Relatorio Anima Forum 2010

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relat贸rio




15:00 às 15:20

Abertura (Teatro I)

15:20 às 18:00 Mesa-Redonda – AnimaTV – Uma Avaliação (Teatro I) Como está acontecendo até o momento o ambicioso programa Anima TV, o que pode ser melhorado e quais os desdobramentos futuros (AnimaTV 2). Participantes – Newton Cannito (SAV), Silvio Da-Rin (TV Brasil), Carlos Wagner (TV Cultura), José Luiz Brandão Albuquerque (Tromba Trem), Almir Correia (Carrapatos & Catapultas), Marta Machado (ABCA), Kiko Mistrorigo (BTVP). Juntaram-se também à mesa Mauro Garcia, diretor de projetos especiais da Fundação Padre Anchieta, diretor de programação da TV Rá Tim Bum e coordenador do AnimaSP, o Funcine para animação, e Cristiana Oliveira, coordenadora executiva do Anima TV. Moderador – Tania Anaya (ABCA) O ciclo de palestras tem como ponto de partida uma avaliação do programa AnimaTV, que teve sua primeira fase completada em 2010 com grande sucesso. A ideia era conhecer os investimentos e retornos obtidos pelas partes envolvidas, as lições que podem ser tiradas desta primeira experiência e as expectativas para o futuro.


Na primeira mesa do Anima Forum 2010, sobre o programa Anima TV, Cesar Coelho abriu o evento lembrando que, tradicionalmente, os 18 anos simbolizam o momento de deixar de ser criança e se tornar adulto. E, este ano, o festival Anima Mundi completa justamente 18 anos:

relação ao Anima Mundi, mas também em relação à própria animação. O apoio e o patrocínio que a gente recebe são necessários, e, sempre que é desafiada, a animação tem respondido à altura: isso é a nossa melhor forma de agradecimento ao que temos recebido.”

“Vamos refletir um pouco o que está acontecendo com a animação no Brasil: a maturidade chegando. A gente, nesses 18 anos, acompanhou o Anima Mundi e a animação brasileira. O festival foi criado para promover e desenvolver a animação no país, e a gente acompanhou um grande salto, um salto vertiginoso em termos de qualidade e de quantidade.”

Luciane Gorgulho, chefe do Departamento

Em toda a história da animação nacional, até 1992 tinham sido produzidos 171 filmes de animação no Brasil. De 93 até 2010, houve 2.600 inscrições de filmes brasileiros no festival. “É uma quantidade realmente absurda de diferença. O Anima Forum foi criado quando a gente começou a ver que a animação estava sendo um negócio no Brasil. E seu progresso reflete esse desenvolvimento rápido. No primeiro, Kiko Mistrorigo fez uma apresentação explicando como era o mercado internacional, como funcionava pitching, como eram as coproduções. No segundo, o BNDES apresentou no Anima Mundi o seu projeto de financiamento da produção de animação. E, no terceiro, começava-se a discutir como estavam acontecendo as coproduções. No quarto Forum, ano passado, a gente já colhia os primeiros frutos. E, na semana do Forum, a gente soube da notícia de que a primeira série brasileira a entrar no ar havia se tornado líder de audiência na América Latina. E este ano a gente vai discutir o que eu considero as dores do crescimento: como a gente vai consolidar essas conquistas. E mais: como a gente vai treinar novos profissionais, novos técnicos, toda uma cadeia produtiva para essa demanda que está surgindo e precisando enormemente de novos profissionais e novos artistas preparados para suprir esse mercado que a gente está criando. Eu acho que isso é uma resposta que a gente dá a todo o apoio que teve, que foi importantíssimo. E eu diria isso não só em

de Cultura, Entretenimento e Turismo do BNDES, que há quatro anos patrocina o Anima Forum, falou sobre novas iniciativas. “Para o BNDES, é um orgulho ser parceiro de todo o segmento de animação brasileiro. Além de apoiar o evento com patrocínio, o BNDES vem buscando financiar a criação de séries, longas e produtos de animação no Brasil”. Economia da cultura “Todo o setor da cultura, no BNDES, começou a ser abordado como um setor com potencial econômico, potencial de desenvolvimento”, explicou Luciane. Há quatro anos, contou ela, quando foi criado um departamento de economia da cultura pioneiro dentro da estrutura do banco, começou-se a estudar e conhecer um pouco esses setores. “E o setor de animação nos chamou a atenção desde o início, pelo seu grande potencial de desenvolvimento”, disse Luciane, “Então, entendemos que este é um setor prioritário tanto do ponto de vista do audiovisual quanto do ponto de vista de tecnologia, de desenvolvimento de linguagem, de técnicas. E o elegemos como um dos setores prioritários da nossa ação. Com isso, nós passamos a apoiar a elaboração de longasmetragens de animação, o que no Brasil ainda é uma coisa rara. Temos poucos exemplos, e em breve vão sair os primeiros longas que apoiamos há três ou quatro anos”. O BNDES apoiou e vai continuar apoiando O BNDES apoiou o financiamento das primeiras séries brasileiras de animação em regime de coprodução internacional, com uma boa dose de criação e participação brasileira. As séries foram “Peixonauta”, “Escola para Cachorro” e “Amigãozão”. “Precisamos continuar apoiando”, enfatizou Luciane, “O desafio é como continuar esse apoio. O Brasil vem passando por um grande desenvolvimento do setor audiovisual como um todo, muito em função da articulação do Ministério da Cultura e da Ancine, da Secretaria do Audiovisual, da TV Brasil, da TV Cultura, de todas


essas instituições que militam nesse segmento. Agora, pelas leis de incentivo, vamos ter um grande crescimento. É importante discutir de que forma o BNDES pode colaborar com isso”, observou. Um estudo sobre o setor de animação no Brasil Luciane falou sobre um importante instrumento para aprofundar o conhecimento sobre o mercado. “Estamos começando a fazer um estudo formal do setor de animação. Temos dentro do BNDES uma gerência específica para estudar os setores que apoiamos, com levantamento estatístico.” Cesar Coelho contextualizou também a participação de Eliana Russi, gerente executiva da Brazilian TV Producers, antes do debate dos integrantes da mesa: “O componente internacional se tornou muito importante na produção brasileira, nesse sucesso que a gente está tendo e na realização dessas séries. E o Anima Forum passou a ter um apoio muito grande da mesma entidade que apoia essa produção brasileira no exterior, a Brazilian TV Producers. Desde o ano passado a gente tem trabalhado junto no Anima Forum. E a Brazilian TV Producers tem viabilizado o Anima Business, em que a gente reúne produtoras brasileiras e estrangeiras para conhecer a produção, os projetos, para conversas face a face, isso tudo visando novas parcerias, novos acordos, novos negócios fechados.”

Eliana Russi

Eliana explicou que o Brazilian TV Producers é um projeto da ABPI-TV, a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Televisão, com a Apex, que é a agência de promoção e exportação, e a Secretaria do Audiovisual, acrescentado que a entidade tem como apoiadores o BNDES, a Ancine e o Ministério das Relações Exteriores. “O nosso business é mercado, e o nosso trabalho é inserir produtos de qualidade em escala no mercado externo”, resumiu a gerente executiva da Brazilian TV Producers, exemplificando que naquele dia havia levado uma empresa da Espanha e outra do Canadá ao Anima Business, para que produtores brasileiros mostrassem seus projetos a elas. “Esta é uma atividade bastante importante no trabalho dos que são produtores: achar um produtor internacional que vai ser o seu interlocutor, o seu parceiro. E, depois, vêm as outras partes da coprodução”. Eliana falou da vantagem de desenvolver o projeto internacionalmente desde o começo, para que ele possa ser adequado: “Uma série de animação gira em torno de 6 milhões de dólares, a primeira temporada, então, é um projeto que realmente requer um parceiro e distribuição em outro território”, finalizou. A mediadora Tania Anaya deu início ao tema específico da mesa, ressaltando que o Anima TV


é diferente dos outros programas porque é de fomento e difusão, enquanto os outros se dedicam a um ou outro desses fins. Ela disse que o modelo tem se tornado eficiente e pode se tornar exemplar. Há uma grande expectativa sobre a continuidade do projeto, que é uma iniciativa da Secretaria do Audiovisual, do Ministério da Cultura, da Secretaria de Políticas Culturais, do mesmo Ministério, da EBC (Empresa Brasil de Comunicações), da TV Brasil, da TV Cultura, da Fundação Padre Anchieta e da ABPEC (Associação Brasileiras das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais), com apoio da ABCA (Associação Brasileira de Cinema de Animação). O Anima TV, que foi lançado em outubro de 2008, foi realizado em 2009 em duas fases. A primeira com a seleção de 18 projetos, que desenvolveram um episódio-piloto de 11 minutos e a bíblia para o projeto completo da série. Na segunda etapa, dois dos projetos, representados no encontro por Zé Brandão e Almir Correa, tiveram o desenvolvimento completo da série, com 13 episódios. O Anima TV se preocupa em ter abrangência nacional e inserir a animação brasileira no mercado internacional. Para isso, tomou iniciativas como a criação de oficinas para a preparação dos projetos antes de iniciar a produção e a apresentação dos pilotos em feiras internacionais.

Resultados: - Exibição na TV aberta. - Participação dos pilotos em festivais internacionais, com prêmios. - Formação e qualificação de profissionais. Zé Brandão

O animador disse que o Anima Forum, por meio de uma master class, foi a semente da série que realizou, “Tromba trem”. A animação conta a história de um elefante que perde a memória e conhece uma tamanduá vegetariana, e há também uma colônia de cupins que acham que são de outro planeta. Eles têm de viajar juntos num trem a vapor pela América Latina, atrás de um dirigível misterioso. “E, no meio disso tudo, tem um urubu que volta e meia chega e dá um pitaco”, detalhou Zé Brandão. Ele mostrou um trailer do piloto, e falou sobre o andamento do projeto, os avanços, e exibiu trechos de episódios seguintes em que se destacam


elementos como tipos populares, sotaques nordestinos, humor e alusões a artistas conhecidos como Ivan Lins e Roberto Carlos.

maravilhosa a possibilidade de a gente montar nosso estúdio e fazer as nossas coisas”, relatou Zé Brandão.

O Anima TV foi decisivo “O Anima TV, para a gente, foi um superprimeiro passo para essa entrada no mercado de animação internacional e para produzir a série e tudo mais”, avaliou, “porque a gente tinha essa vontade de produzir uma série que fosse uma ideia nossa. E, quando eu era pequeno, nem sabia que existia a possibilidade de trabalhar com animação. Tanto que, quando prestei vestibular, lá em Uberaba, eu era um rapazinho ignorante e me disseram ‘vai fazer desenho industrial’, e eu disse não, porque pensava que era fazer desenho de fábrica, linha de produção, então, fiz jornalismo. Só depois fui vendo que dava para trabalhar com animação, mas o tempo foi passando e eu e meus amigos nos perguntávamos ‘e as nossas ideias, como viabilizar?’. Aí, a gente viu 'Peixonauta', 'Amigãozão', 'Escola para cachorro' saírem e pensou: as pessoas estão fazendo, deve haver como. A gente montou a produtora e pensou ‘a gente trabalha com animação há dez anos já, mas ninguém conhece a gente, como fazer?’. Nessa hora chegou o e-mail de alguém sobre o AnimaTV. A primeira reação: mas eu não tenho uma produtora grande! Não precisa. Se tiver uma boa ideia, tem como viabilizar. A gente entrou nessa e estamos aqui produzindo a nossa primeira série. Então, como primeiro passo, foi incrível, está sendo

Uma animação brasileira, com certeza: “O mais legal era poder fazer uma coisa 100% nacional mesmo, da ideia até a entrega da fita: trilha, voz, tudo”, enfatizou o animador. Local, mas universal Zé Brandão lembrou que o Anima TV tinha como uma de suas prerrogativas que, apesar de 100% nacional, o projeto tivesse linguagem universal, pudesse ser visto por outros povos. “A gente também não caiu numa de ufanismo, pensou: ‘e se criar uma nova lenda, uma nova mitologia?’ Nessa hora, a gente fica muito pretensioso”, brincou, “A gente veio com essa ideia que achava era boa, e tinha o Maurício para fazer o character design. Mas depois a gente achou meio ousada: ‘Passar na TV Cultura? Será que eles vão aprovar esse negócio?’ E, para nossa felicidade, eles apostaram em duas séries que não são didáticas em sua concepção. São séries de entretenimento. Foi muito legal ver que no final o ‘Carrapatos e catapultas’ veio com a gente, e também conhecer todo mundo com todos


os outros projetos. A gente achou incrível. A gente queria buscar essa identidade, que fosse brasileira, mas não fosse só isso. Pensamos em fazer um desenho que fosse essa busca de identidade, então, são personagens como o elefante que não sabe quem é; os cupins que acham que são muito evoluídos para pertencer a este planetinha e querem achar o caminho de volta para casa; e a tamanduá que é vegetariana e meio budista e quer encontrar, em outros planos, a sua evolução”, esmiuçou o produtor, a partir do tema do potencial internacional. A continuidade – o desafio “A gente deu esse primeiro passo, e foi superimportante e interessante, não só para nós, mas acho que para todos que produziram esses 17 minutos. Só que agora a gente tem que dar o segundo passo, que é viabilizar essa série – não só aqui, internamente, mas tentar viabilizar os outros 39 episódios, no nosso caso. E, para quem tem só o piloto, a série. A gente tem que discutir o segundo passo, porque várias coisas que eram maravilhosas nesse primeiro talvez dificultem na hora de fazer uma coprodução, talvez sejam complicadas na hora de negociar, porque o Anima TV é uma coisa tão inovadora que talvez seja inovadora para o mundo. As pessoas muitas vezes não entendem o que é o Anima TV quando a gente tenta explicar.” A proposta Zé Brandão encerrou sua apresentação propondo: “Vamos tentar viabilizar esse segundo passo, da coprodução internacional”.

Almir Correia

O animador e autor de livros infanto-juvenis do Paraná usou sua apresentação para esmiuçar sua série, “Carrapatos e catapultas”. “Gosto muito do som de ‘Carrapatos e catapultas’, trabalho muito com o som das palavras, gosto dessa brincadeira. E pretendo ir colocando isso na série, por meio de vocabulários novos, aos poucos. Gosto muito da palavra catapulta: é uma palavra inocente, mas parece um palavrão. Então, acho que a criança fica muito feliz de falar, nessa série, ‘catapulta!’, com todo o prazer, e a mãe não poder repreender”, sublinhou, “Me divirto quando escrevo os episódios”. Almir disse que são pessoas de sua família os responsáveis pela produção executiva: “E os responsáveis também por me cortar”. O valor de uma consultoria O animador contou que eles tiveram uma consultoria internacional nos seis primeiros episódios da série: “Ajudou muito. Acho que os episódios cresceram muito, chegamos a fazer 80% das modificações propostas pela consultoria”. Faixa etária “A série estava numa faixa etária de 12 a 14 anos. Depois achamos que era de 10 a 12 anos. E por último de 8 a 12 anos. Eu acho a coisa mais complicada em série é justamente estabelecer faixa etária. A gente está conseguindo que os


adultos gostem, e também crianças de 3, 4, 5 anos, apesar de não ser indicada para elas. Tivemos uma pesquisa. Sei que as crianças de 10 a 12 não gostaram muito”, riu Almir. A série “Ela foge bastante da realidade, mas na verdade não foge nada. Pode ser um pouco surreal, mas o surreal, o sonho, tudo isso nasce do real. Você cria um homem de pedra porque a pedra existia antes do homem de pedra, então, todas as coisas, por mais absurdas que sejam, elas saem sempre do real, e estão refletindo e analisando esse real”, disse o autor, listando os elementos da série, ilustrados por imagens que projetou para a plateia: - “O nome da série é feito com pedras.” - “Houve uma pesquisa sobre carrapatos e catapultas.” - “A série se passa num planeta numa outra galáxia.” - “Os prédios são altíssimos, de pedra. Uma referência são os Flinststones.” - “Carrapatos têm barriga de tanquinho.” - “Não existem automóveis: é ecológico, mas aconteceu naturalmente, não foi uma imposição psicopedagógica.” - “Há os catapulteiros; tem que pagar por esse transporte, mas uma merreca.” - “São vários tipos de catapultas, o que vai gerar humor para a série.” - “Os carrapatos explodem e vão para o mundo dos carrapatos fantasmas – o grande lance é que

querem isso. Com exceção do Bum, que está muito bem no mundo dele.” - “Alguns acreditam que vão conseguir explodir comendo muito, e tem as clínicas de engordamento.” - “Todos os episódios terminam do mesmo jeito: Bum recebe um telefonema da mãe, que pede que ele engorde, exploda e vá morar com ela no mundo dos carrapatos fantasmas. Ou seja, a mãe está morta, mas ela ainda controla o filho, do outro mundo.” “E há um personagem viciado em catapultas, o que toca no tema drogas, mas ninguém vai perceber o que é”, brincou Almir, para encerrar sua apresentação com o último elemento da série que citou: “É uma ameaça, uma referência a Jack, o Estripador, que suga os carrapatos, é a única possibilidade de morte mesmo”.

Marta Machado

Representante da ABCA, Marta destacou três pontos: 1 – “Uma coisa que acho importante é que o Anima TV é um projeto que começou no Anima Forum”. A ideia, lembrou Marta, era adaptar o modelo do DOC TV para a produção de animação. E o exemplo mostra que esse tipo iniciativa dá resultados. 2 – “Fico muito feliz que o BNDES esteja fazendo essa pesquisa, que é uma coisa pela qual a gente vem batalhando já há bastante tempo. A gente precisa realmente entender como funciona essa


cadeia produtiva, onde a gente precisa realmente potencializá-la, quais são as dificuldades, o que ela tem potencialidade para fazer, e isso só vai ser possível num estudo profundo. E eu acho que o BNDES tomar a iniciativa de fazer isso é bastante importante.” 3 – A complexidade no Anima TV: “Quando esse projeto foi montado, ele tinha a pretensão de estimular vários pontos da animação brasileira dentro de um único programa, então, se tornou uma coisa bastante complexa, e por isso mesmo muito interessante. E por outro lado também passível de várias críticas e várias dificuldades pelo caminho. Sobre o que o Zé Brandão falou, a respeito das dificuldades que eles agora estão tendo na segunda etapa, principalmente a comercialização internacional, acho importante lembrar que a ideia era que o Anima TV fomentasse a criação de estúdios – o do Zé é um bom exemplo disso –, que fomentasse roteiristas, criadores de propostas de séries que fossem autenticamente brasileiras – que só pudessem acontecer aqui –, que acontecesse da forma como aconteceu, com a produção de vários projetos, que estão chegando ao mercado.” Ainda sobre o tema, Marta acrescentou que a segunda etapa de realização incluía a proposta de comercialização internacional, “porque a gente sabe que animação é uma coisa muito cara. Fazer animação em quantidade significa ter muitos recursos. E é preciso vender para outros lugares para juntar esses recursos. Mas o que me interessa dizer é que a gente não pode, no caso do Anima

TV, isolar uma das partes dele e pensar ‘ah, aqui nós não estamos conseguindo contemplar todas as necessidades', porque, como ele foi pensado em toda uma cadeia, todo um processo que estimulasse desde a criação até a comercialização internacional, ele está tocando em vários pontos realmente importantes ao longo disso, que a gente não conseguiria estimular isoladamente. Então, pode ser que a comercialização internacional tenha percalços, sim, mas por outro lado a gente está criando novos estúdios que, no momento em que a gente conseguir comercializar a série para o exterior, vão produzir essas séries de fato aqui, e gerar mão de obra, parceiros para essas empreitadas mais longas. Então não se pode isolar um aspecto só do Anima TV e analisá-lo sem considerar que está dentro de uma proposta bastante ousada e bastante grande que é a de estimular várias coisas ao mesmo tempo”.

Kiko Mistrorigo

O representante da ABPI, a Associação Brasileira de Produção Independente, e de seu programa de exportação, o Brazilian TV Producers, disse: “Eu acho que a iniciativa do Anima TV, com a proposta de dialogar com a produção independente, é fundamental, porque, quando começamos efetivamente o programa de exportação, em 2004, percorrendo e frequentando os eventos internacionais, nós rapidamente notamos


que o Brasil era um novato que tinha, na sua apresentação para o mercado mundial, uma peça que faltava: a TV.” “Os estrangeiros, quando conhecem os brasileiros, dizem ‘Nossa, como vocês são entusiasmados’, Kiko enfatizou, “Mas faltava a TV”. Kiko Mistrorigo completou, citando um programa de incentivo: “Isso proporcionou a gente ter um local superútil, que é um estande. No entanto, nunca tinha TV, e isso sempre chamou muita atenção”. O participante da mesa continuou: “Era um deserto de oportunidades, a gente só tinha as leis de incentivo. Falavam: ‘Legal o seu projeto, mas como você vai financiar lá no Brasil?’ Eles ficavam meio pasmos. Pode parecer fácil, mas a gente sabe como é difícil captar”. A evolução alcançada “O pessoal da animação começou a aparecer bastante. Então, os projetos começaram a ir à frente. E a gente começou a receber muito apoio interno. O principal foi do MinC (Ministério da Cultura), do BNDES, com a linha de financiamento do Procult, que foi uma luz para essas três séries que foram citadas aqui, porque foi possível a gente enxergar uma maneira de financiar. Antes, a gente olhava os valores e pensava: ‘nem se eu vender um carro eu vou conseguir fazer uma série de animação’. Ficava uma distância muito grande. A gente via tudo acontecendo pelo mundo, e aqui ainda muito difícil. Então, de 2004 para cá, foram tantos acontecimentos, foi uma velocidade

tão grande, que é muito impressionante. A gente acompanha os outros países, a gente vê como funciona por aí, a crise internacional de uma certa forma colaborou para a gente estar mais saliente ainda neste momento. Agora, é um caminho sem volta. Está indo de vento em popa, muita coisa vai acontecer. E o Anima TV é uma maneira de a gente ter esse diálogo entre a produção independente e a TV. Eu lembro de já ter ido a inúmeros canais de TV com projeto antes. Era uma conversa difícil, porque não interessava. E, além de tudo, tinha um erro básico, que era você pegar o projeto e dizer: ele custa não sei quantos milhões de produção. E a TV: ‘Nossa! Mas com esse valor eu compro inúmeros produtos para preencher a minha grade’. A aquisição pela TV é apenas um dos ‘dinheiros’ que vão fazer parte de todo o financiamento. Era desigual, muito mais fácil comprar lá fora a programação infantil. Agora é o momento de a gente oferecer, para a TV aberta principalmente, um negócio. A gente tem que evoluir para chegar para a TV e dizer: isso aqui é o meu projeto, eu queria que você analisasse se poderia fazer parte da sua grade. Se sim, ele pode te dar uma parte do dinheiro que vai dar direito a aquisição e a uma parte da propriedade intelectual, do direito patrimonial do seu projeto. Aí, tudo o que o produtor conseguir lá fora, ele vai reverter. Ou seja, vai ser parceiro, como acontece em outros lugares do mundo. Frequentando esse mercado, a gente pôde ver como funciona em uma série de países, e a gente pode se espelhar em alguns modelos de sucesso, como o modelo francês, o canadense,


eu acho que isso é muito importante. E acho que o Anima TV tem essa pulsão importantíssima, que é criar esse diálogo e ter esse empreendedorismo que a gente pôde ver até agora, porque as nossas ideias são ótimas para nós, mas, para os grandes negócios, a gente tem que saber para quem elas são, qual o público-alvo, esse exercício todo, intenso, que é baixar faixa etária, mudar personagem. Tudo isso é ir aprimorando aquela ideia inicial que você teve. Eu acho que isso tudo é superválido e que daqui para a frente a gente teria que criar uma periodicidade de outros Animas TVs.”

Mauro Garcia fez sua avaliação sobre a

animação brasileira e anunciou um novo fundo de financiamento para o setor: “É interessante, num fórum como este, a discussão sempre passar pelo incentivo á produção”, iniciou o participante da mesa, destacando o momento que se vive: de “esforço e realização de várias políticas públicas, incentivando e fomentando a produção a ponto de ter sido dado esse salto que vários participantes já mencionaram”. Mauro Garcia enfatizou: “Um salto em progressão geométrica, um salto muito grande na área”. E contou que viu isso no último Curta-Criança, com uma presença muito forte da animação entre os projetos.

O participante da mesa anunciou um novo fundo para financiar a animação: “O fundo de animação vai se juntar aos editais: mais um mecanismo com o apoio e o aporte do BNDES, além de outros apoiadores. Além da produção, a distribuição “Como sou programador por origem, sempre me incomodou o lado da distribuição nessa cadeia de produção visual. A gente tem leis de fomento, e cada vez mais busca-se alternativas, e com isso a gente gerou também o crescimento do mercado de trabalho, novos profissionais. Mas o lado da distribuição sempre me incomodou muito. Talvez motivado por isso, a gente acabou criando quase que um canal de distribuição totalmente brasileiro, que é a TV Rá Ti Bum. É um canal do mercado de TV por assinatura e só exibe programação nacional”, disse, “A animação brasileira ainda hoje somente é exibida em TVs púbicas, você não vê um movimento da TV comercial aberta nesse sentido. Então, a TV Rá Tim Bum, que já tem mais de cinco anos, é mais um movimento no sentido de criar uma alternativa de distribuição brasileira.” Mauro Garcia contou que a iniciativa conseguiu levar dois programas para o mercado de TV por assinatura de Portugal. “Esse canal nunca teve


a pretensão de ser um canal internacional. Mas esse elo dentro da cadeia do produto audiovisual é muito importante. Incentivando a produção, estabelecendo possibilidades de licenciamento, de distribuição no Brasil e no exterior, a gente não pode perder de vista a questão da distribuição. E nessa questão da distribuição nós fomos procurados por uma empresa que tem tradição com o público de animação, principalmente com o cinema brasileiro, que é a Lacan”, contou, sobre a empresa que tem parceria com a Downtown Filmes. Novo fundo de financiamento para a animação brasileira “Eles têm experiência nos funcines de produção audiovisual e nos procuraram para criar um fundo especificamente para a animação brasileira. Então, surge o Funcine de animação. Esse fundo está em processo de captação – e a captação nunca é um processo fácil. O BNDES é o próximo aportador do fundo. Hoje, é um quantia ainda incipiente para se lançar o edital – ele está pronto, e essa apresentação é para dar algumas de suas linhas gerais. Mas, com a entrada do BNDES, a gente vai ter um valor já significativo, o suficiente para apertar o gatilho e disparar o edital para a rua. É um mecanismo a mais, e ele se junta aos outros mecanismos de fomento da animação brasileira.”

O edital “Aumentar a quantidade e a qualidade é o que a gente tem visto como resultados dos editais. Esse Funcine vai ter administração do conselho que se chama AnimaSP (Anima São Paulo) e tem a participação da Lacan e da fundação Padre Anchieta, com seus dois canais, TV Cultura e TV Rá Tim Bum, na coordenação do processo desde a seleção até a habilitação e a análise dos projetos, que têm vários quesitos, não só a criatividade”, disse Mauro Garcia, que mostrou um resumo do edital: - Uma característica do Funcine é que, além de incentivar vários formatos, esse fundo de animação é destinado só ao público infantil até 12 anos. - Os formatos são variados. - Não há determinação nem sobre o formato, nem o momento em que as séries estão. O fundo pode aportar recursos em qualquer momento da série, desde que seja inédita, até na pós-produção, sonorização. “A gente percebeu que muita gente produziu bíblias para concorrer e ficou aí no mercado sem conseguir a sua efetivação”, explicou. - Os projetos vão ser apresentados para a Fundação Padre Anchieta. E vão cumprir todos os rituais de aprovação da Ancine. “O que é costume ver em outros editais, os registros públicos...”, disse Mauro Garcia, “Vai ter todo um processo de habilitação da documentação, antes de se chegar


ao momento da seleção e da análise pelo grupo que vai ser criado”. - O fundo é soberano, principalmente com a presença do BNDES, para decidir o aporte, desde o quantidade até a destinação. - Os direitos patrimoniais serão sempre dos produtores, mas os direitos de exploração comercial poderão ser discutidos em conjunto com a Fundação, que tem uma área de licenciamento. “O Funcine pretende fazer a distribuição para o mercado brasileiro, mas, se a produtora tiver canais melhores, ela vai poder, na discussão do contrato, mostrar que tem canais de distribuição ou de licenciamento melhores, e tudo isso vai ser contemplado no contrato. O contrato também não é nenhum tabu, quer buscar a melhor exploração comercial para a série e para os acionistas do fundo”, explicou Mauro, “O fundo vai querer ter os melhores resultados comerciais, de retorno do investimento”. - A Fundação, além de todo o processo de seleção, coordenado pela TV Rá Tim Bum, vai fazer um ranking: em vez do sistema visto nos editais, em que há vencedores e um valor estabelecido, não vai ser estipulado um valor e vai haver um ranqueamento, “Não vai ter um ou dez contemplados. Se nós tivermos mil projetos, o ranking vai do primeiro ao milésimo projeto, na avaliação dos peritos todos”. - A Fundação vai também coordenar e acompanhar o desenvolvimento dos projetos em nome do fundo de animação e da comissão gestora. - Para participar da seleção, a empresa tem que ser brasileira, como está previsto na Ancine: “Praxe em todos os editais”, enfatizou Mauro Garcia, “assim como os itens normais em todos: danos morais, confidencialidade, não pode incitação a crime...”. “A comissão vai ter integrante da diretoria que hoje eu comando, projetos especiais; da área de

captação e marketing da Fundação; da TV Rá Tim Bum; da TV Cultura; da diretoria de educação, por conta da questão pedagógica e da sintonia com as faixas etárias que vão ser contempladas no edital; e a gente pretende que esteja presente também um representante da ABCA, alguém de notória especialização que não esteja concorrendo no edital ou, mesmo que esteja concorrendo, terá que abrir mão da votação no seu projeto”, detalhou.

Entre os quesitos: - Criatividade. - Inovação na linguagem. - Comunicabilidade com a faixa etária estabelecida. - Viabilidade de execução técnica, financeira e mercadológica, no Brasil e no exterior. “É mais um mecanismo que se junta aos editas e que apoia a animação brasileira.”

Carlos Wagner

“É muito difícil falar do Anima TV. É muito difícil falar de um projeto que é vencedor. É muito difícil falar de um projeto que não tem dono. E ele não tem dono porque todas as etapas foram discutidas exaustivamente com todo mundo”, iniciou Carlos Wagner, “Todas essas discussões e brigas que aconteceram foram sempre pensando numa melhor solução de cada problema que surgiu. E a gente chega ao fim desse projeto na certeza de que muitas coisas foram certas e que a gente precisa também fazer algumas correções, discutir melhor algumas coisas que estão incomodando alguns produtores. E essa é a nossa função, de gestores, administradores da coisa pública, quando se coloca um projeto desse tamanho no ar”. Carlos Wagner disse que, no início, falou para o hoje ministro Juca Ferreira “Esse projeto tem muitos pais; a TV Cultura quer ser a mãe do projeto”. E detalhou: “A gente levou a executiva – em comum acordo com a EBC, com o Minc, com a Associação Brasileira de Cinema de Animação – para a TV Cultura em São Paulo, e isso fez com que essa executiva tivesse uma proximidade muito grande com o know-how da TV Cultura na área infantil, na área de animação”.


algum tipo de parceria, ajudar e viabilizar. Quando a gente começou a enxergar a animação – eu sou novo na TV Cultura, tenho 3 anos –, a ordem era produção independente. A gente começou junto, eu devo muito a muitos produtores que estão aqui, pelo choro deles, e também por tentar, junto, fazer com que a gente chegasse a alguma solução, alguma saída para poder viabilizar alguns projetos”. Carlos Wagner passou a palavra, em sua apresentação, para Cristiana Oliveira, coordenadora do Anima TV: Cristiana se apresentou dizendo que trabalhou no estúdio Animaholics, no Sul. Ela contou que, com curso de Comunicação Social, aprendeu animação na prática, em oficinas com Marcos Magalhães e Ota. E, depois, com Otto Guerra.

Para ele, isso deu mais segurança aos produtores que estavam pondo em prática seus projetos. Carlos Wagner disse que serão publicadas na internet, no portal da TV Brasil e da TV Cultura, informações referentes às séries do Anima TV. “Um edição eletrônica de todas as etapas de todas as oficinas: de produção, de arte, de mercado, de coprodução, de licenciamento”, listou, exaltando a circulação de informação que o projeto promove. “Acho que a gente tem restrições sérias a fazer, acho que a gente tem que discutir bem o projeto. Nós, os gestores, temos um trabalho de continuidade, saber de que forma continuar o projeto. E a TV Cultura está à disposição: nós acreditamos na política pública do audiovisual”, disse, contando uma experiência para mostrar um avanço, “Fui a um evento de animação ano passado e perguntaram quanto de animação brasileira havia na grade. Respondi, com enorme vergonha: 5%. Hoje está diferente: tem mais de sete séries brasileiras na grade, e, entre o ano passado e este ano, 13 projetos de animação estão em andamento. A gente não tem dinheiro, mas a gente tem tentado de um jeito ou de outro, com

A coordenadora disse que deu continuidade ao trabalho que Rony Tavares fazia no anima TV: “Percebi a grande oportunidade, em termos de formação, que essas pessoas receberam através das oficinas, que foi um dos maiores ganhos que a gente teve – e os produtores com certeza concordam. Mas o fundamental foi acompanhar de dentro um choque de metodologia de produção. A produção de série de animação foi dolorosa em muitos casos, eu pude acompanhar de perto, mas foi um excelente choque de produção para todos os que participaram da primeira etapa do Anima TV, que foi a realização de pilotos e projetos de série. E, nesta segunda etapa, o que eu gostaria de comentar é que esse trabalho de comercialização que a gente tem feito – porque o Anima TV também tem esse braço que é estar presente ns eventos internacionais representando os produtores dos projetos – trouxe a comprovação de que a qualidade escondida por falta de oportunidade impressiona no exterior. O frescor das ideias e a qualidade técnica já viraram quase uma marca lá fora.” Cristiana disse que o Anima TV continua dando uma consultoria muito de perto para todos os produtores que ainda representa: “Não só ajudando a desenvolver ferramenta de venda, mas também a pensar em termos de mercado. Enquanto alguns ainda estão se acostumando com termos como instrução normativa, classificação da Ancine, outros já estão lá na frente, fechando parcerias, coprodução. O mais importante é que esse pensamento de mercado está acontecendo. Então, essa distancia que existia entre a autoria e o mercado está se encurtando, e acho que isso é um dos resultados, que cabe frisar aqui”.


