, um projeto lançado há cinco anos, mas que teve pouco interesse. Mas quando foi relançado dois anos atrás a procura foi grande e, hoje excelentes jogos estão em desenvolvimento com financiamento do governo”, contou ele.
Quem pode se candidatar O financiamento regional está disponível, mas somente empresas alemãs podem se candidatar aos recursos. Nada que não possa ser contornado: aos interessados, basta abrir uma filial na Alemanha ou arrumar uma empresa alemã para ser coprodutora. “O sistema de financiamento alemão é bastante complicado, tem muitas regras não escritas. Então, o melhor é procurar uma empresa alemã para ser coprodutora, montar a estrutura e desenvolver o trabalho juntos. O sistema de financiamento é baseado em projetos, o que significa que é preciso se inscrever com o projeto já completo. Não é feito financiamento para empresas, apenas para projetos. E é preciso ficar atento ao cronograma. Um financiamento na Alemanha leva, no mínimo, seis meses para ser aprovado. Na maioria das vezes, vai se passar um ano antes das filmagens começarem”, ele explicou também que os alemães estão mais interessados em coprodução do que em cofinanciamento. Ou seja, o parceiro alemão vai querer uma parte do acordo. A vantagem do esquema é que eles não têm receio de serem minoritários na coprodução e não exigem reciprocidade. “Podem ser 10% ou 15%. E, muito importante, financiamentos locais e federais podem ser combinados, um não exclui o outro. É comum as produções na Alemanha terem um ou dois financiamentos federais e três ou quatro financiamentos locais.” É fácil, então? Aparentemente, sim, mas é preciso atentar para alguns aspectos igualmente importantes:
- A mais importante regra na Alemanha é: não comece a filmar antes de conseguir o financiamento. Primeiro consiga o dinheiro e depois comece as filmagens. - O pedido de financiamento tem de ser em alemão. Você pode filmar em qualquer língua, mas o pedido e o roteiro têm de estar escritos em alemão. E os valores têm de ser em euro. - Existe uma regra não escrita sobre a ordem dos pedidos de financiamentos. Por exemplo, você tem de entrar com o pedido no fundo de Baden-Wuettemberg, antes de pedir em Berlim, simplesmente porque é o que eles esperam que você faça. - Os pedidos de financiamento não têm custo nenhum. - A Alemanha tem financiamentos para cinema, TV, documentários, curtas de animação. E não temos medo de nenhum tema. “Não fazemos pelo dinheiro, mas sim por
filmes maravilhosos”, Zeller ressaltou. Para encerrar, informou que a TV alemã é um parceiro muito importante em termos de financiamento e que 90% dos filmes feitos no país são financiados ou coproduzidos pela TV alemã.
Andreas Trautz (Cluster | MFGFilm Fund Baden-Wuettemberg) O melhor lugar da Alemanha para animação é Stuttgart, esse foi o ponto de partida de Andreas Trautz: “É a região mais forte em animação na Alemanha e estamos melhorando na Europa. Não só por causa dos estúdios, mas também por conta de conferências que acontecem na região, como a FMX, que reúne mais de dez mil pessoas para ver animações durante o dia e de graça”, afirmou. A maioria das companhias de animação de Stuttgart nasceu na Academia de Filmes de Ludwigsburg. A única exceção é a Pixomondo, que começou em Frankfurt, mas lá só faziam comerciais. “Quando vieram para Sttutgart, eles aprenderam a fazer filmes e foram parar em Hollywood”, brincou Andreas, que acrescentou que na plateia estava alguém que trabalhou em “Oblivion” (filme de técnicocientífica com Tom Cruise). “Meu trabalho é contar ao mundo que Stuttgart é o melhor lugar que existe para se trabalhar com animação. Por causa dos benefícios e por trabalhar com alemães, que são ótimos. Somos confiáveis e sabemos o que é um deadline”, Andreas foi preciso. Durante a apresentação, Trautz exibiu filmes de várias produções, inclusive comerciais. Após as exibições no telão, explicou que o que eles buscam é aumentar a visibilidade das empresas alemãs e não têm medo de fazer coproduções. Pelo contrário. “Então, se vocês têm um projeto com efeitos especiais ou um projeto de animação e pensam em coproduções com a Alemanha, procurem as empresas ou a MGF”, ele deu o recado. Especificamente na região de Baden-
Wuettemberg, ele explicou que as atribuições, no entanto, são restritas: “Nós financiamos projetos de efeitos especiais, exclusivamente. Ou seja, se você tem um filme e precisa contratar alguém para fazer muitos efeitos especiais ou animações, pode contatar um dos estúdios, como Pixomondo e Soi. Nesse caso, eles entram como coprodutores só para oferecer esse serviço, o que facilita conseguir financiamentos” finalizou.
Ina Werner (ZDF) Ina Werner deu um panorama sobre como são as emissoras de TV na Alemanha, como elas trabalham com coproduções, e que tipo de relação elas mantêm com a animação. Segundo ela, a maior parte da animação exibida pelas emissoras alemãs, cerca de 60% a 70%, se concentra nos canais infantis. E explicou que não fazem apenas high end animation, mas também séries com animações mais simples, feitas para crianças em idade pré-escolar.
“Temos canais públicos e privados. As emissoras públicas são a ARD e a ZDF. As duas são rivais, sempre brigando pela audiência. Mas em alguns canais trabalham juntas. Um deles é o canal infantil Kika. Temos também filmes para internet, que são importantes para o futuro”, ela fez um breve apanhado sobre como funciona a TV na Alemanha. Ao falar especificamente sobre os canais infantis, Ina Werner explicou que as duas grandes emissoras, ARD e ZDF, provêm conteúdo para o Kika, meio a meio. “O Kika tem algumas palavras-chaves para a sua programação: educacional, informativo, entretenimento. O canal não tem anúncios e os programas não contêm violência”, ressaltou. Nem sempre a meta é 100% alcançada, mas os pilares estão estabelecidos e os programas em geral são bem-sucedidos. “O importante é que exibimos programas sem violência ou anúncios, o que para os financiamentos algumas vezes é problemático.” A programação é feita para diferentes públicos-alvo e com todo tipo de técnica que se possa imaginar. O público-alvo é dividido em três grupos: pré-escolar (2 a 5 anos), dos 6 aos 9 anos e dos 9 aos 12 anos. Quem pensar em oferecer um programa deve ter o cuidado de indicar para qual grupo foi feito, Ina avisou. “Temos diferentes horários para os diferentes grupos. E também trabalhamos com várias técnicas, porque como temos um orçamento apertado, às vezes é melhor investirmos em uma animação 2D do que em uma 3D, que custa mais caro. E também porque muitas vezes a animação 2D tem mais expressão e é mais intensa”, ela realçou que há ainda os programas em stop motion e colagem.
Como fazer um projeto Ina Werner explicou os pontos avaliados em novos projetos que se candidatam: “Estamos sempre procurando por estilos e abordagens originais. Mas a história também é muito importante, não basta ter um estilo original.
Buscamos conteúdo, bons personagens, sem muitos clichês”, disse. Será um filme ou uma série? Qual o tamanho? Para qual grupo etário se destina? É preciso responder assertivamente a cada uma dessas perguntas. “Conversando com alguns produtores brasileiros, percebi que existem algumas diferenças culturais sobre que tipo de programa serve para cada faixa etária, então é preciso conversar para entender onde temos diferenças e onde temos similaridades”, ponderou. Qual é a história e qual o desenvolvimento? Essa é mais uma pergunta-chave “Para acharmos o que tem de único, de diferente dos outros programas. A base da maioria dos nossos programas são personagens já conhecidos, geralmente de livros. Claro que também procuramos por coisas novas, mas é mais fácil conseguir o nosso dinheiro, se o projeto envolver alguma marca que já seja conhecida.” O projeto deve ter mais do que apenas um resumo do filme. “É preciso que descreva a atmosfera, os diálogos, o desenvolvimento dos personagens, para podermos identificar o que tem de original no projeto”, Ina completou. Por último, mas não menos importante, é preciso dar informações detalhadas sobre o orçamento. “Primeiro precisamos de uma estimativa de quanto custa o minuto da animação, mas se formos trabalhar juntos precisamos de mais números, para que possamos acompanhar o processo de produção”, ela explicou que esse é um fator diretamente ligado ao nível de envolvimento no projeto. “Quando é uma coprodução com muitos parceiros e pouco dinheiro nosso, nós não temos muito para ver. Nesse caso pode ser mais cru”, disse ela, lembrando que crossmedia é outro ponto de grande importância: “Temos uma plataforma internet, não apenas para exibir os programas, mas com informações adicionais e jogos. E para nós a internet é o futuro, por isso queremos fazer o mais acertadamente possível. A questão da
internet é negociável, pode ser desde apenas o direito de transmissão online até o direito sobre todos os produtos criados a partir do programa em qualquer plataforma. Toda emissora quer todos os direitos para sempre, mas nem sempre conseguem”, ressaltou. Para quem pensa em apresentar um projeto, Ina avisou, há duas possibilidades de trabalhar com eles: “Compramos o programa ou fazemos uma coprodução. Para fazer uma coprodução é preciso que uma empresa alemã de animação esteja envolvida, o que é uma vantagem, porque conhecem todas as diferenças culturais e sabem como conseguir financiamento adicional. Em grande parte das vezes pagamos apenas uma parte do custo do programa. Nós não financiamos 100% do projeto”, ela pontuou. No telão, Ina Werner exibiu uma amostra de um programa fruto de uma coprodução com a Scopas, pioneiros nas coproduções BrasilAlemanha. “É um programa para crianças em idade pré-escolar, para desenvolver habilidades linguísticas, no qual tentamos mostrar que existem diferentes línguas no mundo”, ela encerrou. Quanto é pago por um minuto de animação como essa? Não é muito caro. Por um episódio de 25 minutos desse programa pagamos cerca de $ 180 mil. Luciana Dolabella comentou que os três convidados estariam disponíveis para conversas e perguntas durante o Anima Business. “Os três estúdios que vieram trabalham com TV, cinema, animação, efeitos especiais. O Andreas representa uma série de outros estúdios”, disse ela, reforçando ainda as vantagens de trabalhar com a Alemanha. “Eles não trabalham com editais. E as emissoras estão sempre abertas para produções internacionais, mas é claro que eles darão preferência se vocês trabalharem com empresas alemãs”, finalizou.
Júlia Levy pediu ainda que Ina Werner falasse sobre como a ZDF trabalha junto com as produtoras: Como é o trabalho na coordenação, como colocar os filmes no target exato das faixas etárias? Ina Werner – Eu sou uma comission editor, um cargo que não é comum internacionalmente, porque somos uma espécie de produtores e criadores do lado das emissoras. Queremos sempre contribuir desde o início do projeto, participando do desenvolvimento da história. Normalmente, quando uma produtora nos procura com uma ideia, ou um trailer, nós analisamos e vemos se esse produto se encaixa nas nossas faixas etárias. E então começamos a discutir, ‘gostamos muito do seu estilo, mas os personagens não funcionam muito bem para essa faixa etária’. Estamos sempre em discussão com eles. E se decidirmos trabalhar juntos, tentamos chegar a um acordo sobre o estilo e a história. Temos alguns passos de aprovação, queremos ver a
sobre a coprodução internacional. O que é, de fato, o que pode representar em termos de potencialidade, e os eventuais problemas que pode acarretar. A coprodução internacional se difere dos serviços de produção, ressaltou. “A prestação de serviço de produção ocorre quando você vai filmar ou fazer pós-produção em outro país e contrata uma empresa para trabalhar para você. Essa empresa se torna uma prestadora de serviço, relação que envolve um contratante e um contratado. É uma relação hierárquica direta entre o dono de um projeto e alguém que trabalha para esse projeto”, explicou.
história, o story board, os animatics. Nós nos envolvemos em todas as etapas da produção, assim, nós somos também corresponsáveis pelo produto.
O lado brasileiro Depois do intervalo, a segunda rodada. Desta vez, o lado brasileiro, anunciou Júlia Levy. “A gente vai conversar agora um pouco sobre os instrumentos que o Brasil tem pra fazer coproduções e também sobre financiamentos. Os programas que o BNDES tem para financiar essas produções, e o apoio que a ABPI pode dar para fomentar e contribuir também com o relacionamento entre os produtores brasileiros e internacionais”, disse.
Eduardo Valente (Ancine) A relação do Brasil com a Alemanha está na agenda da Ancine e também do governo brasileiro de um modo geral, avisou Eduardo Valente. Antes de focar no tema específico das relações bilaterais, ele fez um preâmbulo
A coprodução internacional, por sua vez, é uma modalidade mais complexa. Envolve não somente uma parceria, mas uma sociedade entre duas empresas ou mais. “Uma coprodução internacional não precisa ser bilateral. Ela pode ser multilateral e ter vários sócios. A diferença é o conceito da parceria que remete à ideia de sociedade prática entre duas empresas envolvidas em um projeto. É importante ter essa clareza, saber a diferença que isso faz no processo de realização de um projeto em coprodução”, alertou Valente. O processo de coprodução internacional é complexo e multifacetado, o diretor da Ancine fez questão de reforçar. “As pessoas veem na coprodução internacional, antes de tudo, uma nova fonte de financiamento de um projeto que está necessitando de financiamento”, disse. Até aí, tudo bem. O problema está nos motivos que levam à busca por essa modalidade. Se o foco único do produtor quando entra nesse processo é conseguir um financiamento, a opção pode não ser a mais indicada: “Tanto na experiência prática como na experiência de acompanhar as produções e os outros produtores, a coprodução internacional provavelmente é um mau caminho para fazer esse trabalho. Porque, junto com o dinheiro, vem uma série de obrigações e relações de complexidade que, em um modelo de financiamento tão variado e cheio de
oportunidades como existem hoje no Brasil e também na Alemanha, talvez faça mais sentido diversificar as fontes dentro do próprio país do que buscar uma fonte internacional simplesmente para conseguir um dinheiro a mais.” Assinar um acordo de coprodução internacional exige, portanto, as razões certas. Se o único objetivo é obter dinheiro, o primeiro passo já foi dado de forma equivocada. “Primeiro, é bom esclarecer, o parceiro internacional será um sócio para o resto da vida nessa obra. Seja qual for o produto, ele passa a ter uma relação enquanto a obra for utilizada. Não será apenas um sócio que vai colocar um dinheiro. É importante ter esse dado em mente. Escolher um sócio nessas condições é uma decisão importante e séria. Até acontece de você poder rescindir essa relação no futuro, mas a rescisão é um processo longo e difícil”, disse. A assessoria internacional da Ancine está dizendo para não se coproduzir internacionalmente? De forma alguma, garantiu Eduardo Valente. “Existem outros motivos que não sejam exclusivamente conseguir dinheiro para completar seu financiamento. Por todos os outros motivos vale a pena e é muito interessante trabalhar com coprodução internacional. Mas, apenas pelo dinheiro, não vale a pena.”
O parceiro certo Uma das boas razões para buscar a coprodução é o ganho em parceria. Leva tempo, não é fácil, mas se as duas partes se afinam, o início já é bom. Por isso, o conselho é pensar no sócio de fato como parceiro gastar tempo e energia para encontrar a pessoa certa com quem você quer se associar. Não é uma decisão rápida e sem muita consideração, avisou Valente. O tempo de busca é investimento. Encontrar o parceiro certo pode render frutos muito além do dinheiro imediato. É bom atentar,
principalmente, para a expertise que o parceiro de outro país pode trazer para a exploração do mercado local daquele país. “A Alemanha, por exemplo, que faz parte da União Europeia, tem uma série de vantagens em todo o seu território para um filme que é realizado oficialmente em coprodução por um dos países membros. Ter um parceiro que entende os mecanismos e também tem o network, as relações pessoais, as relações com os compradores e com os festivais agrega ao produto uma facilidade muito maior no trajeto que esse produto pode fazer”, explicou. Tão importante quanto dinheiro é o que o parceiro pode agregar através das fontes a que tem acesso em seu próprio país, portanto. “De que maneira esse parceiro pode fazer o produto final circular e penetrar em mercados e espaços que talvez você sozinho não conseguisse fazer? Esse é dos papeis decisivos do parceiro.” A troca artística e criativa é a terceira vantagem que o parceiro certo pode trazer. “Esse é talvez o ponto que mais interessa. De que maneira a obra pode se desenvolver ao longo desse processo. Muitas vezes, o olhar que vem de fora pode promover uma revolução para o roteiro, para o seu plano de produção, para o seu plano de financiamento ou o seu plano de inserção no mercado, para as suas ideias e os seus conceitos sobre aquela obra. Estar aberto a esse aspecto deveria ser, em princípio, o grande motivador da busca por um coprodutor internacional. E, a partir disso, você poder acessar as outras duas coisas, que são o financiamento e o mercado que esse coparceiro pode oferecer.” Enquanto na Europa a coprodução chega a representar até 80% dos projetos de televisão, o Brasil ainda é um país fechado. “E eles têm experiência grande em como lidar com isso. O que eles esperam de um coprodutor, no geral, vai ser esse tipo de relação que eu estou descrevendo. Se eles encontrarem um coprodutor brasileiro que não esteja disponível a modificar ou a desenvolver a sua obra junto com o coprodutor, alguém que seja refratário
às ideias que vêm de fora, a relação vai se deteriorar com facilidade. O que eles esperam de uma coprodução é uma parceria real, é um entendimento de que essa obra passará a ser, a partir dali e por toda a sua existência, desses dois sócios.”
Internacionalização no DNA O que vale para a relação Brasil – Alemanha vale para todas as relações de coprodução, avisou Valente. E a coprodução é um caminho definitivo, uma vez que o acordo é firmado. Daí o produtor brasileiro deve estar certo de que realmente deseja fazer essa opção. A coprodução vale, principalmente, para quem têm interesse de internacionalizar sua obra. Nesse caso, o caminho da coprodução é o mais natural. Nascer com o DNA da internacionalização torna o percurso mais fácil do que em obras finalizadas. “A gente tem uma história antiga e também recente de obras 100% brasileiras que encontraram espaço nos mercados internacionais, seja de televisão ou de cinema. Mas trata-se de exceções. O produto totalmente pronto, ao buscar espaço no mercado internacional, está brigando ladeira acima. A coprodução internacional, nesse processo de parceria verdadeira, ajuda que um projeto já saia de sua raia inicial internacionalizado” acrescentou.
Acordos de coprodução internacional O Brasil já possui acordo de coprodução internacional com toda a América Latina, Canadá, Índia, Portugal, França, Espanha e Alemanha Os contatos estão sendo feitos, as relações estão sendo ampliadas. Eduardo Valente esclareceu o que está embutido em um acordo de cooperação. “O que o acordo de coprodução faz, basicamente, é tornar mais simples as regras do que a lei de cada país envolvido exige como participação mínima para que a obra seja
considerada brasileira ou alemã”, disse. No Brasil, a regra geral prevista na legislação para uma obra em coprodução internacional ser considerada brasileira é que 40% dos direitos patrimoniais sobre essa obra estejam nas mãos de uma empresa produtora brasileira. Os acordos de coprodução baixam esse valor para 20%. Em alguns casos pode chegar a 10%. “Uma diferença considerável de quase 100% entre o que se pede de uma produção feita com um país que tem acordo e outra feita com um país sem o acordo”, Eduardo avisou que todos os acordos de coprodução do Brasil com outros países estão disponíveis no site da Ancine.
Brasil e Alemanha O esforço de aproximação do Brasil com a Alemanha não é recente. Há um acordo, assinado no ano 2000, que está plenamente em vigor. “Na época, ainda havia dos dois lados essa sensação de que estamos longe demais. Não apenas separados pelo Oceano Atlântico, mas também pela cultura de produção e a cultura de trabalho no audiovisual, que tinham poucas linhas de contato até aquele momento”, relembrou. Desde a assinatura do acordo, a Ancine mantém contato constante com os parceiros na Alemanha. Um esforço para aumentar o conhecimento entre os produtores. “Ano passado, a Luciana Dolabella produziu um evento muito importante em São Paulo, dentro da Mostra Internacional de Cinema, voltado para a coprodução Brasil – Alemanha. O evento reuniu cerca de 40 empresas produtoras e fundos alemães”, ele deu o exemplo de oportunidades de troca e de eventuais parcerias. “Hoje podemos dizer que a quantidade de projetos trafegando entre Brasil e Alemanha é bem maior que há dez anos. Além dos filmes que já foram feitos, vários outros estão em pré-produção.” Eduardo Valente citou o filme “Trash” como
Fernanda Farah (BNDES) O programa do BNDES voltado para animação em uma apresentação sem muitas planilhas e números, avisou Fernanda Farah. O banco, que tem sede no Rio de Janeiro e escritórios em Brasília, em São Paulo e Recife, também está se internacionalizando. Foram abertos recentemente os escritórios de Montevidéu e de Londres. O objetivo é apoiar empresas brasileiras inclusive além das fronteiras. Nossos clientes são sempre clientes brasileiros, Fernanda deixou claro.
um exemplo de coprodução recente. O filme dirigido por Stephen Daldry é uma coprodução Brasil – Inglaterra – Alemanha. Como o acordo Brasil – Inglaterra ainda não está vigor, a parte brasileira no projeto entrou através do parceiro alemão. “O acordo Brasil – Alemanha foi decisivo nesse projeto. A gente tem uma série de projetos em andamento, o que significa que os produtores estão se conhecendo mais”, disse. Os brasileiros têm ido à Alemanha e o Brasil está em evidência por lá. “A troca está se intensificando muito, o que significa que todo mundo aprende um pouco a lidar com o outro de uma maneira mais familiar. Acho que esse momento é muito favorável à coprodução internacional para o Brasil. Particularmente no que tange a essa troca com a Alemanha, que já está em andamento em todos os níveis”, ele finalizou e deixou um contato para quaisquer dúvidas. Email de Eduardo Valente: assessoria. internacional@ancine.gov.br
“A gente apoia através do risco direto, as operações diretas em que o nosso cliente é o empresário; ou via agente financeiro, que pode ser toda a rede credenciada, os bancos de varejo. Nesse caso, o BNDES repassa os recursos e o risco é dessa instituição financeira. Também temos o cartão BNDES, que é bem conhecido né? É um cartão que vem com um catálogo de todos os produtos que podem ser financiados por esse cartão, e também representa bastante os recursos liberados hoje pelo banco”, explicou. Feito o preâmbulo, Fernanda passou ao assunto principal, o PROCULT, o programa do BNDES para apoiar a economia criativa. “Só pra vocês terem uma ideia, o padrão do BNDES para financiar um empreendimento é que o financiamento mínimo seja de R$ 10 milhões. Isso para fazer operação direta com o banco. Os limites de exposição são bem rigorosos, existe toda uma metodologia de cálculo de rating e as garantias sempre ficam em torno de 130%. Tratam-se de garantias reais, o que significa que para um financiamento de R$ 10 milhões, a garantia deve ter um valor de R$ 13 milhões”, ela explicou a regra geral. As regras do PROCULT são outras. “O programa acabou de ser renovado e veio com grandes melhorias para o setor. O financiamento mínimo é de R$ 1 milhão, dispensa as regras de exposição ao risco, ou seja, a gente pode ser um pouco mais
flexível nesse ponto, e o valor pode ir até R$ 10 milhões, considerando essa abertura do rating”, ela anunciou as novidades. “A operação mínima é de R$ 1 milhão e as garantias podem ser substituídas por recebíveis ou vinculação de outras receitas futuras”, ela explicou que a garantia “fiança pessoal”, que significa que o dono da empresa se responsabiliza por aquele crédito, continua. “Isso faz parte de um princípio do BNDES, é um comprometimento moral.”
O PROCULT e a animação Fernanda Farah mostrou os resultados da aplicação do programa especificamente para animação: 24 longas via edital de cinema, e 4 séries de animação. O total já utilizado para financiamento é de R$ 30 milhões. “Hoje em dia, após essa renovação do programa de financiamento, nós podemos avançar, financiar até 90% dos itens financiáveis. Podemos dar um prazo de até 10 anos, incluindo quatro anos de carência. Nós estimamos que esse seja o tempo necessário para desenvolver e depois maturar o investimento”, ela informou que o custo financeiro, se o projeto for caracterizado como inovador, pode ficar entre 3,5% e 5% ao ano. “É menor do que a inflação. E se o projeto não se enquadra nessa categoria, o custo pode ficar em torno de 7% ao ano para pequena empresa e 9% ao ano para grande empresa.” Projetos de séries de animação ou séries para TV ganharam uma vantagem adicional: “Junto com o financiamento vem um aporte não reembolsável no mesmo valor. Não era assim antes. É uma novidade muito fresca que foi aprovada em julho”, Fernanda contou e deu um exemplo: “Se o financiamento for de R$ 1 milhão, R$ 500 mil corresponderão à parte de dívida e os outros R$ 500 mil a um apoio não reembolsável”. Na mudança de regras, a animação foi enquadrada como processo inovador pelo BNDES. “É um processo inovador porque
a gente acredita que envolva um alto grau de conhecimento técnico. É um setor que se organiza com equipes estáveis de desenvolvimento; demanda investimentos com risco, já que não se sabe o quanto se vai obter de sucesso lá na frente; gera direitos de propriedade intelectual; e gera um ativo intangível com geração de receitas. Foi dessa forma que a gente conseguiu transitar no BNDES e fazer com que se enxergasse essa indústria como uma indústria inovadora. Foi um longo caminho até o momento, um avanço que a gente atingiu de uns três anos para cá.”
Como funciona o crédito O escopo ficou mais amplo. A operação envolve tanto o crédito como a parte não reembolsável e vale para animação, ficção e documentários, tanto séries como longasmetragens. O requisito é que a produtora seja independente, que a exibição seja garantida em canais brasileiros, e que o projeto seja viável economicamente. Ou seja, é preciso demonstrar capacidade de pagamento. Fernanda Farah mostrou como exemplos “Peixonauta”, “Escola pra Cachorro”, “Meu Amigãozão” e a mais recente “Vivi Viravento”, um projeto da Mixer.
Apoio a empresas Em vez de projetos únicos, uma carteira de projetos. Em vez de rascunhos, um plano de negócios consolidado. É assim que o BNDES pretende atuar junto às empresas. “O que a gente espera é receber uma carteira de projetos, não apenas um projeto único, para que assim possamos avaliar um plano de negócios”, afirmou ela. “A gente sabe que tem financiamento disponível para o setor e sabe que esses financiamentos às vezes não chegam no momento certo. Então, a ideia é trabalhar com uma carteira de projetos que nos permita compor o financiamento adequado e necessário, vendo sempre a capacidade de pagamento daquela empresa. Pensando em longo prazo, de forma a fortalecer a estrutura
de capital da empresa.” O BNDES financia, mas exige demonstrações auditadas e evolução comprovada no quesito governança. “O banco pensa que uma empresa pode ser pequena hoje, mas ela deve buscar evoluir. E a governança corporativa implantada nas empresas é um caminho de sucesso. Desse modo, sempre que ela atingir um bom padrão, o crédito se tornará mais barato e vai gerar um crescimento virtuoso.” O que é financiável? “Estudo e projetos, infraestrutura, treinamento de pessoal, pesquisa e desenvolvimento, que nada mais é muitas vezes, do que a própria folha do pessoal que trabalha no desenvolvimento dos projetos, marketing e o capital de giro”, Fernanda Farah listou e deu um exemplo de um empréstimo fictício para demonstrar o que é financiável: “Considerando um empréstimo no valor de R$ 10 milhões. No PROCULT, a parte não
reembolsável poderia chegar a R$ 5,5 milhões. O recurso próprio, da própria empresa, seria da ordem de R$ 1 milhão. Se a gente já colocasse no programa novo, esse recurso poderia ser ajustado para um pouco menos, respeitando o limite dos 90%”, ela fez as contas. “Fica claro que, sabendo fazer um bom plano de negócios, é possível acessar o BNDES. Desde que se tenha estrutura organizacional e que realmente se queira ter um parceiro como um banco.” Que tipo de garantias a gente tem no mapa? Garantias da própria produtora, do canal de TV, de veiculação de contratos de vendas futuras e vinculação de geração de receitas de licenciamento de produtos. Fernanda novamente exemplificou: “No caso de uma animação que vai gerar um personagem, que vai gerar produtos derivados, a gente pode pensar, como uma garantia, vincular parte das receitas desses produtos lá no futuro. Isso é uma inovação dentro do BNDES”, garantiu.
Coproduções As quatro séries já apoiadas pelo BNDES foram feitas em coproduções internacionais. Os ganhos são visíveis, segundo Fernanda Farah. A parceria é importante principalmente na hora de criar uma nova versão para que a série viaje. “O parceiro internacional muitas vezes consegue identificar barreiras culturais e tornar o produto mais comercial. A gestão dos projetos e a padronização dos processos, os efeitos visuais compõem uma história de sucesso em qualidade e aperfeiçoamento. As vendas internacionais ainda são um desafio. Há muito a melhorar no quesito adaptação das versões, já que não basta trocar o idioma mãe. Existe muita concorrência e muitas vezes pequenos toques e alterações tornam o produto mais atrativo naquele mercado”, finalizou.
