MINISTÉRIO DA CULTURA, GOVERNO DO RIO DE JANEIRO, SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA E LEI ESTADUAL DE INCENTIVO À CULTURA DO RIO DE JANEIRO,
APRESENTAM O ANIMA MUNDI 2015.
Relatório
#animaforum2015 OFERECIMENTO
PARCERIA
GOVERNO DO RIO DE JANEIRO, SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA E LEI ESTADUAL DE INCENTIVO À CULTURA DO RIO DE JANEIRO, PETROBRAS, IBM apresentam
Relatório
#animaforum2015
Dez anos de
Anima Forum O Anima Forum é a evolução de uma iniciativa do Anima Mundi criada originalmente para promover encontros durante o Festival, em que se poderia debater, avaliar e sugerir ações que contribuíssem com o desenvolvimento da animação profissional no Brasil. Inicialmente chamado de Ciclo de Palestras e depois de Forum Brasil, esse espaço abrigava palestras e apresentações de escolas de animação, produtores internacionais e artistas consagrados. As atividades eram encerradas com uma reunião dos animadores que haviam frequentado o Festival e que eram convocados durante todas as sessões de cinema para um encontro no último sábado, em uma sala reservada. Esses encontros eram muito simples e tinham apenas o intuito de fazer a classe encontrar-se, conhecer-se e trocar experiências. Visavam incentivar uma organização formal dos animadores e, de fato, foi nesses encontros que a Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA) foi criada.
Em 2006, acontecia o primeiro Anima Forum, na edição paulista do Anima Mundi. Àquela altura, já entendíamos que o potencial de desenvolvimento da produção brasileira precisava de uma estrutura mais ampla, para abrigar as necessidades da atividade. Tratava-se de avaliar o desenvolvimento de uma indústria de animação o desenvolvimento da produção de séries brasileiras para a TV, que envolvia a criação de estúdios com um tipo de estrutura e número de animadores ainda não vistos no nosso mercado. O Anima Forum começou com um ciclo de palestras e debates durante três manhãs. Hoje, temos as Conferências, as Masterclasses e o Anima Business, que acontecem durante quatro dias inteiros.
festival, um espaço de convivência entre produtoras, artistas independentes e canais de TV para discutir em um ambiente íntimo e ao mesmo tempo estimulante interesses e objetivos comuns.
Esses dez anos de existência do Anima Forum foram bastante movimentados. Coproduções, distribuição nacional e internacional, capacitação de novos profissionais, fomento e investimento para o setor, características da produção para as várias faixas etárias e métodos e técnicas de criação são alguns exemplos da miríade de assuntos nos quais mergulhamos durante todo esse tempo. Recebemos delegações de Coreia do Sul, Canadá, Alemanha e Reino Unido (este ano, foi a vez da França) para encontros de negócios no Anima Business.
Já na sua primeira edição, essas novas iniciativas apresentaram resultados promissores: mais de cem projetos participaram das rodadas de negócios, que contaram com a presença de nove canais de TV.
A produção de séries brasileiras para a TV já é uma realidade. Os desafios agora são outros. Como adaptar as iniciativas de apoio a produção às características próprias da animação e da conjuntura nacionais, a fim de garantir o crescimento sustentável da nossa produção? Como será a animação do futuro, suas técnicas e mídias? Como distribuir nossos longas no mercado nacional e internacional? Como administrar uma carreira profissional em animação? As questões não param por aí. Em evolução constante, o Anima Forum também se renova. Neste ano reformulamos inteiramente o Anima Business, visando criar, dentro do
Foram criadas duas novas oportunidades para apresentação de projetos. O Anima Coaching é destinado a projetos em sua faze inicial, que se beneficiaram das avaliações, das dicas e do direcionamento de experientes profissionais do mercado em reuniões de até meia hora. O Anima Screenings apresentou um projeto já desenvolvidos para canais de TV em sessões privadas.
Em dez anos de mudanças em busca de aperfeiçoamento, uma característica do Anima Forum não muda e está expressa no número de vezes que a palavra “encontro” apareceu neste texto – queremos ser o ponto de convergência dos profissionais brasileiros e estrangeiros interessados no aprimoramento e desenvolvimento da animação brasileira. Não poupamos esforços para isso. No entanto, pelo dinamismo e ritmo com os quais a animação se renova, temos a cada ano a sensação, ao mesmo tempo desafiadora e instigantes, de estar começando tudo de novo!
Sumário Masterclasses Bastien Dubois
Um olhar não convencional sobre as tecnologias para animação
Jorge Gutierrez
Cada Imagem conta uma estória: a criação de universos e personagens
Kim Bjørnqvist
As ideias são tudo! A Vida é um Pitch!
Entrevistas Uma hora com... 11
Uma hora com... 17
Mike Deodato 87
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Uma hora com... Will Becker 93
Anima Business
Mesa Redonda Distribuição de Animação Independente
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Animação do Futuro
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Coprodução com a França
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Animação em Detalhe
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Palestras Cristiane Fariah
Retratos do Mercado Brasileiro de Animação
Steve Hickner
Animando sua Carreira
Mark Osborne 83
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Reynaldo Marchesini
Um espaço inspirador para negócios
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Outras Atrações Animação Sobe ao Palco
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Demonstrações e Programas
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Créditos
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Linkeria
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Masterclass
Um olhar não convencional sobre as tecnologias para animação RIO DE JANEIRO 11/07 #DIÁRIOS DE VIAGENS #TECNOLOGIA #DIVERSIDADE CULTURAL
Bastien
Dubois
Bastien Dubois é diretor de animação. Frequentou a universidade de Supinfocom, onde se formou em computação gráfica. Seu primeiro filme independente, “Madagascar, um Diário de Viagem” venceu o Prêmio do Júri Profissional de Melhor Direção de Arte no Anima Mundi 2010 e foi nomeado para o Oscar de 2011.
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Masterclass
Bastien Dubois
Em sua Masterclass, Bastien Dubois apresentou diferentes projetos, descrevendo seus processos de criação, produção, desenvolvimento, financiamento e realização. Seu trabalho é reconhecido pela diversidade de técnicas de animação utilizadas, muitas vezes no mesmo projeto. Ao contar seu início na animação, revelou que o AnimaMundi foi o único festival que mostrou seu curta de graduação AHSupinfocom - uma viagem psicodélica por dentro de uma sopa de letrinhas. DIÁRIOS DE VIAGEM
Animação em curso O Festival Anima Mundi tem, há mais de dez anos, uma categoria intitulada “Animação em curso”, dedicada exclusivamente a exibir filmes produzidos em escolas profissionais de animação do mundo todo.O curta “Ah” foi dirigido por Bastien Dubois, Joris Bacquet And e Simon Moreau na edição de 2007
“Na época da faculdade, fiz uma viagem entre França e Istambul, pegando caronas pelo caminho. Minha vontade era de produzir um livro ilustrado com desenhos. Fiz os desenhos, mas logo percebi que eu não tinha muitas histórias para contar”. Recém formado, ouviu a respeito de uma Festa dos Mortos, uma prática funerária de Madagascar, e resolveu se mudar para a capital, Antanarivo, onde viveu por um ano no quarto de hóspede de um orfanato. Não há dúvidas de que contabilizou muitas histórias e aventuras o resultado está no aclamado curta Madagascar Carnet de Voyage. A viagem até o vilarejo que primeiro lhe apresentou o ritual Famadihana durou
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quatro horas, entre viagens de ônibus e longas caminhadas. Bastien captou o som da orquestra e começou a estabelecer os elementos do filme e storyboard a partir da música da cerimônia. A falta de roteiro pré-estabelecido dificultou o financiamento prévio à viagem. No entanto, a partir da música, construiu a narrativa e o storyboard pôde, então, ser apresentado e aprovado pelos patrocinadores do filme.
OUSADIA NA DIVERSIDADE DE TÉCNICAS Nesse filme de 12 minutos feito em 2009, Bastien utilizou rotoscopia, animação 2D, animação 3D, câmera mapping e animação de bordados. Durante os dois anos em que desenvolveu Madagascar, o animador francês trabalhou
praticamente sozinho e mudava de técnica a cada três dias como estratégia para não se entediar. Para a animação 2D, desenhou diretamente no programa TV Paint, imprimiu todos os frames e pintou por cima. Para os quadros em 3D, os planos eram feitos 100% digitalmente, a não ser pelas texturas, que foram escaneadas e inseridas isoladamente. A técnica mais utilizada no filme foi o câmera mapping, que permitiu dar textura em volumes que se deslocavam no espaço, proporcionando uma ilusão de complexidade de cenário. Segundo ele, o desafio desse truque era escolher o melhor ângulo para o modelo 3D, já que retocar ângulos em deslocamento é muito custoso.
“Me disseram que seria arriscado mudar de estilo em cada plano. Mas mudo de estilo para não me cansar. Dependendo do assunto, vou usar aquarela, guache ou giz. Gosto da ideia de encontrar essa diversidade no filme.” Alguns quadros foram feitos através da rotoscopia, com pinturas realizadas em cima da impressão de imagens filmadas. Outros, utilizando stopmotion, como a cena do trânsito nas ruas, foram filmados com ajuda das crianças do orfanato e seus carrinhos de metal. Uma ajudante local especial, uma senhora bordadeira, criou algumas das cenas mais bonitas do filme. Seis personagens típicos de
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Masterclass
Bastien Dubois
LILLE – ISTANBUL
ANIMATIC
falhas de comunicação devido às diferenças linguísticas e culturais. Ao final, comprou os direitos autorais dos músicos, mas utilizou a primeira versão gravada durante a cerimônia, apesar das falhas e ruídos. Como solução, utilizou truques como rápidas falas de personagens em primeiro plano e cenas com poeira de estrada e ventanias, para disfarçar a má qualidade do áudio. “Depois que finalizei o curta, voltei ao vilarejo uma última vez. Era a primeira vez que aquelas pessoas iam ao cinema, e estavam vendo um filme de animação sobre eles. Foi comovente, os jovens e os adultos se reconheciam nas cenas, apontavam e riam. Foi o melhor momento de toda a história desse filme”.