A coordenadora falou também de eventos nos quais o Anima TV representou as produções, como o Festival de Ottawa e o Kid'Screen: “Este ano a gente já pôde trazer um relatório, num primeiro momento, de 20 produtores, 13 agentes de vendas, 10 broadcasters e 5 empresas de serviço interessadas no programa Anima TV”. Cristiana disse que esses números aumentaram ainda mais em experiências posteriores, “São empresas que conheceram o programa e que já se interessam por projetos que especificamente estão sendo desenvolvidos no Anima TV .” Ela ponderou que isso não significa que eles já estejam fechando negócio. “Ainda não, mas eles estão dialogando já, com o mercado internacional de animação, com agências interessadas, já individualmente com os produtores”. Cristiana acrescentou que o Anima TV, depois do momento inicial, acompanha os produtores à distância, deixando que eles se profissionalizem, e reiterou a importância de haver agências, distribuidoras e produtores interessados em coprodução: “Resultados efetivos? Ainda nenhum. Mas esse diálogo já está acontecendo. E, como animadora, roteirista, realizadora, poder participar de dentro e acompanhar a evolução dessas pessoas, especialmente as empresas pequenas que nunca imaginavam que poderiam chegar a esse ponto, é um trabalho extremamente gratificante”.

Silvio Da-Rin

O participante da mesa começou sua fala dizendo que o encontro era uma ocasião para revisão e reflexão dos caminhos da animação brasileira. “O CTAv (Centro Técnico Audiovisual) participou de uma experiência notável, que foi o núcleo de animação, nos seus primeiros anos, que deu capacitação para uma geração de animadores”, disse Silvio Da-Rin, referindo-se à decisão que tomou no ano anterior de revitalizar o núcleo de animação do CTAV, com as missões de pesquisa e formação profissional: “Dois campos fundamentais para o desenvolvimento da indústria de animação no Brasil e afinados com as políticas públicas. É muito importante que o Estado assuma responsabilidade nessas duas áreas”. Da-Rin também citou o DOC TV, da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura: “Ele estabeleceu um modelo criativo e inovador de negócios que deu extraordinários frutos”. E o comparou com o programa de animação: “No caso do Anima TV, precisamos colocar muita energia para que aconteça a comercialização internacional, porque nós sabemos perfeitamente que animação não se resolve no mercado nacional. Ela necessariamente precisa viajar, precisa procurar parceiros internacionais. Os projetos já precisam nascer, portanto, com essa vocação internacional.


As séries são muito caras, precisam ter seus custos amortizados numa quantidade grande de territórios nacionais.” “Acho que a irregularidade que existia no DOC TV não existe no Anima TV. Os pilotos apresentaram um excelente nível. E as duas séries que estão sendo desenvolvidas têm um alto nível de criação técnica e artística. Mas acho que temos algum problema no que concerne à formatação das séries”, disse, ponderando, no entanto, que acha que o resultado de todo o processo é extraordinário: mobilização de uma rede de difusão e divulgação, oficinas, o processo que envolve os pilotos, consultoria internacionais, roteiros e a etapa pela frente, de coprodução internacional. O problema A opção pela série com 13 episódios não facilita a captação de um coprodutor para mais 39, totalizando uma série de 52 (ou para mais 13, totalizando uma série completa de 26). Muitos produtores afirmaram que uma boa bíblia e um bom piloto seria um instrumento mais adequado para alavancar essa parceria internacional, em vez dos 13 episódios que já apresentam uma situação pronta, dando pouca margem de interferência: “Como é absolutamente usual nas negociações internacionais em animação, para que a emissora do produtor internacional possa interferir no processo de desenvolvimento do produto definitivo, que é o que nós esperamos que aconteça com todos os 18 selecionados na primeira etapa, ou seja, séries completas internacionais”. Da-Rin enunciou como caminhos a seguir a difusão uma cultura de séries em vez de produtos isolados, a consolidação de parcerias e a capacitação. Ele disse que acredita que lançar outro concurso como o de 10/10/2008, para mais 18 pilotos e duas

séries completas, não vai gerar o melhor material, o mais útil, o mais oportuno para se chegar ao objetivo estratégico de conseguir negociar séries internacionais completas. Hoje na TV Brasil, Da-Rin falou sobre a proposta de investir em micrometragens, na forma de interprogramas. Seria um concurso para dez pequenas séries de cinco micrometragens, em torno de dez temas, com um edital de R$ 1,5 milhão. “Estamos procurando a resposta para o quarto pé da mesa que estava faltando, que é a entrada da televisão no projeto de promoção e exportação. Estamos na reta final da formatação de um convênio, de modo que a EBC possa estar ao lado do produtor brasileiro nos mercados internacionais, captando coproduções, preenchendo esse espaço que faltava do seu lado da mesa, diante do outro com um produtor e uma televisão de fora do Brasil. Acho que nós estamos na reta final.”

Newton Cannito

O secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura disse que acha o Anima TV um projeto fantástico. E acrescentou que considera algumas produções obras-primas. Cannito afirmou que endossa o que Silvio Da-Rin disse sobre política pública e que tem interesse em dar continuidade a algo que dá resultados excelentes, citando também o que pode ser aperfeiçoado. “Acho importantíssima a capacidade que esse programa teve de empoderar os criadores e os autores. A gente fala muito de produção independente no Brasil e fala pouco de autor independente, de criador independente, que não necessariamente é da grande produtora. Essa


capacidade de pescar talento no mercado e fazer vibrar, bombar, é uma coisa que qualquer indústria inovadora busca, precisa.” Newton Cannito destacou um exemplo: disse que acha que, no Brasil, Tim Burton teria grande dificuldade em se tornar cineasta. “Não consigo imaginar o Tim Burton se inscrevendo em editais, fazendo aqueles papéis que a gente faz o tempo todo. É muito desgastante esse processo, a gente sacrifica muito os autores e os condena a excesso de burocracia e pouca criatividade”. “O autor pode estar em parceria com a empresa grande”, disse ele, que acha que são políticas como a do Anima TV que vão fazer isso funcionar. Cannito acrescentou que acha interessante o programa contemplar um projeto que não é de um animador, que é de alguém que desenha mal. “Isso eu acho muito pertinente. Acho que a animação é muito grande para ficar apenas na mão de animadores, já que, a gente sabe, como em todas as áreas que têm muito talento, há muita coisa para ser vista”, esclareceu ele, que prega um diálogo. “A gente no Brasil cai numa onda de indústria. A gente esquece que a indústria mesmo, a indústria americana, é baseada em autores, como Tim Burton. São autores que fazem isso, não são

executivos. Executivo é a última coisa. Antes do executivo, tem que ter aquele que tenta transgredir, que tenta inovar, que a gente vai lá e dá uma contida nele.” “Aqui no Brasil a gente vai correr riscos”, disse ele, dando como exemplo “ganhar no gogó, na vibração do conceito”: “Isso é fundamental”. Cannito acrescentou que achou interessante a proposta de Silvio Da-Rin sobre fazer mais pilotos: “E eu acho que a gente tem que bombar mais os pilotos. A gente dá pouco dinheiro”, acrescentou, sobre as verbas que considera baixas para o piloto e a bíblia. Newton Cannito disse que concorda com Da-Rin também sobre o CTAV: “Estratégico também”. Dentro da proposta de melhorar o Anima TV, Cannito avaliou que o objetivo de todo processo desse tipo é diminuir risco. “A chance de a coisa ficar boa não era grande, era pequena, mesmo assim, a gente conseguiu fazer coisas boas”, disse. Para Cannito, piloto envolve pesquisa não só de tecnologia, mas de história, de conteúdo. “É aí que entra o investimento nas oficinas, informação, consultoria. O ideal é que todos os pilotos fiquem maravilhosos. E uma chance pequena, mas fomos


bem”, disse, avaliando que é preciso ampliar a etapa das oficinas. Cannito citou o PIC Novos Formatos, o Programa Internacional de Capacitação Novos Formatos, e disse que, nas duas diferentes experiências, há o que aprender uma com a outra. Cannito iniciou um assunto que considera central dizendo: “Está na moda agora dizer que o problema é roteiro”. “Tem um negócio que é a visão de mundo, e é muito difícil chegar a esse negócio”. Reiterou: “O autor é fundamental para a indústria”. Para Cannito, vencida a etapa da técnica, tendo ela já melhorado, é hora de se voltar para “Ter os conceitos, ter ideias, ter os autores”. É isso que, “misturado com a alta qualidade técnica, vai fazer ficar bom”, avaliou. “A briga entre o pedagogo e o artista é que vai fazer a coisa ficar interessante. O que é, para que serve o artista? O artista é o cara que está um pouco à frente do mundo. Então, a solução é o diálogo entre o artista e as pessoas que sacam as questões que vão ser discutidas.” Cannito acredita que a pesquisa quali é uma aliada preciosa para esse avanço. Estética e técnica “O autor não é solitário, é aquele que coordena a equipe criativa, sabe qual é o conceito”, disse, citando como exemplo o PIC TV, em que pode ser discutida estética e qual técnica usar. “Técnica a serviço do estilo, da estética, não o contrário”. Eu acho que a gente tem que potencializar ao máximo os nosso recursos. Misturar tudo: pesquisa, ensino, composição A gente fala muito de coproduçao, mas não fala de cocriação. Não é se adaptar, o raciocínio certo é ver o que tem em comum, o certo é o que bate nos dois países. Cocriação é tão importante quanto a coprodução. É a cocriação que traz a novidade, que traz a ideia nova. Então, a gente tem que trabalhar com esse conceito da cocriação claro”. Cannito finalizou falando do edital com a EBC e explicando que lançaria também um edital que Silvio Da-Rin, que foi secretário do Audiovisual, já havia elaborado e envolve meio ambiente e animação. “Quero discutir Anima TV, pesquisas setoriais, como a do BNDES e outras, que levem

em questão a questão criativa”, finalizou. No espaço aberto para perguntas da plateia, a mediadora lançou o tema da animação adulta. Cannito disse que algum ajuste precisa ser feito, talvez dentro do Anima TV, para contemplar esse tipo de animação. Silvio Da-Rin falou de uma iniciativa que existe junto à Ancine para isso, mas enfatizou a importância do investimento na animação para crianças. Carlos Wagner mencionou uma iniciativa junto com Marta Machado e a intenção da TV Cultura de abrir algum espaço para esse segmento. No debate com a plateia, surgiu também, como alternativa, o PIC TV Novos Formatos. Diante dos temas de interesse da audiência, Luciane Gorgulho, do BNDES, defendeu a importância de abrir um espaço para a animação de modo que a atividade não dependa de iniciativas de fomento. E, sobre questões como os direitos regulados pelo Anima TV, levantadas por produtores presentes na plateia, a mesa chamou a atenção para o fato de o investidor precisar ter retorno do investimento e para a necessidade de que os produtos possam, a partir da alavancagem feita pelo programa, conseguir meios de autosustentação.



Dia 21 de julho – quarta-feira Master Class I (Teatro II) “O processo criativo no design de personagens de ‘A Noiva Cadáver’ de Tim Burton” Por Jordi Grangel Em sua apresentação, com farto material ilustrativo, Jordi Grangel mostrou como foi a criação de personagens, adereços, figurinos, cenários e esculturas para um dos mais reconhecidos trabalhos de que participou, o longa em stop motion “A Noiva Cadáver” do diretor americano Tim Burton. Jordi Grangel iniciou sua master class apresentando seu estúdio: “Vocês poderão ver um pequeno making of”, começou, mostrando o logotipo da empresa, Grangel Studio, “É um centro criativo que fica em Barcelona, na Espanha, e que é especializado principalmente na criação de estilos e de personagens para filmes de longa-metragem. Mas o estúdio também trabalha com outras partes da criação, como publicidade, criação de linhas de merchandising, criação de logotipos e também da marca corporativa de empresas”. Jordi Grangel sugeriu: quem tiver interesse sobre “mais detalhes a respeito do que nós fazemos no nosso estúdio” pode acessar o site grangelstudio.com. Atualmente, o estúdio está trabalhando com dois projetos de longas de animação. “Quando trabalhamos para um filme de animação, normalmente são os diretores e produtores que nos chamam”, explicou. Eles fazem uma reunião prévia e partem de um roteiro. “A partir daí, depois das premissas dos diretores, nós começamos a criar o estilo para o filme.” Sobre os dois projetos atuais, Jordi Grangel disse: “Um, que nós terminamos, o primeiro deles, é para a produtora Sony, uma produção em 3-D, no computador. É uma produção chamada Hotel Transilvânia. A


segunda produção, que nós estamos terminando atualmente, é para a Dream Works, uma produtora para a qual trabalhamos muito frequentemente, desde a sua fundação em 1996, e para a qual nós praticamente trabalhamos em uma dúzia de projetos até os dias de hoje. Ainda não posso falar o título do filme, porque temos de levar em consideração que as próprias produtoras não falam do conteúdo desse filme ou sobre o título, e realmente no nosso estúdio temos que seguir contratos de sigilo muito rígidos. Não podemos dizer nada até que a companhia lance o filme. Então, por isso, eu só posso dizer que é um filme em 3-D para a Dream Works. E o que nós vamos iniciar será um projeto que vai acontecer em stop motion. A companhia que vai levar adiante o produto é a Jim Henson Company, o título será Pinóquio, e Guillermo del Toro é um dos produtores”. Diante de fotos de sua apresentação, apontou: “Aqui nessa imagem você pode ver meu irmão Carlos. Carlos e eu já dirigimos o Grangel Studio, e, junto com Carles Burgès, que é o diretor e calígrafo do estúdio, nós realizamos juntos todo o trabalho elaborado para ‘A noiva cadáver’. Carlos Grangel, meu irmão, compartilha com Tim Burton a criação original dos personagens. Nós trabalhamos, no filme, na criação dos personagens; participando da supervisão das maquetes e dos bonecos – que seriam os atores do filme –; e também em trabalhos como, por exemplo, os títulos – como o título original para o filme – e as caligrafias que foram usadas não apenas nos títulos, mas nos créditos; e no merchandising posterior, de todos os produtos a respeito de ‘A noiva cadáver’”. Bem-humorado, brincou com as fotos: “Este sou eu com um pouco mais de cabelo, um pouco mais de peso”. E falou sobre o excesso de trabalho que contribui para essas mudanças: “Nós temos que dizer que os ritmos de produção normalmente são bastante intensos, as jornadas são quase intermináveis e se repetem durante muito tempo. Nossa intervenção neste filme foi de três anos de trabalho”. Sobre mais imagens projetadas e o curta “The Periwig-Maker” “Esta imagem, para aqueles que não conhecem, deve ser algo muito semelhante ao estilo e talvez muito típico do mundo de Tim Burton, mas não: esse produto foi feito muito antes de “A noiva cadáver”, é um curta-metragem de um estudante alemão, Steffen Schäffler, e foi dirigido em 1999. É um curta amplamente indicado para prêmios.

Viajou por vários festivais, e nós podemos destacar também que foi indicado para o Oscar de 2001. E, além do mais, ganhou 13 festivais dos quais participou. Eu também recomendaria que vocês procurassem na internet essa produtora: se chama Ideal Standarde Film. E vocês poderão ver esse curta, que nós acreditamos que foi muito bem feito”. Grangel e o “estilo Tim Burton”: “O que temos a ver com esse curta-metragem? Nós fizemos a parte de criação de alguns personagens que aparecem no curta. E depois a Mackinnon & Saunders foi a empresa que criou os bonecos, a mesma que criou os bonecos para ‘A noiva cadáver’.” O encontro A Mackinnon & Saunders, em dezembro de 1999, estava trabalhando em “Marte ataca”, filme de Tim Burton em que apareciam uns marcianinhos que, em algumas tomadas, se movimentavam por meio de stop motion. Por isso, Burton, numa das revisões que foram feitas na Mackinnon & Saunders, pôde ver a maquete do curta e se interessou pela pessoa que tinha criado o estilo para os personagens. Tim Burton, então, entrou em contato com o Grangel Studio. “Realmente, o Tim Burton tinha filmes muito especiais, principalmente em termos de gênero de animação, como “O estranho mundo de Jack” (do qual ele é um dos autores, assina história e personagens), que é um grade clássico, e nós gostávamos muito do seu cinema, mas não nos havíamos proposto a ideia de poder trabalhar com ele. É verdade que trabalhamos para grandes empresas, mas às vezes é muito difícil dizer ‘eu quero trabalhar em tal projeto para tal companhia’, porque nem sempre existe essa possibilidade.” Sobre o envolvimento no projeto: “Foi muito especial, um sonho para nós, principalmente por causa do diretor e por se tratar do gênero stop motion, que, dentro dos três existentes na animação, para nós é o mais especial, o mais artístico, porque tudo é muito artesanal, desde a criação dos personagens, a criação dos fundos, cenários. Enfim, tudo é feito por alguém de uma maneira manual e artesanal.” Grangel mostrou desenhos de personagens do curta “The Periwig-Maker”, que se passa quando a peste negra arrasa a cidade de Londres. “É uma história muito triste e inesquecível.”


Criação Jordi Grangel exibiu também imagens do título de “A noiva cadáver”: “Como eu disse anteriormente, foi criado pelo meu companheiro Carles Burgès”. E falou sobre a concepção dos personagens: “Este filme foi realizado pela produtora Warner Bros e estreou em setembro de 2005. Os diretores foram dois, Tim Burton e Mike Johson. Posso dizer que nós trabalhamos dois anos e meio no filme e até um ano mais na criação e supervisão de todos os produtos de merchandising e de consumo que foram feitos a partir do filme. A criação partiu de informações prévias que foram dadas pelo Tim Burton. Ele é um excelente ilustrador, no início trabalhou, inclusive, na Disney como animador. Ele nos passou toda uma série de esboços, aproximadamente uma dúzia, e a partir daí nós criamos o estilo integral para 80 personagens, todos do filme”. Grangel exibiu uma amostra do trabalho de Tim Burton. “Tudo começou em uma visita à sua casa em Londres, onde ele nos explicou que tinha um projeto que finalmente se poderia ver nas telas. Ele disse isso dessa forma porque o projeto foi criado logo depois de “O estranho mundo de Jack”, e então ele levou esse projeto por dez anos debaixo do braço para ver quem estaria interessado, que companhia o faria bem, e finalmente conseguiu.

A partir daí, junto com Mike Johnson, nos deu algumas ideias. E claro que ele nos passou o roteiro, e esses esboços finalmente foram feitos, com tinta e aquarela.” Jordi Grangel mostrou também imagens iniciais em que já se podia ter uma ideia dos personagens, principalmente de alguns dos principais: “E que incluem também algum gag, uma dica para uma piada para alguns personagens. Aqui, no caso, dos cozinheiros”. “O filme, como vocês devem saber, é baseado num conto ucraniano judaico russo, que mostra um pouco o mundo dos vivos naquela época e como seria o mundo dos mortos. Sobretudo, principalmente para o mundo dos vivos, lembra a seriedade daquela época quase que vitoriana”, disse, situando a adaptação para o filme: “Estamos na era vitoriana, e Tim Burton quer que nós mostremos que a sociedade era muito rígida. E, no filme, nós podemos ver isso nas cores do mundo dos vivos. E, em contraponto, no mundo dos mortos, ele quer principalmente que se veja muito mais cor e muito mais diversão do que no mundo dos vivos. Ele queria mostrar que aquela sociedade era realmente muito pouco avançada, que as coisas eram muito fechadas, que todo mundo ficava pensando no que os outros estavam pensando,


enquanto que, no mundo dos mortos, as coisas mudavam totalmente. Ele também quer passar a mensagem de que na morte existe um mundo além do nosso, e que a morte não é tão ruim assim”. Além de mais imagens sobre a criação dos personagens, a plateia viu outra versão do título original para o filme, na qual uma espécie de areia vai caindo, como numa ampulheta, porque, já que o assunto era “A noiva cadáver”, era muito oportuno ter esse tipo de efeito, explicou Grangel. Ele ressaltou também o cuidado que houve nessa criação, já que o Grangel Studio quis apresentar uma caligrafia com afinidade com todo o estilo de Tim Burton. Método de trabalho de criação A equipe do estúdio à frente da criação ouve dos diretores alguma referência artística, e nomes de artistas que podem servir como influências. Primeiro, recorrem a todo tipo de fotografia, de referências. No caso,foi a Europa vitoriana, principalmente a Inglaterra vitoriana. Jordi Grangel contou que, em outros filmes, eles já tiveram que ir a museus, ver arte egípcia, internet, livros de arte. “Toda referência que puder ajudar sempre é positiva”.

Detalhou como aconteceu no filme de Tim Burton: “Passamos três semanas buscando referências e começando a criar os primeiros estilos sobre como víamos os personagens”. Em cada trabalho, passada essa fase, eles apresentam vários personagens e criam diferentes figuras, até encontrar o estilo final. “Nosso trabalho é muito evolutivo.” Depois, é hora de trabalhar tendo em vista todas as partes do roteiro e todos os personagens, um a um, tentando definir todos com diferentes opções. “E os produtores ou diretores vão decidindo, dentro dessa gama de personagens que estamos oferecendo, quais seriam os preferidos. E aí a gente vai evoluindo. Quando acreditamos que um personagem está definido, a gente começa a trabalhar sobre ele, dando outras opções, dentro da mesma forma, e a gente vai escolhendo até, no final, encontrarmos o personagem que vamos ver finalmente na tela.” Mais imagens: “De um estilo mais geral antes, incluímos um personagem como o William Van Dort, pai de Victor. E esse trabalho pode servir mais adiante para outros personagens secundários. A técnica usada geralmente é 100% ilustrativa, e a página de apresentação é formada por personagens


artisticamente compostos a mão, geralmente com tinta guache, e acompanhados por um título, que geralmente o nosso calígrafo faz. Gostamos de trabalhar assim. É importante porque temos que oferecer uma imagem muito boa dos personagens, e além disso fazemos caligrafias totalmente manuais, com o espírito daquela produção, daquele roteiro, o que é uma coisa positiva para que tudo funcione muito bem”.

de personagens, a figura de cada um não tem a ver só com aparência física. A figura vai muito mais além: nas expressões, na personalidade daquele personagem. A parte mais artística é a que busca a imagem dos personagens, mas há coisas mais técnicas: por exemplo, os mapas comparativos, e também as mudanças dos personagens, que servem como referência para quem constrói o boneco”.

Esboços de Victor: “Tudo o que vocês vão ver agora é simplesmente a ponta do iceberg”.

Há também o trabalho de moda, com diferentes versões de vestuário, para achar o mais adequado a cada personagem.

Grangel mostrou, então, 40 imagens de criação de personagens e contou que, em dois anos e meio, eles fizeram mais de 2 mil desenhos para o filme, uma produção de três ou quatro páginas diárias, como a que exibiu. “No nosso trabalho, não só é necessário definir a forma daquele personagem, mas também mostrar qual a sua personalidade”, detalhou, “Por exemplo, quando vemos Victor, a gente pode ver em seguida que ele é um homem tímido, inseguro. Só de vê-lo, ele já te transmite alguma coisa. No roteiro, isso vai ser reforçado, a personalidade. Mas, se alguém quiser fazer criação

Grangel mostrou desenhos para ressaltar que o trabalho aumenta por causa de alguns fatores: os personagens principais, como Victor, exigem mais. E, muitas vezes, há mais de um diretor. O criador mostrou também desenhos em que exemplificou as diferentes texturas usadas. “Também é importante ter a silhueta dos personagens”, sublinhou, “Numa cena noturna, por exemplo, é importante que possamos reconhecer,


pelas silhuetas, cada um dos personagens”. Entre os desenhos projetados para a plateia, Victor apareceu com vários tamanhos de cabeça e com pequenas diferenças em seu tamanho. “É bom que o produtor e o diretor tenham tempo para isso: ver o que funcionará melhor para a câmera.” O público da master class viu também desenhos de Victoria, já finalizados, e amostras do vestuário final. Os personagens “Eles têm que contracenar”, ressaltou Grangel. Assim, foram mostradas comparações entre os personagens, estudo de perfis, de sombras, e a apresentação de todos os personagens juntos, além de desenhos de Victor e Victoria quando estavam já praticamente definidos, assim como os pais de Victoria. Os trabalhos sobre William Van Dort evidenciaram que a equipe trabalha com opções muito diferentes: “dessa maneira, asseguramos que a produção seja a mais fluida possível. Digo isso porque, se nós, em lugar de oferecermos 12 ou 14 figuras, oferecermos uma só, freia a visão do diretor sobre o personagem”. Então, o estúdio trabalha assim: “Ele pode dizer ‘gosto desse aqui, mas prefiro o chapéu desse outro’, e dessa forma a coisa funciona melhor”. Grangel explicou que tanto zelo “é bom para garantir o lugar, já que ninguém, tirando o diretor e os produtores, é indispensável”. William Van Dort em imagens e passo a passo: “O primeiro trabalho foi para a criação da estética da cara de William Van Dort. E depois o trabalho começou a se ampliar para todo o corpo.” “Tínhamos dados, elementos e complementos do personagem. E os props, que são objetos de cena, em que oferecemos, por exemplo, opções para o bastão e o chapéu desse personagem. E o colocamos também ao lado de Victor, um pouco para saber a comparação”, lembrou, notando que o senhor já estava mais curvado. “Chamam a atenção também a cabeça triangular, que ele é muito magro e até mesmo a forma tímida de olhar”, acrescentou, sobre Victor, na comparação. Nell Van Dort, mãe de Victor, mulher de William, em imagens: “Mais uma vez trabalhamos na linha do estúdio: começamos com diversas opções para o rosto da personagem.” Depois de mostrar o trabalho final, a última imagem da personagem, Grangel chamou a atenção para os props, que eram feitos por Carles Burgès.

Maudeline Everglot “A imagem final de Maudeline Everglot é semelhante ao trabalho anterior de Tim Burton, mas com pequenas mudanças para adaptar ao estilo dos outros personagens.” Seguiram-se estudos do vestido de Maudeline Everglot e de personagens secundários, como o condutor da carruagem dos pais de Victor. Curiosidade sobre o condutor de carruagem: “No roteiro mudou um pouco: era um senhor com base na silhueta de uma garrafa, porque ele bebia.” O mesmo trabalho de estudo e aperfeiçoamento foi feito com outros personagens: o mordomo, muito empertigado, deveria passar a imagem que seria adequada por meio do figurino e da forma de andar. E, mais uma vez, houve diversas propostas para saber como ele poderia ficar ao lado dos patrões. “Temos o pastor e outros personagens mais secundários, como as tias, que viviam no mundo dos vivos. Foram escolhidas essas duas. Temos também outros personagens com diferentes profissões dentro do povoado”, mostrou. Para criar o mundo dos mortos, a equipe trabalhou do mesmo modo: “Pensávamos em como esses zumbis poderiam ser, com diferentes opções, mantendo o mesmo estilo”, disse, reiterando “É importante incluir algum gag que poderia ser feito pelo personagem”. Outra dica: estar atento a “qualquer dado que pode ser mais superlativo e mais interessante para cada um dos personagens, sejam eles secundários ou não”. Cores Que cor dar ao mundo dos mortos e ao dos vivos? “Estava muito claro que o dos mortos seria bem colorido em relação ao dos vivos”, o que não resolvia a questão: “Não podemos pintar um zumbi de vermelho. Qual seria o tom adequado para a pele? Vocês podem perceber que existe um figurino bem colorido. Mas o que principalmente nós queríamos buscar era um tom para a pele”. Grangel mostrou as opções cogitadas. Lá vem a noiva Para a apresentação da noiva, a equipe partiu dos esboços recebidos de Tim Burton. “Nesses poucos desenhos que recebemos, já havia muitas informações sobre a noiva. E então começamos imitando bastante essas imagens dele. Depois, como vocês vão perceber, houve uma evolução e uma fusão com todo o estilo do filme.”


Entre esboços preliminares e outras imagens que mostraram como a equipe ia avançando com a noiva, inclusive em estudos de cor e de como deveria ser o vestido, Grangel lembrou: “A noiva deve ter tomado grande parte da produção. Foi um dos personagens iniciados logo no começo e foi o que mais demorou para terminar.” Eles alternaram esse trabalho com os de outros personagens, mas ficaram cinco meses para encontrar a imagem final da noiva. “São tantos os estudos que têm que ser feitos sobre os personagens principais que nós tínhamos que fazer algumas anotações quando surgiam alguns problemas”, mostrou, apontando um caso em que o braço da noiva tinha uma pequena luva, “Mas como ia ser essa pequena luva? Mais uma vez nós tínhamos que oferecer diversas opções”. O mesmo foi feito para ver como seria o sapato ideal para a noiva. “Parece uma loucura, mas, quando a produção te deixa esse tempo, é preciso aproveitálo. Tudo o que for ter muito trabalho não é excesso, vai beneficiar.”

Humor Grangel passa a outro personagem “muito divertido também”: a viúva negra. “Vocês sabem que aparecem três animais importantes. Um é a viúva negra, e nós temos também Magott, que é a minhoca, e o cachorrinho de Victor.” Mais uma vez, foram diferentes estudos. “A aranha tem uma morfologia muito singular, e por isso mesmo não foi muito difícil encontrá-la.” “Com Magott, aconteceu mais ou menos a mesma coisa.” Mas há uma ótima curiosidade nessa história: “Nos pediram que se parecesse um pouco com Peter Lorre. E tentamos cumprir essa tarefa.” Mas, mais uma vez, houve uma grande variedade de desenhos para poder chegar ao personagem final, uma minhoca com a cara do ator. Desenhos e mais inspiração em personalidades: “Os generais são baseados nos personagens franceses e britânicos de Napoleão e Wellington. Temos o general anão, que seria Napoleão.” Desenhos, desenhos e mais desenhos: Dos esboços para os cozinheiros que mostrou, Grangel observou: “é uma página cheia de


referências e piadas, algumas foram utilizadas depois.” Um personagem do mundo dos mortos inspirou identificação: “E temos o fumante. Vocês sabem o que vai acontecer conosco, os fumantes...” Inspiração numa festa mexicana Sobre a imagem “que se tornaria mais tarde a banda de esqueletos que está no filme”, Grangel comentou: “É preciso dizer, a respeito dos esqueletos, que Tim Burton nos disse, principalmente, que utilizássemos muito essa referência visual, necessária para todos os personagens do filme, e que nos baseássemos muito no Dia dos Mortos. Como vocês devem saber, no México existe a celebração do Dia dos Mortos, que é semelhante ao Dia de Todos os Santos na Espanha. E aí normalmente se faz uma festa em que se vai ao cemitério com comida, e as pessoas se sentam ao lado do túmulo e comem com seu morto. Enfim, celebram, fazem uma grande festa. Ele disse que nós usássemos esse espírito, que o pegássemos para refletir toda essa alegria que deveria ser transmitida no mundo dos mortos”. Estudos para os zumbis Grangel mostrou vastos desenhos que chamou de “uma pequena parte do que é o trabalho dos objetos de cena”. “É trabalhar com elementos do próprio personagem. Pode ser um cinto ou um chapéu, mas também inclui usar elementos que estão dentro do cenário. Então, por isso mesmo, a coisa mais importante a priori é começar a fazer esse trabalho.” Projetou ainda imagens de como deveria ser a carruagem dos Van Dort, dando, como sempre, diferentes opções. Entre estudos para leque e guarda-chuva, mostrou o trabalho da Mackinnon & Saunders, em que um departamento se dedicou a fazer só objetos de cena. “O trabalho de personagens também incluía alguns tipos de pele de animal”, mostrou, “E nós fizemos também uma série de desenhos, várias versões, para ver qual seria o melhor xale, por exemplo, a melhor roupa para os pastores. Usamos vários desenhos, várias cores diferentes, mais amplos, mais estreitos, para que se pudesse resolver este elemento.” Grangel observou sobre estudos para um guardachuva, até se chegar ao resultado final: “Uma parte do trabalho foi feito a mão, no qual nós oferecíamos

desenhos ornamentais que serviam um pouco como inspiração e que eram baseados na era vitoriana. Não foram usados 100% desses desenhos, mas, enfim, eles ajudaram o pessoal da Mackinnon & Saunders a realizar qualquer detalhe necessário para os personagens.” Jordi Grangel mostrou também o trabalho realizado simplesmente para saber que bastão seria adequado para cada um dos personagens. Em seguida, a plateia pôde ver o primeiro line-up, as primeiras figuras, as primeiras esculturas, que eram o passo anterior para o personagem final, feito pela Mackinnon & Saunders. A caligrafia de Carles Burgès Foram exibidas amostras do trabalho de Carles Burgès para a produção: “Burgès criou uma caligrafia original, e também um pouco do estilo do que poderia ser o mundo de Tim Burton. Ele fez essa caligrafia para poder montar no Photoshop cada um dos nomes dos personagens”. Duas caligrafias foram utilizadas na apresentação: “Um trabalho que nós enviamos diariamente para os diretores, e posteriormente também houve todos os produtos de merchandising que utilizaram essa caligrafia. Habitualmente, se deve fazer todo um alfabeto em maiúsculas, e é preciso ter as minúsculas também, diferentes opções de cada letra, e depois também os números e os símbolos. A expressão black widow, que é viúva negra, como vocês podem ver, é totalmente original, não foi retirada das caligrafias anteriores. Alguns personagens, por causa da sua importância e por causa da sua própria personalidade, também receberam um nome próprio. Os três primeiros nomes, a noiva, Victor e Victoria, têm uma caligrafia original para cada um deles. Victor tem traços mais enérgicos, são de um homem. Em Vitória, o V tem traços mais finos, mais femininos, é mais próprio das mulheres.” Grangel mostrou mais uma caligrafia nova: “Nesse caso nós trabalhamos também com uma estética muito semelhante ao mundo de Burton, mas fizemos com que as letras estivessem mais visíveis”. Para os créditos do filme, eles adotaram maiúsculas. Do desenho à maquete; da maquete à escultura: Grangel é escultor de personagens de animação. E era a pessoa que fazia o trabalho prévio necessário antes de se chegar aos personagens finais,


que passam do desenho à maquete e depois à escultura.

uma semana a mais trabalhando, e no final, em caso de ajustes, voltaria para trás.”

Trabalho entre equipes “A Mackinnon & Saunders tinha uma equipe de até 12 escultores, e o que nós fazíamos, de nosso estúdio em Barcelona, normalmente via internet, era supervisionar o estilo. Temos que pensar que, para conseguir a imagem final de alguns dos personagens, nós ficamos meses, e os diretores nesse caso ajudaram muito, porque eles concordaram que o estilo era adequado e que era necessário fazer com que ele estivesse presente em todos os personagens finais.”

“Detalhes” que impressionam: “Essas figuras têm um esqueleto interno, e por isso mesmo havia um departamento que fazia todos os esqueletos, que tinham que ser adequados à fisionomia do personagem. Cada personagem tinha uma fisionomia diferente da do outro, por isso, cada esqueleto era único. Isso significa que, em 80 personagens, tivemos que fazer 80 esqueletos diferentes, isso sem falar das réplicas que fizemos de cada personagem. Dos principais, fizeram até 16 de Victor e 18 noivas, para poder agilizar a filmagem. Pegávamos vários animadores com o mesmo personagem e delegávamos cenas diferentes. Assim, cada um poderia trabalhar individualmente e ao mesmo tempo, separadamente. E dessa forma nós poderíamos avançar rapidamente. Se nós não tivéssemos feito dessa forma, possivelmente “A noiva cadáver” ainda estaria sendo filmada, desde 2005. O diretor, por meio do storyboard, já te dá uma déia de como vai ser o filme, e ele também organiza o trabalho: que animadores vão ter um personagem ou outro e, além do mais, pensa em fazer vários personagens, para poder fazer o filme em partes.”