Rachel do Valle (ABPITV) A Alemanha é um país foco para a atuação
da ABPITV. Rachel do Valle iniciou sua participação na mesa com um assunto que ela entende bem, o Brazilian TV Producers, projeto de exportação de conteúdo. Uma parceria da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão (ABPITV), a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura (SAv/MinC) e a TV Brasil, o projeto foi criado em 2004 para fomentar parcerias entre empresas brasileiras e estrangeiras. Tem como objetivo a internacionalização de conteúdo, seja por meio da coprodução internacional, seja pela exportação do produto já finalizado, ou por meio da prestação de serviços. “A gente busca sempre novos mercados para divulgar o Brasil, capacitar e fomentar as empresas brasileiras. Hoje, a ABPITV tem 342 empresas afiliadas. A maioria ainda se concentra em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas é um objetivo da associação poder atuar em outras cidades, em outros estados”,
explicou Rachel. Do grupo de empresas associadas à ABPITV, 60% trabalham com animação. “Acredito que muitas das empresas que estão aqui já são nossas associadas. Quem tiver interesse em saber um pouco mais sobre a associação, eu posso detalhar sobre como fazer parte. O principal objetivo da Associação em âmbito nacional é poder representar os interesses da classe da produção independente, interlocução com o governo, com agências e com o mercado como um todo também.”
Os mercados A Alemanha é um alvo promissor, Rachel do Valle adiantou. “A gente faz uma seleção de territórios a cada dois anos. Então, existe um estudo do departamento de inteligência da APÈX Brasil que analisa o nosso mercado audiovisual, principalmente o mercado de televisão e plataformas digitais em outros países e faz um ranking, que é balizado por muitas empresas associadas. Depois a gente
faz uma analise quantitativa dos porquês de selecionar tais países”, ela explicou o processo. “A Alemanha é um país com o qual a gente tem um acordo de coprodução e isso facilita bastante o trabalho em conjunto”, Rachel concordou com Eduardo Valente quanto ao aspecto financeiro não poder ser o principal objetivo de uma coprodução. “É um casamento e a gente quer que seja de longo prazo”, afirmou. Além da Alemanha, o Brasil já tem acordo para televisão com a Índia, com o Chile, com o Canadá e com o Reino Unido, o mais recente: “É um país com o qual a gente assinou um acordo no ano passado. Estamos trabalhando intensamente para poder fomentar parcerias entre os dois países”, pontuou. Na lista também consta Israel, que já tem acordo assinado, mas ainda não em vigor. A França, por sua vez, tem acordo de coprodução apenas para cinema, assim como muitos outros países. “Para televisão é um pouco mais restrito, não por uma questão da Ancine, simplesmente por conta da articulação do outro país”, justificou.
Histórico das ações Brasil – Alemanha Rachel do Valle listou as ações que já foram desenvolvidas até aqui para fomentar as relações entre o Brasil e a Alemanha. O Brazilian TV Producers frequenta diversos eventos com delegações brasileiras e a primeira empreitada citada por Rachel para realçar os esforços de aproximação foi o MIPTV, uma feira de televisão realizada em Cannes, no mês de abril. “Ali a gente fez uma aproximação com a Associação de Documentários da Alemanha, e teve um encontro com a participação de nove empresas alemãs”, ela contou que as rodadas de negócios confirmaram que dialogar regionalmente é fundamental. “Por isso, às vezes procuramos uma associação nacional ou alguma entidade que faça essa interlocução com todas as regiões. Em novembro de
2012, houve uma participação brasileira na conferência de TV de Colônia, da qual participaram a Ancine, o Canal Brasil e um produtor que representava dois filmes. Foi exatamente na época que estava sendo aprovada a nossa Lei do Acesso Condicionado 12.485. Então havia realmente no mercado internacional o interesse de conhecer um pouco mais do nosso mercado.” Em novembro de 2012, o FilmCup foi outro cenário próprio para a conversa entre brasileiros e alemães. “O objetivo principal foi colocar as pessoas mais em contato. Houve participação de muitas empresas alemãs e muitos dos nossos associados também participaram”, afirmou. “A ideia de todos esses trabalhos é poder aproximar e ter mais networking. Tem o acordo, tem o recurso, mas é importante que as empresas tenham essa fase de namoro para poder, de fato, chegar a uma coprodução.” O Rio Content Market, evento realizado pela ABPITV, já na terceira edição, também contou com a presença de uma delegação alemã. Entre os convidados, nomes como Sebastian Debertin, Claudia Schreiner, Patrícia Schlesinger e Jurgen Ohls. “O Sebastian fez mais de 50 reuniões nas rodadas de negócios. Um dos feedbacks que ele nos deu é que gostou muito da parte criativa dos projetos que viu e das conversas que manteve. Tem ainda uma questão de desenvolvimento de negócios e planos de financiamento a ser desenvolvida em alguns casos. Alguns projetos têm aspecto muito local e mais voltados para o mercado brasileiro. Nesses casos, teria de haver, sim, uma adequação para o mercado alemão e o internacional”, ponderou. Em alguns casos, as conversas já estão avançando. “Há alguns projetos já sendo trabalhados. Alguns especificamente podem vir a ser viabilizados. Então, a ideia é que a gente possa voltar a ter canais alemães no Rio Content Marketing”, planejou. Rachel do Valle encerrou com um lembrete
sobre a próxima edição do evento: O Rio Content Marketing de 2014 será nos dias 12, 13 e 14 de março. “É realizado sempre uma semana após o carnaval. É um evento focado em conferências e realização de rodadas de negócios. Convido todos a participarem. Não tem um foco exclusivo em animação, mas a gente debate bastante essa questão. E aí entram também outros pontos importantes, como games, licenciamentos de produtos e gêneros que também navegam no mercado de animação.”
Conversa com a plateia Antes de abrir para as perguntas, Julia Levy falou sobre as possibilidades de financiamento para produções brasileiras. Os recursos existem além da esfera federal, ela ressaltou: “Diferentemente da Alemanha, que tem uma esfera federal e uma regional, temos também a esfera estadual. O Rio de Janeiro e outros estados brasileiros também possuem leis de incentivo e fomento direto. O Rio de Janeiro também possui um órgão exclusivamente
voltado para o fomento audiovisual, a Rio Film Comission. Na Secretaria de Cultura, a gente segue as regras federais. Só têm acesso ao dinheiro do Rio produtores do estado do Rio e que sejam registrados na Ancine, que é nosso ponto de referência para o fomento direto”, ela deu o recado. Como garantir proteção em direito autoral, quando enviamos um projeto a um parceiro? Eduardo Valente – Independentemente de ser um parceiro de coprodução ou não, o direito patrimonial sobre a obra não equivale ao direito autoral. São dois conceitos diferentes. A divisão com o parceiro internacional é do direito patrimonial sobre a obra, ou seja, sobre o produto que vai sair dessa relação, seja uma série, um filme ou o que for. Sobre ideia original, o direito autoral segue todas as legislações: as locais, brasileiras ou alemãs, inclusive com suas distinções; e também as legislações internacionais. Você está protegido por essa legislação brasileira ou internacional,
o que não garante que você vai ser respeitado no seu direito, e aí a questão passa a ser judicial ou legal. Não é uma relação diferente do que com qualquer outro parceiro no Brasil. Você está protegido no limite da lei. Você não divide o direito autoral quando você traz um parceiro. Você divide o direto patrimonial sobre a obra. Se a ideia original é sua, salvo negociações outras que você faça, ela está assegurada a você, dentro das complexidades do que são as leis de direito autoral em cada país, claro. Se a ideia original é sua e o projeto está registrado, a lei é a mesma: local ou internacional, não muda o seu direito sobre o que você detém. A relação de confiança com o seu parceiro é decisiva. Quando se vai a eventos, é desaconselhável que você faça uma reunião aqui ou aonde for e assine um contrato de coprodução com meia hora de conversa, com uma empresa que você acabou de conhecer. Se houver essa situação, em que a relação vai para o papel e passa a ser oficial, que seja fruto de um processo gradual. Não é raro receber na Ancine emails ou telefonemas de produtores estrangeiros perguntando sobre um determinado produtor brasileiro. Faça o mesmo, investigue. Júlia Levy – A ABPI e a Ancine trabalham com programas que preparam os produtores para essa ida aos mercados internacionais em busca de parceiros. Rachel do Valle – A questão da capacitação é muito presente e dúvidas como essa são muito frequentes. A ABPITV tem uma parceria com o escritório de advocacia do CESMIC. Passa até pela precificação do produto. As dúvidas mais genéricas a gente consegue solucionar nesse tipo de assessoria e capacitação. A ABPI também tem um projeto chamado PIC – Programa Internacional de Capacitação, que oferece workshops de treinamentos, seleção de projetos e consultorias individualizadas. No que se refere ao crédito do BNDES, uma das necessidades para que fosse concedido seria a garantia de exibição nas TVs brasileiras. Qual é o trâmite dessa garantia de exibição? Nós devemos fechar o projeto e encaminhar
para algum órgão que garanta, junto às emissoras, que essa exibição ocorra? Julia Levy – Toda essa relação é feita diretamente pelo produtor com o BNDES. Dependendo do tipo de financiamento, passa pela Ancine também. Mas basicamente, nesse exemplo, essa garantia é confirmada a partir de um contrato do produtor com a televisão. Você comprova que você tem a garantia de exibição no canal de televisão. A troca de documentação é feita diretamente com o BNDES e é preciso entrar com os pedidos e com os projetos diretamente no banco. Eduardo Valente – Para complementar, uma série de mecanismos de financiamento análogos a esse também pedem garantias e o compromisso de uma rede de televisão brasileira exibir a obra. A base do fomento automático que a RioFilme lançou esse ano para obra de televisão é o contrato com a rede de televisão. Mas essa garantia se dá através de carta ou contrato, dependendo do modelo que se segue. Isso geralmente está descrito nos editais de cada um desses órgãos. Mas não tem necessidade de a garantia ser confirmada por nenhum outro. Rachel do Valle – Em todos os países, para obter o financiamento para um projeto de televisão, o canal exibidor tem de estar envolvido desde o início. Não faz sentido você pensar, produzir, e não ter a garantia do canal exibidor. È a garantia mínima para produzir. O BNDES pede que você tenha um contato prévio do canal. Como se dá esse contato prévio? Através de uma distribuidora, ou é um contato direto? Qual é o passo a passo para se chegar lá? Tenho uma obra e quero mostrá-la. Como é dada essa abertura? Rachel do Valle – Os canais têm diversos métodos para receber projetos. Tem o que é chamado no mercado de: pitching, que é uma seleção aberta, uma apresentação de projetos a editais. As rodadas de negócios e os eventos são bons para relacionamento.
É onde os projetos apresentados podem vir a ser desenvolvidos. O trabalho da ABPI é também promover encontros dos produtores independentes com o seu principal parceiro, que é o canal exibidor. Existe uma série de encontros com os canais em que os associados podem escutar de que maneira pode ser apresentado o projeto. Para uma empresa produtora, fazer parte de uma associação que a representa é fundamental. Todos os canais de televisão atuantes do Brasil estão no Content Market, no qual o grande foco são as rodadas de negócios internacionais para fomentar a coprodução. Por causa da nova lei há uma demanda por mais conteúdo. A Discovery pulou de duas para 15 empresas produtoras diferentes. Uma empresa menor também pode aproveitar esse momento muito interessante no mercado. O importante é frequentar, estar no mercado. Assista aos canais, eles se queixam de receber projetos que não se encaixam nos seus perfis. Não apresente um projeto que ainda não está maduro o suficiente. Conheça o canal. Essa é a lição de casa. Eduardo Valente – Cada canal de comunicação tem um caminho, não existe uma regulação única. Alguns fazem editais, pitching, outros têm recursos, outros têm especialistas em compras, então cada um vai ter um modo de operar. A grande questão é entender os perfis de cada um, realizar os encontros, ir aos locais onde as pessoas falam publicamente sobre seus processos e entender que existem duas relações diferentes. Uma coisa é vender um produto pronto para uma televisão, outra é desenvolver um projeto em conjunto com essa rede de televisão. Tem de ver qual caminho você quer seguir. Cada um tem suas vantagens. No primeiro ninguém interfere no seu produto. Mas com o segundo, você tem uma vantagem maior porque você vai produzir tendo o apoio de alguém que acredita naquele projeto. Alguém que vai investir não só financeiramente, mas inclusive criativamente.
8 de Agosto
quinta-feira
Masterclass II – Da Pedra ao Pixel – Regina Pessoa
A premiada autora dos filmes A Noite, História Trágica com Final Feliz e Kali explica o processo de evolução das técnicas e ferramentas desenvolvidas para a produção de uma trilogia que vai da gravura em placa de gesso à gravura digital. Na abertura da segunda masterclass do Anima Forum 2013, Aída Queiroz enalteceu a presença de Regina Pessoa. Com fortes referências da formação em Artes Plásticas, a animadora percorreu uma trajetória baseada na inovação das técnicas que utiliza. “O Anima Mundi tem por tradição trazer o máximo de informação e pessoas que já tem experiência e um longo trabalho. Pessoas que têm algo diferente para contar, seja em estilo, seja em técnica. A ideia é trazer diferentes segmentos ou diferentes formas de fazer animação. É assim que se obtém o máximo das variações que a animação permite. E, importantíssimo, é quando a animação surge de pessoas ligadas às artes plásticas, do fazer a arte de forma artesanal no seu
princípio. Hoje, nós trazemos uma pessoa que sintetiza isso e tem um trabalho e uma trajetória maravilhosas. Vocês estarão nas mãos de uma artista completa”, Aída anunciou. Com a plateia, Regina Pessoa. Sim, ela é tímida, mas fala com desenvoltura sobre o que faz e logo adiantou o que mostraria ao público nas três horas de duração da masterclass. “Vou mostrar os três curtas-metragens que eu fiz, em gravura animada, todos feitos com métodos diferentes. O primeiro filme se chama ‘A noite’, em gravura sobre placas de gesso, daí o nome da apresentação ‘Da pedra ao pixel’. O segundo filme, ‘História trágica com final feliz’, no qual eu não quis repetir a técnica anterior, então, encontrei um método de fazer as gravuras sobre papel. O terceiro filme é ‘Kali, o pequeno vampiro’, feito em gravura animada, mas sem material físico como suporte, todo com recursos de computador. Daí o pixel da apresentação. O nome se dá pelo percurso radical da pedra ao pixel”, ela explicou. A apresentação de Regina foi didaticamente dividida em partes. Primeiro, ela mostraria como fez, depois mostraria o filme, exporia suas escolhas por material e técnica, e, por fim, a plateia poderia se candidatar para experimentar as técnicas.
Antes da animação ou um bom conselho Regina Pessoa fez um breve retorno à sua biografia para explicar seu percurso anterior à animação. Ao contrário de muita gente, ela nunca sonhou com ou teve a animação como ambição. Apareceu por acaso. Quando ainda estudava pintura no curso de Belas Artes, na cidade do Porto. Um curso caro, ela ressaltou a razão que a levou a buscar um trabalho de meio período. Era início dos anos 1990. “Por coincidência, conheci pessoas que me falaram de um pequeno estúdio de animação, o Filmógrafo, que estava começando um novo filme e precisava de pessoas. Eu não fazia
ideia do que era animação, só conhecia os cartoons da Disney. Eu fui lá, mostrei meus desenhos para o do diretor Abi Feijó, ele gostou e disse ‘começas amanhã’ (risos)”, e assim ela começou a trabalhar no dia seguinte. O esquema no estúdio era profissional e rigoroso. Era dela a responsabilidade de aprender e ensinar. “Nós íamos trabalhando e aprendendo”, contou. No estúdio, com Abi Feijó, ela fez três filmes. “Quando as pessoas já tinham alguma experiência, eram encorajadas a começar seus próprios projetos.” Por falta de formação em animação em Portugal, e necessidade de pessoal capacitado, Feijó desenvolveu uma ação de formação em colaboração com um estúdio francês, que tinha o mesmo problema. Um programa com duração de nove meses cujo objetivo era que os animadores percorressem todas as etapas de fabricação de um filme. Desde a escrita do argumento até a projeção. Para Regina, escrever foi particularmente difícil, por conta do background plástico e não literário. E vem daí um conselho que ela guardou e utiliza até hoje. “Escrever uma história foi muito complicado, e as primeiras tentativas foram fracassadas. E aí, o Abi disse-me algo que me marcou para sempre e tem me ajudado em todos os meus trabalhos: ‘Regina, não te preocupes em escrever uma história perfeita, com princípio, meio e fim. Esquece. Tentes fazer algo que seja importante para ti, porque se for importante para ti, tu vais mostrar isso nas tuas imagens. E as pessoas, ao ver, vão sentir essa força, vão sentir esse empenho’. Isso ficou”, ela rememorou.
Primeiro filme: “A Noite” O conselho de Abi Feijó foi determinante para o surgimento do primeiro filme de Regina Pessoa. Ela ouviu, e passou a pensar em coisas que transmitissem imagens fortes. “A Noite” é sobre uma criança que tem medo de escuro.
“Não há propriamente uma história, mas uma tentativa de transmitir uma emoção. Eu não queria falar de mim mesma, não era meu objetivo fazer um autorretrato. Mas era mais fácil para eu falar de algo que eu conhecia do que criar uma história do nada. Isso traz algumas vantagens. Quando nós contamos algo que é nosso, o que conhecemos bem, nós conseguimos transmitir nas imagens melhor o que sentimos.” Depois de explicar a motivação, Regina iniciou a apresentação do filme para a plateia do Anima Forum. O curta “A Noite” começa com a vista do quarto onde a Regina viveu quando era criança. É um filme inspirado nas memórias da infância e na relação com a mãe, que tinha esquizofrenia, o que se juntava ao medo do escuro de que trata o filme. “A minha mãe era uma pessoa diferente e isso se juntava ao meu medo de escuro. Havia muitos santos e velas pela casa. É importante mostrar isso, as gravuras iniciais, os primeiros rascunhos. É importante, pois me ajuda a explicar o processo. Às vezes, quando vejo os filmes dos outros, penso que tudo é bonito desde o começo. E não é assim, as imagens dessas pessoas também não são tão perfeitas no início”, ela falava, enquanto mostrava os primeiros esboços da ideia. No princípio ela pensou em fazer o filme com marionetes. Ela fez algumas tentativas, inclusive de esboços, mas ela percebeu que preferia mesmo o design, era do que ela já gostava. Regina começou então a desenvolver estudos para fazer o filme em design. Ela mostrou o dossiê e o story board feitos quando ela decidiu ir atrás de financiamento para fazer o filme. “São duas ferramentas que ajudam a conseguir financiamento, mas ajudam também a visualizar no papel as ideias que se tem na cabeça”, ela disse, mostrando imagens dos personagens, dos ambientes, as descrições com detalhes. “Eu comecei a fazer esse story board com
o lápis, que era o que tinha à mão a essa altura. Foi um mero acaso, mas gostei muito do resultado. Quando chegou ao fim, achei que seria interessante encontrar uma técnica que desse a mesma textura, a mesma cor, o mesmo jogo de luz e sombra, que para mim eram interessantes. Mas que técnica usar para dar ênfase a esse visual?”, Regina teria de descobrir.
A placa de gesso Regina precisava descobrir a técnica e a resposta veio do trabalho do realizador polonês Piotr Dumala. “Os filmes dele faziamme lembrar dos meus desenhos do story board. Pela textura, pela luz e sombra. E era conhecido que ele trabalhava animação em placas de gesso. Isso foi final dos anos 1990, e a internet e e-mails não estavam tão desenvolvidos como agora, portanto eu não tinha meios de contatá-lo”, ela contou. A animadora começou então a fazer suas próprias experiências técnicas para tentar descobrir como fazer design em placas de gesso. O primeiro resultado foi uma placa pequena, mas de tamanho suficiente para ela perceber que era possível, sim, fazer o design. Era preciso e então conferir se era possível animar sobre placa de gesso. Foi assim que o filme começou a ganhar forma. Pela experimentação. No telão, Regina exibiu um vídeo em que mostra a construção da placa de gesso. O processo começa com uma armadura de madeira sobre vidro, que garante uma superfície lisa. O gesso é colocado dentro dessa estrutura para solidificar e, quando está seco, ela retira, faz uma textura com uma lixa grossa, e pinta uniformemente com tinta feita por ela mesma. Assim a placa fica pronta para receber o primeiro desenho.
Placa animada Com a placa pronta, como animar? Regina Pessoa explicou o próximo passo.
Ela fazia a primeira imagem do filme e preparava para animação. Mas apenas a primeira. Regina instalava a placa de gesso sob a câmera, fixava bem ao platô, e tinha a primeira imagem. Na época, ela utilizava uma câmera 35 mm, ainda em película, tirava dois frames da imagem e, sobre a mesma placa, trabalhava a animação diretamente. Ou seja, ela construía o movimento e seguia construindo e desconstruindo a animação na mesma placa, sucessivamente. E assim ela fez o primeiro filme, com uma técnica que, ela brincou, não aconselha a ninguém. “É uma técnica que não permite partilhar espaço com outra pessoa, não permite ter uma equipe de animadores, porque ninguém pode estar nesse espaço, o que torna o trabalho muito mais demorado. Só uma pessoa pode trabalhar. Tem de ser num quarto escuro, pintado de preto”, Regina levou três anos para concluir o trabalho e utilizou cerca de 20 placas de gesso. “No final, claro, eu não queria voltar a fazer nada nessa técnica, por mais bonitos que sejam os resultados”, ela disse. Depois de mostrar todo passo a passo da realização, Regina exibiu o filme completo. “A Noite” foi lançado em 1999. “A canção de embalar, ou de ninar, como vocês dizem, é a minha própria mãe que canta. Como veem, meus filmes não são muito engraçados. Talvez porque nós, os portugueses, somos dramáticos. O fato de minha mãe ser uma pessoa diferente me inspirou muito em meu trabalho”, ela disse emocionada.
Segundo filme: “História Trágica com Final Feliz” Enquanto fazia “A Noite”, Regina prosseguiu os estudos em pintura na universidade. Entre o trabalho de animação e a escola, ela percebeu que era mais estimulante trabalhar, mesmo em Belas Artes, se tivesse uma história na qual basear seu trabalho. Foi quando Regina se deparou com uma imagem que continha a frase ‘era uma vez uma menina cujo coração
batia mais rapidamente que o das outras pessoas’, ela mostrou a imagem para a plateia. A frase acabaria sendo a primeira frase do segundo filme de Regina. “Eu gostei muito dessa frase e fiz rapidamente um design, mesmo feio, para que essa imagem não me fugisse da cabeça. Muitas vezes a primeira ideia não é nada bonita, a primeira imagem não é nada bonita, mas é importante. Claro que eu me atrevo a mostrar a imagem agora porque o filme ficou bonito”, ela brincou. Regina seguiu a masterclass mostrando as primeiras anotações, os desenhos, as serigrafias e gravuras que serviram de base para o story board. Na tentativa de fazer a adaptação da história da menina com o coração acelerado para um filme de animação, ela fez um pré-story board, no qual anotou toda a sequência que imaginara até ali. “É importante anotar tudo para não esquecer”, ela contou que quando compara o filme pronto com as primeiras anotações – o que costuma
fazer a cada trabalho –, vê que o filme já estava lá desde o início. “O filme é muito fiel ao story board, que é muito importante para mim. Eu não consigo trabalhar improvisando. O story board tem de ser já o filme”, disse ela. Na sequência de imagens, Regina mostrou o dossiê que foi usado para apresentar o projeto aos possíveis financiadores. A primeira tentativa de financiamento, em Portugal, foi recusada. “Não entendi bem o que se passava, não fiquei muito satisfeita, mas recebi, na mesma época, um comunicado do festival de Annecy, de um concurso de projetos. Rapidamente eu traduzi o projeto e enviei o mesmo projeto recusado em Portugal”, contou ela, que não alimentou muitas expectativas. Três meses depois, a surpresa: ela recebeu um telefonema com a notícia de que havia recebido três prêmios em Annecy. “Isso foi muito importante, porque Annecy tem uma grande visibilidade. Lá, há produtores que já escolhem alguns projetos para produzirem. Isso aconteceu comigo. Um estúdio francês descobriu meu projeto e me convidou para um programa de residência artística”, ela contou que, na época, já era relativamente conhecida por utilizar técnicas complicadas. “Eu disse ‘mas vocês sabem que eu sou lenta’, e eles disseram ‘sim, mas nós fazemos uma residência especial’. E, de fato, foi fantástico. De modo que a segunda parte do story board eu já terminei de uma forma muito mais livre”, ela mostrou para a plateia a segunda parte do story board, feita já dentro do programa francês.
Papel animado Na pesquisa gráfica, Regina começou a desenvolver cenas e a pesquisar visuais. Desta vez, em vez de placas de gesso, ela partiu para o papel. Na masterclass, ela mostrou o resultado do estudo feito com um cartão preto para pintura: “É um papel que, quando nós gastamos, ele se revela branco. Mas eu sabia que seria impossível fazer a animação nesse cartão.
Seria da mesma complexidade que fazer em placas de gesso. De forma que eu tinha de encontrar uma forma mais simples de fazer o filme. Eu não queria voltar a trabalhar com placas de gesso, mas queria o mesmo visual de gravura animada”, ela seguiu os experimentos com vários tipos de papel, até encontrar um papel um pouco couchê. Ficou animada com a descoberta. “E se eu colocar tinta da China sobre ele, talvez seja possível raspar”, ela pensou. Foi raspando. “Papel cartaz e tinta da China, era isso que eu queria. Mas não ia encontrar cartazes suficientes, ainda não era esse”, ela contou que seguiu a busca, até que finalmente encontrou o papel certo: “É possível fazer animação? Como vou fazer o movimento? Minha ideia foi que talvez se eu fizesse animação tradicional sobre o papel, fotocopiasse essa animação nesse papel específico, e pusesse a tinta da China, poderia raspar e seguir o movimento”, ela foi experimentando e fez um pequeno ciclo de animação para se certificar de que funcionaria. Fotocopiou e raspou e viu que sua tese funcionava: “Fotocópia, tinta da China, raspar e ter o resultado de gravura animada”, estava definida técnica, os produtores aprovaram e ela começou a produção do filme. Como trabalhava em coprodução com a França, seguiu para lá para fazer a animação. Dessa vez, não mais sozinha, já contava com o reforço de animadores para ajudar a executar o trabalho. Regina exibiu os exemplos de como fazia o layout. “Quando se partilha o trabalho com alguém, o layout significa preparar o trabalho de animação. É um personagem numa folha de papel, já com todos os elementos da ação anotados”, explicou e mostrou as gravuras da animação final, sem intervalos, mas já passada a limpo. E seguiu com vários exemplos da evolução da animação. Dos movimentos ainda sem fluidez, até a animação ainda sem arte final e depois a imagem como aparece no filme, já composta com todas as camadas. “Animação são todas as fases que compõem o movimento”, ela resumiu e exibiu a partitura impressa a partir do linetest, que ajudava a
ajustar o timing de cada cena e a testar a animação. Um documento útil para toda a equipe.
A batida O ruído do coração era muito importante para a narrativa e serviu para compor a animação, composta sobre um timing. “A velocidade clássica de um filme é de 24 frames por segundo, e nós usamos 12 frames por segundo, ou seja, nós tiramos dois frames por cada desenho. Eu precisava de um barulho de coração que me ajudasse a ajustar esse timing. Isso era importante até para o ritmo do movimento. Então eu pedi ao meu músico que desse desde o início o ritmo cardíaco. E construí todo o ritmo do filme já baseada nesse ritmo cardíaco, que ajuda a dar uma coerência global”, ela explicou. Parece sofisticado, mas as ferramentas que ela utilizou para fazer o filme são básicas: canetas, papel cartaz, estilete, pincel e tinta da China. “Já na animação eu tomava nota das sombras com cuidado, para que saísse na fotocópia e para que, na pintura, eu não tivesse de cobrir toda a área com preto. Eu queria usar só um pouco de tinta para ter alguma textura, mas não ter de raspar tanto”, ela mostrou em seguida o desenho acabado e exibiu um pequeno vídeo com demonstração do uso da tinta da China. Desta vez, ao contrário de “A Noite”, ela não utilizou câmera de 35 mm e já foi usado software para compor as camadas. As imagens eram feitas separadamente. “Fazíamos no Scan e compúnhamos com o Altuns e o After effects”, contou ela.
Vida útil Como não há distribuição comercial para curtas-metragens em Portugal ou na França, Regina e o produtor estabeleceram como regra um esforço extra para ir além dos dois anos de duração dos festivais.
“Para prolongar a vida útil do curta, nós fizemos várias coisas. Uma delas foi a edição de um livro a partir de imagens do filme”, ela contou que a estratégia envolveu ainda o lançamento de um kit de brinquedos óticos e um livrinho pedagógico. Como não encontrou editor para o produto, ela fez uma edição com recursos próprios. “Teve tanto sucesso, que desapareceu rapidamente. Só restam quatro exemplares para arquivo. Uma pena para o editor que não editou (risos). Foi pena para nós também. É algo que dá trabalho, mas que funciona muito bem, porque não há oferta desse tipo de produto”, disse. Também foi montada uma exposição com os desenhos originais. “Eram 12 desenhos por segundo por personagem, havia tantos desenhos, que funcionou muito bem a exposição. Tanto que já estamos indo para a décima sétima exposição em sete países diferentes. Isso permite prolongar a vida de um filme, por um lado, e ajuda também a aumentar o público, que não é mais o público restrito dos festivais. É um modo de fazer o filme sair do gueto das pessoas que gostam de animação e dos curtas-metragens de animação”, afirmou ela, antes de exibir o filme pronto.
