Relatório e Palestras 2012

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Relat贸rio




Créditos Direção Aida Queiroz Cesar Coelho Léa Zagury Marcos Magalhães

Coordenação de Produção Ellen Gaspar

Produção Vinícius Oliveira

Assistente de Produção Livia Egger

Intérprete Martha Moreira Lima

Edição e Redação do Relatório Maria da Luz Miranda

Projeto Gráfico do Relatório Adso Almeida

Design Gráfico Manuela Roitman

Fotografia Naldinho Lourenço | Ponto de Equilíbrio

Cenografia Marimba



17 de julho

terça-feira

Palestra - O novo Fundo Setorial do Audiovisual e a Lei 12.485/11 Convidado: Glauber Piva, diretor da Ancine

O Anima Mundi chegou aos 20 anos cheio de vida. O público está cada vez mais atento e curioso, e a produção de animação no Brasil dá sinais evidentes de expansão e amadurecimento. Com um bom dia festivo, o diretor do festival Cesar Coelho abriu o Anima Forum 2012. Os desafios persistem, mas os avanços dão provas de que os tempos, definitivamente, são outros. O Fundo Setorial Audiovisual e a Lei 12.485/2011 têm grande participação nessas mudanças e representam uma virada radical na proposta de produção brasileira do audiovisual, ressaltou Cesar Coelho. Tanto que a programação do Anima Forum contou com um capítulo especial nesta edição. Para anteceder a mesa de abertura, o público teve uma aula sobre como funciona e qual a nova composição do FSA, e as perspectivas abertas com a chamada Lei da TV Paga.


O convidado para a tarefa foi o cientista social Glauber Piva, diretor da Ancine, instituição que coordena as principais políticas de fomento e fiscalização para o setor audiovisual e, junto com a Anatel, é responsável pela aplicação e regulamentação da Lei 12.485/2011. Alvo de discussão e polêmica por quase cinco anos, a Lei da TV Paga foi aprovada pelo Congresso Nacional em agosto de 2011 e sancionada um mês depois. Especialista no assunto, e ciente do forte impacto e repercussão da nova legislação na produção nacional para TV, o diretor da Agência Nacional de Cinema tem percorrido muitos fóruns. Tanto a Lei quanto o Fundo Setorial Audiovisual têm sido tema recorrente pelo Brasil afora e a agitação é um bom sinal, ressaltou Glauber Piva, já abrindo o diálogo com a plateia.

O Fundo Setorial Audiovisual Ancorado no Fundo Nacional de Cultura como categoria de programação específica, o Fundo Setorial Audiovisual foi criado pela Lei 11.437, em 2006, e regulamentado em dezembro de 2007. Os recursos que o compõem e são cada vez mais expressivos para os padrões brasileiros, explicou Piva, vêm, principalmente, do CONDECINE, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, e do FISTEL, o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações. Para 2012, as cifras chegam a R$ 205 milhões. E ainda haverá um reforço de mais R$ 400 milhões por conta da implementação da Lei. Um caixa bastante robusto, que vêm principalmente do Orçamento Geral da União. O FSA tem uma lei própria, que o cria, mas tem uma relação muito próxima com a Lei 12.485/2011, a Lei do Serviço de Acesso Condicionado. “Foram muitos debates, movimentos de partidos, da sociedade civil, do governo, e uma participação muito ativa da ABPITV (Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão). Foram muitas conversas e participações e muitos atores para que se chegasse à conformação da nova legislação”, ele relembrou.

A Lei 12.485/2011 A 12.485/2011, que começou a tramitar em 2007, veio para substituir a Lei do Cabo, que organizava e regulava a transmissão de TV por cabo físico. “Era uma lei que incorporava a NET, por exemplo, mas a SKY, que era por satélite, não estava incluída, ou seja não havia cobertura para essa modalidade”, disse Piva para explicar as limitações e a necessidade de uma legislação mais abrangente. “A nova lei não faz esse tipo de distinção, por plataforma de distribuição. Ela organiza todo o serviço de acesso condicionado, ou seja, todo o serviço de audiovisual pelo qual as pessoas têm de pagar para assistir, ter acesso, etc”, pontuou. O Serviço de Acesso Condicionado, o CEAC, é o serviço de telecomunicações de interesse coletivo prestado em regime privado e destinado à transmissão de conteúdos audiovisuais em forma de pacotes. Trata-se de um serviço que pode ser prestado por quaisquer meios de tecnologias, processos e protocolos de transmissão. “É conhecido como a Lei da TV Paga, mas ele também dialoga com outras modalidades de serviço audiovisual, como o vídeo por demanda, o pay-per-view, os canais comunitários, canais universitários, e também a internet, que não é o que nós tratamos agora, nem a Anatel nem a Ancine.” A lei estrutura as cadeias de atividade de cada agência e as atribuições são bem demarcadas. À Ancine cabe regular e fiscalizar a programação, o empacotamento e a produção. Já a Anatel é responsável por regular e fiscalizar a distribuição e está mais voltada para a infraestrutura, ou seja, para os aspectos que envolvem a distribuição. “Compreender o que cada agência faz é fundamental para entender a Lei 12.485”, ressaltou Glauber Piva.


Conceitos

Espaço qualificado

As quatro áreas de atuação ou atividades da comunicação audiovisual de acesso condicionado, portanto, são: produção, programação, empacotamento e distribuição.

Um conceito estruturante da lei 12.485/2011. De acordo com o texto do Art. 2o, o Espaço Qualificado é o espaço total de programação do canal de programação ou do catálogo de conteúdos audiovisuais, com exceção de: conteúdos jornalísticos e programas de auditórios ancorados por apresentador, manifestações de eventos esportivos, conteúdo veiculado em horário eleitoral gratuito, jogos eletrônicos, propaganda política, conteúdos religiosos, concursos, publicidades, televendas, conteúdos religiosos ou políticos, propaganda política obrigatória.

Empacotadora é quem monta os pacotes que o consumidor adquire. Dentro dos pacotes estão as programadoras. “A Globosat é uma programadora, que tem seus canais. A Turner é programadora, a HBO é programadora. No âmbito de empacotamento, a programadora é aquela que monta os pacotes que se compra. A Ancine trata desses detalhes, já que a Lei determina cotas de conteúdo brasileiro dentro de cada canal, por exemplo”, explicou. As duas agências, Ancine e Anatel, a partir da sanção da Lei, tinham seis meses para colocar em operação a nova legislação. “A Lei foi construída para televisão por assinatura, ou seja, ela foi majoritariamente desenhada para TV paga. Não faz distinção de tecnologias e plataformas de distribuição, mas, com esse foco, significa que a regulamentação de conteúdo para internet é uma coisa que a gente ainda vai ter de discutir no futuro. A lei nos dá o suporte inicial mas não abrange todos os detalhes que são necessários. Ainda estamos na fase de discussão do marco civil e dos contornos da internet no país”, afirmou.

A definição se dá, portanto, pela exclusão. “Coube à Ancine, ao fazer a regulamentação, tratar dos conteúdos que não foram excluídos. Essa foi uma das nossas principais atribuições”, ratificou Piva. A lei usa o conceito de espaço qualificado para definir a cota, ou seja, quais serão os conteúdos que vão cumprir a cota de produtos brasileiros, seja de produção independente ou não, nos canais de televisão paga. “Não quer dizer que a Copa do Mundo, por exemplo, será um evento prejudicado pela Lei. Pelo contrário, os programas esportivos não sofrerão nenhuma interferência”, esclareceu.


Canal de Espaço Qualificado É um canal de programação que, no horário nobre, veicule majoritariamente conteúdos audiovisuais que constituam o espaço qualificado. “Isso quer dizer que o horário tem de ser nobre. São sete horas nos canais de programação infantil e seis horas nos canais de programação não infantil. Ou seja, mais da metade do tempo em seu horário nobre. Os canais não podem gastar mais da metade do seu tempo nos conteúdos definidos na lista”, Piva detalhou um dos principais critérios para entendimento do conceito e para a aplicação prática.

Canal Brasileiro de Espaço Qualificado É aquele que deve cumprir, como requisitos, ser programado por programadora brasileira; veicular majoritariamente, no horário nobre, conteúdos audiovisuais brasileiros que constituam espaço qualificado (sendo metade desses conteúdos produzidos por produtora brasileira independente); e ainda não ser objeto de acordo de exclusividade, ou seja, a programadora não pode ser impedida de comercializar, para qualquer empacotadora interessada, os direitos de sua exibição ou veiculação. Canal Brasileiro de Espaço Qualificado, o CBEQ, é programado por empresa programadora brasileira e as programadoras têm de veicular conteúdo brasileiro por três horas e meia por semana nos canais de espaço qualificado. Valem acordos comerciais, mas não vale a garantia de exclusividade. “O cumprimento da chamada cota significa que durante uma semana, 3h30 do conteúdo do horário nobre tem de ser de conteúdo brasileiro e constituir espaço qualificado, sendo que metade desse conteúdo deverá ser produzido por produtora brasileira independente. E, para fechar, esse canal não pode ser alvo de acordo de exclusividade”, reforçou Piva.

Produtora brasileira independente É aquela que não pode ser controlada por uma concessionária de radiodifusão, ou seja, não pode ter qualquer vínculo ou coligação com uma programadora ou empacotadora. Segundo a Lei determina, são empresas constituídas e com sede em território brasileiro, que tenham 70% (setenta por cento) do capital total pertencentes a brasileiros, e cuja gestão e responsabilidade editorial seja atribuição exclusiva de brasileiros. Estão fora dessa obrigatoriedade: a TV aberta, os canais de programação e distribuição obrigatória operados pelo poder público, os canais universitários, os canais estrangeiros que não passaram por modificação, os canais de programação erótica. No caso do vídeo por demanda, caso seja espaço qualificado, 10% de seu catálogo têm de ser de programação brasileira. O pay-per-view também não estará sujeito à obrigatoriedade, desde que não seja canal de compra de espaço qualificado (nesse caso, será preciso cumprir a cota de conteúdo).


Carregamentos de canais brasileiros nos pacotes Todos os pacotes devem ter canal brasileiro de espaço qualificado. A obrigação válida para as programadoras brasileiras é de que para cada três canais de espaço qualificado, um tem de ser brasileiro de espaço qualificado. “Fazendo as contas, um CBEQ para cada três canais de espaço qualificado. A cota vale até o limite de 12 canais brasileiros de espaço qualificado. E há uma progressividade de um ano, sendo que um ano já se foi. A gente vai entrar no funcionamento da Lei já no segundo ano”, ponderou Piva, sobre a fase de ajustes. Dos 12 canais brasileiros, o teto da obrigação, oito podem ser canais programados por programadoras brasileiras, e quatro têm de se=r programados por programadoras brasileiras independentes. “Pelo menos um desses quatro canais deve veicular 12 horas de produção independente por dia. E outro desses canais não pode ter vínculo com associação radiodifusora”, resumiu.

Regulamentação O que foi explicado até aí, disse Glauber Piva, foi o resultado do que o Congresso Nacional aprovou, das muitas discussões que a elaboração da Lei 12.485/2011 envolveu. Definido o texto, a Ancine partiu para a regulamentação das cotas.

Objetivos da Regulamentação Entre os muitos objetivos da regulamentação, o diretor da Ancine listou como principais: aumentar a competitividade e a sustentabilidade do setor audiovisual, ou seja, torná-la economicamente viável; ampliar o acesso às obras dos canais brasileiros de programação; estimular a interação entre os elos da cadeia produtiva; estimular a ampliação da produção audiovisual brasileira; e induzir a viabilidade econômica das produtoras.


O mais estruturante da regulamentação, segundo ele, é o estímulo à produção de conteúdo brasileiro independente, que implica em dar condições para que o Brasil crie um produtivo parque audiovisual independente, que não seja controlado pelas programadoras nem pelas radiodifusoras. “O objetivo principal é que nós tenhamos produtoras brasileiras estruturadas que possam produzir muito e para vários contratantes. Isso é o que estrutura a Lei. E a regulamentação disciplina o que ela diz.”

Poder dirigente O conceito estruturante da regulamentação é o poder dirigente sobre o patrimônio da obra audiovisual. O que significa que o produtor deve deter o poder de controle sobre os direitos patrimoniais da obra e, com esse direito resguardado, ele possa aferir renda associada a essa participação patrimonial. “Quer dizer que você tem de ter os direitos e participação na receita sobre o que você cria. Não vale a terceirização, o contrato de gaveta. O poder dirigente sobre a obra tem de estar na mão dos produtores. Não vale transferir para uma programadora todos os direitos para que ela comercialize e você fique com 2% por 20 anos, por exemplo. Isso descaracteriza a ideia de produção brasileira independente. E se a produtora conseguir uma autorização da Disney para fazer o Mickey no Brasil? Bom, desde que a Disney dê a essa produtora todos os direitos no Brasil, ok. Mesmo que o bonequinho fique com a Disney, se você tiver todos os direitos sobre aquela obra audiovisual, vale esse acordo. Mas a condição é que o produtor mantenha o poder dirigente sobre a obra”, destacou.

Qual o conteúdo que constitui conteúdo de espaço qualificado? Vale tudo o que não está excluído pela Lei, em resumo: séries ou não-séries de ficção, documentário, animação; programas de variedades; reality show (o formato a partir do qual foi originado tem de ser de titularidade de agente econômico brasileiro, e é bom lembrar que não valem concursos); e vídeo musical.

“Esses são os itens que são considerados para cumprir cota. Vídeo musical, por exemplo, vale apenas nos canais majoritariamente de conteúdo vídeo-musical. A programadora, para completar sua cota, desde que seja em canal específico, pode usar esse recurso. Um show de uma hora, por exemplo. Se é a FOX ou a Universal, aí já não pode. Só vale em canal específico. O mercado nesse caso é muito duro, mas é isso”, ressaltou Piva.

Publicidade Segundo a regulamentação da Ancine, valem as mesmas regras gerais: 25% do dia, dentro da grade geral e também do horário nobre. “Nos canais para público infantil, isso resulta em 105 minutos, de sete horas. Nos canais para público não infantil são 90 minutos”, destacou. A publicidade legendada em português, quando contratada no exterior, deve ser contratada por meio de agência brasileira de publicidade, Piva reforçou o detalhe a que todos também devem ficar atentos. É uma forma de valorizar as agências nacionais.

Orçamento do FSA O diretor da Ancine exibiu um quadro com a evolução do orçamento do Fundo Setorial Audiovisual desde que foi criado: R$ 38 milhões em 2007 R$ 56 milhões em 2008 R$ 99 milhões em 2009 R$ 65 milhões em 2010 R$ 227 milhões em 2011 (sendo que R$ 90 milhões eram de uma emenda parlamentar) Até julho de 2012, cerca de R$ 205 milhões já estavam disponíveis para contratação em todas as linhas, cada uma com um percentual dos valores. “Esses recursos serão direcionados para produção de longa-metragem, produção independente para televisão, direitos e distribuição de longas e comercialização de obras”, anunciou Piva.


Linhas de ação do Fundo Setorial Audiovisual “O dinheiro está nas ruas, é ir lá e buscar, contratar. Fluxo contínuo ou edital. Na verdade, são cinco linhas, porque a linha A se desdobra em duas. Ainda em 2012, serão mais R$ 400 milhões de reais destinados à produção, derivados da nova legislação. É um volume jamais visto”, avisou Piva. Quem quiser que se apresente, ou melhor, que apresente e submeta os seus projetos a análise. Os candidatos, ou melhor, as propostas, devem se enquadrar nas seguintes linhas: Linha A – voltada para a produção cinematográfica de longa-metragem, incluindo projetos de coprodução internacional;

Na distribuição, a lei define que 30% de todos os recursos do Novo FSA (pela nova fonte de recurso) têm de ser destinados às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, uma medida adotada para amenizar a visível desigualdade na produção audiovisual existente no país. O percentual garante que prevaleçam os critérios de regionalização da produção e da programação. Outros 10% devem ser destinados ao fomento de produção de conteúdo audiovisual independente veiculado primeiramente nos canais universitários, comunitários ou de programadoras brasileiras independentes. “Esses percentuais não se somam, necessariamente.”

Desafio para a Animação

Linha B – voltada para a produção independente de obras audiovisuais para a televisão;

A produção de animação tem sido feita com recursos da Lei do Audiovisual e do FSA. O Fundo apoiou, de 2008 a 2012, 37 projetos de animação em todas as linhas de ação.

Linha C – voltada para a aquisição de direitos de distribuição de obras cinematográficas de longa-metragem; para a aquisição de direitos de distribuição de longa-metragem de produção independente, com utilização dos recursos na produção da obra, para exploração comercial em todos os segmentos de mercado;

Nas três edições, foram 72 projetos habilitados. Sendo que 50% deles entraram na chamada oral. “A demanda para TV paga é maior que a demanda para cinema”, ressaltou Piva. Segundo ele, na linha de produção para televisão do FSA, 40% das obras nos últimos três anos são de animação.

Linha D – voltada para a comercialização de obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem no mercado de salas de cinema.

De onde vem o dinheiro Os recursos vêm da CONDECINE. Os fatos geradores da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, até então, eram a veiculação, o licenciamento e a distribuição de obras audiovisuais e remessa ou crédito ao exterior. A Lei 12.485/2011 acrescentou mais um elemento, que é a prestação de serviços de distribuição. “Isso quer dizer que as empresas de telecomunicações começam a pagar a CONDECINE também, por isso vem mais dinheiro. A arrecadação da contribuição é até maior, mas esse é o acerto feito com o governo para esse ano. A expectativa é que haja crescimento para os próximos anos, vai depender do desempenho ano a ano do FSA”, avisou.

Já na linha D, que é de comercialização, apenas um projeto de animação foi contemplado nos últimos cinco anos. “Acende um luz amarela, aí. Faltam projetos de animação para salas de cinema? Pode ser. Mas sei de projetos já estruturados, prontos para ir para o cinema e faltam distribuidores. Mas faltam distribuidoras dispostas a investir em animação brasileira. Claro que essa é uma ideia mais severa. Significa que as distribuidoras brasileiras ainda não estão seduzidas pela ideia de distribuir animação nacional.” Segundo Piva, há muito para enfrentar e, fundamentalmente, o desafio inclui melhorar a gestão do Fundo Setorial e aumentar a eficiência de gestão também dos agentes envolvidos. “Temos de melhorar nossa eficiência, esse é um problema gigantesco. Nosso grande desafio, hoje, é ter eficiência de gestão. Quando a gente olha esse volume todo e mais o que está para entrar, pensa no que temos pela frente, claro que é um desafio”, afirmou.


Mas há otimismo diante das novas perspectivas. “Houve uma mudança de agente financeiro, e isso é bom. O BNDES tem sido um parceiro muito relevante e agora, com a entrada do BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul), nós estamos muito confiantes com a nova engenharia que está sendo desenhada para o FSA. Mós precisamos conferir agilidade ao Fundo Setorial, precisamos estreitar as relações com os produtores. A Ancine reconhece que é preciso diversificar as linhas de ação. Mas não conhece os detalhes da animação, essa é uma crítica que a gente aceita”, ponderou Piva. “É fundamental um investimento mais robusto, sério e consequente em planejamento e concepção de projeto, principalmente na linha de desenvolvimento. Quando se pensa em cinema para criança de até 10 anos, por exemplo, existe uma carência gigantesca no Brasil. Apesar de termos projetos de animação, no geral, quando se procura filme com classificação livre, não tem”, avisou Piva, que defende os projetos multiplataforma como uma necessidade. “É hora de começar a flertar com projetos multiplataformas, que já cheguem pensando na sala de exibição, na televisão, na internet, etc etc. Esses são desafios que precisamos encarar. Reconhecemos que precisamos fazer isso.”

Para chegar lá, a Ancine está desenhando hipóteses sobre quais caminhos seguir e quais modalidades de suporte financeiro podem ser adotadas: “Apoio não-reembolsável, crédito, operação, capitalização de empresas audiovisuais, participação em empresa, participação em fundo, repasse, compra pública, auxílio, adiantamento, bolsas (de iniciação científica, de roteiro, desenvolvimento de projeto), adiantamento por conta de expectativa de direito, prêmio, equalização de encargos financeiros”, Piva enumerou as muitas possibilidades em estudo para ajudar a tornar o audiovisual mais consistente. A procura é grande, mas falta preparo. “O cara diz pô, tive uma ideia genial, passei dez anos, fazendo esse projeto. Quando você vai ver, ele não fez um teste lógico, o projeto é completamente amador. Isso é característica de como o nosso setor se estruturou, do nosso mercado? Talvez. O fato é que a política pública coordenada pela Ancine não nos permite imaginar onde estão os nossos problemas. Exige da gente detectar as nossas lacunas e atuar claramente, com precisão, com capacidade de reavaliação de rumos e retomada de direções. Isso é importante para que a gente construa, efetivamente, uma política pública saudável.”


Suporte financeiro

Problemas e soluções

Glauber Piva adiantou os sistemas de suporte financeiro com os quais o Fundo Setorial Audiovisual pretende atuar. Quatro, pelo menos:

Os desafios estão por todos os lados no audiovisual. No caso específico da animação, Piva ressaltou que é preciso estabelecer e construir prazos e procedimentos mais adequados. É preciso conhecer o mercado para fazer política pública adequada:

- Automático, em que a seleção de ações financiadas é feita diretamente pelo beneficiário, premiado por práticas e desempenhos comerciais anteriores; - Seletivo, em que as ações são selecionadas sem a participação de empresas ou projetos, por técnicos credenciados mediante critérios públicos estabelecidos; - Crédito a empresas audiovisuais, um sistema para cobertura de investimentos, um cartão BNDES para o audiovisual, talvez, essa é uma modalidade ainda não definida; - Participação em empresas audiovisuais, que não está desenhado, mas é um caminho que o FSA também pode seguir.

“De uma parte, a gente pode dizer que a animação pode entrar na linha A, na linha B. Mas não dá para misturar em todos os casos, a inteligência necessária para a regulação da animação, com outros projetos live action, por exemplo. Não dá para tratar todo mundo igual. Os tipos de obra e os tempos são diferentes. Precisamos tratar disso de maneira diferente. O tempo de desenvolver um longa-metragem de ficção live action é diferente do tempo de produzir um projeto de animação 3D em coprodução com a Coreia, se é diferente, precisamos tratar disso considerando essas particularidades.”


Piva lançou o desafio de montar um grupo de trabalho conjunto para construir propostas claras para a animação, num prazo de 90 dias a partir do Anima Forum. Um grupo que reúna o setor de animação, a Ancine e o setor de financiamento. “Nós precisamos fazer uma avaliação específica que não é de corte regional. O corte deve ser feito pelo tipo de obra. Está aí o desafio, espero que vocês topem. A Ancine reconhece que precisa trabalhar junto. Vamos encontrar os parceiros?”, ele lançou para a plateia. Entre os muitos entraves que o audiovisual enfrenta e as áreas mais carentes de fomento, Piva enumerou: desenvolvimento de projetos, infraestrutura de produção, capacitação profissional, capacitação para a gestão empresarial, distribuição da animação brasileira, coproduções internacionais, pesquisa e inovação. “Investir no audiovisual é também investir no gestor da empresa, não apenas no desenhista, no roteirista, no animador, no ator”, reforçou.

Impacto da Lei 12.485/2011 O impacto da Lei 12.485 é grande. A estimativa é de que sejam necessárias 20 mil horas por ano de veiculação de conteúdo brasileiro na TV paga, o que significa muita gente ansiosa e uma necessidade de cuidado redobrado. “A ampliação do parque vai ter de acontecer, o Norte e o Nordeste vão ter de construir propostas concretas. Nossa tarefa é construir regras que inibam práticas como a produtora do Rio ou de São Paulo abrir um escritório em Goiás, por exemplo. Claro que há um perigo aí. Há um gradiente de exigências que tem de ser feitas para evitar distorções e equívocos”, Glauber explicou que a Lei 12.485 é parte da lógica de união e descentralização. “Ela existe porque houve pressão do Norte e do Nordeste e do Centro-Oeste. É preciso descentralizar o investimento, construir politicas que permitam o encontro do Brasil consigo mesmo. Qual o caminho? É a primeira vez que um órgão como a Ancine conversa e desenha uma diversidade tão grande de mecanismos de fomento. A Ancine tem apenas dez anos. A lei oferece muitas responsabilidades. Mas não é a Ancine, sozinha, que vai fazer todo o trabalho.”

As perguntas começaram. Muitas histórias de sucesso que se vê hoje começaram com curta-metragem. Estimular esse formato não seria também estratégico?

É preciso encontrar vários caminhos e os caminhos, não necessariamente, são caros. Às vezes,pode ser tempo, que não é de 18 meses. A gente não vai resolver todos os nossos problemas, mas é mais uma questão de jeito que de força. Não adianta pensar que temos R$ 400 milhões, ano que vem vamos ter mais R$ 600 milhões. Temos de ter muito cuidado. Ter muita calma.

Como fazer um projeto para que ele seja viável? Como acertar? Quando os projetos são bem desenhados do ponto de vista formal e são submetidos à análise técnica, essas análises são desenvolvidas aos proponentes. Mas não me parece que seja suficiente. Para atender de maneira adequada, o que nos cabe é trabalhar no desenvolvimento de projeto. E também investir em oficinas de roteiro, oficinas de coprodução Brasil-Canadá, Brasil-Bolívia, e por aí vai, por exemplo. É mais esse o desafio que se coloca agora. Como a Ancine pretende fiscalizar toda essa verba, que é pública? Como pretende realmente regulamentar o recurso público e como tornar o acesso mais fácil para as produtoras independentes e quem está começando?

Todas as informações sobre os projetos e sobre os valores que o FSA aprovar – desde que não invadam o interesse do privado – são públicas. E o público deve nos ajudar a fiscalizar. Não vai ser mais por inanição que o audiovisual vai morrer. O desafio é ser ao mesmo tempo ágil e eficiente na gestão; e ser correto e responsável na fiscalização. A gente ouve queixas da burocracia pelos produtores, sim, a Ancine pede muitas informações. Tenho medo também que os produtores achem que o dinheiro aqui é fácil e estejam fazendo contratos de gaveta e alijando de si o próprio direito, isso é difícil de fiscalizar e controlar.


E o Guilherme Fontes, e o Chatô? Não dá para não pensar nesse caso. Nós temos tantas barreiras no setor e, no entanto, nos deparamos com um caso desses. O que vamos pensar?

Que tipo de fomento existe para o estudante, considerando que quem está fora do eixo Rio-São Paulo parece alijado? Como garantir formação, capacitação e mercado fora desses dois estados?

O Diário Oficial da União publicou (em julho de 2012) uma condenação em alguns milhões de reais. Esse caso não está em aberto.

No caso dos estudantes, o que queremos é uma parceria entre cultura e educação que tenha o audiovisual como vetor. Isso vale como ideia e vale como provocação. É um caminho, claro que não está pronto, tem de ser construído. O povo de Palmas tem de se unir ao povo de Goiás, por exemplo, e organizar propostas. Nós temos uma desigualdade que torna necessárias políticas de ação afirmativa que combatam essas desigualdades. Não adianta pensar em uma indústria de audiovisual instalada em cada estado, mas é possível ter polos de produção audiovisual por todo o país.

Em 2009, o Anima TV teve uma coisa muito positiva que eram os encontros regionais, em que se tinha feedback dos projetos. Mas não houve mais nada. Não seria interessante uma mesa de debate também com o MinC, que é uma ponta importante para os novos produtores, para diretores iniciantes? O diálogo tem sido muito difícil. Foram quase dois anos sem edital e, quando veio neste ano, todos que ganharam, em geral, já são diretores consagrados. Os diretores iniciantes precisam desse fomento. Tem muito de carta de intenção no que eu mostro. Pelo reconhecimento, principalmente, das lacunas que existem. Estamos bastante convencidos de que vai ser possível avançar, mas é preciso ouvir o que vocês falam.


Nas nações mais desenvolvidas, foi a independência do dinheiro do governo que deu autonomia à produção audiovisual. Não poderia se tentar desenvolver uma forma autossuficiente para o setor no Brasil? Não é exatamente correto dizer que outras nações economicamente mais desenvolvidas não aportem recursos públicos no audiovisual. Os casos da França e dos EUA talvez sejam emblemáticos. Para entendermos o quanto Os EUA fizeram de investimento de estado no desenvolvimento do cinema, basta lembrar que a lógica era a ‘cada arma que eu vendo, você leva um filme meu’. Isso porque os EUA entenderam, lá nos anos 1950, que o cinema era uma forma de exportar valores e bens culturais. E essa foi a maior sacada do país, numa ação imperialista. Triste, do nosso ponto de vista, mas foi. Hoje me pergunto, será que não temos de fazer uma ação forte de coproduções brasileiras com cinematografias menos desenvolvidas? A gente está virando um gigante que pode causar danos terríveis aos nossos países vizinhos. Talvez devêssemos investir em uma forma de parceria com a comunidade andina, num projeto não imperialista de reconhecimento da América Latina. Não há indústria audiovisual que se desenvolva sem parceria do estado. Agora, o Fundo Setorial é um modelo de investimento, de parceria mesmo. O FSA se torna sócio do filme. E essa engenharia é uma experiência nova para nós.

Como serão geridos esses recursos do FSA? Estamos em fase de transição. O FSA foi estruturado com base em parceria com a Finep, que foi agente financeiro no período inicial. Estamos saindo da Finep e já ancoramos no BRDE. Nossa parceria principal é com o BNDES. Grande parte das atividades que a Finep fazia, estamos internalizando na Ancine. Temos conhecimento das demandas, convicção e segurança de que é possível caminhar com o BRDE, mas a gente tem dificuldade para encontrar outros agentes financeiros.

No final, Cesar Coelho enfatizou que quem mexe com animação sabe que será preciso paciência e que a gestão dos recursos precisa ser feita com muito cuidado. “Há de se ter uma visão clara e profissional do que se tem de fazer com esses recursos. Não pode ser porque existe dinheiro que vamos usá-lo indiscriminadamente. A gente tem resistência para colocar ideias, para testar projetos. Uma das propostas seria criar uma consultoria gratuita de roteiro, design, gestão, planejamento. Pensar isso mais especificamente para a animação. O Anima Mundi tenta, na medida do possível, fazer isso. Mas mais do que nunca está na hora de pensarmos na gestão desses recursos de maneira eficiente e sadia”, afirmou. Ao encerrar, Glauber brincou sobre a necessidade das parcerias e das conversas. “Se a gente não fizer parceria, vai pagar o mico de ficar com esse dinheiro no bolso e não conseguir gastar. Mas é preciso gastar bem, gastar com eficiência, gastar com responsabilidade. Esse é o nosso desafio. O estado só é inteligente quando consegue dialogar.”


17 de julho

terça-feira

Mesa-redonda - Fundo Setorial Audiovisual e Animação Uma avaliação e análise da ação do FSA até o momento e os desdobramentos futuros após a Lei 12.485 e a nova gestão, sempre do ponto de vista das produções em animação. Participantes - Rodrigo Camargo (Ancine), Renato Nery (TV Cultura), Fernanda Farah de Abreu Zorman (BNDES), Luiz Bolognesi (Buriti Filmes). Moderador - Marta Machado (Otto Desenhos Animados/ABCA) Com o reforço e os subsídios dados pela palestra de Glauber Piva, diretor da Ancine, a primeira mesa do Anima Forum reuniu representantes dos vários setores envolvidos no processo do audiovisual para discutir as novas oportunidades e desafios gerados pelo Fundo Setorial Audiovisual e a Lei 12.485/2011. Sob a ótica e com o foco na animação. O que aconteceu até aqui com o Fundo Setorial? O que significou, para a animação, essa nova fonte de recursos? Que filmes foram financiados pelo FSA? Essas seriam as perguntas iniciais que norteariam as três horas seguintes de conversa, avisou a mediadora, Marta Machado, produtora associada da Otto Desenhos Animados de Porto Alegre.


Rodrigo Camargo

Governança

Com a palavra, Rodrigo Camargo, especialista em regulação da atividade audiovisual e cinematográfica. Na Ancine desde o início do FSA, o superintendente de fomento atevese, inicialmente, aos resultados obtidos nos primeiros cinco anos do Fundo Setorial, e aos editais abertos até novembro de 2012.

Para explicar os atores envolvidos, Rodrigo mostrou a estrutura de governança do FSA: na linha de frente está o Comitê Gestor, que define os critérios e as linhas de financiamento que vão ser oferecida; abaixo dele, vem o Comitê de Investimentos, que participa da seleção das propostas; e a Ancine, que atua como secretária executiva e incorpora o Núcleo FSA e a Superintendência, que cuida de toda a operação de seleção e acompanhamento de todos os projetos.

Segundo as contas da Ancine, desde a criação do Fundo Setorial Audiovisual e dos primeiros editais, lançados em 2008, foram investidos, em média, R$ 100 milhões por ano. Ou seja, de 2007 a 2012, o montante chega a R$ 500 milhões. Ao comentar a evolução dos recursos disponibilizados nos editais, Rodrigo ressaltou que, como em 2011 não houve editais, o volume em 2012 quase dobrou. Os R$ 205 milhões disponibilizados este ano incluem o que não foi utilizado no ano anterior. “Os dois orçamentos foram somados, o que gerou um volume maior.”

A estrutura inclui também os Agentes Financeiros, que são quatro: o BNDES, agente financeiro central previsto na própria Lei 12.485, é quem centraliza todos os recursos e as contratações dos agentes que vão operar na ponta. Como o banco não opera os editais diretamente, são contratados os agentes, que são a Finep – o primeiro agente financeiro contratado ainda na implementação do FSA, em 2007; o BRDE, o primeiro parceiro contratado com a intermediação do BNDES; e a CEF, que é agente financeiro do projeto Cinema na Cidade que, por sua vez, faz parte do programa Cinema Perto de Você, voltado para construção de equipamentos para salas de cinema em cidades com até 100 mil habitantes. O Comitê Gestor é formado por dois integrantes do Ministério da Cultura, um da Ancine, um da instituição financeira e dois do setor audiovisual. Já o Comitê de Investimento é composto por três funcionários da Ancine e três funcionários do agente financeiro que estiver operando a linha de ação.

Programas São três os programas previstos na Lei: o Prodecine, para cinema; o Prodav, para o audiovisual em geral; e o ProInfra, que inclui a expansão do parque exibidor.


Modalidades financeiras Entre os principais objetivos do Fundo Setorial Audiovisual estão ampliar e diversificar a infraestrutura de serviços e de salas de exibição; incrementar a cooperação entre os diversos agentes econômicos; e fortalecer e estimular a pesquisa e a inovação. Entre as formas de financiamento disponíveis, o quem vem sendo utilizado é investimento com participação nos resultados. “Todos os editais abertos para produção audiovisual trabalham com investimentos, o que significa que o Fundo fica sócio daquele projeto durante um período de tempo”, explicou. Linhas de atuação e participação da animação Comparando a participação da animação no total de projetos contemplados pelo FSA, a linha A, voltada para cinema, é a que tem mais demanda e mais recursos, e ficou com 10% do total. A linha B, para televisão, começou tímida em 2008, mas já atingiu o patamar de 20 produções e é tida como o grande trunfo para a animação, se considerada a expectativa da demanda pelo cumprimento das cotas previstas na lei 12.485.

“A linha C é voltada para os distribuidores, que escolhem projetos e apresentam proposta de adquirir direito de distribuição dos filmes. Nesse caso, o dinheiro do fundo vai para a produção. Foram apenas dois projetos até agora, o que demonstra que essa não é uma linha que tenha atraído muito os distribuidores. A linha D, que é voltada para a comercialização, é uma linha que também ainda não decolou, e teve apenas um projeto selecionado até então”, contabilizou Rodrigo. O total de recursos destinados para a animação foi de R$ 37 milhões. De 72 projetos habilitados, 34 foram selecionados. “Esse é um índice que demonstra que os projetos de animação têm um bom espaço no processo seletivo”, analisou Rodrigo.


Projetos habilitados

Renato Nery

Em três anos, o total de projetos de audiovisual apresentados ao Fundo Setorial foi de 800. Deste montante, 234 projetos foram contemplados. Projetos habilitados são os projetos que se inscreveram e estavam com a documentação correta.

Renato Nery, coordenador de coprodução e políticas públicas da TV Cultura, acompanha o Fundo Setorial desde o começo, quando ainda era um projeto. Com conhecimento de causa, ele fez questão de ressaltar que a TV pública se consolidou como a grande parceira desde a implementação do FSA.

Entre os projetos de animação que estão em produção, ou já foram lançados com apoio do FSA, estão: Histórias de Amor e Fúria, com lançamento previsto para abril de 2013; Minhocas, que está em fase final de produção; Tarcilinha, selecionado em 2009; Turma do Pererê; Aventuras do Avião Vermelho; Até que a Esbórnia nos Separe; Ritos de Passagem, um projeto da Bahia apresentado por uma distribuidora; e Peixonauta, uma adaptação da série de TV para cinema. Rodrigo também mostrou uma relação de todos os projetos de longa-metragem de animação selecionados pelo FSA. São 16, ao todo, entre eles Minhocas, Cidade dos Piratas, Turma do Pererê – o filme, e Osmar – Primeira Fatia do Pão de Forma.

Distribuição A linha de comercialização ainda não é utilizada pelas distribuidoras. “Isso significa que as distribuidoras ainda não enxergam potencial na animação. Tanto que não há uma única distribuidora especializada em projetos de animação. A Umagem tem dois projetos de animação, a RioFilme tem dois, e todas as outras têm um projeto só. É visivelmente muito pulverizado. O que não é ruim, mas ter apenas duas com mais de um projeto pode ser sinal de que alguma coisa precisa ser revista”, analisou Rodrigo.

Produção e exibição Para televisão, estão em produção as animações Meu Amigaozão, Caco e Dado, Tromba Trem e Carrapatos e Catapultas, Turma do Xaxado, Curiosidade Animal, O Baú do Lu, X Coração e Tordesilhas. Rodrigo ressaltou a parceria com a TV Brasil e a TV Cultura, que estão com três projetos em conjunto. “Ao contrário do que acontece com as distribuidoras, nesse caso há uma concentração de projetos”, afirmou ele, lembrando que os editais estão abertos para quem tem projetos para apresentar.

Com a incumbência de falar no Anima Forum sobre a relação entre o FSA e a TV pública, Renato fez uma linha de tempo em que retomou todos os projetos de animação dos quais a TV Cultura já participou. No primeiro Prodav, a TV Cultura entrou com dois projetos de animação. Usando o custo minuto de produção e o custo minuto da primeira licença como parâmetro, ele fez um comparativo entre o que se pratica no mercado e o que é praticado internamente pela TV Cultura. Com isso, segundo ele, é possível avaliar a performance dos projetos.


“No primeiro ano, os projetos Caco e Dado e Os Cupins geraram 230 minutos de conteúdo, a um custo total de R$ 171 mil. O custo minuto de produção foi de R$ 4.900 e o custo da primeira licença foi de R$ 988.”

Erros e acertos Caco e Dado era para a faixa etária de seis a nove anos. Eram 20 programas de 13 minutos. O target pretendido, no entanto, não correspondeu à audiência real quando o programa foi exibido. “A faixa etária não bateu. É a historinha de dois netos que dialogam com uma figura que pode ser um avô. Tem uma estrutura que atrai mais os homens e deve ter atraído muitos avôs. Consequentemente, a performance de audiência não foi muito boa”, avaliou. Já Os Cupins, que mexe com bonecos mas tem muita animação, tinha uma audiência pretendida de quatro a seis anos. “Acertou em cheio no target. Como ele tem um perfil de mais contar do que acompanhar uma historinha, ele teve um pico de 25 pontos de audiência no total. Foram mais de quatro milhões de espectadores no período da tarde e mais de dois milhões no período da manhã”, Renato contou que a produção vai muito bem, obrigado. No Prodav II, a TV Cultura está com três projetos de animação: Boa Noite Marta, Godofredo e Osmar – A Primeira Fatia do Pão de Forma. O investimento foi de $ 472 mil para um total de 551 minutos. “O custo de produção subiu. A primeira licença do produto foi para R$ 1200 e o custo do minuto foi para R$ 6 mil”, informou. No Prodav III, foram três projetos: Borbolândia, Tordesilhas e Carrapatos e Catapultas. “Os minutos totais de produção subiram para R$ 715, e o custo de produção caiu”, Renato fez as contas. Os números até agora indicam, segundo Renato, ao comentar o que a TV Cultura paga em aquisição de conteúdo nacional e internacional, que o Fundo Setorial tem um custo de primeira licença muito alto. “Na Argentina, por exemplo, o custo minuto de produção vai de R$ 2700 a R$ 7 mil, mas a qualidade é outra. O custo minuto da TV Rá Tim Bum é de R$ 1700, o que também confronta com o FSA. A gente recebe projetos

de custo muito alto.” Quanto seria o valor justo para uma primeira licença de conteúdo inédito brasileiro? “Putz, R$ 350, o que gera um custo de minuto de produção de R$ 3 mil, e a gente poderia gerar esse montante de conteúdos com quatro séries de 53 episódios. Conversando com os argentinos, a gente viu que eles têm um mercado que aparentemente é muito menor que o nosso, mas eles produzem muito mais e a um custo muito mais baixo. O que a gente vê é que os países em que o poder público investe são os países em que os preços inflacionam”, Renato opinou com base na própria experiência. Que projetos inscrever? Para que a plateia tivesse uma ideia do tipo de projeto que a TV Cultura aguarda na plataforma Lumlab, Renato citou Por que não? – de 52 episódios com capítulos de 11 minutos e custo de produção de R$ 1,750 milhão –, e Olha Só Que Beleza, de custo total de R$ 1,250 milhão.