Diferentes personagens eram feitos, gradualmente, pela Mackinnon & Saunders. “Normalmente, o que fazíamos era deixar que o escultor assumisse a referência dos personagens aprovados e começasse a trabalhar neles de uma forma geral, principalmente na figura, não com excesso de detalhes. Depois, eles tiravam fotografias do trabalho, que era feito em diferentes perfis, e enviavam para o estúdio, e aí nós, nesse pouco tempo em que pudemos trabalhar, percebíamos se estava dentro das proporções ou não. Por isso mesmo, nós fazíamos anotações, desenhando por cima, quando ficava muito claro que eles estavam perdendo as proporções. Esse tipo de controle, tão exaustivo e tão rápido, é principalmente para poder agilizar a produção. Seguramente, se nós tivéssemos esperado uma semana a mais para fazer esse controle, o artista ia perder tempo, ficar

Escalonamento “Aconteceu a mesma coisa com o trabalho de criação. Começamos com vários personagens e, conforme eles iam sendo aprovados, nós passávamos pelo processo de criação em


escultura. O trabalho ia tendo interseções. E aprovações do figurino final e mudanças no figurino também passam pelo escultor.” Artesanal ao extremo “A Mackinnon & Saunders trabalha com Plastilina, enquanto alguns trabalham com cera e a maioria normalmente usa uma massa que se chama Superesculp, mais conhecida e a que mais se adota profissionalmente. Então, para mim, a Mackinnon & Saunders tinha mais mérito ainda, porque, como vocês devem saber, a Plastilina é um material excessivamente maleável, e eles tinham que ter um cuidado extremo porque qualquer batida poderia obrigá-los a fazer o personagem inteiro de novo.” Esqueleto mecânico Em relação ao esqueleto mecânico, houve problemas: foi preciso adaptar o desenho externo, porque os personagens eram muito estilizados, muito altos e magros. “As maquetes originais, quase todas, tinham 45 cm, meio metro. O pastor, muito alto, e um personagem com cabelo especial chegaram a medir 70, 80 cm. Normalmente, era entre 40 e 45 cm.” Perfeccionismo e milhões de dólares Grangel mostrou imagens do mordomo “para que vocês vejam o grau de similaridade entre o desenho e o que cada um dos escultores fez”. “Realmente, nós acreditamos que foi um trabalho magnífico, e nem sempre te deixam fazer isso nas produções”, ponderou. “A gente sempre tem muita pressa, e o investimento também é muito grande. Por exemplo, nas grandes produtoras, como a Dream Works, um trabalho de animação em 3-D gasta um milhão de dólares por minuto. Isso é o que eles costumam gastar”, explicou Grangel, fazendo a ressalva de que, às vezes, é preciso eliminar o que não funciona, então, “Estamos falando aí de cem milhões de dólares”. (“A noiva cadáver” custou 40 milhões de dólares, como ele explicou mais adiante.) Consertando problemas Na seara de o que precisou ser refeito, entrou o antigo noivo da personagem-título, que estava muito jovem. Já que alguns anos tinham se passado, decidiu-se então que ele tinha que ser mais pesado e um pouco mais velho. “Portanto, essa foi uma retificação no final, e os escultores já tinham feito um grande trabalho”. Notáveis esculturas Grangel exaltou nomes da Mackinnon & Saunders,

“que fizeram os modelos dessa maneira tão especial como vocês viram, sempre feitos em Plastilina, como (Noel) Baker, o líder dos escultores”. “Temos também o trabalho de Joe Holman, que embora seja jovem é um grande escultor, foi ele que fez o mordomo que tinha a ver com a figura de um pinguim”. Outra pessoa com peso em toda a produção, Peter Saunders, da Mackinnon & Saunders, ficou com a parte mais técnica. Foi ele, com sua equipe, que fez todos os esqueletos articuláveis que possibilitaram o movimento, dar vida aos personagens. Grangel exibiu imagens que mostraram a sofisticação a que chegavam os esqueletos criados pela equipe de Peter Saunders. “Criaram algo inovador: esqueletos para as cabeças dos personagens. Os esqueletos foram feitos com materiais muito resistentes. Eles usaram basicamente peças de aço, com parafusos nas articulações. Para os que sustentavam as articulações, tiveram que recorrer a parafusos usados em armamentos, que eram feitos de titânio.” “Eu digo que é um trabalho monumental, a Mackinnon & Saunders trabalhou dois anos e meio para conseguir.” O trabalho incluía diferentes olhos e bocas, trocados a cada fotograma segundo a expressão do personagem. E a expressão também podia ser movida por simples pressão, o que funcionava como uma sobrancelha, se queriam o personagem triste, surpreso, sorrindo...

“Eles criaram uma forma de animação stop motion com efeito muito mais real e dinâmico. Isso foi algo totalmente surpreendente, algo que pela primeira vez se conseguiu.” Direção e o todo que os detalhes compõem Grangel contou também que uma parcela de 90% do processo de filmagem ficou com Mike Johson. O filme foi rodado em Londres, e Tim Burton, apesar de ciente de tudo e supervisionando o processo, estava nos EUA terminando outro filme seu, “Peixe grande e suas histórias maravilhosas”. Grangel exibiu vários testes curtos, que foram feitos para saber se todos aqueles detalhes funcionavam.


- “Havia entre 4 e 5 mil objetos de cena, que não eram cenário, nem a construção da casa, mas adereços, objetos de cena, um bastão, uma lâmpada... E tudo isso era feito a mão.” - Todos os cenários foram montados na 3 Mills Studios, a leste de Londres. “São grandes galpões, onde poderia caber um avião, e havia espaço suficiente para colocar toda a decoração e depois poder organizá-la. Alguns elementos podiam ter até 5 metros de altura.” - Foi preciso fazer testes para saber como a equipe poderia se mover nos cenários. - Para a concepção do mundo dos mortos, foram ao estúdio em Barcelona o diretor de arte e Mike Johnson, e um dos motivos da viagem era ver o universo de Gaudí. Características da obra do arquiteto catalão Gaudí (1852-1926), reforçou Grangel, estão presentes no filme: “Podemos ver alguns elementos que estavam mais do que tudo baseados no Parc Güel, de Barcelona”. Muito trabalho e todo o poder aos animadores: “Considero que o animador tem o papel mais fundamental num filme de stop motion. Acredito que uns 24 animadores trabalharam na produção. Um longa em stop motion é algo que quase não se faz, o que considero absurdo. Tem demanda por parte do púbico, e é feito com elementos reais, não há nenhuma outra técnica, nem 2-D, nem 3-D, que

vai poder alcançar esse grau do stop motion. E, mesmo que seja tão elaborado, “Madagascar”, filme feito ao mesmo tempo em que esse, custou 100 milhões de dólares, e “A noiva cadáver” custou 40 milhões de dólares. Ou seja, por que não se fazem mais filmes de stop motion? Nós não sabemos por quê. Há profissionais ótimos, mas sem campo para trabalhar. Alguns, quando souberam que ia ter esse filme, deixaram cargos em companhias importantes como a Disney para poder trabalhar conosco. Portanto, essa é realmente a parte mais envolvente do trabalho do animador, ponderando que trata-se de um trabalho muito complicado, que, por exemplo, nesse caso”, mostrou, “envolveu pinças para mover as sobrancelhas do boneco. Além disso, é preciso estar atento à continuidade: ao fotograma, quadro a quadro, por exemplo, para levantar o braço do personagem, considerando que são 24 fotogramas para um segundo de animação. Por isso é muito trabalhoso, e requer tal grau de concentração”. Em algumas cenas de “A noiva cadáver”, que tinham muitas pessoas interagindo, “Um animador podia ficar uma semana trabalhando 12 horas por dia para conseguir um segundo e meio de animação”. Grangel mostrou imagens que ressaltavam a minúcia e precisão do trabalho - e que não é um trabalho confortável: os animadores, ajoelhados durante 12 horas, usavam joelheiras especiais para não sentir tanta dor.


Ele lembrou que, além disso, antes da tecnologia digital, as marcações tinham que ser muito observadas, porque, se depois houvesse um pulo no movimento, a cena teria que ser feita de novo. Já no digital há como ver em que posição o personagem estava, resolver o problema sem ter que repetir a cena. “Imagine precisar de uma semana para fazer um segundo e meio de animação, alguma coisa falhar, e termos que refazer todo esse trabalho”.

pensaram. São fios que fazem o movimento fluido da roupa. “Para mim, animadores desse tipo estão até acima do diretor”, exaltou ele, diante das imagens impressionantes. Os cabelos também tinham arames, que eles manipulavam, para fazer os cabelos fluírem.

“Acho que tínhamos aproximadamente 20 pessoas que faziam a câmera e 10 iluminadores. Mais 24 animadores e toda a equipe, o diretor, o diretor de arte, todos ali fazendo o trabalho, e um trabalho em que era preciso muita concentração. Todos tentávamos não fazer nenhum ruído, muito embora, com tanta gente, fosse inevitável.”

- Grangel chamou ainda a atenção para a sutileza da animação da mão de um personagem que anda de bengala, tremendo. “É hipercomplicado de fazer. Eu acredito que passaria a vida inteira tentando fazer isso e não conseguiria.”

Grangel reiterou que ter tudo previamente indicado no storyboard torna tudo muito mais barato. Nas imagens que exibiu, mostrou a câmera das filmagens: uma Canon EOS-1, em 35mm. Testes de animação e mais poder para os animadores - Uma dificuldade: como mover um vestido tão leve. “É um produto 90% stop motion. De digital, só alguns cenários de fundo e alguns efeitos, como a chuva e os corvos que aparecem em cena do filme. Todo o resto foi feito 100% em stop motion. Ou seja, o véu da noiva se move com técnicas de stop motion”. E não digital, como muitos, conta Grangel,

- Pessoas perguntavam: “Qual foi o programa de 3-D que você aplicaram? Realmente ficou muito bom...”, mas era tudo stop motion.

Na parte das perguntas da plateia, Grangel deixou duas lições, uma que significa mais responsabilidade, e outra, mais liberdade: - O diretores e produtores dão as premissas e esperam que você solucione toda a parte visual - E não é preciso se preocupar com aspectos técnicos que possam limitam a criação do personagem, como, no caso de “A noiva cadáver”, a perna muito fina de um deles. “Em princípio, tudo pode ser feito. E, depois, vão se resolvendo os problemas. Tudo isso você vai solucionando depois”.


Dia 21 de julho – quarta-feira 15:00 às 16:30

Entrevista – Stephen Hillenburg e o Próximo Bob Esponja (Teatro II) É muito comum atualmente nos mercados e pitching ouvir-se produtores declarando que estão à procura do novo Bob Esponja. Como foi criar o primeiro Bob Esponja? Como uma ideia tão maluca como um personagem que usa calças quadradas deu certo?

Stephen Hillenburg é o criador da série Bob Esponja. André Breitman, o entrevistador, é o produtor da premiada série Meu AmigãoZão.

André Breitman começou a conversa mostrando, de forma bem-humorada, como os animadores

veem o criador do Bob Esponja: disse que, quando Cesar Coelho o convidou para entrevistar Stephen Hillenburg, perguntou: “E quanto eu vou ter que pagar a você?” Continuando no clima descontraído, André iniciou as perguntas contando que, na pesquisa sobre o entrevistado, descobriu que Stephen é biólogo marinho e, além de ser também o “criador multibilionário” do Bob Esponja, é discreto, não dá muitas entrevistas.

Stephen Hillenburg respondeu com simplicidade: “Sou como todos aqui, gosto de desenhar, de

pintar. E, para responder à sua pergunta, gosto da minha privacidade. Quando você tem um programa que se torna um fenômeno global – o que foi uma surpresa para mim, como para todos – é melhor manter a vida separada dos programas. Ele que é a estrela, gosto de manter isso dessa forma”.


André quis saber: “Nós todos conhecemos e adoramos o Bob Esponja. E, como animadores, é muito óbvio fazer com que o rosto seja grande e amarelo, mas sabemos disso por causa dele, mas você o criou a partir de um mundo sem o Bob Esponja. Então, como é que ele apareceu, como o personagem surgiu?”. Stephen, então, falou da origem do personagem: “Muitas pessoas, quando veem o programa, dizem: tão estranho, é tão aleatória essa ideia. E não é. Porque o Bob Esponja é uma combinação dos meus interesses: oceanos, e, quando eu era muito jovem, gostava do Jacques Costeau, da série de televisão, eu me identificava muito, adorava aquela introdução, aí comecei a mergulhar, eu gosto de surfar, tenho uma vida muito ligada ao mar. E depois tem a arte. Gosto de desenhar e pintar. Mas não via como as duas coisas podiam se encontrar. E fui à escola estudar ciências, estudei Biologia Marinha”. Terminado o curso, Stephen Hillenburg foi dar aulas para crianças. Fez, então, uma história em quadrinhos para ensinar aos alunos a respeito dos diferentes animais da costa da Califórnia. Mais tarde, criou uma revista em quadrinhos em que já havia a ilustração que usaria no futuro para o Bob Esponja. A história, que se passava em áreas do mar de formação de pequenas piscinas onde a vida animal é muito rica, devia ser mais informativa do que engraçada. “E nada aconteceu: eu não consegui a publicação”, contou Stephen, que fez o trabalho com uma fotocopiadora – e, depois da distribuição, ele foi parar na estante. Na sequência, Stephen foi estudar na CalArts. Quando se formou e começou a trabalhar na indústria, nos Estados Unidos, Stephen, na época a serviço de um programa com animais, “Rocko’s modern life”, na Nickelodeon, percebeu que, se tivesse que fazer um programa, seria com algo de que ele gosta: animais marinhos. O ponto de partida, então, foi seu livro de quadrinhos: “Vocês podem ver: aqui tem uma estrela marinha, e tem olhos nos finais dos braços”, mostrou, “Isso é mais realista, porque há sensores nas pontas da estrela, mas humanizei esse personagem e o chamei de Patrick”. Stephen levou para a apresentação imagens de uma revista sua de 1989 em que já havia o Bob Esponja e outros personagens do elenco, mas não antropomórficos como os tipos adotados para os

personagens da série. Como mais uma vez essa iniciativa deu em nada, Stephen deixou o projeto de lado novamente. Quando retomou, a ideia havia evoluído: “Queria fazer um homem criança, como Jerry Lewis, esse tipo de personagem”. Stephen finalmente ficou satisfeito com a forma do personagem: “Ele é quadrado. Em inglês, dizemos que ele é um nerd, uma pessoa quadrada, e assim a forma e a personalidade parecem se unir”, disse Stephen, “Antes, se chamava garoto esponja, mas alguém já tinha os direitos autorais desse nome, não pudemos usar. Então, pensei no nome próprio Bob Esponja Calças Quadradas, Era tão ridículo esse nome, fazia as crianças rirem, e foi assim que surgiu”. André ressaltou a formação de Stephen: “Você mencionou a CalArts, e este ano estamos centrando no que o Brasil precisa desesperadamente agora: de escolas de animação. Estamos começando a ter produções de animação, mas não temos escolas formais, ou temos poucas. Fale o que isso propiciou a você, um biólogo marinho”. Stephen contou como a formação em animação entrou em sua trajetória: “Eu estava voltando a pintar, não queria mais dar aula, queria ser realmente um artista. Fui a um festival de animação, como o Anima Mundi, e tive um insight: é isso que eu quero fazer. Eram filmes independentes, estilos diferentes, é realmente isso que eu adoro na animação. A ironia é que eu acabei trabalhando com a televisão, mas realmente o que eu gosto é de filmes de festival. E, no fim de alguns filmes, havia: “Feito na CalArts”. Na época, a CalArts era uma escola de Belas Artes e Animação, então, havia muitas coisas acontecendo, e aí eu decidi imediatamente que o que eu queria era ir para lá”. Na CalArts, um mentor propunha que a animação fosse feita como arte: não se tratava apenas de comédia e de animais engraçados. “Acho que a coisa mais importante sobre a CalArts é que eles nos ensinavam a seguir as próprias ideias, não fazer o que os outros estavam fazendo. Isso é realmente muito importante. E não apenas isso. Era uma época em que se trabalhava com 16mm. O que era único nessa escola era que você podia animar o seu filme, fotografar, gravar o som, editar, você podia usar músicos, enfim, era uma


grande mistura de artistas. Então, você aprendia a fazer o seu próprio filme sem delegar, que é o que você acaba fazendo na televisão: você delega essas tarefas. Mas é muito importante pelo menos ter uma compreensão dos efeitos sonoros – e isso foi excelente na CalArts.” Stephen exibiu para a plateia “The green beret”, seu primeiro filme na CarlArts. Disse que, depois de se formar na escola, seus filmes foram mostrados em festivais como o Anima Mundi. E falou sobre como, no início da vida profissional em animação, foi importante para ele aprender como fazer um programa: “Quando você está trabalhando numa escola de artes, você faz a maioria das coisas como quer, mas, na indústria, tem que poder colaborar. Realmente, aprendi, ao trabalhar com o programa de outra pessoa, um modelo a ser seguido.” O entrevistador insistiu na importância de detalhes a respeito de como é possível emplacar uma ideia, um personagem como o criado por Stephen: “Você estava numa grande rede, a Nick, mas vivendo num mundo que nunca tinha visto Bob Esponja. É difícil imaginar, mas houve uma época em que as pessoas nunca tinham visto um Bob Esponja, e você teve essa ideia. Depois do que você mostrou, é mais fácil ver de onde veio. Mas são links com a sua forma de ver as coisas, pessoal. E você

tinha de fazer um pitching para o Nickelodeon para convencê-los. E como você conseguiu?” “Tinha já umas pessoas mais jovens que estavam conseguindo pressionar para fazer o Bob Esponja, e havia executivos que eram mais céticos. Uma coisa é: você tem que fazer o que realmente quer fazer. Eu acho que acontece na indústria nos Estados Unidos que, quando você tem uma ideia, tem um comitê de pessoas querendo dar tanta contribuição que acaba mudando o cerne da ideia, e tudo se perde tentando fazer alguma coisa de que este ou aquele executivo goste. Não sei se era bom ou ruim, mas eu pensava: vou fazer o que eu quero fazer e, se eles não quiserem, eu não vou fazer. Mas você ainda tem que trabalhar com a empresa: ser cordial, fazer reuniões. Eu falava a respeito do programa, fazia uma defesa oral. Então, você vai fazer o pitching da história, dos personagens; depois, eles vão fazer o piloto, o primeiro episódio, e todos vão assistir, inclusive os executivos da Nickelodeon de Nova York, e vão discutir; depois, mostram para as crianças, todas numa sala, para escolher entre uma carinha feliz e uma carinha triste, eles tentam testar o piloto; depois, coletam informação”, enumerou, “E continuam sem conseguir decidir. Mas, eventualmente, decidem.” Stephen destacou “Tem uma história que gosto de contar: quando fiz o pitching, ouvi um rumor ‘uma esponja que vive num


abacaxi... dá um tempo, é muito aleatório’. Mas o abacaxi não é aleatório, porque eu peguei muitas imagens da Polinésia, e também deve ser muito presente aqui no Brasil, é uma coisa muito Havaí. Veio daí, não é aleatório. E, num abacaxi, teria a pessoa mais otimista do mundo: é por isso que o Bob Esponja estava num abacaxi. Houve esse rumor, de que todos estavam muito preocupados com o abacaxi. E aí havia uma cena de abertura semelhante a Jacques Costeau dizendo ‘o mar é tão bonito, e aqui estamos nós na parte de baixo do Bikini’. Então, acrescentei a fala antes do pitching para o executivo em Nova York: nós fizemos o storyboard na parede e, quando cheguei a essa altura, eu disse ‘é claro que ele vive num abacaxi, seu bobo’, e ele riu. Então, você tem que ouvir a reação das pessoas e comunicar melhor a sua ideia, você realmente tem que explicar. Mas você tem que se aferrar à sua ideia. Senão, você se perde, as pessoas metem a mão nas suas coisas.” André chamou a atenção para a importância de saber, no processo de negociação para viabilizar uma série, discernir entre o que pode e o que não pode ser mudado na ideia inicial: “Qual foi o momento do nascimento dessa história, o que seria inegociável, sobre o que você diria ‘não posso tirar isso, é a coluna vertebral do meu programa’?” Para Stephen, a chave está na característica que define o personagem

“Uma coisa que é a essência do Bob Esponja é a história de um inocente, e eu uso o exemplo do Gordo e o Magro, (Oliver) Hardy e (Stan) Laurel. Eles são adultos que são crianças ao mesmo tempo no nosso mundo, e isso é engraçado. Então, a ideia do Bob Esponja é um personagem clássico. E um problema, em relação aos produtores e à companhia, é que eles estavam convictos de que a fórmula para dar certo é ter como estrela uma criança. Para eles, os personagens tinham que ser literalmente crianças, queriam que eu acrescentasse os pais no programa, para que o Bob Esponja morasse com eles. Eu disse não. Eu já ia embora, dizendo ‘este não é o meu programa,

a história toda é que ele é uma criança que vive como se fosse um adulto, tem um emprego, seus hobbies’. Para mim isso era fundamental. Eu disse: ‘isso é a chave, isso eu vou manter firme’. E isso ajudou na produção.” Stephen reiterou que os profissionais do canal queriam colocar suas ideias no programa e que é importante saber quais manter e quais abandonar. “E, se você tem muitas pessoas criativas, você tem que dizer o que você quer fazer. Então, ter um tema ajuda a dizer: este é o tema, nós vamos ficar com isso, ou isto não está funcionando, é muito adulto, isso não se adapta à personalidade do personagem. A chave do filme está no processo criativo e no processo de aprovação, para você realmente se agarrar ao que você acredita.” Stephen Hillenburg exibiu o episódio piloto “Esse vem da minha experiência de dar aulas, porque no instituto marinho, que se chama The Ocean Institute, nós dávamos aula de Biologia Marinha e também de história náutica, então, tínhamos um navio ancorado ali perto da escola e falávamos a respeito das viagens no século XVIII. E no piloto temos uma espécie de canção usada pelos estivadores e marinheiros, de perguntas e respostas.” Além do piloto, Stephen mostrou material que usou no pitching de Bob Esponja “Na bíblia, eu tive que comunicar quem era o Bob Esponja. Essa era a coisa essencial. Tive que fazer várias poses para mostrar o tipo de personalidade.”


André: “A essa altura você já tinha uma noção de o que o personagem podia fazer ou não? Se ele podia se rasgar pela metade, se transformar em números...” Stephen: “No início, eu tentei fazer com que o Bob Esponja fosse aquele a poder fazer isso, mas, como esponja, ele é estranho. E os outros personagens são menos mágicos. Na vida real, se você pegar uma esponja viva e colocar no liquidificador, os pedaços vão se regenerar. Já é um organismo totalmente adequado à animação.” Stephen Hillenburg ressaltou que Bob Esponja é um personagem muito inocente, que não tem consciência da própria criatividade, mas é muito talentoso. E sublinhou ainda que os hobbies do personagem são sempre os hobbies de uma criança. Diante de imagens que usou na criação da série e no pitching, Stephen, citando o trabalho de Nick Jennings (animador, diretor de arte e roteirista), que, segundo ele, “captou o estilo do programa”, enumerou:

• “Esse é o mapa do mundo deles.” • “Você precisa encontrar qual é o personagem principal e o que vai fazer com que queiram assistir a esse programa. Isso ajuda as pessoas a compreenderem.” • “Plâncton já estava aqui, era um vilão.” • “Eles vão da cidade para um subúrbio, saem de férias...” • “Eles caminham, não nadam, para ficar uma coisa mais paralela com o nosso mundo.” • “Onde ele mora, o mundo dele, as coisas dele, o quarto, onde ele trabalha, o Fast Crab (Siri Cascudo, no Brasil). Nos Estados Unidos, temos uma porção de lugares de fast food que se parecem com esse.” • “E o caramujo, os outros

personagens... Os sete principais personagens e a descrição da relação deles com o Bob Esponja. O esquilo que vive no fundo do mar: ele é um grande aventureiro.” • “E que história você vai contar? Um exemplo aqui de uma história (se chama ‘The squeeze boots’) em que o Bob Esponja ganha essas botas e faz o Sr. Crab (Sirigueijo, no Brasil) ficar louco com o som delas. É baseada naquela lenda do gato de botas.” “Então, eu fiz o pitching, e não tive que fazer o pitching para mais ninguém.” André: “Depois de fazer o pitching, a bíblia, você recebeu a luz verde para um piloto, não foi?” Stephen: “Mas, depois que você faz, eles testam. Havia pessoas que queriam mudar a série, mesmo depois do piloto. Mais tarde, um dos executivos disse: ‘Nós gostamos de você ficar firme nas coisas em que você acredita’.” O criador do personagem destacou um detalhe importante: “O piloto custou muito dinheiro e tempo. Se você diz ‘vou levar para outro lugar’, ainda tem isso. São passos. Se a gente aprovar o piloto, vai para a série, com tantos episódios... E, se você fizer uma segunda série, vai ser isso também. Se eles fizerem um piloto e depois te disserem ‘Não queremos’, vão segurar aquilo um tempo, dois anos... Se outra quiser, vai ter que pagar o que a emissora gastou.” André: “Eu me lembro de quando vi o Bob Esponja pela primeira vez, com meu filho. Disse: ‘Olha, um queijo’. Ele é uma esponja de cozinha, não uma normal. Garotos entendem imediatamente, adultos demoram um pouco mais. Teve sucesso imediato?” Stephen: “Foi sempre crescente, não foi uma coisa imediata”, ponderou, “Depois, os índices de audiência foram crescendo como uma bola de neve, as pessoas começam a falar...”


Stephen Hillenburg ressaltou mais uma vez a inocência como o tema do programa: “A inocência do Bob Esponja é onipresente”. E também ponderou que, dependendo do tema, um episódio nem sempre tem tradução para diferentes países. O criador do Bob Esponja mostrou um storyboard da série, para explicar que eles sempre trabalham nesse formato: depois do roteiro, fazem todas as cenas em quadros. O trabalho leva duas semanas para escrever e uma e meia para redesenhar, finalizar. André: “E o filme? Você trabalhou no filme, também, em termos de storyboard?” Stephen: “Nós nunca tínhamos feito um formato longo. Sempre fazíamos um programa de no máximo 20 minutos. O filme ia ter 80 minutos, e decidimos usar o mesmo processo do storyboard. Foi um pesadelo. Muito difícil, porque estamos acostumados a histórias simples e curtas, que eu prefiro – embora tenha ficado satisfeito com o filme – talvez por minha afinidade com filmes independentes, curtas de festivais: em princípio, não queria fazer um longa.” O longa e o tempo: “Foi um ano para escrever e um ano para fazer, o

que é um tempo bastante curto. Recomendo pedir sempre mais de dois anos para fazer um longa”, disse Stephen Hillenburg, “Eles queriam o filme para as férias: tínhamos pouco tempo”. A vida pós-filme: “Depois do filme, eu me transformei num produto executivo”, contou Stephen, explicando que ainda trabalha na série, mas não do mesmo jeito e no mesmo ritmo que antes, “Agora estou fazendo um curta sobre o Boulevard da Fama, de Los Angeles”. André: “Em termos da série, o que você ainda faz?” Stephen: “Eu acho que é preciso ir introduzindo novas pessoas para trazer novas ideias. Faço muita revisão de storyboard, fazendo anotações... Ainda estou envolvido, mas um dos meus autores preferidos, o produtor executivo Paul Tibbit, começou a se colocar no meu lugar. É um trabalho, uma atmosfera, um ambiente maravilhoso. Eu sempre gostei e acho isso importante. Tentamos fazer com que o trabalho na série seja o mais agradável possível, manter a mesma sintonia.”


Dia 21 de Julho - quarta feira 17: 00 às 19:00 Palestra – Fábrica de Talentos (Teatro II) Como funcionam algumas das melhores escolas de animação da atualidade. Como são constituídos seus programas e atividades práticas. Relações com os estúdios. O que podemos adaptar para nossa própria realidade e possibilidades de intercâmbio de alunos e professores. Participantes – Eric Riewer (Gobelins), Maureen Furniss (CalArts), Marlene Nascimento (UBA) Moderador – Marcos Magalhães (Anima Mundi, ABCA)

O moderador Marcos Talentos:

Magalhães começou colocando em xeque o nome da mesa, Fábrica de

“A gente fabrica talentos? Descobre?” E lembrou que o Anima Forum promoveria no dia seguinte uma mesa complementar, sobre capacitação para a indústria de animação brasileira. Antes de abrir a conversa, sobre escolas cujos alunos fazem “trabalhos que a gente já admira há muito tempo no Anima Mundi”, o moderador lembrou do curso de pós-graduação em animação que montou na PUC, que não era voltado para a indústria. Marcos Magalhães também falou sobre ser autodidata. “Eu nunca tive um professor de animação, tive mestres”, disse, ressaltando que, como muitos animadores, aprendeu na prática. Mas o objetivo da mesa era aprender com os exemplos de cursos da Argentina, país com a realidade mais parecida com a do Brasil e com formação de animadores dentro de uma faculdade de arquitetura e design; da CalArts, escola emblemática que foi fundada por Walt Disney; e da francesa Gobelins, que já participou do Anima Forum com um workshop de construção de personagens.


Marlene Nascimento da Silva, da

Universidade de Buenos Aires A brasileira vive na Argentina há 21 anos e há 14 é professora na UBA, que há 16 anos criou seu curso de animação. “Fabricar talento criativo, não só na minha vida privada como na minha vida de docente, eu acredito que é impossível, mas o que a gente consegue é dar rumo aos talentos que chegam.” A professora ressaltou que a UBA tem muito peso na sociedade Argentina. “É uma universidade que foi criada em 1812. Desde então, tem uma participação ativa na sociedade argentina. Está composta por um governo autônomo, o que é muito importante ressaltar”. O ingresso é livre e gratuito: qualquer argentino “pode terminar o colégio e fazer o que a gente chama um ciclo básico comum de qualquer uma das 13 faculdades”. “Uma delas é a faculdade de arquitetura, desenho e urbanismo”, disse ela, ressaltando que preferiu não traduzir desenho como design. A Escola de Desenho de Imagem e Som, que fez 20 anos ano passado, “cresceu monstruosamente nos seus primeiros 10, 12 anos de vida e depois deu uma diminuída na curva”. Na carreira, “o título é como se fosse o título de bacharel no Brasil, não é um título de licenciatura.

O curso está compreendido em um ano desse ciclo básico comum, o mesmo que faz o aluno que vai para arquitetura e desenho gráfico”. Na primeira etapa, tem matemática, história e sociedade. E hoje existem 2.800 alunos regulares na carreira. São 1.200 diplomas legalizados desde que a carreira começou até agora: “É um número baixíssimo”, reconheceu a professora. Mas, segundo ela, isso se deve a uma característica dessa área: “Ninguém pede o diploma da faculdade para você começar a trabalhar”. “Nós não somos uma escola de nível médio. Lá na Argentina também tem muitos cursos técnicos de animação.” A ideia da carreira universitária, disse Marlene, é formar um profissional que tenha base tecnológica e que possa refletir sobre a questão estética. A disciplina Desenho Audiovisual está presente já no início da faculdade. E a estrutura adotada é a de um lugar de trabalho. “A dinâmica sempre é de workshop e de correção constante do processo de trabalho. Ninguém faz o curso em três anos, a média é de 4 ou 5 anos para terminar. No nível três, em que é dado Desenho Visual 3, o aluno tem a opção de escolher uma das cadeiras com a especificidade da animação. Hoje, nós temos 41 alunos inscritos. São dois dias na semana com aulas durante toda a tarde. Ele não vai ter tempo de fazer mais do que duas ou três matérias.”


Metodologia Marlene disse que o curso trabalha muito com análise do discurso. E que o intercâmbio de experiências na prática é fundamental, assim como a realização dos trabalhos práticos. “A gente começa a disciplina Trabalho Prático 1 – Estudo do Movimento. Simples: entrar na disciplina do stop motion com tampinha de garrafa. Aí, a gente desce o conceito de trajetória, movimento. É a mãe da animação.” A professora detalhou que o curso trabalha pontos como interação de personagens e sincronismo musical e labial. O trabalho de final de curso é um curta de animação. E Marlene enfatizou a atenção dada a “visão de mundo, investigação”. “O trabalho tem uma investigação forte de todos esses ‘ismos’ estéticos, de todas as questões éticas, ideológicas, princípios. O aluno já chega a esse momento da carreira com uma inquietude que ele não sabe onde vai canalizar, então, sobre essa coisa de canalizar o talento, o talento está aí, está na mão, então, tem que ver como a gente vai moldar, e moldar esse talento é a metodologia que a gente consegue aplicar, com esse espaço”. A professora acrescentou que os alunos terminam o primeiro quadrimestre com um primeiro Animatic.

Maureen Furniss, da CalArts “A CalArts é uma escola de arte de Los Angeles. Alguns de nossos ex-alunos foram grandes líderes da animação”, disse Maureen, “Quando a gente procura estudantes para nossos programas, a gente

valoriza que eles tenham um passado de belas artes, ou pessoas que sejam muito inovadoras, criativas e originais no seu trabalho. E temos uma mente muito aberta em relação ao passado, à educação desses alunos, à formação. A gente acha que todas as pessoas que a gente aceita têm esse potencial, e nós queremos ajudá-las a ter um ambiente em que possam crescer como animadores e despontar no mundo da animação”. Maureen explicou que a escola tem dois programas na área, de animação de personagem e experimental. “Esse programa é dos anos 70, mas a escola tem uma história muito mais longa do que isso”. A CalArts foi estabelecida em 1961, com os irmãos Disney, por meio de uma fusão de duas escolas profissionais de Los Angeles, o Conservatório de Música, fundado em 1883, e o Art Institute Culinair, fundado em 1921. “Com essa história da escola, vocês podem pensar que nós somos muito orientados para comércio, mas, na verdade, esse não é o caso. Nós não nos preocupamos muito com emprego depois da escola. Temos um certo apoio para isso, mas não somos uma escola comercial, não treinamos a pessoa para conseguir um emprego, a gente quer que seja um artista.” Maureen reiterou que o critério de admissão se baseia muito no talento.