Terceiro filme: “Kali, o pequeno vampiro” “História trágica com final feliz” correu bem e Regina passou a ser indagada sobre o próximo filme. A expectativa era de que ela ultrapassasse o sucesso anterior. Foi aí que ela se deu conta de que tinha uma trilogia possível de ser concluída. Após uma reflexão sobre o trabalho feito até ali: “Eu me dei conta que era o segundo filme monocromático (quase preto e branco), que falava de infância, de medos, de isolamento, de diferença. Isso me fez refletir sobre o meu trabalho na evolução desses filmes. Dei-me conta que no primeiro eu apresento uma situação – uma criança que tem medo do escuro – e não apresento uma solução. No segundo, apresento uma solução de alguém
que é diferente, mas a solução que ofereço se enquadra no universo infantil. Ou seja, ela sonha que algo aconteça que a faça sair dali, desaparecer. O que, de certo modo, faz a personagem ganhar a admiração daqueles que a cercam, fato que se enquadra nos nossos sonhos. Não é uma situação realizável, portanto”, ponderou.
brincadeira de jogar bola de papel com um colega, saiu “Kali, o pequeno vampiro”. Uma ideia quase jogada fora. O amigo guardou o papel em que estava o nome, Regina decidiu voltar ao assunto. Como ele poderia se enquadrar no tema da infância, dos medos, da escuridão?
“Lembrei-me de uma frase do Jung que também me ajudou muito, em que ele fala de aceitar o nosso lado não tão bom, em aceitar a escuridão, que ela é positiva e nos ajuda a progredir”, explicou.
“Pus-me a pesquisar e vieram os primeiros esboços. O negro, tão presente no meu trabalho, viu que é uma coisa positiva, não negativa, segundo a astrofísica. O nome Kali é de uma deusa indiana. O nome surgiu-me por acaso, mas resolvi ver quem era essa deusa. À primeira vista é uma deusa da destruição, da morte, mas destrói para fazer as coisas mudarem. As coisas começavam a fazer sentido sem que eu tivesse procurado isso. Kali, em sânscrito, pode significar tanto tempo como negro. Ou seja, tempo da escuridão. Isso não está no filme, mas fazia sentido para o processo criativo. Ajudava a dar coerência ao trabalho”, contou.
Ainda trabalhando no segundo filme, da
Toda a pesquisa sobre a simbologia foi
O personagem era quase o mesmo, pensou Regina. Estava na hora, portanto, de fazer com que esse personagem encontrasse o seu lugar, aceitasse ser o que é e se tornasse adulto. Essa era a ideia em que se basearia o terceiro filme da trilogia sobre a infância. Reforçada pela reflexão sobre a escuridão presente nos filmes.
importante. “Mesmo o vampiro é uma criatura da noite, vive do sangue dos outros. Mas, no meu filme, ele vive da vida dos outros, mas não do sangue. E sim de um pouquinho do que os outros rejeitam que são os objetos que ele recolhe”, seguiu ele, a explicação de como a ideia ganhou solidez. A animadora passou a imaginar e a desenvolver ideias também sobre o ambiente, que ela gostaria de mostrar suburbano, soturno e decadente. “Havia uma linha de trem, e eu fiz uma reportagem fotográfica para encontrar os ambientes que eu procurava”, contou. A plateia acompanhou pelo telão os primeiros esboços do personagem. “Uma multitude de formas, que se foram apurando, até eu começar a encontrar o personagem que eu achava que ficava melhor. A pesquisa continua para tentar encontrar o visual final, qual seria a arte final do filme. Novamente tentei tinta da China sobre papel cartaz. E experimentei outros materiais, como carvão sobre papel, óleos. A busca era pelo que se adaptava melhor graficamente, visualmente”, Regina acabou por optar por um visual mais acinzentado para o filme. Ela exibiu o borrão, ou pré-story board, e o story board definitivo. Mais uma vez, o filme será extremamente fiel aos desenhos iniciais.
Ao pixel A grande revolução de Kali está na cor. Desta vez, Regina introduziu o vermelho para representar a presença do vampiro. No telão, ela mostrou os testes de animação em papel e também as primeiras tentativas de fazer o filme digitalmente. Os próprios produtores disseram que não queriam mais trabalhos à mão. A técnica evoluiu desde o filme anterior, não havia justificativa para o uso do papel. Levava muito tempo. “No início, isso foi uma violência para mim. Eu nunca tinha usado recursos digitais. Não sabia. Daí eu fiz um primeiro teste para saber se era
possível respeitar o meu visual, o meu tipo de design, digitalmente.” Mas era uma imposição. Novamente, o filme seria feito em coprodução com a França e o Canadá. Regina desenvolveu, então, um projeto com exemplos do traço que ela precisava que os designers reproduzissem. “Fiz o dossiê com vários exemplos para mostrar que, se fosse à mão, era disto que eu precisava. Mandei o dossiê ao técnico do National Film Board, do Canadá, e ele ajudou a conseguir os pincéis digitais, o que foi uma ajuda preciosa porque eles dão a mesma sensação do trabalho à mão. Não é o mesmo, mas rapidamente você esquece que não está trabalhando sobre um suporte físico”, ela contou que o desafio era ter, no computador, o mesmo traço do desenho. No telão, ela exibiu o primeiro teste completo da animação, feito já com os pincéis. “Eles permitem até reproduzir pequenos erros que fazemos à mão, por acidente. No fundo, é um pouco como quando eu trabalhava à mão, só que agora é digitalmente. A única referência de trabalhar à mão era uma camada cinzenta que eu fiz a partir de texturas feitas à mão e passei no scanner. Fiz um ciclo de várias texturas para ter uma matéria que me desse um lado orgânico. Isso era o único momento que eu havia feito à mão. Todos os outros eram layers digitais, que correspondem ao layer do cenário, da máscara do personagem para que não se veja a transparência, um layer branco para o brilho dos olhos e da cara, o layer do personagem, e os correspondentes aos outros elementos que compõem a imagem. E, por cima de tudo, a referência linha-animação, na qual eu me baseava para poder raspar digitalmente”, ela mostrou o passo a passo de como era composta cada imagem no computador. O cuidado foi grande. Regina usou o Photoshop incansavelmente, fez a própria pesquisa para entender o software e elaborou um pequeno manual para que os animadores entendessem exatamente o que deveria ser feito. “Eu queria animadores, e não gráficos, para trabalhar comigo. Era importante que
a animação fosse elástica e, isso, só os animadores entenderiam”, disse ela, ao mostrar fotos da equipe com a qual trabalhou ao longo do projeto. “Foi difícil trabalhar com o Photoshop no início, porque a timeline começa no zero. Eu tive de adaptar a folha de exposição, que eu preenchia à mão, para que os animadores percebessem quantos desenhos tinham de fazer, e o timing de cada cena.” “Kali” trazia vários movimentos de câmera, o que ela aprendeu a dominar desde o segundo filme. Mas, se “História Trágica” ela desenhou toda à mão, em “Kali” recorreu ao 3D para realizar alguns momentos do filme. “Eu fazia as texturas para depois vestir o personagem, o objeto”, ela mostrou vários momentos da evolução do filme, desde o story board, passando pelo uso do 3D para a animação, até a cena final.
Vozes, música e produtos derivados Como em “História trágica com final feliz”, o filme tem versões em três línguas. As vozes são do ator Christopher Plummer, em inglês e francês, e do realizador Fernando Lopes, em português. “A vantagem de trabalhar com o Canadá é que eu podia trabalhar com bons atores”, disse. A música é da banda suíça de rock industrial alternativo “The Young Gods”. A voz do filme é de um homem já de certa idade e foi intencional, Regina explicou: “Eu queria dizer que o personagem tinha continuado a viver, tinha encontrado o seu lugar, ganhado experiência e sabedoria. Por isso uma voz idosa.” Para aumentar a vida útil do filme, a estratégia novamente foi além da habitual exposição dos desenhos. Com “Kali”, Regina e o produtor prepararam um jogo de cartas desenhado por ela e editado por uma amiga em edição limitada, em uma caixa parecida com uma gaveta. E fizeram também um flipo. “Desta
vez, tínhamos de fazer algo que ninguém copiasse. Um flipo de animação, com várias faces, seis animações em um objeto sem pilhas. Mágico”, ela brincou e anunciou o filme no telão.
Conversa com a plateia Papel, gesso, tinta da China preta, pincel, estilete e tablete. O material foi posto na mesa para que a plateia experimentasse as técnicas. Enquanto os candidatos trabalhavam, o microfone circulou para as perguntas da plateia. Qual a base da tinta que você usou em A Noite? Optei pelo guache, que é uma tinta d’água. Eu teria cores mais vibrantes e visualmente mais fortes se usasse uma tinta à óleo, por exemplo, mas seria insuportável trabalhar com o cheiro forte em um quarto escuro, durante tanto tempo. Como foi a sua formação em animação? Minha formação foi trabalhando logo e diretamente nos filmes. Eu ia fazendo as cenas do filme de outro diretor e ele ia explicando como funcionava a animação. Foi assim que aprendi: fazendo cenas que já iam ser usadas no filme. Basicamente aprendi já fazendo os filmes. O meu background em pintura também está muito presente nos meus desenhos. Você pensa sobre a edição dos livros, o lançamento dos brinquedos e do DVD já durante a produção? Nós temos uma estrutura minúscula. O produtor, que é meu companheiro, e os produtores canadenses e franceses, que não se envolvem na edição desses produtos, não é interesse deles. Somos nós, em Portugal, que buscamos formas alternativas de mostrar um filme sem passar pela tradicional sala de cinema. O planejamento dos brinquedos, nós vamos fazendo já durante o filme. Mas só quando o filme está terminado é que fazemos
o projeto do produto. Algumas vezes tivemos financiamento, nas outras é resultado de parcerias com escolas, companhias. Você tem outra atividade além dos curtas? Os filmes são suficientes para sustentar você? Basicamente, eu vivo do meu trabalho. Tenho tido algum trabalho comercial, mas que não tem a ver com a animação, mas com empresas que pedem determinados produtos que não são animação, mas que usam as minhas imagens. Vivo no Porto, uma companhia me pediu para fazer um livro desenhado para explicar as principais diferenças entre os gêneros do vinho do porto. Tive liberdade total, fiz como quis, eles gostaram e ficamos amigos. Além disso, curiosamente, houve uma companhia na Itália que pediu um rótulo de uma cerveja. Os produtos alcóolicos gostam do meu trabalho, pelo visto (risos). E a relação se desenvolveu, eles iam lançar uma cerveja no Natal, para o tempo frio. E eles deram meu nome à cerveja, Regina de Inverno (risos). Eles me pagaram e ainda me deram a cerveja. Pelo menos de sede eu não morro (risos). Também faço workshops e oficinas. Nas exposições, pedem para fazermos apresentações, e isso é remunerado. Assim completo meu orçamento. Sobre a técnica do papel, você usa o computador? Os desenhos são feitos à mão, mas a composição é feita no computador. Não tem câmera. Depois de fazer “Kali” no computador, você voltaria a usar a técnica do papel? Talvez para determinados segmentos de um filme, não para um filme completo. Às vezes obtemos resultados que só são possíveis à mão. Você tem processo de controle criativo total em “A Noite”. No “Kali”, você já tem outra estrutura. Como você deixa que outras pessoas interfiram no trabalho?
Eu gosto de trabalhar em equipe, porque determinadas etapas em animação é meramente execução. Isso exige muito de mim em termos de preparação para que o resultado seja o que eu quero. Aí que está a dificuldade. Para ter ajuda e aliviar-me em algumas etapas eu exijo muito de mim em termos de preparação. Mas compensa ter a colaboração de alguém. Quer em termos de execução, quer em termos de soluções que outro olhar pode trazer ao filme. Como você faz o design dos personagens? É uma busca. Principalmente no “Kali”, misturei todas as formas. Às vezes não é evidente na primeira tentativa, demora um pouco encontrar o personagem correto para vestir aquele papel. É como fazer um casting, só que não são pessoas. É preciso encontrar o design com o que mais simpatizamos. Como é o dia a dia nesses dois anos e meio de produção? Antes de ir para a França, preparo todos os layouts em Portugal. Gosto de não perder o controle do visual que eu quero. Os layouts são o que vou dar ao animador. Assim eu dirijo o animador. Passei, no Kali, sete meses na França para a animação linha. Voltei para Portugal, onde foi feita toda a finalização. As coisas já evoluíram. Hoje já há animadores com boa formação em Portugal e que são muito mais baratos. Ir para a França é uma exigência porque o dinheiro é francês. Mas com animadores portugueses é mais econômico e isso é mais confortável para mim. Foi bom passar a parte mais pesada da gravura em casa, em Portugal. Foi cerca de um ano e meio de gravura em Portugal com dois animadores portugueses. Você se preocupa em manter a uniformidade visual dos personagens? Não é isso. Não me importa que os personagens se distorçam. Não quero é perder minha assinatura.
Na técnica do papel, você tem uma cópia do desenho do lado? Você não perde a referência quando pinta tudo de preto? Quando colocamos tinta da China por cima do traço, nós conseguimos ver o traço da animação, basta uma boa luz. Daí nós podemos raspar e não perder a animação. Regina trouxe um cartaz da “História trágica com final feliz” e fez um sorteio entre os presentes. Mais alguma pergunta? Ela se dirigiu à plateia e ouviu: Queria dizer que você é um amor, um mimo, é apaixonante ouvi-la falar. Não era uma pergunta! E acabou.
quinta-feira
8 de Agosto
Palestra: Animação Cooperativa – A Experiência da Cartoon
Media Iain Harvey, que realizou em sua produtora, a Illuminated Films, clássicos da animação como T.R.A.N.S.I.T e War Game e que atualmente exerce o cargo de vice-presidente da Cartoon Media, explica como funciona esta entidade que uniu as produtoras europeias de animação em uma cooperativa capaz de unificar os esforços e tornar a produção europeia uma grande potência no mercado mundial do setor. Um modelo que há 20 anos foi instalado na Europa, num período parecido com o que o Brasil vive atualmente. Vários governos e estúdios europeus se juntaram para fazer frente às produções americanas e asiáticas e criaram a Cartoon Media, a Associação Europeia de Filmes de
Animação. Para falar sobre o tema, ninguém melhor que Iain Harvey, vice-presidente da entidade, anunciou Cesar Coelho. “Entender como esse modelo aconteceu, se desenvolveu, quais as fraquezas e pontos fortes pode ser uma possibilidade para nós. Como fazer isso? O modelo pode ser interessante para o Brasil e também para a América Latina. A gente deve ampliar essa discussão no ano que vem com produtores latino-americanos, para tentar criar um programa nosso. É preciso enxergar as possibilidades do mercado, mas também os desafios. A animação brasileira entra agora, e entra bem, em um mercado que tem mais de 50 anos, o que torna a competição árdua. A isso devemos contrapor com talento, recurso que não nos falta, e organização”, disse Cesar Coelho, ao apresentar o convidado da vez no Anima Forum. “Iain é um produtor brilhante, da Illuminated Films. Ele vai explicar como é que foi esse processo que acompanhou e acompanha de perto até hoje. Como falei, ele é a melhor pessoa para estar aqui, para falar com conhecimento de causa”, disse Cesar. “Foi uma apresentação muito generosa”, agradeceu Iain. “Eu tenho uma pequena produtora, que se expande e se contrai, de acordo com o projeto que temos. Eu já tive 80 pessoas trabalhando em um filme. Outras vezes só temos quatro ou cinco pessoas enquanto esperamos pelo próximo projeto. Acho que isso é familiar para a maioria dos que chamo produtores independentes. Aqueles que acreditam e se preocupam com que produzem. Eu tomei a decisão de não fazer nenhum comercial ou trabalho pago. Essa foi uma decisão pessoal, e não é o reflexo de como muitos estúdios trabalham na Europa.” Iain veio ao Brasil pela primeira vez no ano 2000, para o Anima Mundi, festival que ele considera único. “Animadores são de uma espécie única de gente, na minha experiência, e esse festival comprova isso de muitas maneiras. A vibração e a empolgação de entrar neste prédio são fabulosas. Eu amo isso”,
declarou. Aos olhos dos europeus, o Brasil é uma grande novidade. “O que mais mexeu comigo quando vim ao Brasil é que os europeus pensam na América como o Novo Mundo, e se você vai para a América do Norte você não tem mais essa impressão. É um país que cresceu demais e não passa mais aquela sensação de excitação. Quando vim em 2000, metade da população do Brasil tinha menos de 21 anos. E para alguém com mais de 40, realmente pareceu um Novo Mundo.”
Duas horas e um filme Iain brincou sobre as duas horas que teria para falar sobre o que ele considera importante para o desenvolvimento da indústria da animação e do audiovisual no Brasil e também na América Latina. Não seria pouco tempo. O que fazer? Uma apresentação nos moldes de um filme. Com direito a enredo com pontos originais, viradas inesperadas e um vilão. O objetivo foi exposto desde o princípio: “Estou aqui para explicar como a Europa, apesar de ter 30 nações, escolhe encorajar a cooperação na indústria de audiovisual. E faz através de dois órgãos: Media e, para a animação, Cartoon. Vejam que a animação tem um órgão transnacional próprio. Há 20 anos, a indústria de animação percebeu que por causa das suas necessidades especiais, não seria totalmente compreendida pelos outros setores e acabaria excluída. Os animadores se juntaram e fizeram pressão política para serem tratados de maneira diferente. Não com favoritismo, mas que as necessidades especiais dos animadores fossem reconhecidas”, contou. O lobby foi bemsucedido e a Cartoon foi criada em 1989, junto com a Media. Os programas encorajam a colaboração e a cooperação entre os produtores europeus. Juntar recursos, encontrar os times e explorar opções de financiamento para acelerar a produção e o desenvolvimento. “Se tenho
um coprodutor alemão que consegue apoio da TV alemã, e consigo uma TV inglesa, já tenho encaminhado metade do meu financiamento. Colocando de maneira simples, a colaboração dá a pequenas empresas mais chances de negociar com emissoras e conseguir financiamentos. Eu sugiro que todos esses elementos podem vir a ser utilizados na América Latina também. Mas não posso afirmar, meu objetivo é mostrar como funciona para a Europa.”
O Brasil no mapa Muitas terras e poucas línguas. Iain Harvey utilizou um mapa para comparar o Brasil com o continente europeu. “Vocês podem ver que o continente europeu pode ser espremido dentro do Brasil. O seu enorme país é um enorme continente. A Europa faz muito barulho, mas somos geograficamente muito menores. Vamos olhar alguns fatos e números. A população da Europa é quase o dobro da América do Sul, mas sua área é o dobro da Europa. São 12 países contra 45”, ele pontuou. Além de grande extensão territorial, a América do Sul tem a vantagem de falar menos idiomas. “Vocês têm menos línguas para lidar. Nós temos um enorme número de línguas locais, assim como também a América do Sul, mas há duas línguas dominantes. Claro que a renda per capita é maior na Europa, mas esse é um número bastante estático. E o aumento na América do Sul tem sido forte. Ainda há uma diferença grande, mas nós temos uma situação estática. E nos últimos cinco anos temos andado para trás. Esse é o cenário para a minha conversa”, avisou.
Qual é o mistério? Como conseguir mais por menos. Iain começou a expor os pontos da trama, que envolve um programa que une cerca de 30 países europeus e 35 línguas diferentes. “Grandes corporações, cujo poder é aumentado por lobby político e melhores conexões de mídia. Esse é o perfil da indústria
audiovisual europeia. E o perfil de produtores e distribuidores. Primeiramente, esse é um programa para beneficiar produtores, distribuidores e também agentes de vendas, criadores e exibidores”, ele explicou que a conversa com a plateia do Anima Forum se concentraria nos benefícios para os produtores. Sem negar a importância dos agentes de vendas, dos distribuidores ou dos exibidores, menos ainda dos artistas. Com menos países e apenas duas línguas principais, a América Latina leva óbvias vantagens sobre a Europa, ele pontuou e anunciou que o foco da conversa seria a Cartoon, cujas atividades têm obtido bastante sucesso. O volume de produção tem crescido mesmo com o orçamento anual em torno de US$ 1 milhão. E se não houvesse Media e nem Cartoon? Onde estaríamos na Europa agora? A resposta é bastante simples, ele anunciou a primeira reviravolta no roteiro da apresentação: “Eu não seria produtor de animação, nem
conseguiria sobreviver como um produtor independente. Apesar de ter alguns sucessos. Mais importante é que muitos dos sucessos dos produtores europeus simplesmente não existiriam”, ele citou a França, país que não tinha séries de animação até o início dos anos 1990 e, hoje, é um dos líderes mundiais em produção de animação para TV e cinema. “É um pais onde pode ser visto o trabalho da Cartoon”, Harvey citou ainda a Espanha e a Irlanda como países que também se beneficiaram, assim como o Reino Unido. “Os irlandeses conseguiram desenvolver uma grande indústria que não existia há 20 anos. Os ingleses ganharam o Oscar de curtas de animação nos anos 1990. Os irlandeses o fizeram mais recentemente”, comparou. Cartoon e Media beneficiam países pequenos assim como os grandes. “Como sempre, é um caso de desenvolver seus pontos fortes e cobrir suas fraquezas, com coproduções, por exemplo. Trabalho em equipe realmente ajuda na área de animação. Mas escolha o seu time com muito cuidado”, disse. Se a Cartoon não existisse, haveria preponderância bem maior dos programas americanos na Europa, esse é um aparte importante. “Tenho que reforçar que Media e Cartoon não são programas antiamericanos. Neste filme, os ianques não são os vilões. Media é essencialmente um programa cultural. O objetivo é proteger e desenvolver, assim como reconhecer a diversidade cultural do continente europeu.”
O valor da ideia Depois dos créditos de abertura e do prólogo, aos negócios, Harvey avisou: “Nosso negócio gira em torno de ideias. Nada do que eu diga, nenhum programa de ação, nenhum pote de dinheiro ou nenhum pool de talentos serve sem uma boa ideia. O que define o que é bom é bastante discutível, é claro. Mas vamos começar com uma observação. Para aqueles que não conseguem ler, os três itens são prequel, sequel e reboot.” Um dos problemas de Hollywood atualmente é que existe escassez de ideias originais. Artigo
de luxo difícil de encontrar. Frequentemente pessoas encomendam projetos, sem querer correr riscos. Também porque é mais fácil. “Você precisa lembrar-se que projetos podem ser melhorados. Estamos em uma indústria de ideias. É preciso ter fé nelas e estar preparado para trabalhar duro. Se preparar para receber várias rejeições, mas, ao mesmo tempo, escutar e aprender com as respostas”, disse.
Treinamento Por onde começar? O espaço do aprendizado deve ser garantido. “Esta é uma parte fundamental dos programas da Media e da Cartoon. Treinamento é negligenciado na nossa indústria porque estamos lutado para levar o nosso negócio para frente. Há pressões no negócio o tempo todo. Não temos fundos suficientes, não temos tempo. E além disso, eu aprendi fazendo, então por que todo mundo também não pode? São pensamentos fáceis de se ter. Mas o Brasil é um país jovem, que tem que olhar para o futuro, e investir nesse futuro. É preciso pensar maior e a longo prazo”, ele deu o conselho e listou os treinamentos disponíveis, que representam a preocupação na Europa: desenvolvimento de roteiro, desenvolvimento de projetos, produção de projetos, gerenciamento, leis e financiamentos, marketing, distribuição e exibição, documentários, novas mídias e novas tecnologias. O programa segue um caminho lógico, começando com a ideia, para alcançar um bom script. “Nós precisamos, especialmente em animação, saber todas as etapas em desenvolvimento. Criar o design e o visual dos personagens. Montar o desenvolvimento e o orçamento do projeto, controlar o fluxo de dinheiro. Como gerenciar tudo isso? E há também os aspectos legais. Eu posso gastar uma hora com vocês, falando apenas do conceito e da importância do copyright. É vital para nós entender e aprender como controlá-lo. Para ter seu projeto desenvolvido e financiado você tem de estar envolvido em como se vende o projeto.”
O treinamento também cobre outras áreas da indústria de audiovisual. De documentários a novas mídias e novas tecnologias. “Todos esses treinamentos mudam muito rapidamente, assim como a tecnologia. E há também os treinamentos específicos para animações. Animação 3D de personagens, treinamento profissional em animação CG. E adaptação de livros para séries de TV e filmes. De novo, espero que consigam ver que existe uma lógica. Talvez, o mais interessante do programa seja a adaptação de livros. Ter como fonte para o seu projeto algo que já está publicado, em qualquer meio, e seja razoavelmente conhecido, dá uma vantagem na corrida para conseguir apoio. Exibidores, por todo tipo de razões, tendem a buscar segurança.”
Piloto 1 Networking e colaboração são o ponto mais importante da maioria das iniciativas da Media. Iain anunciou a exibição do piloto para uma série de TV feita cinco anos atrás durante a produção de ‘Little princess’, série baseada nos livros ilustrados de Tony Ross que rendeu 100 episódios e foi vendida para vários países. O novo programa também foi baseado em uma série de livros: “Sabíamos que ficaríamos envolvidos com as séries entre 12 e 20 meses. Mas os estúdios precisam se planejar com antecedência, vocês sabem disso. Pareceu ser ideal que adaptássemos o programa para uma faixa etária mais alta que a do público de ‘Little princess’, que era de três a seis anos. Demos aos personagens o que chamo de humor de cartoon. E também fizemos com mais apelo para meninos, categoria na qual ‘Little princess’ não era muito forte. Não era nada comparável a ‘Little princess’ ou qualquer outra série. Tinha um estilo de humor do tipo de Tom & Jerry, mas atualizado. Então, fizemos um piloto no nosso tempo livre.” Antes de exibir o piloto, Iain esclareceu: “Pilotos têm em média cinco minutos e comportam uma série de objetivos. Se é uma
série, o piloto tem que tentar explicar toda a série e ao mesmo tempo contar uma história. É preciso envolver a audiência. Isso quer dizer que eles são meio artificiais porque são feitos para a estação de TV e não para o público final.” No telão, “Buddy & Elvis”, Iain agradeceu os aplausos que vieram. “Foi divertido fazer. Eu tentei limitar a uma piada de pum por episódio, mas o diretor era mais interessado no assunto do que eu. Então, nós tínhamos um piloto, que nós mesmos financiamos”, contou.
Cartoon Forum O que fazer com o piloto uma vez pronto? De acordo com Iain, é aí que entra a Cartoon: para ajudar os produtores na Europa. “Eles organizam um evento anual chamado Cartoon Forum. Todos os principais canais infantis são convidados, com todos os custos pagos pela Cartoon. Os produtores precisam se inscrever e pagar para participar. E os seis projetos que são selecionados por um painel independente ganham uma janela exclusiva de 30 minutos, nos quais têm a oportunidade de mostrar um piloto para todas as estações de TV que você conseguir juntar. O evento também ajuda a cooperação entre produtores amigos e até entre estúdios rivais”, contou. A oportunidade é única. Não são apenas estações de TV que vão ao Cartoon Forum, mas também agentes de vendas, distribuidores de DVDs ou de novas mídias, distribuidores de jogos, e outros tipos de financiadores, como editoras ou investidores. “Mesmo com os métodos modernos de enviar programas e propostas digitalmente, nada pode superar essa experiência de criar, metafórica e literalmente, o seu próprio show, com a participação do público. Você tem a chance de ver e sentir a vibração”, ele realçou. Graças a uma exigência da Cartoon, todas as emissoras têm de preencher um questionário, o que permite que o produtor tenha uma ideia das reações ao piloto, em 24 horas.
Garantir uma janela de exibição na Europa é uma oportunidade de expandir o financiamento. “Como uma série comercial, o que queremos é conseguir licenças para todo tipo de merchandising. E para garantir isso é preciso uma janela de exibição. Então, nós levamos ‘Buddy & Elvis’ para o Cartoon Forum. E as reações ao piloto foram boas, as emissoras pareciam bastante positivas. Mas, infelizmente, nem sempre isso é o suficiente. Emissoras precisam mais do que apenas interesse ou entusiasmo. Porque eles têm que alocar os poucos recursos entre muitos projetos rivais”, Iain contou sobre a resposta que obteve: “Tínhamos alguns problemas de designer que ainda não tinham sido totalmente resolvidos. E sabíamos que precisávamos desenvolver melhor os personagens secundários. Mas o feedback revelou algumas fraquezas importantes. A primeira, era que o programa parecia antiquado. Por favor, lembrem que esse piloto foi feito há cinco anos. Mas mesmo assim, eles estavam certos. Nós fizemos
de propósito um visual retrô. Mas esse não era o problema. Não era o suficiente para entreter uma audiência jovem, porque séries cômicas já vinham sendo feitas e as emissoras queriam algo que fosse único. E nós ainda não tínhamos conseguido isso”, explicou. O piloto também mirou na faixa etária errada. E esse era um problema novo. “Nós miramos em crianças entre cinco e oito anos, um pouco mais velhas do que a idade da audiência de ‘Little princess’. Mas naquela época, as emissoras queriam trabalhar com faixa de até 11 e 12 anos. Elas queriam uma faixa de audiência mais ampla”, ele enfatizou que foi gasta uma quantia considerável de dinheiro para entender e corrigir os aspectos do projeto que não funcionaram. Ninguém, na função de produtor, pode pensar que pode jogar dinheiro fora. “Tem algo que um distribuidor de Los Angeles me disse. Infelizmente não me lembro da frase exata, mas basicamente ele disse que você tem de encontrar exatamente o seu lugar, você
não pode ser redondo e tentar entrar num buraco quadrado. Você tem de encontrar a janela certa. E o mercado muda muito. Novos compradores aparecem o tempo todo. E quando você acha que construiu uma relação com um, ele some e você precisa começar tudo de novo.”