Licença Não dá para baratear a licença? Segundo o coordenador do canal de televisão TV Rá Tim Bum, a tal licença não seria tão cara se os projetos fossem mais em conta. Por que não diluir os custos em vários projetos? Renato deu a sugestão para se enfrentar os custos altos de produção. Mais uma vez, a referência foi a Argentina: “Lá, todos os projetos têm 26 episódios e os conteúdos são bons, são bonitos e você fala ‘porra, isso aqui no Brasil custaria dez vezes mais’. Então, a gente precisa aumentar o volume de conteúdo. Animação é isso, mas o que alimenta a televisão é o volume. A TV pública investe e, no fim das contas, é quem gasta dinheiro, porque o produtor vende a segunda licença para o canal pago. Isso desmerece o nosso trabalho”, ele deixou a crítica. Do ponto de vista da política pública, Renato defendeu como essencial – e justo – levar em conta e valorizar o primeiro incentivador. “A minha sugestão é que se crie uma regra de alíquota de risco. Quem investe lá atrás para a primeira temporada, tem de ter sua participação patrimonial reconhecida. Também seria bom fazer a distinção entre TV pública de TV paga.”


Para Nery, o ideal seria que a TV pública assumisse dois papéis estratégicos: a coordenação executiva e a gestão compartilhada da marca. “A gente já faz isso na TV Cultura, no Anima Cultura. Quem nos conhece sabe o que é a coordenação executiva. A gente tem uma carteira dos projetos e nem todos eles têm o investimento que poderia ter. E isso é um trabalho muito importante, porque se a gente olha por cima, consegue facilitar encontros. Com uma produção colaborativa, a gente pode investir juntos para baixar os custos”, defendeu. Para arrematar, Nery também sugeriu que os 15% atuais de custo da licença sejam convertidos em 10% de direitos para licença e 5% de direito patrimonial em cima dos serviços que são feitos. “Convencer uma TV de que você vai dar um dinheirão que tem um valor de coprodução para aquisição é muito difícil. Só a TV pública faz isso.” Para quem tiver projetos para submeter, eis o site da Lumlab: lumlab.com.br.

Fernanda Farah Com muitos números e dados, Fernanda Farah, gerente do departamento de cultura do BNDES, fez uma explanação do volume total de recursos disponibilizados para o setor de audiovisual, o que foi feito em parceria com o FSA, e os projetos de animação apoiados até agora. “A gente realmente acredita no setor de animação. São cinco anos, já, de apoio ao Anima Mundi”, ela enfatizou que o BNDES é uma fonte importante de crédito de longo prazo, com foco voltado para o financiamento do investimento das empresas. “O que a gente promove e busca é o desenvolvimento sustentável”, adiantou a conversa na primeira mesa do Anima Forum. No último ano, Fernanda prosseguiu, o BNDES desembolsou R$ 140 bilhões para todos os setores. Em 2012, a ordem de grandeza deve ser mantida. O apoio é feito através de operações diretas – quando a empresa entra em contato diretamente com o banco, e o próprio banco faz o empréstimo e assume o risco da operação – e operações indiretas – quando outras instituições financeiras credenciadas fazem o repasse dos recursos e assumem o risco da operação.

A partir de um retrospecto da trajetória do BNDES, ela listou as áreas a que o banco tem destinado apoio dentro da economia da cultura. Em 1995, foram feitos os patrocínios através de apoio a obras de longa-metragem para cinema e preservação do patrimônio. Mais de uma década depois, em 2006, foi criado um departamento com foco no setor audiovisual, com a linha Procult. Em 2009, o Procult remodelado e ganhou um foco mais amplo em economia da cultura. “Nossas orientações estratégicas são apoiar a cadeia produtiva, estimular a rentabilidade e induzir a maior profissionalização e governança do setor. É isso que a gente busca. A gente quer ver o setor em evolução e capaz de buscar fontes de financiamento e gerar empregos e formalizar os processos”, definiu. A atuação do BNDES é dividida em apoio nãoreembolsável, que se dá através do edital de cinema e prevê parte dos recursos para apoio a séries de TV; financiamento através do Procult, que deve atrair mais investimentos com a remodelação pela qual está passando; o Cinema perto de Você, linha do FSA; e ainda os investimentos de renda variável.


Procult

Animação

O padrão do BNDES é fazer operações de no mínimo de 10 milhões, com análise de exposição ao risco rigorosa, além de uma exigência de fiança pessoal com garantia real de 130%. No Procult, a operação pode ser de no mínimo R$ 1 milhão. “Existem flexibilizações de regras de risco e aceitamos garantias diferentes do padrão do banco. Nós aproveitamos recebíveis como garantia”, explicou.

A animação é um setor prioritário nas políticas de audiovisual do BNDES, anunciou Fernanda. “Por gerar emprego, ser sustentável e ter possibilidade de ser nosso sustento no futuro”, afirmou. Até agora, quatro séries foram apoiadas através de uma composição de financiamento. Entre elas estão:

No balanço geral, entre 2005 e 2010, foram injetados R$ 165 milhões no setor audiovisual. Os recursos resultaram em 340 filmes, que ficaram com R$ 133 milhões de aporte. Os projetos de animação, por sua vez, possuem uma cota mínima no edital de cinema. Na parceria com o FSA, o BNDES atua como agente financeiro central e pelo programa Cinema Perto de Você, que já originou 111 salas de cinema. Mais recentemente, o BRDE foi contratado para atender nacionalmente as empresas através de editais.

Peixonauta/Fishtrounaut (produzida pela TV Pinguim, originalmente em parceria com Breakthrough), cuja primeira temporada foi lançada em 2009, foi a primeira série de animação comprada pela Discovery Kids Latin America. Líder de audiência entre todos os canais pagos, com 58% de share na TV aberta, foi vendida para mais de 65 países, incluindo Canadá e USA, e licenciou mais de 300 produtos. Escola pra Cachorro/Doggy Day School (produzida pela Mixer com o parceiro canadense City Amérique) teve a primeira temporada lançada em 2008, na Nickelodeon. Também financiada, a segunda temporada está em produção.


Meu Amigãozão/My Big Big Friend (produzida pela 2DLab em parceria com a canadense Breakthrough). Vencedora do Licencing Challenge no MIPCOM Jr. 200, teve a primeira temporada lançada no Discovery Kids LA em 2010, e na TreeHouse em 2011. A segunda temporada está em produção. Outras duas séries estão em análise. No caso dos longas-metragens de animação, o apoio do BNDES foi de R$ 12 milhões. Já o valor total de apoio a séries de animação, até o momento, foi de R$ 11 milhões, sendo R$ 6 milhões de financiamento, uma prova de que tem gente disposta a apostar. “As empresas assumiram o risco. Ou seja, pegaram o financiamento do BNDES e contaram com recurso incentivado, o que demonstra que existem empresas alinhadas com essa nossa diretriz, que é expor-se ao risco e se endividar e gerar novos projetos’, ressaltou. Os recursos estão disponíveis e a expectativa para os próximos anos é grande, mas direcionada. “A gente espera que as empresas nos procurem com um plano, não apenas com um único projeto. Que elas estudem janelas possíveis e estabeleçam o público alvo. Não que lancem um produto por lançar. A gente aposta no licenciamento de produtos”, Fernanda deixou o recado.

Luiz Bolognesi Um cara que não é de animação, mas resolveu fazer animação. Assim Luiz Bolognesi foi apresentado por Marta Machado. Diretor e roteirista da animação ainda inédita História de Amor e Fúria, foi contemplado duas vezes pelo Fundo Setorial Audiovisual. Com essa credencial, é mais do que habilitado para falar sobre o tema da mesa, disse a mediadora. O Fundo Setorial Audiovisual é um marco talvez tão importante quanto o surgimento das leis de incentivo, Bolognesi começou. “Acompanho o cinema há quase 20 anos, trabalhei em vários filmes de live action, e posso dizer que o FSA tem um significado enorme. Significa um amadurecimento muito grande, um olhar profissionalizante, um olhar que muda o foco porque ele gera escala. Há 15 anos, o total de recursos que aportavam para o cinema, através das leis de incentivo, era em torno de R$ 10 milhões no ano inteiro. Hoje, estamos falando em valores acima de R$ 100 milhões, fora as leis de incentivo”, uma mudança e tanto, Luiz ressaltou.

A origem FSA como ele entende. Para Bolognesi, a produção de audiovisual tem a ver com a privatização das telecomunicações no Brasil. “A estratégia a partir da qual o Fundo foi elaborado é o imposto que veio com a privatização das telefonias. Esse é o principal recurso de aporte. Quando houve a privatização, se pensou que o volume de dinheiro que as empresas privadas iam ganhar fosse repassado para produção de tecnologia e conteúdo audiovisual. Só que durante muito tempo, esses recursos não foram repassados. O dinheiro não era liberado para essa atividade fim pelos respectivos ministérios. Convencer essa área da economia, que trabalha com números gigantescos, exigiu uma estratégia muito bem traçada por parte da Ancine”, elogiou. O FSA vem caminhando a passos largos e representa uma revolução, Luiz está animado. A segunda revolução virá com a lei 12.485/2011, que traz a obrigatoriedade de veiculação de conteúdo audiovisual brasileiro nas televisões pagas. “Recursos do FSA de um lado e a obrigatoriedade da veiculação de conteúdo brasileiro na televisão, essa é uma combinação sem par. Tenho certeza de que isso é um marco histórico”, ele garantiu diante da plateia.


Desejo de produzir

Terra prometida

Bolognesi foi enfático também ao afirmar que o cinema e a produção audiovisual para televisão ocupam e existem num lugar paradoxal. De um lado, está o desejo de produção de conteúdos elaborados, questionadores e provocativos. Do outro, o mercado com suas exigências.

Despertar o interesse do jovem pela história do Brasil. Essa foi a motivação do primeiro projeto de animação de Bolognesi, Uma História de Amor e Fúria, foi “Sou um contador de histórias. Fui um devorador de histórias em quadrinhos quando criança e sempre sonhei em fazer um desenho animado.”

A quem agradar? “A produção cultural não é só mercado. Também é a construção de uma sintaxe que leve a pensar, a refletir, que cause incômodo, que faça questionar, que transforme. E muitas vezes ela não é vendável dessa forma. Mas a gente precisa disso. Para quem tenta produzir, é muito difícil encontrar o ponto de equilíbrio entre o desejo de produzir alguma coisa que vá de encontro a uma reflexão, e as demandas do mercado, que financia, mas quer retorno financeiro. Fazer combinar as suas necessidades com a necessidade do mercado, fazer as coisas minimamente se pagarem, é um desafio. É em cima desse paradoxo que a gente vive e tenta realizar as coisas. O meu filme é um desenho animado de longa-metragem e a maneira como ele foi feito não foi apenas para ganhar dinheiro”, afirmou.

Eis o porquê da opção pela animação: “O desenho animado, para o roteirista, é uma espécie de terra prometida, porque você pode criar livremente no papel. Posso desenhar 300 tupiniquins lutando contra 300 tupinambás na praia de Copacabana no século XVI e o meu produtor não me mata por isso. Posso dizer que uma aeronave sobrevoa o Rio de Janeiro em 2096 e isso não vai ser um problema maior que uma cena de duas pessoas conversando num escritório. Isso é muito desafiante”, ele detalhou porque se envolveu na seara do desenho animado. “Com muito desejo e uma boa dose de irresponsabilidade”, completou.


Os recursos

O público

Uma História de Amor e Fúria foi contemplada com recursos de três linhas do Fundo Setorial Audiovisual. “Para viabilizar o filme, a gente contou com uma linha direta de produção para o produtor; e uma linha de aquisição, um mecanismo em que o distribuidor recebe um aporte e compra parte patrimonial do filme, o que significa que além de tgarantir receita como distribuidor, ele tem uma parcela do filme. Na verdade, isso é bom, porque o que o estimula a trabalhar pela performance do filme na sala de cinema e em toda a cadeia econômica que vem depois e que é muito maior do que a própria sala de cinema.”

A aventura que Luiz Bolognesi viveu para fazer um longa-metragem de animação foi, de certo modo, pioneira. Pelo gênero, pela linguagem e pelo público que ele pretende atingir.

O filme foi contemplado também com recursos da terceira linha, que prevê recursos diretamente para o distribuidor, que são usados para promover o lançamento do filme. Somando as duas primeiras linhas, o FSA representou 18% do custo total do projeto. Como investidor direto, através de editais, o BNDES foi responsável por 9,5% dos recursos. “Quase 30% do total do orçamento total. Provavelmente, sem esses recursos a gente não teria feito o filme”, Luiz reconheceu.

Tempo Passar pelos editais foi apenas uma das muitas etapas. História de Amor e Fúria, segundo Bolognesi, significou um aprendizado não apenas para ele, mas também para quem atuou diretamente na produção, inclusive os agentes financiadores. “Foi difícil entender que um desenho animado não é produzido como um filme em live action. A gente estimou três anos e levou seis anos para fazer o filme. E isso acarretou uma série de problemas. Como diretor, era um prazer imenso. Do ponto de vista do artista, da criação, tempo era prazer. Mas eu também sou produtor e, nesse caso, do ponto de vista do financiamento e dos recursos, tempo era uma faca no pescoço e a iminência de uma tragédia. Em vários momentos, estivemos a ponto de achar que o filme não seria concluído, o que significaria quebrar uma produtora que tem anos de mercado, que produziu filmes como Bicho de Sete Cabeças, Chega de Saudade, documentários, enfim. Fiquei algumas noites sem dormir. A produtora como um todo estava ameaçada durante o projeto”, ele contou.

“Foram produzidos muito poucos longas de animação no Brasil. Ainda mais no gênero que eu estava desenvolvendo e para um público adolescente e adulto, que demanda uma qualidade que é diferente do que você pode trabalhar se é para o público infantil. Não é depreciativo, mas esse é um público que enxerga mais nuances e detalhes. E não dá para diminuir a qualidade no meio do caminho. Não dá para fazer um filme que não agregue valor na direção de arte, na qualidade da animação, na qualidade do som, porque o ambiente com o qual a gente vai trabalhar é muito mais exigente.”

Na sala ao lado As comparações são inevitáveis. Luiz reconhece que o esforço tem de ser redobrado. Principalmente quando se leva em conta a concorrência e essa concorrência vem dos EUA, por exemplo. “Enquanto o orçamento do meu filme é de três milhões de dólares, uma animação americana, como Valente ou A Era do Gelo, custa toda a verba do FSA para um ano inteiro.” A luta na sala de cinema não vai ser fácil. “O nosso papel é abrir portas e tentar encontrar um mercado para o desenho animado, abrir uma cadeia para depois o filme caminhar. Estamos procurando a melhor maneira de lançar esse filme.”


A realidade O tempo do desenho animado, essa lição Luiz aprendeu e fez questão de reforçar para a plateia, não é o tempo do live action. É muito maior. “Já fiz longa-metragem que custou bem mais caro. Mas se você contrata uma equipe que trabalha com você durante dez semanas, o esquema é um, as pessoas podem trabalhar como prestadoras de serviço e quase todas podem dar nota fiscal. Se você vai trabalhar com uma equipe durante cinco anos, a maioria dos artistas vai trabalhar em regime de CLT, o que encarece a produção em 70%. Eu não olhava para esses números antes de iniciar o projeto. A gente encara algumas realidades que são extremamente difíceis”, disse. E quem pensa em fazer um trabalho dessa natureza tem de saber exatamente em que terreno vai transitar. Para quem produz conteúdo, segundo Bolognesi, a dificuldade está em competir com o mercado publicitário. Como convencer um animador que está sendo tentado por esse mercado e pelos ganhos que ele representa? O embate que Luiz viveu durante o filme é permanente na animação.

“O mesmo artista que eu preciso ganha mais como publicitário. Como eu trago esse profissional para o meu lado se lá ele ganha mais? De certa forma, o filme só está praticamente pronto porque não é só o mercado que regula o cinema. Os artistas que fizeram o meu filme, em vários momentos, foram tentados. Principalmente no final da produção, quando viram que havia qualidade, pensaram ‘nossa, quem são os artistas que estão aí dentro?’ Começou um ataquem como ele denominou, aos artistas pelo mercado publicitário. ‘Luiz, estou sendo convidado para ganhar até 150% mais’, eles diziam. E o orçamento do filme já foi redimensionado, não havia a menor condição de cobrir. Mas nenhum deles abandonou. Por que eles ficaram? Eles fizeram isso talvez movidos pela mesma utopia que eu, motivados pelo trabalho. A gente teve várias crises, mas nunca atrasou o salário da equipe”, ele fez questão de dizer que não tem acerto de contas pendente.


Ficar seis anos em produção exigiu ajustes em todos os sentidos. Algumas vezes era possível. Em outras, estava além de Bolognesi. “O que eu achava que ia gastar numa linha não era exatamente o que gastava, economizava de um lado, estourava em outro lugar. O orçamento começou em R$ 3 milhões, acabou com R$ 5 milhões. Às vezes, a gente não conseguia receber um recurso por alguma razão que não tinha nada a ver comigo. Na maneira como o FSA funciona, se o parceiro está inadimplente, você não recebe os recursos”, criticou. A travessia foi uma longa e grande aventura. “Foi um processo de muito esforço, que demandou de todos os envolvidos uma dose muito grande de paciência e que está tendo um final feliz porque a gente está acabando, o filme está quase pronto. Para todas as etapas que faltam cumprir, temos recursos suficientes. E estou muito satisfeito com o resultado que a gente conseguiu”, respirou ele, aliviado.

Hora da conversa A primeira rodada de perguntas foi da própria mesa. Marta Machado, como mediadora, fez questão de lançar questões. A primeira delas, para Rodrigo Camargo, do BNDES, sobre o percentual de projetos que não atingiram os 80% de captação exigidos pelo banco e, portanto, não conseguiram obter recursos do FSA. Rodrigo respondeu que dos 37 projetos selecionados, 18 foram contratados, em todas as linhas. Os dados de liberação, no entanto, ele não tinha. Marta rebateu: “Acho que esse é um dado importante para a gente avaliar a performance do fundo. O FSA tem uma regra específica que é liberar os recursos quando você atinge 80% de captação. Já a Lei do Audiovisual estipula o montante em 50%. Por que a Lei do Audiovisual entende que é possível fazer já com 50% e o FSA diz que só é possível realizar quando chega nos 80%? Isso a gente precisa avaliar mais adiante.” A mediadora, ainda para Rodrigo Camargo, perguntou sobre a linha de comercialização do FSA:

Se um dos casos mais bem-sucedidos de distribuição que se tem notícia é Tropa de Elite 2, por que o FSA vai contra a autodistribuição. Existe perspectiva ou projeto de mudar esse veto? Rodrigo Camargo explicou que a ideia foi do próprio Comitê Gestor. “O objetivo é estimular quem já tem experiência de distribuição. O veto é para impedir que uma empresa distribua o filme dela mesma. O caso de Tropa de Elite II é uma exceção. É um modelo de autodistribuição, mas eles transformaram isso numa empresa. Se há uma necessidade de revisão, assim como outras demandas do FSA, isso tem de chegar como proposta para o colegiado da Ancine. Para que seja debatido internamente. É importante que essas demandas cheguem formalmente à Ancine. Se há um consenso da classe de que o modelo de auto-distribuição é viável, que seja proposto.” Voltada para Renato Nery, Marta questionou o custo de produção por episódio no Canal Rá Tim Bum. “Você falou em R$ 1700, isso incorpora conta de luz, funcionários, o quê? O que entra nessa conta, considerando que todos os gastos têm de entrar na planilha do produtor?” Renato respondeu que esse é o custo da contratação do serviço de animação. “Isso não é o custo da produção interna de conteúdo. É muito difícil definir internamente, porque não se consegue pormenorizar cada fragmento de conteúdo gerado, há custos indiretos que a TV absorve. Isso é resultado dos contratos feitos com empresas, é um número que se relaciona com produtores independentes. Esse é o custo da contratação do serviço de animação. Se incluir os serviços da TV, sobe para um número aproximado de R$ 3 mil.” Para Fernanda Farah, do BNDES, uma das questões levantadas por Marta foi a possibilidade anunciada de que as produtoras busquem financiamento para um portfólio e não para um projeto específico. Como, se o Procult não permite isso, ou seja, é um programa que funciona para projetos específicos?


Sim, o Procult permite, afirmou Fernanda. “Mas ainda não foi estruturada uma operação adequada. O programa atual não veda, mas esbarra nos limites operacionais. Será feita uma remodelação que permita uma reestruturação. A gente ainda não conseguiu fechar as contas e o apoio, de fato, mas essa é a nossa ideia. A gente quer evitar que a empresa fique seis meses, que é o nosso prazo operacional, à espera de apoio para um projeto só. Com isso, a gente conseguiria apoiar um número maior de projetos.” Luiz Bolognesi, depois da saga para realizar esse filme, você faria outro? Marta perguntou. Sim, ele respondeu de pronto. E teceu as ressalvas em seguida. “Faria, mas não nas mesmas condições. Não me interessa fazer um filme com equipe sacrificada. A gente diz que fez um filme com metade do custo de um filme produzido na China. Mas por que precisamos fazer um filme com 50% do custo de um filme chinês? Por que trabalhar dessa maneira? Tinha de ser assim dessa vez, mas uma vez realizado esse projeto, só embarco em outra aventura se tiver condições de fazer com valores de mercado mais aceitáveis. Os meus parâmetros são o Brasil. Aqui, a gente está numa pressão de custos que tem de ser atendida. Eu tenho muito desejo e já tenho um projeto com sinopse e argumento, mas não o faria sem um estudo técnico e sem condições de remunerar os artistas com o preço do mercado. O custo do nosso minuto, se comparado com outros mercados, é muito baixo. É absolutamente gigantesco o déficit que se tem. Se pegarmos os preços de Los Angeles ou Nova Iorque, então, nem se fala. Um filme como o que nós fizemos, se fosse produzido na França, custaria 15 milhões de euros”, Rodrigo comparou os mercados. Marta insistiu na relação entre custos, arrecadação e disputa por público: “Teu filme custou R$ 5 milhões. Dificilmente você vai faturar R$ 5 milhões em outras janelas. Tomara que eu esteja muito errada, mas não dá para pensar em recuperar isso em bilheteria. Como você vê isso?” “A conta não fecha para a animação e não fecha para o cinema brasileiro”, rebateu Rodrigo. “Nenhuma conta fecha, nenhum filme se paga. Essa é a realidade não só no Brasil, mas no mundo todo, a não ser nos EUA e na Índia. Em todos os lugares se trabalha com subsídio.

A França é exemplar nesse sentido, tem um modelo exemplar de audiovisual. Lá, 50% dos ingressos vendidos são para o cinema nacional. O cinema tem de ser subsidiado. No Brasil, um filme ou outro consegue recuperar em venda o valor que ele custou. O cinema é uma estrutura que custa muito caro. O que o justifica é uma necessidade estratégica do país. A maneira como funciona hoje é ser financiado por uma série de outros elementos e é assim que tem de ser. Não podemos ocupar o cinema só com a comédia televisiva global. Não interessa partir para esse caminho de produzir apenas o que o público consome que nem Coca-Cola.” Para Bolognesi, cinema é ferramenta de cidadania, é fundamental, é comunicação de massa. E o repertório que proporciona é tão vasto e importante quanto um livro. E continuou: “O audiovisual deve ser crítico, independente. A gente precisa fazer com que o Brasil avance, mas ainda vendemos minério de ferro em vez de fazer algum automóvel. Você não vai conseguir nada se não tiver seres que pensem. O audiovisual tem um papel fundamental, uma vez que ele eleva o nível da consciência, confere complexidade à informação. É assim que você melhora o país. O valor que tem de bancar o audiovisual tem de vir de outros setores da economia. Os franceses tiveram a ousadia de taxar o filme americano. No Brasil, esse mesmo filme americano entra custando zero, sem pagar um tostão de imposto.” O modelo da França, para Bolognesi é adequado e mais justo. “Os franceses cobram impostos do ingresso do filme estrangeiro e de tudo que produz conteúdo ligado ao audiovisual e isso é usado para um caixa específico que financia o cinema francês. Ou seja, o cinema francês também não se paga na bilheteria. E esse é um pensamento estratégico que a gente tem de ter: a economia tem de criar mecanismos de ir a lugares que têm muito lucro mas não entregam nada para o país. É preciso criar um fundo que seja justo e que proporcione ao audiovisual não ser subserviente às regras do mercado, não subserviente às demandas de só comprar e vender.”


Cesar Coelho aproveitou para contar sobre uma experiência que pode ser usada como referência no Brasil. “O governo francês, em determinado momento, ficou preocupado com o tipo de animação que as crianças viam, notadamente americana, japonesa, importada, enfim. Na época, eles incentivaram a produção francesa, criaram mecanismos de tornar obrigatória a exibição de produção local na televisão. Em esquema de cooperativa, gradativamente eles conseguiram cobrir a grade que era oferecida para a produção local. O que eles fizeram: você pega o projeto, a cooperativa dá o suporte, e o trabalho é distribuído entre várias produtoras”, contou Cesar. Segundo ele, a estratégia rendeu frutos também nas escolas. “As melhores escolas de animação do mundo são francesas. Eles estão atingindo o mais alto patamar, que é a produção de longas para cinema. Várias produções que se imagina que são americanas são, na verdade, feitas na França. Esse é um exemplo que a gente tem de estudar melhor”, pontuou.

De volta ao Fundo Setorial Audiovisual, Marta Machado abriu a sessão para as perguntas da plateia.

Luiz, dá uma palhinha da sinopse de Uma História de Amor e Fúria, só um pedacinho? Luiz Bolognesi – É a história de um cara que está vivo há 600 anos. Ele atravessa a história do Brasil, a história dos vencidos. A história do Brasil ainda é mal contada, e o filme quer despertar para uma leitura crítica. Evidentemente, como a gente tem de conversar com o mercado, a via é do entretenimento, porém, com uma dose de reflexão e de incômodo grande. Mais, na quinta-feira.

Qual a expectativa da TV Cultura em receber projetos? Como fazer projetos de fato viáveis, que venham a ser aprovados? Renato Nery – Do ponto de vista econômico, essa é uma provocação. A gente tem muitos projetos que não atingiram os 80% da captação. Estruturar uma indústria é o nosso desafio. A gente passa pelo período de implantação do parque dessa indústria, que é o período mais caro, porque o mercado não está estabelecido e a infraestrutura precisa ser montada. A gente tem casos de empresas produtoras que conseguem apostar em carteiras e não apenas em projeto único. Se você já tem uma estrutura organizacional, você pode trabalhar em escala e ir amortizando os custos. A TV Rá Tim Bim faz mágica para ficar no ar, porque tem de ficar 24 horas no ar. Claro que a gente está numa fase boa, existe bastante dinheiro e esforços para que a indústria de fato aconteça. O que os produtores precisam é se perguntar se os valores não podem ser mais baixos. Como fazer essa conta baixar um pouco? Hoje existem esforços, parceiros, e a história da indústria é feita disso. Há um convite a que os produtores pensem em alternativas mais baratas. O mundo inteiro está produzindo em quantidade. Precisamos também pensar em como fazer mais e mais em conta. Rodrigo Camargo – Essa questão dos custos também é uma preocupação da Ancine. Está entre os nossos desafios pensar em linhas de capacitação, desenvolvimento de projetos piloto, uma mesma empresa ter três, quatro projetos. O sentido é dar agilidade, otimizar. É preciso encontrar uma forma de criar condições, desenvolver polos, e treinar equipes.


A gente consegue manter uma qualidade e com orçamentos muito mais baixos do que os de fora, vocês não concordam? Marta Machado – Não acho que os orçamentos no Brasil sejam baixos. Não temos escolas de animação que formem mão de obra de forma contínua, então é difícil manter um padrão técnico em um filme, do começo ao fim. O que se vê no resultado dos filmes é muito prejuízo e sacrifício de qualidade, sim. Há uma disparidade técnica evidente entre o que é produzido nos EUA e no Brasil, por exemplo. Os técnicos custam dinheiro. Los Angeles não é o que é à toa, lá existe qualidade técnica, também porque existe trabalho.

Luiz Bolognesi – Nós somos muito competitivos em custos, a gente tem uma relação de qualidade e custo muito competitiva. Nossos custos são mais baixos que nos EUA e na Europa. Nós somos muito competitivos nos preços. Evidentemente que os argentinos são muito baratos e nós temos o gargalo da formação técnica. Não temos escola e precisamos investir em formação. A gente não tem mão de obra para o volume que vem aí. Fechando mais o foco, nós somos criativos em várias áreas. Mas seria interessante que a gente fosse mais safo com os roteiros. Essa é outra área ultrassensível na qual a gente deveria estar investindo, capacitando gente. A área de dramaturgia é uma entre as que a gente mais patina. Esse é um gargalo da produção audiovisual, de todos os conteúdos. Esse é um dos pontos que se tem de pensar de maneira grande: fomentar a preparação de roteiristas. É preciso rapidamente dar um passo para melhorar a qualidade criativa dos roteiros. Cesar Coelho – A animação trabalha extensivamente com mão de obra humana, o que representa um custo enorme. Os impostos trabalhistas pesam e obrigam, muitas vezes, os estúdios a trabalharem de forma clandestina, até. Isso é importante e precisa ser revisto. Como também a questão de equipamentos e software, que são alguns insumos importantes na produção, e poderiam desonerar a animação e facilitar muito o nosso trabalho. Fernanda Farah – Em relação aos custos trabalhistas, o setor podia tentar viabilizar termos de ajustes de conduta e buscar uma solução intermediária. É uma ideia, como aconteceu com o setor de informática, de viabilizar a formalização da mão de obra e do emprego. Rodrigo Camargo – Todo mundo quer ser a experiência bem-sucedida. Mas as experiências são muito vastas. Existem empresas com projetos muito caros e existem empresas com projetos mais viáveis do ponto de vista financeiro. É aquela história, se todo mundo vender Ferrari, ninguém vai ter carro no mundo.


É possível viabilizar um projeto com uma primeira temporada a R$ 430 mil, se considerarmos 11 episódios? Há projetos em que os animadores ganham R$ 2 mil e ninguém vive com isso. Pelo meu curta-metragem, eu viro a noite, porque isso é portfólio. Mas o esquema não profissional é sacrificante. Ninguém ganha décimo terceiro, férias. Isso não é indústria. Não com esses valores. Renato Nery – A gente quer ver isso estruturado. No final das contas, isso que a gente está vivendo pode virar uma grande fantasia. O Anima TV, com Tromba Trem, que é um bom parâmetro, teve 13 episódios feitos com R$ 950 mil, mais os R$ 110 mil do episódio piloto. Quando você vai vender, o canal não paga isso. É preciso olhar para o mercado, ele existe e não é feito apenas dos financiadores públicos. Vamos cobrar para que os custos baixem de um modo geral. A gente tem como se mobilizar além da comoção. Se a gente tivesse uma indústria montada, eu diria vamos nessa. Mas não tem. No mercado americano, que a gente usa como parâmetro, também tem uma tonelada de filmes B e de gente trabalhando o tempo todo. Marta – O mercado americano tem mais a ensinar. A questão da comercialização internacional do produto, por exemplo. É uma rede que vende para o mundo todo e que cobre todos os custos. Nisso, a gente não está nem engatinhando.

De volta ao FSA, uma coisa que a gente aprendeu a duras penas é a importância de não se colocar os ovos todos em uma cesta só. Quando você entra no fundo, é um relacionamento longo e burocrata que é preciso manter. Quando vocês falam numa carteira de projetos, não há risco de que um projeto com um problema que demora a ser resolvido possa travar todos os outros projetos? Como ter uma carteira de projetos que se apoia no FSA mas que mantém a independência entre um projeto e outro? Rodrigo Camargo – Realmente, há problema de gestão e prazos longos para contratação e liberação de recursos. Até o edital anterior, o fundo era sócio por um prazo de dez anos, o prazo de retorno, que foi reduzido para cinco anos. Até agora, temos 50 projetos e não compensa estender tanto essa parceria. Quanto à carteira, até por conta do volume de recursos, a gente tem de pensar em reformular o modo de gestão, em outras linhas, em editais. Ainda não temos o modelo de como vai funcionar esse apoio à carteira, se será via participação na empresa, mas esse será o próximo passo. Fernanda Farah – A ideia, para o BNDES, é fazer uma carteira com vários títulos, uma gestão de portfólio em que o risco de um projeto compense o risco do outo de maneira que a gente tenha uma garantia de que esse investimento retorne para o banco. É assim que a gente está pensando em montar. Nossa preocupação é entender se mesmo com esse cenário pessimista, a empresa vai ter condições de honrar o compromisso das prestações do financiamento, e se adequar ao cronograma de pagamento.


O caminho é viabilizar o orçamento de uma produção, não fazer com que ela fique mais enxuta, mais barata. Às vezes, muitos projetos ficam pendurados no limbo porque não conseguem captar os 80% do Fundo. Como compor o orçamento de uma forma a viabilizar a produção? Rodrigo Camargo – Se pode baixar? Na linha de TV seria temerário baixar os custos. O movimento, na verdade, está sendo contrário. Cada vez mais, o fundo acaba aportando quase a totalidade dos recursos. Esse ano, nós fizemos uma flexibilização do limite de investimentos para 95%. A gente imaginava que você chegando com o projeto já com 95% financiados, você conseguiria atrair as leis de incentivo. Mas isso não tem acontecido. Aumentamos o limite pela dificuldade de outras fontes. Na televisão, o limite de 80% para liberar faz todo o sentido. Na linha de cinema, o que se pretendia era que, como o fundo entra com um valor alto, diminuir o risco operacional. Ou seja, liberar e a produção já deslanchar. Marta Machado – O que tem acontecido é que o FSA, na linha de cinema especificamente, tem tido uma preocupação mais distributiva dos recursos, ou seja, de contemplar vários projetos. Na televisão é mais complicado. Não existe cultura de captação de recurso para projeto de televisão, ninguém sabe fazer isso. Se o fundo não aporta os 80%, ele condenou aquele projeto a não acontecer. E existe um prazo de 18 meses para viabilizar 80% e conseguir produzir. Vários projetos estão sendo condenados. Poxa, tu tens 50% garantidos, como é que esse projeto não vai acontecer? Pois é, mas tem uma cláusula aqui que diz que tenho de ter 80%. Com as cotas, essa tem de ser uma preocupação. Se o FSA quer alimentar a cadeia e viabilizar esse preenchimento de cotas, vai ter de passar a apostar em determinados projetos.

Falando de carteiras de projeto, não há risco de que se estabeleçam monopólios de produtoras em determinados projetos? Rodrigo Camargo – Para produção, essa seria uma das formas de atuar. É uma possibilidade para as produtoras que estiverem mais estruturadas e com um portfólio mais denso. Mas são possibilidades. Renato Nery – Quando falo em carteiras, é uma sugestão para que as empresas produtoras possam se envolver e investir também em projetos paralelos. Fernanda Farah – O que a gente quer é que empresas que já estejam em um estágio mais avançado nos procurem com um plano de negócios. Queremos aumentar a nossa capacidade operacional com isso, mas continuamos apoiando empresas de um projeto só.

Existe expectativa de criação, pelo BNDES, de um fundo para complementar os recursos, considerando os projetos que não conseguem atingir o teto de 80%? Faz tempo que o BNDES apoia o cinema com editais não-reembolsáveis, existe a expectativa de fazer isso também com recursos para a TV? Fernanda Farah – Atualmente, o Procult já prevê que 75% do valor do financiamento venham junto com recursos não-reembolsáveis. Isso já existe. A criação de um novo fundo não está em nosso horizonte. O que a gente pode fazer é trabalhar junto ao Fundo Setorial para a elaboração de novas linhas. Na renovação do programa, vamos tirar algumas travas operacionais, como a exigência de um coprodutor, por exemplo, para que qualquer produção para TV consiga acessar a linha, que é a junção de financiamento mais recurso nãoreembolsável.


Cada TV, para comprar a primeira licença, tem de aportar 15% dos recursos destinados ao seu projeto. Não é muito, esse percentual não pode estimular contratos de gaveta? Como a Ancine e o Fundo Setorial estão pensando em estimular as TVs, existe uma reflexão nesse sentido? Rodrigo Camargo – De fato, o valor da licença sempre causa muito debate. Eram 15%, baixou para 10%, agora voltou para 15%. É possível a revisão e sugiro que isso seja encaminhado formalmente para a Ancine. O fluxo contínuo tem a vantagem de ser um edital em aberto. É possível rever, mas é preciso ter fundamentos. Como atrair as TVs é um desafio. Para a animação, realmente não tem havido muita procura. Já para ficção e documentário tem havido mais propostas. Temos de aprimorar as formas de atrair os canais pagos. Está sendo estruturada uma linha para programadoras brasileiras que possam ter canais de conteúdo brasileiro, uma linha para que elas tenham recurso disponível para adquirir as licenças. Isso está sendo estruturado. Será a linha C da TV.

O que a TV Cultura vai priorizar em 2012. Segundas temporadas ou projetos novos? Renato Nery – Esse é um grande dilema. Há uma demanda gigantesca de segundas temporadas, já que a gente aportou recursos nas estreias, e esse é um embate muito forte. A missão nos manda investir no que deu certo e também fomentar, investir no que precisa dar certo. Enfim, ainda não tenho essa resposta. Ao encerrar, César Coelho reforçou que a animação está em fase de estruturação e é importante que todos estejam na mesa para discutir esse momento e as estratégias possíveis para o futuro. E Rodrigo Camargo lembou que as inscrições para o FSA são feitas pelo site do BRDE, é só enviar o projeto: brde. com.br.


18 de julho

quarta-feira

Masterclass I – Inventando Hugo Cabret – Rodrigo Teixeira As aplicações da estereoscopia 3D para o cinema segundo um dos maiores especialistas do mercado mundial, responsável pelo processo no filme A Invenção de Hugo Cabret.

Já considerado um grande nome do cinema internacional, Rodrigo Teixeira, depois de onze anos, voltou ao Brasil. Pela primeira vez no Anima Mundi, o gaúcho começou sua masterclass já avisando que o que apresentaria não seguiria uma sequência linear. O público iria conhecer, num ir e vir de tempo, detalhes da produção de A Invenção de Hugo Cabret, e também de uma história que começou há 15 anos. A história que o levaria a trabalhar com Martin Scorsese e a fazer parte de uma equipe premiada com o Oscar. Para animar a plateia, Rodrigo fez uma seleção de vídeos e o primeiro deles foi um clip com a sequência de imagens de A invenção de Hugo Cabret: a estação de trem, o menino descendo o tobogã, a lojinha de brinquedos, o guarda. E já explicou: “A primeira cena, com a câmera voando, descendo na estação, até a sequência em que ele passa por trás do relógio, desce escorregando no tobogã, depois sobe e olha o número quatro, a lojinha de brinquedo, foi uma sequência que levou o tempo de produção do filme, 14 meses. Foi a primeira coisa em que começamos a trabalhar e foi a última cena a ser entregue. Foi tão engraçado, que a entrega dessa cena foi feita num laptop, antes do estúdio liberar o release final”, um trabalho intenso e excitante até o fim, ele definiu.


Em órbita

A fuga

Corta. “Quem me dera, 15 anos atrás, imaginar que eu ia fazer um filme desses”, Rodrigo começou a explicar o percurso que o levou até Hugo Cabret. No início da década de 1990, ele sonhava em fazer animação que fosse além de logo voando e de esferas em superfícies de madeira ou mármore. “Eu tinha esse sonho que, para o meu cotidiano na época, era absurdo”, ele cansou de ouvir sonoros ‘você está louco?’ quando dizia que queria fazer efeito especial para cinema. “Olha essa chaleira aqui que eu animei”, ele dizia e ouvia mais gargalhadas.

Rodrigo ia e voltava no tempo. Aos 19 anos, ele já se achava velho e estava preocupado com o que fazer para, aos 30 anos, estar na frente da tal tela grande. Decidiu estabelecer uma meta.

Louco ele não era e o tempo seguiu. Em 1996, ao assistir Independence Day, veio o estalo: cara, como eu faço para sair do meio do cinema e ir para detrás da tela? “Estava sentado no meio do cinema, vi aquele logo da Fox, antes mesmo do filme começar, e senti alguma coisa ali. O filme me marcou por causa disso”. Depois de sete sessões, estava mais do que decidido. O que ele queria mesmo era fazer efeito especial para cinema, o que na época não passava de sonho. A vida real se passava mesmo era dentro de uma agência de publicidade.

“Eu me lembro de quando juntei dinheiro para comprar um 386 com oito Mega de RAM. Na época, não tinha internet, não havia referência em animação, o que se pudesse consultar. Então o Carlos foi como uma bóia. Vi que era possível e decidi”, ele continuou as ligações para os estúdios americanos.

“Arrumei um emprego, comecei como estagiário na área de criação, e foi horrível. Então comecei a tomar gosto e passei para a pós-produção, para começar a fazer os logos animados. Na minha cabeça, era como fazer logo para cinema. Um tempo depois, em 1997, com um comercial de cupins nas mãos, que eu precisava orçar no Rio e em São Paulo, sugeri que fizéssemos um orçamento de produção nos EUA. Disseram isso, liga. E liguei para vários estúdios,” contou ele sobre quando usou a desculpa furada e o que pretendia mesmo era conseguir um trabalho nos EUA. Tinha um amigo lá, quem ia saber? Rodrigo sonhava em voz baixa. A agência não fazia ideia dos planos. Uma das ligações foi para uma produtora chamada Blue Sky (risos da plateia, quando ele contou). “Disseram olha, tem um brasileiro que trabalha aqui. É? Quem é? O Carlos Saldanha. Posso falar com ele? Pode. Vi o Carlos numa palestra no Brasil, e só o vi novamente ontem (no Anima Mundi). O Carlos foi a primeira prova viva que eu vi de brasileiro que deu certo no exterior. Na minha cabeça, na época, era impossível pensar num brasileiro bem-sucedido por lá. Cara, que bom que tem um brasileiro que se deu bem, quem sabe eu não consigo fazer isso também?”, Rodrigo contou como começou sua odisseia.

“Chegou aquela hora na vida em que ou você encara e faz, ou vive o resto da vida em dúvida”. Com quinhentos dólares no bolso, a referência de Carlos Saldanha – com quem se reencontraria na abertura do Anima Mundi, no dia anterior – na cabeça e uma certeza de que era capaz, foi para os EUA.

“O Carlos era um brasileiro respeitado e já havia outros, de uma primeira leva, o que me deixou empolgado. O interessante dessa época é que eu tive o sonho que vocês têm agora. Eu ia ao cinema, chorava e as pessoas achavam ridículo quando falava o que eu pretendia. Sempre me incomodou essa coisa de brasileiro não ser capaz”, Rodrigo contou que foi aí que ele de fato decidiu que os EUA eram o seu destino: “Meus amigos diziam vamos fazer alguma coisa aqui, abrir um estúdio”, não era isso o que ele queria. “Liguei para o meu amigo nos EUA e fui.”