“Nós não nos importamos muito com notas, recomendações, nós vemos o que está na tela ou no papel. E, se isso faz com que sejam pessoas que possam entrar para a CalArts, a gente aceita e até apoia e financia até certo ponto, não tanto quanto gostaríamos, mas, de qualquer maneira, um pouco. Nós queremos educar artistas para darem melhores contribuições, algo de que eles possam se orgulhar.” De acordo com as recomendações de Disney, o ideal seria que o estudante da CalArts residisse no campus, que tivesse uma espécie de mesada com que contar, e não seria preciso se preocupar com notas. O ideal também seria que a CalArts tivesse muitas bolsas de estudo: aqueles que pudessem pagar pagariam, e aqueles que não pudessem teriam as bolsas. A ideia é não dar espaço para diletantes e ter o talento como principal diretriz. Uma das frases deixadas por Disney: “Se eu puder ajudar a prover um lugar para desenvolver o talento do futuro, acho que terei realizado alguma coisa”. Maureen mostrou fotos da escola, dando destaque para a galeria principal, que abriga performances e exposições: “um lugar onde as várias disciplinas das diferentes escolas podem interagir, e onde a natureza interdisciplinar da educação artística está bem exemplificada.” As áreas de estudo na CalArts são a escola de artes, a escola de estudos de crítica, a The Sharon Disney Lund School of Dance, a escola de filme e vídeo, a The Herb Alpert School of Music at CalArts e a escola de teatro. “A CalArts, como eu disse, é muito orientada para a performance, e o ano inteiro nós temos espaços abertos para as escolas de arte, que começam às 10h e vão até de madrugada, 1h ou 2h da manhã. E todas são no campus, e os alunos têm que ver o trabalho uns dos outros durante toda a semana. No final do ano, nós temos mais mostras dos trabalhos dos estudantes. Por exemplo, existe uma semana toda dedicada a mostra dos filmes dos estudantes no nosso cinema, e, desde a manhã até a noite, durante uma semana inteira, a gente só mostra isso. Não tem aula, não tem nada, todo mundo tem que ver. E, além disso, existem algumas oportunidades mais competitivas, tanto para animação de personagem quanto para

filmes experimentais. O programa de animação de personagem é chamado “O show do produtor”, e o outro é chamado o “Showcase dos filmes experimentais”. E existe também um cinema grande no centro da cidade, com a Academia de TV e Ciências, e a gente traz não só o pessoal da indústria, que vai ver o trabalho dos estudantes, mas também as famílias… É muito importante esse evento, para toda a especificidade da CalArts, é uma tradição muito importante, que todo ano junta todo mundo num espaço só. É muito bom.” O corpo discente é muito variado. De 2009 a 2010, são 1.399 estudantes de 49 estados, do distrito de Columbia, Porto Rico, e de 35 nações. Desses, 888 ainda em formação, na graduação, e os outros nos estudos de pós-graduação. Sendo 51% mulheres e 49% homens. Os estudantes internacionais são 11,4% do corpo discente. E os estudantes americanos são de diversas etnias e origens: 62% caucasianos, 12% asiático-americanos, 17% latinos, 8% negros, 0,5% indígenas e do Alasca, 0,5% de outras categorias. A média de idade de quem ainda não se formou é 20,97, e os estudantes já formados, na pós-graduação, têm uma idade média de 27,5. “As estatísticas não mencionam, mas outra qualidade importante é a diversidade das classes. Nós temos todas as classes sociais representadas e temos programas de bolsas e incentivos especialmente para quem mora na área de Los Angeles, para que os estudantes possam frequentar essas aulas e atingir o seu potencial.” Quanto ao processo de seleção, no outono de 2009, de 3.151 pedidos, 35% foi o índice de aceitação. A média dos estudantes das diferentes escolas foi 7,1. E a média do tamanho das turmas é de 14 alunos. “Usamos muito o sistema de mentores”, disse Maureen, sobre alunos que exercem o papel de professores. “As pessoas pensam que animação de personagem e animação experimental são muito diferentes, mas se sobrepõem muito”, enfatizou ela, “Não pode estereotipar o grupo de animação de personagem como um grupo comercial. Na animação experimental, a coisa mais importante é o estilo pessoal. As pessoas podem vir de qualquer disciplina e trabalhar em qualquer tipo de animação.”


Maureen mostrou três exemplos de animação que refletem estilo pessoal, o tipo de portfólio que a escola procura. Para ela, trata-se de um portfólio cheio de vida, com uma compreensão de arte. “A gente quer aceitar 40 alunos por ano”, disse, “Há uma grande variedade de estilo”. Maureen deu como exemplo uma aluna que faz as duas vertentes: animação de personagem e experimental. “E eu queria dizer que nós gostamos de estudantes internacionais”, declarou. Maureen Furniss também ressaltou a preocupação da CalArts em evitar a padronização: “É muito importante, quando criarem seu programa de animação, ver além do óbvio”, recomendou, argumentando que é preciso não ver só os animadores que estão trabalhando de maneira clássica, mas ver outras pessoas, que trabalham em outras práticas artistas. Seguindo sua linha de visão abrangente sobre o mundo das artes e da animação, Maureen finalizou sua apresentação chamando a atenção para a importância das artistas mulheres.

Eric Riewer (Gobelins) “Vou ser um pouco provocativo. Nosso foco é ter emprego. Nós acreditamos que, se tiverem uma paixão por animação, é bom poder viver disso, para poder fazer animação a vida intera. Então, para Gobelins, nós temos um contrato: se você for bom, original, você vai ser pago para fazer isso. Isso é nosso foco. Eu acredito que vocês podem nutrir ao mesmo tempo o artista e as habilidades para se tornarem forças líderes de um bom trabalho. Então, Gobelins se trata disso: conseguir trabalho para animadores.”

ser mais criativo ainda, as habilidades técnicas para fazer animação de alta qualidade. E também habilidades profissionais: como você vai fazer os projetos, como vai fazer o pitching, como vai entrar no mundo profissional internacional para fazer projetos de animação, que podem ser séries de TV, filmes de arte, videogame, o que for”, enumerou, “Também desenvolvemos habilidades de trabalho em grupo, porque é muito difícil algum animador trabalhar sozinho. Bill Plympton, que eu amo muito, trabalha sozinho, mas na maior parte das vezes, você vai trabalhar como membro de uma equipe”. “E, também, os projetos da Gobelins devem ser de nível profissional, devem ser acabados, terminados e devem ter um alto nível de qualidade”, acrescentou. O representante da escola francesa listou várias formas de animação, cartoons, curtas, séries de TV, longas, efeitos especiais, filmes de ação, games, websites e, arrematando, disse: “Qual é o elemento essencial da animação? O movimento, claro. A Gobelins é a qualidade do movimento e da performance. Vocês vão aprender a fazer um filme de animação, mas o foco é animação de personagem, qualidade do movimento, performance e atuação”. Eric Riewer continuou com o tom de sua apresentação: “Quais são as chaves para o sucesso? Em primeiro lugar, vamos ser óbvios: nosso objetivo é que, quando vocês saírem da escola Gobelins, vão ser profissionais de alto nível. Nós só recrutamos artistas muito talentosos e capazes”. “Temos entre 500 e mil pessoas que todo ano se registram para estudar lá e temos 25 lugares. Alguns têm que prestar exame três a cinco vezes para conseguir entrar. Entre paciência e paixão, eles têm que ter os dois”, reiterou.

Eric explicou que o nome da escola vem da tapeçaria Gobelins, famosa durante os séculos 17, 18 e 19. “É para ensinar animação como uma tapeçaria de talento e habilidades”, disse, “Nós temos fotografia, arte gráfica, animação, filme e vídeo, som, e também temos multimídia”.

Sempre enfático, o representante da Gobelins garantiu: “Nós vamos desenvolver uma rede de profissionais de animação que vão ensinar, ajudar, julgar, acompanhar você no desenvolvimento do seu trabalho, tudo é baseado em exercício e projeto. Você se gradua com um portfólio muito grande.”

Detalhes sobre o curso de animação: “Queremos ensinar três coisas aos estudantes. Primeiro, as habilidades criativas. A você, com seus talentos artísticos já reconhecidos, nós vamos ensinar a

Sobre o processo de seleção “As exigências para a admissão não vão por uma coisa teórica”, disse, explicando que é só depois de aprovado nas primeiras avaliações que o candidato


mostra seu portfólio. “E tem que saber falar francês também. Acho que é a mais difícil do mundo”, disse, sobre o ingresso na Gobelins. “Especificações e prazos, exercícios com condições do mundo profissional”, segundo Eric, também têm destaque na escola. “Se o estudante acha que não conseguiu dar um salto em uma semana, então, não estamos fazendo nosso bom trabalho de professor.” Sobre as técnicas, Eric reiterou o que a maioria costuma dizer: “Você não deve fazer distinção, deve aprender todas, para ser adaptável, flexível”, recomendou, “Ao fim, mais audacioso, vai assumir mas riscos, vai ter a atitude certa para animação”. Uma recomendação expressa foi feita por ele a respeito de filmes que servem para mostrar a capacidade do animador: manter o filme curto. “Combine sua ambição com o que você pode fazer”. Não dá para querer usar esse momento, disse ele, para se expressar como artista e mostrar toda a sua visão de mundo. “Os grandes estúdios não têm tempo. Mostre como você é bom logo no começo. Faça com que o filme seja pequeno e atraente para o seu público, que tenha menos do que 3 minutos.” Dentro do mesmo tema, o representante da Gobelins disse ainda que, num making of de um trabalho em grupo, é importante deixar claro exatamente o que foi feito pelo candidato, dentro do todo. E citou outro tipo de filme de alunos da escola para ensinar que animação ter a ver com contornar problemas de produção e orçamento. “Temos que fazer atalhos”, disse, explicando que os estudantes não tinham tempo suficiente para uma animação de um polvo com seus oito tentáculos, então, fizeram o animal com seis tentáculos.

Eric Riewer concluiu: “A animação é um artesanato, uma sabedoria, um conhecimento que é feito por habilidades e talento”. E resumiu: “É trabalho e invenção”. Uma das perguntas da plateia foi feita a Eric sobre “Meu malvado favorito”, uma produção americana produzida num estúdio francês. “Esse é um modelo econômico que atraiu muita atenção da imprensa, inclusive do Wall Street Journal. É muito caro fazer filmes de longametragem no estilo Hollywood, Pixar. As pessoas falam em cem milhões de dólares como começo de orçamento, que vai levar cinco anos”, apontou Eric, que disse que a Universal procurava fazer um longa com alta qualidade mas com baixo custo e para isso encontrou o Mac Guff, um estúdio parisiense. Maureen Furniss também aproveitou o espaço dedicado à curiosidade do público para esclarecer, depois da apresentação de Eric: “Não me entendam mal: os nossos alunos também trabalham duro”. Ela explicou que os estudantes da CalArts também se preocupam com emprego e muitas vezes recebem propostas antes de terminar o curso, embora não seja este o foco da escola. Sobre as perguntas da plateia a respeito de como financiar os estudos nas duas escolas, a Gobelins e a CalArts, de acordo com as respostas dos representantes, o caminho seria procurar instituições brasileiras, para saber sobre a possibilidade de bolsas e convênios. No caso da CalArts, há instituições americanas como a Fundação Fulbright, mas seus recursos contemplam em sua maior parte americanos. Maureen também acenou com a possibilidade de, uma vez que o aluno já tiver ingressado na escola, conseguir mais ajuda, intermediada pela instituição, a partir do segundo ano.


Dia 22 de julho – quinta-feira Master Class II (Teatro II) “Sonoplastia para Animação” Por Andy Malcolm A proposta da master class foi Andy mostrar como cria sons incríveis para filmes de animação, convidando a plateia a participar desse processo. Andy Malcolm fez de sua master class uma aula prática – e muito divertida. A plateia participou de quase toda a apresentação, criando sons para uma sequência de ação ao vivo e outra de animação. Andy explicou que o que faz é chamado de foley, expressão que descreve a reprodução de sons do dia a dia para uso em filmes. “Eu queria fazer uma distinção entre o termo sonoplastia e o termo foley. Sonoplastia é foley e efeitos sonoros”, enfatizou ele, esmiuçando a profissão, “O pessoal de foley trabalha com objetos de cena”. É por meio desses objetos que são criados sons como os do vento nas árvores, dos pássaros, de um carro passando, entre uma infinidade de outros, listou ele. Diante do palco repleto de diferentes objetos e de uma mesa que incluía itens como macarrão e aipo, Andy brincou dizendo que dava pra fazer uma aula de culinária com tudo aquilo. Em seguida, exibiu um filme feito em 1979, com duração de oito minutos, que mostra com humor o que seria um estúdio de foley. Na tela, enquanto os profissionais fazem seu trabalho, criando sons para sequências que incluem lutas e tombos, vivem situações engraçadas e fazem muita sujeira e confusão em seu local de trabalho. “Tem que criar. Fazemos muitos filmes de horror no Canadá e nos Estados Unidos”, contou Andy Malcolm, explicando que um de seus objetos de cena favoritos é a flanela: com ela, mostrou ele, e massa comum, como um rigatoni, é possível criar efeitos incríveis. Andy demonstrou na prática: envolveu a massa com uma flanela, torceu, despedaçando-a, e o som que se ouviu no microfone surpreendeu a audiência. “Um braço quebrando”, descreveu Andy.


Andy Malcolm exibiu também vários exemplos do trabalho de foley que criou para “Alice no País das Maravilhas”, de Tim Burton. Explicando que usa um microfone aberto e outro fechado, para “ter uma perspectiva do som”, Andy falou sobre os sapatos que usou para o filme e acrescentou que em seu trabalho é preciso usar sapatos de mulheres, bebês, homens grandes... “Nunca sabemos”, explicou, referindo-se à variedade de sons que precisa criar. Sobre a variedade que marca o trabalho de foley, Andy disse que ele e os outros que fizeram o filme de 1979 exibido em sua apresentação tentaram fazer com que a produção ficasse divertida, mas demonstrou não ter ficado plenamente satisfeito. “Acabou sendo muito linear”, disse, explicando que o filme mostrava um som depois do outro, “mas, na realidade, estamos fazendo camadas diferentes de som, sobrepondo trilhas sonoras”. “E tem também que criar sincronicidade, trabalhamos muito em sincronicidade”, enfatizou. Uma dica importante sobre foley foi destacada por Andy Malcolm: Objetos de boa qualidade têm som melhor. Assim foi feito em “Alice no País das Maravilhas”:

“Eu queria todas as taças de chá e bules da melhor qualidade possível. O que aprendi com os anos na minha carreira é que os objetos de qualidade vão ter um som muito melhor. A mesma coisa com sapato: se você usar um par de sapatos de 300 dólares, ele vai ter um som melhor do que um de 10 dólares”, explicou Andy, que, por isso, não economizou no trecho do filme de Tim Burton que usou como exemplo: “Nessa sequência, toda a porcelana chinesa é muito cara, e eu já quebrei algumas porcelanas no caminho...”.

Na hora de exibir o trecho em que a louça é quebrada, Andy aproveitou para mostrar primeiro a sequencia apenas com os efeitos sonoros e depois com a trilha guia, explicando que aquele foi um dos exemplos escolhidos para a master class porque é uma “mistura de cinema com animação”. “Quando fazemos nosso trabalho, tem que ficar invisível, vocês não podem perceber”, acrescentou. Outra dica, desta vez envolvendo a trilha guia, foi mencionada por Andy: “Gosto de trabalhar com headfones. Alguns não gostam, se sentem perturbados. Mas gosto da trilha sonora guia, de ouvir os atores falando”, disse, argumentando que “o diálogo é mais importante, tem que ouvir a fala dos atores”, para defender que é preciso fazer a trilha sem atrapalhar as falas. A respeito dos sons envolvidos num filme, Andy acrescentou que, no trabalho com cinema com ação ao vivo, algumas produções chegam até ele com trilha sonora musical provisória. Já quanto a longas de animação, a observação foi diferente: “Recebemos em vários estágios diferentes”, inclusive com a animação incompleta: “Os animadores sempre prometem que nada vai mudar e sempre muda, é a natureza da animação.” Um exemplo: em “Alice no País das Maravilhas”, na cena de mesa em que o ratinho joga cubos de açúcar, a mesma sequencia foi feita doze vezes. Andy não estuda ou sequer assiste ao filme antes de fazer seu trabalho: “Nunca”, enfatizou, “Se eu fizer um som e depois estiver errado, eu faço de novo”. Ele explicou por quê: “O que acontece é que assisto da primeira vez e às vezes acertamos, é uma espécie de espontaneidade. E, quando você vê a mesma cena várias vezes, pode cansar”, disse, mencionando o que às vezes ocorre: “Assistimos ao mesmo pedaço de cena cem vezes”. Essa repetição se deve a casos como o exibido por Andy Malcolm na master class, envolvendo Alice e a Rainha Branca, interpretada por Anne Hathaway, numa cena de cozinha. A ideia de Andy foi mostrar as diferentes camadas de som. “Nesta cena nós temos 50 trilhas diferentes”, o que é feito “repetindo a mesma cena, sempre acrescentando novos efeitos”. Para dar conta da tarefa, ele citou algo que é fundamental: “Prestar muita atenção. Tudo é muito detalhista, somos muito precisos”.


Em Los Angeles, explicou Andy, as produções têm editores de efeitos sonoros. Todo o trabalho é planejado com antecedência, há anotações sobre tudo. “Eles são muito experientes”, disse Andy, “Às vezes, te dão as marcas”, explicou. “Cada coisa que nós fazemos ajuda a história”, observou ele, que comentou o processo de criação do filme: não é possível saber o resultado sobre o seu trabalho até que o filme tenha terminado. Às vezes, Andy e sua equipe fazem cem trilhas e, de todas elas, só se sabe o que será mixado ou não quando o filme fica pronto. Como exemplo disso, Andy Malcolm mostrou uma cena, para a qual criou sons, que foi retirada de “Alice no País das Maravilhas”. “Vou querer que as pessoas subam no palco, para vocês mesmos fazerem os efeitos sonoros”, anunciou, então, dando o tom que permeou toda a master class. Dentro do clima informal que criou, Andy também respondeu a perguntas durante sua apresentação. A plateia quis saber se ele envia, a quem encomendou, o som da forma como gravou ou se faz algo mais, se faz todos os barulhos ou se lança mão de algum arquivo digital, por exemplo, como o som de um carro, já pronto. “A gente sempre cria os sons totalmente, não usamos sons pré-gravados. Tudo o que a gente faz é com os objetos de cena. Eu já venho fazendo esses efeitos e juntando

objetos há 35 anos. Tenho um porão, um trailer, um celeiro, um monte de lugares cheios de objetos e preciso usá-los”, brincou. A exceção vai para os trabalhos que simulam sons debaixo d’água. Caso contrário, vale a regra: “Sempre fazer o som puro”, reiterou. Andy rememorou o trabalho que fez no filme “Agnes de Deus”: “Fomos à mesma locação. Era muito real”. E falou sobre o processo que acontece quando os atores voltam aos estúdios para substituir os diálogos dos filmes. “O cara que faz o mixing é que pega a perspectiva que ele quiser”, disse, sobre como o trabalho que faz é usado: “A gente trabalha sempre com dois microfones”, para “controlarem na mixagem final”. Outra questão que surgiu no encontro foi o estilo Hanna-Barbera de sons em animação: a plateia quis saber se havia um equilíbrio a ser atingido, se os sons deveriam ser mais realistas ou mais exagerados nos desenhos animados. A resposta, para Andy, é que trata-se de animação, mas trata-se também de som real: “Depende do filme em questão”, ponderou. A comédia, ensinou ele, “acrescenta 25% ao som real, para ficar mais engraçado”. Andy deu exemplos: um joga coisas na cabeça do outro, há três ou quatro trilhas, coloca-se um “tóim” no final, isso funciona na comédia. “É a exceção no cinema”, registrou.


Sobre o lugar onde trabalha e mantém todo o seu equipamento, Andy Malcolm observou: “Os animadores sempre querem estar lá”. “Moro a uma hora de Toronto, ninguém nunca quer me visitar lá, o que é ótimo, com exceção dos animadores.” Ele explica que muitos animadores vão até ele com pedidos como “não quero que os passos tenham som de passos, quero que tenham som de pá”. “Temos que atender ao que o animador está pedindo, o que nem sempre é fácil.” A plateia gravou os sons para uma sequência de “Mistérios e paixões” (“Naked lunch”), de David Croneberg, que incluíram desde vidro quebrado, chaves, cadeira arrastada e passos até inseto esmagado. Diante da aula prática, surgiu o tema “faça você mesmo”: “Hoje, com a tecnologia, gravadores digitais e câmeras de alta definição, todo mundo pode fazer os seus efeitos. Você não precisa ter um estúdio especializado para fazer os seus efeitos. Pode ter um gravador digital, sair e gravar seus sons. Eu encorajo, porque os artistas que fazem efeitos sonoros são muito caros”, disse Andy, dando a dica de como alguém que quer fazer um filme pode economizar. O criador de efeitos sonoros disse que, nessa área, o trabalho em cinema de animação não é muito diferente do que é feito nos filmes de ação ao vivo. E reiterou “Alice no País das Maravilhas” como um

exemplo de mistura entre as duas técnicas. No trabalho feito na master class junto com a audiência, Andy Malcolm usou os mesmos sapatos que usou no filme de Tim Burton. E disse que há um recurso que pode ser chamado de truque para resolver problemas de foley quando se trata de passos: usar um sapato calçado e outro na mão. “Para fins de demonstração, vou colocar um microfone só. Não vou fazer como num estúdio de sonoplastia, em que a gente coloca a perspectiva”, explicou, “só para dar uma ideia de como todo mundo pode fazer”. Na hora de criar os sons de o personagem descendo escadas, ali mesmo no teatro, Andy Malcolm usou de fato as escadas que levam à plateia. “Porque é diferente o som daqui do piso do palco”, justificou, depois de descer e subir os degraus. Durante o trabalho, Andy sempre perguntava à audiência, diante das sequências, que sons deveriam ser feitos. E a plateia foi identificando possíveis sons, como o de se levantar da cadeira e a respiração do personagem. “Vamos fazer duas trilhas”, disse, sobre o movimento da cadeira, “É esse som que eu quero que você faça, da cadeira arranhando o chão”, mostrou a um voluntário. E enfatizou uma das lições mais importantes na hora de simular os sons nos filmes: “Tem que exagerar”.


Para a sequência que envolve o inseto de “Naked lunch”, Andy convocou três voluntários. “Quando o inseto for atingido, você torce a folhagem”, detalhou, sobre o uso do aipo que serve como objeto de cena. E explicou: esse procedimento tem que ser feito “a cada vez que ele bate no inseto”. “Ele faz três vezes”, completou, cuidando do planejamento para que os efeitos sonoros funcionassem. Andy destacou que estava fazendo o trabalho com um microfone direcional, “que é o que eu uso”, explicou. Mas o trabalho não funcionou na primeira tentativa. E Andy detectou que o problema era que não tinha sido possível quebrar os caules do aipo, o que daria o som desejado. “Tem que poder torcer o aipo. Talvez, então, só um talinho, e não todos”, observou, acrescentando um aviso, diante da divertida função dos voluntários: “Quando você está fazendo, não pode rir, porque sai no microfone”. Depois dessas explicações, o trabalho deu certo. “Ele destruiu o aipo”, brincou Andy, “Gostei que os sons foram todos diferentes. Quando você faz a sonoplastia, os sons não têm que ser iguais, têm que ser um pouquinho diferentes”. O profissional de efeitos sonoros explicou por que optou por usar aipo para fazer a sequência do inseto: “Pelo tipo de esqueleto. Poderíamos usar

um macarrão, que também fica muito bom, mas isso aqui fica melhor”. O objeto de cena escolhido para complementar a sequência foi grapefruit. “A questão com grapefruit é que, por ter um pouco de líquido, você tem que ficar muito próximo do microfone”, disse Andy, explicando que o trabalho é feito com sons altos e baixos. “Este é baixo, mas um som muito importante. Vocês viram a sincronia? Vai fazer um, dois e três, tá?”, detalhou para os voluntários, a respeito do efeito que as pancadas provocariam no inseto. Os ajustes vieram em seguida: “Um foi bom, os outros muito baixos”, disse, explicando que ia manter a gravação do primeiro e refazer os dois últimos. Na sequência, mais uma vez Andy pergunta à plateia qual elemento falta: “Ia dizer a mesa. Mas gosto da ideia da parte vocal do inseto”, observou, sobre as respostas. O resultado da gravação vocal do inseto, além de muito engraçado, agradou: “Foi perfeito”. Andy Malcolm lembrou do trabalho que normalmente há a fazer: muita parte vocal, beijos,


ruídos de inspiração e expiração. E também ressaltou que é preciso tomar cuidado, em relação ao microfone, para não distorcer o som. A essa altura, Andy ensinou mais sobre o som de passos: “Uma coisa importante é o peso. Se for muito leve, não funciona, os personagens ficam caminhando no ar”. Chegou a hora de fazer o efeito sonoro da cena em que o personagem de “Naked lunch” quebra o vidro de uma porta. Para saber o momento exato de fazer o som, de acordo com a sincronicidade já exaltada por Andy Malcolm, ele explicou que o parâmetro usado é o wipe, que diz respeito à passagem de uma imagem para outra. “A deixa que eu usaria se não tivesse wipe: assim que ele sai do quadro, é hora de quebrar o vidro”, observou. A gravação rendeu mais momentos divertidos para a plateia, já que a voluntária, de martelo na mão, investindo com a ferramenta contra um vidro, precisou de muitas tentativas até que esse expediente de foley funcionasse, até que ela conseguisse efetivamente quebrar o vidro. Outro efeito sonoro foi conseguido remexendo os cacos de vidro no chão.

A tarefa seguinte foi feita com um chaveiro que Andy pediu para o público. “Exagera”, disse ele mais uma vez, antes de prosseguir com o trabalho de criar sons para ações que muitas vezes sequer são percebidas, como o detalhe da pressão contra a porta feita pelo personagem. O som da porta foi gravado onde Andy achou a porta mais próxima: nos bastidores. Para a gravação seguinte, Andy Malcolm mostrou uma peça, uma espécie de dobradiça, que faz o som do objeto ao qual é encaixada, providenciando assim barulhos como os do metal e da madeira. Desta vez, o voluntário acertou de primeira, e Andy se disse impressionado com a qualidade do som: “É fascinante a espontaneidade”, elogiou, remetendo ao motivo pelo qual não gosta de ver ou estudar as cenas antes de fazer seu trabalho. “Temos mais um som para fazer, quando a porta se abre. Se alguém encontrar, vou ficar muito impressionado, porque é muito difícil”, disse ele. “Pisando no vidro, quem disse isso?”, perguntou à plateia, aprovando a observação da audiência sobre os sons a gravar, como a respiração do personagem. “É isso que você tenta fazer com efeitos sonoros, você tenta ser o personagem”, aconselhou, chamando a atenção para o fato


de que o ator pisa nos cacos de vidro quando anda. “Nos efeitos sonoros, você tem que entrar no filme. E essa sequência é uma coisa tensa, então, você quer chamar a atenção para essa tensão, justamente. Assim, cada pequeno som é importante”, reiterou. Depois que a audiência se divertiu com o resultado do trabalho que havia acabado de produzir para as cenas de “Naked lunch”, Andy recomeçou a aula prática, mas desta vez com uma sequência de animação. A sequência escolhida, que mostra um casal que acorda numa fazenda, era pequena, mas com muitas trilhas sonoras, como os sons de roncar, se espreguiçar, bocejar, de passos e de vários animais. Andy explicou que prefere trabalhar com liberdade e que pede a quem encomenda um trabalho que não diga a ele o que quer. “O que sempre peço é que eles me falem o que não fazer”, disse. Depois do trabalho pronto, se quem o contratou quiser mudar algo ou desejar mais algum efeito sonoro, aí, sim, ele ouve as reivindicações e as atende. Satisfeita a curiosidade do público sobre esse assunto, Andy detalhou os sons da animação: “A gente vai fazer agora o som de ele tirar o cobertor, e

da mãe se vestindo”. “Eu tenho todo tipo de objeto em casa”, lembrou, mostrando um retalho de feltro, “Isso deve servir para fazer o cobertor. A gente faz os passos e depois todos os outros objetos”, como o barulho da xícara etc., “A última coisa que a gente faz no estúdio, e que é importante, é o tecido”, disse. Andy explicou que providencia o barulho do couro quando a cena é de um policial usando uma jaqueta de couro – e deu também como exemplo o uso de casaco de esqui. “Quase sempre, uso algodão. No caso, aqui, como é feltro, tem que fazer movimentos grandes, exagerados”. E o lembrete “Exagere!” foi repetido na gravação de sons como os da mãe vestindo a roupa e do personagem masculino lavando o rosto. Seguiram-se as gravações dos efeitos sonoros de portas e de um balde. Depois, veio mais um dos vários pontos altos da master class marcada pela diversão: a gravação dos sons dos animais. “Eu acho que a gente pode dividir a plateia e exagerar”, disse Andy, “Do lado de cá, são as ovelhas, aqui, são as vacas, e do lado de cá, os cavalos e porcos. Não sei se vai funcionar, porque é muita gente, mas eu vou fazer assim: dou


a dica e vocês fazem ao mesmo tempo. Todos os animais ao mesmo tempo. O que vocês quiserem ser”, orquestrou, para participação e alegria geral. Andy enfatizou a criatividade do trabalho:

“Quando o filme é feito no inverno, só chega a nós no verão, então, temos que inventar superfícies. Quando fazemos um filme de neve, usamos amido de milho para fazer o barulho de neve”, contou ele, que costuma ir para uma arena de hóquei usar neve artificial. “E a gente usa, para grama, por exemplo, fita cassete, que a gente desenrola”, disse, mostrando um emaranhado no chão, e “fitas de vídeo, que estão ficando cada vez mais difícil de encontrar”. Na sequencia do trabalho, mais três voluntários subiram ao palco para fazer o barulho dos animais comendo e mastigando. “É como na vida: o timing é tudo”, disse Andy, para demonstrar na prática a importância de sincronizar o movimento de torcer os caules de aipo e também fazer com a boca os vocais de mastigação. “Não esqueçam de exagerar”, lembrou novamente. Antes de pedir mais um voluntário, para fazer a “voz” do porco, demonstrou que há peças que podem ajudar muito nessas horas: exibiu um pequeno objeto que, ao ser girado, emite sons que parecem pios de galinhas e pintos. “Os estúdios de efeitos sonoros são uma bagunça”, brincou, mostrando a sujeira que ia se acumulando no palco. Depois do efeito sonoro da lavagem caindo no chão, para terminar a aula prática, o último som gravado foi o de canto de um galo. Andy falou que há momentos em que o sonoplasta usa uma biblioteca de sons. E que, para a sonorização, é importante fazer uma linha de corte,

a divisão entre os efeitos sonoros. Além disso, ressaltou outro ponto como importante: quem grava os sons produzidos tem que saber mixagem. Prosseguindo com a aula, mostrou como consegue sons se debruçando sobre cascos de cavalo: “Coloco peso e fica perfeito”. Na hora de finalizar o segundo trabalho feito com o público, Andy acabou demonstrando o quanto o trabalho de foley exige atenção aos detalhes, ao perceber que faltou o barulho do porco cheirando a comida antes de comer: “Você tem que exagerar, fungar bem alto”, reiterou, dando instruções ao voluntário da plateia sobre como o trabalho devia ser feito. O criador de efeitos sonoros elogiou a audiência, que percebeu muitos desses detalhes, muitos dos sons a serem feitos. Na continuação da master class, Andy Malcolm exibiu uma animação sem palavras, em que o trabalho de foley se destaca. Diante do resultado, disse que era importante observar o que é possível fazer quando há tempo. Para conseguir tal nível em seu trabalho, Andy está sempre em busca de aperfeiçoamento: “Vou a mercados de antiguidade, lojas de segunda mão, brechós... Eu tenho feito isso há 25 anos”, disse, mostrando um objeto que conseguiu numa loja de percussão, “Efeito sonoro tem muito a ver com ritmo, então, cada vez que entro numa loja de percussão, sempre estou buscando uma coisa nova”. Andy Malcolm reiterou que seu trabalho tem muito a ver com ritmo, e deu como exemplo o som de passos. No tempo destinado às perguntas do público, surgiu a questão de qual pensamento o diretor deve ter a respeito dos sons de um filme, que incluem diálogo, foley, música... “Grande parte do som começa na parte de produção”, respondeu Andy Malcolm, que, no entanto, ressaltou que, na hora de fazer o seu trabalho, nunca viu o filme antes. Ele consulta o sound designer – e não participa da mixagem final. “Nós fazemos o nosso trabalho e prestamos atenção em todas as coisas. E não tenho nenhum controle sobre a mixagem final. Uma vez que a minha parte termina, não tenho mais nada a fazer”.


Normalmente, continuou, ele e sua equipe apenas ouvem o que os atores estão dizendo, “Temos que saber quais são as falas do atores, do que o filme trata”. Em resumo, o trabalho funciona assim: “Você faz, ouve e, se não gostar, faz de novo”. A rotina da função só muda quando a equipe faz sons que escapam aos usuais, como efeitos submarinos. O mesmo acontece em relação aos microfones usados, que mudam quando o trabalho envolve sons debaixo d’água ou frequências muito agudas. “Mas 90% do tempo é com esses”, mostrou, explicando que sempre usa um para voz e o microfone Sennheiser MK 416, que é muito direcional. A plateia também quis saber se Andy já deixou de criar alguma som para um filme:

“Mesmo que eu leve dois dias, eu vou criar um som para o filme”, respondeu, “Eu nunca deixei de fazer um som para um filme, sempre crio alguma coisa. E às vezes pode demorar horas para conseguir. Mas esse é o meu trabalho, a minha função, eu tenho que fazer. E, por exemplo, mesmo que seja um filme que se passe no ano de 5000 e a gente não conheça ainda os sons dessa época, você vai inventar. É como trabalhar com os sons debaixo d’água: ninguém sabe qual é o som de todas as criaturas, mas é nosso trabalho criar algum tipo de som para todas as criaturas. E nós usamos às vezes objetos totalmente ridículos: coisas muito pequenas, com botõezinhos, escovas... esse é o nosso trabalho. Nós inventamos, nós criamos. Se nós não tivermos o objeto adequado, nós vamos criá-lo”.

O público também perguntou como Andy entrega seu trabalho, se mixa, e por quanto tempo ele guarda os sons: “Passamos todos os arquivos originais de som. Eu comecei o meu estúdio há 10 anos e meio, e nós temos todos os sons que fizemos nos últimos 10 anos, nós mantemos tudo.” Os direitos sobre a criação também foram objeto de interesse: “Uma vez fiz um som para um longa e usaram para a toda a série”, contou, “Me disseram que tinha que procurar o sindicato dos músicos, mas não pertenço a nenhum sindicato, nem sei por onde começar”. Andy Malcolm encerrou a master class falando sobre a dificuldade de simular o som de um caminhar: É necessário estar usando os “sapatos corretos e a superfície correta”. “Tem que conseguir sincronizar”, disse, chamando a atenção para as pausas. Também enfatizou que é preciso “introduzir a emoção do personagem”: “E isso é muito difícil: uma pessoa pode estar triste, ou saltitando de alegria. Nós tentamos captar isso nos passos. Parece um pouco estranho, realmente é muito específico, mas nós trabalhamos muito com isso”. “Mais uma vez: esse é o meu trabalho.”