Desenvolvimento A Media tem um programa, chamado “Desenvolvimento”, que permite que produtores busquem fundos para desenvolvimento para os projetos. São cerca de US$ 100 mil por projeto. Ou US$ 250 mil para um conjunto três projetos. E o produtor pode dividir o dinheiro entre eles como quiser. As somas são altas. “Dentro do contexto do Reino Unido, é esse o valor que se precisa para desenvolver um piloto, fazer o designer, e ter alguns roteiros prontos. E o produtor não precisa devolver esse dinheiro, se seguir as regras. No entanto, o processo de seleção não é fácil. E nem deve ser. Se você vai pedir a uma organização uma quantia significativa de dinheiro, você tem de trabalhar por ele. Geralmente trabalhamos quatro ou seis semanas unicamente na preparação da inscrição. Não fazendo roteiros ou pilotos. Só preparando a inscrição. O documento que precisa preencher não é muito longo, mas requer muita concentração. O produtor precisa convencer que tem um plano de negócios e justificar esse gasto.” Iain Harvey listou as questões com as quais os candidatos a financiamento devem lidar e as respostas que devem ter prontas. Uma lista de requisitos rigorosa e necessária: - O brief criativo: é preciso ter um roteiro ou um tratamento de roteiro. “Não precisa ser o final. Eles só precisam saber qual o formato, como vai ser desenvolvido, se você é sério e quem é o público-alvo”; - Briefing de produção: quanto tempo levará o projeto e a ordem de execução. “Essa parte é voltada para o desenvolvimento. Tem de
provar o seu valor e indicar as oportunidades de coprodução que você prevê para o seu projeto. Não é obrigatório ter um coprodutor, na verdade, a maioria não tem, pelo menos até chegar ao mercado. Mas você deve listar possíveis parceiros e quais os países com os quais você gostaria de colaborar. E claro, o orçamento é fundamental”; - Vendas: quem são os principais compradores no mercado local, os principais compradores regionais, o que significa a Europa no escopo do seu projeto, e quais são as oportunidades internacionais. “Você não precisa ter contratos já acertados, só precisa dar uma ideia das possibilidades de financiamentos e dos mercados que acredita que seu programa pode atingir”; - Briefing de marketing: qual o perfil do projeto? Como será divulgado o programa, não só para financiamento, mas para que o público o conheça? “Você não vai fazer o marketing sozinho, mas precisa apontar como pretende lidar com a divulgação.”
Piloto 2 De volta a “Buddy & Elvis”, com a obtida no Cartoon Forum, a equipe decidiu pedir um financiamento para fazer outro piloto. “O meu ponto é: o processo de pedir e receber financiamento pode ajudar no processo criativo. Não é só pedir dinheiro, também ajuda a pensar na melhor maneira de desenvolver o seu projeto. È um processo em que todos ganham”, contou ele, que teve o pedido aprovado. “Nós então comecemos a resolver o que pensávamos que eram os principais problemas: o mercado-alvo, a faixa etária, o design, e a questão crucial do conceito. Era isso que estava faltando para conseguirmos ter apelo comercial”, explicou. Seis meses depois estava pronto um novo design: um desenho mais atual e divertido com apelo para crianças de 6 a 11 anos, com mais originalidade, humor mais ágil e com mais possibilidades. Iain quis provar para a plateia como o dinheiro da Media ajudou a
criar um novo piloto. “Compramos os direitos de uma série bastante conhecida nos EUA e Europa. E para brigar pelo dinheiro da Media, tivemos que ter avaliações do roteiro deles, e criamos cinco pequenos clips para demonstrar que estávamos acelerando o ritmo do humor e os novos desenhos”, contou. E qual era a reviravolta? “Percebi que ‘Buddy & Elvis’ brigam, mas protegem um ao outro. E são crianças, mas disfarçadas de cão e gato, o que te dá espaço para usar mais violência. Mas me perguntei, e se fossem crianças de outro lugar? Basicamente, duas crianças, entediadas na escola, olham pela janela e veem a Terra flutuando abaixo e decidem que aquilo parece muito mais divertido. E cometem o erro de achar que os cães e gatos controlam as casas. Tem uma cena em que o gato pula no sofá e todos o deixam sentar no melhor lugar. O cão anda até a porta e o seu dono imediatamente o leva para passear. Então, decidem fugir da escola e vir para a Terra. E tiveram de arcar com as consequências”, ele assumiu o crédito. Os clips são rápidos, Harvey exibiu no telão. “Espero que vocês tenham sentido que essa segunda versão tem mais potencial que a original, mesmo que tenhamos colocado muito amor no conceito original. A verdade é que tivemos excelentes retornos do mercado. Essa é parte excitante do meu trabalho. E isso ajudou a atrair a atenção das emissoras”, disse.
Cartoon e Media A Media ajuda os produtores a racionalizar o processo ao impor questões como para quem é o programa? Como vamos levantar os fundos? Para quem vamos vender? Manter uma organização transnacional como a Media envolve grandes gastos. Mas, de acordo com Harvey, os benefícios para a indústria do audiovisual são muitos e compensam. O programa ajuda a melhorar e
a disciplinar o processo de desenvolvimento, além de encorajar a colaboração nacional e internacional. Ajuda os produtores a acharem um caminho mais rápido para os financiamentos. Como o dinheiro vem com exigências e condições, ele força os produtores a racionalizar as escolhas e a focar nos produtos que têm mais futuro comercial. O orçamento da Media para os próximos seis anos é de 900 milhões de euros ou US$ 1,2 bilhões. Dividindo o bolo, são US$ 200 milhões por ano. “E, claro, a animação fica só com uma pequena fração desse valor. É um programa de longo prazo, com um orçamento para seis anos, de 2014 até 2020. Isso é vital, porque a animação requer mais tempo que o live action”, justificou. O programa é organizado de maneira que os produtores devem pensar nas necessidades do desenvolvimento e nas necessidades de marketing e vendas, ou seja, a pós-produção. E também garante alguns retornos imediatos para os contribuintes. “O dinheiro alocado tem de ser gasto na Europa. E se você recebeu uma bolsa, tem que igualar o valor na base de 50-50. Se você receber US$ 50 mil, você tem de colocar a mesma quantia no projeto. Entretanto, sua contribuição como indivíduo ou como estúdio pode ser negociada como parte do orçamento, ou seja, seu tempo ou o tempo da equipe pode ser considerado parte do investimento. O pagamento em espécie não é necessariamente tão alto quando a regra do 50-50 faz parecer. Todos os gastos são auditados antes do pagamento total do financiamento”, explicou.
The end Iain anunciou a chegada ao final do filme. Como diretor da apresentação, ou melhor, do filme, ele fez um breve resumo histórico da Cartoon. Criada em 1998, a associação tem quatro atividades principais: o Cartoon Forum, que é para séries e especiais de TV; o Cartoon Movie, que opera exatamente do mesmo modo; o Cartoon Connection, que estimula as coproduções entre Europa, Ásia e América
Latina; e o Cartoon Masters, o programa de treinamento. O Cartoon Forum é um evento de três dias de duração que reúne 800 participantes e 250 investidores. “Não é apenas trabalho duro, claro. Nós nos divertimos também. Durante os três dias, nós conhecemos gente de 30 países. Algumas apresentações estão longe de serem sérias, mas funcionam, porque fazem parte do show”, ele comentou os resultados: “Não tínhamos uma indústria de animação de longas-metragens há 20 anos. Em 1987, foram produzidos cinco ou sete filmes na Inglaterra, o que é bem embaraçoso estatisticamente”, ele comparou e anunciou a última reviravolta da trama: “O propósito do Cartoon Connection é criar coproduções entre os países, expandir a networking profissional. Vocês podem se envolver nesse programa. Se vocês forem a um Cartoon Connection, e acertarem uma coprodução com algum país europeu, vão poder participar do Cartoon Forum e do Cartoon Movie”, afirmou.
Para encerrar, Iain reservou mais um piloto. “É um conceito original e o desenvolvimento levou quase um ano. O financiamento do Media nos permitiu fazer não só o piloto, mas também o roteiro e o documento de referência (development bible). Eles sabem que colocamos todo esforço no piloto, por isso querem ver os roteiros dos demais episódios, para dar suporte à nossa visão. Esse piloto não precisou ser refeito e conseguimos apoio da BBC”, contou. No telão, o surreal “The rubbish adventures of Dave Spud” Iain agradeceu as palmas e, estava faltando, anunciou o tal vilão do filme da apresentação. “Mencionei no começo que tem um vilão nesse paralelo com um filme. Quem é o vilão? A falta de imaginação ou inércia. Ambos matam o que tentamos fazer. Então, lutem pelo que acreditam. Fazer filmes é assumir riscos e ter uma visão. Espero ter dado alguma ideia do que é possível e que isso estimule suas imaginações. Boa sorte”, ele finalizou.
Conversa com a plateia Essa série já está no mercado, já está rolando? Nós temos o apoio da BBC e o interesse de outras estações de TV na Europa. Eu preciso encontrar aliados para distribuir e financiar. Hoje em dia, mesmo grandes estações como a BBC dão apenas 20% do financiamento. É parte do nosso trabalho como produtores conseguir o financiamento. Mas estamos fazendo bastante progresso e esperamos começar a produção no ano que vem. Em dois anos, a série deve estar disponível. Se você tiver interesse em investir, posso mandar os detalhes rapidamente. (Risos) Gostaria de saber como está a situação do animador na Europa. No Brasil, a gente começa a ter o nosso processo de industrialização. Mas, ao mesmo tempo, o animador que trabalha na linha de montagem não tem as garantias do emprego. Como é essa questão na Europa? O animador tem garantias? É uma pergunta difícil de responder. Na Europa existem variados sistemas legais. Somos mais de trinta países. Vou ser bastante honesto, no Reino Unido tem animadores que trabalham comigo, mas que depois são dispensados, quando o projeto acaba. Não somos uma caridade, não tenho condições de mantê-los. Mas de outro lado, como temos uma indústria de animação bem estabelecida, produzindo regularmente programas, eles trocam bastante de estúdios. Então, na verdade, eles preferem isso, a ter que me olhar todos os dias. Como eles se protegem para o futuro, em termos de pensão? Acredito que é direito deles, como em qualquer outro emprego. Você tem muita ousadia nos roteiros. Eu aqui teria o receio de botar gente dando pum em alguns desenhos. Acho que para uma faixa etária pequena, você botou muitos elementos interessantes, que eu não sei se seria teria coragem de colocar aqui. Como você desenvolveu
esse feeling para saber, vou colocar isso, isso aqui serve para essa idade, isso aqui não? É uma boa pergunta. A BBC tem regras bem restritas. E, ironicamente, eles permitem uma ou duas piadas sobre pum. E falo isso como um produtor que talvez quisesse cortá-las, porque sei que crianças adoram esse tipo de piada, mas é uma piada barata. E gosto de pensar que posso conseguir mais dos meus roteiristas. Essa é a versão produtor para você. Mas, é claro, que tem o desafio criativo. Em termos de outros aspectos. Como mencionei na minha palestra, o piloto é meio que uma besta artificial. Você tenta mostrar o que você quer fazer no resto da série. E a resposta direta para a sua pergunta é que uma comissão da estação de TV é quem no final vai controlar até onde você pode ir. Claro que as comissões mais abertas vão permitir a você ultrapassar as fronteiras. E eu tenho trabalhado com roteiristas que querem forçar as fronteiras, porque essa é a habilidade deles.
8 de Agosto
quinta-feira
Painel: Longas-metragens brasileiros O expressivo número de longas-metragens brasileiros a serem lançados neste e no próximo ano demonstra claramente a maturidade da produção. Um bate-papo com três diretores que estão em fase de lançamento dos seus filmes sobre o processo de produção, perspectiva de distribuição e seus próximos projetos. Participantes: Paolo Conti (Minhocas - o filme), Alê Abreu (O Menino e o Mundo) e Otto Guerra (Até que a Sbórnia nos Separe) Mediação: Cesar Coelho
Era quase noite quando Cesar Coelho abriu o painel que reuniu três diretores em fase de lançamento dos seus filmes para falar sobre o processo de produção, perspectiva de distribuição e seus próximos projetos. Temas pertinentes, se levado em consideração o expressivo número de longas-metragens brasileiros a serem lançados até 2013. Sinal de maturidade e de que o sonho do longa próprio não está mais tão distante.
Cesar Coelho assumiu a moderação e fez a analogia: fazer um longa-metragem é como comprar a casa própria. Mas não indo lá e pagando à vista, e sim pedindo financiamento a um banco. “Alguns de vocês talvez não pensem nisso, mas a gente já passou por esse dilema também, como os nossos pais também passaram: o sonho da casa própria. Desde que o cara casa e começa a pensar em comprar uma casa, ele começa a juntar dinheiro. Junta, junta, junta e, quando consegue reunir uma quantia suficiente para 10% do valor da casa, vai ao banco e pega o restante emprestado. E aí ele se endivida e passa quase a vida inteira tentando pagar aquele negócio. Até que quando finalmente consegue pagar, ele acha que a casa já não serve e procura fazer outra. Com o longa-metragem é mais ou menos assim”. Cesar comparou. É difícil, exige esforço, disposição para o risco. Mas a própria formação de um painel no Anima Forum com três diretores prestes a lançar seus longas é sinal de que a produção está, surpreendentemente, mais avançada do que todos podiam imaginar e esperar: “Cinco anos atrás, eu diria que uma mesa composta dessa forma só seria possível em 15 anos. E nós já estamos fazendo neste ano. São três longas-metragens de muitos outros que estão chegando ao mercado agora”, disse ele. A ordem de apresentação da mesa seguiria uma lógica curiosa: Paolo Conti seria o primeiro por estar apresentando o seu primeiro longa-metragem. Na sequência, Alê Abreu, que está no segundo longa, e Otto Guerra, dono da façanha de quatro filmes realizados.
Paolo Conti (Minhocas – o filme) Recebido com aplausos efusivos, Paolo Conti saudou a plateia, agradeceu ao convite, e já engatou: “De fato, o que o Cesar (Coelho) falou é verdade. O sonho do longa-metragem
existe. Hoje, em uma entrevista para o blog do Anima Mundi, me perguntaram de onde veio o sonho de fazer um filme de longa-metragem? ‘Ó, começou no Anima Mundi’, eu falei”, ele relembrou a primeira vez que o festival foi para São Paulo. Na época, ele já trabalhava com publicidade. “Eu fui convidado como monitor e, até então, a animação no Brasil era absolutamente publicidade. Quem é da minha idade ou mais velho, como o Otto e o Alê, por exemplo, sabe bem que só existia publicidade. E aí, quando chegou o Anima Mundi, que trouxe os curtas e os longas-metragens de fora, eu olhei aquilo e falei: ‘Caramba, meu! É isso aqui que eu quero fazer. Eu quero fazer o meu longa’”, contou. Além de querer, Paolo perseguiu a ideia por longos 15 anos. “E depois mais uns cinco, que foi o tempo que levei para fazer, efetivamente, o filme. Quer dizer, foram os 21 anos do Anima Mundi, né”, ele fez as contas. Resumir a empreitada não é fácil, mas os
objetivos ele teve claros desde o início: “Eu não conseguiria resumir aqui, no tempo disponível, o que foi produzir o ‘Minhocas’. O que eu posso dizer para vocês é que a minha pretensão, e não confundam isso com presunção, era fazer um filme que pudesse competir com o mercado americano. O que eu pretendia, lá no início, quando eu comecei a produzir o filme, era que a equipe que ia surgir em volta dessa ideia, desse ideal, fosse produzir um filme brasileiro que pudesse estar à altura dessa competição”, ele assumiu que o sonho era audacioso. “É um sonho muito audacioso do ponto de vista financeiro, do ponto de vista técnico e até mesmo do ponto de vista formal, porque animação é uma coisa muito nova aqui no Brasil. O que eu gostaria é que não só o meu filme, lógico, mas todos os filmes pudessem inspirar outras pessoas, outros artistas, outros diretores a empreenderem nessa jornada, que é dura demais, mas, ao mesmo tempo, é gratificante”, ele animou a plateia. Bancar o sonho exigiu trabalho árduo. “Em cada passo da execução de ‘Minhocas’, cada pedaço do projeto, eu procurei ir atrás de um tipo de uma qualidade técnica, estética e de narrativa que pudesse agradar a um público não só do Brasil, mas do mundo todo. Eu não sei se a gente conseguiu fazer isso. Eu acho que quando o filme for lançado, dia 20 de dezembro, a gente vai perceber. Eu e a equipe vamos perceber como é que o publico reage ao filme”. Ele fez questão de deixar um registro especial, baseado na sua experiência mais recente e também mais longa, com todo o trocadilho permitido: “Nós não podemos ter medo de errar. Nós não podemos deixar de sonhar. Tem de ser como a criança que cai, levanta e continua. Então, se eventualmente não atingimos a nossa pretensão, o nosso propósito, certamente a gente vai conseguir mais adiante. Ao longo de dois, três ou quatro filmes, como o Otto fez, a gente vai conseguir. Eu sou assim, um nacionalista. Sou um brasileiro. E o brasileiro tem o direito de ver a sua cara, a sua história e o seu estilo na telona, na telinha, na internet
e em qualquer outro lugar. A gente tem que ter o orgulho de divulgar isso. E tem também a obrigação de mostrar a nossa cultura para os outros povos, porque o que a gente tem a oferecer é muito bacana”, retumbou. Paolo Conti selecionou um trecho de dez minutos do seu longa-metragem para fazer uma projeção no Anima Forum. Antes da exibição, ele explicou que reservou uma sessão no meio do filme que daria para entender todo o conteúdo. “Está sem tratamento de cor e sem áudio final, porque é um material que saiu da câmera. A boca das minhocas não está redondinha e tal, mas dá para entender bem”, ele brincou que era proposital, porque queria mesmo era que todos assistissem depois. No cinema. Feita a exibição, recebidos os aplausos, ele ressaltou o esforço da equipe: “Isso aqui é resultado do trabalho de uma centena de artistas. São muitos artistas. Meu papel, meu trabalho como diretor, foi tentar extrair o máximo de cada um desses artistas. Às vezes, com muita dor. Em geral, sempre com muita, muita dor”, ele pontuou que algumas cenas foram repetidas até 15 vezes. “Quero até pedir desculpa à Rosana, que foi a animadora do filme, mas faz parte do processo. O meu papel como diretor era dizer o que dava e o que não dava. Essa foi uma ótima tentativa e eu espero fazer outros filmes e melhorar ainda mais essa performance. Mas, mais do que isso, quero inspirar outros artistas a empreenderem num projeto assim”, finalizou a apresentação.
Alê Abreu (O Menino e o mundo) “O Menino e o Mundo” é o segundo longametragem de Alê Abreu, que fez também “O Garoto Cósmico”. Além de mostrar o novo trabalho, o animador teve a tarefa de falar sobre a experiência dupla. Já habituado às conversas no Anima Mundi, esta vez teve um quê de especial: o filme havia sido concluído dois dias antes do Anima Forum.
O menino, o mundo e as músicas de protesto Alê trouxe muito para mostrar à plateia. E também muita coisa para dizer sobre o feito mais recente. Para começar, como surgiu a ideia de “O menino e o mundo”, em 2006, quando ele ganhou um edital do PAC em São Paulo: “A ideia de ‘O menino e o mundo’, e como ele surgiu, tem muito a ver com o meu processo e trabalho. Acho que as duas coisas vão ficar claras. Eu ganhei um edital para realizar um projeto de longa-metragem chamado ‘Canto latino’. Na época, eu ia fazer um animadoc, uma mistura de animação com documentário. Era uma animação que eu pretendia esquematizar e mergulhar na história da formação da América Latina, com todas as questões políticas e sociais, chegando até aqui, aos golpes de Estado, às ditaduras que, invariavelmente, todos os países latinoamericanos viveram nos anos 60, 70”, contou. “Estou muito feliz de estar aqui, mais uma vez no Anima Mundi. Dessa vez eu estou achando muito especial. Assisti, ontem, ao documentário ‘Luz, Anima, Ação!’, e fiquei emocionado de ver a história que a gente vem construindo há tanto tempo. Os colegas que estão aqui na plateia e o Anima Mundi fazem parte de tudo isso. Esse é um momento especial para mim porque eu terminei, anteontem, ‘O Menino e o mundo’. Estou começando a viver um pouquinho de descanso, tentando entender, com o mínimo distanciamento, o que a gente acabou de fazer”, ele declarou.
O documentário perpassaria ainda as razões que fizeram com que a situação avançasse até o momento atual, de globalização e de comércio liberal. Esse era o foco. “Isso me colocou numa aventura de pesquisa que me fez viajar por dois anos por toda a América Latina. Percorri toda a América do Sul, pesquisei livros, depois fui conhecendo as músicas de protesto dos anos 1970. As músicas, sem dúvida, foram norteadoras do longa-metragem”, ele relembrou dos caderninhos de anotações que o acompanhava nas viagens. De onde saiu a grande surpresa e o grande encantamento que resultaram no filme:
Dificuldade é palavra recorrente para quem está em etapa de pré-produção ou de produção. Mesmo para quem finaliza, o desafio continua. “É sempre difícil quando você termina um projeto que é um mergulho muito profundo. Você conseguir enxergar o que você fez. Eu acho que o maior desafio de fazer um filme é esse: na hora que você está mergulhado ali, tentar discernir os caminhos”, disse.
“Eu fazia muitos cadernos de anotação. E surgiu, num desses cadernos, a figura de um menino que eu chamei de Cuca. E aí esse menino me arrebatou. A simplicidade do desenho dele. Mais do que o personagem, o jeito que eu havia desenhado aquele boneco que tinha certo rigor geométrico e liberdade de gestos, e também aquela simplicidade”, pontuou.
Alê estava caminhando com o “Canto latino”. Mas o menino estava ali. Quieto no desenho. Revirando as ideias na cabeça de Alê. “Estavam latentes algumas questões a que eu estava chegando no Canto Latino, e aí esse personagem começou a tomar espaço. O resultado é que o que era documentário começou a virar pano de fundo de uma ficção”, Alê começou a enxergar muito além da música. O estilo que o personagem propunha o levou a outras referências e a mais pesquisas e conexões, como as abstrações geométricas e líricas dos trabalhos de Miró, Kandisnky, Volpi e Burlemarx. No percurso, o diretor se deparou com a clara influência que a animação da Disney, a que ele tinha acesso quando era criança, exercia sobre ele. O que Alê queria era encontrar o próprio caminho formal de realizar animação. “Nesse momento, eu sabia que tinha um personagem, um pano de fundo, sabia que tinha um filme. Só não tinha a história do filme. E descobrir isso foi outro processo. Mas tudo começou aí”, ele resumiu, antes de apresentar, no telão, um trecho do filme, um musical, sem diálogos, em que a música conduz toda a história. “No final, convidamos o Emicida para fazer a única música que é cantada em português. É tudo muito visual”, disse ele. Ao clipe, que reuniu várias partes do filme. E muitas palmas depois da exibição. Alê fez questão de agradecer e reforçar que está quase nascendo, ou seja, está quase pronta a longa jornada do menino imaginado por ele: “O filme conta a jornada de um menino que vem do interior de um país inventado, com todas as referências da America Latina que havia no ‘Canto latino’. Um belo dia, o menino vê o pai embarcar num trem e ir embora, para sempre, da vida dele. Então a gente mostra a jornada dessa criança, que pega uma mala e guarda apenas uma foto que ele tinha do pai e da mãe dentro dessa mala, depois vai para uma estação esperar o trem que levou o pai dele”, Alê adiantou o início da história, que
continua porque o trem nunca aparece. “Só que bate uma ventania que leva o menino, que fica perdido no mundo. À medida que ele segue essa jornada, aquele mundo vai se abrindo para ele.” A animação vai se abrindo na mesma medida em que o mundo se mostra para o menino. “A gente vai trabalhando de outra forma, aplicando colagens, vai trazendo informações mais mundanas para o filme. Por trás da aventura do menino em busca do pai, a gente também mostra a cadeia produtiva de plantadores de algodão”, Alê foi detalhando os encontros que ocorrem ao longo filme. “Primeiro ele encontra com um velho que trabalha na colheita do algodão. Depois, ele se depara com um jovem que trabalha numa tecelagem que fabrica um determinado tecido. Mais adiante, sem querer, ele cai num navio e descobre que esse tecido vai para outro país, onde são feitas roupas de marca que voltam para o país dele para serem vendidas”, e a aventura segue com viés social e político.
Menino ao vento Como chegou à história? “Eu já tinha o menino e tinha um contexto para aquele personagem. A produção do filme foi um processo completamente aberto. Eu cheguei a incluir cenas e planos até uma semana atrás. As ideias eram soltas: o menino ao vento, o menino perdido numa plantação de algodão, o menino se despedindo do pai. E aí eu fui criando, sem roteiro, diretamente no Animatic. Fui animando trechos que me tocavam dessa história, que eu não sabia qual era. Era um risco absurdo fazer isso, mas era a proposta do filme”, ele declarou. A história não tinha um rumo certo, mas as questões estavam bem delineadas e o modo de fazer não poderia ser outro. “Um filme que trata de questões como sair do lugar comum, revoluções e coisa assim, não caberia nele uma proposta quadradinha de realização. Então, eu me inspirei no Cinema Novo. Aquela coisa da câmara na mão, uma ideia na cabeça, meio adaptada para um set imaginário de
animação”, Alê seguiu construindo pedaços de animatics e colando na ilha de edição, montando como uma colcha de retalhos. “Fui tentando encontrar uma lógica, um ritmo. Ao mesmo tempo, experimentando sons, músicas, e o filme foi se construindo assim. Em camadas que eu fui descobrindo”, ele assumiu o lado experimental. O processo de feitura do filme, como ele mesmo disse, foi também uma coisa muito maluca. “Eu queria imprimir essa cara de filme feito toscamente, queria essa simplicidade. O filme começa numa folha de sulfite, com o menino desenhado a lápis e, à medida que a gente vai entrando no filme, eu vou acrescentando cores e formas, vou apresentando a floresta onde o menino está no começo. A parte da tempestade foi feita toda em giz pastel. Vocês vão ver que maluquice foi fazer isso com giz pastel”, ele animou a plateia. No telão, Alê exibiu um pedaço do filme, o momento em que o menino encontra um velho na plantação de algodão. Depois da exibição, aplausos. “Salve, Naná Vasconcelos, que fez essa parte da instrumentação, e todo o pessoal da Ultrasom, que fez a trilha sonora. A música levou um ano para ficar pronta”, ele agradeceu, antes de exibir mais um trecho. “A história agora se passa quase no final do filme. A gente já tinha usado as colagens de revistas de fofoca, foi inventando, e aí chegou uma hora que não tinha mais o que usar para trazer essa força da realidade, para mostrar o mundo nu e cru que se apresentava para o menino, para reforçar a dor desse personagem. A única saída dramaticamente mais forte seria usar cenas de filmes de verdade. Usamos alguns filmes de documentaristas brasileiros. E a maneira como foi feita essa transição, a gente encontrou no meio do processo”, ele revelou. Para fazer “O menino e o mundo”, Alê contou com uma equipe de 100 pessoas, 15 delas só para animação. “A finalização foi sofrida, mas,
para coroar o início da caminhada do filme, nós fomos selecionados no festival de Ottawa, no Canadá, onde o filme ganharia uma estreia especial. Estará nas salas brasileiras em janeiro”, esperando que o público aprove, ele fechou a apresentação.
Otto Guerra (Até que a Sbórnia nos Separe) Otto Guerra também está finalizando um filme. “Até que a Sbórnia nos separe” é o quarto longa-metragem do diretor, que já está na estrada há quase 40 anos. Em 1978, ele abriu a produtora Otto Desenhos Animados, onde produziu o premiado “O natal do burrinho”, seu primeiro curta, em 1984. “Fazer um longa-metragem é uma soma de inconsequências e responsabilidade. Mas a gente tem essa pretensão”, disparou ele, cujo primeiro longa-metragem, “Os Trapalhões no rabo do cometa”, de 1986, foi feito com Maurício de Souza. Ele citou o criador da Turma da Mônica para personificar o grau de
dificuldade que a produção de longa-metragem envolve. E o sucesso não é garantido para ninguém, ele atestou: “Mesmo o Maurício de Souza, que tem o lucro dos quadrinhos, na animação, nessa experiência que eu participei, foi um desastre absurdo. Nada funciona. Ele perdeu uns cinco milhões de dólares na época”, Otto relembrou o fracasso.
a gente resolveu fazer um longa-metragem. Uma decisão totalmente inconsequente. A única vantagem que tem o ‘Rocky e Hudson’ em relação aos outros filmes todos é que ele não tinha nenhuma pretensão de ser longametragem, nem de ser um grande filme. A gente só estava bebendo e se divertindo, fazendo filme”, ele contou.