MENOS TEMPO, MENORES CUSTOS
Madagascar bordados em toalhas ganharam movimento, para o deslumbramento total da artista que, ao final, criou 250 quadros diferentes. A música, elemento fundamental que deu vida ao filme, custou ao autor mais de três viagens ao distante vilarejo, além de confusões e
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Com o sucesso do filme, logo foi convidado para criar uma série de televisão. Resolveram recorrer ao Motion Capture como forma de diminuir o custo e agilizar o processo de animar cadernos de viagem. O projeto Faces for Places teve 20 episódios de três minutos, com o prazo de produção de apenas oito meses. Devido ao prazo apertado, a equipe não poderia viajar, documentar e realizar todas as entrevisas de todos os
países escolhidos. Portanto, recorreram a entrevistas de pessoas oriundas desses locais, que moravam na França. A princípio, planejaram um diálogo pré-estabelecido, mas logo perceberam que as pessoas ficavam mais à vontade contando sobre suas próprias histórias. Duas horas de filme eram transformadas em apenas dois minutos e meio. A filmagem em motion capture permite multiplicar as informações de várias câmeras de forma precisa, ao cruzar informações utilizando infravermelho refletido em pontos brancos espalhados pelas pessoas que estão sendo registradas. Nesta série, as pessoas eram fotografadas e seu volume era transformado em modelagem 3D, posteriormente texturizados. Apesar de ser uma técnica não muito aceita por animadores mais tradicionais, a equipe logo percebeu que o projeto ficou muito mais barato e ágil, em comparação com animação 3D realista. Quando questionado sobre o uso dessas técnicas em suas animações, Bastien Dubois se declara cineasta em primeiro lugar.
CARGOCULT O terceiro filme apresentado por Bastien, Cargo Cult, também foi montado a partir de uma música inicial. Foi realizado através de
rotoscopia de Motion Capture, por uma equipe determinada e capaz, que finalizou o filme em tempo recorde.
“O meu objetivo é fazer filmes e não realmente saber tudo de animação. Eu sinto muito prazer, mas não tenho coragem, nem paciência, nem tempo pra fazê-la inteira sozinho. Minha prioridade é fazer filmes. Essa é minha justificativa para minhas escolhas.” Devido ao alto custo da Motion Capture, que requer contratação de ator, locação e tratamento, toda a filmagem foi realizada em um único dia e com um único ator representando todos os papéis. Nada podia dar errado; portanto, a equipe passou dez meses preparando os planos
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Masterclass que balisaram os movimentos do ator, através de grades no cenário, que reproduziam as cenas já montadas em animação 3D. A maior parte do tempo de desenvolvimento do filme foi gasto na etapa de Animatic, garantindo alto nível de precisão das cenas. Fã de Martin Scorcese, Bastien confessou ter usado cortes de cenas de vários filmes do diretor para criar suas próprias cenas em Cargo Cult.
Refez, inclusive, o plano de câmeras de filmes como A última tentação de Cristo como inspiração para a cena de conflito principal da narrativa.
Masterclass
Bastien Dubois
Ao final da sua aula, Bastien Dubois apresentou sua associação Art Brutal, criada há três anos com o objetivo de apoiar jovens estudantes e autores de filmes recémformados com bolsas e residências.
Perguntas e Respostas - COMO VOCÊ FINANCIOU SEUS FILMES? Para Madagascar, busquei dinheiro com instituições locais, pequenos fundos na minha cidade natal. Mas nesse caso eu não tinha que dar retorno aos patrocinadores, foram feitos informalmente, sem contratos. No meio do processo, um produtor se interessou, mas só aceitei trabalhar com ele depois de ter metade do filme pronto, quando me senti mais confiante de que conseguiria terminar. O produtor começou a me pagar um salário, contratei um assistente e conseguimos um local de trabalho para a finalização. Se eu tivesse simplesmente colocado o filme na internet, como era o plano inicial, ele provavelmente teria caído no limbo. 16
O trabalho de distribuição foi primoroso. Na França, existem várias redes para levantar fundos. O produtor procura canais de televisão que pré-compra o filme e depois adiciona financiamentos regionais. Este foi o caso do Faces For Places, em que foi preciso montar um dossiê inicial, criar um orçamento e então procurar financiamento dessa maneira. - COMO É O PROCESSO DE CONSTRUIR UMA ESTÉTICA E UMA NARRATIVA DE FILMES DE UNIVERSOS QUE NÃO SÃO O SEU (CENÁRIOS, PERSONAGENS E HISTÓRIAS)? No caso de Madagascar, morei um ano no país. Então me envolvi bastante
com a cultura local. Além disso, o foco era mesmo a visão do estrangeiro. Em Faces for Places, não foi o caso, a não ser alguns episódios que realmente aconteceram comigo, como o da viagem de jangada pelo rio. Eu acredito que sempre vão existir a falta de compreensão e as diferenças culturais. Por exemplo, no episódio sobre o Brasil, entrevistei um brasileiro em Paris que me contou sua história. Depois, eu contextualizei, inseri o céu e casas com estilo brasileiro. Ou seja, para ser verídico, deveria ter sido chamado Retrato de um Imigrante. No entanto, o canal estava mais interessado em vender algo bonito do que a história de um imigrante nos metrôs de Paris comendo um kebab.
Cada imagem conta uma estória: a criação de universos e personagens RIO DE JANEIRO 12/07 #IDENTIDADE CULTURAL #LOCAL X UNIVERSAL #ANIMAÇÃO3D + FLASH
Jorge
Gutierrez Jorge Gutierrez estudou animação experimental na CalArts, onde criou o seu premiado curta “Carmelo” (2000). Trabalhou na direção de arte da série “Timber Wolf”; desenvolveu a websérie “El Macho” e personagens em séries como “Mundo Giz” e “¡Mucha Lucha!”. Criou, com a sua esposa, a série “El Tigre: As Aventuras de Manny Rivera”, e lançou, em 2014, seu primeiro longametragem, “Festa no Céu”.
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Masterclass
Jorge Gutierrez SE VOCÊ QUER SER UNIVERSAL, CANTA TUA ALDEIA
Jorge Gutierrez começou sua aula falando de emoção. Segundo ele, elas são a ponte para todas as culturas. Na música ou no cinema, as pessoas se conectam através das emoções e seu propósito como artista sempre foi, desde cedo, tratar de temas muito específicos do México, seu país de origem, mas que falassem com o mundo inteiro. Seu trabalho é inspirado pela sua vida, e vice e versa. “Nasci na Cidade do México, uma cidade complexa de dimensões gigantescas. Em 1985, após um terremoto devastador, meu pai nos disse: ‘Família, nós vamos nos mudar para um lugar seguro, sem terremotos,
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onde ficaremos em paz. Vamos morar em Tijuana!’ Me formei nesse caldeirão, em que as fronteiras entre a América Latina e a cultura americana californiana se encontram como duas ondas. Tive sorte”.
Jorge decidiu fazer cinema de animação aos 13 anos e, pelos cinco anos seguintes, desenhou e estudou incessantemente, enquanto sua família poupava para sustentá-lo durante os anos de graduação na CalArts. Suas criações refletiam a cultura de super-heróis e monstros dos EUA, mas também não deixou de pintar as referências da sua cultura popular. Essa foi sua salvação, pois, ao prestar o exame de admissão aos 17 anos, foram seus desenhos sobre o folclore mexicano que chamaram a atenção dos professores e garantiram a vaga. O profissional que revisou seu portfólio, que posteriormente viraria seu mentor, lhe disse à época: “Se você conseguir botar isso em uma tela de cinema, você estará fazendo algo que ninguém fez. Se você me prometer que nunca vai fazer as coisas estúpidas da América, então eu te deixo entrar nessa escola”.
O PIOR ARTISTA DE TODOS Mas foi sua entrega para o aprendizado que garantiu sua permanência na universidade. O valor poupado pelo pai e pelo avô para os estudos acumulavam o total de um ano de mensalidades. Jorge cursou toda a graduação e o mestrado com bolsa integral de estudos, pois provou ao
diretor que era capaz de fazer três vezes o total de trabalhos, disciplinas e projetos que os outros estudantes.
“Artistas, por natureza, são preguiçosos e amam procrastinar. Percebi que eu não era o mais talentoso, mas esse era o meu segredo: eu vou trabalhar mais duro do que todos. Essa se tornou minha arma. Eu fazia três vezes mais dever de casa do que os outros” A percepção de que, em comparação com seus colegas de turma, seu talento deixava a desejar foi o trampolim necessário para que Jorge usasse essa falha como estratégia, afinal “ninguém fica pior ao trabalhar duro”. Sua teimosia em continuar trabalhando com temas da cultura mexicana dividia a opinião dos professores, preocupados com sua capacidade de arranjar trabalho após se formar. Jorge conta com bom humor quantas vezes ouviu a frase “se o nosso personagem resolver visitar o México, você será a primeira pessoa que eu chamarei”. Para seu filme de graduação, Jorge focou em animação 3D e desenvolveu ao longo de três anos o curta Carmelo, uma história trágica de um menino que sonha reestabelecer a
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Masterclass
Jorge Gutierrez honra da família ao se tornar um grande toureiro. Todos os personagens, modelados ao estilo de bonecos de madeira, são inspirados no festival Dia de Los Muertos. O curta lhe rendeu um Emmy Estudantil e exibições no Festival de Cannes em 2001. Em seguida,
e os departamentos de internet dos grandes estúdios começaram a falir. Inclusive o departamento de websérie da Sony, onde Jorge trabalhava, que acabou doando todos os seus equipamentos para seus funcionários. Foi a chance que o casal aproveitou para pegar tudo que pudessem segurar - dentro de dois carrinhos de supermercado - e montar seu estúdio próprio.