Revolução Corta. Rodrigo citou O Segredo do Abismo, O Exterminador do Futuro 2 e Jurassic Park como os filmes que revolucionaram os efeitos visuais no cinema. “São três filmes muito significativos porque as tecnologias que eles utilizaram impactaram completa e definitivamente o jeito como o cinema é feito hoje. O último filme que fiz em película foi As Crônicas de Nárnia, em 2004”, disse.


O plano Chegando a Hollywood, com uma fita VHS como portfólio, Rodrigo tratou de fazer cópias para distribuir. “Cheguei num lugar, disse que queria 150 cópias do meu VHS. Gastei US$ 150 dos US$ 500 que eu levara.” O dinheiro era curto, mas ele tinha os endereços e um textinho de apresentação. Teve de dizer “Sou Rodrigo blá blá blá” incontáveis vezes. E a resposta que ouvia nunca era animadora. “Teu trabalho não é de cinema, diziam. Mas eu vim pra fazer cinema respondia. Aqui, só com sete anos de experiência. Mas não era isso, era o quem indica”, Rodrigo entendeu que as coisas funcionavam assim também por lá. Como faltava animação para fazer, Rodrigo foi trabalhar num restaurante, o mesmo onde trabalhava o amigo que o convidara para a América prometida. O plano era passar o dia procurando emprego e ir para o restaurante à noite. Perfeito. Ele ligava para os estúdios de orelhão, levava oito fitas por dia na mochila. A andança era quilométrica. “De Santa Monica para Hollywood são 22 quilômetros. Los Angeles não é feita pra se caminhar”, ele brincava e dizia para a plateia que a ideia era de jerico.

“Hoje faz rir, mas não era nada engraçado. Eu não queria desistir, e não tinha com quem falar. Em 2001, comecei a caminhar e adotei algumas regras. Não olhava para trás. Achava que se olhasse para trás, estaria me entregando. Só olhava em frente. Precisava sair de Santa Monica à uma da tarde para chegar ao restaurante às três e meia”, Rodrigo fez essa peregrinação por 33 dias seguidos. No meio do caminho, havia um cartaz do Johnnie Walker com o recado keep walking, que ele avistava todo dia. E não olhava para trás. “Não bebo, mas vou continuar andando. O outdoor era um suporte emocional para eu continuar andando, porque as fitas foram indo e ninguém me ligava de volta. Ninguém dizia nem NÃO. 149 fitas depois e nenhuma resposta. Que maluquice que eu fui inventar! Larguei a faculdade de propaganda e tudo o mais por essa coisa de efeitos visuais. Eu queria pelo menos um não”. Enquanto o ‘não’ não vinha, ele continuou limpando vidro no restaurante que tinha um gerente mexicano. Esse era o emprego que tinha.


Procura-se o Marcelo As fitas no final, Rodrigo desistiu de Santa Mônica e decidiu ficar por Hollywood mesmo. Em 2001, com a bolha da internet, as empresas quebrando, o cenário de pós-produção em Los Angeles era tenebroso. A contratação era quase impossível. Tempos difíceis, ele passou a mirar lugares menores. Com a última fita em mãos, tinha de acertar. “Até que entrei num lugar que eu achava horrível. Entrei, disse olá, eu sou brasil... e a mulher oh, você já chegou, chegou bem? Muito estranho, ela chamou o marido, que já entrou também dizendo oh, como está o Marcelo? Que medo, qual é a desses caras?”, Rodrigo pensava, entre a agonia e a esperança. O casal queria saber do Marcelo, Rodrigo não fazia ideia de quem se tratava, mas a conversa seguiu. Sem eira nem beira. Rodrigo foi levado estúdio adentro, segurando a mochila com força. Só havia uma fita sobrando, e o homem estava ansioso: “Trouxe teu material? Trouxe. Fantástico, fantástico. Olha, teu trabalho é exatamente o que a gente faz. Vamos ali conversar”, Rodrigo obedeceu e seguiu o senhor que queria saber do Marcelo, de quem ele não tinha notícia para dar. Mas o tal senhor tinha uma vaga. “Quando você pode começar? Mas, antes de a gente começar, como está o Marcelo?”, o homem perguntou novamente. “Que saco, quem é o Marcelo?” Rodrigo não fazia ideia de quem era o Marcelo, esclareceu. Mas o emprego ele queria. Era para fazer exatamente o que ele fazia no Brasil antes de viajar. Bolinhas quicando, carrinho andando, esferas, efeitos visuais. Fácil, fácil. “Você não conhece o Marcelo? Como você veio parar aqui? Ele perguntou e disse que tinha um amigo chamado Marcelo, que avisara que chegaria, nesse dia, um amigo do Brasil, sem dinheiro e precisando de ajuda. E eu expliquei, olha, cheguei aqui há 45 dias, com 500 dólares, gastei 150 dólares para fazer fitas de demonstração, não tenho mais dinheiro... e tenho de voltar para o restaurante”, Rodrigo entregou a verdade. Começa na segunda? Óbvio. Não quer saber quanto paga? Não importa. Era uma sexta-feira.

“Eu trabalhei segunda, terça, quarta, não dormi. Fiz exatamente o que eu fazia no Brasil, só que para um cliente de lá. Na sexta-feira, ele disse cara, a gente gostou muito de você. Quer trabalhar aqui?” Óbvio. Rodrigo trabalhou um ano no lugar e o amigo do Marcelo nunca apareceu. “Fiz muita coisa ali. Mas eu queria fazer filme, queria fazer coisa maior”, ele saiu. E ficaria sete meses sem trabalho, à base de burrito de queijo, feijão e Coca-Cola. Era a refeição do dia.

Mira Era 2002, nada acontecia. “Mas eu já fazia DVDs, lia sites sobre tudo. Aparecia um anúncio, eu mandava e-mail, ligava. Até que apareceu um anúncio para Photoshop. Eu sabia, não o que eles estavam pedindo, mas ficava a duas quadras de casa, mandei um e-mail. Cara, estou precisando muito trabalhar. Ele me escreveu e disse cara, vem aqui, o diretor é brasileiro. Cheguei lá, era um diretor argentino. Olha, trabalhar com o Eugênio vai ser fantástico, vai apurar teu senso artístico. Agora vocês podem conversar...” Rodrigo aprendeu cedo a nunca julgar o livro pela capa. “Ele sentou, trouxe várias caixas de livros e disse mira, você vai escanear tudo isso e depois a gente vai trabalhar. Mas que argentino mala, esse”, Rodrigo se divertia ao contar a história. “Eu comecei a prestar atenção e vi que durante o dia entravam várias pessoas querendo a opinião daquele cara, o argentino que parecia entender de cinema. O que esse argentino sabe? Mira, mira ele dava explicações que eu não sabia. E comecei a respeitá-lo e a sentar ao lado dele. Mas quem é esse cara?” Ah, o Eugênio? É o Eugênio Zanetti, que fez aquele filme Amor Além da Vida, você viu? Sim. Ah, o Eugênio ganhou o Oscar de direção de arte. “A partir daí, calei a boca”, Rodrigo provocou gargalhadas na plateia.


Foram três meses intensos de aprendizagem. O Eugênio queria ensinar. Rodrigo queria aprender. “Todo o background que eu não tinha de arte, porque não fui a nenhuma escola, eu ganhei naqueles três meses em que fiquei com o Eugênio. Ele me ensinou coisas que não têm preço. Mas o mais importante é que ele queria ensinar. E isso me marcou muito. Essa coisa de não segurar a informação, passar o conhecimento adiante”. Eugênio foi embora. “E aí eu vi o tamanho que era o Eugênio, porque me distanciei. Eu era, ali, o cara que clicava no mouse, aquela coisa meio ainda instável”. Três semanas depois, Eugênio reapareceu em um telefonema: “Mira, tem umas pinturas que quero que você veja. Quer fazer esse trabalho comigo? Sim senhor, o que eu preciso fazer? Preciso fazer a concepção de arte de 14 telas, mas vou para Paris e quero que você faça sozinho porque você já sabe o meu gosto. Mas, mira, não erra a perspectiva. Tem de pintar a perspectiva certa. Faz? Faço.” E fez. “Fiquei preocupado e levei a sério. Estudei perspectiva e comecei a pintar e a mandar arquivos bem pequenos. Na época, a internet ainda era lenta. Na medida em que ele ia aprovando, fui ficando mais confiante e passei a entender melhor um pouco das coisas. Não posso botar esse vermelho contra esse verde, porque vai machucar os olhos, não posso fazer isso por causa daquilo.” O trabalho com Eugênio rendeu muitas lições. “Foi fantástico. Vi o quanto eu era pequeno e isso foi ótimo. Imagino que realmente muito daquelas 149 fitas que larguei em tantos lugares, não me chamaram porque não necessariamente elas eram uma prova de que o meu trabalho fosse fraco, era o que eu tinha para mostrar”, admitiu. Financeiramente, o trabalho era quase como trabalhar no restaurante. Mas ele fazia o que queria. Os tempos estavam mudando lentamente. Mas estavam mudando. As notícias chegavam pelo telefone. “Um dia, o David me ligou de novo e disse que tinha um menino, que faz essas coisas rápidas no computador, também estrangeiro, e nós tínhamos de nos conhecer. Fui lá, chegou esse cara de óculos, que era formado em Ciências Políticas, estava fazendo efeitos visuais e se comunicava muito bem. Se perguntasse para ele como era uma composição, ele explicava que se ‘você vai ao canal azul do filme, você vai ver que tem mais grão do que o canal verde’, ele dava uma explicação”.

David não acertava as origens. “Ele era do Alasca. Estados Unidos continental, território americano”, Rodrigo contava, a plateia ria.

A rede O estrangeiro que não era estrangeiro era Ben Grossman. E foi outro desses encontros decisivos. “Cara, deixa eu ver teu material”, ele pediu. Rodrigo mostrou. “Cara, teu material é muito parecido com o meu. “Você precisa de um agente, cara”. Rodrigo já tinha um. Quem é? O Bob. “Bob? Mas é o meu agente, ele disse e pegou o telefone, ligou imediatamente. ‘Bob, você está ficando velho, o Rodrigo é uma máquina’, ele disse. E bastou. O Bob passou a dar mais atenção. Hoje, ele é um grande amigo. Só amigo.” A rede foi crescendo. Rodrigo foi conhecendo gente que lavava carro e fazia composição, gente que lavava chão e fazia animação, gente que sonhava como ele. Na época, Ben o apresentou a outro nome que entraria na história depois, o Alex Henning. Rodrigo já estava decidido a ficar. Tanto que levou os pais para os EUA. Precisava da base emocional mais perto. Um dia, em pleno dezembro, Ben apareceu com um convite. “Vou passar aí, pegar você em sua casa e vou levar você numa fogueira que se faz na praia, sim, eles fazem fogueira no inverno. Mas o pessoal se reúne em volta da fogueira para conversar. E tem uma galera de cinema lá que você tem de conhecer”, disse Ben. “Cara, pelo amor de Deus, me leva”, Rodrigo quase suplicou. “Olha, eu não tenho dinheiro para gasolina, mas tenho o carro”, Ben avisou. “Então fizemos uma vaquinha para botar gasolina no carro. Era uma Mercedes 1957, literalmente caindo aos pedaços”, Rodrigo nem ligou. Fogueira e gente de cinema? Era para lá que ele iria.


Chegando lá, Rodrigo ficou em volta do tal fogo. “Quem é que é de cinema aqui?”, um senhor de barba perguntava a todo mundo. “Senta aí, Rodrigo, o senhor disse e insistiu, disse fala de você, fala aí o que você quer, o que você faz? Ah, eu vim aqui para tentar trabalho na mesma área do Ben. Ah, já trabalhei com o Ben, adoro o Ben, mas me diga por que você está aqui? Eu vim aqui para conhecer pessoas de cinema, meu sonho é fazer efeitos visuais de cinema. Estou aqui porque o Ben me convidou. Você gosta de efeitos visuais? Gosto. E como você veio parar aqui? Que mala, mas falei”, Rodrigo contou do Independence Day, de como o filme o afetara. “E ele disse: o Independence Day mudou minha vida também. É? Como assim? Foi o meu primeiro Oscar”, disse o estranho. Era Volker Engel, que ganhou o Oscar de Efeitos Visuais com Independence Day. Rodrigo segurou o engasgo. “Pela primeira vez, nos EUA, eu pensei ‘cara, segura a onda’. Uma hora eu vou conseguir, segura a onda.”

Rodrigo segurou a onda, fez outro amigo, Adam Watkins. E eles todos ficaram por ali, o tempo passando, mas ele tinha companhia. “Um dia, o Ben me ligou, um ano depois daquele encontro na fogueira, e disse que o Volker Engel iria me ligar. E, seja lá o que for a proposta, você tem de dizer que sim.” Rodrigo não tinha dúvidas da resposta. “Para vocês terem uma ideia do desespero, eu já estava pensando em mandar meus trabalhos para o cinema pornô. Por quê? Porque filme pornô tem vinheta, eu pensava ‘eu preciso fazer pelo menos vinheta para alguém’, porque ninguém me aceita, tá tudo errado.” Ben desligou, Volker ligou em seguida. “Olá, Rodrigo, se lembra de mim? Claro que eu lembrava, estava muito ansioso, o coração disparado, mas decidi manter a calma, serrar os dentes, porque não estou desesperado. Ele disse olha, eu tenho um... eu cortei com um Siiiiiiiiiiiiiiimmmm, eu quero!!! Ele riu. Você pode passar aqui para bater um papo?” Claro que podia.


“Eram 600 cenas, para seis pessoas fazerem, em seis meses. 666, com um número desses, tinha tudo para dar errado. Sou um cara de estatísticas. E foi exatamente o contrário do que eu esperava e imaginava. Foi todo mundo crescendo junto. Foi uma das poucas vezes que fiz um filme em que tive a oportunidade de estar tão próximo de um supervisor, o escritório era pequeno e ele estava ali. Se eu queria uma opinião, ele estava lá e explicava onde estavam os problemas”, contou.

Sequência De início, seriam seis meses. Três meses depois, Rodrigo ouviu de Volker: “Tenho uma notícia boa e uma notícia ruim. A ruim é que vamos ter de parar esse filme”, Rodrigo já começou a pensar um monte de coisas, mas Volker disse: “Tem um diretor amigo meu que tem um filme, meio pequeno, que está com alguns problemas. Quero saber se você quer trabalhar com ele? Quer?” A resposta, invariável, foi sim. O filme era O Dia depois de Amanhã, de Roland Emmerich.

Volker é especialista em efeitos especiais, a parte física do negócio. A área de Rodrigo é efeitos visuais, o que é gerado em computador, ele explicou. “Ele é um cara de maquete, com um background muito grande em explosões. A Casa Branca explodindo em Independence Day quem fez foi ele. E fez em um take só. Havia três maquetes, ele fez na primeira. Com 26 anos, entrou completamente de gaiato, não sabia o que estava acontecendo e ganhou um Oscar. Obviamente, a carreira dele foi para a estratosfera.” Rodrigo já sabia, Ben o avisara, que todo mundo que trabalhava para Volker fazia 50 anos de mercado em apenas cinco. A oferta de trabalho era para The Ring of the Nibelungs (O Anel dos Nibelungos). “Olha, não é um projeto muito grande, mas será uma experiência legal, é uma boa você participar”, Volker explicou que iria formar um grupo pequeno, com pessoas novas. “Estou dentro”, disse Rodrigo. “Não vai perguntar que filme é?” Não. “Seja o que for, qualquer coisa, estou dentro”, e assim Rodrigo entrou para a equipe que faria o filme que só saiu no cinema na Europa. Um mero detalhe. Para Rodrigo, foi uma oportunidade única.

Corta. Rodrigo exibiu o clip de The Ring of the Nibelungs, o primeiro projeto. O primeiro grande aprendizado. “Nesse filme, aprendi mais sobre paralax, distorção de lente, a fazer pintura no fundo de uma cena e essa pintura parecer tridimensional. Aprendi muita coisa e começou a ficar mais legal. O bacana é que nós éramos seis. E todo mundo participou, mexeu em todas as cenas do filme. Eu, o Ben, todos encostaram o dedo nas 600 cenas. O bom é que você tinha de lidar desde os problemas de lente, que há nas primeiras cenas, como fazer com que a câmera virtual faça o mesmo movimento da câmera física no set, passando por problema de integração de imagem e composição, além de correção de cor. Então, todo mundo tocou em tudo. Sou muito orgulhoso desse filme, porque me lembra de uma época em que nós virávamos noite e tínhamos aquela visão de que um dia aquele trabalhinho ia nos levar a algum lugar.” The Ring of the Nibelungs levou Rodrigo para muitos lugares. O primeiro deles foi O Dia Depois de Amanhã. Em seguida, foram todos juntos, Rodrigo, Ben e sua turma, para Sin City, do qual Rodrigo foi supervisor de computação gráfica. “Entrei, o filme já estava atrasado, a parte inteira que peguei foi da neve, que é o último capítulo. Estava tudo atrasado, mas conseguimos botar o calendário no eixo, entregar o filme no prazo e, obviamente, a cada filme você vai ficando mais confiante, mais seguro. Você vai passando por várias situações e começa a acumular conhecimentos.”


Ao próximo filme, então, Rodrigo estava preparado. Superman? Ainda não. Mas vai sair? Pelo amor de Deus, eu quero estar dentro, faço qualquer coisa. Estaria. Desde que fizesse As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl antes, recebeu a promessa. “É 3D? Opa, vamos lá. Eu li o roteiro, nem comento (risos). Mas, quero ter experiência em 3D, quero entender desse negócio de estereoscopia. E fui fazer o Sharkboy, que seria minha faculdade em estereoscopia. Mal eu sabia que isso ia me levar ao Hugo, que ganharia o Oscar de Efeitos Visuais. A gente nunca sabe de onde as coisas vão vir. É importante enxergar oportunidade nas coisas, por menores que elas pareçam a princípio.” Rodrigo levou Sharkboy a sério. O trabalho foi feito em estereoscopia anaglifa, que ele explicou do que se trata: “Basicamente, considere que a imagem tem três canais: o vermelho, o verde e o azul. Em um olho, você só enxerga o canal vermelho, e no outro olho, você só enxerga o canal azul e o verde. Quando você projeta isso, você tem as linhas de vídeo, a outra linha num canal, que seria o vermelho – uma imagem que se você olha sozinha é um frame vermelho –, e no outro você tem um frame de um azul meio bêbado, que não é azul nem verde, é a mistura dos dois olhos”, deu para entender? A vantagem de Sharkboy e Lavagirl é que foi um filme filmado em estéreo, não foi conversão. “Apesar da entrega no cinema ser em anaglifa, porque você pode pegar um projetor qualquer, projetar uma imagem, colocar os óculos e virá tudo em 3D. Bem diferente dos sistemas que se tem hoje, os sistemas polarizados, o 3D passivo (como foi o Hugo), que são coisas mais avançadas. São espectros de luzes andando numa frequência diferente”, ele detalhou. Na época, todos falavam que o 3D ia pegar. Rodrigo achava que não. E mantém uma opinião bem particular. “Acho que há certas coisas que têm de ser vistas em 2D. Nem tudo tem de ser em 3D. Quando você tem a possibilidade, o tempo, a equipe e o orçamento para fazer um filme 3D como o Hugo, aí tem de fazer. Mas achar que 3D é só acrescentar uma outra coisa, aí é mais complicado”, ele comentou, antes de exibir o clip de Sharkboy. “Eis o meu primeiro filme estereoscópico. De 2005 em diante, comecei a prestar atenção em 3D, para conseguir fazer filmes maiores. Tem coisas que só fazendo para você aprender. Estereoscopia é uma delas.”

Alice in Wonderland Em 2009, o Ben, mais uma vez. “Olha, tem um filme que tem um pedaço que precisa ser entregue, são apenas 350 cenas para entregar em março. Março, como assim? Isso era novembro. Então é um filme pequeno? Não, é um filme grande. O que é para fazer em 3D? Tudo. O que já existe? Nada existe. Ah, é um filme de animação, então? Não. Que filme é? Olha, o diretor entende da coisa, mas ele tem uma posição artística muito forte e, em determinadas vezes, vamos ter de mostrar para ele, visualmente, que certos caminhos não funcionam. Beleza, que filme é? É esse aqui”, contou Rodrigo para anunciar outro grande filme que entraria em seu currículo: Alice no País das Maravilhas de Tim Burton. Rodrigo exibiu o making of e explicou que Alice não foi filmado em estéreo, com duas câmeras, como seria o correto, e explicou o processo para que o filme funcionasse e ficasse agradável para quem foi ao cinema: “A diferença de Shark Boy para Alice foi exatamente essa. A Alice foi filmada com uma câmera só, mas todo o resto, todo o ambiente e todo o cenário, foram feitos e gerados em computador da maneira correta, com duas câmeras. Para quem viu Alice em 3D, o que fez com que funcionasse no cinema foi um processo em que você cria uma geometria com um modelo em 3D da menina (que na maioria das vezes é pequena na tela) e coloca esse modelo em cima do que foi filmado”, detalhou. Em seguida, o animador anima esse modelo, fazendo a mesma coisa que ela fez. E isso resulta em volume 3D. “Você pega a imagem do olho esquerdo, que é como ela foi filmada. Normalmente, o padrão da indústria é que o olho esquerdo é o olho master e aí você cria o olho direito, que vai dar o off set para você ver as coisas em três dimensões. Em Alice, você só projeta a imagem do olho esquerdo, pula uma câmera do olho direito em cima dessa geometria e, com isso, tem o efeito 3D”, Rodrigo explicou. Foi assim que dimensionalizar o que não era 3D funcionou na tela. “Se alguma coisa em 3D não machuca os olhos, é porque você fez a convergência no ponto certo. Quando há muito espaço negativo, as coisas ficam saindo da tela, o que gera desconforto.”


Alice no País das Maravilhas foi entregue em março de 2010. Para chegar a Hugo, Rodrigo fez questão, antes, de exibir os três filmes mais emblemáticos de sua carreira até ali: The Ring of the Nibelungs, por ser o primeiro filme, e Shark Boy e Alice por serem 3D.

O melhor 3D do mundo Logo depois da entrega de Alice, Ben falou sobre um projeto de emergência: seria o melhor 3D depois do Avatar e com uma diferença, seria um 3D filmado. Essa era a vontade da Paramount, e começou mais uma das típicas conversas entre os colegas de trabalho e já amigos a essa altura: “Beleza, o que tem no filme? O filme se passa numa estação de trem. Legal. Mas tem alguns detalhes, a estação de trem não existe. Não existe? Não. Nem um pedaço, quanto existe? Acho que o pessoal vai construir 10% da estação, vão ter lá uns pilares, umas paredes pela metade, nós vamos ter de estender tudo isso. Bom, a gente faz. Tem outro detalhe, vamos ter de estender uma estação de trem em Paris nos anos 1930, por aí. O que mais? Ah, tem mais outro detalhe, o diretor nunca fez um filme desse gênero. É mesmo, que filme é? É um filme para família, não é um filme infantil. E quem é esse diretor? Ah, é o Martin Scorsese.” Tudo estereoscópico. Uns três anos, então? Rodrigo perguntou. Era junho de 2010. Ben informou que o filme seria para novembro de 2011. “Bom, então vamos juntar o pessoal que a gente conhece, contar quantas cenas há no roteiro e fazer o filme em Los Angeles? Bem, tem outro detalhe, o estúdio quer aproveitar uma série de incentivos que existem em outros países; e o filme precisa ser filmado em Londres, os efeitos visuais vão ser feitos lá, com algumas locações em Paris. Londres? É, e, ah, precisamos de uma empresa já formada com razão social na Europa. Então não pode ser como sempre fazemos?”, Rodrigo explicou que o esquema utilizado até então, para que o filme fizesse sentido financeiramente, era montar o pipeline de maneira que a operação ia sendo diluída com o avanço dos meses, até que fosse totalmente liquidada.

“Quando chega no final, o filme foi entregue, você não tem nada na mão, mas também não tem mais estrutura, porque são poucas pessoas que ficam até o final do filme. Ao contrário do modelo, que na maioria das vezes é o modelo existente, em que você tem pessoas trabalhando num lugar e esse lugar precisa ter trabalho a toda hora. Tem muitos produtores que fazem assim, põem entre quatro paredes o projeto, depois eles liquidam. Queríamos fazer o Hugo assim, mas não dava.” Ben falava, Rodrigo perguntava. “Que mais? Precisamos de estúdios variados espalhados e precisamos ter um estúdio em Los Angeles, porque a Paramount quer ter a interface aqui. Como é que a gente vai fazer isso? Olha, tem um alemão aí, com umas empresas espalhadas, a gente podia falar com ele. Então, vamos fazer um filme em 3D, numa estação de trem que não existe e dirigido pelo Martin Scorsese, com um alemão que a gente não conhece? Sem problema, vamos fazer”, Rodrigo deu sua já habitual resposta. O primeiro filme infantil de Martin Scorsese envolveria gente espalhada por Londres, Stuttgart, Berlim, Los Angeles, Frankfurt, Pequim, Shangai e Toronto. De início. “A ideia era ter talento global disponível e ter acesso a recursos globais, ou seja, o que eu gero em Los Angeles tem de ser lido em todos os outros países. A ideia era trabalhe local, mas pense global. Era preciso um sistema de edição e videoconferência eficiente, por conta dos fusos horários. Nova Iorque, onde fica o Scorsese, fica um dia atrás da China, o que conta a nosso favor, dada a logística que o projeto exigia. Basicamente, em vez de passar trabalho de Los Angeles para a Europa, você faz o contrário. A China está numa zona de tempo um dia na frente.” Em Londres, onde o filme ia ser filmado, a estrutura ainda não existia, assim como em outros lugares. Foi feito então um mapeamento para garantir gente trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana. O esquema seria sair da Califórnia, passar para a China para a preparação do material, voltar para a Los Angeles e só depois passar para a Europa. Em cada lugar havia uma especialidade. Em Toronto, estavam bons compositores, em Berlim e Stuttgart, estavam especialistas em composição, em Frankfurt, havia gente boa em efeitos e simulação, já que Hugo tinha muita fumaça. Hamburgo e Munique ficaram com o suporte para as outras duas cidades alemãs.


As filmagens começaram em Londres e Rodrigo ficou em Los Angeles. Quando as imagens começassem a chegar, a estrutura tinha de estar pronta em todos os lugares. “Nós sabíamos que quando as imagens que foram filmadas – que foram digitais – numa câmera chamada Alexa, da Arri – começassem a sair de Londres para ir para los Angeles, o bicho ia pegar. Na China, principalmente, tinha de estar tudo pronto e a estrutura montada para ingerir o material e passar de volta para Los Angeles e de lá para a Europa.” O trabalho envolveu, ao todo, 500 pessoas espalhadas pelo mundo, uma operação considerada enxuta. Em Los Angeles, que foi o centro, eram não mais de 30 pessoas. O que é eficiente para o filme, que tem 62 minutos de efeitos visuais.

Pixomondo Hugo Cabret foi um marco também para a produtora Pixomundo. A empresa cresceu quatro vezes durante o projeto. Atualmente, são 14 escritórios espalhados pelo mundo, com outros sendo abertos. O de São Paulo já está pronto e foi uma das novidades anunciadas por ele no Anima Forum. “Sempre sonhei em voltar para o Brasil, estou vindo pela primeira vez. Eu vim para o Anima Mundi e também para abrir a Pixomondo de São Paulo, que não é a única filial brasileira. Vem outra aí. Com sotaque parecido com o de vocês”, ele adiantou para a plateia essencialmente carioca. A estrutura global da Pixomondo não se baseia em mão de obra barata, Rodrigo fez questão de enfatizar. “Se você tem um orçamento em Los Angeles e esse é o maior orçamento, a mão de obra nos outros lugares vai ser relativamente mais barata. Los Angeles tem uma mão de obra muito cara, mas nós não fomos buscar trabalho barato na Índia, como todo mundo faz. Fomos a outros lugares, para onde ninguém olha normalmente, para pagar muito bem. Fizemos na China, pagando bem o pessoal de lá”, ele fez questão de pontuar.


A produção de Hugo Cabret envolveu chinês, brasileiro, escocês, canadense, alemão. “Quando você junta numa panela gente de tantos lugares, dá um projeto como Hugo Cabret. Cada um resolve um mesmo problema de um jeito diferente. Eu resolvo de um jeito, por ser brasileiro, idem o alemão e o chinês também vai arrumar outra maneira. Para fazer o Hugo, precisávamos desse mix, dessa mistura de pessoas diferentes.”

Concepção de arte

Entre as justificativas, o prazo curto era uma delas. “Scorsese foi muito claro: ele queria poder alterar a edição de um filme estereoscópico até a última semana antes de o filme ser entregue. O que é algo bem interessante. Então, precisávamos dessa estrutura 24 horas, pessoas trabalhando sem parar. Eu estou dormindo, mas tem alguém que pegou a coisa que eu comecei a fazer e por aí vai. Obviamente que as coisas não andam exatamente assim. À medida que o tempo vai passando e o filme vai chegando no final, as videoconferências que levavam uma hora vão ficando cada vez mais longas e, no fim, levavam até seis horas, pela quantidade de cenas que se tinha para avaliar.”

“A partir da referência fotográfica e das páginas do livro, já havia um artista de concepção de arte que começava a pintar as cenas mais importantes. Como ia ser filmado logo, precisávamos saber o que ia ser filmado, o que seria cenário e o que seria computação gráfica, quais seriam os ângulos, se os efeitos iriam funcionar ou não. Era preciso saber, bem antes, se precisaríamos de um pintor, de um compositor, de tudo que seria preciso para essa cena. Enfim, era preciso saber tudo o quanto antes”, ele resumiu.

A infraestrutura global, por sua vez, funcionava. “Posso tocar uma cena dentro do meu cinema no Rio, em alta definição, e o diretor, na China, risca a tela e eu vejo o risco aqui também”, ele explicou o andamento do trabalho.

Pesquisa fotográfica Depois de ler o livro, o primeiro passo foi contratar pessoas para adquirir material de referência. O processo começou pela França. Cinco pessoas viajaram para Paris para fazer pesquisa fotográfica, vasculhar todas as bibliotecas, escanear em alta qualidade todo o material, e obter todas as referências da cidade nos anos 1920 e 1930. “Vamos ver o que o escritor estava imaginando quando fez o livro. Como era a cidade?” era a pergunta que a equipe tinha em mente. A viagem a Paris resultou em um arquivo de 65 mil fotografias. “Como gerenciar esses dados que já têm 65 mil fotografias apenas para começar? Você já tem uma pequena criança que vai crescendo e muito rápido. Eu achava que só escanear o livro era grande coisa, mas vimos que precisávamos de mais coisas ainda.”

O processo se deu quase simultaneamente. A concepção de arte foi feita quase junto com a pesquisa. “Não foi um processo linear tradicional que começa com o roteiro, depois vem o storyboard e por aí vai”, Rodrigo contou. Nem havia storyboard e já era preciso desenhar, porque as filmagens seriam feitas igualmente em tempo recorde.

O que precisa construir? Paris foi toda pintada, ele contou, ao explicar o esquema de prévisualização adotado para a produção de Hugo Cabret. “Construí essa estação bem rapidinho. Pegamos o modelo e rapidamente passamos para o match painter para pintar Paris e a torre do relógio”, detalhou. Os desenhos e concepções de arte são referências importantes porque já definem outra parte essencial: a iluminação. Como o filme será iluminado, por sua vez, define também a direção de fotografia. Tudo está interligado. Rodrigo exibiu algumas das cenas mais importantes sob o ponto de vista dos efeitos visuais. “Você precisa definir qual sequência vai para onde e como as coisas vão funcionar. O roteiro explica toda a história e os movimentos, mas o trem não existe, as pessoas não existem e a plataforma é pequena”, ele explicou as muitas dificuldades que a equipe enfrentou. “Precisa construir os dois lados da estação? Só um lado? Em cima, a fachada? Precisa construir esse relógio? Lendo o roteiro, você vê que é claro que tem, porque tem câmera para todo lado, não tem como escapar. Você começa a delimitar qual sequência vai para onde e como essas coisas vão funcionar.”


Pré-visualização

Efeitos

É preciso ter muita certeza de como vai ser feita a filmagem, enfatizou Rodrigo. Para isso, existe uma fase talvez mais decisiva que todas as demais. “A pré-visualização serve para dar a clareza do que pode ser filmado ou não. Existem sequências que simplesmente são impossíveis.”

Rodrigo ficava em Los Angeles e as filmagens eram feitas em Londres. Ele exibiu imagens das filmagens: pessoas fugindo do trem, a estação, a sequência do tobogã, os prédios, a escada em caracol. E mostrou no telão como, em vez de colocar a locomotiva, que pesava toneladas, em movimento, decidiram mover apenas a plataforma. “Nós colocamos uma plataforma, do lado, a câmera está suspensa, parada, e todos os takes foram gravados nessa plataforma.”

É preciso, portanto, estar muito certo do que será feito. “Tem esse relógio, aqui, vamos construir o relógio. E aí põe o menino dentro do relógio, o menino vira, corta. O menino anda muito rápido, corre. Bom, o menino faz todo esse trajeto, imaginem o movimento de câmera. Para piorar a vida de todo mundo, o menino pula no tobogã, cai acolá, corre mais um pouco, passa por uma escada em caracol. Na pré-visualização, nós já começamos a ver que é impossível filmar isso, não tem como fazer”, ele deu exemplos de que os recuos não significam que a cena será sacrificada. A equipe precisa encontrar soluções e alternativas. O tempo inteiro. O pepino, como ele chamou, estava nas mãos dele. “E tem de se definir antes de começar as filmagens, porque quando você está no set, o orçamento está rolando e o dinheiro está diminuindo”, Rodrigo explicou, reforçando a importância da pré-visualização.

Mais trechos do filme no telão, para exemplificar o quanto a pré-visualização ajuda a encontrar soluções também no set. “Essa é a parte fotografada da primeira cena, olha quanto verde”, ele brincou ao mostrar o que era criado em computação gráfica e como os elementos vão sendo inseridos a partir do set. “No set é tudo sem graça, não tem nada acontecendo, não tem barulho, nada. O impacto só vem na sala de cinema, com o filme já montado”, ele assegurou.


Rodrigo exibiu também a última cena do filme e explicou: “Imaginem um prédio, estão vendo essa madeira aqui? É um prédio. Mas não tem teto. Prestem atenção, porque o cara está tocando uma música que não existe, a câmera faz a volta. Uma câmera documentava o que estava acontecendo, porque é preciso saber o que há em volta. Os atores saem, a câmera vira. A mão do ator puxa o armário, que está sobre um trilho, a menina está numa cadeira, também sobre trilho. O 3D move a menina, entra a musiquinha, a mulher lá em cima”, Rodrigo explicou a cena. Para você que está lendo, assista à última sequência e imagine o set. No final, a sala foi recriada em computação gráfica, porque a iluminação e o movimento não eram o que Scorsese queria. “Nós tivemos de usar o que foi filmado até o ponto que era útil como referência fotográfica e, depois, projetamos tudo em cima de uma sala que foi construída”, mostrou.

Logística de dados Para administrar o trabalho, foi essencial manter um banco de dados para gerenciar as informações. Nas primeiras semanas, o volume já era grande. Com o tempo, as sequências começam a ser numeradas, as atenções se voltam para orçamento, são estipuladas as datas de entrega, quantos passos vão ser necessários para cada entrega, o numero de alterações. O trabalho consiste em organizar os tempos de cada cena e distribuir as tarefas pelo mundo. Na medida em que o trabalho avança, a planilha vai se sofisticando. “Na fase inicial, é feito um off set de calendário. Depois, as coisas começam a ficar complexas. Existia um sistema de versões funcionando e nós criamos uma nomenclatura para as sequências”, contou.


Existe uma hierarquia que define qual é a cena pai (parent shot), a maior cena de uma determinada sequência. “Se você está numa estação de trem, olhando para Paris e Paris não existe, sempre existe uma cena que é o exemplo. Então, quando há uma cena que diz que ela tem um pai, é porque você tem de olhar na cena maior, porque da cena maior dá para aproveitar muito do que você construiu.”

Departamentos Animação, CG Efects (apenas efeitos, como fumaça, por exemplo), iluminação, pintura (onde são feitas correções) e composição. Todos os departamentos estão listados no overview do projeto inteiro, que dá informação sobre tudo que está acontecendo. São criadas estatísticas de cena que possibilitam o acompanhamento do andamento de todas as cenas, em que fase ou departamento cada uma se encontra, o que já foi entregue e o que ainda falta. O acompanhamento do que já estava pronto e do que ainda faltava era feito semanalmente. Mesmo o que foi cortado no processo de edição constava na planilha. “Faz parte da logística de dados, você precisa ver quanto foi cortado, quanto não foi, porque foi depositado muito recurso humano, de infraestrutura e financeiro em cada uma. É preciso saber para ter uma ideia do custo total”. Rodrigo mostrou o quadro com o overview e todas as especificações usadas e as pessoas envolvidas. No controle das entregas, havia também os códigos de aeroporto de cada cidade, com o que era feito em cada uma delas. Em Santa Mônica, por exemplo, estava a Lola, uma casa de pós-produção, que se ocupa apenas efeitos cosméticos. “Numa parte do filme, os atores têm de parecer mais novos, porque você volta para revisitar o passado. Para mostrar como foi a história de Georges Méliès, Ben Kingsley tinha de parecer mais novo. A Lola faz um trabalho cosmético digital muito bom. Você vai lá e maquia a pessoa digitalmente”, ele explicou.

A Pixomundo comprou, recentemente, um estúdio em Detroit, que foi usado na época do filme. O trabalho da Industrial Light, de George Lucas, também entrou em cena para Hugo Cabret. “A cena do relógio batendo, e o Arco do Triunfo, foi uma cena que apareceu no roteiro quando faltavam basicamente dois meses para a entrega do filme”, Rodrigo contou. Não havia tempo. “Então, nós dividimos com a Industrial Light. À noite, são eles, que chegam a um determinado ponto, e, a partir dali, somos nós. É uma maravilha dividir a mesma cena com outro lugar”, ele brincou.

Sequência 73 Rodrigo mostrou a pré-visualização da sequência 73, em que Hugo acha a chave no trilho, pula, e o trem entra, invade a estação e quebra tudo. Segundo ele, a pior sequência para execução. “Nós precisávamos de um carinho especial, porque essa cena era o xodó do Scorsese.” O diretor, claro, é quem dá a última ordem. “Nossa pré-visualização era em estéreo, para a gente aprovar movimento de câmera, lente, e já aprovar o 3D do filme, se estava batendo, se não estava. A pré-visualização é um instrumento muito necessário, porque otimiza o processo e evita que se faça besteira, já que as filmagens seriam feitas em um tempo muito curto”. Da pré-visualização para a sequência pronta, é dá para perceber a intervenção mínima de Scorsese. “Vocês vão ver que ele fugiu muito pouco”, disse Rodrigo, antes de exibir a sequência pronta, já com o som. O melhor ficou para o final. Ao anunciar o último clip, ele pediu que todas as luzes fossem apagadas. E exibiu quase dez minutos de Hugo Cabret. Como no cinema, e com direito a uma salva de muitas palmas. A masterclass de Rodrigo Teixeira foi uma seleção de amostras do que ele e os caras que se encontraram lá atrás fizeram: Ben Grossman, Alex Henning e Adam Watkins, os parceiros de sonho que aparecem na foto tirada na noite da entrega do Oscar. Foi com ela que Rodrigo fechou sua apresentação sobre uma história que deu certo.


A sessão foi aberta para as perguntas da plateia.

Como é feito o trabalho em conjunto com o diretor de arte, já que, de certa forma, é ele quem traz o conceito do filme? Como é a conversa e como é definido o que vai ser construído e o que vai ser feito em computação gráfica? Já trabalhei com cinco times de direção de arte. Basicamente, e não só em Hugo, nós, da computação gráfica, ajudamos a direção de arte, muito lá atrás, a construir primeiro os cenários em 3D. Hoje, as equipes de direção de arte estão usando muito uma ferramenta chamada Rhino, um software de 3D, relativamente barato, para construir cenários antes de fabricar, e isso é bom por dois motivos. Primeiro, porque já se vê o cenário. Segundo, porque já dá para ver o que está acontecendo, se o cenário vai funcionar ou se vai dar algum problema. Em Hugo, no caso da estação, por exemplo, foi assim. O diretor de arte dizia olha, tem esse arco maravilhoso na planta. Então, o que a gente fazia? Nós colocávamos uma câmera virtual na pré-visualização, para ver se era preciso construir, principalmente as partes de cima. Outra ferramenta interessante, é que construímos o sistema de pré-visualização em tempo real. Existem vários. Nós construímos um para o set. Porque o Scorsese estava com a câmera, e se ele mexia a câmera, o computador já disparava em tempo real todo o cenário 3D, para você ver os pedaços da estação. Então ali, você já podia ver isso. Outra coisa importante em Hugo é que tudo era em estéreo. Isso era importante porque já sabíamos a convergência das coisas antes de elas existirem. Porque você já está com o cenário virtual e um monitor no qual você olha os atores já com o croma key ainda meio tosco, contra a estação virtual ainda rudimentar, mas com as dimensões mais ou menos parecidas com o que a direção de arte precisa, para daí, sim, a direção de arte saber o que era preciso construir ou não. Se você olhar as plantas, você vai ver que antes de elas existirem, nós já tínhamos feito a prévisualização da direção de arte. Ainda mais num filme como Hugo, que não é foto real, que tem um tom um pouco de um sonho. A direção de arte nesse filme foi linda.