Alma ao diabo
A brincadeira, no entanto, acabou rendendo mais. “Além de fazer um filme e ter a produção de um filme – ainda que absurdo – no currículo, ele acabou nos legitimando quando a gente foi fazer o ‘Woodstock’, que é o nosso terceiro filme”, afirmou.
A segunda experiência em longa, já como diretor, foi “Rocky e Hudson” (1994), os cowboys gays que vieram a reboque da época que ele começou a beber para esquecer a dificuldade de produzir, ele brincou. Mas entre muitos copos, conheceu muitos amigos. Companheiros de bar podem ser ótimos colegas de produção, que ninguém se engane. É caso do cartunista Adão Iturrusgarai, criador de “Aline e seus dois namorados”, que foi adaptada pela Rede Globo. “Foi ele quem criou esses personagens, Rocky e Hudson, em 88, ainda em Porto Alegre. Aí
Otto tem um apreço especial por “Rocky e Hudson”. “Na época, a minha mãe perguntava: ‘por que você não faz um filme infantil tipo pequeno pônei?’ e eu pensava ‘Pô, mãe. Imagine você ter de vender a alma ao diabo, sofrer para fazer um filme, no fim o
diabo não compra, e ainda é um filme do pequeno pônei?”, ele preferiu fazer como bem entendeu. Filmes de pôneis também não têm nenhuma garantia de compra. “Tem vários exemplos no Brasil de filmes bem intencionados que não vendem”, disse. “‘Rocky Hudson” também não vendeu, mas o filme surpreendeu gente bem longe. Quando saiu o filme “Brokeback montain”, nos EUA, a história repercutiu no Rio Grande do Sul. “Fomos surpreendidos quando nos ligaram da Economist, uma revista inglesa muito importante e muito respeitada no mundo. Os caras não acreditavam. ‘Vocês fizeram um filme com cowboys gays?’ É, mas a diferença que tem do ‘Brokeback mountain’ é que o Rocky e o Hudson assumem a história. Eles não só se amam, como o cavalo também participa”, Otto causou risadas. “Ao contrário do que a mãe pensava, é infalível você fazer alguma coisa pela qual está apaixonado. Se você ama e se acredita, então, já deu certo de antemão”, ele deu recado.
Cadê o roteiro que deveria estar aqui? “Woodstock”, o filme seguinte, foi um desdobramento de relações. Otto conheceu Angeli por causa do Adão, que virou, segundo ele, o quarto amigo do trio Angeli, Glauco e Laerte. “Talvez o erro do ‘Woodstock’ tenha sido a pretensão de fazer um filme sem que se soubesse como fazer. Um filme com roteiro, com produção, com tudo que um filme tem de ter”, explicou. Criar roteiro é para poucos. O trabalho roteiro é incomensurável, segundo ele. Não basta a concepção, a ideia. Em “Woodstock” esse aspecto pode ter sido subestimado. “É preciso construir a história, fazer com que a ideia flua e nada falte. É muito trabalhoso. É um trabalho mastodôntico, um trabalho de paciência, de muitas pessoas trabalhando. A gente subestimou isso. Eu não sabia, na verdade. Achei que era uma ideia genial e, como se tratava de Woodstock, infalível.
Eram dois velhos decadentes, não tinha como errar”, ele reconheceu o que considera uma boa piada que não deu certo. “Eles continuam fumando maconha até hoje, mas não é isso que funciona.” Um filme tem de ter um roteiro, Otto insistiu no ponto. “A gente está sofrendo agora, com o filme do Laerte. A gente está desde 2002 remando e brigando e fazendo versões e mais versões. E sofrendo. O Laerte não quer nem ouvir falar de pirata agora. Então a gente pegou um personagem dele, que é o Hugo, e aumentou a participação desse personagem na trama. O que também é uma encrenca. Eu arranjei vários inimigos com esses roteiristas”, ele realçou, com certo humor.
O que eles têm que a gente não têm? O Brasil tem sérios problemas com roteiristas para longa-metragem, Otto emendou: “A gente tem problema de roteiro e com os atores, o elenco que faz um filme. Em roteiro, a gente tem de aprender a fazer feijão com arroz. Nesse filme da ‘Sbórnia’, que está pronto agora, o Ennio (Torresan) chegou bem na hora. Vendo o animatic, vi como ele conduz a história de um jeito que parece mágica. É um cara que trabalha há 20 anos nos Estados Unidos, trabalhou em várias produtoras, é um cara que tem uma vasta experiência nos filmes da indústria americana.” O que os caras lá têm que a gente não tem? Otto questionou com a resposta pronta: “Eles têm 100 anos de tradição. Eles fazem e repetem, e os humanos aprendem fazendo. Então, a gente admitir que não sabe fazer é um passo importante. É a primeira coisa, na verdade. Talvez isso nos paralise. Eu só fiz os filmes porque, de fato, como falou o Paolo, eu não sabia que eu não sabia fazer, então eu fiz, inconsequentemente”, ele afirmou, sem qualquer reserva. Otto classificou “Até que a Sbórnia nos separe” como um filme tecnicamente muito bom, graças à tradição que o Rio Grande do Sul
mantém de bons ilustradores e quadrinistas. Quanto ao roteiro, no entanto, ele não é tão assertivo. “Eu tenho certeza que se ainda há problema no filme é o roteiro. Como eu tenho certeza também que no próximo filme, que é o filme do Laerte, será a mesma coisa. O nosso ponto fraco é o roteiro e não sei como resolver isso. Não tem uma saída óbvia ou infalível. A gente vai começar a fazer outro filme ainda com essa inconsequência, com essa coisa do ‘seja o que Deus quiser’. É nesse sentido que eu falo que essa parada de fazer um filme é uma porralouquice, um grande risco”, afirmou. No fim das contas, o filme livremente inspirado em “Tangos e Tragédias” foi exibido com destaque no Festival de Gramado de 2013. À “Até que a Sbórnia nos separe” no telão do Anima Forum. Otto exibiu um trecho de três minutos, com música de André Abujamra.
Os autores são bons O que foi dito sobre roteiros e atores não se aplica aos autores, Otto fez questão de enfatizar. “O filme do Alê é um filme autoral, então a preocupação dele tem a ver com estética, poesia, etc., O trabalho do Paolo, o ‘Minhocas’, eu acredito que tenha mais a ver com esse trabalho, que é um filme que pretende ser cinemão, ser consumido por um grande público, o que é uma coisa bem difícil. Vocês viram recentemente, por exemplo, ‘Meu malvado favorito 1’, em relação ao ‘Meu malvado favorito 2’. O primeiro é um filme feito com paixão, tudo funciona. O segundo já tem um problema, é mais comercial, é um filme para vender, mesmo”, disse ele, avaliando em seguida o próprio filme: “Acredito que ‘Sbórnia’ tenha um apelo de público. É uma peça de teatro que está em cartaz há 29 anos. Espero que o filme tenha uma boa bilheteria e que entre dinheiro.” As produções estão acontecendo, mas o Brasil está em uma encruzilhada. E das grandes, segundo Otto, quando o assunto é longametragem.
“É uma coisa híbrida. O cinema no Brasil ainda tem o esquema de grana subsidiada, mas tem outro esquema que é o dinheiro do mercado. Então, o mercado de cinema de animação ou de cinema é uma indústria. Existem algumas empresas no Brasil que estão investindo em produtoras. Investir é arriscar junto, comprar 40%, 50%. Já nos procuraram, lá em Porto Alegre, para investir uma grana para transformar a produtora em uma produtora comercial, que venda filmes”, contou ele, que está produzindo séries. A primeira delas, ‘Boa noite, Marta’, tem 22 episódios. Há mais longas-metragens no cronograma de Otto. “Estamos coproduzindo com a Espanha um filme chamado ‘Bruxarias’. E os espanhóis estão com sérias dificuldades de grana. É um momento muito interessante, muito bom no Brasil, e a gente tá tentando levar adiante. Eu tenho uma produtora associada, a Marta Machado. Eu falo do roteiro, que é um trabalho grande, mas o trabalho de produção, de viabilizar a produção, de pagar todo mundo no final do mês, é talvez tão complexo quanto o roteiro. Talvez um pouco mais óbvio”, disse, antes de exibir o animatic de Ennio Torresan para a plateia.
Conversa com a plateia Cesar Coelho aproveitou o privilégio da moderação para fazer a primeira pergunta. Já que estava segurando o microfone, ele brincou, adiantaria: Elejam duas fases do processo de fazer um longa-metragem: Qual foi a mais difícil, a mais dolorida; e qual foi a fase do projeto em que vocês tiveram certeza que vocês tinham um filme que ia dar certo? Otto Guerra – Eu tenho certeza que não deu certo (risos). A não ser o fato de fazer o “Rocky e Hudson”. Hoje em dia, 20 e poucos anos depois, eu tenho mais tranquilidade em ver esse filme do que o “Woodstock”, por exemplo. Eu sofro muito vendo o “Woodstock”. Mas com “Rocky e Hudson” eu não sofro
porque não tinha pretensão nenhuma quando fiz o filme. Então, se tu baixares a expectativa, eu acho que tu sofres menos. Sobre a parte mais difícil que eu achei do processo? O filme “Sbórnia” foi o mais difícil. Eu convenci a Marta (Machado), a produtora, de que valia a pena fazer o filme com uma técnica que levaria, ao invés de dois, seis anos. Eles (os animadores) falaram: ‘Se o dinheiro acabar, a gente faz o filme, a gente termina o filme pra ti’, e a Marta falou: ‘Pô, cara, se o teu dinheiro acabar, eles não vão trabalhar assim, sem comer, não tem como!’ E, de fato, o dinheiro acabou. Daí eu tive de pegar um empréstimo, vender coisas e tal, para terminar o filme. Então, no fim, essa coisa é importante: a paixão, estar envolvido emocionalmente com a história. A Marta mesma abriu mão de todos os princípios dela. No Rio Grande do Sul, por exemplo, que teve um momento nos anos 80 que o cinema era uma coisa fulgurante, a maior expressão do estado, o cinema naufragou porque virou uma coisa burocrática. A gente deixou de lado a questão que envolve o amor, a paixão. O filme do Alê, por exemplo, é só amor, é só paixão pela história, e isso é uma coisa que não é mensurável. É uma coisa autoral, muito mais emocional que qualquer outra coisa, né. No ‘Sbórnia’, houve a junção das duas coisas: a Marta dizendo ‘Pô, cara, não vai ter dinheiro’, e eu vendo a imagem fantástica. O Ennio (Torresan) só entrou no filme porque ele viu as imagens dos animadores, dos meninos lá de Porto Alegre. Ele entrou na história, gentilmente recebendo muito menos em relação ao que ele recebe lá nos Estados Unidos, e fez um trabalho que eu acho que justifica todo o sofrimento da Marta, que foi juntar a falta de dinheiro com excesso de técnica. Alê Abreu – O mais gostoso de lembrar é o início, quando o filme estava surgindo e eu estava absolutamente sozinho, criando desenhos com softboards; o início do Animatic, quando ainda era praticamente um trabalho de ilustração e as primeiras ideias do filme estavam surgindo. O trabalho todo de pesquisa que eu contei é o mais gostoso. Mas na medida em que vai entrando o processo de
produção pra valer, e nessa hora você tem de arrumar dinheiro, montar a equipe e ter um produtor, essa é a parte mais desanimadora. O ateliê que tenho em cima da minha casa virou uma produtora, e aí tem equipe para coordenar, e é uma equipe pequena, a gente tem de fazer de tudo, o cara que faz a câmera também chuta e cabeceia. É uma loucura. Era uma média de 12 pessoas ali diariamente. Tinha uma população flutuante também que de vez em quando aparecia para mostrar trabalho. Essa fase de produção toda foi sofrida. A lembrança que eu tenho é essa, que estou tentando esquecer, na verdade (risos). Estou nesse processo, e você, Paolo? Paolo Conti – A minha experiência é sem duvida menor do que a de vocês. A única coisa que existe é a incerteza. Não existe certeza alguma. Mas a parte mais difícil, como diretor, era dizer não para o artista naquela situação crítica. Na hora em que você está no set, o cara está cansado, já é o terceiro ano do projeto, o dinheiro está acabando e o animador faz a cena e você diz ‘repete’. O não de um diretor derruba o trabalho de 50, 60 pessoas que estão ali embaixo trabalhando. O grupo está lá, o cara espera aprovação, você não aprova nada, aí todo mundo fica louco. O produtor fica louco e você pensa ‘caramba, será que devo desistir disso? Será que o sonho é grande demais, a gente não tem capacidade de levar adiante?’ E aí, eu ia para casa dormir e falava para mim mesmo ‘não, tenho de ir até o final, nem que eu tenha que vender a casa, a gente vai acabar isso da melhor forma possível’. A grande dificuldade acaba virando o elemento que te faz seguir adiante e concluir o projeto. É tanto tempo, são cinco, seis anos de trabalho. E, no mesmo tempo que você pensa que não vai conseguir concluir, você diz pensa ‘NÃO! São cinco anos de projeto, eu tenho que dizer não!’ Para mim, essa é a pior parte. Em contrapartida, a melhor parte era quando você dizia ‘sim’, depois de muitos ‘nãos’ e as pessoas falavam: ‘Pô, ele tinha razão’. Essa hora era muito gratificante. Quanto tempo levou cada filme, quantas pessoas envolvidas e de onde veio a
grana. Quem pagou a conta? Otto Guerra – Na época de “Rocky e Hudson”, eu fazia publicidade, entre 91 92, daí a gente trabalhava no fim de semana. O dinheiro da publicidade que pagou esse primeiro filme, que demorou três anos. “Woodstock” teve R$ 1 milhão de incentivo fiscal e foi feito em seis anos. “Sbórnia” foram oito anos com R$ 4 milhões. Mas, na real, ele deveria ter custado R$ 20 milhões. Eram 40 pessoas trabalhando. Em qualquer lugar do mundo produzir um longa-metragem vai ser a mesma coisa. Será muita grana e muito tempo. Por isso tem de caprichar muito na ideia, no roteiro, para não desperdiçar tempo. Alê Abreu – “O Menino e o mundo” levou três anos para ser realizado, sem contar aquela parte inicial. Custou R$ 1,5 milhão. O dinheiro veio do BNDES, da Petrobras, da Secretaria Estadual de Cultura e do Fundo Setorial. Tínhamos em torno de 25 pessoas no estúdio, entre assistentes de animação, equipe de produção, etc. a equipe total foi de 100 pessoas, incluindo músicos. Paolo Conti – A pré-produção de “Minhocas” começou em 2007 e o filme foi concluído no final de 2012. Foram seis anos no total. No auge da produção, a gente tinha em torno de 80 pessoas trabalhando dentro do estúdio em atividades relacionadas a produção de boneco, animação, cenografia, ao trabalho de estúdio mesmo. Depois que a primeira turma foi embora, vieram mais umas 30 pessoas para fazer pós-produção. Então, se a gente somar a equipe toda de produção e pós, dá em torno de 110 pessoas, mais equipe de músicos e do pessoal que estava em volta e que não está incluído em produção executiva. “Minhocas” é ambicioso de várias formas, inclusive no orçamento. O filme teve um orçamento de R$ 10 milhões aprovado na Ancine, mais uma coprodução com o Canadá, que daria $ 1 milhão de dólares canadenses. Nós captamos cerca de R$ 8 milhões em incentivos, através de todas as leis disponíveis. A Fox entrou com dinheiro alto, assim como C&A, Goodyear, Porto Seguro e Petrobrás, que são grandes
patrocinadores. A gente levantou o dinheiro e, na hora H, os canadenses não apareceram. Ficamos sem a pós-produção e isso foi uma das causas do atraso do filme. Foi um ano e meio praticamente parados, esperando os recursos, tentando resolver esse problema. Tínhamos de encontrar uma forma de suprir a lacuna deixada pelos canadenses porque não havia mais capacidade de captação de recursos no Brasil. A única saída era aparecer algum parceiro que entrasse com o trabalho, ou algum investidor que entrasse com o dinheiro. A situação ficou bem complicada. Mas aí a própria Animaking entrou com R$ 1,2 milhão de recursos próprios. Esse dinheiro foi aplicado em trilha sonora, pós-produção, etc. Então, quando chegou nesse ponto em que o filme estava num processo crítico, eu fiz um empréstimo. Parte do dinheiro a gente colocou, parte a gente emprestou e a publicidade nos ajudou a pagar os empréstimos. É a vida, né. Se você quer fazer omelete tem de quebrar os ovos, não tem outro jeito. O processo todo é muito válido, não só do ponto de vista de execução, mas de aprendizado. A cada longa você aprende uma lição fatal. Otto, eu queria que tu falasses sobre escolha de técnicas e tecnologias, que são bem diferenciadas na produção das imagens nos seus três longas-metragens. Otto Guerra – Nesses 40 anos, mudou tudo, na verdade. Como eu fiz publicidade, fiz 600 filmes. Então, desde cedo, a gente fazia stop motion. Não muito, mas nós conhecíamos o princípio das coisas e preferimos fazer o 2D tradicional na produtora. Daí a gente fez um curta em 3D. Nós pensamos em fazer o “Sbórnia” em stop motion, o que seria uma loucura. Seria terrível, ainda bem que a gente preferiu fazer em 2D. Mas agora a gente está em plena campanha lá em Porto Alegre. A gente fez uma série toda em 3D e estou apaixonado. Tem uma dificuldade no começo, de fazer os personagens todos, mas depois é muito rápido, mais prático e mais barato também. O fato de ter o objeto em si, de olhar o próprio filme na mão e não essa coisa de
olhar no computador e dar play, que é frio. Não é tão emocionante, digamos. Mas, no fim das contas, o computador é apenas uma caneta eletrônica, o que interessa é o que está por trás. O computador agregou tudo, desde a câmera, a tinta, a moviola – que pesava uma tonelada –, a câmera e o gestor de som. Isso é bom. O fato de estar tudo em um equipamento único democratizou a produção. Eu considero essa evolução da tecnologia muito bem-vinda. Levei dez anos para me adaptar, mas dou graças à Deus. Hoje, eu prefiro meus trabalhos no computador. O filme “História de amor e fúria”, lançado ano passado, não rodou no cinema nacional, ficou restrito a alguns estados. Os filmes de vocês vão estar em todo o Brasil? Vocês pensam em produzir brinquedos, DVD? Eu baixei “Woodstock” da internet. Preferia comprar, mas, fazer o quê?! Paolo Conti – “História de amor e fúria” entrou em circuito, sim, eu mesmo assisti ao filme
no cinema. Eu não sei quanto de bilheteria o filme fez, mas é uma loucura você chegar com um projeto assim. Eu senti isso quando lancei “O garoto cósmico”. Eu não tinha experiência e não sabia o que era distribuir um filme, mal estava aprendendo a realizar um longametragem. O mercado de cinema é quase como uma bolsa de apostas, uma bolsa de negócios. É uma coisa horrível lidar com os caras que estão, basicamente, preocupados com o lucro máximo que eles podem obter. São os distribuidores, e funciona assim. Como exceção, eu diria, a Espaço Filme está fazendo um bom trabalho com “O menino e o mundo”. Anteriormente, no entanto, a experiência que eu tive foi aquela em que o próprio sistema diz que se seu filme não atinge uma média numa sala, ele cai na semana seguinte. Então, se tem uma média de pessoas querendo assistir ao seu filme e você as coloca em diversas salas, você corre o risco de não atingir a média e cair na semana seguinte. Por outro lado, se você coloca em uma única sala, pode ficar um ano em cartaz. E essa é a estratégia, esse é o jogo que os distribuidores procuram fazer.
Tem uma série de contas que eles fazem que eu não faço nem ideia do que sejam. O Ennio (Torresan) contou uma curiosidade sobre o “Turbo”: no primeiro fim de semana, eles já sabem quanto o filme vai fazer. Eles partem de um gráfico e, conforme esse resultado, o pessoal fica numa super expectativa. Eles estavam esperando $ 40 milhões nos Estados Unidos e só fizeram $ 15 milhões. O resultado deixou todo mundo no estúdio triste. É uma loucura pensar em distribuição, assim como imaginar que as pessoas ficaram tristes com $ 15 milhões. “O garoto cósmico” abriu com 10 mil espectadores no primeiro final de semana e o meu distribuidor me telefonou e disse ‘Alê, infelizmente não deu’. Quer dizer, não deu o caramba! Eu vou continuar. Foi uma mega guerrilha. A gente foi desenhar no Cinemark, e muita gente compareceu. Muitas pessoas querendo autógrafos, mas que em seguida entravam para ver o filme dos esquilos e ninguém entrava para o outro lado, que era o nosso lado, o nosso filme. Por fim, a gente conseguiu fazer 120 mil expectadores. E, incrivelmente, isso significa a oitava bilheteria do ano no Brasil. O cenário é desesperador. Cerca de 30% dos filmes brasileiros sequer chegam às salas de cinema. Qual a formação de vocês? Otto Guerra – Eu fui autodidata até os 60 anos (risos). Fiz arquitetura por um tempo. Na época, não tinha cinema, só havia comunicação. Eu fiz publicidade um semestre, depois eu vi que eu não sabia contar história, achei que seria legal fazer filosofia. Fiz dois anos de filosofia. Recentemente me convidaram para dar aula e, como eu não tinha curso, fiz um curso chamado multimídia digital (risos). Mas minha formação é autodidata. Acho importante ler. A literatura é um negócio que te abre a percepção. Literatura, filosofia, não precisa formação acadêmica. O álcool, sobretudo é uma boa escola (mais risos). Alê Abreu – Sou formado em comunicação social e acredito, como o Otto, que a formação não termina ali. Tudo que a gente absorve, a
gente vai colocando no liquidificador. E é isso que faz a gente se conhecer e, dessa mistura toda, encontrar o nosso caminho. Eu vivi muito tempo angustiado, mas fui aprendendo que essas coisas todas preenchem um espaço muito grande de um buraco que você vai escavando. E quanto maior esse espaço aqui, mais fundo você consegue ir. Paolo Conti – Minha formação é mais ligada às áreas da engenharia e, como o Otto, todo o resto de cinema e animação é autodidata, veio de gostar de desenhar, de procurar e de fazer. Não existia formação para esse tipo de atividade. Hoje em dia é bastante comum, mas na época que a gente começou, a única maneira de aprender era você ser rato de estúdio. Você tinha que se empregar lá para fazer qualquer coisa, ficar do lado de um desenhista e aprender, porque não existia nem computador. Você aprendia a desenhar à mão e tal. Eu comecei no 2D e bastante tempo depois que eu fui cair no quadro a quadro. Vocês já pensaram em começar a organizar uma distribuição de guerrilha, uma forma nova de distribuição dos filmes brasileiros? Pela forma tradicional vai demorar muito tempo, né? Paolo Conti – Eu penso nisso o tempo inteiro. Eu acho que em “Minhocas”, o primeiro desafio que a gente tinha de vencer era produzir stop motion de alto nível com o custo lá embaixo. A única maneira de a gente conseguir isso era colocar a tecnologia para dentro. Então, o que é que eu fiz? Fui para Florianópolis, para ficar dentro de um polo tecnológico. E, lá dentro, eles me ajudaram a desenvolver uma série de coisas. Por exemplo, o equipamento de motion control, que é o robô que faz movimento de câmera e custa 600 mil libras para você trazer da Inglaterra, fora o custo da importação. Além disso, que já foi um feito inédito, nós desenvolvemos uma série de outras coisas: cabeças remotas, prototipagem industrial e tal. Simultaneamente, a gente começou a trabalhar na parte de divulgação de filmes. Eu não sei se vocês viram lá no final, mas tem uma mesa ali, uma mesa multitoque.
Você pode tocar ali e ter um autosserviço de conteúdo. Isso a gente desenvolveu lá em Florianópolis também, enquanto a gente produzia o filme. Isso porque a gente sabia que, quando chegasse aqui, a gente ia sofrer esse tipo de pressão. Então, qual era a ideia? Espalhar esse tipo de mesa. Não precisa ser exatamente isso, poderia ser qualquer coisa, mas é um self service de conteúdo nacional no qual nós, brasileiros, possamos tomar contato com conteúdos que não estão acessíveis. Se vocês não vêm aqui hoje para assistir ao trailer do Otto ou ao trailer do Alê ou ao de “Minhocas”, vocês não iriam ver. Eu não vi o trailer de “Uma história de amor e fúria” no cinema. Por que afinal eu não vi? Então, a ideia era construir uma alternativa na qual a gente pudesse ver as coisas e tomar a decisão sobre o que se quer ver. E falar assim ‘Pô, eu quero ver esse filme’. E depois chegar lá no Cinemark ou nas grandes redes e falar ‘Cadê a sessão de “Uma história de amor e fúria?” Ah, não tem. E aí o que acontece? Na medida em que as pessoas fazem isso, o pessoal vai para as redes e reverbera: ‘Olha, as pessoas estão pedindo para assistir a tal filme e tal filme não está em cartaz’. Porque, na real, nós construímos o sistema. A sala de cinema quer colocar em cartaz o filme que vai fazer bilheteria. Ela precisa vender o bilhete, porque ela tem as contas para pagar, precisa pagar equipe, enfim, ela precisa fazer dinheiro. Na medida em que ela acredita que determinados filmes brasileiros vão fazer bilheteria, ela vai deixar lá e vai passar. É lógico, não existe um demérito para nenhum filme. É que, da maneira como se construiu o sistema, as distribuidoras garantem determinados tipos de volume de publico nas salas de cinema. Então, eles chegam aos eventos e falam ‘Olha o Turbo vai fazer X milhões de espectadores, você tem que me garantir as 600 salas num período de setembro a outubro’. E aí o que acontece? Quando não faz, todo mundo fica triste e sai da sala de cinema. Só que as distribuidoras fazem um esquema. São tentativas. A gente não pode ter medo de errar. Da mesma maneira que eu
fiz “Minhocas” aqui, eu fiz também as mesas interativas. O que a gente precisa fazer são mais iniciativas para a gente poder divulgar os nossos filmes. A minha vontade é ter uma mesa como essa em parceria com uma rede de cinema, dentro dos ambientes das salas de cinema. Para ver o trailer, você paga o bilhete. Para você ver o conteúdo ali, você não paga nada. E a gente pode fazer melhor. A gente pode dar entrevista, os diretores falando, a equipe falando, você pode também gravar um comentário porque ali tem uma câmera. Depois de assistir a um filme, você chega ali, aperta e grava o seu depoimento. ‘Ó, assisti a tal filme’. Isso vai para um blog, isso vai para o facebook, sei lá! E isso é que vai fazer a venda dos bilhetes, é isso que vai ajudar, eu acho. É a minha crença. Não estou vendendo absolutamente nada, mas eu acho assim. A gente não pode desprezar essa força. Otto Guerra – Eu fui ver o filme “Histórias de amor e fúria” em Porto Alegre. Na entrada do cinema, o bilheteiro falou assim: ‘Tá, mas é um filme brasileiro e adulto, desenho animado’. Tipo, me advertindo! (Risos) A verdade é que a gente não pode lutar contra os nossos preconceitos ou conceitos. A Marta Machado e eu montamos uma distribuidora, nós somos sócios na Lotado Filmes, esse é o nome (risos). Então a gente vai distribuir “Bruxarias”, o filme espanhol, e também o “Sbórnia”. A gente vai distribuir, eu espero que sim, 1000 filmes por ano. Paolo Conti – Vocês que vão distribuir mesmo ou está na mão de alguma distribuidora? Otto Guerra – A Lotado Filmes vai distribuir. Para distribuir o filme, o que tem de acontecer? Fazer o filme é uma coisa. A outra coisa é a comercialização, uma segunda etapa que não tem nada a ver com a primeira. A gente não pode ser romântico diante disso, mas é uma injustiça se o próprio bilheteiro está dizendo que o filme brasileiro é uma roubada (risos). As coisas não estão bem, né? O que é que tem de acontecer? Tem de mudar essa mentalidade. A gente tem de fazer grandes filmes, o que vai demorar ainda. Tomara que eu consiga estar vivo ainda
quando o cinema brasileiro voltar a ser uma indústria, porque eu não tenho nada contra ter uma indústria. Pelo contrário, eu sou a favor da indústria. Sou a favor da Rede Globo, por exemplo. Com tudo que dizem contra a Rede Globo, é importante, porque ela é uma indústria de entretenimento. Sou a favor da indústria de Hollywood, da Índia, da Nigéria, que também tem uma grande indústria de cinema. E o quê que a gente tem de fazer pra distribuir um filme? A gente tem que ter dinheiro pra mídia. Não tem mágica. Você vai ter que investir alguns milhões de reais para divulgar. É simples assim. E aqui no Brasil há formas de financiamento em que você coloca o seu filme para ganhar uma grana para lançamento. Eu fui com a Marta agora defender o lançamento do Desfilme para conseguir dinheiro lá em São Paulo. Os caras poderiam dar R$ 1 milhão só pra fazer a mídia, cópia, cartaz. Ela lançou um livro chamado “Tudo que você precisa saber sobre distribuição no Brasil e não tem para quem perguntar”, porque ela lançou o “Woodstock” em Porto Alegre, e teve um trabalhão imenso. O que é a distribuição? É trabalho também. Aquilo que eu falei do roteiro lá no início. É a mesma coisa: distribuição é um trabalho. É uma grana absurda. Não é uma brincadeira romântica a indústria do cinema. É uma grande guerra. A França é um país que tem 40% da produção do público para filme francês. Mas é uma exceção. Quase 50% do público francês assiste a filme francês. Na Espanha, são 30%, na Alemanha, eu acho que são 30%. O Brasil está em 10%. Então, tem de investir grana, tem de montar a distribuidora ou tem que lançar lá fora. Tem estratégias de lançamento. Eu não fico dizendo ‘Ah, coitado de mim, que trabalhei no “Woodstock” e não peguei em dinheiro’. Eu achei muito boa a distribuição do “Woodstock”. Se “Sbórnia” fizer 200 mil espectadores, e essa é uma expectativa realista da Lotado Filmes, será ótimo. Se não fizer, vai mudar o nome para “Às moscas” (risos). E 200 mil espectadores pagam o preço do filme. Um filme tem que, pelo menos, recuperar o dinheiro que foi investido. E isso
também é trabalho. Vocês vão ver. Daqui a alguns anos, eu volto aqui como um grande distribuidor. (Risos) “Ainda bem que vocês encararam esses sofrimentos todos até agora. Eu também acho que esses filmes vão fazer história. Eu estou muito orgulhoso do resultado que a gente viu aqui hoje”, Cesar Coelho encerrou a mesa.