“Se você me contrata pra fazer uma coisa, eu farei duas. Eu me tornei o cara que sempre entregava a mais” desenvolveu ainda mais a narrativa do curta Carmelo esboçando o que seria o primeiro roteiro de Book of Life. Infelizmente, apesar do sucesso, os estúdios taxavam seu pitch de curta e roteiro como impossíveis de produzir. Já casado, com sua namorada de adolescência também ilustradora, lançou-se na tentativa de conseguir trabalhar com animação em diversos estúdios americanos. Foram muitos pitchs, alguns pilotos, rejeições e trabalhos de freelancer para sobreviver. Até que, em 2011, a economia americana enfraqueceu
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Jorge mostrou para a plateia ilustrações, storyboards, estudos de personagens, animatics e os pilotos de Pepe The Bull, série que quase foi produzida pela Disney, e El Tigre, série de muito sucesso produzida pela Cartoon Network, mas descontinuada depois da primeira temporada. Seu trabalho impressiona principalmente pela qualidade e o cuidado com cada entrega: a dupla desenvolvia storyboards coloridos, artefinalizados e animados em flash em tempo recorde e a baixíssimo custo, enquanto a expectativa do cliente era somente esboços P&B da
narrativa do piloto. “Se você me deixar roteirizar um episódio, eu faço um design de graça. Uma coisa muito mexicana de se fazer, eu acho. Se eu coço suas costas, vc coça a minha. Aquilo para mim significava que quanto mais eu fizer, melhor eu fico. Estava sendo pago para ficar melhor, então não tinha perda (exceto pela minha saúde)”. Quando questionado sobre como continuar após tantos “não” e “quase sim” dos estúdios, Jorge demonstrou inteligência emocional e pensamento estratégico como formas de lidar com os desafios do mercado. “Como artista, procuro um estúdio que pague minhas criacões. Então, se fico magoado pessoalmente quando não funciona, não tenho saída. Por isso, procuro ficar isento e entender que cada recusa tem mais a ver com a situação, os diretores e o contexto atual do que com o estúdio em si”.
O CORAÇÃO PRECISA SER PURO O desenvolvimento do longa Book of Life também não ocorreu sem percalços. Após um ano de trabalho com a DreamWorks, a parceria se desfez e o casal decidiu mudar de rumo drasticamente. Se mudaram para o Texas, encontraram um estúdio novato em longas de animação,
contrataram uma nova equipe, muitos inclusive que moravam em outros países e trabalhavam à distância, e convenceram um grande produtor mexicano a aceitar o projeto. “Éramos ignorantes e inocentes demais para saber que não dava para fazer um filme com a estética de Book of Life por 50 milhões de dólares”. Em um ano, fizeram roteiro, personagens, maquetes e cenários e finalmente conseguiram o apoio de um estúdio, o 20th Century Fox.
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Masterclass
Masterclass “Está no nosso sangue e todos os melhores trabalhos que vêm da América Latina vêm com esses ideais. Essa ideia de ajudar aqueles que não podem fazê-lo sozinhos” Gutierrez apresentou esboços iniciais, esculturas e maquetes dos personagens e cenários, inclusive os truques e ilusões de ótica, que foram necessários para uma animação de alta qualidade com baixo custo. “A audiência nunca saberá todos os detalhes e as dificuldades de fazer isso. Queremos que achem único e caro. Existem milhões de coisas que eu gostaria de melhorar e mudar, mas a única coisa pela qual não vou me desculpar é que o coração
do filme é puro e honesto. Vivemos em um mundo muito cínico em que é muito fácil destruir as coisas, é mais fácil criticar do que apreciar. A coisa mais rebelde que podemos fazer como artistas é ser honesto”. Suas histórias, afinal, não são simplesmente inspiradas no folclore mexicano. Para Jorge, está no sangue latinoamericano falar sobre a luta contra sistemas corruptos, o ideal da liberdade e do bem que vence no final.
Perguntas e Respostas VOCÊ MENCIONOU VÁRIAS VEZES SOBRE OS ESTÚDIOS PEDIREM MUDANÇAS SOBRE SUA CRIAÇÃO. PARA VOCÊ, QUAL O LIMITE ENTRE TEIMOSIA COM A SUA ARTE E A HABILIDADE DE ADAPTAR SUA CRIAÇÃO? É difícil porque o que determina o quanto o estúdio briga com você é o seu histórico, quantos filmes você já fez. Para mim, quando as mudanças são tão grandes que não vale a pena, o projeto não vai adiante. No melhor dos casos, tento fazer a 22
mudança que pediram e vejo como uma oportunidade de tornar o meu projeto ainda melhor. Procuro fazer algo que melhore o trabalho para mim e para o estúdio. Por exemplo, se eles pedem uma mudança, você muda e odeia, você perde. Se eles pedem uma mudança e você não muda, eles odeiam, você perde de novo. A chave é conseguir fazer uma mudança que eles amam e você também. - UMA DAS COISAS QUE MAIS ME TOCOU NO SEU
FILME BOOK OF LIFE FOI A COR. COMO FOI A PESQUISA DE CORES, AS ESCOLHAS, O TRABALHO COM O DIRETOR DE ARTE? No México, assim como no Brasil, não temos medo da cor. A cor forte e brilhante está em toda a parte e faz parte das nossas vidas. Mas elas podem assustar os americanos. Tivemos que escolher os melhores momentos, os mais felizes, para poder abusar das cores. Como eu falei, cor pra mim é emoção, é como a música, fala com todos.
As ideias são tudo! RIO DE JANEIRO 13/07 #PROCESSO CRIATIVO #STORYTELLING #BOAS IDEIAS
Kim
Bjornqvist Kim Bjørnqvist começou sua busca pela criatividade na publicidade, onde trabalhou como redator, diretor criativo, diretor geral, produtor de agência e diretor de comerciais, para clientes como Coca-Cola, Ford, Philips e até o país da Dinamarca. Atualmente, viaja o mundo oferecendo palestras sobre o desenvolvimento de ideias, pitching, marketing internacional, diferenças culturais, sociologia do consumidor, métodos criativos e história da comunicação de massa.
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Masterclass
Kim Bjornqvist
Kim Bjornqvist descobriu a fórmula das boas ideias. Depois de 25 anos trabalhando com publicidade e propaganda, como diretor comercial e criativo, e de 15 anos criando e comprando conteúdo para televisão, calcula-se que ele já criou, ouviu e desenvolveu milhares de ideias. Mas como ter ideias mais rápido? Torná-las melhores e mais dinâmicas? Como ter certeza de que você selecionou as melhores?
pelas escolhas, ao invés de se manter na sua verdade mais básica”. Segundo ele, os assassinos de ideias são frases clássicas de sessões de brainstorm: ‘não é assim que as coisas funcionam por aqui’, ‘isso seria muito caro, muito difícil de executar’, ‘os diretores nunca aceitarão essa ideia’ ou até ‘se essa ideia é tão brilhante, porque ninguém nunca a teve antes?’.
“Nós, pessoas criativas, estamos unidos pelo amor pelas boas ideias” O que é uma ideia, afinal? Kim argumenta que toda ideia é baseada em algo que você já experienciou antes. Uma combinação nova feita a partir de elementos antigos. Mas alerta: “a experiência e a sabedoria são importantes, mas podem ser os inimigos da inovação. O intelecto é um perigo para a criatividade, porque você racionaliza e inventa motivos e razões
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O processo criativo, no entanto, contém 90% de procrastinação e muito desespero e correria quando o prazo se aproxima. “Todos já passaram por isso. Eu mesmo tenho um doutorado nesse processo”, brinca Kim. Segundo ele, é possível organizar esse processo. Para isso, são necessários dois ingredientes: o senso, ou seja, estruturar os pensamentos,
pesquisar fatos, colocar a mente em ordem; e o contrassenso ou o nonsense, a possibilidade de liberar a mente para a loucura e o devaneio. Afinal, as grandes ideias em geral não são lógicas, inicialmente. Então, aprenda a desaprender e cultive um pouco de bobeira. O talento, por exemplo, é superestimado no meio criativo. “Vejo o talento como um interesse que foi praticado por anos. Os atores, por exemplo, pesquisam o comportamento humano em todo lugar que eles estejam. Portanto, minha sugestão é: veja relevância em tudo”.
Uma pessoa criativa, segundo Kim, tem um desejo constante de inventar coisas, a habilidade de procurar nos lugares certos (e nos errados), tem coragem para assumir riscos, está sempre disposto a compartilhar, a brincar e ama descobertas.