Existe uma pessoa para solucionar as questões de set? As questões de set também são solucionadas, na maioria das vezes, com pré-visualização. Não é uma solução minha, a solução é um pouco de cada um. Na cena do tobogã, tem toda a parte física, há duas câmeras montadas num guindaste, então você imagina a complexidade disso. Tem o pessoal da parte mecânica, que no começo achavam que iam largar duas câmeras no tobogã, o que não ia dar certo. Por duas vezes, quebramos três espelhos, porque o motion control descontrolou, bateu na parede e cada espelho desses da câmera custava 16 mil dólares. Então, você pré-visualiza. Quem finalizou a ideia do tobogã foi o Ben, que é o do cabelo louco. O trabalho era fazer uma coisa que fosse manual, com dois caras lá embaixo, andando, para poder sincronizar e não precisar usar o motion control. É muito fácil quebrar uma câmera. E tem também a questão da segurança no set. Tem um menino ali. Demorou umas duas semanas até se encontrar aquela solução. Esse é o tipo de coisa que envolve desde o marceneiro até o caboman. Tem toda uma logística por trás que você tem de conhecer.


Dá para notar que o pessoal está trabalhando em base PC e softwares variados. São artistas no mundo inteiro, cada um com uma plataforma. E aí você tem programa de modelagem trabalhando com partícula, muita partícula, o que dá um efeito muito bom no estereoscópio, mas é muito difícil conseguir uma harmonia entre esses softwares que estão sendo trabalhados, ainda junto com o tracking, que é estéreo, que não tem nada de comum. Esse tracking é feito em plataforma PC? É PFTrack? Todo o filme foi feito em plataforma PC. Não é PFTrack, é Syntheyes. Basicamente, Syntheyes para matchmoving, 3D Studio Max, que foi o mais usado. Em Londres, usamos Maya, composição para Nuke. Porque há duas sequências: a sequência 73, que é a estação de dia, o sonho; e a sequência 106, em que o Sacha Baron Cohen puxa o menino do trilho com o robô, que é a estação à noite. As duas estações, de dia e à noite, foram feitas por equipes completamente diferentes. A estação em Londres, feita à noite, foi toda projetada dentro do Nuke em composição. Têm pouquíssimo 3D ali. Você projeta na hora, porque os ângulos proporcionavam e os movimentos de câmera não eram tão grandes, então não tinha tanta Paralax. Já na sequência 73, que fizemos em Los Angeles, aí sim, tem uma tomada que mostra toda a estação em 3D, tudo em computação gráfica, porque tem muita Paralax: a câmera se movimenta e você troca a Paralax. Não tem truque 2D de projeção em cartão que resolva. Como troca muita Paralax, você faz isso. O filme todo foi renderizado em Viewray, que é excelente, uso há vários anos. A salada de frutas de software dá certo, mas você precisa de um time de RD, Research Development, que está construindo colas. São essas colas que fazem o 3D Studio falar com o Maya, que fala o Syntheyes e por aí vai. Na China, foi Match Move. Com as colas, você já saia do banco de dados com um modelo para Maya outro para Max, já saia tudo pronto. Obviamente, leva tempo para você construir isso. Assista a Hugo em estéreo. Na parte da estação, quando ele pula e cai no trilho, preste atenção ao ar. Está cheio de partículas. Aquilo tudo ali é computação gráfica e passa todo o realismo da coisa. Ali você lida com essa parte atmosférica, que é uma nuance, uma coisa tão simples a que você não dá bola, mas que o olho capta.

Qual o principal software de composição? É o Nuke, por uma razão simples. Usei muito o After Effects no passado: Superman, Sin City, The Day After Tomorrow, em todos usei o After Effects. Mas, basicamente, pela quantidade de passagens em 3D e de renderização que se tem hoje, você precisa de um software de pontos flutuantes que tenha canais infinitos. O Nuke é melhor para esse tipo de situação.

Além do reconhecimento, o que significou a conquista do Oscar para a Pixomondo? O Oscar foi em 26 de fevereiro, um domingo, o dia que fez 11 anos que cheguei aos EUA. Foi um pouco estranho, porque a festa foi às dez da noite e, no outro dia, à uma da tarde, tínhamos oito filmes fechados para os próximos cinco anos. É interessante. Agora, é difícil porque é volátil. Quem vive de glória é museu e o nosso negócio é aproveitar esse tempo. Hoje, somos novidade. Em 2013 vamos ser velhos, já, não temos nada para concorrer. O Oscar serve como uma ferramenta para que as pessoas acreditem que a gente estava certo e acreditem que a gente estava certo. Durante o filme, era tudo errado, um monte de menino louco botando dinheiro fora. Mas com o Oscar na mão é ‘eu sabia, essa ideia foi ótima, eu sabia!


18 de julho

quarta-feira

Palestra - Marketing e Gerenciamento de Marcas para grandes produções de animação Mark Shapiro, responsável pelo marketing e gerenciamento de marcas da LAIKA, estúdio conhecido pelos filmes em stop motion “Coraline” e “ParaNorman”, apresentou trechos inéditos dos bastidores dos dois filmes. Considerada parceira do Anima Mundi, a Laika marcou presença mais uma vez no festival. Mark Saphiro, especialista em marketing e gerenciamento de marcas para grandes produções e grandes estúdios, foi uma presença aclamada no Anima Forum. Além de conversar sobre o seu trabalho, ele trouxe, de lambuja, trechos inéditos de Coraline e do novo longa, ParaNormal. Ao iniciar sua palestra, Saphiro fez uma breve apresentação sua e uma retrospectiva histórica da Laika, que começou na década de 1970 com Will Vinton, considerado um pioneiro entre os americanos na animação com massa de modelar e que chegou, inclusive, a patentear a técnica claymation. O estúdio Laika Entertainment, que produz filmes em CGI e stop motion, foi criado já na década de 2000. “Somos um estúdio em Portland, Oregon, nos EUA, e temos mais de 30 anos na área de animação. Mudamos nossa marca para Laika em 2005, uma homenagem àquela cadela russa que foi ao espaço e não voltou (ele provocou risos na plateia).”


Segundo reza a lenda, que Saphiro confirmou, a Laika é uma espécie de grupo de produtores independentes. Desde o presidente, todos se consideram cineastas ou animadores. “Nossa origem vem de uma longa e vasta tradição de grandes animadores da cidade de Oregon, que inclui Bill Plympton, Will Vinto, Joan Gratz, Jim Blashfield e Matt Groening (de Os Simpsons)”, ele enumerou. Muitas referências de Os Simpsons, por exemplo, sairam das ruas em Portland, ele pontuou e disse que todos nutrem uma grande gratidão à cidadezinha essencialmente divertida. A Laika é composta de duas divisões, ou melhor, duas vertentes: a publicidade e o entretenimento. “Kirk Kelley vem do lado de publicidade da empresa, que é chamado de Laika House. É lá que fazemos publicidade, seja em 2D, 3D, CGI ou stop motion. Já o lado de entretenimento da nossa companhia produz filmes. A primeira empreitada na área de entretenimento foi a animação chamada Moongirl, um curta feito em CGI”, contou. Em 2009, veio a grande aposta e um dos maiores sucessos do estúdio, Coraline, e no segundo semestre de 2012 foi a vez do lançamento do aguardado ParaNorman. Entre uma história e outra, Saphiro exibiu o primeiro vídeo reservado para a plateia do Anima Forum. Uma amostra do que é a Laikam como está organziada e como é o esquema de trabalho em que todos fazem um pouco de animação entre outras atribuições. “Nosso CEO é um animador, ele chega todo dia cedo, anima durante a manhã e durante o resto do dia cuida de questões e da rotina administrativa da empresa, assina cheques. Como eu disse antes, todos são apaixonados por animação”. No vídeo We Are Laika, a plateia pode conferir que os animadores são um time também de sonhadores. “Vocês têm de entender que não estamos em Hollywood, mas sim no noroeste dos EUA”, disse Saphiro, para explicar como arte e tecnologia se fundem em cada detalhe das profusões que saem de lá. “Tudo é feito e manipulado por mãos humanas.” A Laika, segundo Saphiro e também segundo quem trabalha por lá, reúne o antigo e o novo e usa tecnologia de ponta para criar mundos e dar vida ao inanimado. “Criamos vida, essa coisa maravilhosa. Damos forma e alma a objetos para contar historias e empolgar o mundo”, eis o resumo do que eles têm feito.

O próximo filme exibido por Shapiro foi justamente o curta de estreia da Laika. Moongirl foi dirigido por Henry Selick, que também fez outras produções, entre elas The Nightmare Before Christmas e James and The Giant Peach, e mais tarde dirigiria Coraline. “Essa foi nossa primeira aventura comercial em computação gráfica. Já fazíamos e usávamos na parte de publicidade, e passamos a usar também na parte de entretenimento da companhia. Uma decisão acertada, porque isso foi bem útil para nossas produções seguintes”, Saphiro falou logo após a exibição do curta.

Coraline Depois de Moongirl, a Laika queria surpreender. Coraline teve boas críticas e ótima recepção do público. “Impactamos o mundo depois com Coraline”, resumiu Saphiro. “O Henry Sellick e a direção da empresa queriam produzir Coraline em stop motion, que é uma arte quase medieval de dar vida a bonecos. Muitos animadores cresceram fazendo animação com seus G.I. Joes. Eles os filmavam quadro a quadro com suas próprias câmeras. Henry Selick cresceu fazendo isso e queria, de qualquer maneira, fazer um filme usando essa técnica.” O estúdio foi montado, o diretor seguiu a apresentação. Um incrível e gigante estúdio, com tamanho equivalente a três campos de futebol, a cerca de 50 quilômetros de Portland. “Conseguimos montar em torno de 50 sets para Coraline.” A Laika possui um departamento todo dedicado à criação 2D, de onde saem os desenhos bidimensionais que serão inseridos no computador e que resultam na criação do que é chamado de armature. “É o que vai dentro de cada boneco que é animado. O segredo da animação é ser capaz de movimentar algo a cada quadro. E precisamos de 24 quadros para cada segundo. Coraline tinha 100 minutos. São 24 (quadros) vezes 60 (segundos) vezes 100 minutos. Daí, nós multiplicamos tudo por dois, por conta do 3D. O filme foi produzido em 3D nativo. Foi feito em 3D desde o início, utilizando pequenas câmeras”, Mark contou. Em ParaNorman, o processo foi diferente. “Utilizamos as Canon 5D, que muitos de vocês devem ter em casa. São câmeras muito fortes, que aguentam bem o tranco.”


Saphiro explicou e mostrou os bonecos e suas articulações: o de Coraline. “Tudo é construído com base no esqueleto de metal que vai dentro de cada boneco. Esse boneco foi criado do zero. Você começa com o desenho bidimensional, daí ele é transferido para o computador, e só então é feito o esqueleto.” Em todas as cenas em que há movimento, tudo é animado e há um departamento para cada necessidade: do figurino ao cabelo, se o cabelo dela for animado, claro. “Tudo precisa poder ser animado, incluindo esse suéter”, Mark mostrou os detalhes da peça do vestuário que foi tricotado por uma mulher que a surpervisora de produção de bonecos encontrou no Google. “Tricotadora de suéter em miniatura”, essas foram as palavras utilizadas na busca, Saphiro entregou. Entre as curiosidades que cercam os bonecos está o fato de que eles têm rostos intercambiáveis. “Há imãs na parte de trás do rosto. Você pode retirar o rosto do boneco, e eles são trocados a cada quadro. Tudo se encaixa perfeitamente”, ninguém teve dúvida, o resultado estava na tela.

Quando um animador vai a um set, ele leva um conjunto de rostos, Saphiro exibiu os exemplos e explicou que, para Coraline, os rostos foram feitos em preto e branco. “Foram milhares de fotografias. Os rostos precisaram ser lixados individualmente e pintados. E são milhares de rostos. Em Coraline, podíamos mover a região das sobrancelhas ou a parte de baixo do rosto”, ele mostrou, usando os desenhos e o boneco. Como resultado desse trabalho, a personagem Coraline tinha mais de 215 mil expressões faciais possíveis. Em Nightmare Before Christmas, em que o diretor utilizou cabeças intercambiáveis, foram de 15 a 20 mil rostos. “Em ParaNorman, quando começamos a utilizar impressoras 3D coloridas, ou seja, não precisávamos pintá-las à mão, fizemos mais de 30 mil rostos. Norman, para vocês terem uma ideia, tem mais de 1,3 milhão de expressões faciais”, ele comparou. Há os rostos intercambiáveis e os animados mecanicamente. “A animação mecânica é feita com um material de borracha – que dá maleabilidade – e pode ser movida quadro a quadro por conta da armadura interna que está na cabeça.”


Em um mundo tão moderno, onde tudo é computação gráfica, animar quadro a quadro é fascinante, disse Saphiro, lambendo a própria cria. “Como disse, trabalhamos com algo quase medieval. Um animador rápido consegue fazer três segundos por semana. Com 30 a 40 animadores trabalhando, conseguimos fazer, em média, algo em torno de 90 segundos por semana.”

A animação do boneco fica por último. “A primeira coisa é acender a luz, há as marcas, faço a animação. O próximo passo, o pano de fundo, com os indicadores de posição dos quadros. Embaixo, o alçapão permite um movimento ascendente e, depois, um balanço que precisa ser impecável”, Leighton explicou que toma todas as notas, armado de óculos e uma lupa, ele vai fazendo os ajustes.

E tudo era acompanhado na tela, na medida em que o trabalho evoluia. “Assistíamos diariamente em uma tela grande em 3D. Mostrei que a Coraline tem a parte de cima e a de baixo do rosto. Mas há uma junção entre as duas e elas são coloridas com CGI. Um dos trabalhos é remover essa marca quadro a quadro”, ele explicou, antes de exibir um vídeo com os bastidores de Coraline.

Eric percorre os sets e explica: “Não pode deixar encostar na câmera. Faço a animação do boneco, há uma ferramenta que permite animação do dorso”, ele mostra uma cena que levou 11 horas para ficar pronta.

Por trás das câmeras Com o vídeo no telão, a plateia teve uma ideia do tamanho dos estúdios, ou pelo menos de cada set. “Vocês agora tem uma noção. Cada set varia do tamanho dessa sala, ao tamanho da mesa, de acordo com o que estamos filmando”, disse. Quantos animadores trabalham? Às vezes, uma única pessoa só. “Em geral, temos um animador apenas, trabalhando com um iluminador ou designer de set, e um contrarregra que, basicamente, cuida de repor o que quebra. Os bonecos são muito frágeis e exigem cuidado, vocês viram. É algo que pode quebrar muito facilmente, assim como os esqueletos. Aliás, tudo na região das juntas pode quebrar facilmente. Temos de ter sempre alguém lá para que possamos ter os bonecos certos e eles possam ser levados imediatamente aos sets”, em segurança, ele resumiu. Saphiro exibiu outro vídeo, desta vez, com Erich Leighton, animador que trabalhou em Coraline. No vídeo, Leighton mostra os sets onde trabalha. “Os cenários precisam ser construídos especificamente para esse propósito. Começamos, construímos todo esse mundo para Coraline, por exemplo, e quando acabamos com a filmagem principal desmontamos tudo. Inclusive entre Coraline e ParaNorman, tínhamos um espaço completamente livre”, ele contou na gravação.

O trabalho envolve muita gente: na construção de cenários, no design, na arquitetura. “Você faz muitas coisas, constrói carros, casas, algumas com eletricidade, há filmagens internas e externas, usamos muita iluminação e diversas técnicas. Conforme a arte de animação e o stop motion avançam, tentamos permanecer à frente e criar algo incrível”, disse. O espaço era tão grande que eles usavam bicicleta para circular entre os sets. Coraline foi o primeiro filme a usar Rapid Prototyping, uma tecnologia que permite a produção de modelos e protótipos diretamente a partir do modelo 3D. De forma rápida, automatizada e flexível. Trocando em miúdos, trata-se de criar protótipos físicos a partir de seus modelos virtuais. “É assim que são feitas as bocas dos personagens. Como precisamos de muitas mudanças na boca, usando esse recurso, dá para imprimir uma expressão para cada situação”, explicou. A tecnologia de ponta é uma necessidade. “Quero que vocês notem o que o animador precisa fazer. Que vocês tenham uma ideia de como é a vida na Laika e também vejam o esforço que é necessário para fazer um quadro de animação, não um segundo, mas um quadro”, Saphiro sugeriu.


ParaNorman ParaNorman estreou no México e nos EUA no mês de agosto, e em setembro no Brasil. A Focus e a Universal são as distribuidoras do filme, Saphiro começou a contar sobre a produção, uma história original escrita por Chris Butler, que foi supervisor da equipe de storyboard de Coraline (e de A Noiva Cadáver), e divide a direção com Sam Fell (que trabalhou na Aardman e na Dreamworks e fez outros filmes, como O Corajoso Ratinho Despereaux e Por Água Abaixo). Boa parte da equipe de Coraline também migrou para a nova produção. “Temos muitos empregados fixos que trabalham nas nossas produções, muitas deles vão de uma produção para a próxima”, ele disse, antes de exibir o trailer de Paranorman. A animação sobrenatural conta a história de Norman Babcock, um esquálido menino que tem poderes especiais. Incompreendido, o pequeno Norman, que tem capacidade de falar com os mortos, é a única pessoa que pode salvar de uma maldição centenária o lugar onde vive: uma pequena cidade do interior que é invadida por zumbis. As coisas, claro, não saem exatamente como planejadas, mas é melhor ver o filme. Ou um dos muitos trailers que a Laika disponibiliza na internet como parte da estratégia de lançamento. “É possível notar claramente muito da influência do John Carpenter e do John Hughes. ParaNorman é uma mistura de várias ideias. Os diretores quiseram misturar filmes como Clube dos Cinco, com filmes de horror, os mais assustadores que viram enquanto cresciam, nos anos 1980”, ele contou, antes de mostrar a produção por atrás das câmeras. Saphiro exibiu um vídeo em que aparecem os vários departamentos da Laika e por onde passa acãmera, alguém explica o que faz ali. No departamento de arte, há uma excitação evidente: as equipes em ação mostram os bonecos ganhando vida, como eles são feitos e animados, a evolução dos personagens, como eles andam, falam, se movimentam. O vídeo percorre ainda os cenários e a equipe do storyboard. Segundo eles, o processo é simples e o trabalho é excitante. E, todos garantem, é muito divertido além de minucioso.

Por que fazemos tudo com tanto detalhe? Por que fazemos da forma mais complicada? Nós fazemos assim porque amamos fazer coisas maravilhosas, conectar pessoas, dizem eles quase em coro. Artistas dedicados à arte de animação, como eles se denominam. ParaNorman deveria ser um filme muito realista mas com estilo, era essa a orientação dos diretores. Uma história de pessoas estranhas, essencialmente, porque ninguém se transforma em herói sendo normal. Norman gera identificação com todos que não se acham normal. Travis Knight, o animador e presidente tem a palavra: “As nossas melhores qualidades são o que nos tornam um pouco estranhos. Não temos de nos enquadrar. Nós estamos juntos e brincamos. Não fomos crianças populares e estamos reunidos aqui, nos divertindo, querendo contribuir para o mundo. O estranho vence. Eis a nossa vingança”, ele brincou. No melhor estilo Laika de ser animador. Chris Butler explica a infância de Norman (ou dele): “Era um escapista clássico, odiava a escola, meu cabelo era horrível. Se eu fosse mais popular não teria feito esse filme. Norman não é uma vítima, só tenta não chamar a atenção e sobreviver. Os melhores anos da sua vida são aqueles em que você começa a ser que você quer ser”, está definido o personagem principal e apresentadas suas idiossincrasias. Um processo insano? Para fazer ParaNorman chegar às telas foi preciso muito esforço de gente que teve de dar conta, por exemplo, de 24 formas da boca para o vocabulário, construir 50 sets e usar muita resina. Ninguém reclamou, pelo contrário. Sam Feel resumiu bem: “É como se fossemos crianças. Brincamos de bonecos e bonecas, desenvolvemos as idiossincrasias. Isso me remete ao fato de que sou muito sortudo por ter encontrado o meu lugar. Não somos especiais, mas fomos atraídos por um mundo fantástico de coisas incríveis”, a Laika seduz.

Estratégia de marketing Quando fala de um filme, a Laika tem de lidar com marketing de uma forma um pouco diferente do que fazem os outros estúdios, disse Saphiro. “Alguns têm mais facilidade de falar sobre seus filmes se têm um parque de diversões ou se vendem material em lojas ou coisas do gênero”, todos entendem a comparação. No caso da Laika, o esquema é outro, ele explicou o esquema que envolve os lançamentos dos filmes:


“Precisamos contar muito com pessoas como vocês, que viram isso aqui hoje e falam com outras pessoas, ou com pessoas que viram na internet e falam com os amigos. Trabalhamos com uma agência para criar pequenas vinhetas, falando sobre o atrás das câmeras, ou o making of, Algo como vocês viram, só que mais curtos”, basta procurar na internet, estão todos lá. Saphiro reservou quatro desses vídeos promocionais usados para a divulgação do filme, como exemplos para a plateia do Anima Fórum. “Um deles, inclusive, foi lançado hoje. Eles são lançados on line, ou pelo Youtube ou através de algum parceiro nosso. E assim circulam pela internet, e através do boca a boca. O objetivo é que circulem, espero que vocês mesmos os encontrem e que cheguem a vocês. A cada duas semanas sai um novo até a estréia do filme.” Depois dos vídeos e muita informação, Mark passou a vez para o público.

A Laika produz sua própria estrutura dos bonecos ou vocês trabalham com uma empresa que as faz? A estrutura, em geral, é feita na nossa própria empresam internamente. Fazemos muito trabalho em parceria com estúdios no norte da Inglaterra, de onde saíram grandes animações em stop motion. Porém, tentamos fazer o máximo que podemos localmente. Em Oregon, somos muito pela sustentabilidade, gostamos de fazer lá mesmo o que pudermos, e reciclar o que for possível. Parte do que fazemos é buscar produtos feitos localmente.

O que você acha do mercado para o animador de stop motion no momento? Qual a sua perspectiva de mercado, já que você disse que a animação está entre os EUA e o Reino Unido? Fazemos tudo de forma colaborativa. Muito do stop motion vem dessas regiões, que são consideradas a meca da animação. Os dois diretores são ingleses, e os ingleses estão nos provendo muito com seus serviços. Em relação aos animadores, nós os procuramos por todo o mundo. Muitos dos nossos artistas são animadores de stop motion. Não que a técnica lhes tenha sido ensinada, pois ela muitas vezes é autodidática, e o aprendizado é algo muito pessoal. É algo quase impossível de ensinar, você precisa pegar e fazer. Temos animadores que fazem CGI 2D e 3D que também trabalham com stop motion. Como eu disse, há coisas que fazemos para comerciais e fazemos muito além dos filmes da divisão de entretenimento. Há um mercado grande para animadores stop motion, em especial se forem precisos e rápidos, pois os prazos são apertados. Se você quiser saber sobre oportunidades na empresa, no nosso site há um link com a relação de vagas em aberto. Fazemos também recrutamento em festivais, estivemos aqui nos últimos três anos. Buscamos pessoas não apenas de grandes universidades, mas também pessoas que, mesmo nunca tendo feito uma faculdade, sejam grandes animadores.


Como é marcado o timing na animação, o espaçamento é feito diretamnete no stop motion, ou é necessário primeiro testar no 2D ou 3D? Fazemos como um filme normal. Por exemplo, fazemos o storyboard e depois os animadores fazem a animação baseados nas vozes já gravadas dos atores. É muito como um filme norma, em que você tem a história, o roteiro, e você faz as pré-visualizações, em geral em animatic, para ter uma ideia do andamento e do cenário de cada cena. Fazemos uma ilustração de como os personagens serão. Daí a prévisualização. Você tem os blocos de tempo, e tudo é unido de modo a fluir da melhor forma quando o animador finalmente fizer a animação. Os dubladores também fazem suas gravações antes. Logo, os animadores fazem o trabalho seguindo as vozes dos atores. As vozes, quase todas, tiveram de ser gravadas em Los Angeles. Buscamos, obviamente, o nosso elenco em Hollywood. Estão aí Kodi Smit-McPhee, do filme A Estrada; Christopher Mintz-Plasse, de SuperBad – É Hoje!; e Casey Affleck, John Goodman e Anna Kendrick, que também fizeram vozes em ParaNorman.

Qual o orçamento do filme, quanto tempo levou desde a concepçãp da ideia até a finalização? Ainda não fechamos o orçamento. Para Coraline, o investimento foi de US$ 85 milhões. É o mesmo que o orçamento de uma produção de qualidade em CGI. Até agora, Coraline faturou US$ 130 milhões no mundo. Para Chris Butler, que escreveu, foram 16 anos desde a primeira ideia. Mas, de fato, levamos quatro ou cinco anos desde o início do roteiro. E o filme, em si, levou mais de dois anos. A grande diferença desse filme para os outros anteriores, ou mesmo os em stop motion em geral, é a influência de CGI, que é uma parte considerável desse filme. Há muitos efeitos especiais e visuais em CGI. Fizemos um filme em stop motion com muitos elementos e influências de CGI. O tempo de produção total foi de dois anos e meio a três anos.

Quais os passos envolvidos na préprodução? Antes de sequer começarmos a pré-produção, temos um contrato de três filmes com a Focus e a Universal. Coraline foi o primeiro; Paranorman foi o segundo; em breve anunciaremos o terceiro, que está em pré-produção, que é o passo seguinte a pré-pré-produção. Os estúdios podem ter, dependendo do seu porte, diversos filmes nesse estágio anterior à pré-produção. Mas a pré-produção envolve conseguir a história, o que significa, às vezes, comprar os direitos da história e trabalhar no roteiro. Às vezes há vários roteiristas trabalhando em um roteiro. Daí você vai para o visual, o design de personagens. Você pode ter dez designers de personagens de todas as partes do mundo. Alguns são funcionários da Laika, outros freelancers. Isso pode levar alguns anos. Pode levar de três a cinco anos. Você tem a história original, as modificações, os cortes. As idas e vindas entre o time de criação artística e o de produção. Às vezes, os distribuidores – se estiverem envolvidos – também emitem opiniões. O tempo é mais ou menos o mesmo de uma produção em CGI. O prazo e o orçamento também são semelhantes.


Como é o processo de sincronização das vozes, vocês usam algum outro som além das vozes para guiar a animação, como efeitos ou trilha sonora? O processo é o mesmo para CGI ou é diferente em stop motion? Uma coisa que fazemos no processo de dublagem é juntar todos, ou trazer as pessoas envolvidas no diálogo daquela cena, para trabalhar nas falas. Por exemplo, tivemos Christopher Mintz-Plasse e Anna Kendrick, em uma sala, fazendo um diálogo várias vezes. Apenas para entrar no personagem. É diferente de CGI, em que todos se sentam e leem suas falas. Buscamos que eles se sintam confortáveis com seus personagens e deixem que eles apareçam. Há muitos pré-ensaios, temos de ter certeza que as vozes estão certas, e que a interação entre os personagens também. Às vezes filmamos os atores durante as gravações. Os animadores em geral usam fones de ouvido para saber de onde o diálogo vem, e podem trocar os rostos, e fazer tudo que precisam fazer, além de adicionar sons. A maior diferença hoje em stop motion com relação aos rostos, é que temos as impressões em 3D. Então, se quisermos uma expressão diferente, podemos fazê-la. Fizemos 33 mil rostos. Se numa sequência um animador decide que algo precisa ser modificado, você pode pedir aos designers e aos produtores e eles podem fazer mais rostos. O mesmo em CGI, se você quiser alterar algo, basta ir ao computador e modificar. No nosso caso, basta ir ao Maya, fazer um novo rosto e usar a impressora 3D, só demora um pouco.

Como vocês começaram a fazer filmes em stop motion? Como eu disse, viemos do Will Vinton Studios e do Claymation Studios. Stop motion começou lá. Travis Knight começou como um contraregra no Will Vinton, e daí ele trabalhou até conseguir chegar à parte da animação. A empresa começou com essa tradição de stop motion, a ideia de dar vida aos personagens. A ideia de que muitas pessoas tocam esse boneco antes dele ser sequer filmado. Departamento de arte, de armature, de cabelo, de figurino, cada pedacinho, o que é feito com stop motion é diferente do que é feito com CGI. CGI é bem limpo, stop motion se permite e é aberto a histórias diferentes. Se você pensar nos filmes de stop motion, vai perceber que eles têm um visual e uma atmosfera que não funcionaria em CGI. O ritmo da história também. A Aardman, em Pirates e Wallace and Gromit, fez algo que

funciona em stop motion, mas vai contra o tradicional.

Vocês ficam com os bonecos, ou distribuem entre a equipe ao fim do projeto? Se vocês viram Coraline, se lembram do rato e do circo de ratos. Foram feitos mais de 400 daqueles. Alguns foram dados à equipe como presente, em um pequeno case. Eles não são para animação, não têm o esqueleto, são mais para reposição. Outros, como Coraline, tive que quase implorar para poder trazê-la. Eles a estão usando para fazer marcações em outras produções. O Norman é pouco maior que ela, então ela pode ser utilizada durante ensaios. Esses bonecos são dificeis de fazer e são muito caros. Então tentamos tirar o máximo deles. Os sets são desmontados e guardados. Fazemos mostras em lugares diferentes. Basta apenas ter onde guardá-los. Temos alguns cenários em exposição em lugares como a Universal Studios.

Quanto do orçamento vai para o marketing e como as mídias sociais estão afetado o marketing da Laika? Não tenho valores exatos, mas é um valor considerável o que é direcionado ao marketing. Nosso desafio é maior porque não somos tão grandes assim, temos uns 400 funcionários. Não temos os meios de divulgação que outros estúdios têm. Isso nos leva às mídias sociais. Em Coraline, usamos muito as vinhetas. Precisamos que as pessoas falem do filme e compartilhem umas com as outras. Foi muito útil e nos ajudou bastante o fato de termos muiita divulgação através do twitter, com pessoas como o Neil Gaiman, que tem muitos seguidores, e através do facebook. Agora, usamos também o tumblr. Neil Gaiman twitou sobre o ParaNorman, o que é ótimo, Henry Selick também, e ele tem muitos fãs. Neil Gaiman é uma das pessoas mais populares na Comic Com. Quando ele fala, começa um burburinho sobre um filme nosso. O melhor recurso com que contamos para divulgar nossos filmes é a mídia social espontânea. Fazemos publicidade, ocasionalmente, mas o que fazemos mais foi o que vocês viram aqui. Sobre o custo, é difícil de apresentar um valor, mas vai bem além do orçamento de US$ 85 milhões.


18 de julho

quarta-feira

Palestra - Mirando no Oscar Ron Diamond, produtor de animação e membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, reuniu numa palestra os critérios para a premiação do Oscar de Melhor Curta de Animação.

“Espero que aqui nesta sala esteja um futuro ganhador do Oscar.” Ron Diamond já começou com o tom que pontuaria toda a sua palestra no Anima Forum. Uma hora e meia de bom humor e estímulo a quem sonha com uma estatueta. Pode até parecer, mas ganhar o prêmio mais cobiçado do cinema mundial não é tão difícil assim. Não, não. Think Oscar! Diamond foi aclamado no Anima Forum como um dos responsáveis pela entrada do Anima Mundi no restrito clube de festivais que classificam para o Oscar, novidade anunciada em 2012. Como prova de que entende do assunto, o presidente e cofundador da AWN (Animation World Network) está envolvido com animação há mais de 20 anos e produz trabalhos de ícones como Michael Dudok, Michaela Pavlatová e Bill Plympton.


Figura disputada em festivais de cinema e animação, ele já trabalhou com muitos diretores que ganharam ou foram indicados ao Oscar. “Eu sou membro da Academia há dez anos, o que significa uma grande oportunidade de encontrar meus pares. Minha presença aqui, no entanto, não é em nome da Academia. Quero compartilhar o que é e o que significa participar do Oscar”, avisou. Antes de falar especificamente sobre o Oscar, o que a plateia esperava ansiosamente saber, Ron explicou a estrutura da Academia, sediada em Hollywood. Todas as informações estão disponíveis no site oscars.org, inclusive as regras para participação no Oscar, ele avisou. O prêmio de melhor filme de animação foi criado em 2001, quando “Shrek” foi o vencedor. A história do curta de animação na premiação, por sua vez, começou bem antes. Ron comentou também uma coincidência inusitada: na 84ª festa da premiação, o cinema mudo e em preto e branco voltou a ser aclamado como vencedor na categoria de melhor filme, como no início. Exatamente no mesmo ano em que esperava que o prêmio fosse para A Invenção de Hugo Cabret.

A Academia Fundada em 1927 por um time de 36 cineastas lendários que vai de Mary Pickford a Cecil B. DeMille, Sid Grauman a Jesse Lasky, ao contrário do que pode parecer para o mundo, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas não se resume apenas ao espetáculo da premiação instituída em 1928. “Claro, sabemos que a cerimônia do Oscar é vista em todo o mundo e as pessoas estão muito acostumadas a sintonizar pelo menos para ver o tapete vermelho. Nós amamos o tapete vermelho”, Ron brincou e lembrou que a Academia tem muitas outras atividades. Com cerca de seis mil membros, entre atores, produtores, diretores e uma variedade de outros artesãos do cinema, a Academia também está envolvida em projetos e campanhas educacionais, atividades de pesquisa e preservação da história da cinematografia. “É importante notar, por exemplo, que a academia tem uma biblioteca muito extensa de imagens, livros, artigos e recortes”, ele enumerou o que há no acervo que perpassa toda a história do cinema e está devidamente guardado pela Academia. Lá, garantiu Ron, é possível pode obter informação sobre qualquer pessoa. “Eles também têm uma coleção enorme

de cartazes e milhões de fotografias. Se você vem a Los Angeles, eu recomendo que você vá ao prédio onde está instalada a biblioteca. E, se quiser pesquisar, o acervo é extraordinário. A história do Oscar está toda preservada. É uma fonte de pesquisa realmente incomparável”, ele ressaltou.

História viva O objetivo da Academia é que a cultura cinematográfica seja preservada para todo o sempre. Estão lá, metodicamente conservados em ambiente climatizado, praticamente todos os filmes que foram nomeados para o Oscar, além de outras raridades. “A Academia reconhece filmes e filmografias importantes”, Ron citou como exemplo o animador canadense Marv Newland, mais conhecido pelo filme Bambi meets Godzilla. “Alguém se lembra dele? (perguntou para a a plateia) Embora até esse ano ele não fosse um membro da Academia, os filmes dele estão preservados lá”, pontuou. Além da preservação fotoquímica, é feita a restauração digital dos filmes. O custo da manutenção e das operações é alto, o que justifica, segundo Ron, as cifras estratosféricas que envolvem a cerimônia do Oscar. É o que paga a organização e a manutenção da Academia e todo o trabalho que ela produz. “A ordem é de centenas de milhões de dólares. A primeira hora do Oscar paga, praticamente, o ano inteiro da organização. O que é ótimo, porque esse dinheiro é empregado para atividades de extrema importância”, ele disse. Um dos projetos nos quais Ron se envolveu recentemente foi a preservação dos primeiros filmes de gente hoje consagrada como Henry Selick, John Lasseter e Chris Sanders. As informações sobre o fazer cinematográfico, especificamente na animação, ainda estão sendo estabelecidas a cada novo projeto. A criatividade passa por um nível de exigência e sofisticação cada vez mais elevado e a revolução digital alterou da forma de produção à forma de exibição de filmes. O Conselho de Ciência e Tecnologia da Academia está atento às inovações.


Quem conhece o Lyon Lamb? Ron perguntou para a plateia. Uma pessoa, só? Lyon Lamb foi um invento revolucionário para a animação, Diamond explicou, entusiasmado. Tanto que mereceu o devido reconhecimento da Academia, com o Scientific Technical Achievement Award (um dos prêmios científicos e técnicos da Academia), em 1980. A criação de Bruce Lyon e John Lamb (sim, o nome vem daí) é um sistema que gera um teste quadro a quadro da animação, um line test feito antes da finalização. O trabalho da Academia consiste em fazer com que as pessoas compreendam a história e a importância do cinema. A função do Conselho de Ciência e Tecnologia é pesquisar, difundir – e premiar – as melhores invenções, aquelas que, de fato, contribuem para o processo de captação de imagens em movimento. Preservar é palavra de ordem, Ron deixou o recado aos animadores: façam muitas cópias dos seus filmes. “Quantos de vocês têm apenas cópias digitais dos seus filmes? Façam várias cópias. Porque se você não tem uma cópia, um dia o seu filme pode desaparecer. E é por isso que eles têm o arquivo e estão tentando se certificar de que os filmes estão protegidos em ambiente adequado.”

A Academia faz exibições públicas de filmes do seu acervo e de filmes raros numa programação semanal intensa, pelo menos cinco vezes por semana, em espaços com capacidade para até mil pessoas por sessão. Em geral, são convidados atores e diretores para participar e falar sobre os seus trabalhos. Para a animação, a Academia reserva o Marc Davis Lecture, um fórum em que animadores, diretores renomados e especialistas trocam experiências. Outro projeto grandioso da Academia é o Academy Museum of Motion Pictures, que irá funcionar em Los Angeles. Um investimento da ordem de R$ 250 milhões. “Será um ponto de encontro de pessoas de todo o mundo”, disse Ron. Há frentes também na área da educação, com projetos voltados principalmente para a formação. “Eu produzo DVDs que são assistidos por milhões de crianças. A academia dá subsídios para as escolas, preocupada em ajudar a educar as pessoas. Estamos enviando esse material para 19 mil professores do ensino médio em todo o território dos Estados Unidos. Esses vídeos, que abordam de documentário a efeitos visuais, de maquiagem a design, serão vistos por mais de 1,5 milhão de crianças.”


Membros e categorias Para cada uma das categorias da premiação do Oscar, corresponde um número de membros que participam de comissões executivas. São os governadores, que nada têm a ver com Arnold Schwarzenegger, Ron brincou ao explicar que são eles que determinam as regras do Oscar. São três, no caso da animação. Entre os governadores estão atores, diretores, produtores, fotógrafos, montadores, executivos, diretores de arte, editores de imagem e de som, relações públicas e músicos. Para fazer parte da Academia, é preciso trabalhar ou já ter trabalhado em cinema. Os indicados ao Oscar são fortes candidatos a se tornarem membros. “Não significa que você será necessariamente aceito. Mesmo que você ganhe, não significa que você se tornará um membro. A Academia busca pessoas que mostrem compromisso duradouro para com a arte. Na área de curtas e animação, buscamos pessoas que mostrem que estão envolvidas no negócio. E eles querem alguém em um cargo de direção, um diretor, um diretor de arte, um cinematógrafo, alguém que esteja em uma posição chave na produção.” Além da indicação para um prêmio, outra forma de entrar para a Academia é por convite de quem já é membro, sujeito a aprovação. “Membros podem indicar novos membros. Você precisa pagar uma taxa anual, coisa de US$ 350, nada muito caro.”

Como eu ganho o Oscar de melhor curta de animação? Pode parecer complicado, mas não é. O primeiro passo é fazer um filme, Diamond provocou risos na plateia e explicou: “Nós todos nascemos exatamente iguais. Mas nós recebemos estímulos e influências distintos. Dos pais, dos irmãos, dos avós. E todos nós enfrentamos desafios distintos. Como animadores, nós começamos com o desafio que é o papel branco”, ele comparou. Os melhores filmes, disse Diamond, referindose em particular à animação, são aqueles cujos diretores deixam que a própria história defina se será um filme feito à lápis ou por computação gráfica. Os filmes que se permitem ser livres, independentemente da técnica que venham a utilizar.

E nem todos os filmes são apropriados para o Oscar, é bom saber. “Mas tudo bem, não se insurja contra a Academia, se não ganhar. Você pode fazer um filme sobre algo que você deseja intimamente expressar, mas esse filme, não necessariamente, será um filme adequado para o Oscar. E isso não é nenhum grande problema”, ele brincou mais uma vez, pediu que ninguém deixasse de fazer seus filmes por conta disso, e anunciou que o caminho das pedras é feito de alguns poucos passos até a lista de indicados à estatueta de melhor curta de animação: Regra número um, faça um curta digno do Oscar, um filme que seduza a Academia. Não, não se trata de fazer um filme para ganhar o Oscar, mas de fazer um que esteja à altura do prêmio, com todas as exigências que ele implica. Passo número dois, faça um filme que passe pela triagem e receba a qualificação. Isso significa seguir os critérios da Academia (mais uma vez, Ron relembrou que as regras estão no site). Tem um filme digno do Oscar? Inscreva-o. “Se você tem um filme, já fez um grande avanço, mas não se esqueça de postular o seu filme. Muita gente tem filmes perfeitamente capazes de ganhar um Oscar, mas simplesmente não os inscrevem. Não deixe de concorrer por não inscrever”, Ron recomendou. Eis o endereço exato para a inscrição: http:// www.oscars.org/awards/academyawards/rules/ shorts/entry-form.pdf. Outro passo importante: ganhe a premiação principal em algum dos festivais que têm apoio e são credenciados pela Academia. São 32 mostras, inclusive o Anima Mundi. “Há filmes sensacionais nesses festivais e eles são usados para revelar potenciais concorrentes. Participe”. Primeiro qualifique e depois faça o que quiser. O filme estará liberado para exibição. Em caso de filmes estudantis, ganhar o Gold Student Academy Award também ajuda na escalada. Se você for um aluno, portanto, comunique ao corpo docente que você tem interesse em concorrer. Mas há apenas uma vaga de indicação nesse caso. O Student Academy Awards é uma competição nacional de cinema estudantil realizada anualmente pela Academia. Cerca de 500 estudantes universitários competem aos prêmios, que incluem doações em dinheiro. Entre os ganhadores quando estudantes e atualmente famosos estão Spike Lee, Trey Parker, Bob Saget, e os vencedores do Oscar John Lasseter e Robert Zemeckis.


Ron mostrou a lista de festivais qualificadores, que agora inclui o Anima Mundi, junto com festivais como Annecy, Berlim, Bilbao, Bafta, Cannes, Chicago, Cinanima, Stuttgart, Sundance, Sydney, Veneza, Tribeca, Raindance, Krakow, Foyle, Huesca, entre outros. “A lista é atualizada todos os anos, eu posso fazer recomendações ao Comitê Gestor, mas meu voto tem peso de apenas 3%”, ele lembrou e sugeriu à plateia: “Por favor, continuem fazendo filmes e, por favor, me mostrem.”