9 de Agosto
sexta-feira
Masterclass III – Desenhando o Futuro – Andrew Probert
Andrew Probert é um artista conceitual criador de designs que já se tornaram clássicos do cinema, como o DeLorean, de “De Volta para o Futuro” e a espaçonave Enterprise de “Jornada nas Estrelas – O Filme”. Uma abordagem do design conceitual e de sua importância na produção cinematográfica.
A terceira masterclass do Anima Forum foi uma viagem. De ida e volta. À bordo das naves de Andrew Probert, a plateia do Anima Forum conferiu, em detalhes, os preciosismos do bemhumorado criador de desenhos conceituais que povoam o imaginário de algumas gerações. A apresentação começou com um simpático “Oi, tudo bem?”, seguido de um pedido de desculpas sincero por falar em inglês. Não importava, a plateia queria ouvir.
“Muitos de vocês não sabem quem eu sou. Sou um cara velho, que teve sorte o suficiente para se envolver com programas de TV e filmes clássicos. E teve sorte o suficiente para ter feito o projeto de boa parte dos equipamentos que vocês conhecem, toda a história antes e depois de Star Wars. Por que estou aqui? Bom, estou trabalhando em um projeto chamado ‘The Adventures of Fujiwara Manchester’, uma série de TV que será muito divertida”, ele mostrou, já, um pequeno teaser da série. Entre palmas, ele explicou: “Bom, esses são meus sketches, como parte dos trabalhos de pré-produção. Fujiwara tem dois amigos que estão nessa nave espacial com ele e eles esbarram com vilões para combater, têm algumas aventuras. Talvez ano que vem já esteja passando na televisão.” Andrew Probert faz conceptual design. E como isso se aplica à animação? Ele tratou de explicar: “Obviamente, a animação vai contar uma história, e a história se passará em um cenário. E você vai precisar saber como esse cenário vai aparecer. Se você tem a habilidade, como animador, de criar seu próprio cenário, isso é ótimo. Se você conhece alguém, ou gostaria de contratar alguém para projetar seus cenários, isso é ainda melhor.”
Entre naves Andrew Probert, não se surpreenda, desenha naves espaciais desde os seis anos de idade. Na juventude, estudou arte para ser um industrial designer no Art Center College of Design, em Pasadena, Califórnia. Uma escola largamente conhecida em estúdios de design pelo mundo. E por que ele queria ser um designer industrial? “Bom, quando eu era bem pequeno, costumava desenhar naves espaciais. Seis anos de idade, naves espaciais. Catorze, naves espaciais. Dezesseis, dezessete, naves. Meu padrasto disse: ‘você tem de fazer outras coisas, porque você nunca vai ganhar dinheiro só desenhando naves espaciais’ (risos da
plateia). Isso tinha alguma lógica, então resolvi começar a estudar design industrial. Enquanto eu estava estudando, duas coisas surgiram. Uma foi quando em uma das minhas aulas de ilustração, eu desenhei uma nave espacial. Alguém na universidade viu e disse ‘sabe, a A&M Records, em Hollywood, está procurando por uma nave espacial para a capa de um de seus álbuns, do Carpenters’. Karen e seu irmão estavam produzindo uma música e queriam uma nave espacial para a capa. Levei até lá e eles usaram. Foi bem legal. Também na faculdade, descobri que a revista “Cinefantastique” estava fazendo um artigo completo sobre “20.000 léguas submarinas”. Levei outra pintura minha, não uma nave, e eles disseram que gostariam de usar como capa. E usaram. Então, faculdade é o máximo.”
Encontro com Ralph McQuarrie A faculdade que era o máximo ficava distante de onde Andrew morava. E, durante um dos últimos semestres, o carro da família quebrou e ele precisava encontrar um trabalho para bancar o conserto. “Naquela época – e agora vocês vão ver o quão velho eu sou - lançaram o filme “Star Wars”. E eu adorei a arte que mostravam, junto a alguns artigos sobre Star Wars, estava um artista chamado Ralph McQuarrie. E um dos artigos dizia que Ralph morava em Los Angeles. Procurei o nome dele na lista telefônica e estava lá. Enquanto eu discava, pensei ‘eu vou soar muito idiota se disser posso chegar aí e conhecê-lo?’. O temor não durou muito. McQuarrie atendeu o telefone e Andrew avançou: “Eu disse ‘olá, estou procurando pelo Ralph McQuarrie’ e ele ‘sim, sou eu’. ‘Olá, sou Andrew Probert’ e gostaria de entrevistar você para o jornal da minha faculdade’ e ele disse ‘claro, pode vir’. Então fui, nos conhecemos, conversamos, mostrei a ele meu trabalho, disse que meu carro havia quebrado e eu precisava trabalhar. Ele, então, disse que estava trabalhando em dois projetos. Um era ‘Buck Rogers’, para televisão, e o outro era uma série chamada ‘Star World’. E eu descobri que ‘Star World’ estava sendo produzida pelas mesmas
pessoas que haviam produzido ‘Star Wars’ – John Dykstra e sua equipe”, Andrew contou, em um fôlego só. Já que gostava do trabalho de Dykstra, pensou que se trabalhasse por lá aprenderia alguma coisa. Ok, avisou que gostaria de trabalhar em “Star World”: “A primeira coisa que queriam que eu desenhasse eram capacetes. Mais tarde, eles queriam que eu desenhasse o traje completo – os capacetes eram para robôs. Mais tarde ainda, mudaram o nome de ‘Star World’ para ‘Battlestar Galactica’ e os trajes eram para o cylons. Eu tive a chance de desenhar o traje original dos cylons”, ele seguiu com a exibição de vídeos. Não queria correr o risco de ver a plateia cair no sono. (O que não aconteceria em nenhum momento).
Ideias originais Andrew exibiu fotos suas, com a esposa, da Cinefantastique 2000, da produção da maquete da nave, do projeto do cylon, sketches e estudos para o cylon. “A ideia original dos cylons é que eles seriam criaturas cegas e que precisariam de scanners para se mover – então me veio a ideia de que eles poderiam ser influenciados pelos gregos. Ter um capacete grego. Talvez tivessem chegado à terra como antigos astronautas. Então, com um capacete que gostaram, continuei com o traje. Enquanto isso, comecei a trabalhar no conceito dos coloniais, com o que eles se pareceriam. Se os gregos tiverem influenciados os cylons, então talvez os egípcios tivessem influenciado os coloniais. Mas não tive tempo de trabalhar em ambos os designs, então Joe Johnson, um artista conceitual incrível, ficou com os trajes dos coloniais enquanto eu continuava com os cylons”, ele contou. Andrew estava tentando criar uma continuidade. “Quando você está projetando para seus filmes - e há caras bons e caras maus - a audiência tem bem pouco tempo
para identificar isso. Meu trabalho é deixar isso claro”, explicou. Mais desenhos no telão, ele mostrou a escultura do modelo 3D após aprovação. Construído à mão, bem antes dos computadores, ele enfatizou. “Eu nunca tirei uma foto do capacete finalizado, mas tenho uma foto de cada parte. Se vocês cruzarem os olhos, isso é 3D.” (risos) “Isso é uma coisa que muitos de vocês podem não reconhecer. Isso é chamado de ‘filme’. São várias fotos juntas e... mexe! Veem como é legal essa nave? Eu pude projetar isso! Foi meio como ‘eles estão filmando o meu modelo! Yay!”, ele fazia as exibições do telão, com orgulho latente e bom humor, explicava cada imagem e o processo: “A nave é pintada no vidro e é colocada em frente à câmera, para que a câmera filme através do vidro e pegue o fundo, para parecer que está tudo em uma imagem só.”
“Star Trek” Depois de “Battlestar Galactica”, Andrew voltou à faculdade. Tudo estava bem, a vida seguia, veio um telefonema. Era Ralph McQuarrie do outro lado da linha: “Olá, Andy? Aqui é o Ralph McQuarrie. Gostaria de saber se você pode me dar uma ajuda” – “não, não tenho tempo...” Probert brincou, entre risos - “Eu estou trabalhando nesse filme do Star Trek” e eu fiquei “o quê!?”. Andrew era aficionado por “Star Trek” desde que saiu. A conversa avançou entre o espanto e a vontade de pegar a primeira nave rumo ao estúdio. “É, estou fazendo o design dele e George (Lucas) quer que eu vá para o norte da Califórnia para projetar o novo Star Wars e eu não vou poder fazer o Star Trek. Você estaria interessado em fazê-lo?” – não, não tenho tempo”, ele brincou novamente. Andrew levou seu trabalho para Robert Abel e sua equipe. “Robert Abel foi bastante mal falado por conta desse filme. Eu não acho que tenha sido merecido, mas naquela época tudo era muito positivo porque ele era um premiado
produtor de comerciais. Produziu efeitos especiais para a televisão que foram além de qualquer coisa feita por qualquer outro – e eu pensei ‘bom, se ele consegue fazer comerciais tão bem, tendo orçamento e tempo para um longa, o resultado vai ser fantástico’. Então mostrei meu trabalho e fui contratado. Trabalhei sob a direção de arte do Richard Taylor – também muito premiado”, contou. A primeira tarefa de Andrew foi desenhar toda a estrutura da Terra. Claro, posso fazer isso, era resposta recorrente. E os pedidos eram muitos. Com as imagens no telão, Andrew explicou o que fez: “Eles quiseram que eu fizesse o dry dock e space office complex”, ele mostrou os sketches iniciais dos dois projetos, as ideias do dock e do space office que não foram para o projeto final. “Em uma das ideias, o dry dock abriria descendo um dos lados. Jim Ratterbury viu esse desenho com um só motor e disse ‘Nós não usamos motor único. Trabalhamos apenas com pares’. Tudo o que desenhei para ‘Star Trek’ tem motores em pares por conta do que ele disse”, revelou. Na sequência, ele explicou os conceitos para nave de uma pessoa, exibiu diagramas de como as estações funcionariam e como entrar e sair da Enterprise sem usar o travel port. “Cruzem os olhos, é 3D!”, ele brincava.
“Back to the future” Alguém aqui já ouviu falar? “Me pediram que desenhasse story boards para o filme, mas também gosto de desenhar coisas. Então, perguntei: quem vai desenhar o carro? Eles disseram que Ron Cobb. E eu disse: “Oh, droga, ok, vou fazer os story boards”. Fui então começar os story boards. Mas Ron Cobb ainda não tinha aparecido na produção. Então, enquanto estava desenhando os story boards, também me divertia imaginado como seria o carro, enquanto Ron não aparecia. Até que um dia ele apareceu, desenhou um lindo carro e foi embora, porque tinha outros trabalhos para fazer”, foi assim o começo. Os produtores gostaram do design, mas queriam mais e Ron não estava lá. Quem
poderia salvá-los? “Eles viram os meus desenhos e me pediram para terminar o carro, porque ainda precisava de ajustes. Então, eu pude criar o design final do carro. Fiz os story boards, o carro e mais algumas coisas”, Andrew mostrou mais um vídeo, que incluía imagens da Amblight Productions, de Steve Spielberg. “Uma das coisas que me pediram para desenhar foram cartas e outros materiais de escritório. Depois as agências de publicidade modificaram, para algo que eu acho melhor, mas ainda assim baseados nos meus rascunhos”, ele exibiu alguns dos primeiros rascunhos que fez, por pura diversão. E mesmo no final, quando ele voa, é o carro do Ron, Andrew mostrou o desenho que Ron fez: “Tem essas bobinas chatas, o motor atômico e um exaustor. E o produtor disse: ‘quero algo diferente’. A minha primeira tentativa tinha os capacitores, que recebiam energia diretamente do motor. Coloquei duas pequenas aberturas de ar do lado, mas os produtores queriam aberturas de ar bem grandes. Eu adicionei uma antena de radar, que eles não quiseram”, contou. Andrew seguiu refinando aos poucos o desenho feito por Ron. Para o interior, que considerou confuso e com botões que não se conseguiria alcançar de maneira lógica, fez uma versão que tinha o flux capacitor (capacitor de fluxo) no teto. “Mas os produtores queriam entre os bancos. Acabaram usando mais as ideias do Ron, porque acharam o meu interior estiloso demais. Isso é algo que vocês têm que pensar quando estão fazendo seus filmes. Se um personagem tem que construir a sua própria máquina, você tem que pensar como esse personagem faria. Ele teria um desenho bonito e perfeito? Ou construiria usando uma chave de fenda e um martelo? Como aquela pessoa construiria alguma coisa? E o pensamento deles era que o professor Brown jamais desenharia algo maravilhoso e perfeito. Como eu faço. Ele construiria tudo com chaves de fenda, martelos, engrenagens, como Ron Cobb entregou, e eu não”, reconheceu.
É preciso fazer as coisas parecerem como se pudessem realmente terem sido desenhadas pelos personagens. Andrew exibiu alguns story boards: Marty voltando ao passado, o carro entra no celeiro, algumas galinhas. Algumas coisas mudaram desde os originais. “Tem um buraco no teto, e quando a família de fazendeiros vai checar o que está acontecendo, eles acham que o carro caiu por ali e é uma nave espacial. E o desenho do carro escondido no feno, com as rodas escondidas, ressalta a ideia de uma nave espacial”, ele explicou. Nesse momento, Probert exibiu a cena do filme que mostra a família achando o carro. O pai pergunta se é um carro, e o filho diz que não. E mostra uma revista em quadrinhos com uma nave espacial. “Isso foi algo que tive que fazer, a capa de uma revista em quadrinhos que o garoto pudesse mostrar ao pai. Eu tive como referências algumas revista dos anos 50, para criar uma como se fosse daquela época. Era comum as revistas terem a assinatura dos artistas que fizeram a capa. Então, coloquei a minha assinatura, porque sabia que a revista ia ser mostrada em close e eu teria meu nome na tela. Fiz isso porque a equipe de direção de arte tinha colocado vários nomes da equipe de produção por toda Hill Valley (cidade fictícia de “De volta para o futuro”). E como meu pai teve uma loja de música, pedi para o diretor de arte que colocasse na cidade uma Probert Music Shop. E ele disse não”, ele contou que deu um jeito de encontrar a oportunidade. “Eles também precisavam de um livro chamado ‘A match made in space’. Então, criei a Probert Publishing, porque sabia que iria aparecer na tela. E estava certo”, ele brincou e mostrou a cena (o nome está cortado da tela).
Cenários e locações Muitas vezes o desenho dos story boards é feito sem que os cenários estejam montados ou as locações tenham sido escolhidas. É preciso inventá-las. Problema algum, esse é o trabalho que Probert faz com muito esmero
além de prazer. “Como vocês sabem pelo filme, Twin Pine Malls se tornou Lone Pine Malls. Esta foi a minha sugestão para o letreiro. E eles copiaram os meus desenhos”, ele prosseguiu com a exibição dos story boards do primeiro teste da máquina do tempo. “No roteiro original, tinha a ideia de que antes do carro viajar no tempo, houvesse um campo elétrico, que fizesse seu cabelo ficar em pé e depois uma onda de choque. Primeiro o cabelo e depois a onda de choque. Mas decidiram não usar. Às vezes o roteiro muda durante as filmagens”, ele explicou que faz parte do processo. E tinha de haver um jeito de energizar o carro de volta de 1955 para 1985. “A primeira ideia era usar uma explosão atômica. Naquele época estavam testando bombas em Nevada, que é mais ao sul nos EUA. E eles construíam casas, longe da explosão, para testes. Vocês já devem ter visto imagens delas sendo queimadas pela explosão. E eles colocavam dentro das casas manequins, para ver o que aconteceria a diferentes distâncias da explosão. Essa era a ideia original de como energizar o carro e voltar para o futuro”, ele detalhou e seguiu adiante, com mais uma exibição de filmes, de uma bomba atômica desta vez: “Parece com uma bomba normal. Algumas vezes eles explodiam as bombas em terra durante os testes, algumas vezes explodiam em torres, para ver os efeitos da explosão no alto. E algumas vezes eles jogavam as bombas das torres.” Andrew mostrou o lugar do primeiro teste, o que sobrou da torre e uma das casas que sobreviveram à explosão. “Estas imagens são de um filme dos anos 50 chamado ‘The atomic kid’, com Mickey Rooney. O filme é sobre um cara procurando urânio no deserto que descobre uma casa no meio do nada. Como está faminto e não tem ninguém na casa, ele vai até a geladeira e faz um sanduíche com manteiga de amendoim. Enquanto come, a bomba explode. A casa sobrevive e enquanto os cientistas estão observando a região, ele sai da casa ainda comendo o sanduíche. E todos acham que foi a manteiga de amendoim que o
manteve vivo. É um filme engraçado.” Enquanto estavam construindo Hill Valley, decidiram colocar um cinema. Que filme colocar em cartaz? Probert sugeriu “The atomic kid”, e assim foi feito, ele brincou que a plateia agora já sabia de quem teria partido a ideia. “Na época, tinha um personagem que dizia para as crianças, e sei que isso parece insano, mas nos anos 50, ele dizia para as crianças entrarem embaixo das carteiras da escola e se protegerem. Tinha até uma música “duck and cover”, “duck and cover”. Porque se houvesse um flash, isso iria protegê-los dos estilhaços de vidro, e depois disso eles poderiam sair pela janela.” Probert mostrou o carro que desenhou antes de Ron Cobb chegar, quando estava fazendo os story boards. “Era o que estava usando, porque dava para ver a relação entre o flux capacitor e o reator”, ele mostrou os rascunhos para que a plateia entendesse onde ele queria ir com a ideia do teste atômico. “Se fossem aprovados, aí ganhavam o tratamento final. O teste acabou sendo caro demais, e acabamos com outra ideia, que acho que foi melhor, que é o relâmpago”, ele afirmou e exibiu a cena como teria sido. “No roteiro original, Marty odiava purê de batata e almondegas, então, quando eles movem o carro para uma das casas para esperar pela explosão, a ideia era que Marty iria dirigir o carro em direção da explosão, e conseguir energia suficiente para viajar no tempo, antes de ser atingido pela onda de choque. Então, Marty está na casa, esperando a hora, com fome. E a única coisa que encontra para comer é purê de batata e almondegas. Essa era uma piada do roteiro”, explicou. Os filmes seguiam no telão, Andrew brincava com a plateia, explicava cenas e técnicas. “Doc Brown, eu não sabia qual seria o ator quando fiz os desenhos, está esperando no vale. ‘Marty, Marty, está na hora, entre no carro’. Marty entra no carro. Coloca os óculos para se proteger da explosão. Doc Brown faz o mesmo. Acha uma nota: “Duck and cover”. ‘Marty, o que é essa nota, não devo saber do meu futuro’. “Não se preocupe, tudo
vai ficar bem’. Dentro do carro Marty pensa: ‘Só um segundo, estou em uma máquina do tempo. Vou viajar para o momento certo’. De volta a 1985. Turistas estão no local, tirando fotos, fazendo perguntas. ‘Eu soube que aqui acontece um monte de coisas esquisitas’. ‘Nada, aqui nunca acontece nada’. Explosão e Marty está de volta”, Andrew explicava enquanto as imagens eram exibidas no telão. E ganhava aplausos a cada cena.
“Star Trek: The next generation” Ainda estão acordados? Uma pessoa, que bom. Duas, desculpem. Andrew brincava com a plateia, atenta e de olhos bem abertos. O último vídeo que ele reservou para a masterclass foi de “Star Trek: The next generation”. A mesma ideia, atualizada, desta vez na TV. “Fui convidado ao escritório de Jim, que lembrava de mim do filme, mas queria ver o que mais eu tinha feito. Mas é claro que eu era a pessoa certa para o trabalho. A primeira coisa que me pediram para desenhar foi a ponte de comando (the bridge) da Enterprise, porque era ali que iria se passar a maior parte da ação. Então, nos seus projetos, quando estiver fazendo o story board do filme e descobrir que há uma locação que vai ser mais usada do que as outras, minha sugestão é de que coloque o máximo de detalhes ali, e bem menos nas outras partes, se não tiver muito tempo. Se estiver com tempo sobrando, detalhe tudo. Porque o cenário de fundo pode ser maravilhoso. Vocês lembram das produções da Disney como ‘Branca de neve e os sete anões’ e ‘Bambi’? Alguns dos primeiros desenhos têm belos detalhes no cenário de fundo. Mas se não tem tempo para isso, coloque o máximo de esforço no local que vai ser mais visto. E na maioria das vezes, as pessoas vão achar que os outros cenários também são tão detalhados, porque eles vão lembrar do principal”, ele aconselhou. A tarefa de Andrew Probert nesse caso era a ponte de comando. Mas como em “De volta para o futuro”, ele se pôs a começar a
desenhar também o exterior da Enterprise. É o jeito dele. “Enquanto estava fazendo a ponte, fiz muitos desenhos da nave na mesma folha. Talvez eu estivesse tentando influenciar subliminarmente os produtores. E colocava meus rascunhos na parede, para me ajudar a pensar. Queria que a nave fosse diferente. A série se passa 85 anos depois do filme, queria que a nave fosse a mesma, mas futurística. O roteirista David Gerrold, que escreveu o episódio ‘The trouble with tribbles’ para a série original, era roteirista criador de ‘Star Trek: the next generation’. Ele vinha me visitar muito, apenas para passar o tempo. Queria ver o que eu estava fazendo, para talvez basear as histórias em alguns dos meus desenhos, incorporar alguns detalhes”, Andrew contava em detalhes.
Nave, ponte e saída de emergência David Gerrold viu o desenho da Enterprise na parede e perguntou se era assim que a nova nave iria parecer, Andrew respondeu: “Eu não sei, só estou brincando com algumas ideias. David então pega o desenho e diz ‘vamos
descobrir’. Quando volta ele diz que essa é a nova Enterprise. Ele correu para mostrar para os produtores e eles gostaram”, contou e exibiu o resultado para a plateia. O filme continha os desenhos que levaram até o design final da ponte. Alguns elementos eram obrigatórios, ou seja, eram exigência dos produtores, como uma sala de reunião, a ponte, a cabine do capitão. E, adiantando que todos os fãs querem saber onde fica o banheiro, lá estava, ele mostrou o desenho. “Estão felizes agora? Também adicionei uma saída de emergência”, brincou. “Quando você tem personagens que precisam falar uns com os outros, como você arruma a sala para que você possa ter ângulos das câmeras em todos eles? No filme, você tinha o capitão na cadeira dele, e os tripulantes vinham falar com ele, ou ficavam em pé nos seus lugares. Mas isso não era confortável. Então, eu quis criar um ambiente confortável. E eles queriam uma ponte bem grande, então dei uma BEM grande. Achei que devia ter uma sala de transporte logo ao lado da ponte, mas eles não gostaram da ideia”, prosseguiu Andrew. Como a ponte é onde se passa a maior parte da ação, os produtores queriam acertar todos os detalhes. Eles queriam ter uma mesa de conferência na ponte. Andrew não gostava da ideia, mas costuma entregar o que pedem. E mostrou o desenho original para a Enterprise: “Dá para ver um elevador de emergência, por onde a tripulação podia chegar até a ponte de combate. A mesa de conferências está ali, apesar de eu ainda discordar, porque não faz sentido todo mundo se levantar dos seus lugares, ir até a mesa, conversar e voltar para os seus lugares. Me parecia muito estranho”, mas ele não discutia, desenhava. Essa era a estratégia para convencer os produtores a mudar de ideia.
A rampa ou do que os personagens precisam
Vamos combinar, rampas não são algo que se vê com frequência em programas de ficção científica. Mas Andrew queria muitos níveis na ponte, para torná-la mais interessante. “Na série original, a ponte também tinha diferentes níveis. Mas era preciso ter acesso. E se alguém não pudesse usar escadas? Se fosse alguém em uma cadeira de rodas ou um alien com pernas diferentes das nossas? E se estivessem de patins?”, ele colocou as tais rampas onde conseguiu. Ele também quis adicionar elementos da série original, como o controle com as luzes vermelhas brilhando durante emergências. O objetivo era manter o ambiente familiar aos antigos fãs de “Star Trek”. “Coloquei uma janela na ponte, controles no braço da cadeira do capitão e painéis retráteis. Está lá o banheiro, para todos que perguntam. Ia ter um klingon na tripulação, e pensei, podem ter outros aliens também, como eles iriam usar o banheiro?”, Andrew ria durante a apresentação. Disse que pensa mesmo coisas estranhas. “Coloquei um sofá que podia servir de cama na cabine do capitão, porque durante uma emergência, ele podia dormir ali e estar sempre pronto para correr para a ponte de comando. Fiz estação de comida, porque na série original o capitão Kirk às vezes aparecia com uma xícara de café, e pensei que ele poderia pegar dali”, explicou ele. Grande parte dos desenhos ficava na tentativa. Algumas sugestões nunca foram usadas. Andrew exibiu um desenho para a ponte de batalha, baseada na do filme. Uma maneira de aproveitar cenários. “O escritório de Picard, eles precisavam de um lugar onde ele pudesse trabalhar. Isso foi antes dos laptops. Achamos que seria bom ter uma pintura no escritório, então fiz uma do que seria uma antiga nave comandada por Picard. E fizemos também um pequeno modelo para a mesa dele.” Os produtores queriam plantas, muita vegetação, Andrew criava o que pediam. “Dá para ver muitas plantas. E criei espaços para que cada alien pudesse colocar plantas de
seus planetas do lado de fora das cabines, mas foram removidos”, ele contava e a plateia ria. “Quando eles disseram que iria ter uma seção de batalha separada da Enterprise, eu não sabia que queriam que fosse separada da seção de engenharia. Pensei que seria uma seção que sairia e iria lutar”, ele exibiu desenhos das ideias que desenvolveu para solucionar a questão. “Tinha uma forma suave, primeiro porque é cool. E dá uma sensação de suavidade, porque se a nave vai se aproximar de aliens, não deve parecer ameaçadora, deve parecer pacífica. E porque formatos orgânicos são mais fortes do que os geométricos, porque o campo de força se dispersa em volta do formato, e fica mais forte”, explicou, com a imagem no telão.
Desenho final Andrew exibiu o original do desenho final para a Enterprise. Sem ponte no topo, porque achou que deveria ficar protegida no meio da nave. Mas os produtores queriam a ponte no topo, ele mudou. “A razão de quererem a ponte no topo era que achavam que daria uma escala para toda a nave. Então, isso é algo que vocês devem pensar, quando fizerem um desenho, e mostrarem o lado de fora, é preciso que as pessoas percebam onde está e qual o tamanho. Quando estava desenhando a nave para ‘As aventuras de Fujiwara Manchester’, desenhei o interior e o exterior ao mesmo tempo, para que tudo se encaixasse, e a nave ficasse mais crível”, disse. Mas por que janelas tão compridas? “Porque quando você vai colocar janelas em uma parede tem de pensar em quem vai olhar por elas, simples assim. Se as janelas estivessem na altura que normalmente colocamos, como alguém em uma cadeira de rodas poderia olhar? Ou um alien que fosse pequeno? Então, você coloca a janela começando no chão, assim qualquer pessoa de qualquer altura pode olhar”, ele pensou em cada detalhe. Como os corrimões, assim as pessoas iriam
parar de cair toda vez que alguma coisa atingisse a nave. “Pegamos os corredores originais do filme e usamos aquele espaço. Por quê? Porque custo compensava”, explicou. E, de novo por conta dos custos, os produtores queriam aproveitar a sala de engenharia do filme que ainda estava montada. “Eu sabia o espaço que tinha para trabalhar, mas queria que fosse diferente. Coloquei cristais como fonte de energia. Do alto fiz descer deturium e de baixo subir antimatéria, que se misturavam em câmara, que criava os cristais para energizar a nave. Então, o cenário original foi desmontado e nova sala de máquinas foi erguida”, explicou.