O CÍRCULO DOURADO DE SIMON SINEK Quem é a pessoa criativa é importante, principalmente no quesito autoconhecimento, mas o “por quê” é ainda mais. “O por quê é a coisa mais importante que uma pessoa ou uma empresa precisam saber de si mesmas. Qualquer
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Masterclass
Kim Bjornqvist um pode te contar o que ele(a) faz. Qualquer um pode te contar como ele(a) faz isso. Mas poucos conseguem explicar por que o fazem”. Compartilhar o porquê em primeiro lugar é um método pesquisado por Simon Sinek, chamado Círculo Dourado. Surpreendentemente, o melhor modo de se encontrar e desenvolver boas ideias, para Kim, é através de uma atitude raramente vista no meio criativo: a disciplina. Ele explica que existem diversos modelos para a geração de ideias. Seu preferido é o modelo Disney, que se divide em três etapas: • a etapa sonhadora - em que tudo é possível e a mente se esvazia de todas as regras; • a etapa realista - em que se rejeita algumas ideias impossíveis, em geral usando frases que começam com “sim, mas...”;
• a etapa crítica - em que são gerados orçamentos e cronogramas. Esse processo é cíclico, portanto, se ao alcançar a etapa crítica o grupo perceber que não foram geradas boas ideias, volta-se ao início do modelo.
“Afinal, ideias não valem um centavo se não forem realizadas” Para finalizar sua aula, Kim Bjornqvist facilitou um exercício com a plateia para geração de ideias de forma rápida e indolor. Cada um recebeu um bloco de post-its (pequenos papéis autocolantes) e foram instruídos a passar cinco minutos em silêncio tendo ideias e escrevendo-as no bloco, uma ideia por papel.
Perguntas e Respostas – VOCÊ DISSE QUE É IMPORTANTE FAZER ESSE EXERCICIO JUNTO COM PESSOAS. COMO ACHAR ESSAS PESSOAS? Você pode trabalhar melhor com pessoas que pensam igual ou diferente de você. Eu, pessoalmente, gosto de conflito e fricção. 26
O melhor parceiro que já tive, tínhamos muita raiva um do outro enquanto trabalhávamos. Decida a sua preferência e tente encontrar alguém que seja MELHOR do que você. Não precisa ser melhor que você em tudo, mas em algum aspecto que você saiba que
não é bom. Além disso, não use esses processos em grupos com mais de seis pessoas. Com oito pessoas, faça grupos de quatro. Se alguém no grupo for um assassino de ideias, use o post it como cartão amarelo. É importante que alguém lidere o grupo: de-
mocracia e criatividade não combinam. – SOU PROFESSOR E QUERIA TE PEDIR UM CONSELHO SOBRE COMO ENSINAR UMA GERAÇÃO QUE NASCEU NO MUNDO DO “COPIA E COLA”
Existem aspectos positivos no ato de copiar. Alguém uma vez disse ‘até você encontrar a sua própria voz, use a de outra pessoa.’ Mas em algum momento, pare! Existe uma diferença grande entre se inspirar e roubar. É um processo natural que todos precisam
passar, mas é importante que estejam conscientes disso. Sobre seus alunos, acho que uma boa maneira é afastando-os de suas telas e do mundo digital e ajudando-os a se acostumar a ler um livro impresso e a escrever com papel e caneta. 27
Masterclass O exercício tinha como objetivo cocriar o novo filme do Indiana Jones, cujo tema seria “aquecimento global”. Os participantes deveriam criar nomes para o filme, usando o formato clássico “Indiana Jones e...”
Em seguida, Kim chamou as cinco pessoas que haviam conseguido gerar o maior número de ideias e pediu para que cada uma as lesse em voz alta, colando-as em uma parede à vista de todos. Foram um total de 60 ideias de nomes para o filme.
Masterclass
Para finalizar o exercício, Kim utilizou as ideias anotadas nos post-its para criar não somente o nome do filme, mas o cenário, o enredo, os vilões principais e os antagonistas, as locações, os resultados, enfim, qualquer coisa que pudesse ser usada como elemento do filme. “Chute sua mente em todas as direções. Pode não ser fácil, mas é simples e efetivo”.
A vida é um pitch! RIO DE JANEIRO 13/07 #PASSO A PASSO DO PITCH #BOAS IDEIAS #VENDENDO PARA EMISSORAS
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Kim
Bjornqvist Kim Bjørnqvist começou sua busca pela criatividade na publicidade, onde trabalhou como redator, diretor criativo, diretor geral, produtor de agência e diretor de comerciais, para clientes como Coca-Cola, Ford, Philips e até o país da Dinamarca. Atualmente, viaja o mundo oferecendo palestras sobre o desenvolvimento de ideias, pitching, marketing internacional, diferenças culturais, sociologia do consumidor, métodos criativos e história da comunicação de massa.
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Masterclass
Kim Bjornqvist Em primeiro lugar, Kim alerta que é preciso tirar nossos cabrestos, destapar os olhos e aumentar a gama de interesses e relações. Afinal, a genialidade do trabalho não fala por si, na maioria das vezes. O filme
Rocky, por exemplo, demorou cinco anos para ser vendido. A história era boa e desejada pelos estúdios, mas Stallone só fez a venda quando finalmente aceitaram que ele faria o papel principal.
DICAS GERAIS PARA FAZER UM PITCH • TRAGA SUA EMPATIA • PESQUISE E CONHEÇA PARA QUEM VOCÊ ESTÁ APRESENTANDO • ESTEJA BEM PREPARADO - PRATIQUE!
Para Kim Bjornqvist, ter boas ideias não é o suficiente, é preciso vendê-las. Como diretor comercial e criativo para publicidade, televisão e rádio, o norueguês contabiliza envolvimento com mais de 3500 filmes durante sua vida. Sua intenção com a aula é evitar que as pessoas cometam os mesmos erros que ele. BONS CONTADORES X BONS VENDEDORES
“A vida é um pitch porque todos os dias tentamos convencer alguém a ver as coisas do nosso jeito.” 30
Para começar, o que é necessário para contar uma boa história? Três regras simples: envolver a plateia, conectar-se a ela e apresentar sua ideia de forma que todos entendam. Um bom contador de história precisa ser empático. Geralmente tem o dom de tornar tudo interessante e suas palavras
• APRESENTE DESCRIÇÕES CLARAS DA IDEIA, UMA PROPOSTA DE EQUIPE CENTRAL, UM CRONOGRAMA • SÓ TRAGA UM ORÇAMENTO SE FOR REQUISITADO • SEJA SIMPÁTICO • SEJA HONESTO: NÃO FINJA SABER TUDO • OUÇA O QUE AS PESSOAS DO OUTRO LADO DA MESA TÊM A DIZER E USE AS SUAS PALAVRAS E DEFINIÇÕES NAS SUAS RESPOSTAS • ESCOLHA AS SUAS BATALHAS
são entusiasmadas. “Afinal, se você não ama a história, porque os outros deveriam amá-la?”. Para Kim, o que define um bom vendedor são as mesmas 3 características: a empatia, o dom de tornar tudo interessante e o amor pela história. Então, nos perguntamos: Por que bons contadores de história não sabem vendê-las?
• ENVOLVA O SENTIMENTO DELES, ISSO GERA RESULTADOS •Q UANTO MAIS SENTIMENTOS ENVOLVIDOS, MELHOR • SEJA CRÍVEL, MAIS PELA ESCOLHA DAS PALAVRAS E PELA FORMA DE APRESENTAR DO QUE POR QUEM VOCÊ É • SEJA ELOQUENTE: DIGA O QUE VOCÊ QUER DIZER E PARE • EM GERAL, QUANDO UMA EMPRESA TEM QUE ESCOLHER ENTRE OS TRÊS MELHORES CANDIDATOS, O MAIS GENTIL É ESCOLHIDO. SEJA GENTIL. 31
Masterclass
Kim Bjornqvist SEGUNDO KIM, UM PITCH DEVE SER FEITO EM CINCO PARTES:
1. INTRODUÇÃO: O QUE É O PROJETO E QUAL SEU PANO DE FUNDO. 2. TESE: UMA CONCLUSÃO LÓGICA DA SUA INTRODUÇÃO, QUE JUSTIFICA A IDEIA. 3. TRÊS PROVAS: LOGOS, ETHOS E PATHOS. 4. OBJEÇÕES: ANTECIPE AS OBJEÇÕES E CONSTRUA UMA DEFESA EFICAZ. 5. CONCLUSÃO: A PÓS COMENTÁRIOS E PERGUNTAS, LEVE O GRUPO A TOMAR UMA DECISÃO. As três provas são as melhores ferramentas para um bom pitch. Logos são evidências racionais, como índices de audiência, dados demográficos, estatísticas. Ethos são provas baseadas no seu histórico e experiência. Por fim, pathos são argumentos baseados em emoção e entusiasmo. “Nada vende tão bem quanto pathos...especialmente se você ofereceu logos e ethos para eles antes”.
COMO VENDER PARA EMISSORAS Finalmente, Kim Bjornqvist levou seus ouvintes a olharem para o mundo das emissoras e produtoras, alertando e sugerindo melhores estratégias para se apresentar e conseguir uma venda. Emissoras públicas, por exemplo, podem ter cotas de programação em que o seu projeto se encaixe e, em geral, são mais abertas aos conteúdos menos comerciais. Porém, costumam ter menos dinheiro disponível,
e o projeto deverá conseguir financiamento externo. Além disso, “as emissoras públicas têm departamentos internos de produção, o que pode gerar desconforto já que o seu pitch estará competindo com seus projetos internos”, explica Kim. Já as emissoras comerciais, focadas em audiência e geração de lucro através de anúncios,
poderão trazer vantagens como canais de nicho para públicos específicos, maior abertura aosparceiros externos, maior pragmatismo no momento da compra e melhor estrutura para vendas internacionais. Muitas emissoras realizam concursos e chamadas de pitch. Além disso, é possível acessar mais facilmente seus profissionais através de conferências e festivais.