Dia 22 de julho – quinta-feira 15:00 às 18:00 Mesa-redonda – A Capacitação de Novos Talentos para Indústria de Animação (Teatro II) O rápido desenvolvimento da indústria de animação brasileira provocou uma grande demanda por profissionais qualificados. Embora estejam surgindo cursos de especialização em animação, a procura de bons artistas excede a oferta. Como desenvolver cursos mais longos e completos? Qual o currículo desejável para tais cursos? Participantes – Sérgio Nesteriuk (ABCA), Rodrigo Gava (Labocine), Andrés Lieban (2DLabs), Gustavo Dahl (CTAv), Caetana Rezende (Setec/MEC). Moderador – Cesar Coelho (Anima Mundi, ABCA) Na abertura da terceira mesa do Anima Forum, o moderador Cesar Coelho ressaltou o convite feito a todos os cursos e escolas de animação do país. Em vez de chamar apenas as escolas mais conhecidas, e cada um a falar sobre sua proposta, a ideia era formar um amplo painel com o objetivo expresso de traçar as necessidades de treinamento e capacitação atuais, conhecer as dificuldades e as demandas que envolvem a cadeia de profissionais de animação no Brasil e discutir formas para tornar essa indústria mais ágil e eficiente. “Este ano a gente resolveu fazer uma coisa diferente: a gente enviou uma mala direta, um convite para todos os cursos e escolas do país todo, para que eles estejam presentes aqui, mas na plateia. E a ideia desta mesa redonda é que ela se estenda à plateia. A gente colocou um painel em que a gente pretende, aqui, traçar quais são as necessidades de treinamento e capacitação que a gente está tendo agora. E quais são também as dificuldades que a gente precisa enfrentar para conseguir atender a essa demanda


de treinar novos profissionais e novos técnicos nessa área.” Foram convidados para formar a mesa: Sérgio Nesteriuk, diretor da área de educação da Associação Brasileira de Cinema e Animação, a ABCA; os produtores Rodrigo Gava, do Labocine, e Andrés Lieban, da 2DLabs; Gustavo Dahl, diretor do Centro Técnico Audiovisual, CTAv, considerada uma entidade estratégica em treinamento e capacitação para animação no Brasil; e a professora Caetana Rezende, que atua no Ministério de Educação, na área de cursos técnicos. A animação é grande demais para ficar só nas mãos dos animadores Cesar Coelho fez uma breve reflexão sobre o crescimento da animação no Brasil, a organização dos animadores, a amplitude de profissionais que o processo envolve e a evidente necessidade de formação desses profissionais, já que eles vêm de áreas diversas. “Todo mundo que é animador aqui sabe a tendência que todos os animadores têm de botar tudo em suas mãos, de tentar controlar tudo. Aliás, essa é a essência da animação; a gente quer controlar tudo, a gente é Deus no nosso universo”, brincou, “De fato, a gente cresceu muito. Eu acho que a gente chegou até aqui por mérito dos animadores mesmo. A gente foi uma classe que se organizou, que batalhou muito, que até hoje tem uma relação muito generosa entre si. E eu espero que isso dure para sempre. E isso, de fato, acontece ainda. Nós somos muito generosos um com o outro na hora de dividir as conquistas, de dividir os segredos, as expertises, os conhecimentos acumulados. A gente tem feito isso, tem feito muito isso aqui no festival e mais ainda no Anima Forum, e eu espero que a gente continue fazendo isso”. Diante da constatação geral de que o crescimento da animação no Brasil foi resultado dessa união de forças, do trabalho em conjunto e do talento inegável que o brasileiro tem para animação, o moderador fez questão de lembrar uma frase dita por Newton Cannito no primeiro dia do Anima Forum: “A animação é grande demais para ficar só nas mãos dos animadores”. Cesar Coelho destacou que a animação chegou a um ponto em que os animadores precisam de muito mais contribuição, de várias frentes, para viabilizar as produções:

“Há uma indústria de animação em formação no Brasil, e as dificuldades são evidentes. Faltam treinamento e gente especializada no mercado. A gente está esbarrando em questões sérias de falta de pessoal, de treinamento e de estrutura humana, principalmente. E não só de animadores. É toda uma cadeia de profissionais, alguns até inusitados, como bibliotecários, que são necessários hoje em dia para a cadeia produtiva que a gente está criando. Passa por produtores, distribuidores, planejadores, por pessoas que entendam o que é um plano de negócios, o que é gestão, o que não é bem a nossa especialidade, e que saibam aplicar isso na nossa área." Como fazer, qual a maneira mais rápida, mais eficiente, mais prática de chegar a isso? Como desenvolver os cursos? Ao lançar as perguntas, o moderador reconheceu a complexidade que o próprio ensino envolve. Não existe um modelo pronto, e é preciso considerar as nuances e a natureza da animação. Há uma clara distinção entre a formação de um animador e outras profissões, como o moderador exemplificou. A liberdade para criação deve ser respeitada:

"Ensinar animação não é uma coisa tão direta quanto, por exemplo, pilotar avião. Por mais criativo que um piloto seja, ele tem muitos limites, maneiras comuns de pilotar um avião. O cara tem que levantar voo de um jeito, pousar de outro jeito, fazer uma rota tal. Animação, não. Em animação você não tem limites para os estilos e escolhas. Você não pode – não deve, aliás – treinar um animador para ser igual a você. Porque são tantas, são tão infinitas as possibilidades, que é quase impossível cada pessoa que se interessa, que estuda animação, não desenvolver seu próprio estilo.”


Animação se aprende na prática, fazendo. “Não tem outro jeito. Você pode escutar dois anos o Walt Disney falando de animação aqui, ou qualquer um desses caras feras na animação, mas, se você não pegar, você não fazer, você não vai aprender animação nunca, então, isso é um outro complicador, que eu acho que vai também determinar profundamente os níveis, os destinos, os conceitos dos cursos de animação que a gente vai criar.”

Muitas vezes, grupos formados até dentro de universidades, em cursos de artes plásticas, design, falavam ‘Vamos fazer animação’. E aí havia essa troca entre as diferentes pessoas do grupo trabalhando em estúdios.” Além da atividade nas universidades, os estudantes também procuravam essas oportunidades no mercado. “O estúdio pegava alguém que tinha um talento, uma habilidade, uma vocação, e treinava aquele profissional. Então, uma pessoa que tinha um estúdio acabava ficando com a despesa para formar a mão de obra”. Por falta de cursos específicos, a opção, muitas vezes, era o treinamento fora do país. Canadá, Estados Unidos e Europa eram os destinos mais procurados pelos brasileiros em busca de formação em animação.

Sérgio Nesteriuk, da Associação Brasileira

Nas últimas duas décadas, no entanto, o cenário passou por mudanças significativas. Houve aumento na oferta de cursos no Brasil, o que configura uma nova possibilidade para a formação do animador, sem que seja necessário buscar essa formação fora do país.

“Se nós olharmos de uma forma retrospectiva para a animação no Brasil, nós vamos perceber que muitos animadores aprendiam sozinhos.

Os cursos, atualmente, se dividem em quatro categorias: os cursos livres, os técnicos, os de nível superior e os de pós-graduação. Como exemplo de cursos livres, Sérgio citou o Centro de Animação de Campinas. Sobre os cursos técnicos, que têm carga horária variada, bem como programas abrangentes, ele observou a oferta crescente de cursos online, o que tem facilitado o acesso a cursos como o Animation Mentor, citado como exemplo

Começou no Anima Mundi: as escolas e a formação de animadores no Brasil de Cinema de Animação, a ABCA, iniciou sua fala com uma breve retrospectiva da animação no Brasil. Lembrou que, tradicionalmente, a formação do animador se dá na prática. De forma autodidata, os animadores, muitas vezes, experimentavam e aprendiam no próprio quarto.


internacional, assim como, no Brasil, o AnimaEdu. Já existem sete cursos de graduação espalhados em universidades de seis estados brasileiros, mas não há oferta de pós-graduação específica, o que faz com que os animadores busquem outras áreas, nas quais possam adequar seus projetos. “Hoje, no Brasil, a gente tem sete cursos de nível superior. Seriam os da Federal de Santa Catarina; da Federal de Minas Gerais; da Federal de Pelotas (e aí todos os cursos são públicos); e os particulares da Anhembi Morumbi, em São Paulo; a Barros Mello, em Olinda, Pernambuco; a UVA, aqui no Rio, e a Univille, em Joinville. Então, a gente vê que são sete cursos, mas são bem distribuídos geograficamente, em seis estados diferentes no Brasil. E, depois, os cursos de pós-graduação, que podem ser o lato sensu, que é especialização, ou stricto sensu, que é mestrado, doutorado. E, então, existem também especializações na área de animação, que pode ser em animação 3D, por exemplo”. A produção acadêmica também está aumentando. Já existe um volume considerável de estudos e pesquisas sobre animação. Mas o circuito é reduzido. Não há cursos específicos de mestrado ou doutorado, o que faz com que os interessados em animação migrem para áreas consideradas afins para que possam realizar seus projetos. “Salvo engano, acho que existe um único mestrado, acho que na Estônia. Mas, normalmente, na

animação, como em algumas outras áreas, quando a pessoa quer fazer um mestrado, ela vai para uma outra área, ou de comunicação, ou de artes, ou de design, e, dentro desse programa, faz a sua pesquisa. E a gente tem uma produção muito legal, recente, de pesquisas e trabalhos acadêmicos sobre animação, e eu acho que isso é uma coisa interessante também de se observar aqui no Brasil.” A criatividade nas escolas Sérgio sublinhou que a formação deve levar em conta o caráter lúdico e criativo da animação, o que torna ainda mais complexo desenvolver cursos e conteúdos que ensinem e capacitem. Um dos caminhos seria pensar o ensino já na escola, antes da universidade. "A criança, antes de aprender a escrever, aprende a desenhar e, por alguma razão, a escola meio que castra essa habilidade, digamos, natural e inerente ao ser humano, em favor da escrita. E, durante toda a escola, a criança é muito mais estimulada a ler e escrever do que a se expressar por outras formas, não só pelo desenho, mas na música, com o corpo, enfim, tantas outras formas possíveis”. Trabalhar a animação dentro do ensino fundamental é uma modalidade que deve ser considerada. Sérgio mostrou como exemplo uma animação feita dentro de uma escola, desenvolvida num projeto que envolveu as disciplinas de artes plásticas, física, português e literatura, o que, para ele, demonstra que algumas escolas já estão fazendo


esse trabalho. “A criança faria a adaptação de um roteiro, um conto brasileiro, e trabalharia a parte artística na disciplina de arte, a parte de física para ver o movimento, por exemplo, e a parte de análise de texto, de interpretação, dentro da disciplina de português. Existem algumas escolas que trabalham com foco em projetos, e isso também seria, talvez, uma possibilidade interessante para utilização da animação como forma educativa”. O diretor destacou a distinção entre educação e formação, e os desafios que cada área tem a enfrentar. As perguntas, portanto, são muitas: que modelo usar, quem vai ensinar, como alinhar estudo acadêmico com mercado?

que o Anima Mundi tem, esse tipo de janela é muito interessante. Esse tipo de ação tem que acontecer cada vez mais para que o grande público tenha contato com a animação. Não é raro, quando a gente tem uma mostra de animação, algumas pessoas falarem: poxa, não sabia que esse tipo de animação é feita no Brasil.” Todo o planejamento deve levar em conta um horizonte mais amplo, inclusive de tempo. O planejamento deve ser constante, considerar as especificidades do país, vislumbrar a criação de centros de referência e prever ações de curto, médio e longo prazos. O imprescindível é que o diálogo seja permanente. Criar um fórum de debates, por exemplo, foi uma proposta feita à plateia.

"Quando a gente pensa na educação, na verdade, a gente Animação e mercado: os desafios da conexão está pensando numa coisa maior, entre estúdios, animadores e escolas Rodrigo Gava, diretor de projetos do Labocine, mais ampla, e que eu acho que um dos primeiros estúdios a fazer animação em perpassa muitas coisas, como a escala industrial, e também um dos primeiros a sentir a necessidade de formação de novos gente acabou de dizer aqui, da profissionais. própria formação, da infância da A apresentação de Rodrigo Gava começou com criança”. a afirmação segura de que há três figuras que A formação do professor também é um ponto fundamental para a formação dos animadores – e também uma necessidade. “Se a gente quer ensinar, quer formar animadores, então, quem vão ser esses professores? E essa é uma questão delicada. Na universidade, muitas vezes, você esbarra na questão de titulação. Muitas vezes, na universidade pública, o professor tem que ter uma titulação, um mestrado, um doutorado. É difícil a gente encontrar professores que tenham o perfil do mercado aliado com a titulação. A outra questão é o fato de uma pessoa de fato se dedicar ao ensino da animação, visto que, muitas vezes, no mercado, ela está já bem posicionada.” Também é interessante pensar em diferentes níveis e formas, nas bases e parâmetros desejados, não só em nível superior. “O Canadá, eu descobri, tem um colegial técnico de animação, então, pode ser um exemplo, uma referência para a gente.” Por onde começar? “Ah, o que a gente pode fazer para amanhã ter 200 pessoas prontas para trabalhar? Acho que começaria justamente com uma maior divulgação da animação brasileira. Eu volto a falar aqui do Anima Mundi, da importância

sustentam o mercado de animação: o animador, a escola e o estúdio. O desafio, nesse caso, é criar a conexão necessária para que eles se atendam entre si, e formar uma rede que possibilite crescimento a todos. "O estúdio precisa do animador, precisa da mão de obra. E o animador precisa da escola, senão ele não vai ter conhecimento. A escola precisa do estúdio, porque, se ela não tiver o mercado, o animador não vai entrar na escola. A escola também precisa do animador, porque, além de ensinar, ela tem que sobreviver. E o animador precisa do estúdio porque ele precisa ter onde trabalhar quando se formar. O Sérgio acabou de citar alguns exemplos, muitos autodidatas aprenderam entrando num projeto e conseguiram se desenvolver. As escolas também têm alguns cursos, alguns até de nível de graduação, mas são muito poucos se comparados ao que a gente precisa para desenvolver mercado. E os estúdios também: conseguiram fechar seus projetos na raça”. O trabalho de animadores, escolas e estúdios deve ser em conjunto. “Nenhum dos três consegue se desenvolver sozinho, não tem como. Então, a


única forma para conseguir fazer o mercado se desenvolver é criando essa rede, em que está tudo interligado, e os três têm que crescer juntos.” Os custos que envolvem a animação são altos e, até para dar continuidade ao processo que já está em curso, o mercado deve mostrar que já está começando a se desenvolver. Considerado mão de obra qualificada e rara, o animador é, por tabela, uma mão de obra cara, o que causa entraves quando as produtoras vão fechar seus orçamentos. “Se uma produtora quiser contratar um estúdio, hoje em dia, numa produção durante um a três anos, com 60 animadores, para produzir com qualidade internacional, e for contrato pela CLT, o orçamento não vai fechar. Vai ficar muito caro, devido à quantidade de tributos, e a gente vai ter um orçamento maior do que os dos países do exterior que são bons em animação. E não estou nem considerando China e esses países da Ásia que têm valores mais baixos. E, aí, vai ser mais atrativo para o produtor exportar essa animação do que produzir em casa.” Com o impasse, os produtores estão terceirizando a própria mão de obra. E a alternativa para os animadores, segundo Rodrigo, é que eles tenham conhecimento do mercado – o que seria uma tarefa para a escola: no caso, dar essa formação ampliada. A questão já foi levada por Rodrigo a pelo menos uma escola, o Senai, que está desenvolvendo

um curso de capacitação profissional na área de animação. “O trabalho que eles estão fazendo é maravilhoso. A ideia é que o cara que fizer esse curso vai conseguir experimentar todas as partes da animação, as partes técnicas, desde o roteiro até a sonorização, e, no final, ele vai conseguir construir o curta dele. Só que o que eu levantei nessa reunião é que eu acho que falta, para o animador, no curso, entender como funciona o mercado.” O animador precisa estar informado sobre o que vai fazer com o curta que tem em mãos, caso não consiga um emprego imediatamente. “É o que provavelmente vai acontecer”. Para estimular o crescimento do mercado, o animador precisaria criar seu próprio estúdio. “Esse mercado só vai crescer quando tiver muitos estúdios, e não muitos animadores trabalhando em poucos estúdios. Então, eu acho que essa é a forma. A gente tem que criar um meio de conectar o animador.” Além do conteúdo teórico, o animador tem de sair da escola com conhecimento de mercado. “Acho que poderia até ser incluído mais, depois dessa fase de fazer o seu curta e experimentar. De repente, ele podia partir para uma especialização, para a gente poder ter especialistas na área. Não adianta, também, a gente ter um bando de gente com conhecimento geral e não ter especialistas para cada área.” A história do Labocine reflete bem as dificuldades que enfrentam, também, os estúdios, e ainda mais


a necessidade de articulação e troca entre os animadores. “Faz animação? Vem trabalhar com a gente” – este foi o critério usado e também o espírito que reinou no início da produtora. Bastava conhecer animação para ser convidado. “A gente chamou todo mundo que a gente conhecia. E nem era muita gente. E aí a gente não sabia como fazer. O que a gente priorizava: chamava todo mundo que sabia animação; ou todo mundo que sabia flash; ou metade, metade? E foi mais ou menos por esta última que a gente optou. A gente pegou metade que era da animação, que sabia quadro a quadro, a animação tradicional. Na época, o flash era um software relativamente novo para produção de animação para TV e cinema, e inclusive os próprios animadores não acreditavam que isso podia funcionar.” Dessa fase de aprendizado, saiu “Xuxinha e Guto”, o primeiro longa, em 2005. “Foi a nossa escola”. No segundo ano, a equipe sofreu algumas baixas, e constatou a necessidade de treinamento das novas pessoas que entravam. O caminho foi traçado ali. “A gente desenvolveu uma série de manuais de animação, então, hoje, quando o animador entra lá, ele recebe um manual de animação, que tem todos os princípios e alguns exercícios que vão fazer com que ele aprenda a forma como a gente trabalha. Só que isso é muito pequeno, ele não vai sair dali um animador rapidamente. Ele vai conseguir produzir alguma coisa, mas animação é uma coisa que requer prática, só com o tempo, e o fato de estarmos todos juntos lá vai fazer com que ele aprenda.” Para demonstrar o trabalho de capacitação da mão de obra que tem em casa, Rodrigo apresentou o manual e as aulas em vídeo que também fazem parte do treinamento. "A gente fez isso tudo lá, e é engraçado que, nas aulas, a maioria dorme”, riu, “acaba sendo maçante durante muito tempo. Mas depois ele acorda e continua. Isso é uma forma que a gente tem de treinar o animador sem que ele fique o tempo todo precisando do coordenador ou de um outro animador, porque, quando o animador entra lá, ele já está recebendo por isso, então, já tem que produzir”. Todo esse trabalho de capacitação levou a Labocine a criar bancos de profissionais de animação. “A gente viu que realmente não tinha mais gente no

mercado. Então, a gente começou a entrevistar todo mundo que a gente conhecia, geralmente nas faculdades de Design, ou de Comunicação, ou de Artes, ou de Cinema, passou a entrevistar os alunos, e para a gente foi uma surpresa ver que os melhores profissionais geralmente vinham das faculdades.” Como o mercado é dinâmico, mesmo sem vaga à vista ou data prevista para contratação, o trabalho ainda é feito. Quando vem a oportunidade, os currículos estão à mão. “Quando você tem um estúdio muito grande, a troca é muito rápida, volta e meia sai alguém e você tem que repor, a produção não pode parar, então, você tem que ter esse acesso. E é assim que a gente fez lá até hoje, e é o método com que a gente pretende continuar.” Quais são os profissionais que estão em falta no mercado? Faltam profissionais em todas as pontas, segundo Rodrigo, do roteirista ao sonorizador. Principalmente para atender à demanda que está por vir, segundo as previsões dele. E faltam informações mais precisas sobre a realidade da animação no Brasil. Para fechar a apresentação, Rodrigo deixou o recado

“Eu acho que o outro ponto que falta são pesquisas, para a gente poder se basear nos dados do Brasil, porque todas as referências que a gente costuma ter de dados são internacionais. A gente só vai conseguir fazer esse mercado se desenvolver quando todo mundo se der conta de que está todo mundo junto, está todo mundo nessa, e mexeu com um, mexeu com todo mundo”, concluiu. Andrés Lieban

Também representando uma produtora, a 2DLabs, foi o terceiro participante da mesa a expor sua experiência e a fazer ponderações sobre a formação profissional de animadores no Brasil.


A escassez é de qualificação e de quantidade, disse logo de início. Faltam profissionais para atender à demanda da indústria, mas falta, também, foco a quem está de olho nesse mercado tão diversificado. Animação demanda diversas funções, não apenas a do animador. “Listando algumas aqui, precisamos de mais roteiro, de mais roteiristas que tenham experiência – ou que adquiram experiência, pelo menos – para trabalhar com animação, que tem finalidades, storyboard, desenho de conceito, layout, background. E ainda tem a discriminação das técnicas, stop motion, 3D, 2D, e tem 2D tradicional e digital, composição, edição, desenho de som, mixagem. E fora isso tem todas as demandas administrativas, coordenação de equipe, tem a função bibliotecária – para poder trabalhar, por exemplo, com uma série de recursos organizados num acervo que vão ser utilizados em casa episódio –, produção executiva, a montagem do desenho de produção...” As tarefas são muitas e podem atrair o interesse de profissionais de muitas áreas. “Acontece muito, por exemplo, de eu receber portfólios de desenhistas. A gente vai vendo os desenhos, um atrás do outro, e eles seguem aquela linha, digamos, mangá ou Disney. E eles fazem isso com muito cuidado,

você percebe que eles entenderam o que é aquela linguagem, eles absorvem aquilo. Mas, no entanto, tem erros básicos de anatomia, por exemplo. Quer dizer, como pode haver essa distorção? O certo seria a questão da linguagem e do estilo ser uma escola posterior – e talvez até houvesse mais energia em descobrir a própria linguagem – e não assimilar isso por comparação ou por excesso de demanda”. Enquanto a indústria não se consolida, o animador precisa se entender como prestador de serviços. Não existe garantia de emprego. “E talvez não vá existir tão cedo, até que a indústria se estabilize, se estabeleça. E isso ainda não está acontecendo, acho que a gente está começando, acho que a gente está andando por esse caminho. Mas, para uma indústria se dizer indústria, ela precisa de uma demanda estável. Um estúdio não pode abrir um projeto e fechar assim que o projeto termina. Então, o animador ainda precisa lidar com isso, precisa saber como se organizar para que, quando acabar o projeto, ele tenha uma colocação no próximo.” O animador deve ser capacitado para ser um empreendedor, já que os estúdios trabalham com terceirização, em sua maioria.


As perguntas a partir dessas premissas são: “O que faz falta, o que eu, particularmente, como estúdio, vejo fazer falta na formação desses animadores? Porque a gente tem tantos cursos, já tem até um certo histórico na área de cursos (e eu acho que as inscrições no Anima Mundi são um reflexo disso). Então, por que a gente ainda tem uma dificuldade muito grande?” Para formar seu próprio pessoal, o estúdio tem despesas que não estão previstas nos orçamentos das produções. “Essas ferramentas, por exemplo, que a Labocine cria para minimizar o impacto disso na produção já revelam que há uma necessidade de reduzir o custo do estúdio no treinamento de pessoal. Não existe, no orçamento, uma viabilidade de haver esse treinamento dentro do estúdio. Significaria a gente começar o projeto um ano antes, seis meses antes, pagando o salário de todo mundo, porque a gente precisaria garantir que as pessoas tenham do que viver durante esse tempo, para aí entrar em produção. E é inviável.” A conclusão é que o treinamento de animadores envolve prejuízos: para o estúdio, de tempo, de pessoal, de dinheiro e de qualidade. “Se você já tem que estar em produção, mas ainda treinando as pessoas, você vai ter um resultado aquém. Então,

eu acho que, se a missão de treinamento for do estúdio, realmente, tem que haver uma união de outras partes.” O mais importante não é decidir de quem é a responsabilidade pelo treinamento, mas estabelecer uma articulação entre todos os agentes envolvidos. A discussão pode começar na decisão do papel e do perfil do animador que vai ser formado. Independentemente da finalidade do curso, é preciso saber o que esse animador vai ser e como vai se inserir na indústria. O perfil do animador deve levar em conta a necessidade de três habilidades específicas: criativa, técnica e profissional. São três aptidões que precisam ser desenvolvidas. A aptidão criativa está no topo da lista. “A habilidade criativa é muito necessária, porque, apesar de a gente estar trabalhando numa linha de montagem, numa produção em escala industrial, como disse aqui o Sérgio, cada um fazendo um pedacinho do trabalho todo, é muito importante, para que essa máquina inteira funcione, que esse pedacinho seja muito bem desenvolvido. É muito importante que a pessoa que esteja executando aquele trabalho acrescente a ele o seu potencial criativo, para


que cada cargo, tanto para baixo, como para o lado, como para cima, possa ter uma relação de confiança.” Quanto mais criativo, mais autonomia o profissional tem. Quanto mais soluções ele apresenta, mais confiança ele inspira. É assim que ele, aos poucos, vai conquistar e demarcar o seu espaço. Toda e qualquer proposta de curso deve levar o fator criativo em consideração. O animador precisa ser estimulado a ter um olhar crítico, a sua visão de mundo. Ao mesmo tempo, ele precisa saber canalizar essa criatividade, ou seja, aprender a trabalhar a criatividade em função do tempo, do ritmo da equipe e do projeto como um todo. É preciso aprender as regras do jogo e jogar de forma criativa.

“Existem muitas pessoas criativas que, às vezes, levam muito tempo – ou, às vezes, é mais rápido, depende de pessoa para pessoa – para entender as regras do jogo. E, numa produção industrial, é muito importante você reconhecer quais são essas regras assim que entra no projeto. Quer dizer, o estilo, a questão estética, qual a sua função ali dentro, como é que você pode melhorar a comunicação. Você pode usar a criatividade tanto no sentido de produção quanto para exercer sua função ali dentro.”

que exige uma dose considerável de conhecimento técnico.” Por experiência própria, Andrés afirmou que o investimento inicial feito pelos estúdios nesses dois pilares – a criatividade e a técnica – é alto. Para tentar suprir um pouco as carências que ele e equipe perceberam quando estavam recrutando, foi preciso, inclusive, chamar profissionais de fora para dar treinamento nas áreas de storyboard e animação. Esses profissionais vêm tanto para ensinar como para prestar assessoria a determinadas produções. Ao trazer suas experiências e exercícios práticos, eles contribuem tanto para o treinamento técnico quanto para o exercício da criatividade. O aprendizado é constante mesmo para quem já tem experiência, dirige ou coordena equipes. “A gente teve também uma participação, ao longo de dois meses, de um veterano já, um diretor de animação, que foi contratado pela nossa produtora canadense e veio para assessorar um pouco o desenho de produção e como dirigir essa criatividade de alguma forma, porque eu estou dirigindo a série, mas também me coloco na função de aprendiz desse processo, porque é realmente uma coisa muito grande. A gente está produzindo 44 minutos de animação por mês, o que é mais ou menos um longa-metragem a cada dois meses. E, para você conseguir entender como é possível esse milagre, você precisa de bastante assessoria. Então, eu ainda me considero um estudante ao longo de todo esse processo que ainda está acontecendo.”

Assim como precisa desenvolver o potencial criativo, o animador precisa de técnica. Se a criatividade é algo nato ou adquirido, qualquer que tenha sido a formação, a técnica precisa de aperfeiçoamento constante.

O terceiro ponto que merece destaque é o quanto o profissional deve se reconhecer como tal. Ou seja, é preciso dar ao artista a convicção de que ele tem de saber como se situar no mercado, como se apresentar, como explicitar os seus objetivos e suas aspirações. “Como apresentar um portfólio de maneira que deixe claro quais são as intenções dele com esse emprego? Como é que, uma vez empregado, ele consegue se localizar naquela empresa, se comprometer com assiduidade, com horários, com prazos de entrega, com relacionamento interpessoal para que o trabalho dele possa funcionar bem?”

Aperfeiçoar o lado técnico significa estar atento a questões inerentes à própria animação, como software e equipamentos. “Qualquer que tenha sido a sua formação, tem uma questão técnica que você pode adquirir antes e durante a produção também,

O animador vem de uma escola informal. Como carrega uma bagagem muito ligada à produção de curtas, em ambiente de caráter geralmente familiar, baseado no grupo de amigos em que cada um faz um pedaço, até por conta da forma como


os recursos aparecem, ele não tem a noção exata de como exercer a profissionalização. “Se tem que juntar aquele pessoal, então, os amigos se juntam, viram a noite e acabam o curta-metragem. Existe um esforço muito grande em fazer com que o expediente normal de trabalho seja suficiente, porque, a longo prazo, você não aguenta esse ritmo de produção randômico. Então, precisa ter um exercício de profissionalização.” Para se enquadrar e se adequar ao que a indústria precisa, portanto, o animador – bem como qualquer profissional que trabalhe no esquema de animação – tem de estar atento a esses três pontos. Além disso, é preciso ter a percepção de que trabalho individual e trabalho em grupo são coisas distintas. Para que o grupo funcione e o trabalho seja feito, cada um tem de reconhecer qual a sua função dentro desse grupo. Para atender a essas três demandas básicas, os cursos devem ser baseados na especialização. “Acho que a gente precisa muito que qualquer um desses cargos citados aqui tenham uma noção, um overview de todo o processo, isso é muito importante. Mas acho que, depois desse momento, tem que haver um aprofundamento.” E é exatamente esse aprofundamento, afirmou Andrés, que está ainda engatinhando. Além de tempo para adaptar-se, o curso deve se basear em exercícios práticos e garantir a assistência necessária ao estudante.

“Não adianta o cara pegar um monte de trabalho para fazer e não ter esse acompanhamento. Então, tem que haver um espaço muito grande dentro do curso, um currículo voltado a desenho de modelo vivo e a exercícios bem simples e básicos de animação. De preferência, até animação em papel, com uma mesa de luz, apesar de que lá no estúdio a gente praticamente não usa mesa de luz, a gente usa equipamentos digitais, mas

qualquer que seja a técnica, stop motion, 3D, 2D digital, qualquer outra que algum dia venha a haver, ela não ignora essa base da animação, que é extremamente importante para qualquer uma das finalidades.” Garantir a prática exige tempo. Por conta disso, as escolas devem investir nisso, ou correrão o risco de gerar uma carência na formação que oferecem. Na prática, é possível identificar os pontos fracos e o que realmente precisa ser desenvolvido. E é a oportunidade que o aluno vai ter para estruturar o seu próprio material, que será, posteriormente, apresentado a um estúdio. “Então, acho que tem que ser uma coisa assim; se eu quero ser animador, eu tenho que ter esses exercícios; se eu quero fazer som, eu tenho que exercitar o desenho de som, ficar bastante tempo naquilo”. As medidas e mudanças necessárias não são de curto prazo. Trata-se de uma construção. Mas é preciso estar preparado para o momento em que os estúdios tiverem os departamentos de recrutamento mais estruturados. O momento em que a indústria estará estabelecida, obviamente, é um momento ainda incerto, e ainda não é possível fazer no Brasil o que é feito em países onde essa realidade já existe. E não se trata apenas da indústria de animação ou de cinema, mas também das artes, como Andrés destacou: “O Brasil não tem essa formação tão desenvolvida como lá fora. Então, se a gente abrir um curso que tem essa promessa toda e disser ‘olha, só vai entrar aqui quem tiver o portfólio tal’, vai entrar pouca gente, não dá para adaptar esse modelo. Então, existe uma parte de base, que o Sérgio colocou aqui muito bem, que tem que começar antes, acho que em paralelo, porque a gente não pode botar uma semente aqui para ter a coisa daqui a 30 anos, né?” O que precisa seguir em paralelo, portanto, é o aprimoramento do sistema de artes. Andrés usou a própria dificuldade que teve como exemplo. Formado em Belas Artes, contou que sentiu falta de mais aprimoramento em questões como desenho


vivo, estudo de cores, e mesmo de uma orientação mais específica para fazer suas escolhas. Sobre a liberdade nessa área, disse: “Acho que por um lado foi superimportante, mas acho que ela tem que ser alinhada a uma coisa mais cobrada, mais voltada para algum foco de resultado. Mas também não pode ser só o foco, óbvio que tem que ter essa abertura criativa também, porque, se a gente insistir só na parte mais realmente estruturada, cobrada, etc., tudo certinho e tal, a gente vai atrofiar a nossa capacidade de criação. Eu acho que você tem que fazer isso e continuar em outras disciplinas estimulando o lado criativo, o lado crítico, porque, sem ele, a gente não se desenvolve.” Se a indústria de animação ainda precisa se estabelecer, a indústria de curtas no Brasil, por sua vez, é sólida, bastante representativa, e vai fazer muita falta se houver uma migração dos interesses, por conta da falta de estruturação que ocorre em todos os níveis. “Eu acho que já existem animadores que se formam em cursos já fazendo seus curtas. Os editais estimulam bastante essa produção.” Para chegar a um nível em que cada ponta faça a sua parte e tenha o ganho que lhe cabe, deve haver junção e articulação entre os agentes. Devese estabelecer também o ideal comum sobre o que seria o modelo de formação que atenda a todas as demandas.

Para isso, é preciso vencer algumas barreiras. Não há docentes que atendam à demanda atual. E, especificamente ao falar de ensino acadêmico, Andrés argumentou que não há pessoas com mestrado em número suficiente que garanta a formatação de um curso de produção de animação, baseado na necessidade do mercado. E, mesmo nos cursos técnicos, os profissionais que poderiam estar qualificados a dar um curso que realmente atendesse à demanda de emprego não estão disponíveis. Surge um outro problema: alguns não têm didática, porque também não passaram por um processo de formação no qual pudessem desenvolver o conhecimento que têm de modo a passar adiante. Para ajustar as necessidades e as ponderações de cada um, a elaboração do currículo deve ser feita em conjunto. Ou seja, todos os envolvidos no processo devem opinar. “Não acho que tem que ser unilateral. Mas acho que a gente tem que privilegiar o foco da animação, porque todos os focos que a gente está tendo, em escolas técnicas, cursos e universidades, acabam criando uma série de demandas, por causa da necessidade de se atender a determinações préestabelecidas. A gente tem, às vezes, disciplinas que desviam dos interesses que realmente são necessários, inclusive pela falta de docentes.” Na elaboração desse currículo, é essencial discutir as referências bibliográficas que serão utilizadas


nos cursos. “Falta de bibliografia em português é uma coisa que a gente tem que discutir, porque tem muita bibliografia boa que privilegia quem fala inglês, mas não boa fatia dos animadores que não falam inglês.”

estão desenvolvendo animações nesses locais. Isso é prova da importância de iniciativas como o CTAv e desses programas e projetos para o fomento da animação.