Visitantes Andrew costumava receber visitas nos cenários. Todos que iam aos estúdios da Paramount queriam ver a Enterprise. Mas alguns visitantes foram especiais. “Tivemos dois cientistas de um grande laboratório da Califórnia, que não queriam saber da ponte, queriam ver a sala de máquinas, porque eram cientistas. Quando os levei até lá, colocaram seus jalecos brancos e tiraram uma foto. E disseram que estavam tão animados de estarem lá porque estavam criando a coisa de verdade. Estavam trabalhando em sistemas de antimatéria. O quão legal é isso? Tive que tocá-los para acreditar”, contou.
Nem tudo é como foi desenhado Andrew exibiu o quarto de Data. “Como ele era um robô, sugeri que não tivesse uma cama, só uma bateria onde ele pudesse se recarregar, mas não aprovaram. E é isso que você faz como criador de designs, sugere ideias que podem ou não ser aproveitadas”, ele esclareceu e seguiu mostrando as ideias que teve para a estação espacial. “Em ‘Next generation’ era preciso uma nova estação, porque como a nova Enterprise iria caber na velha estação? Então, pensei que
ao invés de entrar, a nave poderia aportar do lado de fora. Mas eles disseram, vamos usar a velha estação, só vamos dizer que ela é maior. Mais uma vez, uma solução para cortar custos”, Andrew reforçou o quão atrelada ao orçamento a criação está. Andrew Probert e Michael Okuda circularam pelos cenários e notaram que não tinham detalhes na Enterprise, como luzes e painéis de controle. Então, desenharam com marcadores, cortaram e levaram para o cenário. Mais uma mágica do cinema, ele exibiu o cenário de um dos episódios, que ele criou e pintou. Por fim, foi usado um cenário que não tinha nada a ver com a série. Faz parte. Andrew também desenhou o logo para a série. Pegou a ideia que tinha tido para o filme, que nunca foi usada, e modificou para garantir que fosse usada.
Conversa com a plateia Como você faz para manter uma unidade – roupas, naves, objetos – na cena? Como você se guia para não perder a identidade e fazer com que tudo faça sentido no contexto? No “Star Trek”, a gente vê que você trabalhou na nave de uma forma orgânica, mas alguns corredores já seguem uma linha mais retangular. Como é que você definiria uma linha a ser seguida para que o filme mantenha essa unidade? Andrew Probert – Você estabelece uma regra para o projeto e segue essa mesma regra até o final. Por exemplo, eu tive duas warp engines para todas as naves, porque a tecnologia era a mesma. Você tem tipos diferentes de aviões – americanos, japoneses – mas todos têm duas asas e possuíam detalhes similares, apenas pareciam diferentes. Todas as minhas naves seguiam essa ideia. Mas se estou projetando para Starfleet faço tudo mais suave. A Shuttlecraft eu projetei para ser tão suave quanto a Enterprise. Um cruzeiro de batalha Klingon
teria mais pontas, mais beiradas. Se você quisesse um cenário afiado, não seria a Enterprise. A Enterprise era suave. Então, eu determino uma regra a mim mesmo, para projetar certas coisas, certas cores. Usava, por exemplo, certas cores para Starfleet – alguns verdes e marrons. Isso criava uma identidade. Você diz que desenvolve os projetos a partir do uso prático e das funções que o objeto que você tá desenhando vai ter. Como é o processo de pesquisa, quanto tempo leva e onde busca as suas referências? Andrew Probert – Eu entendi! Minha formação, como um desenhista industrial, ajudou a me preparar para esse tipo de trabalho. Eu pude entender como as coisas eram feitas, em geral, e pude torcer essas peças. Alguns detalhes você tem de assumir que foram desenvolvidos. Por exemplo, quando trabalhei na série de TV AirWolf, lá pelo final dos anos 70, eu projetei uma tela de maneira que nunca havia sido feita antes. Mas pensei que seria mais funcional e hoje em dia temos telas assim. Então você faz uma suposição e assume que a tecnologia vai avançar de modo que se torne possível.
9 de Agosto
sexta-feira
Mesa-redonda: Gestão de Estúdios de Animação
Questões fiscais, trabalhistas e tributárias já se instalaram de vez no dia-a-dia das produtoras de animação e animadores. Esta mesa visa definir quais são os desafios de gestão específicos para a área de animação e apontar propostas e soluções.
Participantes: Ana Paula Dourado Santana (FIJE), Diler Trindade e Eduardo Pop (SEBRAE), Guille Hiertz (ABCA), André Breitman (ABPITV) Moderador: Zé Brandão (ABCA)
A última mesa do Anima Forum foi dedicada às questões fiscais, trabalhistas e tributárias que já fazem parte do dia a dia de animadores e de produtoras de animação. O objetivo foi estabelecer quais são os desafios de gestão específicos para a área de animação e apontar propostas e soluções. Uma espécie de continuação da primeira mesa do Forum, disse Cesar Coelho. Como equalizar as duas facetas do mercado que são produção artística e produção de bens culturais e a indústria? Para quem já venceu tantos desafios, esse será mais um. Um desafio que exigirá muito comprometimento e vontade dos vários setores envolvidos, ele ressaltou: “Durante o Forum, nós falamos muito sobre animação como indústria e como produção cultural, essa dicotomia que temos em nosso segmento, e uma das fases do crescimento que estamos vivendo. Trata-se de uma questão muito importante e muito delicada. É um grande desafio equalizar essas duas facetas do mercado de animação: ser produção artística e cultural, um grande gerador de bens culturais para o país, importante para a cultura nacional, e, ao mesmo tempo, uma indústria. Que instâncias devem-se buscar para lidar com as questões da animação? O Ministério da Cultura? O Ministério do Desenvolvimento e Tecnologia? Vencer o desafio vai exigir grandes discussões, comprometimento e muita parceria dos vários setores envolvidos nesse processo. E acho que essa mesa posta, hoje, está justamente comprovando isso. Todos aceitaram, com muita boa vontade e muito entusiasmo, participar e dar a sua contribuição.” Para discutir indústria versus produção artística e cultural, Zé Brandão, da ABCA, foi convidado para comandar a mesa. “Quem diria que estaríamos discutindo essas questões hoje. Quais os desafios de gestão específicos das empresas de animação? A ideia também é apresentar propostas e soluções”, esclareceu o moderador, ao começar, por ele mesmo e em terceira pessoa, a apresentação dos convidados.
“Zé Brandão é do Copa Studio e da ABCA. Um amigo sugeriu fazer a piada de que o mediador é mais forte (risos). A gente vai passando de artista a empreendedor”, disse ele, ao discorrer sobre a expansão do Copa Studio. Com o portfólio no telão, Zé avisou que o estúdio está chamando para novas contratações, a quem interessar possa. “Quer fazer um desenho animado legal? Quer seguir uma profissão séria? O Copa está dando uma chance para quem quer encarar novos desafios: vagas de animação, ilustração, story board em copastudio.com.br/candidatos”, avisava o anúncio. O Copa Studio foi criado há cinco anos, Zé prosseguiu a apresentação. “A gente considera que está começando”, disse ele, antes de passar para Ana Paula Dourado, primeira a explicar seu contexto e participação na mesa.
Ana Paula Dourado (FIJE) O Anima Mundi está cada vez mais magnífico e tem mostrado por que nasceu, para quê,
e por que o Brasil vai se tornar potência em animação e marcar diferença no mercado mundial. E isso não são previsões astrológicas, Ana Paula Dourado avisou que se respalda em números e pesquisas apuradas dos números para fazer prognósticos.
muito brusco da palavra. Vocês podem sair de uma situação que pode ser de empresário exportando serviço, ou de trabalhador que vai para fora trabalhando com visto de visitante, sem qualquer segurança. É uma questão de se conhecer o que está acontecendo”, declarou.
Advogada internacionalista, Ana Paula foi gestora no setor público durante 12 anos na Secretaria do Audiovisual e está, atualmente, no mercado privado. Ela participa da FIJE, Federação Ibero-americana de Jovens Empresários, e da Identitad e Pacta Consultoria, que oferece serviços de diversas naturezas. Faz exatamente o que fazia na SAV: é especialista em solução de burocracia, ela brinca, mas garante que é um novo ramo. “Tenho especialização em gestão do entretenimento. O tema da mesa me deixa confortável porque reúne as minhas três áreas de especialização: jurídica, internacional e (gestão) de entretenimento.”
O Plano Brasil Maior, sob a gestão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, trata de serviços audiovisuais, de profissionais, de reconhecer qual o impacto dos serviços que se deixa de exportar para fora, considerando que o Brasil não oferece condições tributárias, trabalhistas ou de formalização para se implantar e gestar um estúdio no Brasil:
O Anima Mundi ela conhece bem. “Tem, no mínimo, sete anos que participo do festival. E tudo que é discutido no Anima Forum, de fato acontece no decorrer do ano seguinte, de forma que nos surpreende. Foi assim com o Anima TV, em que se discutiu um documento parecido no ano anterior. Assim também como a inclusão dos conteúdos televisivos de animação nos projetos setoriais de exportação da PEX, que rendeu resultados esplendorosos e fez com que a animação se destacasse mais que os próprios conteúdos para televisão”, ela relembrou. O Anima Forum, segundo ela, promoveu a aproximação de entidades que, num primeiro momento, não tinham noção da proporção que a animação brasileira poderia atingir ou do retorno que poderia trazer. O que hoje se comprova. Não à toa, o Sebrae entrou no rol dos participantes interessados no setor.
Ser animador no Brasil Quais são os entraves que atrapalham a atividade de animação dentro do Brasil? A animação é feita por empresários, segundo ela. “Vocês são empresários e, se não o forem, serão escravos em outro país, no sentido
“As pessoas esquecem que serviço é tão essencial quanto bem. Não adianta ter produto importado a preço compatível, se os talentos brasileiros estão indo para fora. O custo Brasil tem de ser estudado. Por que é mais barato produzir animação na Argentina do que no Brasil? Porque lá, custa duas vezes menos. E não é só do equipamento que se está falando. A gente tem uma carga trabalhista que consome, no mínimo, 27%, se você contrata na normalidade. E é assim que tem de ser. É preciso ter quadros dentro de uma produtora. Senão, se o profissional se encontra uma proposta melhor e não tem direitos, ele sai no terceiro capítulo de uma série”, analisou. E aí surgem mais problemas, porque o estúdio não vai conseguir cumprir cronograma de realização e terá problema com o patrocinador. “A relação jurídica estabelece direitos e deveres. As produtoras audiovisuais estão enquadradas na lei do Simples, que concentra todos os tributos em alíquota única. São ganhos que, para uma formalização de longo prazo, facilitam a gestão na lógica de não se pensar em projeto, mas na estrutura da empresa. A lógica de projeto é uma ponte aérea Rio-SP. E a animação no Brasil não pode ser uma ponte aérea. Animação tem potencial universal de um voo Brasil-Tóquio. Ou se faz alguma coisa, ou não se vai sair do lugar. E vamos continuar exportando profissionais, e exportando pela fronteira Mexicana, pulando muro, o que é mais grave”, vaticinou.
A noção empresarial não se opõe ao lado artístico, Ana Paula defendeu. “Você pode não ser artista, mas pode estar gerindo e trabalhando conjuntamente com o lado artístico.”
Indústria formal O crescimento da animação é fato, as estatísticas comprovam. “É o conteúdo mais bem aceito no mundo e o Brasil tem possibilidade não apenas com séries para televisão e longas-metragens, mas com web séries, jogos eletrônicos, aplicativos para tablet. E tudo isso envolve animação”, ela vislumbra a expansão do mercado. “Uma pesquisa mostra que de 100% de espectadores de televisão, pelo menos 40% estão mexendo no (celular) computador enquanto assistem à TV. E não estão fazendo pesquisa, mas buscando entretenimento. Segundo o estudo, 30% mexem em tablet com a televisão ligada. A interatividade da televisão deixou de ser o controle remoto. A grande interatividade do audiovisual no mundo chama-se cidadão. E, ainda mais, de fã. Na animação, nada melhor que gerir personagens e cativar fãs. E o cinema não se encontra só com a televisão, mas com todas as plataformas.” A formalidade, de acordo com Ana Paula Dourado, é um caminho sem volta. “Vai dar trabalho, mas é o futuro para se garantir a magnitude e o potencial que a animação tem. Lá fora, a animação brasileira já cativou o seu lugar”, disse ela, ao se dirigir ao público e anunciar que os animadores fazem diferença. “Parabéns, empresários. E os que ainda não são, espero que venham para esse mundo”, concluiu.
Diler Trindade (Diler & Associados) Ele sempre produziu filmes, mas sempre teve na cabeça que o que viaja é a animação. Tinha de fazer era pensamento fixo de Diler Trindade, produtor cinematográfico e fundador da Diler & Associados. Mas a primeira
empreitada em animação em que se envolveu não era projeto da sua produtora. No final da década de 1990, soube do sucesso de Manuel Garcia Ferrer, argentino considerado o Disney da América do Sul, que fez “La Tortuga Manuelita”, a animação baseada na famosa canção de Maria Helena Walsh. E foi aí que começou a história. “O filme teve dois milhões de expectadores na Argentina, a cinco dólares o ingresso. Um faturamento de $ 10 milhões”, Diler contou que não resistiu e foi até lá conhecer o autor do feito e fazer a pergunta: “Ferrer, a gente podia lançar isso no Brasil?”. “Não há perspectiva”, recebeu a resposta. Era um projeto da Sony. E lá foi Diler atrás do presidente da companhia saber o porquê da recusa. “Não seria interessante uma parceria?”, perguntou. “Não é plano da Sony”, ouviu, mas não se deu por vencido, bateu na porta da Warner (todos os filmes da Warner são exibidos pelo SBT com exclusividade, a um preço de $ 40 milhões por ano e 15%
de impostos). A luta deu em compra dos direitos da “Tartaruga Manuelita”. A Sony fez o licenciamento e o filme foi lançado no Brasil. “Foram 600 mil espectadores. O número é considerado até hoje uma das maiores bilheterias do cinema argentino no Brasil. Manuelita (2000) é muito delicado, voltado para crianças e bebês”, contou ele, orgulhoso do feito ao exibir um trecho no telão. Já que Maria Helena Walsh era uma espécie de Xuxa da Argentina, Diler fazia os filmes de Xuxa no Brasil e Xuxa tinha a mídia da Rede Globo, por que não? Foi aí que começou o desenvolvimento do roteiro para “Xuxinha contra os monstros do espaço”. Diler vendeu a ideia para a Labocine, ganhou um associado para o projeto e correu atrás da industrialização do processo. “Planejamos realizar em 11 meses. Montamos uma estrutura de dois turnos, uma turma para oito, outra para mais oito horas. Conseguimos juntar excelentes artistas e fizemos o filme dentro do prazo e dentro do orçamento. O parceiro era a Warner, que gostava de entregas dentro do prazo e de quem não pedia mais dinheiro. Quando assinava o contrato já tinha data de lançamento”, contou. Em parceria com a TV Globo, Diler ganhou a mídia e não haveria erro, a bilheteria iria para as alturas. O dobro da bilheteria de “Manuelita” era o planejado. “Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço”, desenhada em 2D e 3D, no entanto, não passou dos 600 mil espectadores, ainda que Xuxa estivesse no auge, o tema falasse com as crianças e a Globo tivesse investido em divulgação. “Nós fizemos a mesma bilheteria, não rompemos a barreira. Nós imaginamos que, talvez, o erro tenha sido a falta de tradição em animação e o fato de Xuxa não estar ligada a animação. Era um personagem desconhecido”, ele explicou depois de exibir um trecho do filme no telão do Anima Forum. Com a estrutura montada e sem querer desistir da indústria que o animara tanto,
Diler decidiu ir atrás de quem entendesse do assunto e tivesse a tal tradição em animação que lhe faltava. Queria fazer tudo por uma alternativa para não fechar as portas. O alvo seria Maurício de Souza, homem que carregava a fama de difícil. Mas nada que a insistência de Diler não vencesse. “O Maurício chegou, olhou aquilo tudo, disse ‘nunca vi nada igual, lógico que vou fazer’. Assinamos o contrato em cinco dias. Como assim? Ele ficou animado de ver um processo industrial em curso. Ele disse que era extraordinário”. E aí eles fizeram “Turma da Mônica” (2007) e Diler teve certeza de que, naquela hora a coisa andaria. “Já estava bem melhor. Na época, ninguém falava em 3D. As figuras eram em 2D, mas o cenário era em três dimensões”, ele explicou. A Disney apoiou, o filme teve mídia paga em outras emissoras, já que não havia a TV Globo desta vez, mas estava tudo certo e a expectativa era grande. Resultado? “Os mesmos 600 mil espectadores. ‘Não é possível, o que está acontecendo? A gente está fazendo alguma coisa errada’. Nós conseguíamos fazer com rapidez e qualidade relativa, mas dava trabalho. Nós passávamos até um ano trabalhando no projeto”, contou ele.
Onde foi que eu errei? A explicação estava à vista. “Fomos percebendo que, diferentemente do live action, nós estávamos concorrendo com um inimigo imbatível. A Pixar, por exemplo. Os caras fazem filme com 150 milhões de dólares, nós, com 2 milhões de reais. E o ingresso é o mesmo preço. É uma competição dificílima de se enfrentar. E dentro da gestão do negócio existia outra questão, a qualidade, que tinha uma diferença brutal”, ele mesmo fez a crítica. O roteiro também estava carregado de equívocos. “As próprias crianças tinham um preconceito muito grande. A criança é bebê até cinco ou seis anos de idade; já é metida a adulta a partir dos sete; e, com onze, já é pré-adolescente. Com 17 anos é jovem
adulta. Os roteiros da Pixar tinham esses três níveis de leitura. Falavam com os bebês, os adolescentes e os adultos. Qualquer fila do ‘Meu malvado favorito’ está lotada de adultos. Estou tentando aprender a conversar com esses três níveis de leitura”, disse. A gestão do audiovisual é quase uma indigestão, ele brincou. “Foram três projetos tentando entender os limites do mercado, e nenhum deles passou dos 600 mil espectadores. Ainda assim, ‘Aventura no tempo’ é o líder de bilheteria brasileiro em animação. A questão é o público, que tem de ser compreendido. É preciso falar com o público de outras idades”, Diler garante que aprendeu. Zé Brandão também estava na turma que viveu a experiência de “Xuxinha”, na Labocine, e relembrou os bons tempos: “A gente fazia muito mais pelo processo do que pelo tema porque, lá no nosso fundinho, a gente falava mal da Xuxa. Mas tinha espaço para experimentar, isso era o que valia. Já com o Maurício (de Souza) a gente curtia, era muito legal, tinha sido nossa infância. Mas foi aquela história de você deparar com seu ídolo e ver que ele é mais um CEO do que um criador. Ele é um cara gente boa, ouviu a gente, mas não é um animador. Mas a gente arrumou oportunidades de convencimento. O fato de o Horácio aparecer no filme saiu dos animadores. O fato é que a gente saiu da TV Globo para ir para a Labocine unicamente pela paixão por animação. E foi uma experiência marcante. Na TV Globo, animação era só o fundo. Na Labocine, era o produto.” Diler reforçou o caráter marcante da Labocine. “Duas coisas foram importantes ali: conseguimos terminar uma animação e começar outra sem parar. Pensei que tivesse acabado e não acabou. Aquilo foi uma célula”, afirmou.
Eduardo Pop (Zola) Empresário que olha para a produtora
como negócio não pode deixar de pensar em animação. A frase é de Eduardo Pop, entendedor de muitos riscados. Sócio-fundador da DosOutros, empresa de pós-produção de áudio para cinema e TV por onde passaram “Mutum”, de Sandra Kogut, “Germano”, de Vicente Ferraz, e “Os desafinados”, de Walter Lima Jr., atualmente é produtor executivo da Zola Filmes, especializada em conteúdo para cinema e TV e de onde saíram, sob sua gestão, produções como “Heleno”, “Caso Morel” e “Uma fada veio me visitar”. Já está em desenvolvimento a parceria com a HBO Latin America para a segunda temporada de “Mandrake”, série duas vezes indicada ao Emmy Internacional de Melhor Série Dramática, em 2006 e 2008. “A gente é uma produtora recente. Temos três anos de vida, mas já produzimos um longa-metragem. Minha contribuição aqui é de uma produtora que tem uma ideia e contrata um estúdio de animação para desenvolver conteúdo conosco”, avisou ele, que faz a interlocução entre o projeto, o estúdio e o cliente final.
As dificuldades, segundo Pop, estão em todas as pontas e aparecem de diversas formas. Para o conteúdo de entretenimento live action, por exemplo, a língua é uma barreira quase intransponível. “É muito difícil fazer filme com legenda, dublar o filme, enfim, é muito difícil exportar o projeto”, lamentou. O preço é outra barreira. A diferença é brutal, termo empregado por ele, quando comparados orçamentos de uma produtora no Brasil, uma na Argentina, outra no Canadá. “Isso é péssimo para a indústria nacional. O Fundo Setorial tem uma contrapartida de 15% para primeira licença. O cara olha e diz que não tem como entrar no negócio. É uma ginástica que o produtor tem de fazer. A engenharia e o tempo que se demanda pensando em burocracias, em como diminuir o custo trabalhista são enormes. A gente vem de conteúdo live action e, por maior que seja o filme, o tempo é outro. Em cinco meses, tempo do ‘Heleno’, não se consegue produzir quase nada em animação”, ele comparou. Os problemas são parecidos. Principalmente quando o assunto é como contratar mão de obra. “Meu relacionamento com o profissional é por um período menor. Contrato um fotógrafo por seis semanas, mas não posso contratar um profissional para trabalhar um ano ou mais. Eu quero que seja viável o projeto de animação aqui”, afirmou. A Zola está experimentando. Eduardo Pop aproveitou para mostrar ao público do Anima Forum as duas primeiras experiências feitas pela produtora com estúdios de animação de São Paulo. Mesmo em tempos de dinheiro escasso, é preciso mostrar capacidade de executar. “Do lado da produtora, nós erramos um pouco em achar que animação é para criança. Animação é para família e, se pensarmos assim, talvez nós consigamos romper a barreira dos 600 mil espectadores. O público de cinema no Brasil não é tão alto se comparado ao de outros países”, opinou ele, lembrando que o market share do filme brasileiro, graças, está aumentando.
Kids format Como a gente cria conteúdo para trazer para os nossos filhos influências da nossa cultura? “Nos EUA, se você não deu certo você é um loser. A gente não tem isso aqui. Partimos de uma série da Ana Maria Machado e pensamos em fazer animação dos livros e trazer um pouco desse conceito para as crianças do Brasil”, ele explicou a busca por um formato ideal. No telão, ele exibiu “Mico Maneco” e explicou o projeto: “O que a gente sempre pensou é que a criança não só se atrai pela animação, como pela música, que é um fator muito importante para atrair e prender a atenção do público infantil. São experiências novas, mas a gente acredita no poder da internacionalização do produto nacional pela animação”, afirmou e mostrou, em seguida, “Neena e Pikke”, da ilustradora brasileira Elisa Sas. “Essa é outra experiência, mas os dois produtos são voltados para a TV”, completou.
Eduardo seguiu explicando o que é a Zola, nome dado ao coletivo de designers, fotógrafos, ilustradores e de gente que toca o negócio. “Essa união de forças viabilizou o desenvolvimento desses dois projetos”, disse. Como consumidor do estúdio de animação, Pop diz estar pronto para contribuir muito além do debate. “Como a gente pode ajudar a fazer uma indústria que seja desenvolvida toda dentro do nosso país? Nós estamos dispostos a arriscar e a produzir, porque acreditamos muito no poder da animação como negócio”, ele finalizou a primeira participação na mesa.
Guille Hiertz (Split) Ele atende por – quase – qualquer nome. Podem chamar de Guille, Zé, Guilherme. Sóciofundador do Split Studio, produtora sediada em São Paulo e especializada em animação e conteúdo para séries de TV, Guille Hiertz, para quem ainda não sabia, é roteirista e diretor do curta-metragem “Para chegar até a lua”, feito em 3D, e exibido no Anima Mundi em 2006. “Quem diria que seis anos depois de exibir o primeiro curta no Anima Mundi, eu estaria aqui para contar um pouco da experiência que a gente teve desde então. Depois de ‘Para chegar até a lua’, eu jurei que nunca mais faria animação”, ele relembrou a promessa. Era preciso ter visão e muito estômago, palavras dele, que não desistiu de nada e ainda empreendeu. “A Split Studio começou em 2010. Hoje, olhando em perspectiva, eu vejo o quanto foi importante o encontro com uns malucos que alugaram um espaço físico e contrataram pessoas. Especialmente falando da Labocine, que foi o embrião que soltou um monte de pessoas no mercado e essas pessoas abriram estúdios, enfim, abriram as portas”, disse ele, citando Zé Brandão e André Breitman. Eram os únicos representantes de São Paulo na mesa. “O Split começou com uma proposta muito simples de quatro amigos que moravam juntos. Cada um tinha uma especialidade, mas todo mundo brincava com todas as
áreas, o que era muito positivo. Todo mundo fazia roteiro, fazia desenho, escrevia sinopse. Na época, parecia muito lógico e muito prático todo muito se unir. Cada um podia complementar a empresa em uma área diferente. Nós começamos numa casa com luz ruim, sem planta, e com ambiente sufocante. Basicamente, tudo começou com a vontade de fazer série. O nosso sonho era largar os empregos e ficar só no estúdio”, Guille rememorou o início. “O Split também partiu de um desejo pessoal de todo mundo, que era trabalhar com games e com transmidia. Hoje, temos clientes legais da área de games. O nível de exigência dos caras é bem alto e a gente encara isso como um treinamento e até como uma possibilidade de negócio no futuro.” Pensar no futuro é ter visão de gestão, tema central na mesa: “São vetores em frames sequenciais. Gerenciar é muito parecido com apertar parafuso. É um trabalho de escritório, os trabalhos são longos, levam de sete a 15 meses de produção. Isso, para quem trabalha com publicidade, é um alento, porque dá tempo para você se planejar, pensar em como você quer atuar e como você quer entrar no mercado. Os problemas que existem em qualquer segmento da economia também existem no nosso. Mas o problema se agrava porque somos embrionários”, afirmou. A Split pensa em animação há tempos e Guille tem suas previsões e certezas: “Aposto na distribuição digital de conteúdo. Você produz e divulga, esse é o futuro. Filmes e games vão virar uma coisa só. Dentro do espectro de trabalho e recursos, o cinema não serve para nós da forma como está formatado hoje.” Que se tome o que ele diz como postura da Split. “Tem de ter um alvo, um target, o que significa selecionar um público e mirar nesse alvo”, disse. A animação para séries de TV é um projeto em andamento e já estudado. A Split sabe o que pode vir daí. Pelo menos no campo do desejo, o licenciamento de produtos é o oásis prometido. “É o que possibilita ter recursos decorrentes de um projeto mesmo quando ele já acabou. Quem consegue ter
uma visão certeira está feito. É o segredo dos grandes produtores. O licenciamento é a terra prometida. Não é uma renda fácil, mas gera um novo tipo de negócio, garante recursos adicionais para se testar novas coisas, empreender de verdade. Com cuidado para não perder o foco”, ele afirmou. Na Split, os quatro sócios têm cada um a sua visão e preferência, mas estão todos conectados com o projeto da empresa. Guille é fã de live action. “A Split hoje é uma empresa que gera conteúdo e é especializada em animação. A gente não tem pretensão de ir além do digital e da animação”, disse. O conteúdo de qualidade, segundo Guille, é a chave mágica. “A gente não perde para a Pixar pelo orçamento. A gente perde porque não tem roteiros tão bons”, ele opinou e citou “Simpsons” e “South Park” como bons exemplos inclusive de influência sobre o público. “O Brasil está um pouco atrás. O mercado precisa de pessoas bem-preparadas, de experiências bem-sucedidas, como a Labocine, por exemplo.”
Treinar é preciso Quem quer trabalhar com animação e ter estúdio? “Saiam daqui e abram uma produtora, treinem pessoas”, Guille deu o conselho à plateia. O desafio, segundo ele, é duplo e é para quem deseja adentrar a animação para valer. “O gargalo principal é o treinamento de pessoas. Treinar é caro. A Split é um estúdio pequeno, mas a gente vai botar investimento, recursos do próprio bolso, porque tem demanda e necessidade imediata”, disse. A formação é projeto a ser executado dentro da própria produtora. “Vamos fazer curso para animadores, numa tentativa de adaptar as pessoas para funcionar com software, para entender workflow. A gente está atacando um problema crônico com o qual a gente já está se deparando”, revelou. Se estão faltando profissionais preparados no mercado, é preciso formar a base, ir atrás dos adolescentes, de quem está no ensino médio.