EM RESUMO, KIM ENUMERA: • EMISSORAS E PRODUTORAS APRESENTAM GRANDES OPORTUNIDADES, MAS A COMPETIÇÃO É VORAZ • TER CONTATOS É A MANEIRA MAIS FÁCIL DE SE CONSEGUIR UM PITCH • DECIDA SE SUA IDEIA É MELHOR PARA UMA EMISSORA PÚBLICA OU COMERCIAL — OU AS DUAS, OU TALVEZ PARA UMA PRODUTORA • FINANCIAMENTO EXTERNO É TENTADOR, MAS LEVA A UM NOVO CONJUNTO DE PROBLEMAS; NADA É DE GRAÇA! • PARA VENDER NO EXTERIOR, É MELHOR PASSAR POR UM INTERMEDIÁRIO OU AGENTE • E POR ÚLTIMO, MAS NÃO MENOS IMPORTANTE: NUNCA DESISTA!
Perguntas e Respostas QUAL A MELHOR ABORDAGEM PARA FALAR DE DINHEIRO COM EMISSORAS PÚBLICAS OU PRIVADAS? Dinheiro é a parte menos sexy em um projeto. Não menospreze o orçamento, 32
tenha um preparado. Você pode trazer um orçamento detalhado para um encontro, mas nunca mostre antes que o assunto seja contrato e isso seja demandado. Dependendo do cliente, eles irão querer dis-
cutir cada linha repetidas vezes. Eu traria o total e não colocaria na apresentação. Diria algo como “eu entendo que vocês estão preocupados com os custos, mas proponho que a gente fale sobre a ideia, vocês me
deem os feedbacks sobre o pitch e em uma segunda reunião nós podemos falar sobre dinheiro”. DUAS PESSOAS PODEM APRESENTAR UM PITCH JUNTAS?
Eu acho que, de um projeto coletivo, a pessoa que faz o pitch deve ser a pessoa que melhor sabe fazê-lo (mesmo que seja a pessoa menos envolvida). Nunca divida o pitch entre todas as pessoas, para ser
democrático. É dificil lidar com isso, e é interessante definir quem fará o quê antes de começar o projeto.
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Animação em Detalhe
Pola Ribeiro é formado em Comunicação e mestre em Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É comunicador, cineasta e gestor público, e dirigiu filmes como O jardim das Folhas Sagradas (2007) e A Lenda do Pai Inácio (1987). Atualmente, ocupa o cargo de Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura.
Edison Viana é um profissional de Rádio e TV formado pela Escola de Comunicação da UFRJ. Na RioFilme, é gerente de investimentos em projetos para TV, programas de capacitação e ações de formação profissional. É também consultor de investimentos do Funcine Rio 1.
Fernanda Farah é formada em administração pela UFRJ, com mestrado pela PUC e MBA em Finanças pela COPPEAD e em Management pelo IAG-PUC. No BNDES, assume a gerência do Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo, criado em 2006.
Alfredo Manevy é formado em Cinema e Vídeo e Doutor em Ciências da Comunicação pela USP. Atualmente, atua como diretorpresidente da Spcine, Empresa de Cinema e Audiovisual de SP, vinculada à Prefeitura de São Paulo.
Cesar Cabral é formado em Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Desde 2002, trabalha como diretor, produtor e animador em projetos para cinema e televisão. Em 2008, realizou o premiado curta em stop-motion “Dossiê Rê Bordosa”. Atualmente em produção da série animada “Angeli The Killer” e em pré-produção do seu primeiro longametragem.
Marcial de Campos Graduado em Comunicação e mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, v o cargo de Coordenador de Acompanhamento de Projetos, na Superintendência de Fomento da Agência Agência Nacional do Cinema (ANCINE).
MODERADOR Marcelo Marão é um diretor de animação formado na Escola de Belas Artes da UFRJ, e já realizou doze curtasmetragens, entre eles “Eu Queria Ser um Monstro” (2009) e “Engolervilha” (2003). Foi presidente-fundador da ABCA e, atualmente, é coordenador do Dia Internacional da Animação e sócio-gerente da produtora Marão Desenhos Animados.
RIO DE JANEIRO 11/07 #FINANCIAMENTO #SPCINE E RIOFILMES #ANCINE E BNDES
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Marcelo Marão, da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA), moderador do debate, abriu a mesa comentando a mudança estratégica dos investimentos em animação dos últimos anos no Brasil: “Em 2017, o Brasil vai completar 100 anos de animação brasileira. Nas últimas décadas, o crescimento aconteceu em progressão geométrica. A ABCA, fundada em 2006, teve como primeiro resultado os editais específicos de animação. Hoje em dia, estão ficando de lado os curta-metragens, que há vários anos não são contemplados com editais próprios. De maneira indireta e empírica, os curtas foram a formação não acadêmica de
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vários profissionais. Mas nos últimos anos, os curtas estão inseridos dentro de editais não específicos. Isso traz uma dificuldade básica: avaliar e comparar bons projetos de documentário com animação, principalmente com júris não especializados”. Além disso, ele comentou que o volume de inscrições de projetos de animação são supostamente menores, porém as características do material requisitado são diferenciadas em editais mistos. O projeto
de animação, por exemplo, requer 90 laudas de roteiro, storyboard etc. Como consequência, como júri, se torna mais fácil selecionar bons projetos de animação devido ao nível de detalhe e qualidade requisitados. Pola Ribeiro, da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, complementa o histórico do ponto de vista político: “No ministério e na secretaria de audiovisual, temos muitos desafios. Nos últimos 12 anos, a política se estruturou e se institucionalizou, se afirmou no mercado e se burocratizou. Meu papel é retomar as conexões entre todos os setores do AV para além do mercado. Existe
um recurso investido, que é maior no audiovisual do que em qualquer outra atividade, e espera-se uma resposta em escala. Ou seja, que o audiovisual chegue, de fato, a um grande número de brasileiros como linguagem, como forma de expressão”. Segundo ele, o ministério escuta e dialoga com o setor de forma a construir parcerias para desenvolver atividades. Mas o desafio da descontinuidade é real. “Nesses 12 anos, a Ancine teve 2 diretores e a SAV teve 8 secretários - perde estrutura, política, orçamento, institucionalidade (...) Mesmo projetos com fôlego como o DocTv, que foi exportado para a América Latina e países de língua portuguesa, que
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teve zero de inadimplência, alcançava a diversidade territorial do país, ainda assim, foi descontinuado. É um prejuízo muito grande para a atividade”. Em seguida, Marcial de Campos (Ancine) apresentou dados atualizados do audiovisual e do cinema de animação no Brasil. Das 80 empresas registradas ou em aprovação, em processo realizado desde 2012, 63 estão no Sudeste. Dos 1094 projetos aprovados, 7% são de animação, seja seriada ou longa metragem. Para calcular o número de obras, contabiliza-se o número de CPBs emitidos para atestar a nacionalidade: de 2009 a 2014 foram 2823 obras, das quais 437 de animação (o
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que equivale a 7,5% do total ), de curta, média e longametragens não seriadas. Segundo ele, as inscrições de animação costumam ter projetos mais bem desenvolvidos do que os de não ficção. Portanto, de 187 habilitados pelo processo documental, 98 foram capacitados. A série animada é o principal tipo de obra que está pedindo recurso/apoio de desenvolvimento, com uma adesão maior nessa linha de desenvolvimento do que os outros projetos. “Quando bem trabalhado no seu plano de negócio, o seriado de animação explora melhor a estrutura de exploração comercial, por conta da possibilidade de viajar e estabelecer laços com países estrangeiros”.
O Diretor Presidente da SPCine, Alfredo Manevy, contou um breve histórico dos primeiros cinco meses de ações da organização pública que se dedica ao audiovisual no estado de São Paulo. “O mundo do AV está passando por uma grande mudança, e o que está mudando profundamente é a distribuição do conteúdo. Está acontecendo rapidamente, e a animação, nesse cenário, passa a ser duplamente estratégica. De todos os gêneros, tem o maior potencial de formação de público (tanto em alcance quanto em ampliação) sobre conteúdo brasileiro e potencial de internacionalização (com as coproduções). Por isso, estamos focando em acordos de coprodução. A dificuldade é que não há desenvolvimento conjunto. O casamento não tem o namoro, ou seja, as etapas que antecedem. Acreditamos que a criação precisa ser conjunta e por isso desenvolvemos, junto com a embaixada francesa, um rendez-vous de animação que vai reunir 12 produtores e criadores brasileiros e franceses . Para a instituição, apostar em pesquisa e desenvolvimento também é fundamental. Com um edital que abarcou 60 projetos de roteiro, cinco deles já garantiram pré-compras internacionais em fóruns e festivais de animação e games. Segundo Manevy, um
grande acerto estratégico foi trazer o financiamento para a etapa de desenvolvimento de pesquisa: “Há uma articulação que viabializa o funding, integrando a cadeia de forma que diminua o tempo entre desenvolvimento, produção, distribuição e captação”. Sua visão é de que é preciso articular. Precisam ser criadas ações de baixo custo, que envolvam a racionalização de infraestrutura existente, através de processos de colaboração que otimizem e minimizem o custo. Com um
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Animação em Detalhe mapeamento de espaços e auditórios com condição de se tornarem salas de cinema, o grupo lançou licitação para equipamentos e prevê 20 novas salas de cinema sendo lançadas em 2016.
“Se seu produto não está naquela prateleira, ele não vai ser visto” ALE ABREU
“A SPcine está criando um circuito de telas, a partir de um levantamento de filmes prontos sem data de distribuição ou lançamento. Um total de 20 filmes paulistanos foram exibidos, mas infelizmente por pouco tempo em cartaz. Mesmo com a regulamentação das cotas, o mercado está hostil e com verticalização agressiva devido à digitalização”, explica Alfredo, que completa: “Ou a gente joga o jogo de gente grande, ou não. Essa
decisão tem que ser tomada. Temos condições políticas, mecanismos, talentos, criatividade e inteligência para jogar o jogo grande. Então, vamos jogar!”.