Regras Está tudo explicado no site, Ron repetiu o endereço oscars.org muitas vezes para reforçar que os candidatos fiquem atentos. Lá está estão desde a definição de curta-metragem até as regras de exibição. Alguém ainda não sabe? Vale o lembrete: o curta é um filme original de até 40 minutos (incluindo os créditos), cuja animação é feita quadro a quadro e usa técnicas de computação gráfica, stop motion, massinha, efeitos caleidoscópicos. Não entram na categoria sequências de longas-metragens, filmes publicitários, pilotos ou episódios de séries de TV ainda não exibidos. Quanto mais preciso, melhor. A sinopse deve ser curta, contar a história em poucas linhas, dizer quem são o protagonista e o antagonista, qual é o conflito. Pode conter também o gênero, se é comédia, drama, romance. Apenas isso. Se o filme é uma combinação de live action e animação, cabe a você decidir em que categoria inscrevê-lo. Sobre a exibição para fins de qualificação, só vale exibição em salas comerciais. E não se enquadram nesse critério exibições feitas oara os amigos da faculdade, ainda que seja cineminha do campus, por exemplo. Segundo as normas da Academia, se o filme for exibido na televisão antes da data especificada, perde as chances. O candidato não pode exibir o filme na televisão, seja em que país for, nem na internet, e nem sonhar em passar uma cópia para uma companhia aérea distrair passageitos durante um voo modorrento. É desqualificação certa. “Para que um filme seja qualificado, é fundamental que seja exibido para um público pagante, que seja projetado três dias na semana, duas vezes por dia. A Pixar produz e distribui, é fácil para grandes estúdios. Para simples mortais como nós fica mais difícil. Mas é a regra. Até que o filme seja lançado, não mais que 10% dele podem ser demonstrados ou exibidos.”

A qualificação é feita pela sala de projeção em Los Angeles (há dois qualifying theaters que conferem a certificação) e em festivais. Os filmes devem ser submetidos no mesmo ano que serão qualificados. Quem vai levar a estatueta para casa? É essencial preencher o formulário de postulação exatamente como se exige, Diamond alertou: “Todos os envolvidos na produção devem assinar e estar de acordo com o que é assinado. Quem é o diretor? Quem vai concorrer? Todos devem concordar com os nomes que serão indicados. Por favor, comprometam-se com isso, leiam bem as entrelinhas de tudo que vão assinar. O que está registrado é o que vale.” Salvo algumas exceções, cada prêmio corresponde a uma estatueta. Em geral, o responsável direto pela execução e pelo conceito. É preciso decidir quem estará à frente da equipe de criação na hora de receber o prêmio. Há uma data limite para a postulação, é imprescindível também prestar atenção para não perder o prazo. “As regras e datas mudam todo ano. Estejam atentos, porque o avião não espera os atrasados para fechar as portas e decolar. É incrível como as pessoas esperam o último dia para postular seus filmes. Se já foi qualificado, não se desqualifique por uma razão medíocre.”

Think Oscar! Ron Diamond detalhou, no Anima Forum, o programa da sessão especial Think Oscar! exibida no Anima Mundi, para mostrar o tipo de filme que costuma agradar e convencer a Academia. A mostra reuniu curtas-metragens de épocas e características distintas separadas em quatro categorias: filmes que ganharam o Oscar; filmes que foram indicados, mas não levaram o prêmio; filmes inscritos, mas não indicados; e filmes que não foram inscritos.


Program One Filmes que não foram postulados. As razões ou porque as pessoas esqueceram ou porque os avaliaram como medíocres. “Com frequência, as pessoas não postulam seus filmes. Já vi tantos curtas maravilhosos, me entristece ver que filmes com potencial para ganhar não estão lá.” Diamond exibiu o curta John and Karen, dirigido por Matthew Walker e produzido por Sarah Cox, do Reino Unido. “Esse filme é brilhante, merece a indicação ao Oscar. Tem um timing maravilhoso”, Diamond exaltou o singelo filme que retrata uma discussão de casal comum não fosse por um detalhe: Karen é um pinguim e John é um urso polar. “Não é genial esta ideia? Tão simples! Valeria ao menos uma indicação, se não, o Oscar. Mas sabe por que não venceu? Porque foi exibido na televisão antes da hora! São coisas assim que eu vim ensinar. Se você tem um curta bom, think Oscar!”, ele pediu. Faça a pergunta: esse filme pode ser qualificado? Não exiba na televisão, você pode desqualificar um filme excelente. Esse é o tipo de filme que poderia, facilmente, estar na lista. Além de John and Karen, estavam incluídos na mostra exibida no Anima Mundi os filmes La Memoria Dei Cani; Cameras Take Five; Overtime; Revolution Of The Crabs; Hilary; Morrir de mor; Lasta los Huesos; La Pista; Beton; En Tus Brazos; El Empleo; e KJFG #5. Para quem não viu na mostra, vale a pena procurar na internet. Veja, para entender porque eles estão na lista de Diamond.

Program Two Filmes que foram inscritos mas não avançaram. Apenas cerca de 50 filmes chegam por ano e os filmes são exibidos duas vezes antes de serem classificados. O que faz com que um filme que tenha sido enviado não seja indicado? “O Oscar não é um festival de cinema. O Oscar é uma competição que identifica os melhores filmes desse ano. Filmes cuja mensagem não é clara podem confundir e entediar e isso faz com que o público não vote. Filmes confusos, chatos, mal feitos, entediantes, visualmente pobres, com narrativa desinteressante”, Ron enumerou algumas das principais características que condenam uma produção a que nada aconteça aos olhos – e votos – da Academia. Como exemplo de filmes que não progrediram, Ron exibiu para a plateia do Anima Forum a produção polonesa de Michal Socha: Chick.

Porque esse filme não foi para a lista dos indicados ao Oscar? (ele perguntou para a plateia) Por que contém sexo? Não, a academia não é puritana, eles todos adoram sexo. O visual é estranho, não é mainstream? Não. Por que foi exibido no Vimeo? Não, já estava qualificado, portanto liberado para exibição. “Ele estava inscrito, a Academia o assistiu. Eu tenho uma razão diferente destas, está na minha cabeça. Era confuso? (alguém na plateia opinou) Sim, era confuso. O que acontece no final? Não é claro. É um filme extraordinário, não é um filme entediante, mas é confuso”, disse. A razão do fracasso de Chick em convencer a Academia estava explicada. “A Academia busca filmes compreensíveis, não quer ver filmes mais de uma vez. Muitos filmes têm o mesmo destino. Este é um filme extraordinário, mas havia um contraste tão grande no final que a Academia o descartou”, analisou Diamond. Em geral, os filmes que entram nessa categoria têm um bom começo: “O conceito é interessante, mas não é completo. Falta alguma coisa, a trama não é bem desenvolvida. Falta o essencial”, Ron vaticinou. Strange Invaders, do canadense Cordell Barker, que conta a história de um visitante intergalático que vira de pernas para o ar a vida de um casal que não consegue ter filhos, também está na lista. Os demais inscritos que não avançaram selecionados por Ron, para o Anima Mundi, foram: The Silence Beneath The Bark, de Joanna Lurie, na lista dos filmes de 2011; Milch, de Igor Kovalyov; Flux; The Runt; City Paradise; Fast Film; The Village Of Idiots; e Skhizein.

Program Three Indicados ao Oscar. Por que eles não ganharam? Não basta a perfeição. Mesmo grandes filmes estão sujeitos ao imponderável, ou seja, ser um grande filme, mas ser eclipsado por um filme ainda maior. Ron usou como exemplo a comoção causada pela morte da Madre Teresa de Calcutá. Durante três dias, ela teve a morte lembrada e foi o assunto da vez. O que eclipsou a morte da Madre Teresa? (novamente ele perguntou para a plateia). A Princesa Diana morreu, a resposta surgiu. “Sim, Diana morreu. Uma morte trágica e então o mundo esqueceu Madre Teresa. Depois de 24 horas da morte de Diana, ninguém mais se lembrava da mulher que dedicou sua vida a causas nobres. E é claro que isso pode acontecer, um filme simplesmente eclipsar o outro.”


When The Day Breaks, produção da prestigiada National Film Board do Canadá, produzida por Wendy Tilby e Amanda Forbis, e ganhador de outros prêmios, incluindo a Palma de Ouro de melhor curta-metragem no Festival de Cannes, foi indicado. Mas perdeu a estatueta do ano 2000 para The Old Man and the Sea, do russo Aleksandr Petrov. Acontece, Ron avisou. “Personagens bem resolvidos, história boa e clara. Por que não ganhou o Oscar? Princesa Diana? (risos). Merecia o Oscar porque é um filme incrível.” Segundo Diamond, o quanto um filme pode ser grandioso é determinado pela criatividade no uso da técnica. “Não é a técnica em si”, ele reforçou. Independentemente de ser uma animação, é a história e a forma como ela é contada que conta. Tudo é uma questão muito mais de como tratar a mensagem e como mostrar a experiência na tela. Ron avaliou e deu o recado: “Faça um bom filme, é a sua responsabilidade”, repetiu. Tenham isso em mente e vejam os filmes da mostra, ele sugeriu. Na lista do programa constavam também The Cat Came Back, de Cordell Barker, indicado em 1989; Badgered, de Sharon Colman, em 2006; Nibbles, de Chris Hinton, em 2004; The Hill Farm, de Mark Baker, em 1990; Das Rad, de Chris Slenner, Arvid Uibel e Heidi Wittlinger, em 1986; The Big Snit, de Richard Condie, também em 1986; Black Fly, de Christopher Hinton, em 1992; e I Met The Walrus, de Josh Raskin, em 2008.

Program Four Os ganhadores têm como característica uma história perfeita, personagens bem construídos, e um conceito completo. Como o indiscutível Father and Daughter (2001), do diretor holandês Michael Dudok De Vik. “Ele é um diretor brilhante e o filme tem uma história pessoal que toca a audiência, além de ter apelo visual. É um filme que as pessoas querem ver de novo”, Ron deu a receita do bolo que todos querem experimentar uma fatia. O que conta na categoria é a habilidade que um filme tem de se comunicar, do nível de inventividade que ele venha a apresentar. Não, não se trata de técnica meramente, Ron repetiu. Também não pense que é um grande estúdio por trás que vai garantir a premiação. É o filme, a arte, o quanto ele é compreensível e tocante.

Entre as produções vencedoras do Oscar de Melhor Curta de Animação, além de Father and Daughter, de Michael Dudok de Wit, ganhador em 2001, Ron selecionou, para a mostra Think Oscar! outros filmes, de nacionalidades diversas: The Lost Thing, de Shaun Tan e Andrew Ruhermann, vencedor em 2011; La Maison en Petites Cubes, de Kunio Katô, que levou o prêmio em 2009; The Danish Poet, de Torill Kove, ganhador em 2007; Bob’s Birthday, de David Fine e Alison Snowden, que levou a estatueta em 1995; e Frank Film, de Frank Mouris, ganhador em 1973. Entre os trechos dos filmes e as dicas para o público que sonha com o Oscar, Diamond fez circular entre a plateia algumas amostras do requinte que cerca a premiação: catálogos com os indicados, convites para a cerimônia, a convocatória para as sessões para os votantes.

A votação Ela sé dá no Comitê de Avaliação. “Você senta em uma sala que tem de 50 a 100 pessoas e recebe uma cédula. Todos têm uma coisa muito importante: uma lanterna! Por quê? Porque após seis minutos de filme (e com alguns filmes isso é um sofrimento, lembrem-se que todo mundo acha o próprio filho lindo, mas há filmes terríveis), uma luz vermelha acende no canto da sala. Se três quartos da sala erguem suas lanternas, em 30 segundos eles interrompem a exibição e passam para o próximo.” Algumas pessoas na Academia alegam: “não somos um festival de cinema. Estamos aqui para votar. Se o filme não tem chance de ser indicado ao Oscar, não há motivo para vê-lo inteiro”. Há pessoas que dizem “quero ver animação de qualidade, quero ver o filme inteiro”. Há pessoas suficientes para erguerem suas lanternas e tirar – ou manter – o filme da competição. Acontece e acontece com grandes filmes. “Eu estava lá. Posso lhes dizer que alguns grandes filmes já foram tirados da tela. Um deles ganhou dez Grand Prix em festivais internacionais de animação. E isso é muita gente endossando um filme pelo mundo. Ainda sim, a Academia, com toda sua sabedoria e de forma democrática, decidiu que não era digno de um Oscar.” Há um segundo risco: mesmo que o filme passe de 12 minutos de exibição, se dois terços da sala erguerem as mãos, também é tirado da tela. “Sejamos realistas. Se você vai assistir a 50 filmes e sabe que apenas dez vão para a short list e cinco serão indicados, alguém tem de perder, nem tudo irá ganhar.”


Os números

Quantos filmes submetidos?

Cada filme pode receber uma nota de 7 a 10, mas o voto é facultativo. “Você pode escolher não votar nele. Mas você preenche sua cédula. Uma empresa de auditoria independente tabula as notas. Se um filme recebe média maior que 7,5, (considere que o mínimo é 7), entra na lista dos que farão parte da short list. Os seis a dez mais votados comporão a short list”, explicou Ron.

Cerca de 50 filmes. Quantos membros votam? São 350 membros da categoria. Ninguém sabe ao certo quantos votam.

A partir daí a votação geral é aberta, e começa uma nova exibição. Não é obrigatório ver todos os curtas que se inscrevem na categoria, apenas os dez finalistas. “Na verdade, qualquer membro pode ir a qualquer uma das duas, mas em geral a segunda exibição é a que tem o maior quorum. Na exibição dos indicados ao short list vemos tudo de animação e filmes. Todos votam e dão suas notas. Se um membro foi à primeira exibição, não precisa participar da exibição da short list, ele automaticamente recebe uma cédula com os filmes que já estão lá. Você manda pelo correio e pronto”, afirmou. Em janeiro, é feito o anúncio dos indicados. “E começa uma nova exibição e tudo fica muito corrido, pois eles precisam exibir tudo. Desde documentários, curtas, até as categorias principais. São centenas de filmes por semana. As exibições vão de dez da manhã até meianoite. Tem de ficar registrado que você viu o filme.” As exibições são abertas aos seis mil membros da Academia e todos têm direito a votar. “Esse ano, pela primeira vez, será possível preencher uma declaração de que você viu o filme em um cinema e poderá votar sem ter de ir à exibição.” A cada edição, os membros recebem uma cópia do livro com um programa. “Recebemos também entre 80 a 100 DVDs de todos os filmes que foram lançados. Eu prefiro vê-los no cinema, quando vou votar”, ele lembrou que o empréstimo dos DVDs é proibido. “Se você os empresta a alguém e eles descobrem, você é expulso da Academia. Se você põe na Internet, também é expulso da Academia, e o FBI vai atrás de você. Um ator fez isso uma vez e foi horrível.” A Academia também faz proibições explícitas para a publicidade. Estar entre os dez mais votados não dá o direito de uso dessa informação em materiais de divulgação do filme. Apenas os indicados e os ganhadores podem usar o título de ‘indicado’ ou de vencedor do Oscar.

“Essa informação não é divulgada. Toda essa informação não é repassada à Academia e é destruída pouco após a entrega do prêmio. É impossível saber por quanto se ganhou, ou quais filmes que quase entraram na short list, mas não foram indicados.” As primeiras exibições ocorrem em Los Angeles e New York. Para a short list, as sessões são feitas também em São Francisco. Talvez Montreal, em breve, pela quantidade de membros que há na cidade, disse Ron.


O que você pode fazer para promover seu filme Apresentar em festivais. “Quanto mais pessoas virem, mais falarão sobre ele, mais pessoas saberão sobre ele. Melhores e maiores serão as suas chances.” Falar diretamente com membros da sua categoria na Academia. “Isso já é mais difícil, você precisa de alguém para fazer a apresentação”, ele disse, reforçando que esse não é um caminho usual. Publicidade, notas, resenhas em publicações sobre cinema. “Quanto mais pessoas souberem sobre seu filme, melhor. Lembre-se que apenas 350 pessoas votarão no seu filme para que ele seja indicado na categoria de animação. Você não precisa convencer a todos na Academia, apenas os 350 votantes da categoria de animação.”

Enviar DVDs aos membros da sua categoria. “Eu faço uma coletânea de curtas de animação. Por isso, gosto de ver curtas no inicio do ano. Então, se você tem um grande filme, um curta de animação excepcional, envie-o”, Ron aconselhou mais uma vez. Que ninguém guarde seus filmes se eles são bons. Enviar o filme para Ron Diamond pode significar ganhar seu apoio e isso não é pouca ajuda. Uma prova de que ele pode fazer diferença são as fotos que ele exibiu, tiradas nas muitas festas que ocorrem depois da cerimônia de premiação. Em algumas, ou na maioria delas, ele aparecia acompanhado de vencedores que receberam seu apoio na fase classificatória. O japonês Kunio Kato (La Maison En Petit Cubes), ganhador do prêmio em 2009, estava entre eles. Todo o tempo, Ron deixou claro o quanto as festas – e o Oscar – são excitantes. “São uma ótima oportunidade para tecer boas relações e receber propostas de trabalho.”


Privilégio Quem participa da festa? Membros da Academia, escolhidos por sorteio, pois há poucos lugares bons. “Os ingressos são vendidos em pares. O interessante é que se você não for utilizá-los e avisar com até um dia de antecedência, a Academia os compra de volta. Você não pode repassá-los a ninguém. Se o fizer você pode ser expulso da Academia.” Quanto custa? Não é barato. Um ingresso único pode custar US$ 100 (para os piores lugares), US$ 350 (por lugares ruins) ou US$ 500, por lugares razoáveis. Os melhores lugares já têm dono: “Você só fica na frente se for indicado ou um vencedor”, ele brincou. Mas é verdade. A Academia também não se responsabiliza por viagens para os indicados. Nada de translado ou passagens. “Eles sequer ligam para avisar que você foi indicado. Você sabe que está no short list, pois isso é divulgado. Se você está indicado, recebe dois ingressos para os melhores lugares e mais dois para o Governor’s Ball, uma festa maravilhosa. É antes da festa da Vanity Fair. Então, se você não ganhar, pode ir lá e se divertir.”

O que mais perguntam aos indicados? Qual seu próximo projeto? Tenha uma resposta na ponta da língua e mostre atitude. Não diga ‘outro curta’. Jamais. O Oscar envolve muitos negócios, Ron foi assertivo: “Pense no Oscar como o maior holofote do mundo. Você é um indicado até que anunciem os vencedores. Até lá você é um vencedor em potencial. Portanto, você deve aproveitar cada momento. Eles querem estabelecer uma relação comercial com você. Aproveite e faça o melhor uso da oportunidade”, ele foi incisivo. O Oscar, definitivamente, é prêmio suficiente para mudar a vida de quem o conquista. E não apenas de grandes atores ou diretores. Roteiristas, diretores de arte, animadores, mesmo entre as categorias menos visadas, todos os que têm o privilégio de levar uma estatueta entram para um seleto grupo de profissionais admirados e, essencialmente, requisitados. Palavras de Ron Diamond.

No programa 4 há dois filmes italianos (La Memoria Dei Cani e La Pista). Esses filmes teriam chance de ganhar um Oscar? São dois filmes excepcionais. Mas são experimentais e é pouco provável que fossem indicados de fato. São filmes muito abstratos. Para ser digno do Oscar, o filme tem de ser compreensível para o grande público.

Qual o preconceito da Academia em dar à animação o Oscar de melhor filme? Um filme já chegou a receber indicação (A Bela e a Fera, em 1991). Mas existe, sim, preconceito. Para a Academia, esses filmes não são importantes. Na verdade, existe preconceito e não há nada a ser feito, você trabalha com o que tem à mão. Se 16 filmes forem inscritos para melhor longa de animação, cinco têm chance de serem indicados. Quando temos apenas 13 filmes com qualidade, a Academia se limita a três concorrentes ao Oscar de longa animado. Definitivamente, esse não é um prêmio constelar. Fazemos o nosso melhor para continuar.

Como incluir um curta na sua coleção? Mande uma cópia.

Fácil assim? Mas tem de ser estupendo.


19 de julho

quinta-feira

Masterclass II - Animação em Piratas Pirados - Jay Grace Jay Grace, diretor de animação da Aardman – referência internacional para filmes em stop motion – e o processo de criação de Piratas Pirados.

A criação de estúdios como a Aardman foi uma das grandes motivações para a criação do Anima Mundi. “A gente tinha notícia, nos festivais que frequentava lá fora, quando via esses filmes, do renascimento da animação em stop motion, usando ainda materiais simples como a massinha de modelar, e o que interessava ali era a qualidade da animação desses personagens”, disse Marcos Magalhães, ao abrir a segunda masterclass do Anima Forum. Os diretores do festival queriam mostrar ao público brasileiro o que era feito fora do país, e sonhavam repetir aqui, o que gente do porte de Nick Park, David Sproxton e Peter Lord já faziam com maestria. O festival vingou, as técnicas foram se sofisticando, a computação gráfica ajudou a produzir efeitos inimagináveis antes. “Mas no começo, era feito de um jeito muito simples, com um bonequinho chamado Morph. Quando a gente criou o Anima Mundi, trouxe os primeiros curtas do Wallace and Gromit”, lembrou Marcos Magalhães. De lá para cá, as relações com a Aardman se estreitaram. Tanto que, quando completou dez anos, o festival ganhou deles uma logo de presente. “Falado pelo Wallace”, Magalhães ressaltou, ao dar as boas vindas e agradecer a presença de Jay Grace.


“Eles são grandes parceiros nossos e nós somos grandes admiradores deles. A gente achou muito especial incluir o filme “Piratas Pirados” na programação do Anima Mundi novamente, com direito à presença do diretor de animação. E esta masterclass, um momento mais especial ainda, é para que profissionais e estudantes de comunicação tenham um contato mais direto e detalhado”, Magalhães passou a vez a Jay. O diretor de animação da Aardman começou com o tradicional é um prazer participar de um festival do porte do Anima Mundi. Uma sorte tremenda, ele disse, já anunciando que, durante a manhã, explicaria as muitas tomadas e as sessões desde a concepção da ideia até o produto final. O público teria o prazer de conhecer de perto os personagens do filme Pirates, no melhor estilo de gravação quadro a quadro.

O início Com os bonecos em exposição no palco, Jay Grace contou brevemente sobre o início da sua carreira. “Comecei em 1994, na própria Aardman. Fiquei como aprendiz na parte de modelagem por cerca de dois anos, modelando para vários comerciais e, por fim, comecei a animar. Em 1997, o estúdio planejava fazer A Fuga das Galinhas e montou um esquema de treinamento para os animadores. Eram poucos os que mexiam com stop motion naquele momento e eu tive a sorte de ser escolhido para participar do projeto. Depois, trabalhei em Wallace and Gromit e, a partir daí, trabalhei na maior parte dos filmes produzidos pela Aardman”, ele fez a apresentação. Para mostrar para a plateia o que está por trás dos bonecos de Pirates, ou o que os movimenta, Jay mostrou o vídeo “From stop to motion”. O começo de tudo, segundo ele e de acordo com o fluxograma que ele exibiu para ressaltar que o diretor Peter Lord se envolve em todo o processo. “Tem tudo a ver com a estética dele”, atestou. Em 2004, Peter Lord já estava trabalhando. Foram cinco anos preparando o script. O produtor Julie Lockhart aparece no vídeo e diz que a melhor maneira de fazer o filme seria por computação gráfica, já que envolvia movimento hídrico, escalas de panoramas, o que exigiu que fossem feitos vários desenhos. Carlos Grangel, também no vídeo, fala sobre o processo de evolução do Capitão Pirata e como o personagem começou a tomar

forma. “Os personagens não são fáceis, daí o trabalho maravilhoso de computação gráfica”, ele engrandece. Aparece então o início da construção do modelo para computação gráfica: abas, lapela, forma do bigode, a barba, o rosto amplo e dinâmico, não apenas estático, os sapatos, a fivela do cinto. Um trabalho minucioso, que exigiu atenção a todos os detalhes. Ao contar todo o processo, o animador exibiu o modelo final em computação gráfica. “Fizemos testes, ensaios, demos força total à produção em computação gráfica. Peter decidiu criar um set para usarmos como referência, que era o quarto do Capitão Pirata. Todos os detalhes foram feitos à mão. A equipe viria tirar fotos e para fazer a renderização em computação gráfica”, ele contou. Pirates, por uma opção do diretor, não era apenas CG. Era stop motion. Com a experiência em dar vida a bonecos de massinha, Peter Lord e Jeff Newitt já eram reconhecidos desde A Fuga das Galinhas, Wallace & Gromit - A Batalha dos Vegetais e Por Água Abaixo. Neste último, apostaram com força na computação gráfica.

Execution doc em Londres Jay exibiu outro clip. Dessa vez, Norman Garwood, designer, conta que a equipe decidiu que o humor deveria estar presente em tudo que ganhasse movimentos na tela. Tudo deveria ser engraçado, a começar pelo navio. “Norman é considerado um designer cujos desenhos são vivazes e carregados de personalidade e caráter. Os traços dele são facilmente reconhecidos”, Jay elogiou a performance do colega e mostrou a embarcação, com um grande número de linhas que dão uma ideia da estética do filme. “A partir desses desenhos, fizemos os artistas. Os desenhos ajudam a dar uma ideia geral do filme, é uma etapa necessária para não comprometer o trabalho e seu andamento”, diz Alfredo Llupia, que fez pinturas digitalmente, a partir do conceito inicial que gerou as sequências que, por sua vez, deve estar devidamente equilibradas. “É importante estabelecer as cores do filme”, desta vez é Adam Cootes quem fala. Se a opção era ter um filme alegre, o mundo pirata deveria ser iluminado e divertido. Até para garantir o contraponto. A sequência no deck, que Jay exibiu em seguida, reflete o contraste com a chegada a Londres, mais sinistra e obscura.


Começaram então os testes dos personagens. Os bonecos, inicialmente, foram feitos em massinha. “Trabalhamos com atores que os diretores queriam tentar para o elenco. Eram bonecos muito simples”, explicou ele, enquanto exibia a massinha quadro a quadro, os testes para o Capitão Pirata e os demais personagens. Se os diretores queriam inserir movimentos mais drásticos, cabia aos animadores garantir o exagero e a perfeição. Para dar uma demonstração, Jay exibiu os primórdios do processo, emque aparecem os diferentes estilos que foram experimentados, e a evolução das formas das bocas que, por sua vez, seriam um capítulo e um trabalho à parte. “Pegamos todo o aprendizado inicial para fazermos o protótipo. Fizemos uma versão do boneco do capitão para finalizar o estilo da animação, o que varia de diretor para diretor. O Peter prefere um trabalho sem muito exagero, sem bocas muito abertas”, Jay explicou, com três bonecos na mesa, para ressaltar o estilo mais elegante que os bonecos adquiriram. As experiências foram muitas e todas feitas sempre em massinha. A única parte sólida do boneco é o nariz. “Testamos vários materiais diferentes. Era preciso que se pudesse esticar, apertar, enfim. O desenho inicial fora aprovado pelo Peter, mas ainda não era o ideal. estávamos ainda presos ao que tínhamos herdado da computação gráfica. Queríamos e precisávamos fazer mais experimentos”, ele contou e mostrou mais testes do boneco do capitão: a proporção dos olhos e do nariz, com casaco e sem casaco, com a bainha da espada, sem a espada. “Foi preciso muita negociação”, ele disse. Até o casaco, que Peter queria mais longo, foi alvo de demoradas sessões.

Character design Possibilidades e mais possibilidades, testes e mais testes. Antes de fazer a opção final, as experiências beiram a exaustão. Jay exibiu uma longa sequência de testes de personagens, desde as primeiras tentativas até os já definidos, assim como os vários ângulos dos desenhos que seriam passados para a equipe dos modelos. “Uma vez que você tem o desenho de um personagem, é preciso que ele combine com os outros. Polly, o papagaio de estimação do Capitão Pirata, por exemplo, é uma personagem que, no início, não tinha importância. Com o tempo, ela foi ganhando charme e vimos que seria um desperdício não aproveitá-la. E assim ela ganhou espaço na trama”, disse Jay.

No vídeo seguinte, Johnny Duddle conta que a única coisa que eles sabiam, quando ainda não havia desenhos prévios, é que o Capitão Pirata teria uma longa barba. Mas podia ser gordo, magro, poderia ter qualquer aparência. Só a barba era certa.

Building the puppets O próximo passo seria a escultura. “Embora o desenho tenha sido aprovado, ainda não significa que será daquela forma exatamente. Às vezes, o que fica bom no papel não funciona no boneco”. Para dar uma ideia da dimensão e do tempo, Andrew Bloxhan conta que trabalhou por dois anos na feitura do Capitão Pirata. Testou texturas, tecidos e formas distintas. Para a escultura final, a intenção era não perder o foco. Já esculpido, o objeto foi escaneado. No arquivo digital, o processo ganha mais agilidade e a partir daí, as peças entram em produção e são encaixadas. O material, se látex ou silicone, depende da motilidade desejada para cada personagem. O acerto de um único detalhe pode levar semanas.

Painting O estágio seguinte é a escolha das cores para cada personagem. São 35 bonecos e é feito um de cada vez. O Capitão Pirata, estrela da produção, precisou ser retocado constantemente. Uma tarefa árdua, Jay ressaltou que quando é feita a filmagem, digitalmente, as cores ficam completamente diferentes no vídeo. A equipe de pintura precisa retocar e realçar cada uma. O kit do pirata envolveu cílios sólidos, no começo, o que também era extremamente trabalhoso. Cada boneco vem com seu kit de peças que são encaixadas na armação. O preciosismo se repetiu em todas as áreas de encaixe. “Uma das frustrações com personagens interagindo entre si, ou segurando coisas, é colocar objetos nas mãos”, ele disse e acrescentou que, frequentemente, são proibidos de usar cola muito poderosa.


O boneco precisa ser articulado facilmente. Para isso, é usada uma armação de aço que fica no seu interior. A armação, no caso do Capitão Pirata, está por dentro da cauda do casaco. “Como era frágil, há uma fiação que corre ao longo da borda do casaco. Inserimos o cabo na peça, as mãos são articuláveis e as hastes ao longo do corpo, em especial nas articulações, permitem que o boneco corra ou voe”, explicou ele, usando a estrutura do boneco como demonstração. Jay também exibiu fotos que serviram para ilustrar o design de mãos, cabeça, cintura e articulações. A tensão do dedão do pé, ele explicou, pode ser ajustada com um parafuso bem embaixo do joelho. Fazer o ajuste no meio de uma tomada é de grande utilidade. Ele mostrou como a coxa gira e a tensão na pélvis, para demonstrar como algumas ideias são bastante simples. A articulação das mãos é feita com uma dobradiça adaptada. As mãos são de silicone rígido e há um parafuso na mão que faz o trabalho de uma braçadeira.

Todos os bonecos são testados pela computação gráfica? Não, não são. O teste inicial foi feito em computação gráfica, mas apenas quando era para ser em computação gráfica. O teste de boneco é feito com o próprio boneco. Construímos os bonecos e depois fazemos os testes. Ao mostrar a armação da Rainha Vitória, Jay explicou o passo a passo: “Ela era bastante carnuda, daí fizemos a personagem em silicone, com uma tez realista. Precisávamos de uma armação sólida para mantê-la de pé. Criamos um jeito de dar movimento ao vestido, com sobreposição de tecidos, que desse, mesmo com a massinha, a impressão de que era tecido, e não de látex. E no movimento de ir e vir, na medida em que ela caminha, era preciso dar a sensação de que há pernas embaixo da saia. Já o movimento de articulação do pescoço funciona muito bem”, Jay explicou. Funcionou.


A barba

Detalhes que fazem diferença

A barba do Capitão Pirata quase roubou a cena, tamanho foi o trabalho que exigiu. Os testes foram feitos com materiais diversos, houve tentativas com plastilina, látex e até com cabelo de verdade. Foram muitos ensaios até que a equipe chegasse ao modelo final. Os testes das muitas alternativas levaram um ano até que chegassem a uma forma em que a barba sobe e desce, naturalmente.

Como mudar as bocas sem mudar a cabeça de posição? Bastava baixar a cabeça de látex, depois encaixar a nova boca. A equipe queria reduzir a plasticidade.

Para demonstrar, Jay exibiu mais fotos dos testes. “Quando ele (o Capitão Pirata) para de falar, a barba para de se movimentar. Então, criamos uma forma de garantir que a barba se movesse mesmo quando ele para de falar. No fim das contas, utilizamos um parafuso de afinação de guitarra. O nosso modelador é sensacional. Como é guitarrista, ele viu que a solução estava ali, bem à mão, e funcionou muito bem”, Jay contou.

Para as mãos, uma opção foi substituição, considerando as necessidades de cada situação, como mãos cerradas, que seguram espadas, canecas e outros objetos de cena, ou mãos espalmadas. Cada animador tem seu estilo. “Gastamos mais tempo esculpindo do que fazendo animação”, afirmou.

A mão substituta é trocada na armação ou personagem? Há um parafuso que permite o fácil manuseio. A mão inteira é substituída e é bastante convincente. A mão que segura coisas foi usada para escrever. As mãos funcionam bem em qualquer tipo de angulação.


Que material foi utilizado para sobrancelhas e cílios? Plastilina. Cada animador faz isso de forma diferente. Com o método de prototipagem rápida, cada personagem tem um conjunto de olhos que ajuda a manter a coerência.

Puppet testing As articulações funcionam juntas? Os cotovelos se movimentam? Como os personagens pegam as coisas? Eles podem se abaixar totalmente? No modelo de testes criado pela equipe, era preciso responder afirmativamente a todas essas perguntas. Caso contrário, o que não funciona volta para a modelagem. Jay exibiu o vídeo de teste de flexibilidade das articulações, feito principalmente para evitar que os bonecos parecessem rígidos e duros. “Eles têm de poder se esticar, se alongar. Existe o perigo de uma compressão na coluna, o que faz com que o boneco comece a diminuir de tamanho”, explicou.

Polly, a personagem que de início não seria nada e depois ganhou importância e de repente queriam que ela fizesse tudo, foi mais um exemplo do esforço da equipe em dar um jeito. “Ela não tinha pernas, então aproveitamos o dorso. A sobrancelha não foi concebida para ter qualquer expressão, assim como a boca. Ela não estava muito bem equipada, mas acabou sendo um personagem divertido. Queríamos que ela fosse engraçada, mas não havia um briefing específico para uma anatomia correta. Ela é totalmente inventada.” Jay exibiu, em seguida, o clip From Behind. Em seguida, a plateia fez mais perguntas. A masterclass foi pontuada por intervenções do público.

Para manter os personagens eretos, vocês usam algum dispositivo imantado? Não. Se os pés estão estáticos, as mãos se deslocam. Com ímãs, é difícil, principalmente com bonecos tão pesados. É quase impossível manter qualquer material imantado. Ímas são ótimos se você quer fazer algo muito rápido.


Como você calculou o tempo e o número de quadros? Qual a base para os movimentos? O processo de animação é inconsciente e você acaba aprendendo isso. Você precisa saber a ação da cena. É quase um sexto sentido. A não ser qual vai ser o tamanho exato da cena, não sei a velocidade. Tudo vai depender do que o diretor quer.

Isso tudo parece muito trabalhoso. Quantos minutos de animação vocês conseguiam por dia? Essa produção foi muito longa por causa das substituições. Em média, um animador faz dois, três segundos por dia quando se trabalha com plastilina. Para A Fuga das Galinhas, às vezes fazíamos menos de dez quadros por dia. Se todas as personagens estivessem berrando, por exemplo, era ainda mais demorado. É um processo muito lento. Mas, enfim, em média dois a três segundos por dia por animador.

Por que você diz que os animadores não têm referência quanto ao movimento? Eles têm oportunidade de ensaio. Há longas em que temos tempo viável para fazer testes antes de filmar. São modalidades diferentes, algumas dão margem para teste. Mas muito será apenas teste.

Vocês chegaram a fazer uma identidade para cada personagem? A técnica é a mesma que vocês utilizaram no filme Flushed Away? Os métodos foram parecidos. Peter queria e se preocupou em imprimir impressões digitais nas faces. Todos os personagens têm uma digital. Sim, utilizamos a mesma técnica.

Um animador para cada cena. Era isso? A cena da taberna foi feita por três animadores. Houve tomadas feitas pela equipe principal, mas nós tentamos dividir as tomadas entre os animadores. Um deles trabalhou 18 meses na cena.

Os Sets Construir um mundo em escala comparado ao mundo real. Difícil? Todos os sets, afirmou Jay, precisam estar na mesma escala. Alguns deles foram os maiores já construídos. A partir de maquetes de papelão, o desafio era manter o cenário o mais próximo possível da realidade. As locações não são nada pequenas. Além disso, copos, facas, lâmpadas, jarras, porcelanas, tudo que está no cenário é feito pela equipe. Tudo que se vê na tela foi confeccionado para a produção, nada existia antes. Os sets são imensos, eram 40 unidades de filmagem, uma lista sem fim, que incluia as ruelas de Londres, embarcações, ilha, armazém. Na verdade, o que empreendemos em detalhes é o que faz com que o filme seja o que ele é.

Existem cópias dos sets? Claro. Apenas alguns sets são únicos, como a embarcação, porque seria uma extravagância ter mais de uma. Havia vários conveses, mas o navio era um só. Eles foram concebidos para serem cortados. Eram oito tabernas. Basicamente, decidíamos de acordo com a frequência desse objeto no set. Todos os objetos de cena tinham de ser duplicados. Tínhamos quatro cozinhas, por exemplo.”


Muitas cenas externas foram feitas em tela verde, para que a equipe de efeitos visuais pudesse fazer a inserção dos fundos. A equipe utiliza efeitos para ter cenas de maior distância. Quando o capitão anda pela ilha, por exemplo, há uma tomada de computação gráfica. Os bonecos são cheios de detalhes. Foram produzidas várias séries de miniaturas colecionáveis.

Vozes Quem vai fazer os personagens? O elenco de vozes é uma decisão quase que totalmente do diretor. É ele quem dá a palavra final sobre quem vai atuar. “Nós adaptamos as bocas de acordo com o sotaque e a forma de interpretar do ator. Existem movimentos do ator que têm de ser respeitados”, Jay disse antes de exibir o vídeo com os testes de voz. Meses, anos, esse é outro processo muito demorado. Mas, com os atores, tudo começa a ter vida. “É importante dar espaço ao ator”, explica Peter Lord, que contou com Hugh Grant, Marteen Freeman, Imelda Stamton, entre muitos outros.

Os atores fazem testes, o diretor assiste. Esse é o processo, basicamente. Todos, no vídeo, reconhecem que é um longo processo, mas declaram que é gratificante ver a animação ganhando vozes. “A química é muito importante, no mais, trabalhamos com muitos atores para um estimular o outro. Nem sempre isso é possível, claro. Hugh e Freedman, por exemplo, gravaram com quatro meses de diferença. Alguns atores acabam saindo totalmente do roteiro. E é fantástico, porque você vai lá e se diverte. É realmente um privilégio”, Jay Grace agradeceu e encerrou sua masterclass.


19 de julho

quinta-feira

Mesa-redonda - Animateens - Animando para Crianças e Adolescentes Uma conversa com três produtores de três obras de sucesso que convivem diariamente com o dilema e o desafio de alcançar o público adolescente. Participantes - Sarah Cox (The Icht of Golden Nitch /Aardman), Peter Hastings (Kung Fu Panda - the series / Nickelodeon), Kiko Mistrorigo (Peixonauta / TV Pinguim).

A animação teen entrou em debate no Anima Forum. Cesar Coelho, na abertura da mesa, relembrou que após discutir sobre fundo setorial, métodos de financiamento e gerenciamento de marca, era hora de falar sobre conceito. A animação brasileira, segundo ele, está entrando pela porta da frente como animação de autor. “Mais do que nunca, precisamos nos reavaliar e pensar nos conceitos. Precisamos ser originais, brilhantes, sensacionais, mas como chegar a isso?”, questionou. É importante discutir essa questão e nada melhor do que fazer isso entre os próprios animadores.


Como reconhecer e atingir o público, ou seja, como falar com ele? Para conversar sobre o tema, o Anima Forum convidou três exemplos brilhantes, anunciou Cesar Coelho: Sarah Cox, da Arthur Cox Studio (Inglaterra), que teve, inclusive, uma sessão só dela no papo animado; Kiko Mistrorigo, que trouxe a experiência acumulada com Peixonauta, série brasileira mais bem-sucedida atualmente, considerada o pai de outras séries no Brasil; e Peter Hastings, da Nickelodeon, que possui um grande histórico em animação, trabalha na produção do Kung Fu Panda – a série, e é considerado um grande diretor de vozes. Todos apresentados, Kiko foi o primeiro a falar.

Kiko Mistrorigo “É sempre uma honra estar aqui. O Anima Mundi, a cada ano, está melhor, maior e mais animado. Acompanho o festival há anos e é incrível como cresce. No início, a gente tinha o cabelo um pouco mais preto”, ele brincou, ao reforçar o prazer de estar numa mesa que reunia duas escolas igualmente importantes, uma inglesa e a uma americana.

Qual o público-alvo do projeto que você está desenvolvendo? A pergunta foi posta. “Eu já passei por uma situação muito engraçada, que foi levar um projeto para um evento com vários broadcasters e, no mesmo evento, alguns considerarem meu projeto quase pré-escolar e outros julgarem o programa quase adolescente. O mesmo projeto, no mesmo evento. Só por um desenho, eles tentam definir qual é o público alvo daquele projeto”, Mistrorigo ressaltou. Tem muito de intuição nessa história, Kiko prosseguiu. “É uma discussão extremamente rica, que envolve aspectos culturais, sociais e econômicos. Se você pega um grande sucesso mundial, o público varia de acordo com cada país onde ele é exibido. Ou seja, não é uma ciência exata”, afirmou, ao passar a palavra para Sarah Cox.