E o trabalho inclui convencer essa turma de que animação é divertida e é um bom negócio. “Gente, trabalhar com animação é muito mais seguro que cinema. Uma única série emprega um numero grande de pessoas por período longo”, os argumentos estão prontos e são entusiasmados. “As produtoras se ligaram que a animação é que tem mais potencial de licenciamento imediato. Os canais já estão mais aptos a trabalhar e a fazer licenciamento e exploração digital. Tudo é difícil, a indústria é embrionária, mas tem espaço. Precisamos de pessoas que não somente tenham o lado artístico. Hoje, a gente tem projetos na casa que foram desenvolvidos e feitos por pessoas parceiras e que se identificaram, chegaram com ideia, projeto e mão de obra. E nós estamos desenvolvendo. Cada empresa, quando surge, não tem o certo ou o errado, mas cada uma tem uma forma peculiar de se organizar, o que é um reflexo das pessoas que estão naquela empresa.”
A onda da Split é estimular a circulação de gente, de ideias, de conhecimento, de experimentação. “A gente quer que as pessoas experimentem outras áreas. Animadores são os recursos mais importantes na produção de uma série, mas faltam pessoas que já interpretaram e conseguiram sacar o que os brasileiros estão a fim de consumir. Mais que isso, faltam pessoas que saibam como transformar isso em story board, animatic e áudio. A gente quer brigar de igual para igual lá fora. Mas tudo isso passa pelo segredo do conteúdo. Ter o conteúdo, ter a propriedade e saber como explorar isso”, Guille carregou o discurso e encerrou.
André Breitman (2Dlab) O primeiro a pensar e a fazer filme digno de se chamar de filme de animação, feito em flash. Zé Brandão fez a apresentação do último cara do último painel, do último dia. Com a plateia, André Breitman, sócio da 2Dlab desde 2004, criador e produtor premiado, em ação atualmente em muitas frentes. Entre elas, a produção do longa-metragem “Meu AmigãoZão - O Filme”, baseado na série de mesmo nome, e a nova série do Sitio do PicaPau Amarelo, para a Mixer e Rede Globo. André começou com uma defesa apaixonada de uma figura que ele incorpora há anos: produtor executivo. “Nós somos dois sócios no estúdio. O Andres desenha, no que ele é genial. Eu não desenho nada, nem uma linha reta. Sempre fui produtor executivo. Sou completamente apaixonado por animação e não penso um milímetro a menos em animação por não saber animar. A paixão começou no início do ano 2000, quando eu estava fazendo um projeto de internet e chamei o Cesar (Coelho), que me explicou o que era animação. Ele disse que era complicado, mas que depois que você entende, não larga nunca mais”, ele contou a conversa com o diretor do Anima Mundi. E não larga mesmo. “Em 2004, quando realmente decidi entrar para valer no ramo de
animação, já pensando em fazer séries, fiz um curso na Fundação Getúlio Vargas. Eu sabia que a animação viajava. Sabia que séries são caras, mas tinha certeza de que a animação viajava. Uma série, se você troca a voz, ela vai embora”, André só tinha dúvidas sobre a qualidade da animação. “Toda vez que eu mostrava o orçamento de uma série de animação, todo mundo ria de mim. Era uma piada no curso. Durante uma aula do Diler, ele mostrou que tinha um monte de projetos. O que ele explicou para a sala é que você tinha de ver os projetos como uma sementeira. Você tinha que ter um monte de projetos, porque você nunca sabe qual deles vai brotar. Essa foi a grande lição que Diler deixou”, contou ele. O que pouca gente sabe era que “Meu Amigãozão” era o quarto projeto dele e foi, por acaso, o que pegou.
Gestão e captação Tem muita gente no Brasil que sabe fazer, André defendeu a classe. “A Luciane Gorgulho cobrou gestão. A verdade é que a gente sabe fazer. Eu sei, o Kiko sabe, o Diler sabe. Na 2Dlab, a gente fez o próprio software de gestão. Foram cinco anos desenvolvendo. Mas eu sei quanto cada animador produz por semana, se a equipe vai bem ou não, como o diretor avalia. Mesmo não estando no estúdio, eu sei”, garantiu. Projetos em andamento para dar conta não faltam. Muita coisa acontece simultaneamente, mas está tudo sob controle rigoroso. O problema da animação no Brasil é outro. Segundo André, a dificuldade está na captação: “As leis brasileiras de incentivo fiscal com seus artigos primeiro, terceiro, 39, inscrever projeto na Ancine, passar pelo crivo, sair para captar, atingir metas de percentuais, passar pela primeira liberação de cinco diretorias da Ancine, e depois continuar a captação. Ou você vai para o FSA, que financia até 80% da sua série ou longa-metragem. Mas como eu, como gestor, vou conciliar o fluxo de caixa,
sendo que o dinheiro foi agraciado em outubro de 2010, se tenho de medir o andamento de uma série semanalmente e eu tenho que prestar contas em três países diferentes? Tem de ser mágico”, André demonstrou a ginástica que o produtor tem de fazer. A forma correta de captar, seguindo o conceito da sementeira do Diler, seria captar antes e produzir depois. “Só que isso elimina, imediatamente, a coprodução internacional. Você não pode dizer para um parceiro internacional ‘olha está tudo ok, mas daqui entre seis meses a três anos a gente trabalha’. Não rola!”, Diler não economizou os desabafos.
A burocracia que atrapalha O ponto é crucial para a animação. De volta ao esquema do copo meio cheio e meio vazio citado no primeiro dia do Anima Forum, há razões para enxergá-lo das duas formas, disse André. De um lado, do copo meio cheio, a Lei 12.485 estabelece uma cota obrigatória que dá para todos garantia de trabalho de primeira. E as animações brasileiras ocupam lugar privilegiado: “Nem entre a população, nem entre os canais há aversão à produção brasileira. Ela é bem vista e gostada pelo público brasileiro. O problema é que a gente não consegue entregar”, disse ele, apontando para a razão que leva ao copo meio vazio: a burocracia. “Somos muito fracos, incapazes, é torturante. A gente sabe que está fazendo tudo certo. Não só a nossa gestão está legal, mas o astral está bacana, a gente está com a casa cheia. Mas a gente precisa resolver a burocracia e isso não está em nossa mão. Está na mão da agência reguladora. Eu, como produtor, não posso ir lá brigar com a Ancine. Tanto o FSA quanto a Ancine têm a animação em muito alta conta. Nunca deixa de ter edital para animação. Há certa honra lá dentro. Mas nunca é o suficiente. Não para nós e para todo o resto do audiovisual. É uma máquina burocrática. E é complicado, porque é um dinheiro público que tem de ser bem usado, porque se alguém sumir com ele prejudica todo mundo”, afirmou.
É preciso encontrar uma forma de fazer melhor. “Todo mundo está procurando isso. O FSA está buscando formas automáticas de financiamento e vai começar a oferecer formas automáticas de investimento. Mas nós todos temos de ficar de olho e exigir que isso seja feito de fato, porque esse é o nosso copo meio vazio”, ele deu o diagnóstico e apontou o risco mais adiante: “O perigo é que se a gente começar a não entregar e não preencher a cota, os canais vão dizer ‘olha, acaba com a história de cota, a gente disse que não era boa ideia’. Se acabar a cota, acaba o FSA. Aí, nós estaremos ferrados. O ambiente precisa estar financeiramente saudável para que quando uma sementinha nascer, ela possa ter a água para continuar a crescer”, defendeu ele, relembrando a paz financeira a que Cesar Coelho fizera referência no início.
Conta real ou quanto custa um longa-metragem André Breitman é um homem de contas e planilhas. E mostrou, no Anima Forum, com quantos dólares se faz um longa-metragem. “O pessoal pergunta ‘está na hora do longametragem brasileiro’? Sempre que a gente fala num longa-metragem brasileiro vem a história de que um longa brasileiro custa 7 milhões e o americano 150 milhões”, ele comparou também as cifras do cinema com as séries de televisão: “A série brasileira custa metade ou 1/3 de uma série 2D canadense. A diferença não é tão gritante na série de televisão e a nossa série vai para número 1. “Historietas” é número um no Cartoon, mesmo competindo com todos os outros. Tem o mesmo direito de exibição que todos os programas do canal. E quando você coloca uma série lá, a série brasileira tem igualdade de chamadas, o que é igualdade de marketing”, afirmou. Para onde vão os 150 milhões de dólares de um longa-metragem americano? O produtor sabe. André usou “Universidade Monstros”
como exemplo para dissecar a planilha e provar com números onde está a carência brasileira: “Disso, 20% são talento de voz. Sobram 120. Desses, metade é marketing, sobram 60. A gente está falando de 3 contra 60. Se desses 60, estamos fazendo nossa série pela metade, temos uma conta de 3 para 30. Na verdade, não precisamos crescer o orçamento de um longa de 3 para 150, precisamos crescer um pouquinho mais e aplicar especificamente em roteiro, é por aí. O grande segredo é ter no longa a igualdade de exibição e igualdade de marketing no Brasil”, sentenciou. Antes da plateia, a própria mesa se manifestou sobre os pontos que André Breitman apontou: gestão, captação e produção. Guille Hiertz – “Eu concordo 100% com o André na questão ‘copo meio cheio, meio vazio.’ A gente vive mesmo uma dicotomia da explosão de demandas e produções. Mas, por outro lado, você é obrigado a trabalhar em condições que eventualmente não toparia. Entretanto, tem uma crítica na questão das duas partes da equação. Os canais em geral, não só os que compram o conteúdo de TV, adquirem as propriedades. A Lei aumentou a demanda na canetada e o tempo de adaptação foi curto. Os próprios canais ficaram desesperados. Tudo que é feito dessa forma exige um período bizarro de adaptação. E não há uma certeza de que o mercado gostaria de trabalhar naquele determinado modelo. O que eu sinto hoje é que os canais estão em uma posição confortável porque, basicamente, eles falam em renúncia fiscal. De certa forma, é alguém que vai deixar de recolher imposto. Não sei se quero o FSA como sócio do meu projeto, porque eu não sei se eles compartilham da visão que eu tenho. Entre pegar o dinheiro de alguém que não está aí para o seu projeto porque poderia ser qualquer outro, ou de alguém que vai dar o dinheiro porque realmente acredita no seu projeto, tem diferença e uma vantagem enorme para a segunda opção. Mas você acaba recorrendo à liberação de verba automática porque existe pouca iniciativa
privada, que é o melhor modelo de trabalho. É o cara que investe porque sabe que vai trazer retorno. Esse é o melhor modelo, porque você não tem rabo preso com ninguém. André Breitman – FSA não é renúncia fiscal, ele se torna sócio e ele se recupera. O que você está falando é completamente possível. Nada impede que você faça seu projeto com o que todo mundo chama de “dinheiro bom”. Eu, pessoalmente, acho todo dinheiro bom, mas nada impede que você faça o seu projeto com dinheiro de investidores. Guille Hiertz – Nada impede, mas editais e fundos são muletas porque existem para preencher um vácuo. Mas existe o vácuo de um cara que invista porque a série é boa. O problema da entrega sempre vai existir em qualquer área comercial humana. Essa discussão é exagerada. Falta discutir o dinheiro bom, o que de fato está olhando para o quão a sua série é ou não boa e se vai ser produzida. Sobre os estúdios, o cenário que se apresenta, de suposta abundância de recursos, tende a ser viciante. É o que te põe sempre em compasso de espera pelo BNDES liberar o recurso. Eu acredito que a solução é o licenciamento, a distribuição de conteúdo, a transmidia. Acho que falta criar novas marcas como “Historietas”, “Tromba trem”, “Meu Amigãozão”. Criar novos produtos. Vide o exemplo do “Bob Esponja” para a Viacon. Ana Paula Dourado – Em todos os países que produzem conteúdo existem incentivos governamentais, em diferentes modalidades. O Brasil tem incentivos, mas que se adequaram a um modelo só. O investimento privado é possível e a lógica de editais é burra e viciante. Existe a necessidade óbvia e urgente de sair da lógica de projeto e começar a investir em empresa. Se você começa a investir em empresa, não vive o que o André está vivendo: um projeto aprovado em 2010 que não tem liberação de recursos até agora. A coprodução no Brasil ainda não foi encarada como política estratégica. Se você analisar os acordos de coprodução internacional no Brasil, verá que eles não tratam de especificidades que garantam ao produtor e aos coprodutores
A gente tem ilusão de incentivo à cultura. Mas o incentivo é para que a manifestação cultural exista, e não para quem faz a cultura, que é o trabalhador ou a empresa responsável. Quem recebe incentivo é quem patrocina. Não quem produz. Mas pode-se criar uma linha específica no FSA para animação. Edital não é lógica, é muleta. Se não trabalharmos com a lógica da indução, não deslancharemos. Muleta, se você tira, cai. O mediador, Zé Brandão, esclareceu por que a produção atravessou tão fortemente a pauta do debate sobre gestão dos estúdios: “É que os estúdios estão vivendo a necessidade de encarar a produção autoral. O Brasil mostra suas próprias animações e tenta basear sua indústria na produção autoral e, nesse sentido, todos estão muito preocupados com a produção”, ele justificou e lançou outras perguntas igualmente pertinentes:
brasileiros questões de natureza essenciais para o sucesso de uma coprodução. André e Guille estão certos, o governo tem tentado fazer a sua parte, mas falta muito até se descobrir que o setor audiovisual é estratégico para o desenvolvimento do país. A Condecine é uma das principais fontes do FSA, mas existe também um percentual de 5% que entra do Fistel, o Fundo das Telecomunicações. É um percentual grandioso porque mercado cresceu bastante com a expansão da banda larga e com a venda e exploração da internet 4G. Quando o governo decide incentivar a indústria automobilística ou a indústria da linha branca, ele tira o imposto, o IPI. No caso da Condecine, não se tira nada. E é uma obrigação. Mas qual é a produtora que é isenta de ICMS, ISS ou de encargos trabalhistas? Não existe um benefício direto, como a dedução do imposto de renda que o incentivo fiscal à cultura permite pelas legislações. A Petrobrás é quem deixa de pagar imposto de renda, não é a produtora que faz o Anima Mundi.
Prestar serviço ou investir em produção autoral, isso se dá por quais motivos? Quanto à formação do animador, esse é um problema real? André Breitman – Nós somos produtora e estúdio. A missão da 2Dlab produtora é criar, ter ideias e conseguir produzir essas ideias. Conseguir parceiros, arranjar a engenharia financeira para que isso aconteça e, uma vez que tudo esteja maduro, é arranjar um slot no estúdio para que tudo seja feito. O estúdio é a sementeira, tem gente e essas pessoas têm de ser mantidas trabalhando durante o maior tempo possível. Nem sempre os projetos vão alocar exatamente as pessoas que se tem. É impossível não ter projetos externos. A vantagem é que se pode escolher o tipo de projeto externo baseado no mapa que se tem no estúdio. A gente pode ou não encaixar um determinado produto. A gente recebe muitas propostas e pode se dar ao luxo de escolher uma série que se encaixa no nosso cronograma. E é uma coisa que a gente acha bacana trabalhar. A realidade é que só com as produções próprias, a gente teria buracos. Para o estúdio, o projeto externo é o melhor dos mundos, porque mantém as pessoas trabalhando com entusiasmo naquilo que elas
querem trabalhar. Zé Brandão – A demanda das TVs por conteúdo gera uma grande quantidade de projetos que têm boa possibilidade de acontecer. Mas quem vai animar isso tudo? E não se fala somente de animadores. Os produtores não estariam tendo dificuldade para achar os estúdios? Vocês percebem que pode vir a faltar gente? Bons estúdios com gente formada? Pode haver, por parte da produtora, o entendimento de que isso é uma adaptação? Eduardo Pop – A gente está enveredando no mercado no último ano. Há cada vez mais pessoas dispostas a apostar em animação. Se vai faltar ou não, não sei. Mas sei que o negócio está bastante aquecido. Vejo que cada vez mais pessoas estão querendo abrir núcleos ou novas empresas. Tem muita gente abrindo. Quantos desses vão sobreviver, fazer o delivery, não dá para apostar. A maior preocupação de quem compra é a entrega. Por mais que seja através de renúncia fiscal, o cara cobra uma data. O mais importante é sua capacidade de entregar um produto bom. Existe uma quantidade de dinheiro gigante, um mercado 200% aquecido e existe gente surgindo. Resta saber para onde isso vai. Ainda não tive o problema de ter projeto e não ter gente. Diler Trindade – O André falou do copo meio cheio e meio vazio. Ele diz que se queremos encher o copo com animação, não façamos longa-metragem, façamos televisão. Por um motivo simples: a televisão é, ao mesmo tempo, o distribuidor e o exibidor. Se você pensar no longa, o copo está absolutamente vazio, pois a lógica do mercado de cinema é trágica. Os grandes exibidores brasileiros botam filme nacional, mas só funciona a comédia, aquilo que a gente chama neochanchada. Se você faz um filme de ação ou um desenho animado, você sai na semana seguinte. E ninguém obriga o exibidor. Por mais cota de tela que exista, ele cumpre a cota com a neo-chanchada. Ou seja, a sua animação não tem a menor chance no cinema, até porque temos poucas salas. O México
tem quase seis mil salas de cinema, enquanto nós temos pouco mais de duas mil e poucas salas. Não adianta fazer animação para longametragem. Querem fazer? O espaço existe é na televisão, com toda burocracia e dificuldade que lhe são inerentes. Ana Paula Dourado – Na questão de serviços e profissionais, é preciso analisar que toda indústria tem especializações. Como o PRONAF, que me surpreendeu como um dos programas do governo mais bem desenhados que existem. Ele não dá dinheiro de graça, empresta a juros baixos, cobra resultados, tem seguro de clima, estabelece limites. Mas, o mais interessante, são as especializações e os benefícios que os agricultores começaram a desenvolver. Por exemplo, um produtor vai da eco moda ao serviço orgânico. Ele é isso e aquilo. Desse modo, toda indústria precisa de especialização. No caso da animação, nem todo mundo terá um estúdio, mas pode ter uma produtora prestadora de serviço de animação. Como no caso do Porto Digital, em Recife, que tinha a ideia de construir um shopping de serviços em torno da área, que agregaria empresas startups e incubadoras que suprissem serviços específicos a projetos do Porto. Isso é muito interessante para uma indústria. Talvez nem todo mundo seja animador. Talvez numa rentabilidade de gestão, um iniciante, um estúdio pequeno comece como uma startup para ser fornecedor de serviços. Isso porque, em breve, se começarmos a pensar no mercado internacional, vão faltar dublador, profissional do áudio ou de luz, gente que não está diretamente ligada à animação, mas que faz parte dessa indústria. É preciso, portanto, pensar nas especificidades, porque podem ter expertises dentro do setor que faz a animação.
Conversa com a plateia A rodada de perguntas da última mesa da edição de 2013 deu vez a comentários e depoimentos. Houve quem concordasse, quem dissesse que não é bem assim, quem atestasse que a gestão de estúdios pode parecer um bicho de sete cabeças, mas
tem muita gente dando conta do recado. Um animador de Florianópolis disse, por exemplo, que trabalha em uma produtora que emprega mais de 30 pessoas. Para manter o quadro, todos desenvolvem projetos, buscam alternativas, criam sistemas de scripts de inovação para se enquadrar nos editais, seguem inventando. Isso é gerenciar projeto, intercedeu mais alguém. A união faz a força em muitas outras regiões, garantiram alguns. E há empresas muito bem geridas espalhadas pelo país. O modelo de financiamento com dinheiro público vem do cinema live action, no qual você contrata pessoas por fora, profissionais como Pessoa Jurídica para prestar um serviço durante um tempo. Terminado o projeto, fim do vínculo. Mas esse esquema não funciona para animação. É preciso manter uma equipe grande durante um tempo longo. Ao mesmo tempo, não é possível contratar esses profissionais porque o dinheiro não pode ser gasto com funcionários da própria produtora. Vocês, produtores, como fazem nas suas empresas? Diler Trindade disse que ouviu dizer “que todo mundo compra nota” e provocou risos na plateia. Guille comentou: “Nunca ouvi falar nisso, não, hein”, e causou mais risos. André entrou na onda: “É super simples, você tem de fechar o seu estúdio. A lei trabalhista diz que você tem de assinar carteira. Com isso, o total de salário, mais os encargos, fazem com que com que o total do projeto não passe na Ancine”, ao que Ana Paula Dourado deu a alternativa, também em tom jocoso: “Ou todos os seus funcionários viram pessoas jurídicas. Eles viram MEI”, disse ela. A figura do Microempreendedor Individual é uma polêmica, pelas limitações que impõe. “Tem um detalhe no MEI. Você pode fazer o MEI por um período, mas a legislação nunca observou a realidade. Numa animação, o cara fica lá por dois anos. Depois de um período desses, ele não é mais MEI”, ressaltou Diler. “Não é MEI. O micro empresário individual, inscrito no simples nacional, paga 6% e nem
sempre ele está incluído na categoria. O que eu te digo é que a lógica continua errada quando você pensa em projeto. O projeto não permite pagar tributos com o recurso que você capta. Você bota o valor bruto. E quando vai pagar, paga o líquido. E aí, ninguém quer trabalhar para você, porque a incidência do imposto trabalhista é grande. A forma que se encontra hoje é a pessoa ter dupla entidade: ser física e jurídica”, esmiuçou Ana Paula. “Ou você pode contratar uma pessoa para trabalhar para você no seu projeto. Nesse caso, você assina a carteira. A empresa faz isso se o funcionário estiver trabalhando numa função que conste no seu contrato social”, André também tinha uma opinião, e deu um exemplo: “Você é um estúdio de animação e você vai contratar um animador. Nesse caso, você precisa assinar a carteira. O MEI é uma forma de um indivíduo, ao mesmo tempo, se tornar uma empresa, pagando o mínimo de imposto. Nesse caso, a sua empresa pode contratar a empresa daquele indivíduo, fazendo um projeto. Um outro exemplo é: se faço uma animação e preciso de um câmera para filmar live action, eu posso fazer por contrato. O problema é eu contratar um animador por dez meses para animar. É um problema por quê? Ele é uma empresa inscrita no MEI de animação e está fazendo a mesma coisa que eu. E ele faz isso por um prazo tão longo que configura vínculo trabalhista. Uma solução é configurar sua empresa não como estúdio, mas como produtora de audiovisual”, sugeriu André. “Nessa hora, contrate um bom advogado trabalhista que diga os prós e os riscos envolvidos na operação. É nesse momento que o gestor e empresário decide se quer ou não assumir os riscos”, completou. Esse é o tipo de risco que faz parte de ser um gestor de um estúdio de animação no Brasil, todos concordaram. Zé Brandão também entrou na questão das leis trabalhistas: “Ao mesmo tempo que foram uma conquista, hoje elas podem deixar pessoas desempregadas, porque a logística de algumas industrias é tão nova que é difícil encaixar determinadas atividades
e profissionais. A galera que faz game tem de contratar programador e é um regime parecido. Mas a gente não tem um lobby forte, como as construtoras têm, para criar itens específicos para a nossa área”, argumentou. “As produtoras estão tentando se encaixar de todas as formas, da maneira que é permitido. Seja MEI, o que for. Mas é importante saber que vai ter um momento em que a gente não vai mais conseguir se manter assim. Vai ser um desastre para a indústria cultural do Brasil ter um case tão incrível quanto é o da animação ser encerrado por conta de uma incapacidade legislativa de se adaptar aos novos tempos. Todos queremos estar certos e queremos nos enquadrar, mas precisamos que isso seja viável para nossa atividade”, afirmou Zé Brandão. Ana Paula Dourado aproveitou para dizer o que pensa sobre a legislação e os encargos que a carteira assinada acarreta aos estúdios: “O certo é que a legislação não é impeditivo para contratar os funcionários do seu estúdio. O impeditivo é que você vai ter de pagar uma carga trabalhista muito alta. Você pode adequar o projeto incluindo os valores do imposto e claro que você corre o risco de ser cortado pelo parecerista da Ancine. É preciso se adequar a essa realidade. Você, para ser formal, precisa entender que os valores praticados incluem o custo Brasil. Imposto é custo Brasil”, disse ela, explicando a forma como se dá a adequação: “Quando você recebe uma planilha com preços fechados e você tem que justificar item por item, como no caso dos projetos, você briga por isso. O Ministério não tem que impor um preço, mas não pode cair numa falsa verdade entre o que deve ser feito e o que é praticado. Não me venha com planilha feita pela FGV. Eu dizia que quem tem de cortar é o Ministério. A adequação se dá no seguinte: tenho um corpo funcional para o qual pago carteira, então, tenho de embutir o imposto dentro do orçamento. Inclua no seu custo. Você vai pagar o imposto da forma correta para chegar ao líquido que você acordou com o seu funcionário e, aí, justificar. O setor ainda está reticente por medo de retaliações,
mas tem muita coisa que, com um mandado de segurança, acaba com certos excessos de normatizações que não cabem ao poder executivo legislar. Lei quem faz é o legislativo, ou a presidente, por medida provisória”, defendeu Ana Paula. “O que você propõe é que tudo seja feito em carteira, como manda a lei?”, questionou André. “Sim. Sendo que se coloque no orçamento o valor real do imposto do custo com o funcionário”, respondeu Ana Paula Dourado. “Isso acaba com todas as coproduções internacionais, de cara!”, André insistiu. “Aqui! Para o orçamento daqui”, Ana Paula Dourado replicou. “Mas o Brasil vai ficar absurdamente caro! Todos os preços da animação no Brasil dobram”, André não se deu por vencido. “Por isso que eu defendo, André, que a lógica é você investir na empresa e a empresa gerir o recurso de investimento dela com os impostos que ela tem de pagar. Não um projeto que tenha que aprovar o item da sua secretária, que tem carteira assinada”, rebateu Ana Paula. “Mas onde vai parar o custo Brasil? O equipamento já custa o dobro por causa do imposto de importação. A mão de obra vai custar o dobro. Aonde a gente vai parar?”, voltou André Breitman. “Ou se estabelece como produtora e terceiriza prestação de serviço de outra pessoa jurídica, ou assina carteira. Esses são os meios legais. A lógica é que tem de mudar. Vocês vêm lutando pela redução tributária. Outra lógica é que os investimentos do Fundo Setorial não têm de ser destinados à rubrica específica de um projeto, mas sim para a empresa. A empresa deve gerir o recurso e prestar conta. Enquanto continuar a lógica do projeto, o problema permanece”, disse Ana Paula. “A gente já tem o livro mais caro do mundo.
Vamos ter a televisão e o cinema mais caros do mundo. Devemos simplesmente aceitar que tudo é custo Brasil e vamos pagar? Vamos aceitar que é muito caro? A coprodução internacional vai continuar assim, só que a gente vai animar no Canadá”, André Breitman comparou. “É isso. Além de exportar talentos, a gente vai fazer serviços lá fora. Você filma na Argentina com preço três vezes menor do que no Brasil”, Ana Paula Dourado quase suspirou. Zé Brandão acalmou os ânimos. Mas não tanto: “O orçamento vai ficar mais caro, a Ancine não vai aprovar, ou a TV não vai dar os 15% necessários, ou se vai reduzir o salário do animador, o que é injusto. O primeiro risco é o animador sair do país ou, pior, o animador prestar concurso público, porque a gente é apaixonado por animação, mas tem de viver também.” Diller disse ‘se você quer fazer animação, não faça longa-metragem, faça para televisão. Eu venho de uma produtora que já desenvolveu cinco projetos. Nós fomos a todos os eventos e rodadas de negócios. Alguns projetos se encaixavam ou não. E, diante dos que se encaixavam, perguntavam: ‘O que vocês já fizeram?’ Nada. ‘Então tá, a gente vai avaliar e responder’. E é lógico que não respondem. A pergunta é: o melhor caminho é TV ou internet? Diler Trindade – O melhor é a internet. Se você conseguir fazer o seu trabalho sem captar recurso nenhum, e fizer de graça e puser de graça na internet, você vai botar e vai começar a aparecer. Mas é meio surreal porque, em geral, a gente trabalha e quer receber. É difícil, é realmente muito difícil. É o cachorro correndo atrás do rabo. A gente não encontra boa solução. E eles estão pensando em complicar ainda mais o FSA e o custo Brasil ataca por todo lado pela burocracia. É muito difícil trabalhar, mas não há jeito. A gente gosta de fazer e continua a fazer. Sabe uma maneira de vencer a barreira? Faça uma coprodução. Já que você não tem pontuação para começar, junte-se a alguém que tem uma experiência maior que você e já tenha
feito alguma coisa. Depois de duas ou três coproduções, você terá pontuação necessária para captar e se habilitar para concorrer às suas próprias produções. Ao final, ficou a dica: Além de contratar um bom advogado, procure uma consultoria do Sebrae, que não vai cobrar nada por isso. O Anima Forum acabou aqui. Até o ano que vem!
Créditos Relatório Forum Direção Aída Queiroz Cesar Coelho Lea Zagury Marcos Magalhães Coordenação de Produção Ellen Gaspar Produção Livia Egger Assistentes de Produção Fabiana Oliveira César Alfonzo Mirella Catto Camila Borges Julia Couto Intérprete Martha Moreira Lima Edição e Redação Maria da Luz Miranda Projeto Gráfico Relatório Adso Papandrea Designer Gráfico OESTUDIO Fotografia Ponto de Equilíbrio Cenografia Sergio Marimba