“Quem não tiver tela, está fora desse jogo” ALFREDO MANEVY No Rio de Janeiro, a RioFilmes está comprometida a se atualizar, após 20 anos de trabalho, afirma Edison Viana, seu diretor comercial. Atualmente, tem com quatro linhas de investimentos não reembolsáveis, totalizando 6 milhões e 600 mil reais. Destes, 800 mil são destinados para
Perguntas e Respostas ATÉ QUE PONTO VOCÊS ACHAM QUE SERIA EFETIVA UMA PRESSÃO POLÍTICA NO SENTIDO DE FAVORECER UMA DISTRIBUIÇÃO DE LONGAS DE ANIMAÇÃO BRASILEIRA DE UM JEITO QUE VERDADEIRAMENTE ALCANCE O PÚBLICO? Edison: Em relação a salas de cinema, temos que considerar que a fatia da receita da sala de cinema vem decaindo em função das novas tecnologias - e isso 40
acompanha a necessidade de atingir um público direto mais rapido. A dificuldade de acesso precisa ser pensado para além do acesso à sala de cinema. Alfredo: Os números são muito poucos, dez filmes em tantos anos. Um ou dois filmes por ano é muito pouco, e o potencial é muito maior do que está sendo de fato feito. Talvez a gente precise incorporar critérios mais efetivos na produção.
Distribuição realmente é essencial, é o elo que amarra o mercado. Ale Abreu: O principal nó está no exibidor. Os distribuidores foram grandes parceiros, apesar do pouco dinheiro para marketing. Onde a coisa não dava certo era no exibidor. Era um produto legal que tem audiência mas as pessoas vão ao canal e não ao filme. Ele vai ao ‘cinemark’, e não a determinado filme.
longa-metragens, 4 milhões para produção e finalização de longas, 800 mil para produção de curtas e 1 milhão para desenvolvimento de projeto para televisão. “O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) transformou nossa realidade e possibilitou que novos agentes se integrassem nos mecanismos de fomento, o que antes se dava somente por leis de incentivo. As leis de incentivo, portanto, precisam ser revistas e o segmento de animação deveria ver isso como pauta da classe. Por exemplo, mudar o escopo trabalhando mais com estúdioescola. Os departamentos de marketing precisam ser provocados a pensar mais sobre isso. Precisamos ampliar capacidade instalada, trabalhar com formação...”.
desenvolvimento, reservar uma parte para laboratório, para departamento de criação. Também não podemos deixar de falar de financiamento coletivo. Para os pequenos criadores, deve ser cada vez mais utilizado, não só para suas criações, como para demos , segundos produtos, segundas janelas, protótipos, para fidelização da base de fãs. É um mecanismo disponível”.
No Rio de Janeiro, tanto o Sebrae quanto o Riocriativo estão desenvolvendo programas de aceleração e incubação de empreendedores e criativos. Viana argumenta que os Funcines deveriam ser revistos e ocuparem lacunas dos atuais fundos setoriais. “Para TV, a velocidade de fundos de investimento são melhores do que empréstimos bancários para cumprir prazos. Precisamos falar mais sobre fundos de investimento para aceleração de capacidade criativa. Os investimentos de suporte automático precisam contemplar a etapa de
Fernanda Farah, gerente de Audiovisual no BNDES, complementou as falas com uma breve descrição das diferentes formas de apoio e financiamento oferecidas pela instituição. Umas das menos conhecidas é o Cartão BNDES, que fornece financiamento direto com limite de até 1 milhão de reais, com prestações fixas de até 48 meses e taxas de juros a menos de 1%. “Garanto que toda micro ou pequena empresa poderá encontrar algum item financiado que lhe possa ser útil, pois são muitas as possibilidades.”
“O uso combinado de fontes de financiamento precisa ser provocado o tempo todo” EDISON VIANA
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Animação em Detalhe Outra forma, mais conhecida, é o edital de cinema com uma cota específica para animação. Anualmente são selecionados dois longa-metragens de animação por ano com apoio de 1,5 milhão de reais. Essa via já contemplou 27 obras, com mais de 25 milhões de reais. O carro-chefe do BNDES, o Procult, é um programa que serve para todos os elos da cadeia produtiva da cultura e, mais especificamente, do audiovisual. “Na cadeia do AV, foram mais de 400 filmes e 23 séries pra TV, com um total de 500 milhões de reais destinados a esse setor. Além disso, damos um destaque para salas de cinema e um forte apoio à produção, com 31% do total”. Essa linha favorece principalmente pequenas e médias empresas, em acordo com a realidade atual do Audiovisual brasileiro. “Mais do que o projeto, apoiamos as empresas. Sejam elas produtoras de conteúdo, salas de cinema, empresas de infraestrutura, distribuidoras ou programadoras. Além disso, criamos um produto customizado e uma composição diferente de fontes para cada elo da cadeia. Em troca, cobramos que a empresa adote melhores práticas de governança, inclusive demonstrativos financeiros auditados. Acreditamos que isso traga benefícios para
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a própria empresa”. Farah entende que existe uma janela de oportunidade ao se observar as forças do mercado: há um grande potencial de mercado interno, uma alta qualidade e riqueza cultural, o valor reconhecido da marca Brasil, a disponibilidade de políticas públicas, o protagonismo na América do Sul e uma demanda crescente por conteúdo. Os desafios, no entanto, não são poucos: necessidade de qualificar mão de obra, de profissionalizar as empresas, de estimular parcerias e de encontrar formas de aglutinar pequenas empresas para fortalecê-las, além da necessidade de novos capitais, como capital de risco para inovação. Sua conclusão é de que faz-se necessário criar uma carteira de projetos que garanta sustentabilidade da estrutura criada, ao desenvolver projetos em vários estágios de evolução simultaneamente. “É fundamental pensar com visão de negócios, estabelecendo metas de mercado e planos de negócio. Precisamos refletir sobre o futuro, como os projetos transmídia entre animação e educação ou animação e games, que já são uma demanda do mercado infantil. Por fim, articular para desenvolver um polo de animação que conjugue todos os agentes e crie
uma indústria sustentável e relevante para o país.” Por fim, Cesar Cabral, representante da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA), contou um breve histórico da associação. Fundada em 2003, está atualmente na sua sétima gestão. Em 2005, um ano importante, foram lançados quatro longas de animação e 15 projetos em desenvolvimento. A associação criou o Dia Internacional da Animação, que atingiu 250 cidades e 500 mil pessoas. O
Troféu Kaiser foi criado em 2007 para premiar pessoas e ações que valorizam a atividade. Dos cerca de 30 longas lançados no Brasil, 22 foram realizados nos últimos 15 anos. Ao se tratar das demandas atuais dos profissionais da área, Cesar enumera: “Precisamos de editais específicos de animação, de formação (técnica e acadêmica), de um mapeamento do setor, de editais com júris especializados e orçamentos diferenciados, com prazos para animação e liveaction distintos.
Perguntas e Respostas O QUE EU ACHO MAIS DIFÍCIL É ORGANIZAR ISSO. COMO ORGANIZAR? QUEM VAI ORGANIZAR? Pola: Essa tarefa de costureira vira e mexe cai para mim mesmo. O setor audiovisual é forte, mas tem uma fragmentação. Os maiores dilemas realmente são de escala e de comunicação. Há uma compreensão de que o mercado vai crescer muito lentamente. Quem conhece o sistema tem que fazer seus planos, e o ministério da Cultura se vira pra cumprir o plano. A animação também tem que ter o plano com mais clareza, as associações, os fóruns, os congressos e even-
tos para que os setores levem planos de ação. A questão de comunicação no cinema brasileiro está no DNA. Até pouco tempo atrás era vergonhoso fazer propaganda, porque não ganhava festival, era tido como mundano. Plateia: O investimento governamental teve um papel fundamental para o cenário atual. Mas tenho a impressão de que estamos esperando ver um retorno financeiro, mas não existem árvores com frutos sem cultivo da semente. Quando se fala de formação, investimento de risco, investigação de narrativa e de estética, novas tecnologias... Isso
tudo se torna possível no curta metragem. O cinema de animação é arte, apesar de também ser indústria. É complexo porque envolve todas as artes: cinema, teatro, pesquisa, e o animador é também artesão. Se você esperar fazer tudo isso, nos milhões e milhões de fotogramas para uma série ou um longa, sem ter tido um tempo de cultivo - corremos o risco de virar um país-indústria que copia uma linguagem visual de outros países que investiram em formação através dos curtas, como os franceses fazem. Se eu pudesse, reverteria e investiria 80% em curta-metragem e formação. 43
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Marco Aurelio Marcondes é proprietário e CEO da Nossa Distribuidora, dedicada à produção e distribuição de material audiovisual no Brasil e no exterior.
Daniel Greco é formado em Comunicação Social pela ESPM e em Cinema e TV pela UCLA. Trabalhou como supervisor de produção, supervisor de composição e story editor no longa-metragem de animação “Uma História de Amor e Fúria” (2013), de Luiz Bolognesi. Atualmente, integra o NIP (Núcleo Independente de Produção).
Nicolas Schmerkin é um produtor, diretor, roteirista e editor, nascido em Buenos Aires e radicado em Paris. Atualmente, trabalha em sua própria produtora, Autour de Minuit Productions, especializada em animações experimentais e responsável pela animação vencedora do Oscar, “Logorama” (2010).