Sarah Cox Pela primeira vez no Anima Forum, Sarah Cox ressaltou que era igualmente um prazer estar ali para falar sobre o projeto que talvez lhe dê mais orgulho: The Itch of The Golden Nit. Uma produção que envolveu muitas parcerias e mobilizou milhares de crianças de cinco a 13 anos em toda a Grã Bretanha. Crianças produzindo para crianças, tendo a arte como inspiração. Diretora de uma pequena produtora em Bristol, a Arthur Cox Studio, que trabalha em parceria com a Aardman, Sarah normalmente ela atua como diretora de comerciais. “Porém, comumente sou dada os trabalhos considerados meio estranhos. Comecei fazendo filmes de um minuto para chicletes, daí fiz um filme de segurança no trânsito para crianças. Eu tenho o histórico de fazer filmes com narrativas, porém com algum apelo comercial. Eles são chamados no Reino Unido de Branded Content”, ela explicou.


A ideia que surgiu na agência Fallon envolveria a Aardman, a BBC e o Tate Museum. “O Nicholas Serota, que é o diretor da Tate Gallery, avisou que se tratava de um projeto nacional ambicioso. Isso significava que durante os dois anos seguintes, nós trabalharíamos com as mentes mais criativas na tarefa de ajudar as crianças a desenhar suas imaginações e a retratar suas vidas. Nós deveríamos ajudá-las a desenvolver e a aperfeiçoar seu olhar para a arte”, ela contou. A meta era atrair o maior número possível de crianças de todas as regiões. E que elas não apenas desenhassem como criassem personagens e a história. Caberia à Aadman dar o acabamento profissional: fazer a animação e roteirizar. Um projeto de alcance nacional, instigante e desafiador. O Tate Movie tinha como objetivo também inspirar futuros artistas. E para isso envolveria escolas e pais para que estimulassem seus alunos e filhos a participar. O maior desafio para Sarah, como diretora do projeto, era justamente a pretensão de que toda criança da Grã Bretanha pudesse participar.

A missão O projeto, a que Sarah se refere uma missão, começou em 2006, na agência Fallon, em Londres. Originalmente, veio da agência a ideia de produzir um longa-metragem feito inteiramente por crianças. O roteiro foi feito e a proposta enviada. Entre o receio do estúdio em trabalhar com crianças para fazer um filme e a inconsistência da história, Sarah entrou em ação. Queria trabalhar em um grande projeto com a Aardman e fez algumas ressalvas e sugestões: talvez fosse melhor pedir às crianças que escrevessem o roteiro. O que teria, inclusive, mais a ver com a ideia original. “The Itch of The Golden Nit é um filme de 30 minutos que fez parte de algo muito maior, chamado Tate Movie Project. O Tate Museum se uniu à Aardman Animations, que alguns de vocês conhecem de Wallace and Gromit e Pirates”, Sara começou a explicar a origem do projeto e o envolvimento com o estúdio. “Minha ideia era não que eu fizesse com que as crianças desenhassem o que eu achava a forma correta de desenhar. Mas deixar que elas me dirigissem. Enfim, que elas dirigissem a ação”, ela contou os primeiros passos.

“Sabíamos que um site seria a melhor forma, mas não a única, pois nem toda criança tem acesso a um computador”, ela ponderou. As ideias foram amadurecendo. O projeto envolveria, então, duas frentes: uma virtual e outra presencial.

Como em Hollywood A primeira parte seria o desenvolvomento de um website. “Mas animação é algo demorado. Precisávamos pensar em como manter o processo vivo, o design e o roteiro, de forma que as crianças que se envolvessem no projeto mais adiante pudessem trazer ideias que tivessem algum efeito no filme”, disse. A preocupação era garantir que mesmo quem entrasse no meio do caminho, também pudesse interferir e participar. A primeira grande decisão na frente virtual foi que as crianças deveriam ter a impressão de que acabaram de entrar em um grande estúdio de cinema de Hollywood. Para garantir que elas se sentissem de fato parte de uma equipe de produção, cada uma teria uma espécie de passe de acordo com o nível e o tipo de colaboração. “Queríamos que as crianças pudessem se envolver nas mais diversas etapas e fases. A ideia era que, juntos, iríamos fazer o melhor filme do mundo”, Sarah definiu.


As discussões sobre como seria o site, que tipo de ferramentas teria e como seria a interação foram intensas e levaram quase um ano. Para mostrar às crianças como funcionava a produção de um filme, a equipe decidiu criar um ambiente similar a um estúdio, onde os personagens seriam os guias. Todos os profissionais que normalmente estão envolvidos em um processo de produção estariam lá: o diretor, o produtor, o editor, o compositor. “O diretor, inspirado em Dany Boyle, é propositalmente inepto”, contou Sara, sobre as decisões que envolveram a criação do site. As crianças não deveriam se sentir limitadas de forma alguma. O processo foi colaborativo desde a concepção.

O site www.tatemovie.co.uk foi lançado em julho de 2010. Um estúdio virtual completo. Sarah exibiu as ferramentas disponibilizadas para que as crianças criassem e interagissem. Tudo foi pensado para que elas se sentissem convidadas e estimuladas a participar de cada etapa: desenho, composição, edição, cada etapa em seu respectivo espaço. Com a orientação, as crianças poderiam entender facilmente como tudo de fato funcionava. Ao contrário do diretor, os personagens das demais áreas não eram nem um pouco ineptos ou confusos. Eram precisos. Na sala de edição, por exemplo, a editora mostrava clipes ou ensinava às crianças como fazer animações. Nos quadros, elas podiam usar diferentes imagens para fazer suas próprias criações.


O que vocês querem desenhar hoje? Tudo foi pensado nos mínimos detalhes que um estúdio possui. Na sala de redação, as crianças contribuiam com ideiais, textos, frases. “Tudo era feito por elas. O roteiro final é, palavra por palavra, o que as crianças escreveram. Não corrigimos sequer a gramática. Os atores deveriam dizer exatamente aquilo que as crianças escreveram.” Na sala de áudio, elas podiam compor, ou apenas apertar um botão e gravar seus gritos ou outros sons. Algumas crianças fizeram cenas inteiras junto com os amigos da grande comunidade em que o site se transformou. “A qualidade não era muito boa”, ponderou Sarah. Mas algumas gravações chegaram a entrar no filme e outras eram utilizadas como referência para pesquisa. A sala mais popular era a sala de arte. Era lá que as crianças mais soltavam a imaginação. Era onde faziam o upload e enviavam suas imagens ou desenhos. O material também podia ser enviado também pelos correios.

Quem é o herói? Ao mostrar como foi construído o site, Sarah Cox explicou que havia uma preocupação grande com a coerência dos personagens. “Havia dois mundos diferentes que precisávamos negociar. Não queríamos que fosse uma coisa imposta de cima para baixo, em que as crianças achassem que estavam recebendo ordens”. As crianças deveriam fazer mas precisavam ser estimuladas e devidamente orientadas. O desenvolvimento do roteiro foi feito com a ajuda de uma roteirista de programas infantis, chamada Lucy Murphy, que preparou uma base para que as crianças pudessem desenvolver a história. Quem são os protagonistas? O que querem? Onde estão? Para onde vão? O que precisam para chegar lá? As perguntas eram lançadas no site, na sala do roteiro, e as crianças respondiam. Quem é o herói? Para essa pergunta, houve 752 respostas. O que o herói quer? Quem é o vilão? Foi aí que veio a Stella. Quais as qualidades que um herói tem? Do que ele precisa? Como eles se vestem?

Em cada rodada de perguntas, entre as respostas, eram selecionadas as 12 melhores. “Essas 12 respostas iam para a votação das crianças, que escolhiam aquelas de que mais gostavam. Meu trabalho diário era analisar os desenhos, ler as respostas da semana e destacar as que serviam para a história, ou seja, as que se encaixavam na narrativa, e por no site para votação”, Sarah explicou como funcionava o esquema. O que as crianças decidiam virava o tema do workshop da semana seguinte. O site e os workshops se complementavam. O sucesso foi grande e a comunidade rapidamente começou a crescer. Cada uma com seu avatar, as crianças interagiam e uns davam opinião no que os outros faziam. “A nave espacial desenhada pelas crianças foi a que entrou no filme final. Nós a construímos em CGI, mantendo todas as linhas desenhadas por elas, o que foi bem difícil”, ela explicou que o trabalho da equipe da Aardman era fazer a animação em si, mas sem alterar o desenho. Como as crianças geralmente só desenhavam os personagens de frente, a equipe precisava criar os outros ângulos, mas mantendo o mesmo estilo.

Workshop ambulante Outra forma de envolver crianças no projeto foi conversando diretamente com elas. Além do site, o projeto previa workshops e visitas guiadas às galerias de arte espalhadas pelo país, além das quatro que compõem a Tate. Uma estratégia mais do que acertada. Desde os primeiros testes, ficou evidente que os resultados seriam surpreendentes. Nas oficinas realizadas após cada visita, a equipe ficou convencida do quanto a arte que as crianças acabavam de ver impactava sobre o que elas iriam produzir a seguir. “As crianças reagem diretamente ao que são expostas, elas se inspiram no que vêem. Nós as levávamos às galerias, mostrávamos a mostra em cartaz, e o que elas produziam em seguida mostrava que elas eram imediatamente impactadas pelo que acabaram de ver.” O projeto mantinha um caminhão, equipado com uma sala de gravação de áudio e computadores, que rodava o país. Mais de nove mil crianças passaram pelo caminhão-estúdio. A divulgação e a ajuda vieram de muitos outros lados. “Há um programa infantil chamado Blue Peter, que trabalhou em parceria conosco ajudando a divulgar o projeto e os workshops”, Sarah relembrou.


A plateia do Anima Forum pode conferir a evolução dos desenhos das crianças em diversas fases do trabalho. Sarah exibiu algumas amostras e contou que foi necessário, em muitas situações, um esforço extra e uma dose paciência para convencer as crianças de suas próprias habilidades. “Um dos nossos heróis, Beanie, foi desenhado em um Workshop em Belfast, por um menino que ficou por uma hora dizendo que não sabia desenhar, que não gostava de arte, e que não desenharia... E aí, a diretora de arte conversou com ele por 20 minutos, o ajudou a começar e ele ficou desenhando pelo resto do dia”, ela comentou que o desenho foi escolhido em mais uma das votações realizadas pelas crianças. Do autorretrato que a pequena Isobel desenhou no workshop em Bristol, saiu outra personagem, Beryl, irmã de Beanie. Sarah exibiu também fotos das muitas viagens para as oficinas de roteiro e desenho que eram promovidas em cada lugar. Ao todo, o caminhãoestúdio circulou por 55 cidades. “Tínhamos uma cabine de gravação, montávamos nossa tenda em todos os lugares”, ela disse. “As reações foram muito variadas, as crianças desenhavam a si próprias, umas às outras, tudo virou insumo para sua arte. Às vezes, tínhamos 30 crianças de uma vez. Os professores saiam para tomar café e nós ficávamos responsáveis por todas elas”. Sarah contava com evidente orgulho.

A lêndea de ouro A essência do filme veio do workshop realizado em Liverpool. “Ali, vimos os aspectos do dia a dia entrecortados pela criatividade. A realidade mágica deu o tom do processo”, disse Sarah, que contou como a ideia central do filme surgiu: as crianças inventaram uma mulher chamada Diane, cujo cabelo cresce cinco centímetros a cada cinco segundos, de forma assustadora. Os únicos amigos da moça eram as lêndeas que viviam em sua cabeça. A lêndea ficou. Primeiro ela seria de metal, até que numa outra oficina, na Tate Britain, ela passou a ser de ouro. Provavelmente as crianças foram influenciadas pela escultura do romeno Constantin Brancusi, que elas haviam visto. Mais uma confirmação do impacto da arte sobre a produção da garotada.

Uma vez decidido que a lêndea de ouro seria um personagem central, a chamada saiu imediatamente no site: crianças, ao desenho. A autora do desenho selecionado se inspirou nas pulgas do seu gato de estimação. O processo se repetia com os demais personagens. Stella, a vilã, surgiu numa oficina em Belfast. Quando foi para o site, as crianças sugeriam ora que usasse roupas bonitas, ora que assustasse um pouco, bem ao estilo Lady Gaga. O visual final foi extravagante como elas queriam. Em outra oficina, na Tate Modern, alguém disse que o herói precisava de calças, gadgets e um coração. Pois bem, a ideia foi aproveitada e há, inclusive, um supermercado onde os heróis podem comprar seus gadgets. Com tantos artistas e tantas histórias e ideias espalhadas, como manter a identidade? “Era o desafio. Tentamos desenvolver uma ramificação da narrativa de um modo que identificasse os personagens.” O enredo gira em torno de uma lêndea que é roubada por Stella e seu ajudante, Fireboy, que pode ser estranho, mas não é exatamente do mal. A lêndea, claro, não é uma lêndea comum. E resolve se esconder justamente na cabeça de Beanie, um garoto comum, que terá a missão de salvar o universo. O tempo de Beanie para derrotar Stella é curto. Mas é suficiente para que apareçam sua irmã, Beryl, seus pais e um elenco quase infindável de personagens, entre superheróis, piratas e sereias. O que lá atrás seria um longa-metragem virou um curta de 30 minutos e tudo o que as crianças imaginaram está lá, de uma forma ou de outra. Sarah exibiu o making of: os profissionais em ação, as crianças soltando a imaginação. Todos os sons também eram responsabilidade da meninada. Tanto que a National Youth Orchestra of Great Britain, uma orquestra infantil, foi a responsável pela trilha sonora. Para dar um reforço, algumas oficinas contaram com a presença do compositor John Browne. Outros famosos se juntaram à produção para fazer as dublagens: David Walliams (que interpreta a própria Golden Nit), Catherine Tate (Stella), Miranda Hart e Harry Enfield (os pais de Beanie e Beryl), entre muitos outros. As crianças também sugeriam os nomes que dariam vozes aos seus personagens.


Kiko aplaudiu com palavras. Disse que o trabalho que Sarah Cox acabara de exibir é um colaborativo incrível, e passou a vez para Peter Hastings, responsável por transformar Kung Fu Panda em série de TV.

Peter Hastings “Oh, caraca, sou carioca, e aí, qual é, rapaz? Que loucura!” Foi com um português compreensível e brincalhão que Peter iniciou sua participação no Anima Forum. Um vocabulário não muito vasto, mas que deu a noção do respeito ao público – e à animação – brasileiro. Para começar, ele também se mostrou impressionado com o trabalho desenvolvido por Sarah Cox. “Os workshops foram impressionantes. Eu sei como foi difícil o trabalho da Sarah. São muitos detalhes, é muito complicado. Todo o processo de produção talvez seja uma obra de arte maior que o filme”. Sarah respondeu que o projeto em si é o evento. “Foi considerado o maior projeto interativo já realizado, mas é um tributo à equipe que fez o site e à confiança que a equipe tinha nas crianças.” A animação foi feita em Selection. “É como corte e colagem. Tudo foi escaneado para que mantivéssemos os mesmos detalhes do que a criança desenhou. Todas as texturas foram feitas pelas crianças, inclusive madeira e plantas. Gerar o navio pirata mobilizou cerca de cem crianças. Já a cena subaquática arregimentou outras 105 crianças.” A empreitada foi uma grande novidade que envolveu, até o final, 34 mil crianças e milhares de ideias, desenhos e sons diferentes. Mais de 40 mil desenhos e cerca de 500 personagens. A previsão era de que o site ficasse no ar até setembro de 2012. Mesmo com o projeto finalizado – o filme estreou em 29 de Junho de 2011 e foi transmitido pela BBC –, ainda havia pessoas se cadastrando e participando. Para finalizar, Sarah exibiu um clip de três minutos da animação, com toda a diversidade e colorido que as crianças imaginaram que existiria em The Itch of The Golden Nit. O curtametragem que entrou para o Guiness como a animação com o maior número de contribuições individuais do mundo, ganhou palmas também da plateia do Anima Forum.

Peter completou: “É muito importante expor as crianças a essas experiências. É lamentável que as escolas não formem pessoas que pensem de forma criativa, que as artes estejam sumindo do currículo escolar ao redor do mundo. É importante destacar que o projeto permitiu que as crianças descobrissem talentos novos, e conhecessem coisas novas. Sempre que eu pergunto às crianças quem elas acham que trabalha com animação, elas respondem: os artistas. As crianças não têm noção de quantas pessoas diferentes trabalham na área de animação. E eu explico que há muitas pessoas envolvidas, inclusive muitos empregos. É importante estimular a criatividade, mostrar que ela leva você a qualquer lugar”, defendeu. De certo modo, ele continuou, nos EUA ele se envolveu na versão hollywoodiana e cara da animação. “O que tenho feito há 24 anos é criar animações de alta qualidade. Já trabalhei na Warner, Nickelodeon, Disney, fiz filme com a Dreamworks, e em outros lugares. Mas o que eu faço é mediado pelo mercado”. E essa é uma posição desconfortável, Peter assumiu.


No mundo comercial, criar animações para crianças e adolescentes acaba caindo na questão empresarial do ‘como conseguir o máximo de audiência?’ Como você faz se trabalha para uma indústria que quer fazer dinheiro? Como fazer uma coisa que pode ser divertida e ter significado? Ele perguntou e respondeu: “Você é financiado e pago por organizações comerciais que, por sua vez, estão mais interessadas em faturar. Em especial, com a venda de anúncios na televisão. A programação, na verdade, é feita para preencher os espaços entre os comerciais. Isso dificulta minha vida, pois não gosto de comerciais. Mas sou uma pessoa que gosta de contar histórias, piadas, ver a arte ganhar vida, criar algo divertido e, de preferência, que seja significativo.”

Faixas etárias De uma forma geral, segundo Peter, quando os estúdios falam de televisão para crianças, eles consideram um grupo que vai de 2 a 11 anos. Sendo que as avaliações de resultados nos EUA são divididas em faixas de 1 a 6 anos e de 6 a 11 anos. “Na verdade, a preocupação do estúdio é com os comerciais, com o que a audiência vai gerar de lucro. Essa é a parte triste. O que não significa que você não possa fazer animações de qualidade. Geralmente, quando você produz algo pensando em uma determinada idade, acaba atingindo uma faixa etária abaixo da que você espera, pois as crianças, quando chegam aos dez, doze anos, querem assistir ao que as crianças mais velhas vêem. Tudo está sintonizado com a prática comercial.” Há uma série de exemplos. Dos EUA, saíram Os Simpsons, Family Guy, e o Adult Swim do Cartoon Network. Coisas dirigidas ao público de 15 a 21 anos, e que fuma muita maconha, Peter brincou. “O interessante é que muitas vezes o que faz a série funcionar para uma determinada faixa etária não é o conteúdo, ou a ilustração, mas o espírito do filme. Se você pega um caso como o Bob Esponja, por exemplo, vai ver que ele funciona para várias idades, por conta do espírito do desenho. E isso vem de quem cria o show, independe da sua intenção inicial. É a minha personalidade, no fim das contas, que transcende e aparece. O cara que fez o Bob Esponja é um cara doce, e isso está presente.”

Criar para crianças, segundo Peter, tem uma singularidade: o que conta é a criança que existe dentro do criador. É ela quem determina o sucesso ou não do programa. “A criança dentro de você quer se divertir e desfrutar disso. Portanto, não é necessariamente o que você gosta que é importante. Mas mas o que a criança dentro de você gosta”, sentenciou.

Som, por favor. Peter Hastings trabalha na Nickelodeon e está envolvido, atualmente, com a produção da série Kung Fu Panda. “É uma extensão do primeiro filme e o desafio foi criar uma sequência. É um privilégio criar algo que vai ser visto no mundo inteiro e em muitas línguas”, disse. Também está na mesa de trabalho de Peter um remake das Tartarugas Ninjas. Ele disse, brincando, que não tem ideias originais. Mas trabalha muito. Além de ser o produtor executivo, está envolvido em todo o processo criativo desde o início. Se você faz animação para adolescente, você tem de ser um deles, esse é o princípio. “É muito divertido fazer o programa, sou o produtor, o diretor criativo, dirijo os atores, faço o storyboard, o animatic e a pós-produção, incluindo efeitos sonoros e músicas.” Sobre o áudio, Peter fez um comentário enfático: qualquer que seja o filme, você precisa ter um bom áudio. “Não importa o que você está fazendo, o mais importante é ter bom áudio. Você pode ter ilustrações estranhas, mas as pessoas não aceitam áudio ruim. Quando você coloca a música, tudo melhora. Não subestime o poder dos efeitos sonoros. Não há perdão para um áudio ruim”, ele fez questão de deixar o alerta. Sarah, nesse momento, ressaltou que no projeto do Tate Museum, todas as músicas foram feitas por crianças pequenas. “O Tate está preocupado com arte, o estúdio está preocupado com a publicidade que ele vai ter”, ela comparou.


Passo a passo A produção de animação para TV exige esforço e organização de quem faz, como a Nickelodeon, um grande número de projetos e, muitas vezes, cada um está em uma fase diferente. “Escrevemos os roteiros e uma das razões pelas quais fazemos isso é que há uma quantidade grande de produtos a serem desenvolvidos. Fazemos um roteiro de 22 minutos a cada duas semanas, e fazemos 26 deles de uma vez. Há sempre alguma parte de cada um desses episódios em produção no momento”, ele explicou. Garantido o roteiro, a animação pode ser feita por estúdios na Índia, Coréia, Nova Zelândia. “É uma questão financeira. O que faz com que as produções da Pixar e da Disney sejam tão caras é que tudo é produzido por eles mesmos, tudo é feito em casa. O custo de mão de obra nos EUA é muito mais alto”, ponderou. Para exemplificar, Peter exibiu partes de um roteiro, o roteiro já com algumas vozes, a construção de cenas de Kung Fu Panda. “Começamos com o roteiro, depois gravamos as vozes no estúdio. Geralmente, quando vamos para o estúdio, levamos o máximo de dubladores possíveis, e todos temos os roteiros. Daí, então, eu descrevo o que acontece e eles fazem as vozes”, ele detalhou o processo que o tornou conhecido além da produção. A gravação é entregue ao responsável pelo storyboard, e a primeira coisa que eles fazem é o ajuste vocal. “Às vezes gravamos algo para ter referência. Como filmar uma briga com uma cadeira, ou um lutador de kung fu. Daí pomos esse storyboard no Final Cut Pro e combinamos as imagens com as vozes. Podemos ver o desenho como ilustrações em preto e branco. Em seguida, enviamos a cinemática ao estúdio, com as devidas instruções, e meses depois temos uma cópia ainda bem básica”, explicou. Quando a animação volta do estúdio, a equipe faz as considerações sobre expressões faciais e outros detalhes que precisem ser revistos. Peter explicou quadro a quadro. Um grupo de três pessoas está sempre se certificando do que já foi feito e do que pode ser feito além. “Uma das coisas interessantes da animação em CGI é que os computadores estão mais ágeis, você pode criar mais texturas, e coisas do gênero, mas as pessoas também estão mais experientes, já trabalham com isso há dez ou quinze anos. Nada mais é feito em papel, mas em tablets, onde você pode fazer diretamente as ilustrações, ou seja, há um fluxo digital de

trabalho. Curiosamente, Bob Esponja é feito com desenhos manuais ainda. É um dos poucos que ainda faz isso”, comentou ele. Depois das considerações, a equipe recebe uma versão ainda bem crua, quando são incluídos os efeitos sonoros, a música. Com a cena animada, Peter mostrou a diferença entre o processo no início e a cena concluída. “A produção televisiva tem outra velocidade. Esse é um trabalho de alta qualidade e, para isso, temos 80 pessoas trabalhando, mais o pessoal nos estúdios no exterior. E, claro, leva um tempo para construir essa equipe.” Peter fez uma comparação de tempo e investimento entre a produção para cinema e a produção para TV. O filme do Kung Fu Panda levou cerca de quatro anos para ficar pronto. Foram US$ 150 milhões para 80 minutos de animação. “O que dá em torno de US$ 1,5 milhão por cada minuto em tela. Para nós, um minuto custa US$ 40 mil. Em quatro anos produziremos 700 ou 800 minutos de animação, muito mais. Televisão tem de se mover mais rápido que filmes.”

Quem trabalha com animação? A animação atrai as crianças de muitas maneiras. A audiência de hoje pode ser força de trabalho amanhã. “Muitas das crianças que se sentem atraídas a mexer com animação acabam se tornando as pessoas que trabalham nas equipes. Cerca de 80% das pessoas que trabalham conosco são como meninos de treze anos, cercados por brinquedos no trabalho, que têm bonecos de ação, usam camisetas irônicas com referencias a vídeo games e adoram desenhos”. Uma garotada que adora desenho animado e resolveu estudar isso na universidade para depois investir seu tempo no que gosta.

Kiko Mistrorigo Um projeto menor do que os apresentados até então, mas que tem uma particularidade de ter começado como história em quadrinhos. Foi assim que Kiko Mistrorigo começou a contar uma historinha que é boa de ser revista em detalhes. Tudo começou na editora Abril, que publica as histórias Disney no Brasil e é um dos licenciados do Peixonauta. Empolgada com a possibilidade de criar um personagem próprio, fez a proposta: “Vamos criar um personagem nosso? Vamos fazer uma pesquisa para saber o que as crianças querem, vamos fazer um apanhado geral, contratar um instituto de pesquisa?”


A proposta era basear o projeto em uma pesquisa de mercado para construir um sucesso. “Fui absolutamente contra. Eu não funciono desse jeito, então ofereci um projeto que se encaixava com o público alvo da editora Abril, que é essa faixa entre 6 a 9 anos, os kids”, Kiko barganhou. Para ele, a criança não muda de um dia para o outro por fazer seis anos. Há todo um processo de transição que deve ser considerado. “Há uma barreira. Parece que um dia, a criança acorda diferente. Era pré-escolar, de repente virou uma pré-adolescente, com outros interesses, mais racional. Não é assim.” Como foi um projeto demorado, passou por diversas mudanças ao longo do processo de desenvolvimento. Na música, no ponto de vista. “A gente lançou os comic books antes, para testar um pouco a personagem na rua”, explicou. Os quadrinhos seriam uma referência de resposta que ajudaria na série. A série ainda está em produção e será veiculada pelo Cartoon Network na América Latina. “É um caso que eu jamais podia esperar que fosse acontecer, porque a gente tinha um jeito mais corriqueiro de apresentar projeto, que era preparar bíblia, fazer o pitching, ir aos eventos internacionais, depois desenvolver, fazer o piloto, e por aí vai. De repente, surgiu essa oportunidade.”

Gemini 8 Um personagem da Terra, que vai parar em outro planeta, onde ele é o ET. Lá, ele faz um grande amigo. Juntos, eles formam a dupla Marco e Polo. Esse é o ponto de partida da série. “Longe da Terra, o menino que empinava pipa quando foi levado para outro planeta, se dá conta de um lugar onde tudo é maravilhoso. Os episódios narram as tentativas de mandar esse personagem de volta e as descobertas dele nesse novo lugar, onde ele conquista um amigo. A história é sobre o conflito desse préadolescente, que se vê de uma hora para outra com toda liberdade, podendo fazer o que quer e quando bem quer, mas sente falta de casa, sente saudade dos pais. Ele é um baixinho que descobre que tem o poder de se esticar nesse novo planeta”, Kiko resumiu a sinopse. Numa versão anterior do desenho, havia uma música, um rap. No meio do caminho, a música deixou de ser algo interessante para as crianças. “Em dois anos, o rap ficou totalmente defasado. Então chamamos o Arnaldo Antunes, que é muito ligado ao rock, para fazer a música. Ele deu uma interpretação muito delicada para a série, o que foi muito legal. Ele deu uma interpretação interessante, que foi pegar um lado mais delicado do relacionamento desses dois personagens”, Kiko contou.


Quem é o público alvo? O que faz você olhar um desenho e imaginar que ele vai pegar determinada faixa etária? Kiko levantou o tema da mesa e adiantou uma opinião: “O Peixonauta é uma série pré-escolar e esse tipo de série passa por um outro crivo pelos broadcasters. Imagino que alguns deles tentam se colocar no lugar das crianças, tentam se imaginar como criança. Só que a gente só consegue lembrar das coisas que gostava, a partir dos cinco ou seis anos de idade. Eu apresentei o Peixonauta para a vários países. Alguns broadcasters achavam que era para crianças muito pequenas, outros achavam que, pelo conteúdo, englobava crianças muito mais velhas”, ele relatou o impasse que considera comum. No Brasil, Peixonauta atraiu crianças de 0 a 8 anos. “As mães colocam crianças que mal andam para assistir aos episódios. E isso deve ser porque lá, no meio da história, tem alguma coisa que faz com que esses bebês gostem. Eles gostam da música, acham os personagens bonitinhos, enfim. Não se sabe ao certo, é uma coisa que aconteceu”, Kiko comentou a experiência para reforçar o quanto a discussão da faixa etária é complicada e pode ser também uma incógnita. “A gente tem de lidar com a insegurança de quem está correndo o risco de adquirir o nosso projeto. Eles tentam, através da faixa etária, um parâmetro para avaliar se está correndo menos risco ou não”, Kiko reforçou o impasse. Não há como avaliar, com certeza absoluta, se um projeto vai emplacar ou não. Menos ainda se o público pretendido será exatamente aquele que irá se interessar. Kiko voltou, então, suas próprias interrogações para a mesa, e perguntou a Sarah: “Criança não gosta de ver desenho produzido por outra criança. Sempre ouvi essa máxima dos broadcasters. Na televisão, elas querem ver coisas diferentes. E foi exatamente o que vocês fizeram: desenho feito por criança para criança. Quando vocês pensaram o projeto, tiveram esse receio?” Sarah Cox respondeu: “Eu não sabia dessa estatística, por sorte. Logo, não me preocupei com isso. Achava que quanto mais as crianças participassem, mais interessante seria para elas. Porém, acho que as crianças, hoje em dia, não assistem à TV apenas como consumidores passivos. Elas assistem e tem iPads, há um site

para acompanhar a série e, conforme assistem, brincam no site. Elas querem mais, querem ser parte daquilo. Como o Peter disse, elas gostam mais de participar do que de assistir. Isso, provavelmente, é o futuro.” A pergunta seguinte de Kiko foi direcionada a Peter: “Com as multiplataformas de que tanto se fala – e usa – hoje em dia, todos se sentem na obrigação de preencher todas as mídias possíveis. Vocês, com o Kung Fu Panda, estão preocupados com isso?” Sim, a Nickelodeon tem uma grande preocupação e gente trabalhando em torno das multiplataformas. “Somos uma grande empresa, temos muitas pessoas trabalhando o marketing e pensando possibilidades, em jogos on-line, por exemplo. Já estive em muitas apresentações em que falavam sobre televisão para crianças. E a primeira coisa que dizem é que ser criança hoje é muito diferente de quando nós éramos crianças. Daí, dizem que as pesquisas mostram que crianças estão interessadas em música, filmes, amigos e esportes. O que, na verdade, é o mesmo desde sempre. É muito diferente ser uma criança hoje do que era na nossa época, mas os interesses não mudam. O que mudou, recentemente, foram as multiplataformas. Elas assistem à TV, usam o iPad, mandam mensagem para o amigo, tudo isso ao mesmo tempo. Isso faz com que possam consumir qualquer coisa, a qualquer momento. Logo, há uma demanda muito grande por conteúdo web”, disse Peter. Diante do conteúdo de uma determinada série, há sempre a questão de como será a presença na internet, qual será o jogo, qual será o aplicativo para iPad, Peter continuou: “Isso é um aspecto muito importante na hora de desenvolver projetos. A Nickelodeon e todos os grandes estúdios têm muitas pessoas que trabalham nisso. Já observei que eles não parecem muito interessados no que as pessoas que fazem a série querem fazer nessas situações. O marketing diz que precisamos disso ou daquilo. Cabe a mim trazer algo melhor. A verdade é que as coisas mais simples atraem todas as idades, e são sempre baseadas em emoções e sentimentos e não apenas coisas boas. A linguagem da narrativa inclui medo, tensão, tristeza, desejo, o que muda é a forma de expressar esses sentimentos. Essa é nossa principal atribuição como artistas. E como isso virará algo comercial, aí é com eles. Você dá as idéias e eles fazem o que eles acham melhor”, concluiu.


As próximas perguntas foram da plateia:

Peter, quando você mostrou o roteiro, era apenas o dialogo ou o roteiro original? Peter Hastings – Aquele não é o roteiro original. O roteiro original descreve a ação. O que mostrei é posterior. Quando você escreve um roteiro, você descreve o que uma pessoa viria. Se não há muita ação descrita no roteiro, mostra que ou há muito diálogo, ou a pessoa não sabe o que está fazendo. A maior parte da animação apresentada nesse festival não é produzida através de roteiros, seria algo mais feito à mão. O que é ótimo, porque são mais baseadas em uma ideia ou linhas gerais. Essas vêm da arte ou da história a ser contada. Isso jamais deve ser menosprezado ou deixado de lado. É um estilo diferente de animação. Para mim, é muito mais animação do que esses grandes projetos.

Outras plataformas, como a internet, afetam seu trabalho como diretor? Peter Hastings – O feedback desses canais costuma ser muito pequeno. Não costumamos receber feedbacks do tipo ‘queremos que você escreva uma história sobre isso, ou algo do gênero’. Há uma diferença em relação às Tartarugas Ninjas, pois eles têm interesse em vender brinquedos, então vão nos pedir para adicionar algumas coisas.

Que software você usa para produzir animação? Fazemos animação com o uso do Maya e produzimos os storyboards com o Photoshop, temos templates para o artista do storyboard. Para apresentações das ilustrações, utilizamos o Bridge no Photoshop. Já para montar tudo, utilizamos o Final Cut Pro. O áudio é gravado com o ProTools. A produção diz ‘isso vai aqui, com esse áudio e esse fundo, isso é feito com software proprietário’. Para editar, usamos o Avid e tudo é mixado no ProTools.O mais legal é que eu tenho uma Canon 5D, um Macintosh com ProTools, After Effects, Final Cut Pro e Photoshop, e eu posso fazer um filme, editar, cuidar do áudio e distribuí-lo na internet. Isso é algo fantástico que aconteceu nos últimos 10 anos.

Sobre a produção de desenhos para adolescentes de 13 a 17 anos, é raro ver projetos voltados especoficamente para esse público. Existe animação direcionada expecificamente para essa faixa etária? Sarah Cox –Todos acham bonita a arte feita por crianças, já a arte produzida por adolescentes é considerada meio estranha. Adolescentes são mais preocupados com coisas pessoais, com o que os afeta e a seus amigos próximos. Quero que o próximo projeto com o Tate Museum seja para adolescentes. Mas reconheço que é muito difícil desbravar esse mercado. Peter Hastings – O difícil é que, nessa idade, eles não querem ser vistos como crianças, estão fazendo uma transição. Animação chama menos atenção. No Nickelodeon, tivemos o Avatar e o Kora. Mas é um mercado pequeno. Na verdade, quem assiste a Avatar e Kora, em geral, são os de 17, 20 anos. Um público mais nerd e geek. É um mercado difícil e pequeno. Eles em geral se interessam por conteúdo para públicos mais velhos. Conteúdo mais sexual, estranho ou algo do gênero. É difícil identificar esse público. Sarah Cox – Ainda há a questão de que meninos e meninas estão mais diferentes do que nunca nessa idade. Peter Hastings – Eu trabalhei em Animaniacs e Pinky e Cérebro. O interessante é que muitas coisas as crianças não entendiam, mas os adultos sim. Nesses programas, escrevíamos o que achávamos engraçado. Não fazíamos a separação entre ‘isso é para adultos, isso é para crianças’. Sempre que alguém tenta fazer isso, o resultado acaba sendo sem graça para crianças e chato para adultos. Sarah Cox – Crianças lidam com situações sombrias também. Eu achava que crianças apresentariam coisas sempre bonitinhas, mas muitas das histórias que recebemos eram sombrias e bem profundas. Elas têm um entendimento da complexidade de personagens que nem sempre nos damos conta. Peter Hastings – Eles entendem o que acontece, mas eles não têm noção da profundidade das coisas.


Kiko e Peter, quantas pessoas trabalham na animação e produção de suas séries? Kiko Mistrorigo – Trabalhamos com dois estúdios, mais duas equipes internas, produzindo quatro episódios por mês. Dá um total de 150 pessoas trabalhando ao mesmo tempo. Peter Hastings – Temos, na Califórnia, umas 75 ou 80 pessoas. Quando vai para o exterior, há mais umas 50 ou 60 pessoas. Então, dá a mesma coisa mais ou menos. Em filmes o número é bem maior.

Vocês acham que há uma diferença muito grande no que é considerado humor nos EUA e na GB, em relação a adolescentes? Sarah Cox – Humor pastelão é universal. Pessoas caindo da escada, ou soltando puns são engraçados em qualquer idioma. Kiko Mistrorigo – Eu notei umas diferenças quando tentei produzir um programa para o Canadá. Tentamos fazer algumas piadas que os canadenses nunca entendiam.

Sarah Cox – Isso em diálogos, não? Por isso que acho que a animação funciona tão bem. É um humor mais baseado em ações, e isso se traduz bem em qualquer idioma. As piadas mais verbais nem sempre funcionam. Peter Hastings – Há também as questões de diferenças culturais.

O último filme do criador de Avatar, Invaders ZIM, tem um tema bem esquisito e parece meio estranho, e o desenho é incrível. Eu, como um adulto, adoro. Houve algum erro que fez com que adultos gostassem e as crianças não? Peter Hastings – Na verdade, não é o mesmo criador. O problema com Invaders ZIM foi a estranheza. É a presença de quem você é. É a personalidade do criador transparecendo. Esse filme tem um status de cult. Às vezes, você faz um ótimo filme, só que no canal errado. Eu já tive essa experiência de estar de estar no canal apropriado, adequado. Um canal de televisão é como se fosse uma loja, ou um festival de música em que você tem os Rolling Stones e o Metallica e chega o James Taylor. Não é o James que está errado, é o clima anterior já criado. Tudo tem fazer sentido naquele contexto.


Entre tantas produções, O que levou à escolha do Kung Fu Panda para virar seriado animado? Qual custo de produção de um episódio? Peter Hastings – A ideia, no sentido comercial da coisa, é: você tem um filme de sucesso, o que você pode fazer para capitalizar mais em cima disso? Você faz camisetas, brinquedos, uma série de TV. O lado bom é que alguém criou um personagem forte. O que me atraiu a fazer essa série é que o personagem principal é interessante, legal, engraçado e é possível escrever para ele. E é muito interessante. Isso é o mais importante para se ter em uma série em que você volta novamente e novamente você precisa de personagens fortes. Gastamos atualmente cerca de US$ 800 mil para produzir um episódio. E vamos fazer 80 episódios. É tudo questão de economia, você poderá exibir um número de vezes, em tantos países, e você fará, por exemplo, US$ 5 milhões em cima desse episódio. É uma grande produção para os padrões da televisão. Muitos custam US$ 300 mil, US$ 500 mil. O Star Wars: Guerra dos Clones é mais caro custa US$ 1,5 milhão por episódio.

Peter, há outros filmes para serem transformados em série? Peter Hastings – Não estou envolvido, mas há uma produção de Como Treinar Seu Dragão. A Viacomm, que é dona da Universal e do Nickelodeon, tem uma parceria com a Dreamworks, para produção e venda dessas séries. Isso é uma questão de negócios. Para um estúdio, é muito mais interessante criar algo como Bob Esponja. É algo de sua propriedade e criado dentro de casa. Todos querem um novo Bob Esponja. E é muito difícil, poucos fazem sucesso. É como se apaixonar, ou como fazer alguém se apaixonar por você. Você pode se vestir, malhar, mudar sua rotina, ir a lugares que considere os certos, trabalhar com pessoas incríveis, mas você não pode fazer alguém se apaixonar por você. Há algo invisível na criação de um personagem, de uma série. Quando você cria algo como Os Simpsons ou Bob Esponja, é algo especial que acontece. Não é uma questão de trabalhar mais, ou ter uma fórmula. Sarah Cox – Acho que há muitos desses por aí, mas eles nunca são reconhecidos. Peter Hastings – Então eles foram apresentados à pessoa errada, na hora errada.

Entre os conteúdos produzidos pelas crianças para The Itch of the Golden Nit, houve algum veto ou censura ao que seria considerado politicamente incorreto do ponto de vista pedagógico? Sarah Cox – No ano anterior a entrarmos em produção, criamos uma grande estrutura destinada a eliminar certos tipos de conteúdo. Alguns comentários tinham de ser moderados, assim como os desenhos. Os sons enviados, tudo era moderado por uma empresa externa, que tinha de analisar áudio, texto e desenhos, tudo. Tivemos algumas amostras de coisas rejeitadas. A maioria das coisas foram desenhos dos Simpsons ou o Bob Esponja, ou seja, conteúdo de propriedade de terceiros. Mas não tivemos conteúdo politicamente incorreto, ou moralmente incorreto.

A agência Fallon teve alguma influência no que foi escolhido? Sarah Cox – Eles fizeram o marketing do filme e alguns dos roteiros no site. Mas assim que a ideia aconteceu e tudo começou a funcionar, eles se afastaram da produção e retornaram com o filme terminado. As duas principais pessoas de criação saíram da agência durante a produção do filme. Mas ainda mantenho contato com eles. Kiko encerrou a conversa com um agradecimento especial aos dois colegas de mesa. “Não tem o que dizer do trabalho de vocês, são dois exemplos incríveis, que estimulam a plateia a fazer animação, principalmente. Obrigado.”


19 de julho

quinta-feira

Palestra - Amor e Fúria - Making Of de um Longa de Animação Brasileiro Um bate papo com Luiz Bolognesi, que apresentou um trecho inédito e os bastidores da produção de seu longa-metragem Uma História de Amor e Fúria, a ser lançado em 2013.

As inscrições no Anima Mundi são uma boa medida da evolução da animação brasileira. Na primeira edição do festival, há 20 anos, apenas quatro produções nacionais constavam entre as inscritas. De quatro pulou para sete, depois para 15, chegou a 30 e, em 2012, foram mais de 200 trabalhos com carimbo brasileiro. “Recentemente, evoluímos para a chegada à TV. É o que faz a indústria respirar. A última fronteira é o longa-metragem. Na história inteira, não há mais de 30 longas de animação brasileira. Mas há oito em produção. A gente precisa alcançar a excelência nessa produção. esse é o nosso desafio agora”, disse César Coelho ao anunciar um convidado especial, responsável por um desses oito projetos em andamento: Luiz Bolognesi, diretor de Uma História de Amor e Fúria, que tem lançamento previsto para 2013.