Para finalizar, Andrés ressaltou que seu o seu ponto de vista é o de um estúdio que está sentindo exatamente essas carências, que devem ser pontuadas para que fiquem sempre em pauta.

Cineasta, o diretor do CTAv (Centro Técnico Audiovisual) fez uma breve apresentação de sua trajetória, contou como começou no cinema, sua experiência em gestão e como aproveita, hoje, sua capacidade de dar forma a projetos. Gustavo Dahl pontuou que o CTAv pode ser considerado o sucessor de instituições que, desde 1936, representam a intervenção do Estado e dos governos no cinema e, de uma forma mais geral, na política de comunicações. Ou seja, um agente desde o tempo em que o cinema ocupava um papel que a internet ocupa hoje: “Era, talvez, o maior meio de comunicação que existia e que funcionava em rede”, disse, “Talvez seja não só uma economia, mas economias, como, num certo sentido, uma rede social que se ignorava como tal. Imagine que, de repente, os Estados Unidos – que depois da Primeira Guerra Mundial viraram aquele grande mercado interno do mundo, potencializado – pegou o cinema e descobriu que podia criar uma rede mundial.”

Cesar Coelho lembrou que na segunda metade da década de 80 foi criado um intercâmbio entre Brasil e Canadá que incluía um programa de treinamento reunindo dez brasileiros, não necessariamente animadores, coordenado por Marcos Magalhães. Cesar, que era um desses alunos reunidos, explicou que o Anima Mundi é filho direto desse programa. A partir da criação do CTAv (Centro Técnico Audiovisual, do Ministério da Cultura), então, nasceu o núcleo de animação que teve papel importantíssimo no futuro da animação brasileira. Entre os desdobramentos, além do Anima Mundi e da criação de produtoras, houve a implantação do curso de animação da Universidade Federal de Minas Gerais e de oficinas em Porto Alegre e em Fortaleza, que germinaram e serviram de espaço para o surgimento de vários profissionais que hoje

Gustavo Dahl (CTAv)


A rede que foi criada nos EUA, na época, era uma rede em que circulavam latas de filmes pelos vagões dos trens. “Pesava mais de 20 quilos, e imagine criar uma rede mundial com esse tipo de controle.” O diretor fez um apanhado breve sobre como o governo brasileiro evoluiu, desde a introdução do rádio, e como se posicionou em relação ao cinema, passando pelo conceito de cinema educativo, que motivou a criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo, pela Funarte, a Embrafilme, até chegar ao CTAv. As coisas começaram a mudar com o acordo de cooperação cultural com o Canadá, em 1985, mirando numa intervenção tanto na tecnologia de reprodução e captação de som quanto na criação de uma animação brasileira. E daí vêm os desdobramentos que quem acompanha a animação conhece. Segundo o diretor, o centro tem um papel fundamental, principalmente, para as primeiras gerações que se aventuraram na animação no Brasil. “Hoje, da mesma forma que tem uma porção de gente que saiu do Anima Mundi, tem muita gente que saiu do CTAv. Eu digo que muitas pessoas que fazem o Anima Mundi saíram do CTAv. Vejam como muitas intervenções podem ser importantes.”

Se as queixas de quem depende do serviço público são muitas, para quem está do lado de dentro, a tarefa também é árdua, ele afirmou. “Trabalhar no serviço público é difícil. O serviço que você presta, mesmo, é a capacidade de absorver frustração. Você vê o potencial que a coisa pode ter e você vê o que consegue pensar”. Nessa linha de se levar em consideração as dificuldades que o serviço público impõe, o amparo que o CTAv dá à animação, se não é suficiente, deve ser valorizado da mesma forma. “Se tirar isso não fica nada. Então, esse pouquinho é tudo. Isso é mais ou menos o que está sendo feito lá”, ponderou.

Para dar uma visão mais apropriada das condições do centro e dos avanços que ele ressaltou que são consideráveis, Gustavo lembrou da sensação e do pensamento que teve quando entrou na sala de artes, que era o lugar da animação feita em 1985 – na época do acordo com os canadenses –, onde havia as mesas de luz, as pranchetas, os equipamentos, os instrumentos de animação que hoje já são antiguidade: “O espaço da animação está sendo tratado desse jeito? Aquela salinha, apesar da importância histórica, tinha sido reduzida a um depósito daqueles filmes que estavam estragando. Não podia.” O CTAv, como Gustavo fez questão de frisar, passou por um período quase de inatividade. “Uma das coisas mais difíceis de conseguir no serviço público é gente e, depois disso, cargos. Eu não vou entrar nesse detalhe, mas o CTAv tinha ficado praticamente desde 1990 com as mesmas pessoas. Era uma coisa complicada, e o restinho eram dois animadores que tinham saído, voltado, mas que mesmo assim conseguiram fazer uma oficina com a comunidade ao lado, a favela Parque Alegria.” Mesmo com pessoal reduzido, esse grupo de animação conseguiu fazer uma oficina com as escolas, que deu muito certo; “Estavam fazendo a produção ‘Nega do Cabelo Duro’, a história de uma menina afro-descendente, mas a Ana Rita teve um derrame, e acabou: a animação do CTAv praticamente estagnou”, contou. O Ministério da Cultura, desde que Juca Ferreira assumiu como secretário executivo, tinha interesse em formular uma política estratégica de animação. E foi desse interesse que surgiu o pedido para que Gustavo elaborasse essa estratégia. Gustavo Dahl percebeu então que havia uma grande expectativa com relação ao futuro da animação dentro do Ministério da Cultura, e uma absoluta escassez em relação aos meios para viabilizar a animação. Na época, o secretário do audiovisual fez com o ministro uma visita a Cuba, que tinha interesse em animação, e surgiu um projeto de coprodução. “São essas coisas que existem na cultura brasileira hoje: quando o governo não consegue, inventa um projeto paralelo, feito pelo BNDES, pela Petrobras, que substitui o papel do Estado.”


O projeto previa o aparelhamento, a compra de alguns equipamentos e ações de formação. “Lógico que há um desejo mais amplo, a partir do CTAv, mas isso ainda está sendo negociado, é uma coisa para o próximo governo. Mas esse projeto vai deixar algumas máquinas mais sofisticadas e alguns softwares também mais sofisticados. Há possibilidade de construir um miniestúdio, que teria sete metros, daria para fazer algumas coisas, boneco de massinha, tudo isso.” Gustavo anunciou que as ações no CTAv baseiamse no aparelhamento e na criação de condições para que num futuro próximo todos possam trabalhar e fazer coisas em comum. Onde está o roteiro? Essa é uma das perguntas que Gustavo colocou em discussão e que diz considerar de extrema importância para a discussão da animação e da formação de mão de obra qualificada para esse mercado. “Essa questão do roteiro é uma coisa que vi no CTAv e é também uma questão clássica do cinema brasileiro, todo mundo sabe.” A escassez de roteiros, segundo Gustavo, ocorre independentemente de se tratar de um longa ou

de um curta-metragem, independentemente se é o estúdio que quer fazer um longa, ou o animador que trabalha sozinho durante dois anos e faz seu próprio rascunho. A questão da dramaturgia é básica, sentenciou Gustavo, durante a sua conversa com a plateia. Não dá para pensar em arte cênica, arte narrativa ou mesmo na indústria de entretenimento, sem pensar em dois itens básicos como roteiro e dramaturgia. “O Brasil não tem tradição teatral. Tem tradição de poesia. Somos bons de literatura, mas de teatro somos fracos. Para começar a ter noção de dramaturgia, a gente tem que chegar a Nelson Rodrigues, ‘Vestido de noiva’ e esse negócio todo. Mas a própria dramaturgia brasileira deu uma caída. Novela de televisão não é exemplo de dramaturgia. É o antiexemplo de dramaturgia. A origem do teatro está no palco, a vida inteira numa unidade de espaço e tempo, a ampliação de uma experiência de vida a partir de uma concentração. A novela, que tenta espichar – uma ampliação do folhetim do século XIX –, não serve para nada, pode servir até para episódios, mas episódio de animação é completamente diferente. Essa questão do roteiro é uma coisa interessante de transferir expertise.”


Além do tema do roteiro, Gustavo apontou para a regionalização, já em curso no CTAv e também na Secretaria do Audiovisual.

uma produção audiovisual, por exemplo. “Sair todo mundo fazendo stop motion no Brasil, isso era uma direção a pensar.”

“Eu implico um pouco com a palavra regionalização, porque acho que é ação discriminatória, acho a expressão integração nacional mais simpática, mas não tenho problema nenhum, o país é mesmo muito diverso e muito isolado, e eu dei a mão à palmatória: há, de fato, um tratamento desigual. O Nordeste é um lugar privilegiado, menos bombardeado pela globalização do que nós aqui. Culturalmente, o Nordeste está numa situação superior a nós. Mas tem isso das regionais...”

Além dos celulares, que podem ser uma saída estratégica e bem aproveitada, Gustavo ressaltou a força das técnicas alternativas:

Com essas discussões em torno da questão regional, ele percebeu que o caminho da animação no Brasil não passa, necessariamente, pelo 3D ou somente pelas técnicas sofisticadas de computação. Pode haver uma união: “Há essa cultura das periferias que se criou, e que é uma possibilidade de renovar realmente a cultura e as práticas brasileiras.” Para confirmar sua posição, o diretor disse o que pensa das produções de animação recentes. “Quando eu fui ver esses grandes longasmetragens feitos em computadores, de grandes estúdios, eu vi que a decupagem era exatamente igual à do cinema acadêmico dos anos 50. Eram filmados, decupados, e as posições de câmera eram exatamente iguais às do cinema convencional. Fazer essa coisa toda em relevo, para criar ilusão da realidade, se a imagem é virtual, se é imaginária... Por que filmá-la com a mesma técnica que você filmava a imagem real?” Qual o caminho a seguir? As ideias, como as possibilidades, segundo Gustavo, são muitas. Ele citou os 160 milhões de celulares existentes no Brasil, que poderiam ser usados como peça de

“O desenho que o cara fez em cima de anúncios eróticos, com hidrocor. Anúncios passageiros, e o cara foi desenhando em cima, era jornal e hidrocor, e ele fez um desenho absolutamente genial.” As técnicas alternativas são interessantes de se pesquisar. A fusão dessa inventividade com técnicas mais obsoletas pode render surpresas. “O CTAv tem uma vocação para ser um museu de técnicas obsoletas, no sentido inglês do termo. Uma vez eu vi uma apresentação de uma animação num festival infantil, daquelas feitas com conchinhas, areia e palito de fósforo. Era uma coisa lindíssima. Também tem o pessoal de videoarte, então, que tal fazer uma junção de arte de vanguarda com essas técnicas obsoletas? É uma coisa que se podia fazer no CATv. E se a gente fizesse cada um uma surpresa? Fazer marca, o logotipo. Essa ideia de fixação de marca é uma coisa tão careta, tão antiga, e se a gente fizesse um concurso de marcas no CTAv? Estou citando isso como possíveis ações comuns, junto com a APCA.” Entre uma ideia e outra, o diretor do CTAv disse que seria até desnecessário falar que a animação tem importância estratégica tanto para a cultura como para a economia, apesar das limitações que enfrenta nos vários campos em que se apoia, como a linguagem, por exemplo. O produto cultural brasileiro, segundo Gustavo, lida com a grande limitação da linguagem. Somam-se ao fato de ser falado em português – que, apesar de ser um idioma de domínio de 200 milhões pessoas no mundo, é uma língua de alcance limitado e problemático – as dublagens. “A dublagem em cinema é um horror, mas em animação é ótima, porque ela vai podendo nacionalizar tudo isso. Além do mais, há uma dimensão que contribui para a globalização: a condição infantil. Uma vez estava na Bahia, falando com um desses consultores do mercado chinês, e perguntei ‘O que a gente pode fazer com o Brasil?’, e ele ‘Talvez, a gente pudesse fazer alguma coisa sobre criança’. A coisa mais perto do inconsciente coletivo é a infância”, defendeu Gustavo Dahl, “Embora a animação para adultos


seja extremamente interessante e seguramente o Brasil tem muito talento”. Para dar a noção de grandeza que a animação pode atingir, Gustavo destacou, em termos genéricos, as possibilidades de escoamento da produção atual e também as perspectivas para o futuro.

“Sobretudo hoje, o número de telas que se conta, de celular, cinema, televisão, computador, são três bilhões. Ou seja, vamos para os próximos três bilhões.” Assim como é evidente que a animação tem um papel importante, é preciso criar uma política de animação. Gustavo fez coro junto aos demais participantes da mesa que também defenderam essa urgência. Uma visão sistêmica ou uma visão da intervenção? Como garantir a sustentação da animação como negócio e garantir a livre expressão da criatividade? No impasse entre as duas possibilidades, ao falar especificamente da educação, o diretor defendeu que é preciso atuar em ambas as frentes: “É uma dúvida cruel. Como sempre, tem de se fazer os dois. De um lado, tem um negócio”, disse, “para fazer indústria, aquilo que o BNDES quer”. E contrapôs: “Por outro lado, há aquele curta de animação, que não tem mercado, mas é por onde rola a inventividade” O diretor fez ponderações sobre os dois sistemas possíveis: a educação formal e a educação informal. Os resultados que a educação formal produz são de longo prazo e envolvem a segunda ponta, que é a formação dos formadores. A educação informal, ou formação técnica, ao contrário, traz efeitos mais imediatos. Capacitação e treinamento, como sustentou Gustavo, podem enfrentar o impasse em torno da parte criativa e do business propriamente dito. “A ideia é que a educação vai resolver os problemas do Brasil”, sublinhou, “Agora, educação leva vinte anos para render frutos, e os problemas do Brasil são mais urgentes. De repente, os problemas da animação podem ser resolvidos informalmente. O que seria isso? São níveis abaixo. Quando se fala de formação, se fala de mão de obra

especializada, de formação técnica, animadores, diretores – que, pelo que eu vi, tem sempre a dar com pau –, técnico de som, fotógrafo. E você tem a capacitação, uma espécie de aperfeiçoamento supletivo, acho, para suprir essas carências violentas que estão aparecendo e que já têm demanda. É um universo muito amplo, isso me faz pensar na questão de pesquisa e desenvolvimento ou de ciência e tecnologia.” Por fim, o recado, extraído da velha experiência do cinema brasileiro: “Se vocês querem fazer animação no Brasil, pensem que não dá para fazer sem uma política de animação.” O moderador Cesar Coelho reforçou que, para se falar em formação e capacitação, é preciso considerar a participação do governo, elemento importantíssimo que não se pode deixar de levar em conta. Assim, passou a palavra para a coordenadora geral de políticas de educação e tecnologia do Ministério de Educação, a professora Caetana Rezende, convidada para expor as possibilidades legislativas, governamentais e institucionais que podem ser exploradas para o desenvolvimento de cursos de animação.

Caetana Rezende

Trabalha na Diretoria de Formulação de Políticas desde 2005 e, a partir de 2006, assumiu a coordenação geral da gestão de vários programas e várias políticas do Ministério, na parte de educação profissional e tecnológica. Ela agradeceu e disse, bem-humorada, que houve certa disputa, na Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, pela participação no evento. E que a chefe do gabinete, que tem mestrado na área, gostaria de estar presente. Caetana Rezende avisou que retomaria algumas questões abordadas e dúvidas levantadas pelos participantes anteriores, como a necessidade de articulação entre várias políticas setoriais; a formação profissional e a criação de uma estrutura que envolva toda a cadeia que vai desde a produção até o consumo e a política desse setor produtivo; as metodologias didáticas; o currículo que deverá ser seguido. O Ministério da Educação, contou ela, vive um período de expansão da oferta de educação profissional em todo o país, tanto em sistemas públicos – nos estaduais e no federal –, como na


rede privada, com uma série de atos normativos, de regulação e supervisão, para a melhoria da qualidade dessa oferta. Como sinal desses novos tempos, a professora destacou que já existem catálogos dos cursos superiores de tecnologia e dos cursos técnicos. Esse material é usado para dar qualidade e falar sobre infraestrutura, para mostrar com que as escolas têm de se preocupar, que profissionais são esses que elas vão formar, e ainda dar visibilidade para esses profissionais. O momento atual é de intensa articulação entre vários ministérios. “A educação não dá conta de tudo. A educação não dá conta dos problemas de renda, ela tem impacto sobre isso, mas ela não dá conta dos problemas de segurança, por exemplo, e tantos outros. Então, é uma visão sempre muito sistêmica, e a gente, o Ministério, tem passado por uma revisão das formas de trabalhar que tem sido muito interessante para quem está trabalhando dentro da gestão, lá dentro.” A ampliação do orçamento do Ministério da Educação também contribuiu para deixar o ambiente mais tranquilo. “Eu venho da área de cultura, minha formação, minha graduação é em música. E meu mestrado também. Trabalhei com produção de material

pedagógico e de estudo de performance, da formação profissional até a performance. E eu falava que na cultura a gente sofria muito, na cultura sempre tinha um orçamento muito pequeno. E a educação também. Quando eu entrei no Ministério, a educação começou a ter um orçamento maior, e eu acho que a gente tem que brigar que a cultura tenha o mesmo reconhecimento, que ela também seja entendida como algo que é essencial, embora tenha se separado administrativamente do Ministério da Educação por algum tempo, são questões essenciais para um desenvolvimento nacional de fato. Se a gente quer um país realmente desenvolvido, a gente tem que apostar nesses dois campos, que estão completamente vinculados.” Ao retomar a questão de cursos inseridos na categoria de educação informal, antes abordada por dois participantes da mesa – Sérgio Nesteriuk e Gustavo Dahl –, Caetana falou sobre a oferta existente de cursos livres, que passam por oficinas e festivais e pelos grupos de amigos que se reúnem e começam a estudar. Além disso, há os cursos de curta duração, que não têm uma regulamentação curricular, mas atraem um grande público porque a respondem a questões que são mais pontuais, imediatas, urgentes.


A vantagem dos cursos livres, disse ela, é que eles não são rígidos, nem tem necessidade de regulação. “Às vezes as pessoas olham e pensam: ‘Ah, tem que regulamentar tudo?’. Não, não tem que regulamentar tudo. A gente tem que ter também uma parte que seja bastante espontânea, que seja muito da necessidade das pessoas. Dentro dos cursos livres, a gente tem que pensar que a gente não é uma escola, não é uma instituição de ensino, mas faz um curso, os amigos vão lá e montam um curso, e isso é informal.” Mas existem os exemplos de cursos livres que têm certo grau de formalidade, como é o caso do Senai, e outras instituições privadas e públicas, em geral instituições oficiais, que seguem uma série de requisitos e são consideradas de Qualificação Profissional. São cursos menores, que podem ser de atualização e também de especialização. Não é uma pós-graduação, um lato sensu, mas uma especialização em determinados tópicos. “Na verdade, essa hoje é uma grande área, que atende a quase todos. Eu brincava com o pessoal, falava ‘a gente tem muito engenheiro nessa área’, porque o engenheiro tem formação com muito desenho e com muita administração também, então, a gente acaba tendo um campo grande para engenharia aí.”

A qualificação, nesses cursos, é menos rígida, há uma carga horária mais aberta e um currículo mais simplificado, sem uma regulamentação mais rigorosa. Ao contrário, os cursos regulares, os cursos técnicos, de nível médio, têm uma regulação muito forte, diretrizes regulares nacionais específicas, e seguem um catálogo nacional que regulamenta a carga horária e infraestrutura recomendada para seu desenvolvimento. Existe, inclusive, um sistema nacional de informação em que são cadastradas todas as turmas de cursos técnicos. Entre os cursos disponíveis, há curso técnico de edição de imagem, de publicação visual, de multimídia, de design gráfico, de produção de áudio e vídeo. E cursos que são mais ou menos afins, que permitem aos alunos transitar em áreas que vão do design para a gestão cultural, a publicidade, as artes visuais, os processos fotográficos. Ainda assim, a oferta ainda é pequena. Segundo os números que Caetana mostrou, as matrículas feitas de 2009 até agora, em curso de produção de áudio e vídeo, por exemplo, são de apenas 226 novas entradas em todo o país. A oferta é concentrada, principalmente, no Rio e em São Paulo. A graduação e a pós-graduação também estão concentradas nesses dois estados.


A lista de cursos que devem ter oferta ampliada inclui design gráfico, fotografia, audiovisual, multimídia, produção publicitária, produção fonográfica. Existe ainda uma série de outros cursos que devem dar suporte. A animação na educação Ainda é preciso construir as propostas, o que significa que a conversa está apenas começando. Pensar na indústria de animação sob o ponto de vista da educação é estimulante, pois há toda uma inovação sobre as formas de como estudar e de como ensinar. Tanto que as possibilidades estão todas abertas. Quem for treinado agora pode, inclusive, vir a ser professor e também produzir material de educação. Para começar, Caetana propôs que o ponto de partida seja pensar nas duas dimensões, ou seja, tanto na oferta livre quanto na oferta regulada, que pode abranger desde o ensino médio até a pósgraduação. Cada um desses níveis tem regulações próprias. O curso técnico, por exemplo, obedece a uma carga horária que é organizada a partir da identificação de necessidades que o estudante tem e vai ter, quais os instrumentos e técnicas, o tipo de conhecimento tecnológico, o tipo de conhecimento científico. É preciso entender a complexidade desses conhecimentos e o nível de complexidade de relações que são estabelecidas. Os cursos menores são de 800 horas, que é a carga horária mínima. A Infraestrutura mínima Segundo Caetana, existe tanto a possibilidade de manter a infraestrutura na própria instituição de ensino como ter essa instituição de ensino trabalhando em parceria, com convênios, acordos com estúdios. “O que o Andrés traz é muito verdadeiro. É muito caro para o estúdio parar o processo dele para fazer essa formação, mas é muito caro para ele se não tiver essa formação. Então, essa é uma coisa que a gente gostaria de ter mais dos outros empresários, sabe?, dos outros ramos de formação profissional. Essa compreensão que a prática no local de trabalho, orientada pelo professor, e com a supervisão do profissional do trabalho, que é uma das funções do estágio, não necessariamente precisa acontecer só no estágio, ela é fundamental.” Em qualquer currículo, qualquer proposta, seja para o ensino básico ou para o ensino superior,

seja para a educação profissional como um todo, é impossível separar a teoria da prática. Em algumas áreas elas ocorrem juntas o tempo todo. “Você está trabalhando alguns conceitos, mas você vai ter que imediatamente testar esses conceitos. E, nisso, há uma outra questão a que a fala do Andrés remete muito: não é qualquer formação. Ele tem que ter uma formação de comunicação muito boa, de domínio da linguagem muito boa. Então, a gente está falando de uma interdisciplinaridade muito forte. E, mais uma vez, a gente remete ao que o Sérgio falava anteriormente, que isso, a longo prazo, nesses vários cronogramas que a gente tem que traçar, se desenvolve desde a educação do ensino fundamental.” Ao falar do ensino médio, a professora montou uma cadeia das múltiplas escolhas que ele pode oferecer a partir da interdisciplinaridade.

“Eu penso no ensino médio, em como isso é fabuloso, por você ter N conhecimentos científicos que estão sendo trabalhados, conhecimentos dos fundamentos tecnológicos da produção, e das técnicas. E você estava ali sem saber por que estava fazendo aquilo tudo no ensino médio: você não sabe por que está fazendo a física, por que está fazendo biologia, por que está fazendo matemática.. e aí, de repente, você utiliza a animação, podendo começar a ganhar um futuro profissional para animação.” Na prática, os cursos não atraem os jovens e, segundo Caetana, essa é uma questão que deve ser discutida. “A gente tem pouquíssimos cursos de audiovisual no Brasil. Então, conversar com as instituições também é muito importante, acho que é o momento de a gente procurar tanto instituições públicas quanto privadas. Nós temos o Senai, da parte privada, é um potencial imenso, porque tem no Brasil todo, com uma estrutura muito bacana. Mas a gente tem vários outros, também,


várias outras instituições que poderiam trabalhar. Instituições públicas, que têm interesse nesse tipo de formação e que poderiam também estar trabalhando nesse grupo, na formulação dessas propostas.” Para formar alunos é preciso formar professores Outra questão retomada por Caetana Rezende, a formação inicial dos docentes especificamente para a animação, e a formação continuada deles, é um problema que depende de muito diálogo e troca entre todos os envolvidos. O professor perdeu status social nas últimas décadas e, por tabela, seu treinamento e atualização acabaram passando a questão secundária, ela reconheceu: “Precisamos ter pessoas que estejam constantemente pensando outras formas de educar, outras novas tecnologias educacionais que aparecem. Vai ser preciso lidar com uma diversidade de população cada vez maior, outros jovens, com outras cabeças, com outras relações de disciplina, com outras relações de concentração, que não são as mesmas que nós tivemos.” Não existe licenciatura em animação, e os cursos técnicos, por sua vez, exigem licenciatura como titulação mínima dos candidatos ao posto de professor, o círculo não fecha e a questão fica no

ar: uma licenciatura em Artes Visuais é suficiente, ou há algo tão específico que justifique a criação de um curso com essas características? A questão sobre a licenciatura em animação foi tratada como mais um ponto que precisa ser discutido. E, igualmente, os demais níveis de ensino também ainda vão ter de ser discutidos. “Eu acho que há um campo, sim, para um professor que saiba trabalhar na escola fundamental e no ensino médio, também, como um todo, além de formar o profissional da animação em si.” Financiamento A respeito de financiamento, a coordenadora fez um breve comentário sobre como é feito o trabalho junto às instituições. Hoje em dia, ela esclareceu, a secretaria não mais utiliza convênio com instituições privadas, eles foram substituídos pelas assessorias técnicas, o que, segundo ela, contribui para que essas instituições busquem sua própria sustentabilidade. “Quando a gente fala de instituições públicas, a gente tem algumas experiências de políticas setoriais que a gente tem desenvolvido em outras áreas. É lógico que, quando a gente fala de instituições enormes, faculdades, elas não têm grandes problemas de sustentabilidade, a não ser


que apliquem na bolsa equivocadamente, senão elas já têm um suporte que dá essa movimentação toda.” A professora usou o exemplo das escolas de música para discorrer sobre o paradoxo que abrange o ensino da animação. Como ensinar sem arriscar perder a espontaneidade, que é a característica mais marcante da animação? “Eu acho as escolas de música, em geral, e as mais tradicionais, muito amarradas. Elas ensinam música de um jeito ruim, como se as coisas estivessem todas dissociadas. Como se você tivesse a teoria musical aqui, a harmonia ali, o contraponto aqui, a sociedade lá fora, e as coisas não acontecessem tudo ao mesmo tempo. Então, quando a gente está falando em formalizar essa oferta, a minha preocupação é como a gente trabalha numa formalização – e necessariamente aquilo que formaliza, aquilo que regulamenta, também limita, engessa – sem perder o caráter espontâneo que existe na formação em animação. E isso para mim é uma questão de fundo, é uma questão essencial, porque estaria muito vinculada à morte ou à vida, à continuação da animação. Porque acho que, se ela perder essa espontaneidade, ela deixa de ser animação.” A criatividade, tratada como fundamental por todos os outros, apareceu novamente, com uma outra perspectiva: ser usada, também, pelos próprios animadores e os estudantes de animação para

encontrar as respostas sobre as metodologias que melhor atendam a todos. “Então, como é que a gente pensa num currículo, e aí eu acho que a criatividade dos animadores, dos estudantes de animação, vai ter que trabalhar muito para isso. Eu não me preocupo tanto com conteúdo. Conteúdo eu acho que vocês conseguem definir com mais clareza.” O essencial é desenvolver a criatividade. Caetana ampliou a frase dita por Andrés, anteriormente. “Como é que a gente desenvolve essa criatividade? Você desenvolve a criatividade pela leitura, pela instigação, pela pesquisa – principalmente pela pesquisa. Então, essa espontaneidade, eu acho que ela estaria muito mais em a gente pensar em como desenvolver isso. Ao mesmo tempo, em não se amarrar. Como é muito típico desse setor de produção a questão das múltiplas técnicas, a gente tem que ter mais clareza daquilo que é o fundamento da técnica. E o Andrés o faz com muita clareza: o fundamento da técnica é o desenho, é o traço, é a recuperação histórica desse conhecimento sobre a representação. E, ao mesmo tempo, fazer isso de forma muito dinâmica.” Para encerrar, a professora reiterou que é essencial não perder a espontaneidade – essencial para a produção e para a indústria de animação –, seja na formação de nível técnico, na formação tecnológica, de nível superior, ou na pós-graduação. “E para que a gente consuma, também, coisas cada vez


mais divertidas, que é, enfim, o que nós estamos buscando.” Cesar Coelho avisou, então, que a discussão estava aberta e convidou a plateia a participar do debate, com perguntas. Na plateia, Silvio Da-Rin, que esteve à frente da Secretaria do Audiovisual de 2007 a 2010 e atualmente é gerente executivo de articulação internacional e licenciamento da EBC Brasil (Empresa Brasil de Comunicação), entrou no debate: “Eu queria lançar uma provocação que tem a ver com o papel do Estado. O tema foi bem abordado pela Caetana, que tem uma fala muito particular e muito bem desenvolvida, e pelo Gustavo Dahl, que terminou a sua apresentação dizendo que os animadores não percam de vista que não dá para desenvolver uma animação brasileira sem uma política de animação. Não tenho a menor dúvida disso. Quando o Rodrigo Gava apresentou o PowerPoint, existia ali a escola, o estúdio e o animador, e ele ficou em dúvida sobre o Estado como um quarto cliente, mas, na verdade, ele percebeu que o Estado estava presente, de algum modo, em todos esses entes. Eu não tenho a menor

dúvida. Eu acho que nós vamos chegar a alguma coisa que pode ser chamada de uma indústria da animação no Brasil quando nós conseguirmos implementar ou dar arrancada na implementação do tal plano estratégico da animação brasileira, em que o Estado, evidentemente, tem um papel fundamental. Eu acho que todos aqueles que estão operando esse magnífico florescimento da animação brasileira têm uma enorme contribuição para dar: os estúdios, as empresas, os animadores, os estudantes, criadores etc. Mas eu não tenho a menor dúvida de que é absolutamente essencial uma macrovisão, uma visão estratégica que defina que tipo de indústria de animação nós desejamos no Brasil. Se uma indústria fornecedora de mão de obra, se uma indústria criativa. Evidentemente que, sim, uma indústria criativa, mas que balanço entre esses dois extremos, que não precisam ser pensados como extremos. E é preciso que as práticas dos diversos entes envolvidos tenham uma sintonia, estejam no diapasão desse conceito, desse norte, que a gente consiga consenso para discutir, para amadurecer essa discussão. Eu acho que o Ministério da Cultura tentou isso, acho que o secretário executivo, o mais tarde ministro Juca Ferreira, teve essa intenção. Mas na minha visão particular, e eu me sinto muito à vontade para manifestar isso, na medida em


que eu estou hoje na TV Brasil, me parece que ele ficou preso a um paradigma, que é o paradigma chinês, que o fascinou imensamente, numa visita que ele fez à China, mas que dialoga pouco com a nossa realidade sociocultural. Acho que, especialmente, a relação entre Estado e mercado nossa não tem absolutamente nada a ver com a realidade chinesa, para não falar de muitas outras diferenças. E eu acredito que ainda não conseguimos avançar internamente no Ministério da Cultura, apesar de ter um projeto bem desenvolvido, do meu ponto de vista, porque eu coordenei, inclusive, essa formulação, que é o Pró-Animação, que foi apresentado ao ministro dia 26 de março do ano passado, foi apresentado formalmente em maio e, no entanto, 14 meses depois, esse plano não avançou. Era um plano que tinha um horizonte de dez anos, 760 milhões de reais previstos para investimento, com agentes financeiros razoavelmente definidos, com destaque para o BNDES, um envolvimento de vários ministérios, pelo menos os outros três que nos pareciam que eram absolutamente fundamentais para implementação desse plano, que são os ministérios da Educação, da Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento de Indústria e Comércio Exterior. Alguns outros entes, como o Senai, como o Sebrae, que teriam importância bastante destacada, tinham perspectiva de avanço de infraestrutura, fundamentalmente, em formação, que é o tema dessa mesa, que nós identificávamos claramente em contato com os animadores, os estúdios etc., como o grande gargalo. Gargalo esse que está cada vez mais se definindo claramente e que, dentro de um, dois ou três anos, se não forem tomadas medidas bastante consistentes, vai criar sérios problemas no desenvolvimento da indústria de animação do Brasil. Eu acho que nós tínhamos uma perspectiva de comercialização externa, de

comunicação, sobretudo de fomento de produção, em várias linhas, em pelo menos oito linhas diferentes, de formatos que um dia necessitariam ser estimulados. Então, eu queria chegar ao meu ponto, que é a necessidade de nós criarmos uma base institucional consistente e sustentável que seja progressivamente construída e fortalecida por todos aqueles que estão interessados na indústria de animação do Brasil. Os governos passam: da mesma maneira como eu não tenho a menor expectativa de que esse Pró-Animação venha a ser implementado neste governo, não tenho a menor ideia do que pode acontecer no próximo governo, e eu acho que uma instituição como o CTAv pode ser absolutamente fundamental não só no Rio de Janeiro, mas em outras regiões. Eu identifico, pelo menos, oito regiões com clara vocação para o desenvolvimento de atividade sustentável de animação; Porto Alegre, Campinas, São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza. Quatro delas, sem a menor dúvida, com uma atividade já bastante presente nos dias de hoje. Então, eu vejo o CTAv como uma instituição que tem condições de articular ações em outros territórios e que nasceu, claramente, com a vocação de atuação no campo de animação e formação em pesquisa tecnológica – no caso, eu estou me referindo a algumas práticas que o mercado não está desenvolvendo por si só, como stop motion e estereoscopia. Eu acredito que é estimular, e não ver no CTAv, de maneira nenhuma, alguma coisa que esteja competindo com a iniciativa privada, mas, ao contrário, como um tipo de instituição de governo insubstituível, para ser o órgão permanente e cada vez mais ativo, para uma política para a animação brasileira. É alguma coisa que eu lanço aqui como uma provocação, como uma coisa absolutamente fundamental para nós pensarmos. No próximo governo, o CTAv continuará lá, espero que no outro


continue ainda, e, se nós desenvolvermos esse lugar de pensamento, de proposição de planos para o desenvolvimento da indústria de animação no Brasil, eu acredito que, um dia, nós conseguiremos tirar um ambicioso plano da inércia e avancemos de um modo consequente. É uma provocação sem ninguém em especial para responder. Claro que o Gustavo talvez tenha alguma coisa ainda para avançar sobre o assunto, mas acredito que talvez Cesar, Andrés ou o Sérgio tenham alguma coisa para complementar. Obrigado, desculpem uma intervenção tão longa”. Respostas Gustavo Dahl: “Em relação ao que o Silvio está dizendo, coincide com um sentimento que eu estava tendo aqui, que eu anotei... Por que eu não toquei no assunto?”, brincou, “Que é essa questão da institucionalização, que é uma coisa importante. Então, o CTAv, que neste momento pode ser uma falta, mas é uma instituição, é uma presença que pode, digamos, criar, provocar essa institucionalização. A outra questão é a seguinte: a instituição, normalmente, nasce de algumas coisas que não se discutem. Por exemplo, ‘não dá para casar com a mãe’. Esta aí uma primeira lei que o grupo estabeleceu. Também é o seguinte: ‘Se matar o pai, vai ter que botar o filho mais velho no lugar dele, porque, se não tiver nenhuma lei, todo mundo termina se matando entre si’. Isso, por exemplo, são coisas que não se discutem. Eu acho que, neste momento, o que não se discute, na área de animação, é a matéria desta mesa aqui. É a necessidade de educação e de formação. E eu estava pensando: se fosse necessária alguma institucionalização, talvez a institucionalização devesse começar com este tema. A Caetana falou de uma coisa fundamental”, continuou Gustavo, “Quando há uma crise, a primeira coisa que os chineses pensam é como administrar melhor os recursos que eles já têm. A gente viu as várias

modalidades de educação, as universidades existentes. É juntar todo mundo para ver o que acha da escola de música, da escola de animação, da educação formal, que, se a gente não pegar com nojo, nem com reação, ela existe, ela já coloca, ela já é um universo. A outra é a educação informal. Eu me lembro também, a gente conversou uns dois anos atrás, sobre a necessidade de definir o que seria o currículo de animação, mas definir de uma maneira mais livre, a partir da característica de que a animação brasileira, fundamentalmente, era autodidata. O autodidatismo tem várias vantagens, mas tem uma desvantagem que é que às vezes provoca ilhas de desconhecimento, abismos de desconhecimento. Então, essa possibilidade – de um lado viver da educação formal, do outro, de criar o que seria o currículo, e do outro, imaginar intervenções tópicas de formação e até de pensar mesmo no estímulo à criatividade, que faz parte da formação – seguramente é o núcleo em torno do qual poderia se continuar alguma coisa que o Silvio está apontando”. Cesar Coelho: “Eu concordo plenamente”, disse o moderador, citando um exemplo importante: “O festival Anima Mundi, em certo sentido, como falei no início, é uma continuidade do CTAv. Várias coisas, vários conceitos usados no Anima Mundi eram algo que a gente pensava naquela época. Quando estava fazendo animação, a gente tinha uma consciência, já, da importância da continuidade, de fazer daquilo não um fim, mas um início, um núcleo de fusão”. Cesar ponderou que, apesar da contribuição que o festival presta, no entanto, é necessário ter uma instituição constante a serviço da animação: “O problema de fazer isso no Anima Mundi é que é uma coisa sazonal demais, acontece uma vez por ano, durante quinze dias. E a gente precisa mesmo de um polo. Seria ideal ter um polo fixo, constante, que ultrapasse os governos e que faça esse papel também. A


animação é muito de convivência: durante o curso mesmo, no Canadá, eu aprendi mais de animação com os meus colegas, os outros nove que estavam fazendo seus filmes, cada um com uma técnica diferente, aprendi mais com essa convivência do que com os professores, com quem eu também aprendi bastante”. Outro ponto comentado por Cesar foi a figura do animador autodidata: “Eu acho que essa questão, que o Gustavo estava falando, do autodidatismo, que é uma realidade na nossa formação, cria vários vícios e várias lacunas, que devem ser preenchidas justamente num centro onde você tenha convivência com várias outras manifestações artísticas. O animador já não se basta a si mesmo, ele tem que saber arte dramática, tem que saber música, ou pelo menos ter noção disso, e trabalhar com atores, músicos, editores, escultores, dançarinos, coreógrafos. E animação se aprende basicamente fazendo, então, você tem que ter essa convivência com o outro que também está fazendo. Acho que uma escola de animação competente tem que passar pelo lado prático. A gente viu aqui nos casos da Gobelins e da CalArts. É interessante, para quem não viu, acompanhar a sessão de animação dos cursos no Anima Mundi, que, cada vez mais, está recebendo filmes de estudantes, que são acompanhados de perto por um profissional da área. Eu vejo os filmes da Gobelins e custo a acreditar que é filme de aluno, pela finesse, o acabamento preciso, a sofisticação de edição, de angulação, de design. Mas são filmes de alunos, só que acompanhados muito de perto por bons profissionais da área. Eu acho que esse tipo de formação e esse tipo de acompanhamento é fundamental. E também é fundamental a gente estabelecer um centro que possa irradiar isso. É claro que um centro só talvez não seja o bastante, mas um centro é importantíssimo, inestimável”. Rodrigo Gava: “Achei muito boa a colocação do Silvio e, complementando um pouco, o que o Cesar disse”, iniciou Rodrigo, “A gente vê o que foi feito e o que aconteceu em função daquele primeiro passo. Realmente, é um grande exemplo. E concordo plenamente em pensar em um horizonte, com um tempo maior”. Rodrigo Gava questionou como poderia ser mantida a continuidade do incentivo à animação: “Não sei de que forma, ou qual a viabilidade disso, mas o ideal seria a criação de um subsetor ou um cargo, alguém que ficasse especificamente responsável pela animação, porque a gente não tem garantia nenhuma, em mudança de governo, de que esse comprometimento vai continuar dentro dos órgãos.