Ale Abreu Formado em Comunicação Social, realizou os curtas “Sírius” (1993), “Espantalho” (1998), “Passo” (2007) e o piloto da série “Vivi Viravento” (2009). Lançou os longas “Garoto Cósmico” (2007) e “O Menino e o Mundo” (2013).
Eric Beckman começou a carreira na indústria fonográfica e trabalhou na empresa de tecnologia de mídia, Wavexpress, mas hoje é fundador, presidente e CEO da GKIDS. É também fundador e diretor artístico do Festival Internacional de Filmes Infantis de Nova Iorque.
Igor Prassel é o diretor do Festival de Cinema Esloveno; comissário do cinema de animação no Centro Audiovisual croata ( HAVC ). Em 2004, fundou o Festival de Cinema de Animação Animateka Internacional (www. animateka.si), no qual assina a direção artística.
MODERADOR Andrés Lieban é formado em Artes Plásticas pela UFRGS e trabalha com animação há mais de 20 anos. Criador e diretor das séries”Meu AmigãoZão” e”Quarto Do Jobi”. É sócio fundador e diretor criativo da produtora de animação 2DLab. Entre 2005 e 2006, foi presidente da ABCA.
RIO DE JANEIRO 12/07 #PLANO DE DISTRIBUIÇÃO #INVESTIMENTO EM P&D #ANIMAÇÃO EXPERIMENTAL
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Andrés Lieban (2D Labs), autor da série Meu Amigãozão e mediador da mesa redonda, abriu a sessão comentando a visão internacional sobre os filmes brasileiros: “No Brasil, ainda se fala muito pouco sobre como escoar os produtos. Temos tropeçado em obstáculos, mas também já vemos casos importantes de longas com forte característica independente. Ainda assim, mesmo os filmes não tão independentes ainda terão uma cara de independente para o resto do mundo. Nessa mesa, queremos encontrar esses caminhos para talvez pegar atalhos e ter mais sucesso na penetração do audiovisual brasileiro no mundo”. Uma história de Amor e Fúria, explicou Daniel Greco, foi uma coprodução Buriti Filmes e Gullane, com distribuição pela Europa Filmes. O públicoalvo era jovens e adultos maiores de 14 anos e, por isso, encontraram dificuldade de posicionar o filme no seu lançamento. “Foi difícil para os exibidores entenderem que era um filme adulto e acabou que foram exibidos em horários matutinos. No nosso caso, tentar atingir um público não infantil foi o mais difícil”. O filme teve um lançamento considerado de médio porte, em 2013, com duração de exibição de dois meses, em 65 cinemas e 48 cópias. O público total, de 40 mil espectadores, foi abaixo do esperado. “Não sabemos todos os motivos
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por isso. Era um filme difícil, mas com bom orçamento para propaganda. Dos R$ 4,5 milhões totais de orçamento, 1 milhão foi direcionado para propaganda. Mas foi um esforço mal direcionado, que não levou o público ao cinema. Depois do prêmio do Festival de Annecy, conseguimos projeção internacional. Corremos festivais e participamos de mais de 60, ganhamos vários prêmios, inclusive uma indicação ao shortlist do Oscar 2014. Mas no Brasil, fizemos somente uma reestreia módica de duas sessões”. Alê Abreu, em sua quarta participação no Animaforum, justificou-se “Não sou nenhum especialista em distribuição. Tenho muito a aprender
aqui. Posso contribuir com o que vivi no lançamento dos meus dois longas”. O mais atual, O Menino e o Mundo, com orçamento de 1,5 milhão de reais e tempo de desenvolvimento de três anos, foi distribuído pela Espaço Filme com 400 mil reais de verba para lançamento. Estreou em 27 salas, ficou sete meses em cartaz e atingiu 35 mil espectadores. A campanha utilizou as mídias sociais, como o Facebook, e contou com a participação do cantor Emicida, que lançou um videoclipe um mês antes do lançamento do filme e atingiu 1 milhão de views em uma única semana. O Garoto Cósmico, lançando em 2007, foi distribuído
pela Downtown com a Globofilmes. Ficou quatro meses em cartaz e teve 50 mil espectadores. Para ambos os filmes, a equipe se preparou durante seis meses para a estreia no cinema. “Eu imaginava que O Menino e o Mundo iria se sair um pouco melhor do que O Garoto Cósmico e logo no início tive vontade de desistir, seguir outros caminhos que não demandassem tanta energia. A minha equipe ficou muito degastada, doente mesmo, custando a se recuperar. Foi a repercussão internacional que me fez voltar a seguir no caminho da animação. Estou inclusive preparando um novo longa. A exibição no Canadá, por exemplo, teve pessoas chorando ao sair e
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as crianças dançando com a música do Emicida ao final. A Elo (vendedora) começou a trabalhar e as vendas ocorreram em paralelo aos festivais”. O filme passou por 150 festivais e, além disso, os produtores receberam outros 150 pedidos de festivais, dos quais não puderam participar. O Menino e o Mundo vendeu em 80 países para lançamento em cinema e contabiliza atualmente 36 prêmios. Está entre os três filmes mais vendidos do Brasil (em número de países), com 120 mil espectadores na França, por exemplo. Convém dizer que o filme não tem diálogos. “Não foi de propósito, com a intenção de facilitar a venda internacional. Foi apenas o filme que eu queria ter feito”. Para Marco Aurélio Marcondes, da Nossa Distribuidora, o caminho para a distribuição de animação deverá ser através de spin-
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offs, produtos em grades de canais temáticos, como o Discovery Kids e a Cartoon Network, por exemplo. “O trabalho do distribuidor é criar expectativa. Mas você pode criar expectativa e não converter o público em pagantes. É difícil, mas estamos aprendendo. O filme Tainá, por exemplo, foi o primeiro brand name construído fora da televisão e que funcionou no cinema, com venda de 800 mil ingressos. A digitalização, o acesso aos softwares, a diminuição do custo são facilidades para o caminho do spinoff”. Quando questionado sobre o que é considerado, no Brasil, os padrões de um filme bem ou mal sucedido e os padrões de investimento em propaganda, Marcondes explica: “Não tem receita. No genérico, o lançamento de um filme teátrico vai variar entre 8 e 12 mil reais por sala lançada (para exibição durante uma semana). O custo do Virtual Print Fee é caríssimo no Brasil, bem acima de outros países. É uma conta relativa, se eu só lançar com dez cópias, ou seja, 100 mil reais, não é suficiente. Para cada 1 real que eu gasto, tenho que voltar 3,33 reais, para poder pagar o investimento em P&A. Nosso modelo, por exemplo, opera por fee, sem comissão de distribuição, o que torna mais transparente. Como
distribuidor, sou prestador de serviço, não um detentor de direitos. Pode-se dizer que o investimento em P&A é 1/4 do orçamento do filme? Pode-se, mas depende da quantidade de salas, ou seja, depende da oferta e da procura. Nos Estados Unidos, os festivais de cinema recebem milhares de filmes, mas somente 10% chegam à tela grande”.
“A oferta e a procura no cinema é uma lei, igual à lei da gravidade” MARCO AURÉLIO MARCONDES Já na Eslovênia funciona um pouco diferente. Igor Prassel conta que o Festival Animateka, em um país de somente 2 milhões de habitantes, já recebeu mais de 10 mil visitantes e exibe animações autorais locais. “As taxas de exibição de longas são muito caras para festivais. Por isso, nos tornamos distribuidor. Os distribuidores existentes compravam, mas não exibiam. Nos especializamos em longas de animação para crianças, porque é a maior demanda no país. Temos 24 cinemas pequenos dentro de uma rede, com a possibilidade de exibir o filme nacionalmente. Quando o Ale Abreu visitou a Eslovênia para o lançamento de O Menino e o Mundo, foi
muito importante porque a embaixada brasileira ajudou bastante, a embaixatriz no país fez o discurso de abertura. Isso não é algo que uma distribuidora grande faria, e para nós é fundamental que o autor venha e fale diretamente com o público. O Ale ficou conosco por uma semana, deu muitas entrevistas, oficinas de desenho em galerias de arte usamos diferentes estratégias para o filme. Não se trata somente de vender, mas de se divertir e ficar contente em promover um filme maravilhoso”.
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Distribuição de AnimaçãoIndependente Em Nova York, a GKIDS é a distribuidora independente que mais emplacou nominações ao Oscar com curtas e longas de animação. “Os EUA são muito extensos geograficamente e o significado de animação é diferente para a Disney e a Pixar e para nós. Fazer filmes, para mim, é uma expressão pessoal, um ponto de vista diferente. Nem todo filme precisa alcançar 1 milhão de espectadores. Nossa maneira de distribuição não é muito científica ou brilhante. Como um time, nos reunimos
“Acho que ninguém nunca disse: ‘mãe, quero ser rico, quero ser um animador’. Todos fazem filmes que são verdadeiros para eles” ERIC BECKMAN
para descobrir o que mais amamos no filme e o que mais queremos fazer com ele. Como fazer as pessoas descobrirem que o filme existe e fazê-los querer ir ver ou clicar? Esse é o nosso negócio”. Eric Beckman advoga pela estratégia: “Você não precisa pular a distribuição em cinemas, mas precisa ser estratégico a elas. O Menino e o Mundo, por exemplo, encontrou uma outra forma através das premiações. Eu apoio muito as pessoas que querem fazer longas de animação. Ao meu ver, trabalhar como animador em grandes estúdios em geral não oferece muitas saídas criativas”. Nicolas Schmerkin, da Autour de Minuit productions, concorda. Sua produtora e distribuidora francesa se
especializa em curtas de animação experimental. “Dentro do audiovisual, a animação é um nicho específico, como um gueto. Os curtas são um canto escuro desse gueto, e o curta experimental tem um espaço menor ainda. Esse ramo, em geral, perde mais dinheiro do que ganha. Muitas vezes, depois de três ou quatro anos de produção, os produtores e diretores precisam entrar com algum dinheiro para poder finalizar o projeto”. Quanto à distribuição, a empresa tem funcionários exclusivos e dedicados à submissão em festivais e realização de negócios no pequeno mercado de curtas. “Tentamos explorar todos os caminhos possíveis para exibir os filmes e gerar alguma renda. Até então já produzimos 50 curtas e distribuímos cerca de 250.