“Amor e Fúria é resultado da união de 40 pessoas que embarcaram no projeto seis anos atrás. É uma honra mostrar o making of aqui, é a primeira vez que a gente faz isso”, Bolognesi anunciou, logo de início, que apresentaria também um trecho de sete minutos que já estão prontos. Com a atriz Camila Pitanga na plateia, o diretor ressaltou a importância do elenco e de toda a equipe e desejou boa sessão à plateia. No telão, o vídeo Por dentro da Animação, que mostra o processo de realização e o esforço da equipe, nos últimos cinco anos, para fazer uma animação 100% brasileira. Um homem que vive 600 anos em busca de seu grande amor protagoniza fatos marcantes da história do Brasil: essa é a ideia de Uma História de Amor e Fúria. O roteiro é dividido em quatro períodos, que vão de 1500 a 2096.

Por dentro da animação O vídeo é um passo a passo da produção. Os profissionais se revezam para mostrar as várias etapas em cada área.

O ator entra antes de o desenho estar pronto. “Ele tem de dar a carga dramática que o filme exige. E fazer isso sentado num banquinho”, Bolognesi explicou e fez questão de demarcar que não existem limites para o roteirista. “Todas as cenas do filme foram parar no storyboard. O filme inteiro é levantado na forma de storyboard.” “Das vozes e do storyboard, surge o animatic. É o que permite avaliar se a história está bem contada. A equipe de arte busca a concepção visual do filme, as cores e os possíveis cenários que vão ilustrar a história. A partir do concept vem o background, como são os elementos, a época. O cenário tem de mostrar a alma do personagem. Depois de aprovado o layout, o animador cria o acting dos personagens. Até então, as imagens são paradas. Cabe ao animador colocar movimento.” Os protagonistas do longa-metragem são interpretados por Camila Pitanga e Selton Melo. “Janaína foi estudada nos mínimos detalhes, desde a cor, os olhos, o tipo de roupa que iria usar, mas era o cabelo que daria o tom, que iria mostrar a mulher emancipada que ela é.” O vídeo que Bolognesi exibiu mostra também um retrospecto da animação. Da França, onde a ilusão de movimento se originou, até os dias de hoje. Os estilos americano e japonês, com o cartoon e o anime, são usados como referência.

No caso de Amor e Fúria, a opção foi pelo estilo japonês, mas com um toque que revelasse não uma cópia, apenas inspiração. A animação foi feita no lead key. “É ele que unifica o personagem”, explicou. Já o intervalador é o que coloca o movimento entre um desenho e outro. “A cena final, no cinema, é a cena que passou pelo animador, o lead key e o intervalador”. A composição coloca no cenário os personagens e todos os elementos que eram produzidos em paralelo. É hora de olhar para cada cena e ver o que é possível fazer por ela. Depois vem a montagem. “Quando entra no animatic, ainda se mexe muito no roteiro. As fragilidades não corrigidas antes não podem ser corrigidas aqui. Na edição de som e mixagem, é desenvolvida a sonoridade do filme. Nada do que é live action funcionava muito. As coisas não eram pontuais, era preciso deixar a coisa mais natural.” A trilha musical é outro capítulo. O filme mostra o Rio de Janeiro em 2096. Mas o que vai tocar no futuro? Eles também não sabiam. Foi preciso fazer a manipulação do máximo de instrumentos para descobrir uma sonoridade ao gosto da equipe e de Bolognesi.

Como criar a unidade estética? É o diretor quem dá a palavra final. Na técnica do anime japonês, são seis a oito desenhos por segundo. Mas o tempo inteiro, ele fez questão de ressaltar, a intenção não era fazer um anime japonês. “A gente entendeu a técnica e a linguagem deles, mas fez de um jeito nosso”. Bolognesi exibiu o vídeo Por Dentro da Animação para dar uma ideia do envolvimento da equipe e contar o processo pelo qual o filme passou nos últimos anos, desde a concepção da ideia. “Amor e Fúria é um projeto que reúne histórias em quadrinhos com história do Brasil. É também a jornada de uma equipe que queria contar uma história.” O longa-metragem carrega uma assinatura coletiva, segundo a produtora executiva Laiz Bodansky. Após o making of, foi a vez do esperado trecho de sete minutos do filme. Mas vai ser preciso esperar pela estreia nas telas para saber o destino da heroína Janaína. Para começar o bate-papo, o diretor convidou o produtor Marcos Barreto e Camila Pitanga. O público podia perguntar à vontade.


Tem umas questões pesadas, aí. Como você fechou o roteiro? Com que público você quer falar? Luiz Bolognesi – Eu adoro a história do Brasil e adoro quadrinhos. O interesse vem daí. O objetivo do projeto era, através de uma dinâmica de entretenimento, criar um filme que faça com que os meninos olhem para a nossa história com um novo olhar, que tenham vontade de ler outros livros, ver outros filmes. O roteirista, claro, não fez sozinho, nós montamos uma equipe de pesquisadores, com vários mestrandos em história e antropologia, que fizeram uma pesquisa durante sete meses. E foi essa pesquisa que deu base para o roteiro. A história toda é contada sob a ótica da mitologia tupinambá. Há um foco na história indígena, na história negra, foco na ditadura, nas milícias. Tem várias questões bem polêmicas no filme. Se elas trouxerem um debate rico, estou contente.

Como foi encontrar os profissionais para o filme? Luiz Bolognesi – Essa empreitada começou quase sete anos atrás. Praticamente, a gente atravessou seis anos com uma equipe de 40 pessoas, às vezes caia para 30, às vezes ia para 45. De certa forma, a equipe que começou muito jovem amadureceu. A moçada que entrou na produção se apegou ao filme. Ninguém foi embora, mesmo com propostas de outras produções. A maior dificuldade foi segurar a equipe diante das abordagens que recebia.

Camila, qual o preparo para esse trabalho na própria linguagem indígena? Camila Pitanga – Eu me apaixonei perdidamente por essa história, porque tem importância inclusive como documento. Deixa uma reflexão muito profícua. Em relação ao meu trabalho, eu fui aprendendo o trabalho e descobrindo um pouco junto. Teve uma parte que já tinha a animação feita e eu tinha de me encaixar numa interpretação já estabelecida, mas houve várias fases. Quando já não tinha mais desenho, ou quando houve uma revisão, mesmo, eu me senti mais à vontade para brincar, emfim. O ator tem de ter flexibilidade para jogar o jogo que se apresenta. Tive de abrir uma escuta muito mais sensível. Trabalhei um pouco na intuição minha de atriz, na do Luiz como diretor. Até ali eu tinha uma visão bem limitada do fazer o desenho animado. Em relação à língua tupinambá, também foi intuição, já que não se tinha referência de som. Não era a ideia que a gente mimetizasse, não poderíamos fazer, não temos essa embocadura, não era essa a pretensão. O que a gente tentou foi dar corpo a esse jeito de falar. Houve uma primeira fase mais radical na língua. Luiz Bolognesi – No início do projeto eu queria que a primeira parte do filme fosse falada em tupi-guarani, pelo menos o possível, a partir do que se tem registro. Para isso, e gente contratou um paraguaio, que é professor de filosofia na Itália e fala tupi-guarani, e ele traduziu tudo. Procurei o Selton e a Camila e disse ‘vocês vão ter de falar tupi-guarani’ e eles disseram vamos lá. E quando a gente começou a fazer as primeiras cenas, a sensação era de que, por conta da legenda, a gente perdia a animação. Foi aí que a gente viu que não era uma boa ideia. Era muito ruim, porque as falas eram grandes. Imaginem. Eu voltando para a Camila e o Selton: sabe aquilo tudo que vocês fizeram em tupi? A gente tem de refazer em português. Tem certeza? Tenho. E aí voltamos para o estúdio e refizemos.


Como foi produzir uma animação e num projeto tão complexo? Marcos Barreto – Meu trabalho, como o de qualquer produtor, é garantir que a viagem do roteirista e do diretor se concretize. Algumas coisas a gente faz, outras são piração, não dá, não tem orçamento. O produtor tem de fazer com que o filme aconteça. E tem de garantir também o financiamento, o que não é fácil. Do ponto de vista cultural, fazer cinema é muito caro, envolve muita gente e por muito tempo. Este filme demorou mais do que costuma demorar um filme de ficção não animação. As pessoas ficaram tanto tempo e tão fiéis, porque o delírio do Luiz virou coletivo. Não era remuneração, o que segurava as pessoas era a vontade que todos tiveram de fazer. E deu certo, está aí, todo mundo vai poder ver.

Um trabalho que levou tantos anos, o que foi mudando no roteiro, houve muitas alterações ao longo desse tempo? Luiz Bolognesi – A pesquisa começou com um ‘vamos revisar a história do Brasil, mas que episódios nós vamos contar?’ O difícil foi escolher quais não contaríamos. A gente contou com a consultoria de professores da USP, mas a natureza do projeto era ir para o cinema, ele pretende ser reflexão e não uma aula, não é para ser didático, tem de ter estrutura de entretenimento. Apesar de enfrentar situações que estão ligadas e têm como pano de fundo a história do Brasil, o tempo todo o personagem luta por um amor, que é o amor de Janaína.

Por que Anime? Luiz Bolognesi – A técnica japonesa é uma técnica difundida no mundo inteiro e basicamente o que a distingue do full animation, é que a o anime é mais econômico. Os americanos fazem 12, às vezes 24, desenhos por segundo, dependendo da cena. Na técnica japonesa são somente seis desenhos. Para nós, era uma escolha não só de linguagem, mas também de economia. Nós produzimos 23 mil desenhos para fazer esse filme. Se fosse com a técnica americana, esse número saltaria para 36 mil, o que tornaria inviável o projeto. O desafio foi aprender. A gente foi desenvolvendo o aprendizado ao longo do filme. Todos os animadores preferiam receber o material para animar já tendo as vozes. Eles pediam ‘pelo amor de Deus, grava logo com a Camila e o Selton, porque vem com emoção’. Poucas cenas foram para a produção para que os animadores

fizessem sem as vozes porque era muito mais difícil. Eu queria fazer o filme no papel, com a técnica clássica, porque o animador, nesse caso, é o ator, é ele que interpreta, o que faz com que o filme venha com alma. Lá atrás, quando via a animação 3D, eu tinha horror àquilo. E eu tenho certeza absoluta de que foi a escolha certa. O filme tem limites em relação às possibilidades do mercado, mas tem alma, tem uma atitude. E os meninos que fizeram se sentem realizados. Mesmo que hoje eles possam superar o que eles mesmos fizeram.

Como é dar vida ao invisível e trabalhar só com a voz? Camila Pitanga – A atenção maior é para o som, mas meu corpo todo estava conectado. Estavam lá meu grito, meu afeto. Há uma cena em que eu tenho de ter um grito de uma mãe, dramático, trágico, e eu tinha de ter um grito de uma mãe naquela situação e fazer isso no espaço preto. Não vou adiantar muito, mas fiz. E a gente foi afinando. A contracenação, mais do que o cenário, ter o outro, o diálogo é um grande alimento. Mais do que a situação real. Ter o estímulo do outro é muito importante. Eu tinha de falar uma frase e eu não ouvia o Selton. A fala dele estava em branco para o que eu tinha de preencher. A gente fazia praticamente frase a frase. Enfim, foi um desafio, a partir de uma abstração, construir uma vida. E foi um barato. A imagem é muito importante, mas a animação é mestra em nos mostrar o quanto o som é fundamental. Luiz Bolognesi – A equipe queria muito fazer no papel, utilizar a técnica no papel. Era muito legal ver a alegria da equipe ouvindo as vozes dos dois. Todos queriam ir para o papel, literalmente animados. Os meninos interpretavam a partir da voz.

Você levanta uma pegada, uma bandeira, mas o filme é comercial. Rola uma frustração por esse viés? Luiz Bolognesi – Todos os meus filmes são uma história de amor e não vejo isso como uma concessão ao mercado. Foi assim em Bicho de Sete Cabeças, em Chega de Saudade e em Melhores Coisas do Mundo. A história de amor aqui não é estranha, ela teria de existir. Não é só violência e fúria, a nossa história é de amor. Eu gosto de histórias de amor e uma história que não fale de amor não tem porque se contar. Todo mundo gosta de história de amor.


20 de julho

sexta-feira

Masterclass III – PES Receitas culinárias com objetos nunca antes usados por chefs, sofás ardentes e outros elementos inusitados das animações de PES, por ele mesmo.

A imaginação de PES vai longe. Mas o que ele usa para fazer animação está sempre à mão. Ou à vista. PES explora ideias para fazer os filmes a que ele mesmo gostaria de assistir. Na última masterclass do Anima Forum 2012, uma plateia ansiosa abriu os olhos para ver o que o diretor tanto inventa e como inventa. PES já havia participado em Anima Mundi em 2003 com seu trabalho mais conhecido, Roof Sex, o vídeo que correu o mundo. Com direito a fotos e muitos clips numa sequência cronológica, o animador começou a contar como chegou até aqui: um reconhecido diretor de curtas-metragens, o que foi um trampolim para que ele também se tornasse diretor de comerciais de marcas mundiais. A praia de PES é o stop motion.


À história. PES é de New Jersey e cresceu nos arredores de New York. Aluno de literatura inglesa na Universidade da Virginia e fascinado por Edgar Allan Poe – que também foi aluno da Universidade e antigo morador de um quarto próximo ao de PES no campus, fatos que o fizeram cultivar uma conexão profunda com o escritor – PES gostava de explorar as próprias ideias, o que fazia desde a infância. Mas até os 22 anos não sabia exatamente o que iria fazer da vida. Até então, acumulava gravuras feitas com as cuecas, que os pais nunca se negaram a repor o estoque. Com muito bom humor, PES mostrou fotos de quando era criança, dos pais, do sofá que viria a se tornar estrela. Fazer livros, talvez, era uma possibilidade. Mas fazer especificamente filmes foi uma ideia que só apareceu bem mais adiante. “As pessoas perguntam muito o quão cedo entrei para a Escola de Artes, se estudei Cinema. Nada disso. Na verdade, eu sequer sabia o que um diretor fazia. Eu tinha uma paixão muito específica e a cinematografia ainda não era tão pertinente na minha vida.” Depois da universidade, PES decidiu voltar para New York. “Era para lá que eu tinha de ir. Mas New York é um lugar difícil para você sonhar em ser artista. O custo de vida é alto demais. Para ficar em New York, você tem de fazer dinheiro. E eu não tinha algum – meus pais não estavam financiando nada do que eu fazia. E, para sair de casa, eu teria que arrumar um emprego.” Arrumar dinheiro para fazer o que gostava e o que bem entendesse, era isso que ele pretendia. Mas dinheiro ainda demoraria a entrar no caixa. E para entrar, ele aprendeu que teria de fazer algumas concessões. Não foi fácil. “Eu estudei Edgar Allan Poe e James Joyce na faculdade. Eu tinha um portfólio com gravuras feitas com as minhas cuecas. Quem contrataria essa pessoa?” PES não sabia nem por onde começar. “Uma coisa que eu sabia era que meio que gostava de publicidade. Claro, meu objetivo naquele ponto era fazer arte. Era meu sonho, desde muito novo, e todos os meus ídolos – os Picassos e Marcel Duchamp – eram os caras que eu pensava ‘esses caras fazem arte e eles são o que fazem. E é isso que eu quero.’ E precisava descobrir uma forma de ser pago para fazer isso. Foi quando pensei em publicidade. Imaginei que, quem sabe, podia ser contratado por uma agência”. Quem sabe?

Uma vaga, por favor Ele estudou, não sabia muito sobre cinema, mas tinha o tal portfólio, foi atrás da tal agência que o contratasse. As respostas não eram bem as que ele esperava. Diziam que o trabalho era criativo, bacana, mas vaga mesmo, eles não podiam dar porque não sabiam se ele sabia fazer propagandas. Era sempre uma boa notícia – eu gosto do seu trabalho – e uma má notícia – você não se encaixa aqui. Podemos dar uma vaga de assistente criativo, serve? Claro que serve. Era na agência McCann, um império da publicidade. De criativo, no entanto, o cargo não tinha nada. “Virei assistente administrativo, comprava passagens, fazia serviço burocrático”, ele contou, com o bom humor que pontuou toda a masterclass. A curiosidade, pelo menos, foi aguçada. Se não produzia para a agência, seguiu produzindo, nesse meio tempo, para ele mesmo. Só não sabia para onde estava andando. O que tentava fazer está registrado - ele exibiu em fotos o lugar onde morava na época, algumas de suas obras, caixas de som compradas na rua, discos, e o sofá de veludo dourado.

Epifania Na agência, ele tinha acesso ao que se fazia de melhor na publicidade. E foi assim, assistindo ao que outros fizeram, que ele foi chegando perto do que queria para si mesmo. Click! Na sequência, PES mostrou alguns dos trabalhos publicitários que, segundo ele, são emblemáticos do quanto uma ideia pode ser revolucionária. Pelo menos para ele foi assim. O primeiro vídeo foi um comercial que mostra um casal no carro, com os filhos, quando toca uma música, em inglês. Claramente, nem pai nem mãe, no banco da frente, entendem a letra nada inocente e se requebram ao som de I wanna fuck in the ass (procure no youtube). “Ha, isso é fantástico. Quem já viu isso antes? Isso, em 1997, foi uma revelação. As pessoas compartilharam, por e-mail, muito antes que se soubesse o que era um vídeo viral, imaginem isso. Esse foi um comercial usual, produzido em Amsterdã. Impressionante, divertido. E eu percebi que o que as pessoas gostam elas querem dividir com as outras”, ele não escondia o entusiasmo diante do comercial, mesmo depois de tanto tempo.


PES também queria dividir o que pensava e ficou convencido de que havia comerciais absolutamente geniais. “Uma peça curta, de entretenimento, que carrega consigo uma ideia”, disse, ao exibir o próximo comercial. Desta vez, do jeans Diesel, um comercial que ele considera uma obra prima, feito em 1973. “É um curta, não é um comercial, não importa se tem a marca da Diesel, se está ali para vender um produto. Existe uma narrativa de comerciais, nos últimos 50 anos, que conta histórias em 30, 60 segundos.” Algum caminho já estava andado, ele sabia.

Dogs of War

Foi aí que veio a decisão sobre o que ele faria na vida. “Assisti a esses comerciais, enquanto trabalhava na agência e decidi que era isso que eu queria fazer. Mas eu tinha ideias próprias para os meus filmes”, ele tinha certeza a essa altura. E em vez de colocar uma marca, colocaria seu próprio nome.

A pergunta permaneceu. “Eu estava ali, desenhando as minhas ideias enquanto trabalhava naquele lugar, passei a me expressar através dos desenhos. E só pensava em fazer o próprio filme, mas nunca tinha feito isso na vida e também não tinha dinheiro.”

Histórias curtas condensadas em um minuto. Era isso que PES achava que funcionava. “Esse foi um dos principais estalos que eu tive”, ele disse e seguiu contando os estalos seguintes, ou o que culminaria na sua primeira obra. Um belo dia, dormindo em seu sofá, ele teve um sonho e acordou com bombas, guerra e cachorro-quente na cabeça. “Wow, isso pode ser divertido, como posso transformar essa narrativa em filme?”

Faltavam recursos, mas havia vontade, ele então começou a perguntar ora a um ora a outro como fazer, pediu uma câmera 16mm emprestada para um menino da agência, ganhou um projetor que o pai encontrara no sótão de uma escola que limpava, e mãos à obra. “Fiz o filme e o projetei. Queria me certificar de que a revelação havia sido feita corretamente”.


Fazer Dogs of War exigiu arregimentar muita gente. PES pediu à mãe, cabeleireira, para que o ajudasse com o elenco. Ela ficaria responsável por arrumar as três crianças e o que mais o filho necessitasse para a filmagem. “Entrei em contato com a Cinemateca, uma semana depois tive acesso a trechos de filmes sobre a Segunda Guerra. Fui para o mercado de pulgas, fiz modelagens com pedaços de madeira, precisava de uma imagem da bomba saindo da lente, e resolvi filmar perto da casa dos meus pais, com as clientes da minha mãe correndo no cemitério”, ele descreveu a odisseia que representou sua escola de cinema e resultou em um filme com uma bomba, imagens de arquivo e crianças correndo no bombardeio. A plateia conferiu o primeiro filme de PES mostrado por ele mesmo. “Trabalhei arduamente e aprendi tudo que precisava aprender”, ele contou. Com a recém-descoberta facilidade para contar histórias em formato curto, decidiu que precisava dedicar-se a fazer seus próprios filmes. Para isso, era preciso deixar a agência. “Eu precisava de um videobook. Fui encorajado por esse primeiro filme e comecei a planejar. Como não fui à escola de cinema, decidi investir em mim mesmo o dinheiro da Visa e da Mastercard”, ele entregou a estratégia que usou para bancar suas primeiras produções. O que poderia, quem sabe, levá-lo a um lugar mais seguro. Se conseguisse ser contratado como diretor, os problemas acabavam, ele finalmente poderia se sustentar, ele vislumbrava.

Ideias soltas Se há muitas ideias soltas por aí, PES vai atrás. E quando a ideia é muito empolgante, ele parte para o desenho. “É isso que faço quando gosto de uma ideia, porque tenho de dar uma ordem para a história”, disse. A história que PES começou a rabiscar e que ele mostraria a seguir é Whittling’ Wood. Está lá no site, para quem quiser conferir: um velho cowboy em cena, sentado calmamente, cortando um pedaço de madeira. De repente, ouve um barulho que parece o chocalho de uma cobra casacavel. De início ele ignora. Ao ouvir pela segunda vez, levanta e vai conferir o que se esconde atrás da moita. Enquanto ele se aproxima, a câmera corta para o outro cowboy, com cara de abobalhado atrás da moita, chacoalhando alguma coisa. O velho cowboy não hesita e saca seu revólver, atira na moita. O jovem cowboy cai morto. O velho se aproxima, pega o objeto da mão do outro: ‘Ah, Tic Tac’, ele diz, sorrindo tranquilamente.

A execução da brincadeira, claro, não custou barato. Como dá para ver, PES precisou de elenco, de quipamento, de suporte para produzir e dirigir a ideia original de George Dewey. Determinado como sempre, ele conseguiu. Precisava de pelo menos um cowboy que soubesse morrer. Fez então um anúncio e reservou a sala do apartamento onde morava para fazer a seleção do elenco. O processo não foi demorado. Assim que apareceu o candidato, PES perguntou: ‘você pode morrer?’ o cowboy caiu que o chão tremeu. Primeiro problema resolvido. A ação se passava no deserto. PES passou a dar voltas por New Jersey em busca de uma locação. Já que não tinha como pagar equipe, chamou gente empolgada como ele e disposta a trabalhar de graça. Botou todo mundo numa van e partiu para as filmagens. Um calor infernal. A empreitada toda consumiu US$ 10 mil. Mas se rendesse um comercial para dirigir depois, ele quitaria as dívidas. Era essa a esperança. A plateia conferiu o resultado que ele mesmo, PES, considera uma maravilha, sem qualquer falsa modéstia. Era o tipo de comercial que a Tic Tac deveria fazer, ele brincou.

Referência A originalidade de Jan Svankmajer foi uma referência sem par para PES. Os curtas produzidos pelo diretor tcheco nas décadas de 1960 e 1970, principalmente, eram filmes a que PES assistia repetida e incansavelmente, em diferentes estados de espírito. “Sensacionais”, ele define com entusiasmo de quem descobriu ali, em 1997, um fantástico mundo habitado por live action com animação e stop motion. Quando viu Conspiradores do Prazer, PES não resistiu, foi atrás de todos os filmes que Jan Svankmajer já fizera. De curta em curta, o candidato a diretor de animação ficou ainda mais convencido. “Esse cara foi uma referência para mim. Eu vi que também tinha ideias a respeito de objetos. E eu também queria trabalhar com objetos familiares. Svankmajer foi uma influência.” Inegável.


O sofá dourado Na sequência, PES mostrou fotos da mãe e dele ainda criança. A poltrona dourada que o acompanhou por muito tempo está sempre entre as fotografias. “Todo mundo gostava de sentar na poltrona. Havia uma sala onde as crianças eram proibidas de entrar, havia um carpete grosso, que minha mãe dava um jeito de parecer neve. E ela sabia, pelas pegadas que deixávamos, quando entrávamos na sala.” Um belo dia, os pais se mudaram e ofereceram as tais poltronas douradas, alvo das fantasias da infância. “Mas vocês não me deixaram sentar nessas poltronas por 22 anos. Nem encostar! E agora me oferecem?” PES aceitou o presente e pensava na cadeira. “Depois de 22 anos naquela sala chata, o que ela gostaria de fazer agora?” Ela queria fazer sexo, ele deduziu. E tratou de providenciar a satisfação das poltronas dourada e vermelha. Uma tarefa nada fácil. “Demorei dois ou três meses, eu não sabia nada sobre animação, vi que demorava porque eu tinha de botar câmera por todos os lados. O cara que morava comigo me achava estranho, porque eu comecei a encomendar móveis pelo Ebay para ver como eles funcionavam”, ele contou. Tanto espaço lá em cima, por que não fazer uma cena de sexo ali? Onde? No telhado.

Roof Sex PES contou do interesse especial que tem pelos sons. Um áudio específico, muitas vezes, é capaz de produzir um efeito único. Com o roteiro na cabeça, acionou seu colega de apartamento para ser a vovó que ele imaginara. “E aí, tá a fim? Eu o convidei, comprei o figurino, minha mãe fez o cabelo, deu os sapatos, fez a maquiagem”. Com a ajuda da mãe e o ator garantido, ele ficou cerca de dois meses deslocando cadeiras no telhado. Difícil não chamar a atenção da vizinhança. “Meus vizinhos viam tudo. Nesse tempo todo, ninguém perguntou nada sobre o que estávamos fazendo. Isso é New York,” ele não reclama da cidade, pelo contrário. PES exibiu o making of e garantiu, brincando com a plateia, que não é o inventor da pornografia de material de acento. Até definir quem seria macho e quem seria fêmea, PES fez vários testes para fechar uma sequência que levaria 20 dias ao longo de três meses, porque ele só podia filmar em dias absolutamente claros. A luz tinha de ser mantida constante.

“Foi muito difícil destruir meu sofá dourado, das fotos de infância. Mas foi compensador fazer um filme quadro a quadro”, disse ele, garantindo que a gata que aparece no filme não sofreu maus tratos na filmagem. “Mas uma semana depois ela pulou do oitavo andar de um prédio de Manhattan”, ele contou, provocando um sonoro ohhhhh da plateia. E quanto ao sofá vermelho, esse ele comprou. Alguém se lembra das compras feitas pelo Ebay? A surpresa foi descobrir o quanto o sofá dourado era realmente especial e alvo de cuidados da mãe. “Ah, eu me esqueci de dizer que os meus pais guardavam dinheiro no sofá”, ele quase gargalhou com a descoberta.

O pulo PES contou com ajuda de todos os lados para concretizar o aclamado Roof Sex. A namorada na época fez o áudio da cadeira vermelha e ele, o da dourada. Foi dela também a ideia de inscrever o filme num primeiro festival. “Imagina”, ele ficou reticente. “Eu nunca tinha pensado, mas nos inscrevemos num festival de animação na França, o Festival de Annecy, e foi fantástico, fui tratado como realeza, acabei ganhando o prêmio principal.” De volta a New York, ele estava convicto de que poderia fazer comerciais e esses comerciais gerariam dinheiro para fazer mais filmes. PES queria conquistar um lugar na publicidade, de uma vez, para poder pagar todas as dívidas que iam se acumulando. Mas as coisas não andaram exatamente como ele planejara. “Imaginariase que eu iria trabalhar com animação de objeto, tal. Mas eu ficava a cada dia mais pobre, precisava fazer comercial”, ele provocou risos, mas a expressão era séria. Enfim, veio uma encomenda. O comercial TLC O que os seus filhos estão aprendendo? Foi feito com um menino e um cão como personagens. É exatamente a parte sobre como ele arrumou o cão que parece ter sido mais desafiadora – e divertida. “Papito já esteve em outros comerciais e tem um agente”, avisou a dona do cão que ele tanto queria, quando ele a abordou. Menos mal. Por 800 dólares por dia, PES teria Papito à sua disposição, que falasse com o produtor de Papito, o poodle. “Crianças e cachorros são um tanto difíceis para se trabalhar porque são imprevisíveis. A primeira tomada funcionou bem, mas tínhamos o dia inteiro para filmar e decidimos brincar um pouco”, ele contou. Beasty Boy mostra o menino tirando meleca do nariz enquanto acessa o computador, tranquilamente.


As melhores cenas vêm das situações também mais imprevistas, PES assegurou que vale a pena não apressar o ritmo. E depois de mostrar o comercial, exibiu o vídeo que mostra uma sequência que, segundo ele, é impagável: o menino, distraído, tira a meleca do nariz e come. É impagável.

Out of money Os tempos ainda estavam difíceis. Para agravar a situação, as companhias de cartão de crédito já não davam mais dinheiro. Roof Sex, que chegaria a participar de cem festivais de animação, circulava na internet, em 2001, antes mesmo do youtube. Mas mesmo com o boca a boca e o sucesso retumbante, contrato, que era o que ele queria, não vinha. “Eu tinha um bom nível de sucesso, queria continuar criando, mas não tinha mais dinheiro e ninguém ia me contratar para fazer o que eu fazia”. Se não podia armar produções mais sofisticadas, a solução foi garantir a diversão com uma pequena câmera digital. Isso ele podia bancar. São dessa fase Prank Call, Moth, Baby Nut e Marrigae is For.

Para o público ter uma ideia mais clara de como e a quantas andava a sua mente, PES exibiu uma sequência da época em que fazia experimentos com manteiga de amendoim, lâmpadas, das incontáveis brincadeiras com objetos. Sim, ele brinca e mostra o resultado. Em 2003, ele lançou o site http://eatpes. com/.“E as pessoas começaram a me ver como o cara que faz coisas estranhas com objetos, em stop motion.” O comercial Made to Move (Nike) mudaria, de certo modo, a sorte de PES. Ainda no espírito de atrair a atenção da publicidade com stop motion, ele fez um remake do comercial. “Eu posso fazer isso com animação”, ele pensou e fez. “Era um remake, mas disseram ‘muito bom!’ E depois disso, enfim, consegui chamar alguma atenção”, ele relembrou.


Pee - Nut

Assim nasceu KaBoom!

As tentativas continuaram e PES exibiu mais do seu acervo. O vídeo que veio na sequência foi Pee-Nut, uma brincadeira, ou melhor, uma tentativa de sofisticar um ato banal: o que faz um pênis, mesmo de amendoim? Xixi, ele se lembrou de quando era criança e brincava de tiro ao alvo. Foi assim que ele juntou pedras preciosas, diamantes, e joias para valorizar uma ideia, segundo ele, muito simples. Mais um curta para a lista.

A vida imita a arte, a arte imita a vida. Com PES, as circunstâncias muitas vezes conspiraram a seu favor. Ao mudar de endereço e promover um open house, em plena festa, as tomadas começaram a fumegar por conta do aumento da carga elétrica. Ninguém pareceu se incomodar. Pelo contrário. Esses acenderam velas e a festa ficou mais interessante. A farra foi boa. O problema é que os equipamentos e aparelhos da casa entraram todos em curto. PES perdeu tudo. Resignado, juntou as tralhas e sobras e guardou tudo para acionar o seguro. Mas a demora foi tamanha e as coisas ficaram tanto tempo por lá que ele decidiu fazer alguma coisa com aquilo.

Para quem ainda não viu, vale a breve descrição: dois amendoins soltam um peixe, feito do que parece um brochê, em um mar formado por uma malha de metal. O peixe começa a nadar, ao mesmo tempo em que o pênis – formado por três amendoins – faz um xixi nada convencional. Os espirros da urina no mar são representados por pequenos diamantes. Para completar o quadro, uma mosca de broches de rubis aparece. Vítima do jato do cordão, ela cai no mar e é comida pelo peixe. Por fim, ao som de uma descarga, o peixe e o mar desaparecem. E quem quiser que conte outra, ou melhor, que tente fazer igual.

“Comecei a abrir as placas de circuito e a ideia que me veio foi a de que as peças ali dispostas pareciam a cidade de New York. Peguei os objetos, peguei perfumes e batons da minha namorada, e construí minha cidade na mesa da cozinha. A cada vez que ela precisava de alguma coisa, eu mostrava. Cadê meu batom? Está na cidade.”


A brincadeira foi ficando sem graça. A namorada reclamava e ele mesmo já estava perdendo a paciência. Quando decidiu que era hora de dar um adeus à cidade, veio uma ideia: “por que não monto um bombardeamento aéreo na minha cidade?”. Resolvido. Na época, PES recebeu a primeira ligação de um anunciante. Era a Diesel, que estava reunindo 30 artistas mundo afora num projeto em que cada um embolsaria $ 2 mil e ficava livre para soltar a criatividade. Os vídeos seriam exibidos em Amsterdã. Fechado? Fechado, ele disse sim imediato à proposta. Além do reforço em dinheiro, ainda garantiria os direitos autorais sobre a sua criação. E ter direitos faz gerar dinheiro, ele já sabia. “Pensei, então, a Diesel poderia ser exatamente o que eu necessitava àquela altura. O apoio para a minha próxima peça. Ninguém me oferecia um contrato, mas todos gostavam do que eu fazia. Pensei ‘ora, posso fazer esse filme e ainda pagar meu aluguel’. A Diesel me respaldou, o que foi muito importante para mim”, ele contou. Melhor impossível. PES criou então um mundo com objetos diversos. Da cidade que ele havia montado na cozinha e mais todos os objetos que encontrou pela frente saiu o filme. Tudo foi feito em casa. “Tive essa epifania de usar objetos diversos e a fazer conexões entre esses objetos. Palhaços de plástico, bolinhas de Natal. A ideia era mostrar a visão infantil de uma guerra, os canhões avançando sobre objetos festivos.” KaBoom! é uma explosão. “Explorei percepções lógicas que não havia explorado até então. Milho, os fósforos que são mísseis, o amendoim que vira uma bomba. Imagine que para encontrar esse amendoim gigante, eu vasculhei milhares de sacos”, ele contou. A correlação com o momento em que os EUA viviam era direta e proposital. Isso foi em 2004, quando George W Bush estava bombardeando o Oriente Médio. “Nós bombardeamos, mas deixamos alimentos como auxílio para os países bombardeados. Você só precisa desembrulhar os amendoins. É como se fosse um presente, daí os enfeites natalinos. Há um tom sarcástico, claro. Olha, nós estamos te bombardeando mas deixamos um presente. Essa ideia foi única no meu catálogo”.

Não deu outra, o vídeo KaBoom! tornou-se um viral. A ideia e a execução foram tão boas que logo foi copiada. “E olha o que aconteceu? As agências começaram a me telefonar”, ele contou. A partir dali, as agências queriam que ele dirigisse seus filmes, ou melhor, explodissem seus produtos. Wow!

Alma ao diabo A explosão, a partir dali, seria quase uma marca, ou pelo menos uma das marcas que o identificariam, assim como o sexo quente de objetos inanimados no telhado. PES queria criar o que lhe viesse à cabeça. Mas aprendeu que para financiar seus sonhos, teria de vender algum esforço. De preferência, que o resultado fosse bom. Isso ele aprendeu bem rapidamente enquanto fazia um comercial para uma companhia telefônica. De nada adiantava fazer desenho com esmero se o cliente queria outra coisa. “Ué, cadê os telefones? Vamos explodir guitarras e baterias. Não, nós queremos telefones. Queremos uma propaganda com cores. Quais cores? Preto, cinza, azul e branco”, ele contou. Os fogos de artifício tinham de ser celulares. Vai lançar o telefone? Isso mesmo. A conversa não era fácil. PES desenhava uma coisa, o cliente ordenava outra, num diálogo que, claramente, tinha um lado mais fraco. Ele tinha de tomar a decisão: ou deixava o projeto ou fazia o trabalho e ganharia o dinheiro, que financiaria pelo menos cinco meses de descanso. Alfuma dúvida? Nenhuma. “Não tive nenhuma preocupação com integridade”, ele garantiu. Na época, porque hoje, ele mostra o filme, mas não faz alarde. É uma obra apagada. O vídeo do celular, nem adianta procurar no youtube. “É tão ruim que ninguém se deu ao trabalho de postar”, ele brincou. Se não rendeu orgulho, o trabalho rendeu muito dinheiro. O suficiente para financiar trabalhos novos. E PES aprendeu também a ficar menos exigente. “Eu ganhei muito dinheiro. E a publicidade é assim. Tem lados positivos e negativos. Mais negativos, na verdade. O cliente vai pagar milhões por uma peça, mas em compensação, também vai exigir que você entregue exatamente o que ele quer”. PES ressaltou que o trabalho dele é fazer o melhor filme com o dinheiro que os clientes têm para gastar. E ser o mais criativo possível. PES exibiu mais um comercial: COINSTAR Inspired Coins


É preciso driblar o cliente, ensinou PES. “No filme das moedas, havia uma sujeira que o cliente não aprovaria de jeito nenhum. Melhorei, mostrei ao cliente, tirei um pouco mais. Eu já tinha programado toda a cena. Até que ela desistiu. Era a quantidade certa de sujeira. Você é quase babá do cliente.”

Bacardi Antes dos celulares, ele foi sondado pela Bacardi. “Eles queriam saber das minhas ideias, foi na época em que eu ainda estava pobre, não tinha feito os celulares ainda. Dei algumas ideias pelo telefone. Fazer um foguete de garrafas, por exemplo, é isso que vocês querem? Sim, essa é uma ótima ideia. Oito meses depois, vendemos a pior ideia por mais de $ 8 milhões. Era uma péssima ideia, a pior que eu podia ter e agora tinha de dirigir.” Se ele tinha de fazer, partiu para a execução e começou a desenhar. E a cada desenho, um pedido ou uma interferência. Uma ordem, na verdade. “Queremos que todos os objetos sejam relacionados ao bar”, o cliente ditava, ele atendia. Com certa reticência, mas atendia. “Ok, não é o que eu faria, mas vocês são os clientes, vocês mandam, vamos fazer assim”. Com o rico mercado publicitário PES não brinca. “Muito dinheiro entra nisso e há muita responsabilidade”, ele pontuou antes de exibir, para dar uma ideia para a plateia do que eram os desenhos: cubos de gelo, coadores, copos, enfim, o que usaria no filme. Com o filme no telão, PES explicou as quatro sequências do Bacardi. Um vídeo para cada sabor: maçã, limão, razz e coco. “Apresentamos várias ideias à Barcardi, a resposta era sempre não. Umbrella? Não, sombrinhas são para rum numa tarde de sol. Saca-rolha? Não. Usar taças, que tal? Não, isso é objeto de vinho. Bacardi é para uma noite no meio da cidade. Bom, esses são os idiotas com quem você tem de lidar. Chega uma hora em que você faz com que funcione, mas não ri. Eles pagam para você ser uma puta”, PES vaticinou sem qualquer cerimônia o conceito que mantém dos seus interlocutores quando o tema é publicidade.

Game Over Quando viu uma entrevista com o Toru Iwatani, criador do PacMan, o jogo de sucesso estrondoso produzido no início dos anos 1980, PES ficou impressionado com a origem da mecânica do jogo: feito para agradar às mulheres, o princípio era comer. Quando descobriu que a ideia genial saiu de uma pizza com uma fatia a menos, wow, por que não expandir a ideia? Encaixar – e desencaixar – peças e fazer misturas inusitadas é com ele. PES fez Game Over em 2006 com objetos tão familiares quanto ele conseguiu imaginar para inventar o seu próprio jogo, que nada mais é do que uma reinvenção de clássicos do video game. À sua maneira, obviamente. Em Centipede, PES troca cogumelos por cupcakes. A centopéia também é formada por bolinhos, que são exterminados por um paliteiro que joga velinhas de aniversário. Em Frog, o sapinho precisa atravessar uma rua de carrinhos de brinquedo e depois um rio de lantejoulas, por onde relógios servem de bóia. Em Asteroids, a nave precisa destruir asteróides que até parecem ser pedras de verdade, enquanto uma nave inimiga formada por dois escorrredores de macarrão passeia pela tela. Em Space Invaders, os alienígenas de PES são besouros, e os escudos de proteção são feitos de folhas. E o que ele fez com o clássico dos clássicos? O herói amarelo do Pac Man de PES é uma pizza, os pontos que ele precisa comer são bolas de cricket, e os fantasmas, obviamente, são o que há de melhor para representá-los: os bons e velhos lençóis. “Foi o primeiro videogame baseado em tempo”, PES pensou ‘esse é um formato incomumr’. Como os objetos se encaixam, pelo visto, é uma das grandes empolgações para ele.

Share Orange Mais um? PES exibiu Share Orange, a sua primeira produção para o mercado britânico. Feito para a Orange Telecom, o comercial mostra uma meia roxa com listras coloridas brincando de esconde-esconde com outras meias. Quem perde meias de vez em quando pela casa deve reconhecer a situação. O que ninguém espera é que as meias se disfarcem de pêndulo no relógio, leite dentro de um copo, ou com gravatas. Mas disso, a imaginação de PES se encarrega.


Human skateboard Uma vez ou outra, a publicidade surpreende. Foi o que aconteceu no caso do filme Human Skateboard. “Quando peguei o roteiro, achei a ideia sensacional. Comecei a fazer publicidade em 2004 e, nesses anos todos, nenhuma ideia foi tão digna.” Como ele pulou? Como o mantivemos no ar? “Há uma estrutura, uma cadeira de escalada, abaixo da roupa. O protagonista é posicionado e são feitos pequenos ajustes. A Maior parte do tempo ele ficou pendurado enquanto trabalhávamos. Fizemos tudo em quatro dias.” Como ele ficou em pé em cima do cara? “Montamos uma estrutura de aço que amenizou o peso sobre as costas. É difícil trabalhar numa situação que envolve a segurança das pessoas. Mesmo tendo as placas, há momentos em que o garoto realmente é pisoteado e leva um puxão de cabelo de verdade. A força gravitacional é isso aí”, disse, fazendo a plateia rir. Ainda mais quando falou que foi usado um assoprador na cara do garoto e o processo se repetiu umas 50 vezes.