Então, creio que um órgão, um cargo, ou algo que fosse efetivamente específico de animação, que tivesse atividade num conselho, formado por donos de estúdios, artistas, funcionários, pesquisadores etc., eu acho que esta seria uma maneira de ocupar melhor esse espaço e, talvez, garantir esse compromisso”. Andrés Lieban: “A gente está falando aqui o tempo todo de que o trabalho tenha continuidade. E eu fico sempre um pouco assustado quando a gente fala de trabalho, porque é uma tendência muito grande você ter um trabalho exaustivo que às vezes, por uma questão de gestão, dificuldade disso ou daquilo, não tenha sucesso. Eu acho que a gente precisa ter um conector desses agentes todos. Um conector que seja uma instituição, um modo de pensar esse trabalho, porque o objetivo tem que ser não necessariamente criar um espaço físico, até porque isso é restritivo. Eu acho que existe uma necessidade de um catalisador, um gestor, de alguma forma, desse pensamento, que alie, que concilie as iniciativas, que sirva como modelo para todas as instituições, nas diversas regiões e nas diversas instâncias, para que, naquele polo, possa ser testado, discutido, avaliado, e se possa usar como referência, para não ser preciso fazer a mesma coisa em diversas tentativas. Nesse sentido, eu acho que o CTAv


tem realmente de exercer esse papel. Eu acho que é muito importante ter o Ministério da Educação junto, até porque a bandeira levantada agora é uma preocupação bem genuína para a educação. Eu aqui, novamente, estou defendendo o mercado que vai gerar o emprego, mas também me preocupo com a produção, com a liberdade de pensamento, de expressão. A gente deve ter mais mensagens, cada vez mais bem constituídas. É importante ter essa junção de agentes para que esses interesses se conciliem. E acho que deveria haver interdisciplinaridade: disciplinas que te orientam a seguir o caminho e outras que te ensinam a abrir, não pode ter uma coisa só. Em geral, o grupo de trabalho que eu vi trazer resultado concreto foi o que tinha algum gestor, que conseguiu levantar aquilo até o final, com o entendimento de o que é aquele produto, aquela ideia, e com garra suficiente para levar adiante, porque a gente sabe que as dificuldades são enormes, os obstáculos são grandes, e provocam uma desistência. É como o Gustavo falou, de absorver frustrações. É muito fácil você pegar um núcleo de trabalho muito bem intencionado e, em um mês ou dois, isso acalmar e, de novo, voltar à estaca zero. Então, qualquer coisa nesse sentido tem que ser levada muito a sério e ser representada por alguém que tenha essa garra, por uma instituição que tenha essa missão. O CTAv tem esse perfil, mas não tem isso muito como missão. De modo geral, como aconteceu em 85, trazer profissionais de fora pode ser uma dessas etapas. A Caetana estava falando de colocar o estagiário dentro da empresa, assistido por um professor. Me parece uma ideia excelente, porque também é uma forma de você sanar a revitalização do professor, ele estar sabendo o que o mercado está cobrando desse estagiário. E, ao mesmo tempo, trazer profissionais do mercado para dentro da academia. É superimportante essa integração, então, acho que está se falando de um projeto que não é de definição dentro de uma única instituição como fornecedora de infraestrutura”. Caetana Azevedo: “Compartilhando um pouco da experiência que a gente tem dentro do Ministério da Educação, as políticas são feitas por um conjunto de pessoas de carne e osso, então, se não tiver alguém que coordene, não anda. E é sempre muito frustrante, realmente. Nós fizemos uma experiência muito bacana lá na coordenação em que trabalho, uma política de formação humana na área de pesca e cultura. A gente fez no sentido inverso: tem uma pessoa que coordena, dentro do Ministério, e tem uma equipe de três pessoas trabalhando junto com eles, a gente procurou tirar de dentro

do Ministério e jogar para as instituições de ensino oficiais a formação de núcleos de pesquisa e centros de referência. Foi uma proposta muito interessante. Saímos de três cursos técnicos e hoje temos 50 cursos técnicos no país todo. Temos um trabalho de pesquisa, de mestrado, de doutorado em andamento. E a ideia era muito isso: tem que ter alguém de carne e osso que coordene isso dentro de cada ministério. Tem pessoas dentro do Ministério da Pesca que são responsáveis, tem uma articulação, tem uma agenda que é estabelecida e que é cumprida, e um cobra do outro o movimento dessa agenda. E a realização, a gestão, dos custos das pesquisas, foram centralizadas nessas instituições de ensino oficiais, que têm os pesquisadores responsáveis, que têm os grupos com coordenadores. Eu concordo: tem que ter gente para fazer isso. E isso surge a partir de dentro dos ministérios, por demanda e por pressão. A gente recebe a demanda, faz a articulação. Hoje, a gente está fazendo o mesmo processo com o pessoal de turismo, com o Ministério da Cultura, com o pessoal de restauração. Eu acho que essa é uma possibilidade real, trabalhar nisso, mas tem que ter gente”. Cesar Coelho observou que era preciso aproveitar a oportunidade e arrumar um jeito, imediatamente, de garantir a continuidade da discussão e, com isso, avançar em termos práticos. Rodrigo Gava deu sua opinião sobre um possível avanço concreto: “Eu acho fantástico o que está sendo discutido, porque, quando tive os meus sonhos de mexer com animação, foi com o que eu me deparei. Estou muito feliz em saber que os líderes estão bem antenados, ligados no negócio. Gostei muito do que falaram. E faço uma sugestão mais concreta: existem pontos sobre certas carreiras que seria muito interessante aprender. Eu, por exemplo, queria entender melhor de entretenimento, fui fazer um curso na área de cinema, em São Paulo, e achei tão fantástico que é uma coisa que podia ser aplicada para animação. Meu objetivo era pegar o que os caras faziam na live action e trazer para animação. O Anima Mundi é um ponto muito interessante porque, quando a gente está fora, a gente está um pouco separado, mas no Anima Mundi está todo mundo junto, a gente é uma família, então, a gente tem que aproveitar o Anima Mundi para a gente desenvolver. E, pegando a fala do Andrés, sobre algo que não necessariamente é um espaço concreto, uma iniciativa dessas poderia partir do Anima Mundi, com cursos-chaves de roteiro, entretenimento,


storyboard, direção, uma série de coisas que faltam e, quem sabe, continuar isso online. Aí, a gente estaria avançando em alguma coisa concreta. Então, me coloco como voluntário, à mercê dos organizadores do Anima Mundi”. Cesar Coelho ponderou: “A gente fez o festival para promover a animação no Brasil, e a gente tem que aproveitar cada gota e a disposição que a gente tem, que a gente conseguiu ao longo dos anos, em favor da animação. A gente tem tentado também suprir essa lacuna, embora eu ache que a gente nunca vá conseguir isso completamente, porque o festival não tem essa estrutura. A gente precisa de escolas, mesmo. Mas nessa lacuna de treinamento a gente tem tentado agir. Este ano, o sistema que era de workshop para até 30 pessoas mudou para master class para 150 pessoas. Talvez, ano que vem, a gente tenha até que aumentar, mudar para um auditório maior. Essas master classes vão continuar e vão ter sempre esse sentido de tentar preencher lacunas de conhecimento, de especialização, que a gente não encontra com facilidade no Brasil, nem em literatura. Como foi o caso deste ano, de a gente estar falando de design de personagem para animação especificamente, de materiais em animação... Mas é muito importante a gente se juntar e criar estruturas, físicas ou não, que sejam permanentes, que sejam polos, e que o ano inteiro funcionem – e que o festival continue sendo a festa da gente, anual, o Natal dos animadores”. Escolas, formação e crise de ideias No debate final que envolveu mesa e plateia, surgiu

o assunto da definição de um currículo, a partir de um representante do curso da Faap, de São Paulo, que está criando uma habilitação em animação. “Eu me preocupo muito com essa questão de se estabelecer um currículo, porque num determinado instante a gente pode imaginar que a Antropologia não seja importante, quando, na verdade, talvez ela seja fundamental para a criação de uma bagagem cultural que vai gerar ideias”, levantou o representante. Os participantes da mesa, então, enumeraram vários pontos que dizem respeito ao tema: - A divisão entre a formação do artista e a formação técnica - A realidade do mercado, que exige um profissional apto a se adaptar ao que a produção precisa - O risco de que o treinamento cause uma formatação, um empobrecimento da diversidade, da originalidade de cada autor - O estágio atual, ainda de carência de formação técnica básica - E, diante disso tudo, a ideia de que o ponto de partida para a construção da capacitação em animação no Brasil não precisa necessariamente determinar o resto desse processo, que pode ir se adaptando conforme as necessidades e as discussões forem surgindo


Dia 23 de julho – sexta-feira Master Class III (Teatro II) "Animação na Fronteira: Desenvolvendo Projetos no Limite entre Técnicas" por Guilherme Marcondes

A master class foi concebida para Guilherme apresentar com detalhes o desenvolvimento de projetos como o curta “Tyger”, que usa manipulação de bonecos, animação 2D, filmagem ao vivo etc., além de outros exemplos que misturam técnicas como 3D e maquete. Isso tudo explicando como conceitua a produção desse tipo de filme, mostrando as artes de inspiração e o processo de preparação para as filmagens.

Guilherme Marcondes, que hoje é diretor independente em Nova York, mostrou em sua master class como foram feitos alguns de seus projetos, tanto autorais quanto comerciais. Um deles, o curta-metragem de animação “Tyger”, que ganhou o Prêmio dos Diretores do Anima Mundi de 2006, faz uso de boneco, animação 2D e filmagem ao vivo. Já na campanha publicitária que dirige atualmente, para a British Gas, companhia de gás inglesa, Guilherme Marcondes trabalha também com 3D e maquetes, além de já ter usado stop motion. Guilherme se apresentou contando sua trajetória. Nascido em São Paulo, trabalhou no estúdio Lobo. Em seguida, passou meses em Londres como free lancer na MTV. De volta para casa, trabalhou na extinta produtora Trattoria. Foi nessa época que produziu o curta “Tyger”. Em seguida, foi para Los Angeles, onde morou dois anos, o primeiro deles a serviço do estúdio Motion Theory. Em Nova York, Guilherme


Marcondes tem na figura de seus produtores e agentes a Hornet Inc. “Faço principalmente comerciais, que é o dia a dia do trabalho, mas sempre outros projetos em paralelo: coisas para cinema, música, e curtasmetragens”, explicou. A master class foi dedicada principalmente ao ponto de vista do diretor. A ideia foi mostrar, usando curtas e projetos de publicidade como exemplo, as diferenças a que está sujeita a atuação do diretor de animação. “E como a função final acaba determinando o processo de desenvolvimento e o processo criativo de cada trabalho”, enfatizou Guilherme. Um curta que é um projeto muito pessoal O diretor exibiu “Tyger”, que considera seu melhor trabalho até hoje, porque, explicou, conseguiu colocar, “em função de um curta autoral”, o que aprendeu nos trabalhos comerciais, com destaque para a mistura de técnicas. O projeto foi financiado pela Cultura Inglesa de São Paulo, dentro de um evento anual de celebração da cultura britânica que o curso promove, feito com artistas brasileiros. Na ocasião, lembrou Guilherme, “o edital foi aberto para o que chamaram de cinema digital”, e o único requisito era basear o trabalho numa obra inglesa.

“Tem um poema do William Blake que eu adoro, ‘The tyger’. E sempre fiquei imaginando várias imagens enquanto lia. Achei que isso era um bom incentivo para tentar fazer alguma coisa em audiovisual. Foi um projeto muito simples, de poucas páginas, mostrando qual era o poema original e aspectos que a gente ia usar, com algumas referências, porque ainda não tinha nada feito.” O diretor enumerou o que apresentou no projeto: imagens de um longa de animação feito só com recortes de silhueta, ilustrações de Samuel Casal, profissional de Florianópolis que acabou trabalhando em “Tyger”, e um pouco do roteiro,

basicamente “o que o tigre ia fazer: andar por São Paulo em vários ângulos diferentes, e as pessoas da cidade se transformando”. Guilherme acrescentou que também fez parte da apresentação algo que ele costuma usar como prova de que a ideia estava bastante em aberto: “O primeiro frame para o projeto, que não tem muito a ver com a cara com que o filme ficou no final”. A partir daí, o diretor de animação ressaltou uma diferença entre o curta e projetos comerciais: “Pude descobrir a cara do filme ao longo do processo de produção. O que eu queria fazer era juntar uma série de amigos, de quem eu já gostava bastante do trabalho, e dar uma cara única para isso. Eu já tinha na minha cabeça uma ideia de como isso deveria aparecer, pelo menos tecnicamente, e fui achando colaboradores que estariam interessados no projeto”. Passo a passo Com o projeto aprovado, o primeiro passo foi começar a construir o tigre, feito pela companhia de teatro Stromboli, de São Paulo, que também trabalha com cinema infantil. Na técnica usada, os profissionais se vestem de preto, totalmente cobertos, e manipulam bonecos. Guilherme teria como retocar os vestígios dos manipuladores, mas optou por mantê-los, porque, justificou ele, já que “o poema fala sobre poder, sobre quem controla o quê”, quis usá-los num “jogo simbólico entre imagem e técnica”. O tigre, feito de espuma e coberto de látex, tinha pesos de chumbo nas patas, para dar equilíbrio e permitir que a animação do boneco ficasse melhor. Para compor a pata do animal, três peças de espuma separadas foram coladas com fita adesiva e, depois, receberam pintura de látex. O resultado desse processo, depois de seco, era uma articulação feita com a fita. Por dentro do tigre, uma coluna de arame dava sustentação. Guilherme também exibiu imagens para mostrar que a pintura do boneco não era muito detalhada: “O tipo de trabalho que eles faziam era um pouco mais rústico, e eu achei que era legal contrastar isso com a imagem digital”, justificou. O segundo passo foi entender como o tigre se movimentava. Para isso, o diretor de animação recorreu a imagens de arquivo. Muitas das cenas finais surgiram desse estudo, de assistir a vídeos de tigres pulando e ver ângulos diferentes dessa movimentação. A partir desses filmes, a equipe começou a ensaiar já com alguns ângulos definidos. Guilherme exibiu na master class imagens de ensaios dos manipuladores,


feitos duas semanas antes da filmagem, num ambiente que é um exemplo de adaptação a uma estrutura de produção modesta: uma cozinha. Na gravação, os profissionais ensaiam contando de um a quatro para sincronizar os movimentos, já que a abordagem escolhida pelo diretor foi um obstáculo para o trabalho dos animadores, tornando mais difícil a manipulação do boneco e o ritmo. O problema, explicou, era que, como não havia como enquadrar mais de três manipuladores no resultado final pretendido pelo diretor, a equipe restrita a três profissionais tinha que se dividir em um manipulador para a cabeça e o corpo, e os outros dois manipulando, além das patas da frente, as de trás – e tendo que deixar a cauda do boneco solta. Como opção, esses dois últimos podiam manipular as patas dianteiras e também a cauda ¬– mas não as patas traseiras. Foi, portanto, um complicador o fato de a imagem dos manipuladores entrarem na composição das cenas de “Tyger”: Guilherme destacou que colocava os animadores em posições inadequadas para dar conta da manipulação ¬– posições que eles normalmente não ocupariam, mas que foram definidas daquele jeito porque ficavam bonitas em cena.

“Na filmagem, a gente tocou muito a música do filme, que já estava pronta. E isso os ajudava a fazer o ritmo”, assinalou. Quando o diretor achou que a equipe já estava bem ensaiada, partiu para o estúdio: “Foram dois dias e doze horas de filmagem, então, os manipuladores ficaram quebrados, porque eles estão acostumados a um processo que é ficar de três a seis meses ensaiando para depois fazer tudo de uma vez só, na frente do público. Nesse caso foi diferente, tiveram pouquíssimo tempo para ensaiar. Ficaram nervosos, disseram que ainda não estava bom, e eu falei ‘tudo bem: a gente pode repetir os movimentos diversas vezes na filmagem’.” Guilherme também destacou que teve sorte com as condições do estúdio, grande e já todo pintado de verde, por causa de um comercial que havia sido rodado no local. “O orçamento não permitiria”, esclareceu. O diretor ressaltou que economizou muito tempo graças a essas condições, fazendo de dez a doze takes de cada movimento, pelo menos, até o resultado ficar do jeito que a equipe queria. O problema, enfatizou o diretor, é que, quando não

se conta com essas condições, perde-se muito tempo tendo que “tapar os buracos” com anteparos para deixar tudo verde ao fundo, a cada vez que se muda a câmera de posição. Na filmagem, os manipuladores tinham diante de si um grande espelho, em que podiam ver como a cena ficava em escala real, além de um monitor. Mas, como estavam acostumados a fazer seu trabalho olhando para o público, demoraram a perceber que não podiam olhar para a câmera, lembrou Guilherme, para dar uma ideia do tipo de problema que pode surgir ao longo de uma filmagem. “Mesmo querendo que os manipuladores aparecessem no filme, ainda tive que fazer alguns retoques, porque não se trata de querer fazer algo que seja realidade. Eu queria que tivesse aquelas silhuetas manipulando o tigre, mas não necessariamente mostrar que era teatro ou o rosto de alguém: eram figuras misteriosas”, explicou o diretor, que contou também, em algumas cenas, com um quarto manipulador que usava uma espécie de vara de pescar para segurar o rabo do tigre, “Teve retoque digital mesmo. Só quis mostrar a manipulação quando era interessante para o filme”. Luz No quesito iluminação, Guilherme decidiu que todas as luzes do curta viriam das ruas sobre as quais o tigre andaria, então, o diretor de fotografia teve a ideia de colocar as luzes por baixo de uma plataforma em que o boneco seria manipulado. Além disso, ressaltou Guilherme Marcondes, uma traquitana inventada pelo diretor de fotografia, com fitas penduradas, ficava rodando na frente da luz e dava o efeito que a passagem de carros e o movimento da cidade provocariam. Um recurso muito simples, mas que foi bastante útil, destacou o diretor. Cenário e ainda mais misturas de técnicas O filme é uma homenagem a São Paulo. O diretor, que sempre gostou de tirar fotos noturnas da cidade, acabou usando algumas delas no filme. “Na época, 2006, o grafite estava definitivamente tomando a cidade”, observou, “Os cenários são todos fotografias, não tem maquete, não tem nada.” O diretor mostrou a estrutura de uma cena típica do filme. “O céu era todo composto, tinha que recortar os prédios e alguns elementos que eram mais específicos.” Foram mostrados ainda na master class efeitos de luz, tratamento de cor e o uso do


programa After Effects. “Como tudo era fotografia, não tinha 3D, tracking, essas coisas finas para fazer o tigre se integrar às cenas. Então, era tudo um pouco na raça”, disse. O diretor assinalou que o momento mais difícil de acertar o ângulo foi a cena que usa fotografia da Avenida Paulista e retrata o tigre passando por cima do ponto de vista do espectador. O diretor também observou que, nas cenas, algumas “perspectivas não batem muito”. “Eu também não estava tão preocupado com isso”, comentou, “Mas, pelo menos um pouquinho, as coisas tinham que fazer sentido”.

feitas, o diretor teve que capitular: “Torci o nariz”, disse, mas com a ressalva de que foi obrigado a fazer o necessário para que o trabalho de produção pudesse ser concluído.

As ilustrações do filme foram feitas em Illustrator e depois animadas em Flash pela Birdo Studio, de São Paulo. Guilherme mostrou como eram compostas as cenas antes que ele colocasse a câmera por cima delas. “Movimentava tudo isso de acordo com o movimento do tigre, para chegar à cena final.”

Inspiração e música Guilherme Marcondes disse que fez ateliê de gravura durante um ano e meio e ressaltou a obra de Oswaldo Goeldi, que classificou como um dos maiores artistas brasileiros. O diretor exaltou os retratos que Goeldi fez do Rio, com casas abandonadas, cenas noturnas, pessoas solitárias nas ruas. Falando de suas referências, Guilherme ressaltou o expressionismo e disse que, para ele, o Brasil é expressionista, intenso.

Guilherme Marcondes contou que usou shooting board em vez de um storyboard normal. Ele disse que, de propósito, “deixava todo mundo muito no escuro” e contava pouco sobre o filme “porque queria ver o que as pessoas traziam de volta”. Quando, no entanto, a produtora precisou saber exatamente quais as cenas que precisavam ser

Sobre a mistura de técnicas, o diretor ressaltou a dificuldade de integrar um boneco gigante, animação 2D e fotografia. A preocupação era que o resultado não fosse meramente uma colagem gráfica, mas que de alguma forma tudo ficasse integrado, um “universo coeso dentro dele mesmo”, explicou.

Sobre o tema, o diretor também enfatizou que considera o ilustrador Samuel Casal expressionista, enquanto acha que as ilustrações de Daniel Bueno são líricas. “Tornei mais agressivo e expressionista


quando animei. Não é intencional, mas acaba acontecendo, por causa do ambiente”, disse ele sobre do trabalho de Daniel Bueno em “Tyger”. A respeito da liberdade no trabalho, Guilherme Marcondes disse que fazer o curta era uma experiência caótica, que ninguém tinha ideia de como ia ficar no final e que incorporava ideias dos participantes. “Foi uma aventura para todo mundo, porque a gente foi descobrindo o filme aos poucos.” Sobre a trilha, o diretor destacou o trabalho de Paulo Beto, que fez a sonorização de todos os filmes da Lobo e, segundo Guilherme, vai desde os trabalhos extremamente comerciais aos experimentais, passando também pelos que se encaixam entre esses dois caminhos. O diretor, que disse que não conhece no mundo recursos como os do músico, considera a trilha do filme hipnótica. E contou que estava à procura algo bastante grave, que soasse como a parte mais dark do rock progressivo da década de 70. O diretor disse que a música apresentada por Paulo Beto foi muito importante para a cadência e os momentos do filme. “O filme é praticamente um videoclipe da música dele.” O diretor ressaltou o que chamou de processo colaborativo, citando o roteiro feito em conjunto com a namorada, Andrezza Valentin. Para ele, esse

processo é importante para que se possa conversar e jogar ideias e ver aonde se consegue chegar. Outro trabalho autoral, feito com liberdade, foi o curta que o diretor dividiu com Daniel Bueno imediatamente antes de “Tyger”. Guilherme contou que tudo foi baseado numa única ilustração de Daniel e que o projeto foi “mais um que a gente descobre no meio”. A história sobre como tudo começou reforça essa liberdade: eles combinaram de ir a um bar, dispor os desenhos e dali partir para fazer um curta, já que precisavam “fazer alguma coisa juntos”. Metade comercial, metade experimental Já na outra vertente, a do trabalho comercial, o diretor contou a experiência que começou na BBC. Em 2008, Guilherme fez uma vinheta de TV para a BBC 2 de Londres. O projeto incluía uma série de vinhetas, com vários diretores diferentes. Cada uma delas teria uma celebridade inglesa, que, segundo a ideia básica, olharia por um buraco de fechadura com formato do 2 do nome da emissora e veria algo do outro lado. Os próprios apresentadores e atores fizeram um roteiro básico do que enxergariam do outro lado, que representaria sua visão de mundo. A Guilherme coube trabalhar com Bruce Perry, que, no reality show “Tribe”, visita lugares remotos e vive, durante três meses, exatamente do modo como vivem os nativos.


A intenção de Bruce Perry era mostrar aos britânicos: “O mundo é muito maior do que a ilha em que a gente vive”. Além disso, havia a ideia de engajamento ecológico, algo na linha “O mundo está indo para o buraco, é tudo uma grande máquina, que usa a gente como escravo, cospe produtos descartáveis em cima da gente”. Na vinheta, Bruce Perry queria mostrar uma máquina enorme destruindo a natureza. Era um projeto para TV, mas bastante experimental dentro desse contexto, observou Guilherme Marcondes. A Solução Todo o ambiente em que se passava a ação era uma maquete real. Havia um boneco manipulável, mas também animação 2D, numa caixa de espelho duplo, ou seja, o vidro espelhado em que, do lado iluminado, só se vê reflexo, e só é possível ao observador que está do lado escuro ver através do vidro. Assim, a caixa era iluminada por dentro, e, fora dela, as luzes do estúdio ficavam apagadas. O resultado era poder filmar através do espelho. Guilherme optou pelo efeito dos vidros espelhados com o objetivo de criar, dentro de uma caixa, com a repetição da imagem, um fundo infinito. O objetivo era fazer parecer um cenário enorme dentro de uma caixinha. A ideia inicial de Bruce Perry, que estaria inserido nesse “universo maluco”, lembra Guilherme, era “uma piração dentro da caixa que representasse todas as culturas”, mas ela não foi levada a cabo. A figura de Bruce Perry inicialmente seria animada, mas depois a emissora decidiu que o personagem tinha que ter a imagem do rosto do próprio apresentador no lugar da cabeça. “É uma coisa de que eu não gostei no começo, mas acabou me dando frutos”, lembra Guilherme, sobre o efeito que o levou à campanha da British Gas. “Eu queria que fosse tudo animado, e acabou sendo fotografia”, completa. Recursos e histórias de baixo orçamento - Para a construção da maquete, foram usadas plantas de deserto, porque duram bem mais do que as outras quando expostas à luz usada nas filmagens. - Como era caro demais fazer a caixa de vidro, foi usado acrílico, que, ao longo do trabalho, entortou. Um dos problemas, então, foi que as luzes, que incidiam sobre o cenário de cima para baixo, por culpa do acrílico que fez o teto da maquete ceder, não ficaram mais alinhadas, como era a intenção do diretor.

“Esse é o lance dos trabalhos experimentais. Chega a hora e você vê que o material não funciona do jeito que você queria, mas acaba tendo que viver com isso.” Um trabalho leva a outro “Por causa desse filme de baixo orçamento, experimental, feito na raça, acabei pegando um projeto de publicidade”, contou Guilherme Marcondes. Por sorte, disse ele, um diretor criativo de Londres estava vendo TV e achou que as cabeças feitas com fotografia, que Guilherme odiava originalmente, mas que a BBC impôs, eram perfeitas para a British Gas. “Eles estavam desenvolvendo a campanha já havia um tempo, é um projeto bem grande, em que já estou trabalhando há quase dois anos, e que evoluiu de técnica mista até 3D.” Foi no fim de 2009 que essa história começou. Guilherme teve que entrar na concorrência, já que não lhe disseram que o lugar estava garantido porque a combinação entre cabeça filmada, personagem 2D e maquete era justamente o que consideraram perfeito para a British Gas. “É muito difícil você pegar um trabalho de publicidade e o desenvolver ao longo do processo. Normalmente, você pega a partir de um experimental que fez, e de novo vai fazer aquilo, com verba muito maior”, explicou Guilherme, que acha que os curtas têm duas funções: satisfação pessoal e também “a esperança de que aquilo vá abrir portas”, fazer com que o autor consiga fazer trabalhos na sequência. Na BBC, disse o diretor, ele quis mostrar do que era capaz e experimentar uma técnica. Na British Gas, foi a vez de aplicar uma técnica que já tinha desenvolvido, só que para um cliente muito maior. Perguntas Sobre a interferência da BBC na vinheta que Guilherme fez para a emissora, o diretor respondeu: “Foi mais do que eu gostaria, principalmente no começo”. Como o orçamento era baixo, esperavase que o canal deixasse a equipe mais à vontade, “mas eles interferiram muito no começo e no fim”, contou. No início, a preocupação era com que a celebridade retratada ficasse feliz com o resultado e se sentisse bem apresentada. “Mas sempre adoraram o projeto”, observou. “Para mim,


foi muito importante. Os outros diretores fizeram bem mais simples, por causa do orçamento. E eu já queria fazer uma caixa de espelhos e estava me esforçando muito”. Com o filme já adiantado, altos funcionários da emissora reivindicaram que a vinheta tivesse mais sentido, e o filme foi mudado para ficar mais linear. “Originalmente, explorava muito mais o cenário, e eles acabaram focando mais no Bruce Perry, correndo na esteira”. O diretor disse que o trabalho foi um processo doloroso: “Uma corrida contra o tempo, mas, no final, eu acho que ficou legal e, na sequência, acabou me abrindo uma porta enorme, acho que tive muita sorte”. Sobre o processo, Guilherme assinalou que os manipuladores ficavam embaixo da caixa, para fazer os elementos se mexerem. “É tudo filmagem. Ia demorar muito mais se não fosse. E eu acelerei depois a velocidade”, explicou, sobre o efeito final. Orçamento e investimento A vinheta da BBC custou US$ 30 mil, incluindo tudo menos a filmagem, a cargo das equipes da emissora. “Me deu prejuízo, mas é para isso que você faz esses filmes. O trabalho comercial pode te treinar muito, mas dá pouca oportunidade de experimentação”, justificou. O curta “Tyger”, de quatro minutos e meio, foi feito com US$ 10 mil. “Paguei todo mundo com uma quantia simbólica: R$ 1 mil”. Sobre esse

tipo de relação com a equipe de trabalho, o diretor assinalou: “Quando você vai fazer um trabalho desses, tem que ser interessante para o colaborador, tem que usar o que ele tem a acrescentar”. Guilherme ressaltou que conseguiu gratuitamente parte do que foi usado para fazer o curta, mas precisou gastar com necessidades como retoque da tinta do estúdio e aluguel de equipamento de luz. A experiência numa campanha comercial de grande porte Comparada com a interferência da British Gas na campanha, enfatizou Guilherme, a ingerência da BBC na vinheta foi quase nenhuma. O diretor disse que precisa se esforçar muito para manter um pouco da integridade criativa do trabalho e ao mesmo tempo atender às reivindicações do cliente e da agência. ”Isso é chatíssimo, cansativo, mas importante”, ponderou. A campanha, que tem como mote “a sua casa é o seu mundo”, é feita com cada casa flutuando num planeta, e veículos e bicicletas se movem entre eles. A concepção dos planetas foi dirigida por Guilherme, mas eles foram desenhados por uma designer de Nova York. O diretor insistiu para que os planetas fossem maquetes: “Os outros estavam fazendo tudo em 3D”, disse. As maquetes foram feitas com impressão com de fotos de arquitetura em jato de tinta, que foram aplicadas em papel-


cartão. Já os personagens tinham as cabeças feitas a partir de fotografia, mas Guilherme não queria usar as imagens dos rostos como são na realidade. “Não gosto disso, acho que de alguma forma tem que integrar isso à animação, ou fica muito esquisito. Então, fizemos alterações como cabelo recortado, proporções mudadas”. Na campanha, Guilherme trabalhou com japoneses e americanos, não havia ingleses. Por isso, cliente e agência se preocupavam em determinar quais imagens seriam usadas para que as características das casas tipicamente inglesas fossem respeitadas. Um dos detalhes que Guilherme fez questão de acrescentar ao universo retratado na campanha foi um planeta que abriga um conjunto habitacional, mas o cliente não aceitou que um segundo planeta desses fosse incluído. Na campanha, a animação dos personagens é toda feita com After Effects. “Mexer com proporção humana de fotografia é muito difícil”, ressaltou o diretor, que tem dificuldade para achar profissionais para o trabalho com After Effects:

“Não é tanta gente que faz, principalmente lá nos Estados Unidos. Se você trabalha em estúdio de animação que faz TV, todo mundo usa Flash. Se trabalha em publicidade, é 3D ou 2D. After Effects é um programa para composição”, disse, “Então, todo mundo que entra no estúdio, a gente tem que treinar”. Um dos orgulhos de Guilherme na campanha, mas que não foi valorizado pelo cliente, foi o planeta de água, com ondas esculpidas em massinha, animado em stop motion. O diretor chegou à conclusão de que o cliente exigiu tantas modificações que grande parte do trabalho se perdeu e, para aquele resultado, não era necessário tanto trabalho e nível de detalhe, e o filme poderia ter sido feito em 3D. “Isso é uma das razões por que a campanha acabou evoluindo pra 3D. Não dava, com o tipo de controle e o tipo de coisa q eles queriam. E a gente basicamente fez um filme todos os meses, nos últimos 15 meses.”

Guilherme enfatizou que às vezes precisa negociar por três dias para convencer cliente e agência sobre algum ponto do trabalho: “Nada contra 3D, não tenho uma técnica preferida, mas às vezes você precisa de uma técnica especifica pra dar um sentido. E a publicidade não liga para isso, quer o que for mais barato, mais rápido, mais flexível. A diferença entre as técnicas é uma sutileza que a gente vê, mas raramente o cliente vê. Então, tenho outros desafios e diversões agora que o projeto é todo 3D.” Quanto aos atores usados na campanha, o diretor explicou que foram tiradas mais de 500 fotos de cada um. ”A gente já fez cem personagens para essa campanha, a maioria secundários.” Guilherme disse que a primeira vez em que a campanha encampou o 3D foi quando o cliente pediu algo que não estava previsto: que a câmera se aproximasse dos planetas e entrasse na casa dos personagens. O diretor listou como problemas que surgiram a dificuldade para integrar o efeito pedido com a maquete. Guilherme Marcondes avaliou que o tempo gasto na composição do filme para fazer integração teria sido mais bem


empregado em outros esforços, como enriquecer o 3D. Apesar de poder usar as maquetes, o diretor avaliou que não valia a pena insistir nessa técnica e optou por passar a fazer os filmes inteiramente em 3D. O diretor exibiu o primeiro filme rodado totalmente em 3D, fazendo a ressalva de que os planetas de trás ainda são maquetes até hoje. A diferença crucial Guilherme Marcondes ressaltou que, diferentemente do que aconteceu com “Tyger” e com a vinheta da BBC, o resultado, na campanha da British Gas, tem que ser sempre 100% fiel ao layout aprovado no início do processo, com o cliente e a agência. Mercado de trabalho Respondendo a perguntas do público sobre mercado de trabalho, Guilherme disse que em Nova York é bem difícil achar profissionais disponíveis, porque há muitos estúdios, e os maiores costumam absorver todo o talento. O de menor estrutura, então, como a Hornet, precisam sempre caçar talentos. No caso da campanha da British Gas, explicou Guilherme, a burocracia da empresa torna mais difícil formar uma equipe, já que sua estrutura

grande e sem agilidade dificulta o processo de fluência do trabalho. “A empresa às vezes fica três meses sem passar projeto. É para isso que o projeto tem um diretor: eu tenho que garantir que a campanha fique com a mesma cara. Sou o único desde o início. O marketing da British Gas mudou, os criativos da agência não são mais os mesmos e eu estou na quarta produtora com a Hornet, até os frilas do primeiro trabalho não estão mais”. Guilherme disse que o trabalho do diretor é de gerenciamento, de controle de qualidade do trabalho. E vem daí a necessidade de fazer certas escolhas: “A decisão de mudar para 3D foi minha, porque eu queria dirigir os filmes, e não ficar louco por precisar lutar para fazer com que as coisas acontecessem.” Com os problemas de produção, o diretor deixa de fazer o trabalho criativo, passa a só resolver entraves, alertou Guilherme. “Eu até hoje entro lá e vou fazer composição, sem frescura, o que for necessário, mas o diretor quer é bolar câmeras, o que os personagens vão fazer, os roteiros... Os roteiros que apresento têm 20 coisas mais do que aprovam no final”.


Como lidar com exigências do cliente O diretor contou que, com a experiência, aprendeu a lidar melhor com as contrariedades que surgem num projeto comercial. “Era bem frustrante no início. Agora, em vez de ficar frustrado com limitações, eu continuo oferecendo coisas. Pelo menos, continuo treinando a minha criatividade. É uma empresa muito grande na Inglaterra, e todo muito conhece essa campanha em Londres. Também é muito legal porque é um baita desafio técnico: nunca fiz uma coisa tão longa”, ponderou. Guilherme também falou a respeito do que aprendeu sobre trabalhos de longa duração: “Eu dizia: não sei se faria um longa, faço curtas”. E lembrou que, antes, não lhe parecia sequer possível trabalhar três anos na mesma coisa. “Mas já estou há dois anos nisso aqui, e é muito mais tedioso do que trabalhar num longa...” Guilherme Marcondes destacou que uma de suas funções como diretor é justamente espantar o tédio e ser uma espécie de “animador de torcida”. “Se você estiver entediado, passa isso para a equipe inteira, e o resultado fica medíocre. Então,

fazer publicidade é isso também. E até tenho muita sorte de trabalhar num estilo que eu desenvolvi, além de relação com a agência ser muito boa.” O diretor disse ainda que o concorrente da British Gas trabalha com a Aardman: “Então, é basicamente Wallace and Gromit”. E brincou, contando que os clientes e agências, quando avaliam as campanhas e cogitam usar animação, adoram falar que talvez optem por algo “tipo Pixar”. Perguntas do público Diante da curiosidade da audiência, o diretor disse que prefere contar com uma estrutura pequena e desenvolvê-la de acordo com as necessidades do projeto do que estar numa estrutura maior, mas “ter que, de certa forma, ser assimilado pela estrutura da empresa, que é o caso do meu último emprego, em Los Angeles, na Motion Theory”. “Eu tenho três, quatro pessoas comigo, o resto é tudo freelancer”, explicou o diretor. Mistura de técnicas A respeito das dúvidas da plateia sobre como define, nos projetos pessoais, a técnica que vai usar ou a mistura entre elas, Guilherme esclareceu:


“Depende do que a história pede, do tipo de coisa que você está querendo dizer. É uma sutileza usar certas técnicas. Quando eu uso stop motion, por exemplo, faço questão de mostrar que estou usando.” O diretor deu exemplos: disse que gosta mais de “O fantástico senhor Raposo” do que de “Coraline”. E exaltou “o fato de o bonequinho parecer empalhado, com pelinhos”: “Acho até um pouco de fetiche. Parece que o Wes Anderson (roteirista, diretor e produtor do filme) e o stop motion nasceram um para o outro. Esse filme, em 3D, não teria sido a mesma coisa”. A hora de escolher e misturar “O próximo curta que eu quero fazer vai ter diálogo, pela primeira vez. Depois, evolui para animação, com uma parte stop motion. No final, computador, e eu quero que tenha cara de feito em computador mesmo, para contrastar com as filmagens feitas com ator antes, para marcar a passagem de uma coisa orgânica para inorgânica. É o que pede o roteiro.” Zé do Caixão Guilherme Marcondes fez também a abertura do filme “Encarnação do demônio” (2008), de José Mojica Marins. Ele contou que a ideia não era fazer algo trash, mas que, apesar de o produtor ter feito essa ressalva

e ter oferecido recursos de computador, não havia dinheiro. “Eu fiz logo depois de uma palestra que fui dar na Califórnia. Dois dos estudantes, mais interessados, se juntaram a mim, e a gente saiu dali e comprou um monte de carne no supermercado: fígado de galinha, para um stop motion torto, de carne...”, lembrou. Além dessa demonstração de criatividade, Guilherme lançou mão de outros recursos econômicos: a biblioteca da Universidade de Stuttgart estava digitalizando seus livros, com copyright livre. E lá estavam, disponíveis na internet de graça, livros medievais e renascentistas de medicina. Alguns retratavam deformidades, reais ou fictícias. Tudo digitalizado com uma definição enorme. “É uma coisa que gente pra burro já usou, mas, como consegui essas imagens em alta resolução, usei muito das texturas das gravuras para fazer imagens abstratas”, detalhou, ressaltando que o mais trabalhoso foi vetorizar as veias da ilustração para depois animar no After Effects. Mc Donald´s Guilherme Marcondes narrou também sua experiência em fazer uma propaganda para o McDonald’s. “O mercado requer mais 3D. A Hornet agora faz mais isso, e em paralelo cresce também o departamento de stop motion.”


O filme foi feito para o McDonald’s da Inglaterra. E consistia numa baleia e um camarão apostando corrida, com os personagens desenhados por Peter de Sève, que é representado como ilustrador pela Hornet. “Foi o nome dele que trouxe a campanha, e me recomendaram porque os outros diretores não fazem tanto 3D. Mas, ao longo do trabalho, tive que me impor como diretor, porque eles só queriam falar com o Peter. Minha atuação no filme é muito mais genérica, dá para ver muito menos o meu trabalho nele. Mas, como disse, cada um é diferente, e todos têm uma coisa interessante, mesmo que seja tecnicamente, que depois a gente pode usar num projeto pessoal.” Guilherme mostrou detalhes do filme, que, embora imperceptíveis, são tratados como grandes questões pelo cliente. Para dar uma ideia, o diretor citou o momento em que se escolheria se a pontinha do capacete do camarão, atrás do olho, seria pontuda ou arredondada: “Só isso levou uma semana para ser decidido. Tinha uma comissão para isso. Qualquer besteirinha que tinha que mudar, era um dia”. Foram quase três meses entre fazer o storyboard e entregar o trabalho final. “Você tem que fazer o trabalho num período entre 8 e 12 semanas. Se for mais simples, menos.” Sobre o cronograma - Três semanas de animação de personagem, sem contar o layout das cenas - Desenhar os personagens levou duas semanas, e esse trabalho foi feito paralelamente ao do storyboard - Guilherme fez 30 versões pra cada cena: “Para mim, foi uma delicia”, disse ele, “Eu tinha aqueles animadores superbons... Achar animador que faça o trabalho no After Effects com a mesma qualidade que no 3D é muito difícil”. - O diretor calculou que a equipe fez sete versões de storyboard. “Disso, a gente foi para o layout 3D, que é quando o negócio começa a ficar divertido, pelo menos para o diretor.” - Guilherme disse que, já que o blocking concentra todas as informações sobre o filme, como todas as câmeras e os personagens principais, a partir daí, ele pôde ficar só com os animadores durante duas semanas.

O diretor enfatizou que, ao longo do processo de trabalho, teve que se fazer respeitar. Precisou convencer clientes e diretores criativos, que não estavam acostumados a trabalhar com animação, de que o filme era basicamente acting, personagens, que tinha que ficar engraçado. Guilherme explicou que, como cliente e agência não conseguem visualizar como o filme ficará e só iriam ver 3D renderizado em três semanas, optou pela solução animatic. Por causa da dificuldade em visualizar o resultado final, houve várias discordâncias sobre a relação entre o tempo e as ações dentro do filme. “A certa altura, eu estava defendendo e tendo que convencê-los de ideias que eles tinham tido”. O resultado final do filme teve a estrutura inicial da agência mais ideias que Guilherme e sua equipe sugeriram. Sobre as reivindicações e interferências que os clientes fazem, o diretor fez um aviso: “Se não tiver uma estrutura de produção, você perde o controle. Eles fizeram uma campanha com a Tokyo Plastic. E, no final, os filmes não ficaram nem Tokyo Plastic, nem Blue Sky. Aí, voltaram pra Hornet, e foi quando o Peter me sugeriu como diretor.” Trabalhando e aprendendo Sobre a experiência em publicidade, o diretor de animação concluiu: “É um circo enorme para fazer 30 segundos. É uma delícia ter verba e tempo suficiente para conseguir produzir um filme desses, mas, como disse, para mim o prazer maior é o processo, aprender como conseguir realizar todas essas coisas, conquistar o respeito dentro da equipe, com gente com quem nunca trabalhei. Essas coisas todas te deixam mais esperto, mais forte até para fazer os projetos pessoais. É como treinamento do exército: você passa uma situação dessas, muito intensa, para fazer 30 segundos de filme. Qualquer coisa depois disso é mais leve.”


Dia 23 de julho – sexta-feira 15:00 às 17:50 Mesa-redonda – 3-D Estereoscópico (Teatro II) Uma visão sobre o novo padrão de produção e exibição da indústria cinematográfica. Como criar e produzir animações em estereoscopia 3-D, em suas diversas soluções tecnológicas do passado, presente e futuro. Participantes – Adhemar de Oliveira (rede Arteplex), Rodrigo Olaio (Mono), Otto Guerra (Otto Desenhos), Mariana Caltabiano (Mariana Caltabiano ‘ Criações), Erick Soares (Sony). Moderador – Alê McHaddo (44toons). Marcos Magalhães (Anima Mundi e ABCA) iniciou a mesa fazendo menção à tradicional foto que, desde os anos 1950, mostra a plateia usando óculos para 3-D. Marcos questionou se, desta vez, na nova onda 3-D, estamos vivendo uma revolução parecida com a do cinema sonoro: se o cinema não poderá mais se livrar dessa tridimensionalidade que o sistema permite. O moderador Alê McHaddo, depois de ponderar que não existe festival preparado para exibir conteúdo estereoscópico, iniciou o debate: “Tem dois grupos: um que acha que o cinema vai ser assim sempre daqui para a frente, nada mais vai ser feito sem ser tridimensional, e outro que acha que é uma moda fajuta, que vai passar. Eu particularmente acho que não é nenhuma das duas coisas. Acho que a gente está no meio de um processo e tem que refletir bastante, saber o que, desse novo eixo, dessa profundidade, pode colaborar com a linguagem cinematográfica”.


Alê McHaddo sublinhou que o 3-D tem impacto desde a produção até a exibição. E contou teve uma experiência, ao produzir usando o sistema, que o fez comemorar o fato de ter se aventurado num curta-metragem em vez de um longa, porque ele e a equipe se surpreenderam com a complexidade do trabalho, imaginavam que era menos complicado. Mas ponderou: “Acho exagerado comparar com a entrada do som, talvez seja mais parecido com a entrada da cor”. “Além de uma discussão extremamente técnica, há uma reflexão muito necessária do ponto de vista estético, do ponto de vista de linguagem cinematográfica: por que e como usá-la, como isso pode ser um novo elemento narrativo”, sublinhou. Foram exibidos para a plateia exemplos de 3-D feitos pelos participantes da mesa: - Demo da Mono com publicidade - Promo de “Até que a esbórnia nos separe”, de Otto Guerra - Piloto de “Buba”, da Mono - Trailer do filme “Brasil animado”, de Mariana Caltabiano - Sequência de 11 minutos de “BugiGang”, de Alê McHaddo

Erick Soares, representante da Sony, começou sua intervenção dizendo que a apresentações dos filmes mostrou o que o 3-D pode oferecer, como funciona e como pode ser criado.

“É uma tecnologia que não é nova. A maioria deve acompanhar o 3-D: as primeiras experiências têm data de 1890”, disse Erick, citando a Inglaterra e mencionando também, na década de 1920, outras experiência feitas na Europa. “Desde então, foi evoluindo, e nós costumamos falar historicamente em três grande ciclos do 3-D: a primeira geração, na década de 50; depois a segunda onda, na década de

80, com cinemas espalhados pelo mundo inteiro; e agora, recentemente, o 3-D não só como vídeo, mas animação, games, internet, televisores, videogames. E há espetáculos ao vivo em alguns lugares do mundo. Até o YouTube oferece 3-D”, enumerou, citando ainda o sistema Imax e os cinemas digitais. Erick ressaltou que o espectador procura o 3-D: “Nos Estados Unidos existe um crescimento bem grande, desde 2005, das salas de cinema 3-D, uma expansão bem significativa”, disse, citando sistemas diferentes como Real D e Dolby, “E no Brasil também. Se a gente olhar, desde 2009, em menos de dois anos a quantidade de salas mais que dobrou”. Erick Soares enfatizou que o 3-D realmente faz diferença: “Essa questão de explorar o terceiro eixo, a profundidade...” O participante explicou como é possível obter o efeito 3-D: “Como temos dois olhos, com 6,5cm a 7cm de distância entre eles, em média, e cada olho percebe uma imagem diferente, o cérebro compõe essa imagem e dá a sensação do 3-D para a gente”, detalhou, acrescentando que há distúrbios visuais que impedem esse resultado. O processo “A gente trabalha com duas câmeras, portanto, duas imagens. Tudo o que estiver no plano do foco (que é definido pela câmera) fica na tela. E tudo o que estiver atrás do plano do foco vai dar a sensação de profundidade. E, se você focar num objeto e existir alguma coisa na frente dele, provoca o efeito chamado pop-up, que é sair da tela. Então, são esses dois conceitos básicos, de como trabalhar o vídeo, a animação, a criação do seu conteúdo, que criam o efeito do 3-D”, explicou, “A gente está de certa forma enganando o cérebro, porque as imagens estão dentro de uma estereoscopia: são duas imagens simultâneas”. A partir desses conceitos, Erick chamou a atenção para o que denominou a “questão do bem-estar”:


“É o conforto visual. Se explorar a profundidade, que faz o olho ir um para cada lado, por um tempo prolongado, provoca mal-estar. Ao contrário, provocar o movimento contrário, de estrabismo (que acontece no pop-up), também provoca malestar”, disse, “Então, além de técnica e tecnologia, tem a questão fisiológica: como produzir o 3-D sem provocar mal-estar”.

se com 48 quadros por segundo e, na TV, como são originalmente 30 quadros, passa-se a trabalhar com 60 quadros: “sempre metade para cada olho”, esmiuçou.

O participante da mesa deu como exemplos do malestar que pode ser provocado pelo 3-D relatos de tontura e de dor de cabeça.

“Em cinema, há várias técnicas diferentes”, disse Erick, “A Sony é a única que tem recursos para trabalhar em toda a cadeia de produção. Costumamos dizer que vamos desde a lente até a TV, incluindo computadores que vão começar a sair com 3-D, blu-ray, o próprio PlayStation 3...”

Além do Anaglyph, Erick falou que existem muitos outros processos para se obter o efeito 3-D, como a pseudoestereoscopia, em que não são usados óculos. “Fala-se em fazer isso: 3-D sem usar óculos, com o máximo de qualidade, e aí entra também o conceito de polarização que é usado em projetores”. “Trabalhar em vídeo, como não é foto, aumenta a complexidade. São duas câmeras ou lado a lado ou perpendiculares”, disse o participante da mesa sobre equipamentos, acrescentando ainda que é usado um jogo de espelhos. “E hoje já tem televisores 3-D, em que são usados óculos também”. Erick detalhou que, em cinema, trabalha-

O participante da mesa também mencionou que existem óculos passivos e óculos ativos, mais usado para TV.

“Fazer 3-D, de uma certa forma, é fácil. O problema é fazer 3-D com qualidade”, disse o representante da Sony, “com o ajuste de profundidade correto, com a rapidez que é necessária”. Erick falou de problemas de 3-D de baixa qualidade. E dos equipamentos que permitem corrigir os erros, além do mapa de profundidade, que define qual é a região segura para trabalhar o 3-D. Ele citou o filme “Avatar”, de James Cameron, dizendo que a equipe da Sony desenvolveu as câmeras para a produção.


Rodrigo Olaio

Olaio contou que aprendeu a trabalhar em 3-D com a experiência. Ele e os sócios criaram a Mono como uma produtora de publicidade, porque não tinham dinheiro, mas a meta era, em cinco anos, partir para a produção independente. Agora que a empresa está fazendo quatro anos, ele acredita que a Mono esteja em seu momento de transição. Olaio enumerou projetos da produtora: dos dois que se encaixam no tipo que a Mono pretende seguir, um é “O diário de Bibi”, o primeiro 3-D interativo do Brasil, disse.

O participante da mesa falou que, como a Mono trabalha com eventos, havia uma grande dificuldade em adaptar o 3-D para lugares diversos, que podem ir de um caminhão a um teatro grande. “Faz muita diferença. Já cinema dá um padrão, resolve isso. É importante ver onde vai projetar”. Olaio também citou sistemas diferentes como Dolby, Real D, Xpand, Master Image e Imax. “Quando você terminar seu filme, tem que finalizar para aquilo.”

A Mono faz também a conversão de “Até que a esbórnia nos separe”, de Otto Guerra, que foi feito em 2-D, para 3-D.

Olaio também ponderou: “Eu tive experiências horríveis com 3-D, desde pegar óculos sujos até projetor fraco, oscilando a luz”.

Olaio enumerou quatro pontos que a Mono considera importantes em 3-D:

O participante da mesa também explicou que, para trabalhar com o sistema, “você tem que ter uma sala de 3-D na sua produtora, porque você tem que testar mais de uma vez, simular a distância da tela, a experiência que você quer causar...”

1 - Fazer o roteiro pensando na estereoscopia. Olaio citou “Avatar”: ele acredita que o filme tem cenas, em que os elementos flutuam, que são perfeitas para o sistema e outras em que o 3-D não funciona. 2 - Um destaque é a preocupação com a zona de conforto: de cada 30 cenas, Olaio calcula que é possível forçar, usar o efeito 3-D em três. 3 - Sobre fazer imagens com ângulos diferentes de câmera: “O segredo do 3-D para a gente está muito em saber posicionar as câmeras”. 4 - “E nada deve saltar da tela cortado, sangrado nas laterais”, disse.

Sobre detalhes a serem levados em consideração quando se trabalha com estereoscopia: - Quando se trata dos olhos das crianças, a distância entre eles é menor. - “Em Real D, você tem que fazer um sistema a mais para exibir perfeitamente, para evitar sombras”. Mas o principal, reiterou Olaio, é “trabalhar sempre na zona de conforto”. “A gente vê muito exagero de efeitos”, disse Rodrigo Olaio, que também ponderou: “Você precisa ter tido cinco efeitos para dentro para o espectador se tocar de um efeito legal para fora”.


Otto Guerra

“Estamos com um filme grandão, desde 2005. São 4 ou 5 milhões de reais, um orçamento que, para o Brasil, é grande. E eu estava muito feliz até ir ver ‘Scrooge’, com o Jim Carrey. Eu fiquei de fato muito impressionando”, disse Otto, que acredita que a nova onda do 3-D é “como foi a mudança do cinema mudo para o falado, do branco e preto para o colorido”. “Eu saí do cinema arrasado, porque é um trabalho de 60 pessoas, que agora está com 40 pessoas, e a impressão que me deu é que a gente tava fazendo uma coisa já anacrônica”. Otto contou que recorreu então a Rodrigo Olaio, da Mono, para passar seu filme de 2-D para 3-D. “Na PUC, no ano passado, a gente teve um primeiro contato com um pessoal que tem um laboratório de projeção 3-D, e fiquei bem surpreendido: um clipe era jogado e voava até perto da gente, parecia vir na nossa cara. Eles disseram: ‘Viu que droga?’. E eu falei que era maravilhoso, e eles: ‘Não, a gente não tem conteúdo: é um clipe, voando’”, contou Otto, bem-humorado, falando de sua experiência com 3-D no sul do país. Otto Guerra enfatizou que há uma demanda por salas 3-D, uma fila.

O animador falou do processo por que passa seu longa, usando layers: “A gente pode separar, é um trabalhão imenso. São 700 cenas, tem que abrir uma por uma. Mas estou feliz porque é bem possível que tenha uma cópia do filme em 3-D. E a versão 2-D também segue, como planejado”.

Mariana Caltabiano

A diretora de “Brasil animado 3-D” – uma coprodução com a Teleimage e a Globo Filmes que estreia dia 21 de janeiro de 2011, com distribuição da Imagem Filmes – mistura 2-D com 3-D e também adaptação das imagens ao vivo em 3-D. “Ele foi pensado desde o inicio em 3-D”, disse Mariana, “E, quando eu soube que o filme realmente poderia ser em 3-D, até reescrevi algumas cenas” O 3-D no set “Uma coisa com que fiquei muito impressionada e achei muito legal foi que eu não sabia que ia dar para ver no próprio set a imagem em 3-D no monitor”, contou Mariana, “Numa roda de capoeiristas, eu queria que o pé do capoeirista saísse da tela, então, no próprio set, eu punha os óculos e via o tanto que o pé dele tinha saído da tela”.


Mais trabalho “O trabalho que dá a mais do que um filme normal é que tudo tinha que ser calculado, tinha que ter um estereógrafo lá para fazer esse cálculo, fazer uma marcação, por no chão, para o resultado final funcionar.” Mariana Caltabiano finalizou sua apresentação dizendo que seu filme é uma viagem de dois personagens, Stress e Relax, por várias regiões do país.

Adhemar de Oliveira

O exibidor começou falando sobre o que acredita que historicamente interfira na tecnologia 3-D: “Essas tecnologias sempre estavam associadas a um hiato. Eram alguma coisa que acontecia e desaparecia, talvez pelo custo, porque, na película, o custo é muito maior. Acho que o advento da imagem digital é que veio dar essa nitroglicerina para explodir esse efeito mundial, que é uma questão mais recente, da exibição em cinema e daí para a frente em 3-D. Isso eu estou falando por experiência vivida na questão Imax também.” Adhemar acha que, da exibição, o 3-D vai revolucionar a produção também: “Sou daqueles que acreditam que a mudança está no mesmo patamar do cinema mudo para o cinema falado”. Sobre a mudança na produção, Adhemar prevê muito mais trabalho:

“Para quem é novo e está pegando agora, é um barato. Mas, para quem já estava no mercado, haja trabalho. Na exibição, agora com o digital, dá um salto na organização da construção de uma sala.” O 3-D como espetáculo “Isso veio reposicionar o espetáculo de cinema”, mundialmente, disse o exibidor. “Atraiu gente que estava distanciada das salas. O Brasil, num espaço de dois anos, tem 140 salas, só, em 3-D, mas nos Estados Unidos e Europa é uma avalanche muito mais rápida. Hoje, se você quiser um projetor em 3-D, a fábrica não consegue entregar, tal a demanda mundial”. No caso do Brasil, diz Adhemar, “reforça o patamar econômico da exibição: o preço é maior no 3-D do que no normal”. O exibidor também fala da tendência que prevê com a baixa do preço dos projetores: “Tende a aumentar violentamente o parque de salas disponíveis”. Fila pelas salas “Por isso foi falado de um filme estar dando 5 mil pessoas numa sala de 200 lugares e você tirar para colocar outro, o que parece um suicídio econômico. É um fato que está acontecendo no caso brasileiro pelo pouco número de salas que a gente tem. Isso tende a mudar. Nós temos 2 mil salas, das quais menos de 200 em 3-D.”


Imax “E eu entrei também numa experiência que foi trazer a primeira sala Imax para o Brasil. Eu conversei durante sete anos com um representante do Imax que veio me procurar”, contou Adhemar, explicando sobre a empresa canadense que inventou um modelo de projeção em tela gigante, inicialmente usado em museus. “Tem vários tamanhos. Em algumas, muito grandes, a iluminação precisava de refrigeração a água”. “Hoje existe sala Imax digital, como a nossa”, explicou Adhemar, contando que, quando o cinema foi inaugurado em São Paulo, foi trazido um projetor único para exibição em película. O exibidor explicou também que, antes, eram exibidos documentários feitos para o formato: “O primeiro blockbuster, ‘Monstros e alienígenas’, precisaria fazer 20 mil espectadores, a R$ 34 o ingresso, para pagar a cópia ao distribuidor”, detalhou, sobre o custo de adaptar as produções para o sistema. Sobre questões técnicas, Adhemar também ponderou que nunca optou por usar Real D porque é necessário ter uma tela prateada. E acrescentou que o Imax tem uma tela própria e são 12 mil watts de luz. “A adesão da população é enorme”, enfatizou,

ressaltando que a tecnologia chegou com atraso de 40 anos ao Brasil, “O grau de imersão do Imax é muito maior, muito melhor que da sala 3-D: a sensação é que o 3-D normal é da tela para o fundo.” Adhemar disse que, no caso de “Avatar”, 70% dos espectadores do Imax estavam indo ver o filme pela segunda vez. “Houve o mesmo com Batman”, disse, “Nos documentários filmados para isso, a sensação é de passagem dos sentidos. A tela vai até o chão: as primeiras fileiras estão quase encostadas na tela, mas a distância não têm importância, se é a primeira ou a última fileira”. Adhemar de Oliveira encerrou sua fala reiterando: “Hoje, no Brasil, há diferença, num mesmo filme, entre sala 3-D e sala Imax”. E deu outro exemplo de exaltação ao Imax: “Um cronista escreveu ‘Engraçado: eu estava vendo o mar e tinha um cara comendo pipoca lá no fundo do mar’”. Perguntas e intervenções da plateia - A imagem da animação brasileira lá fora: Uma animadora brasileira que trabalha em Barcelona disse que há uma percepção na Europa, e especificamente na Espanha, de que o governo brasileiro está investindo forte e crescentemente em animação, despertando interesse e entrando em evidência no cenário internacional.


Otto Guerra contou então que acabara de assinar um contrato de coprodução com uma empresa da Espanha, Continental. “O filme também era 2-D e passou para 3-D. Mas, na verdade, eles que querem o nosso dinheiro”, brincou Otto. Alê McHaddo emendou, dizendo que a situação relatada por Otto é resultado da tal percepção internacional, de que a animação brasileira está recebendo investimentos. - Sobre planejar ou não, previamente, uma produção para 3-D Rodrigo Olaio respondeu que calcula que a dificuldade aumenta em 10%, quando a produção é bem pensada para 3-D, e 30%, quando ela é pouco pensada para o sistema. - Sobre crianças, 3-D e óculos menores Adhemar de Oliveira falou dos planos para aumentar a importação de óculos apropriados para crianças. Rodrigo Olaio disse que se preocupa em adaptar a produção quando o filme é destinado a crianças. Ale McHaddo contou que sua filha não gosta de 3-D e que assiste à seu filme sem óculos. Já Mariana Caltabiano disse que tem dois filhos que adoram. E acha que a afinidade com o 3-D está ligada à idade. Sobre os problemas que podem ocorrer por causa do 3-D, citados durante a mesa, Olaio disse que, como se trata de algo novo, os esclarecimentos, ou os transtornos, ainda vão surgir. Erick Soares, representante da Sony, afirmou que nenhum estudo até hoje apontou que o 3-D faz mal, mas que há indicações de uso e cuidados a serem observados em jogos, além de recomendações como não assistir a várias sessões 3-D num mesmo dia. Olaio acrescentou que, na hora de trabalhar, um consultor deu dicas à equipe da Mono, porque o uso dos óculos dava dor de cabeça nos profissionais. - O público vai às salas Adhemar ressaltou o fato de o 3-D levar o público ao cinema no Brasil, “que nem é um parâmetro, por causa da quantidade miserável de salas. Deveria ter hoje 6 mil. Nos anos 70, tínhamos 3.500 salas com mais de mil lugares. Hoje, são 2.200 relativamente pequenas. A tecnologia 3-D ajuda. E o cara vai lá e, se está lotado, ele vai à sala ao lado. De certa forma, você está pescando em aquário quando coloca uma sala 3-D num conjunto de 10 salas”.

- Pirataria Erick enfatizou que o uso da tecnologia 3-D serve também para combater a pirataria, já que inviabiliza as cópias. - Estereoscopia para stop motion Sobre perguntas da plateia a respeito do tema, Olaio respondeu: “Talvez eu gravasse as coisas em croma para compor depois o filme...”. Ele acrescentou que estava pensando em fazer uma experiência, estudar como posicionar a câmera: “Mas na essência é basicamente o que foi falado”. - Erick disse: “Talvez o mais fácil seja usar o conceito do vídeo. Você consegue compor e trabalhar objetos pequenos, pequena distância. Foram feitos testes com imagens microscópicas. Do ponto de vista de tecnologia, stop motion em 3-D não seria problema, mas do ponto de vista da criação, compor croma... É mais difícil, envolve trabalho mais apurado”. Rodrigo Olaio lembrou um complicador: que a distância entre as câmeras tem que ser a distância dos olhos do personagem. Erick Soares lembrou que no rig (que regula a posição das câmeras) é possível conseguir ter distância ocular zero. “É claro que envolve custo”, disse, “E você tem que ver se vai fazer mais manual ou se a tecnologia vai fazer por você”. - Depoimento sobre stop motion Um espectador contou a experiência na produção de “Minhocas, o filme”: “É o primeiro longa de stop motion de toda a América Latina. E cogitou-se fazer o próximo em estereoscopia. Muitas vezes, você tem que apagar na pós-produção um suporte, por exemplo, e então você teria que fazer duas vezes. E são poucos os softwares para finalização. O melhor software para captura de stop motion é o Dragon Animation, que tem equipamentos compatíveis para rig de estereoscopia, mas, mesmo assim, o grande trabalho que se tem, às vezes, numa correção, teria que ser multiplicado por dois, no caso da estereoscopia”, ponderou.


Créditos Direção e Coordenação

Aida Queiroz Cesar Coelho Lea Zagury Marcos Magalhães Assistentes de Direção

Ellen Gaspar Luana Schneider Produção

Vertigo Produção Cultural Assistentes de Produção

Flávia Ribeiro Saffira valentin Lívia Eggee Patrícia Borges Magalhães Intérprete

Martha Moreira Lima Edição e Redação do Relatório

Claudia Amorim

Projeto Gráfico do Relatório

Bernardo Mendes

Projeto Gráfico do Forum

Helena de Barros Leo Conrado Produção Gráfica

Gustavo Franck Fotos

Luciano Bogado Projeto do Salão Anima Business

Zavén Paré




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