A diversão dos comerciais, PES acentuou, é fazer com que coisas impossíveis aconteçam. E ele tem feito muitas coisas. Depois do inventivo e arriscado skate humano, o diretor mostrou, em sequência, o comercial Sprint, em que dois sofás se fundem em um só, Scrabble, Winners e Academy Leader.

The Fireplace “Não dá para assistir a um filme como se ouve uma canção preferida, não a quantidade repetida de vezes. A música faz parte da nossa vida como o cinema não faz. E isso me intriga. Tenho ciúmes da música.” No Natal de 1966, a WPIX, uma emissora americana, resolveu iniciar uma tradição que consistia basicamente em deixar uma lareira na televisão o dia inteiro. PES brincou: “O cara deve ter pensado ‘isso vai ser divertido. Vamos colocar uma lareira na televisão de todo mundo que não tem uma lareira; todos os meus empregados podem tirar folga hoje porque vamos deixar um vídeo com a lareira acesa o dia inteiro’. E eu achei ótimo. As pessoas poderiam deixar a TV ligada no fundo, com a lareira ligada. Iriam fazer outras coisas, e o filme da lareira ainda estaria ali presente.”


PES queria mostrar que dá sim para ver um filme tantas vezes como se ouve uma música. Ele fez sua própria lareira, que também ganhou fama e quem quiser, pode usar como papel de parede ou protetor de tela. Ele faz questão de colocar tudo no site. De novo com stop motion, pretzel e milho doce, ele fez a sua versão mais pessoal impossível de uma ideia que vira anos antes. “Eu fiz a minha própria lareira, inspirado naquela da 102 WPIX. E ela pode ficar ali, ter usos diversos.”

Western Spaguetti Em 2009, PES já tinha sua própria lareira e a marca conhecida, como ele sempre sonhou. E resolveu assinar um projeto modesto que ganhou uma menção honrosa em um dos mais importantes festivais de cinema, o Sundance Film Festival. “Eu tenho pequenos projetos, tentativas, venho de uma família italiana e ela sempre diz que uma boa massa tem de ser al dente. Fui a uma loja e vi esses elásticos que parecem espaguetes. Como ficariam os espaguetes, ainda crus, quando ainda estão à venda?”, ele explicou como começou a pensar em fazer Western Spaguetti, Pegou as varetas, brinquedo antigo, e decidiu fazer uma pasta. Os ingredientes da iguaria de mentirinha vão de plástico- bolha (a água fervendo), camurça vermelha (o molho de tomate), post it (queijo), a qualquer coisa que simule alho. “Você começa a fazer associações mais profundas. Eu era criança nos anos 1980, o cubo mágico eu quebrava e reorganizava. É a mesma coisa, o cubo mágico é o alho”, ele sugeriu que a associação é quase óbvia. Quem cozinha? O próprio PES. São dele as mãos que cortam os ingredientes, enfim, que preparam a massa. Literalmente. O vídeo fez tanto sucesso na internet que foi elevado à categoria de fenômeno. Mais de nove milhões de visualizações.

The Deep Uma ideia não necessariamente puxa outra, mas o que ficou lá atrás pode ser reaproveitado. PES voltou à ideia da sombrinha do Bacardi para fazer The Deep. “É só uma questão de colocar as ideias no lugar certo. Frequento antiquários, reúno muitas tralhas. E daí é vêm muitas ideias e experiências como o peixe, por exemplo. Sou fascinado pelo fundo do mar. Nós jogamos lixo no oceano, deve haver muito lá embaixo. Então pensei em fazer minha visão da profundidade do mar”, ele comentou antes de exibir o filme feito em 2010. Imagine o fundo do mar. Você vê peixes, águas vivas e corais? Pois bem, o mar de PES é feito de ferramentas: alicates, correntes, chaves de boca, roldanas, furadeiras e compassos. Os peixesferramentas nadam e, em alguns momentos, uns comem os outros, usando uma lâmpada como isca. “Gosto de pequenas narrativas e histórias e tento fazer coisas diferentes. Nesse caso, incorporei partículas pequenas ao fundo do mar”, simples assim.

Fresh Guacamole PES seguiu mostrando objetos e suas incursões em lojas de comida para falar da sua atração por abacates que, pelo menos na cabeça dele, parecem granadas. Pegue uma granada de mão – acredite, ela é um abacate e tem polpa suculenta –, corte uma bola de beisebol – e ela vira uma cebola –, retire o suco de uma bola de golfe, misture com uma almofada de camurça vermelha, tempere com uma lâmpada que já deve estar madura na pimenteira. Por fim, não esqueça as fichas de pôquer, não há nachos melhores. Estranho? PES mostrou como se faz. Com esses ingredientes, ele foi para a cozinha e repetiu o sucesso de Western Spaguetti. “Tenho essas ideias e crio filmes a partir delas”, ele disse, antes de exibir a última receita da manhã, o stop motion Fresh Guacamole, que arrancou aplausos prolongados.


Do curta ao longa As ideias de Adam Pesapane (sim, é esse o nome dele) vão ganhar outro formato. Já está em produção o primeiro longa-metragem do diretor e os personagens vão sair do álbum de figurinhas Garbage Pail Kids, a Gang do Lixo, no Brasil. “Estou fazendo meu primeiro longametragem, baseado nesse jogo de cartas. Em algumas décadas vocês vão ver o resultado e poder assistir”, ele brincou e exibiu algumas das cartas que o inspiraram a imaginar o filme. É esperar para se surpreender.

Como é o processo de elaboração da sonorização? Faço toda a parte do áudio, tanto dos filmes como das peças publicitárias. Muitos dos sons eu crio eu mesmo; a amassada do tomate é uma camiseta molhada lançada numa pia. Estou sempre muito envolvido com todo o processo.

Por décadas, você não teve acesso ao sofá. E quando teve, quando ele foi seu, finalmente, você o destruiu. Como seus pais reagiram? Eu falei aos meus pais que o sofá era um velho amigo que teria uma vida eterna. Eram dois sofás idênticos, na verdade. O segundo está no sótão. Sozinho. Como você faz o seu senso de humor funcionar no mercado como ele é? Nos dias de hoje, é importante fazer filmes que você quer de fato fazer. Se você tem um público, as agências de publicidade vão procurar por você. Porque se você tem o poder de atrair pessoas, cedo ou tarde eles vão pegar carona no que você faz. É importante entender que o comercial não é arte pura. Mas, no fim das contas, acordo e acabo fazendo o que eu quero fazer.


20 de julho

sexta-feira

Mesa-redonda – Ensinando Animação Três escolas de animação apresentam suas propostas de currículo e estrutura física, e discutem um grande desafio para o setor: a formação de professores especializados. Participantes - Morten Thorning (Animation Workshop), John Parry (Bristol Animation School), Kelly Loosli (Brigham Young University) Moderador - Francisco Marinho (UFMG)

Última mesa do Anima Forum 2012, o tema não podia ser mais apropriado, pelo desafio que representa: a capacitação e a formação de novos animadores e o aprimoramento dos que já estão aí. “Animação é algo em que se passa a vida aprendendo e nunca se sabe o bastante. Superar esse impasse não é fácil. Uma boa escola de animação requer dois elementos fundamentais: estrutura que permita que o aluno possa desenvolver seu potencial e experimentar todas as técnicas, e bons professores”, declarou César Coelho ao anunciar as quatro escolas que iriam mostrar suas experiências durante a tarde. Todas elas renomadas e premiadas.


Da Animation Workshop, escola dinamarquesa que, inclusive, ganhou dois prêmios no Anima Mundi em 2011, foi convidado Morten Thorning; da Brighan Young University, nos EUA, veio Kelly Looslie; da Bristol Animation School, considerada a casa da Aardman na Inglaterra, John Parry; e da UFMG, cujos alunos são assíduos participantes e concorrentes do festival, Francisco Marinho, que foi o mediador da conversa em que cada escola mostrou seus currículos, estrutura e proposta pedagógica.

A UFMG “É uma honra e um prazer estar numa mesa com três grandes escolas. Nós temos aqui diferentes instituições, culturas e países. Será possível criar uma metodologia única? Quais são as semelhanças, quais são as diferenças? Esses são pontos muito importantes para nós discutirmos aqui”, disse Francisco Marinho, da Universidade Federal de Minas gerais, já lançando as primeiras provocações para a mesa. Como as universidades podem ajudar os alunos a serem mais criativos, inovadores, envolventes e independentes nas suas criações? Em que medida o mercado molda as instituições de ensino para um aprendizado voltado para o consumo? O mercado é uma camisa de força? Até que ponto ele padroniza a produção artística? Como incentivar a experimentação e a criatividade nas escolas se o poder de sedução do sucesso econômico é tão grande? Onde fica a arte diante de tudo isso? Pensem no assunto, sugeriu Francisco Marinho. Segundo ele, a Universidade Federal de Minas Gerais, que criou há cinco anos o curso de Cinema de Animação e Artes Digitais, vem trabalhando arduamente e essas são algumas das questões com as quais ele se depara no dia a dia. As dificuldades e impasses existem, mas alunos da escola de Belas Artes produzem. Para dar uma demonstração e exemplo do esforço, ele seguiu com a exibição de duas produções da casa. Dois filmes recentes selecionados especialmente para a plateia do Anima Forum. “Isso é só para ilustrar. Com o curso novo, vamos encher o Anima Mundi”, ele brincou, após a exibição. Na UFMG, Francisco continuou, os alunos são estimulados a experimentar a diversidade de técnicas. “A nossa escola não tem uma linha específica de abordagem da animação. Pode ser CG, stop motion, pintura em vídeo, areia.” O curso de Belas Artes da UFMG foi criado em 1957. Em 1980, um convênio com o National Film Board, do Canadá, resultou na criação de

um núcleo de animação. Em 2007, foi criado o curso de Animação e Artes Digitais, cujo foco está na transdisciplinaridade, numa articulação entre arte, tecnologia e ciência, dentro da grade do curso. A gênese do projeto pedagógico é promover a inovação e a criatividade e que o aluno experimente novos códigos artísticos. “Nós queremos estimular também a colaboração e a auto-organização, fazer com que os alunos tenham iniciativa, uma cabeça aberta para o mundo. O objetivo é formar um cidadão habilitado e capacitado para a criação crítica, a produção e a difusão”. Os cursos precisam manter uma grade adaptativa e flexível, que considere a velocidade da tecnologia, defendeu Francisco. O curso da UFMG oferece três percursos possíveis para os alunos: Cinema de Animação, Artes digitais e uma formação híbrida. Há ainda uma formação complementar em Jogos Digitais, oferecida em parceria com o departamento de Ciência da Computação. O curso representa mais 360 horas/aula, em que os alunos programam e trabalham com outras linguagens que não as narrativas.


Os eixos norteadores do curso foram estabelecidos para possibilitar que o aluno tenha uma formação crítico-reflexiva, ténicooperacional, autoral, experimental e integradora. “Basicamente, o aluno tem de pensar, saber usar os instrumentos, tornar-se autor de fato. A universidade é o momento próprio para a experimentação, o que o mercado já não permite. Universidade é o lugar do erro, do tropeço e da produção de conhecimento e entendimento do mundo. O caráter integrador passa por metodologias e processos pedagógicos, a universidade sem muro, em que todos participam do processo de formação que não está restrita à sala de aula”, ele explicou quase em discurso. O curso dura nove semestres e recebe 40 alunos por ano. A formação inclui domínio das linguagens e visão humorística e pressupõe que o aluno, ao sair, seja capaz de desenvolver projetos e pesquisas, dominar as tecnologias, metodologias e procedimentos, e articular as diferentes áreas do conhecimento. Quem disse que a física e a química não ajudam a construir um objeto de arte novo?

Bristol Animation School John Parry começou já expressando o quanto estava extasiado com a multidão que circulava pelo Anima Mundi. “Já tive algumas experiências maravilhosas nesses eventos, e é impressionante como vocês levam a sério a animação”, disse ele. O ambiente é diferente e a cultura também, mas o que a Bristol Animation School faz não é tão diferente do que a UFMG vem tentando fazer, ele pontuou logo no início da apresentação da escola de animação que enche os olhos e atrai estudantes do mundo inteiro. A boa reputação é resultado de trabalho, investimento e convencimento, inclusive para a criação do curso. “O que fazemos é similar ao que vocês fazem aqui. Até 2004, dávamos aula, mas não havia uma grade curricular específica de um curso de animação”, contou.

A história é antiga, mas o curso só foi validado em 2006. John exibiu fotos de alguns estudantes considerados pioneiros. “Um aluno, inclusive, quis fazer filme em 3D antes de termos os óculos”, contou ele, com evidente orgulho. “Os alunos estão superando o fato de que são os consumidores”, opinou sobre o que é fazer animação e o que a torna tão atraente e estimulante aos olhos dos jovens. “São horas e horas para fazer uma animação e, de repente, você tem um momento mágico, o que faz superar o tédio da feitura.” A infraestrutura é um dos pontos altos da Bristol Scholl of Animation, que faz parte da UWE – University of the West of England. A 90 minutos de trem de Londres, instalada à beira de um parque, o lugar reúne uma combinação apropriada para a criatividade: ambiente aprazível com tecnologia de ponta. “Temos estúdios em Maya, fazemos animação table tops, técnica que Bristol exporta”, resumiu o que não é segredo.


A UWE oferece mais de 600 cursos de graduação, pós-graduação e cursos livres. As vagas para a Bristol School of Animation, no entanto, são limitadas e fazer parte do time de alunos não é tarefa das mais fáceis. São apenas 36 vagas por ano para a graduação e 18 vagas para os cursos de mestrado. Para quem não se encaixa nesses dois casos há os cursos de curta duração, que valem para crianças e adultos.

o artista e o cientista. Para exemplificar, ele mostrou um diagrama, um triângulo equilátero, que norteia muito do trabalho de formação: economy, function e design. “Esse triângulo pode ser visto por qualquer ângulo. Muitas vezes, os alunos fazem trabalhos sem entender onde eles estão entrando ou quanto estão cobrando pelo que fazem. E é preciso entender isso.”

O BA Course dura três anos. No primeiro ano, é feito um diagnóstico dos alunos, o que ajuda a escola a conhecer cada um deles. É no primeiro ano que eles passam por uma introdução a todos os processos e história de animação. Os dois semestres seguintes são dedicados ao desenvolvimento e exploração das habilidades práticas, ou seja, o aluno é estimulado a descobrir habilidades próprias e a trabalhar em grupo. No último ano, o aluno escolhe no que vai trabalhar e deve concentrar-se em suas habilidades específicas. Ao sair, ele já leva um portfólio para mostrar. Para isso também ele recebe um suporte. A escola parte do princípio de que é importante a forma como esse aluno vai se apresentar para o mercado. Daí o cuidado especial que recebem o roteiro, a proposta e o pitching. O aluno tem de saber a direção que pretende seguir e estar preparado.

As referências e influências vêm de muitas frentes. A Ulm School of Design, que funcionou de 1953 a 1968 e é considerada uma das escolas de design mais influentes de toda a história até aqui, é uma referência e ainda uma influência inegável. Assim como a Robert Breer (19262011), cuja inventividade é considerada pioneira no cinema de animação mais experimental. Bree, para quem não se lembra, transpôs para a animação, com stop motion, algumas de suas pinturas abstratas.

“O que está acontecendo é que estamos criando não apenas um estilo, mas uma atitude da casa. O que o PES fez, por exemplo, é fantástico. Nós percebemos e entendemos que se você tiver habilidade e estilo, há grandes possibilidades de mostrar seu trabalho para o mundo.” A escola oferece oportunidade para que os alunos participem de projetos de longas e séries, o que significa também conhecer para quem estão trabalhando. “Os estudantes ignoram que grande parte da animação é consumida por criança. Muitas vezes, eles se esquecem quem é o seu público”, Parry ressaltou que é preciso ter o público como foco. Em Bristol, os alunos têm de se articular em torno do que eles podem oferecer e que não é pouco. “Acho que animação poderá ser utilizada por várias áreas, porque ela permite a visualização do invisível, o intangível. Haverá sempre alguém que tem algo que precisa ser visualizado”. Haverá sempre mercado, enfim. John Parry ressaltou que a Bristol Animation School considera dois tipos de aluno: o creator e o practitioner. Não é uma separação, mas trata-se de reconhecer que há diferença entre

“Tentamos demonstrar que a animação cobre tudo. Você não tem de ser brilhante, mas precisa ser muito bom. Com o que trabalham os artistas e os engenheiros? Inteligência e esperteza não são a mesma coisa. Há uma linha divisória entre elas. Queremos que todos os nossos alunos sejam capazes de alcançar qualquer tipo de trabalho com a mesma atitude.” Parry exibiu um vídeo do campus, mostrou as instalações e a movimentação dos estudantes. Na sequência, ele exibiu três filmes produzidos pelos alunos, todos realizados em grupo. Projetos de graduação, feitos em computação gráfica. É muito bom ver filmes, ele comentou, mas é muito melhor trocar experiências. É o que faz diferença no olhar de cada um. “Temos visibilidade e o cinema continua sendo o melhor forum. Os meus alunos vêem os filmes, mas eles não levam em conta o contexto do país, do lugar onde o trabalho foi feito. Eles começam a respeitar na medida em que percebem o quanto é difícil fazer. Os alunos precisam estar atentos ao contexto internacional. Só mais um vídeo?”, ele pediu permissão para à plateia. Sure! Ele teve toda licença.


Brigham Young University É muito difícil de entrar. Não é Havard, mas é difícil. Sem a pretensão de desestimular quem sonha com a Brigham Young University, o professor Kelly Loosli começou sua participação no Anima Forum com recados diretos e em português, ou melhor, em portuglês. Para quem ainda confunde o nome, o senhor Loosli é animador, trabalhou na Dreamworks e, há 12 anos, conduz o programa de animação da BYU onde, se é difícil entrar, para sair, o aluno da graduação tem de provar competência e empenho, porque é preciso completar 120 créditos, sendo 70 deles em animação e 50 em história da arte.

O esforço, claro, pode compensar. A escola tem uma relação direta com o mercado. Os alunos têm aula e contato direto com quem já faz animação profissionalmente, ou seja, gente que já está no mercado de trabalho e, fundamentalmente, já tem nome reconhecido. “No início do programa, conversamos com os principais nomes da indústria e ouvimos o que eles tinham a dizer. Essa era e é uma conversa fundamental, porque são eles que vão dar o emprego futuramente. Somos um programa que tem muita influência da indústria”, ele afirmou sem qualquer cerimônia. Para quem pensa em aplicar para uma vaga, Kelly deu duas informações básicas: são apenas 25 vagas por ano e o programa de Animação da Brigham prioriza a técnica. “Ainda temos artistas puros, mas a maior parte dos alunos utiliza tecnologia para fazer arte ou uma parte de um filme. O foco é treinar para um emprego em um grande estúdio.” A conexão com o mercado e a indústria de animação é tão forte que a Pixar, por exemplo, atua como uma espécie de mentora do curso. Duas vezes a cada semestre, o estúdio que revolucionou o mercado dos desenhos animados, marca presença entre os alunos. A Dreamworks e a Sony fazem o mesmo uma vez por ano. As grandes companhias montam laboratórios e estão dentro da escola, num vai e vem de profissionais que dão suporte aos alunos. O primeiro ano da graduação é todo voltado para o desenho: introdução para desenho e figura, para animação e figura em 3Dm por exemplo. O aluno tem de mostrar uma habilidade quase fora do comum. Kelly mostrou alguns exemplos dos trabalhos dos alunos quando fizeram a aplicação. A partir do segundo ano, os alunos são familiarizados com os vários aspectos de animação e também com cinematografia e computação. Durante o terceiro ano, todos eles podem apresentar um pitching e é nessa época que eles escolhem, de maneira democrática, quais os diretores do filme que será feito no quarto ano. “A cada ano fazemos um filme e todos têm uma função específica nessa produção. É como uma indústria. Não é obrigatório trabalhar na produção do grupo, mas, pela norma, cada aluno tem de fazer um filme, seja qual for.” No último ano, os alunos também têm a tarefa de preparar seus portfolios.


É com rigor que a Brigham trabalha e tavez por conta do rigor acumule prêmios. Já foram 11 Television Student Academy Awards, considerado o Emmy dos estudantes, e quatro Motion Picture Studios Awards. Para atingir o grau de excelência e garantir aos seus alunos as melhores vagas no mercado, a Brigham oferece uma infraestrutura que dá o suporte necessário: laboratórios equipados com computadores de última geração e o que há de mais moderno em software, o que inclui programas como Maya, Houdini, Renderman, Nuke para 3D, Flash para 2D. Além dos laboratórios de animação, os alunos também têm acesso a uma sala de projeção de realidade virtual para exibição de imagens em 3D, com direito a projetores duplos e óculos polarizados. O aparato não é apenas tecnológico. A BYU investe com o mesmo empenho em recurso intelectual, ou seja, no corpo docente. É com professores altamente capacitados que os alunos aprendem teoria e prática, de história a iluminação, modelagem e texturização em 3D. A grade é multidisciplinar e envolve os departamentos de artes visuais, mídia, teatro, engenharia e tecnologia. “Alguns dos estúdios que trabalham conosco empregam os alunos depois que eles se formam”, Kelly repetiu. Não é à toa que eles também se empenham na formação. De lá, sai mão de obra igualmente qualificada. O corpo acadêmico, Kelly enfatizou, inclui profissionais renomados. Ele apresentou os professores que fazem parte da BYU, a origem e a habilidade de cada um. “Os alunos e softwares estão sempre indo e vindo. O que não muda é o corpo docente qualificado. As pessoas devem ser muito bem treinadas naquilo que elas ensinam”, ele reforçou ainda que os professores estão todos empenhados em buscar a melhor maneira de, criticamente, ajudar os alunos a realizar seus trabalhos. O que significa dominar live action, efeitos especiais, software, narrativas visuais, ou seja, ostentar habilidade artística e técnica para obter sucesso financeiro e reconhecimento na indústria da animação.

Estudar na Brighan é estar exposto um esquema acadêmico rigoroso. Mas significa, segundo Kelly, além de garantir o aprendizado técnico e uma vaga quase certa depois da formatura, desfrutar de um ambiente afável, acolhedor e estimulante. “É difícil você se enervar quando é bem tratado. É necessário ser firme sem ser rude. O corpo docente funciona como árbitro em diversas situações. Alguns alunos funcionam muito bem sozinhos, mas não sabem trabalhar em grupo. É preciso lidar bem com tudo isso.” Para encerrar, um filme dos alunos: METRO.

Animation Workshop Nós podemos comprar o seu filme? Comprar o meu filme? Sim, você vende? De um lado da linha estava Morten Thorning, que hoje é diretor da Animation Workshop, a escola dinamarquesa. Do outro, Marcos Magalhães, um dos diretores do Anima Mundi e o criador do filme Animando, produzido quando ele estudava na National Film Board, no Canadá. A conversa aconteceu no início da década de 1980. E foi com ela que Morten iniciou sua apresentação no Anima Forum.


O filme de Marcos Magalhães, como Morten fez questão de elogiar, é um ótimo filme para se entender as diversas formas de animação. Mais de duas décadas depois, de arte considerada marginal, a animação passou a ocupar outros e cada vez mais amplos espaços. A Animation Workshop, fundada em 1988, tem sua parcela nessa evolução. Da prensa de Gutemberg, passando pela TV em preto e branco, séculos depois, chegamos a inimagináveis formas de assistir e ver filmes, jogos e imagens de quaisquer naturezas. “A animação tornou-se um mercado promissor e animador e será fundamental nessa nova economia. Acredito que estamos na Idade da Pedra dessa nova era”, disse Morten, antes de exibir o primeiro clip da escola. Ele queria mostrar para a plateia do Anima Forum um apanhado do que os alunos da Animation Workshop vêm desenvolvendo. A reputação é de primeiro mundo. Considerada uma das melhores escolas de animação da Europa, a Animation Workshop, ressaltou Morten, está preocupada em criar o melhor ambiente e oferecer as melhores instalações além do programa curricular. A escola se responsabiliza inclusive pelo alojamento para os estudantes, que vêm de todas as partes do mundo. O estudo é integral, a convivência também. O curso é gratuito para estudantes europeus, mas quem vem de fora tem de pagar. Morten mostrou a organização do Centre for Animation: Business Development Program; Bachelor Program, com 200 estudantes e habilitação em BAC Character Animator e BAC CG Artist; Professional Training, com 200 participantes; Centre for Animation and Pedagogy, com 35 projetos, incluindo um festival infantil; Animation Hub; Open Workshop, com 110 projetos; e o Talent Development, com 160 estudantes. A movimentação parece sempre intensa em todos os departamentos. O diretor prosseguiu exibindo em fotos as instalações da escola, que possui um estúdio para produção cinematográfica. Em uma delas, aparecem cerca de 500 pessoas trabalhando com animação. Pelo organograma do programa de bacharelado, o último semestre do curso é destinado ao aprendizado in company, que pode acontecer em qualquer empresa do mundo, em especial na Europa. “Ah, e quem sabe no Brasil, no futuro próximo.”

A escola é declaradamente voltada para o mercado de trabalho. “Com uma instrução de três anos e meio, cabe a nós habilitar o aluno para o mercado. Se você decidiu investir em educação em vez de beber, tomar café ou ir a festas, é porque você quer assegurar onde vai atuar nos próximos 40 anos. O que fazemos é ensinar uma habilidade. Depois, o aluno pode desenvolver a arte, que pode ser da narrativa, do design. Não fazemos tanta experimentação”, afirmou. “Animação é uma forma de arte das mais caras. Você tem uma boa ideia, mas precisa sempre vender, pedir dinheiro e se submeter a quem o financia. Se você quer arte sem intervenção, seja um pintor. Para fazer animação, é preciso aceitar como verdade que quem paga vai interferir”, ele pontuou. Na TAW, todos os professores são visitantes. São entre 180 a 200 profissionais por ano, que têm a incumbência de trazer todas as novidades em jogos, filmes, dizer quem está fazendo o quê e onde. As aulas vão de nove e meia da manhã às quatro e meia da tarde e os alunos estão sempre a par das notícias, das mudanças, das novidades. “Todo dia, o professor está presente para que os alunos tirem suas dúvidas”, Morten exibiu mais imagens dos professores. “São pessoas que percebem o mundo como mercado de trabalho, que precisa ser visto globalmente.” Se os alunos têm de prestar conta do que aprendem, a via é de mão dupla: cabe a eles também dar notas aos professores. A opinião deles conta quando a escola decide quem será recontratado ou não. Para quem pretende concorrer a uma das 25 vagas anuais, uma das exigências é saber desenhar por todos os ângulos. E é bom saber que lá, a vida gira em torno do campus. Um ambiente estimulante, mas com regras próprias. “Os alunos precisam querer morar na escola. Eles cozinham, se divertem, trocam idéias, mas não há muito mais a fazer além de trabalho. E há sempre um professor por perto para acompanhá-los”, Morten avisou. Mesmo sob a vigilância constante, o índice de satisfação de quem já viveu a experiência é alto. “Isso ocorre porque nos esforçamos para que o aluno sinta como se estivesse em casa”.


As estratégias para manter os alunos em atividade vão além dos laboratórios. A escola tem um jeito especial de despertar os sonolentos: uma dança matinal que, segundo Morten, tem efeito fantástico. Uma caixa de som ligada é o sinal de que eles devem dançar por exatos 30 minutos. Para quem não dança de jeito nenhum, tem yôga, tai chi, meditação. “Tudo o que fazemos é para fortalecer as pessoas, para reforçar o trabalho em grupo”. Há quem prefira uma vaga no programa de ciências ou numa start up, o que também faz parte do projeto de ocupação em tempo integral. De preferência, exercitando a criatividade, o que é uma exigência feita a todos os alunos. A Animation Workshop possui um programa cuja proposta é estimular a utilização da animação como ferramenta de aprendizagem, o que é feito em parceria com várias escolas do país. “Os garotos aí embaixo estão enfrentando longas filas, porque eles querem experimentar, participar, se expressar”, Morten comentou o movimento nas salas e corredores durante o Anima Mundi e reforçou a importância de estimular as crianças a assistir e a produzir seus próprios desenhos, caminhos e histórias. Outro programa é voltado para o desenvolvimento de habilidades para a gestão de negócios. A ideia é ajudar os alunos a criar e a gerir suas próprias empresas. “Eles precisam estar aptos a monetizar a si mesmos. Há incubadoras em que assim que eles geram lucro, passam a andar com as próprias pernas.” Para encerrar, Morten exibiu o filme Space Stallions, produção dos alunos da casa que levou um ano e meio para ficar pronta. E é excelente. Na avaliação dele e da plateia, que aplaudiu e fez muitas perguntas aos quatro integrantes da mesa.

O Brasil não tem a cultura de ter um time de professores que acompanham os alunos o ano inteiro. Qual o retorno disso no desempenho dos alunos? Como essa coesão de professores e estudantes se reflete na produção acadêmica? Kelly Loosli – Nós temos de fazer com que os docentes se mantenham atualizados, que façam seus próprios filmes ou trabalhos comerciais, o que muitas vezes pode ser um desafio. Uma das formas de criarmos um bom relacionamento é possibilitar a interseção de conhecimento, ou seja, os professores têm a possibilidade de lecionar as cadeiras uns dos outros, mas sem perder suas próprias especialidades. Uma das primeiras coisas que fiz quando comecei a trabalhar na escola foi contratar pessoas melhores do que eu. Muitas pessoas têm medo de contratar quem seja melhor do que elas e acabem tomando seu lugar. Porém, foi isso que me permitiu manter meu trabalho: trazer pessoas que sabiam fazer certas coisas e que, no geral, eram melhores que eu. Encontrar e reconhecer isso, que elas são melhores, é essencial. O ego é um grande problema, porém, é preciso contratar pessoas que sabem que você confia nelas e valoriza o que elas fazem e fazem bem. Nossa universidade é confessional e entre os docentes todos têm a mesma religião, isso ajuda a criar uma base. Também tentamos estar juntos em ocasiões sociais e acho que isso ajuda. É como no jogo de futebol. Você pode ter os melhores jogadores do mundo, mas se eles não jogarem bem juntos, não funciona. John Parry – Sobre a nossa experiência em Bristol, temos mais ou menos uma década de diferença de idade entre nós, os membros da equipe. O mais velho tem uns 65 anos. Há ainda pessoas da área técnica, que fazem atualizações de sistemas e resolvem questões relacionadas a equipamentos. Os alunos acabam trabalhando mais que a gente. Um dos méritos dessa equipe é a capacidade de rapidamente dar inicio aos projetos. Ter uma equipe com idades e gerações muito diferentes ajuda que poucas coisas sejam recusadas. Minha motivação para ensinar foi ajudar a evitar a produção de coisas ruins. Eu trabalhava comercialmente com publicidade, algumas coisas que eu recebia para produzir não passavam por qualquer escrutínio, e me desmotivaram a fazer trabalhos comerciais. Eu recebia muitos pedidos de trabalhos de má qualidade. Você tem de ensinar as pessoas a ter senso crítico. Foi o que eu decidi fazer: tentar ajudá-las a tomar as melhores decisões.


Morten Thorning – Estamos num mundo em que as pessoas têm um ego muito grande. Ao concluir seus estudos, elas deveriam ser excelentes em trabalho em equipe, afinal, trabalho de produção é realizado em equipe. Você não pode chegar para trabalhar profissionalmente com um ego muito grande. Afinal você precisa fazer o que o cliente determinar, entregar o que o diretor pede e trabalhar em equipe. O ego grande vem de uma autoestima artística muito baixa. Você ainda não provou a si mesmo a sua capacidade. O nosso trabalho consiste em, ao invés de eliminá-los, cuidarmos para que se sintam confiantes até que se tornem capazes de trabalhar em equipe. Nós também reconhecemos que as pessoas são muito talentosas, elas só precisam organizar o talento. Isso é processo psicológico. John disse que os alunos vão ser seus concorrentes. Mas cada geração tem colegas que funcionaram muito bem trabalhando juntos, e se ajudam a arrumar trabalhos pelo resto de suas vidas. Eu tenho um amigo que trabalha com terapia ocupacional e ensina isso, ele busca ajudar as pessoas a superar seus medos e inseguranças através da prática da arte. Muitos de nossos alunos acabam se comparando e não vêem a si mesmo como bons o suficiente. Temos os três anos para tentar superar esses impasses. Afinal, muitas vezes eles se comparam com alguém que está no auge de suas carreiras. Precisamos alinhar a percepção que eles têm de suas habilidades com as que realmente possuem, e isso só pode ser obtido com muito trabalho. Kelly Loosli – Em algumas culturas há grandes contadores de histórias, como os islandeses, italianos e brasileiros (risos da plateia). Não importa se estão mentindo para você, isso é entretenimento. Pessoalmente, me entristece que vocês não contem mais histórias, pois culturalmente, vocês são muito ricos, têm muitas histórias. Eu estou muito excitado com o progresso de vocês nas escolas de animação.

No Brasil, são 40 alunos por sala numa escola pública, o que faz com que os professores lecionem para a média, ou seja, não dêem atenção nem para quem está abaixo nem para quem está acima. Para quem está acima, deve ser muito desestimulante. Como organizar o ensino, considerando a diversidade de origens das pessoas que estão em sala de aula? John Parry – Nós os entrevistamos, avaliamos o portfólio, procuramos oferecer um lugar que satisfaça a ambição dos estudantes. Tentamos ao máximo identificar as pessoas que são fãs de animação como consumidores e também como fazedores. É preciso saber quais são as habilidades de cada um. Alguns alunos não apreciam desenvolver animação, mas descobrem que podem produzir storyboards ou escrever roteiros. Há muitas e variadas ocupações na área de animação, alguns podem ser bons em melodia, outros em história, outros em desenho, e por aí vai. Nós apresentamos áreas de especialização. Eles escolhem no que vão se especializar e criamos espaço no programa para que lhes possam desenvolver suas habilidades e superar suas dificuldades. Morten Thorning – Fazemos entrevistas, testes, porque sabemos que, no final, será preciso fazer um filme e são eles que vão dirigir, produzir, roteirizar. Quando você admite os alunos, precisa que haja diversidade de interesses e habilidades. Durante o curso, eles acabam caminhando em diferentes direções e se especializando em coisas diferentes dentro da animação. É preciso que a turma seja diversificada. Se você vai fazer um filme, precisa disso.


A universidade brasileira geralmente vê a inserção das empresas como uma invasão. Como é o dia a dia dentro de uma escola como a de vocês? Kelly Loosli – Quando os estúdios vêm até nós, sabemos que o que eles querem são bons empregados. O que eles fazem é ir até nós dizendo que querem ensinar e ajudar, e de fato ajudam, mas eles estão observando quem é bom e no quê, e depois vão oferecer estágios e trabalhos. Eles não fazem isso por boa índole ou vontade. É uma iniciativa de recursos humanos e a forma mais barata de encontrar bons funcionários. O objetivo é encontrar os melhores estudantes, das melhores escolas e trazê-los para suas empresas. Não fazemos nenhum projeto para eles. Morten Thorning – As universidades têm de aceitar essa realidade. O mercado chegou para ficar. Todo o desenvolvimento vem das empresas. Toda a pesquisa e toda a ciência estão nas grandes companhias, porque são elas que têm dinheiro. As universidades e o estado não têm recursos para bancar isso. Precisamos das companhias para que alguém pague os impostos e contrate as universidades para prover educação.

Kelly Loosli – Um aluno brasileiro me disse que há duas coisas que vocês precisam saber: tudo que você precisa está na internet e você precisa saber inglês. Os estudantes sabem das mudanças que ocorrem muitas vezes antes de nós, eles sabem o que os cerca, o que acontece. A indústria está avançando porque os estudantes estão à frente. Morthen Thorning – Como um diretor de curso, vejo que os alunos estão muito mais avançados que eu, eles sabem muito mais. Meu trabalho é criar um ambiente onde esse circo possa funcionar. John Parry – O valor de ir a uma universidade é ter uma comunidade com a qual você possa contar. Eu invejo vocês que têm espaço para manter um aluno por um ano. A universidade está em perigo se não conseguimos criar um ambiente atraente o suficiente para que os alunos queiram vir e passar o tempo lá. Poucos alunos e um grande espaço é algo muito bom. Morten Thorning – O segredo é alimentar muito bem seus alunos. (risos)


Passar o tempo inteiro na escola tem de ser da forma mais prazerosa e confortável. Essa é uma grande dificuldade que se tem nas escolas do Brasil. A gente tem muito a aprender com os exemplos que vocês nos dão. John Parry – Na minha escola, se os alunos ficam lá o tempo todo pode ser exaustivo para eles. Animação não é apenas dar movimento a algo. É representar vida, criar vida, é criar a ilusão de vida. Se você fica no laboratório o tempo todo, perde as referências de fora.

Como que está sendo vista a publicação científica sobre animação? Francisco Marinho – Estou criticando, num artigo, a própria forma a que temos de submeter os artigos. Nós somos artistas, não somos engenheiros. Será que a revista científica é o lugar de publicação da arte? Artigo científico sobre animação? Há vários professores já com a iniciativa de criar revistas num formato e com uma escrita mais apropriada, mas a resistência ainda é grande. Ainda temos de nos submeter às normas da ABNT. Parece que hipertexto e hipermídia ainda não existem no discurso acadêmico.

Há uma diferença entre quem vai fazer e quem vai gerir uma produção. Quem forma os gestores para o business? Francisco Marinho – O cinema de animação já tem algum tempo em nossa escola, mas reconhecemos que um curso especificamente voltado para isso precisa ter um currículo mais abrangente, que inclua o empreendedorismo. O problema é que quando você vai propor para a universidade, no sentido de fazer alguma coisa com empresa, você é podado na raiz. É preciso quebrar paradigma e só pressionando é que a gente muda essa história. A gente discutiu sobre isso na elaboração do currículo e pretende incluir algumas disciplinas.

Onde ficam o processo criativo e o conhecimento sensível? Pela apresentação de vocês, fica evidente que vocês enfatizam a questão operacional. Onde fica o artista criativo, o que vai expor conteúdo e não apenas a forma? Morten Thorning – Se você tomar o Space Stallions como exemplo, vai ver que aqueles rapazes fizeram dez curtas antes disso. O processo criativo por trás do Space Stallions foi muito intenso, levou três ou quatro meses. Mas eles tiveram de fazer escolhas sobre o que eles queriam comunicar. Havia 10 designs distintos que não foram utilizados nesse filme. Se você olhar, parece que o processo de escolhas sobre o que utilizar ou não é altamente frio e pouco artístico. Porém, o processo criativo é amplo e demanda escolhas. Muitas vezes, as pessoas optam por razões como se estarão aptas para o Oscar, por exemplo. Francisco Marinho – O último filme que o Morten exibiu mostra claramente que, dentro do aprendizado de um cinema de animação voltado para a indústria, tem espaço para a criatividade e esses são espaços enormes. Uma coisa não elimina a outra.


Os alunos estão tendo aula de software, mas não têm aula de arte. As universidades particulares, muitas vezes, querem um professor que dê aula de tudo, que anime em 2D e em 3D. Mas se querem realmente ensinar a animação, as pessoas que tomam decisões deveriam levar a sério esse meio. Francisco Marinho – Eu estava vendo os laboratórios deles (Morten, Kelly e John) com aquela sofisticação gigantesca, todo mundo com uma Cintic, e com software de ponta, e pensando que aqui, se você quer comprar uma Cintiq, uma licença de Maya, uma licença de Photoshop, enfim, se continuar nessa cadeia, o gasto por ano, por aluno, será algo em torno de US$ 30 mil. Uma Cintic, a menorzinha, custa R$ 5 mil. E software exige o upgrade. Uma escola pública como a nossa não banca essa despesa. Daí a nossa opção de criar grupos de estudo que possam desenvolver software proprietário, o que é o nosso sonho inclusive de contribuir para a comunidade de software livre. A gente usa Blender para 3D não pela ferramenta em si, mas pelo custo. Sou totalmente contra se aprender uma ferramenta. É claro que é preciso dominar o lápis e o software, mas é preciso ter, por trás disso, todos os pilares que sustentam uma história bem contada. Tem de ter fundamentos de estrutura narrativa e outras disciplinas que ajudem a contar a história que se quer contar. É o que nós tentamos fazer. John Parry – Ter apenas a tecnologia de nada adianta, é preciso desenvolver muito além de habilidade com o computador. Temos isso como pressuposto em nosso programa. Nós temos aula nas melhores ferramentas, mas quando há uma aula de modelagem em 3D, por exemplo, o que importa é a qualidade da arte, se a iluminação, as cores, e a ilustração estão corretas. O importante é o resultado final. Tudo para nós é sobre arte. Sobre como o aluno apresenta o seu trabalho, como desenvolve a história, os personagens e os conceitos. Não temos interesse em uma escola for sale que só ensina a apertar botões. Morten Thorning – A melhor maneira de aprender a usar o computador e todas as suas potencialidades é ter ideias que você queira visualizar. Se você realmente quer dar forma a uma ideia, você aprende quaisquer programas ou truques que você precise. E o trabalho em equipe significa compartilhar o que você aprendeu sobre fazer o computador trabalhar no que você quer fazer.

Quem tem Word instalado no computador, aqui? A plateia inteira. E quem virou um roteirista ou poeta melhor por conta disso? Ninguém levantou a mão. Então, não é o computador que faz a coisa, brincou Cesar Coelho, ao agradecer aos professores que participaram da mesa, pedir uma salva de palmas justa, e anunciar o encerramento da mesa e do Anima Forum 2012. A tarefa que há pela frente, principalmente em formação, é grande. São grandes desafios. Mas os animadores enfrentam desafios muito bem. A propósito, ele adiantou, o Anima Mundi tem uma versão pocket em Belo Horizonte e Curitiba. Onde houver convite e organização, lá o festival estará. Até o próximo.





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