“São muito valorizados o desenvolvimento de roteiro e o desenvolvimento visual, mas pouco o planejamento. Precisamos avançar mais nos planos de produção e nos planos de negócio e isso envolve um plano de distribuição decente” DANIEL GRECO Fazemos a distribuição de nossos próprios curtas, dos de outras produtoras e até de animadores e diretores sem produtor. Quando nós mesmos produzimos, o objetivo é alcançar o maior número de público e conseguir algum retorno financeiro. Quando distribuimos sem produzir, queremos tornar o filme conhecido, tentamos todos os tipos de mercados: prêmios, TV, DVD, cinemas etc.”
Perguntas e Respostas QUAL FOI O MOMENTO CORRETO DE ACHAR O DISTRIBUIDOR? FARIAM DIFERENTE HOJE? Ale Abreu: Foi no momento em que precisamos do FSA, pois é critério, e conseguimos a EspaçoFilmes. Com projetos novos, eu pensaria em encontrar parceiros e distribuidores no início do projeto, desde que eles não influenciem no conteúdo. 50
Marcondes: No Brasil, os autores são produtores-autores e seria fundamental que você tivesse uma interface com quem falar. De preferência, o autor deveria ter um produtor e o distribuidor deveria ter uma relação com esse produtor.
grandes defeitos é não prestar atenção nisso durante a fase de desenvolvimento.
Daniel Greco: Com Uma história de amor e fúria também foi com a necessidade do Fundo Setorial. Um dos
Daniel: Eu acho que o plano de distribuição tem que vir no desenvolvimento mesmo. Nós fizemos somente um
DANIEL, VOCÊ MUDARIA A ESTRATÉGIA DE DIVULGAÇÃO DO SEU FILME, LEVANDO EM CONTA O PÚBLICO DE 14+?
ano antes de lançar o filme. Temos que ter em mente que o trabalho do distribuidor é de criar expectativa. Você precisa passar anos criando isso ao longo do desenvolvimento e envolve um investimento em marketing. Isso deve ficar a cargo do produtor ou do distribuidor, e tem pessoas no mercado mais capacitadas que nós. Para mim, falta pesquisa de mercado para entender quem
é, onde está e como atingir o público do filme. POR QUE NÃO USAR MAIS A ESCOLA? NA MINHA OPINIÃO, VOCÊ ESTARIA COLOCANDO O SEU FILME DIRETO COM O PÚBLICOALVO E EM LARGA ESCALA. Andrés: É um recurso bastante utilizado, como foi feito com o filme O Avião Vermelho ou o Tainá. É um recurso
que revela a importância de se formar plateias, mas não salva a equação. A dificuldade é monetizar essa relação. Ale: Em O Menino e o Mundo, com a venda de artes originais do filme no Facebook, levamos mais de 5 mil crianças ao cinema, o que ajudou a movimentar muito na mídia. É uma estratégia possível. 51
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Animação do Futuro Moïra Marguin é diretora do Departamento de Animação da escola de animação Gobelins. Antes disso, trabalhou como chefe de projetos e diretora de animações, e lecionou nas escolas Supinfocom, Valenciennes, e Ecole Nationale Supérieure des Arts Décoratifs e dirigiu o Departamento de Novas Tecnologias da Ecole Nationale Supérieure des Beaux Arts, em Paris.
Laure Casalini estudou Filosofia na Sorbonne. Mudouse para Nova Iorque, onde ingressou na indústria de videogames, como analista de entretenimento para uma subsidiária da Ubisoft, Guillemot Corp. De volta a Paris, tornou-se diretora da Supinfogame Rubika em Valenciennes e, mais tarde, reitora da Rubika.
Jorge Gutierrez estudou animação experimental na CalArts, onde criou o seu premiado curta “Carmelo” (2000). Trabalhou na direção de arte da série “Timber Wolf”; desenvolveu a websérie “El Macho” e personagens em séries como “Mundo Giz” e “¡Mucha Lucha!”. Criou, com a sua esposa, a série “El Tigre: As Aventuras de Manny Rivera”, e lançou, em 2014, seu primeiro longa-metragem, “Festa no Céu”.
Frederic Thonet tem mais de 19 anos de experiência em produção e pós-produção de várias mídias: animação, televisão, comerciais e longas-metragens. Na Ubisoft, onde atua como diretor de operações de computação gráfica e produtor.
Jimmy Leroy é Vice Presidente Criativo da Nickelodeon America Latina. Graduado em Artes Plásticas pela UFMG, trabalhou como designer gráfico para as principais editoras e revistas jovens brasileiras e com motion graphics para agências e produtoras.
Daniela Vieira é diretora de Conteúdo dos canais Cartoon Network, Boomerang e Tooncast, responsável pelo desenvolvimento de produções originais e de conteúdo local para TV e outras plataformas dos canais e também pela elaboração da grade de programação dos mesmos canais, no Brasil e na América Latina.
MODERADOR Jerzy Kular nasceu na Polônia e estudou Belas Artes no Canadá e Cinema em Berlin. Criou animações 3D para exposições mundiais e de ciência, além de parques de diversão. Fundou uma filial da escola Supinfocom na Índia e foi diretor da Supinfocom original, em Valenciennes, França.
RIO DE JANEIRO 13/07 #TRANSMÍDIA #MARCAS E FRANQUIAS #CULTURA GLOBAL
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Jerzy Kular abriu a mesa recapitulando a história da inovação na animação nas últimas décadas “Quando comecei a trabalhar com animação, havia muito poucos estúdios produzindo, independente do estilo. O foco maior era publicidade e, além da Disney, havia um ou dois estúdios no Japão. Esses inovaram com seu estilo único, que teve um impacto estético muito forte nos anos 90 na França, no mundo inteiro, imagino que no Brasil também. Na animação experimental, a inovação se deu na técnica a partir de necessidades orçamentárias e foi fundamental na educação da audiência. Paralelamente, a ficção científica se tornou
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popular e foi um começo da indústria de entretenimento CGI com animação, jogos, efeitos especiais, arte interativa. Computer graphics já é coisa antiga mas com computadores mais baratos, mais rápidos, mais potentes torna-se cada vez mais fácil e mais acessível trabalhar com animação. Hoje em dia, estamos transformando a animação sem uso de papel. As câmaras digitais alteraram a produção também, porque a gente tem a impressão tridimensional que é usada em conjunto com o stop motion, por
exemplo. As câmaras digitais usando drones também revolucionaram a cinematografia aérea”. As redes sociais aumentaram exponencialmente essa economia, conta Jerzy, e o Big Data descrito por Aldous Huxley em 1932 já é vida real. A maneira como as pessoas trabalham em conjunto também se modificou, muito devido às tecnologias como internet em banda larga, tablets e celulares. O streaming, por sua vez, transforma o modo como as pessoas assistem ao conteúdo áudiovisual e exibidores e distribuidoras também terão que se adaptar. Por fim, para dar conta da velocidade de tantas transformações, as instituições de ensino
de animação precisam estar conectadas às novas realidades. As conversas se iniciaram com Laure Casalini, diretora pedagógica da Supinfocom, tradicional escola de animação francesa criada há 27 anos. Para ela, um grande progresso no ensino francês foi ter desafiado a visão tradicional da época e passado a integrar o domínio de competências artísticas com o ensino prático de ferramentas técnicas, permitindo o domínio de técnicas emergentes e facilitando a entrada no mercado de trabalho internacional. Reconhecida como uma das melhores escolas de animação no mundo, a instituição tem uma
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pedagogia orientada para a realização de projetos em equipe, especificamente curta metragens de 2D e 3D. A escola francesa Gobellins, em paralelo, foi criada há mais de 40 anos por uma iniciativa da Câmara de Comério de Paris para atender à demanda de profissonais de animação na época em foi
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lançado o longa de animação Asterix e Obelix. “À medida que avançavam as novas tecnologias, a escola foi se adaptando até o 3D atual. Hoje, temos novas tecnologias, mas continuamos a apresentar as antigas tecnologias e as técnicas tradicionais. Por isso, não é permitido usar softwares nas primeiras animações 2D dos alunos. Acreditamos que os softwares permitem refazer e apagar, e a técnica tradicional requer uma habilidade de antecipação e planejamento. No ano 2000, quando houve a democratização em massa do 3D, muitas pessoas na França diziam que a animação 2D iria desaparecer. Mas a escola manteve um lugar importante para essa técnica, pois não achávamos que seriam concorrentes diretas, mas complementares. Nossos alunos cada vez mais misturam as mídias e escolhem as técnicas mais adaptadas aos seus desejos, em relação ao custo e à eficiência para atender os problemas específicos de cada projeto”, diz Moïra Marguin. Segundo ela, uma das inovações mais atuais é a maneira de se contar a história de maneira universal, a partir da interculturalidade e da criatividade gráfica e narrativa. “Na França estão em voga belas imagens, mas que ninguém entende nada. O filme é lindo,
mas incompreensível. Os americanos são muito bons em contar histórias para todos. Na nossa escola, damos muita importância a isso, para que possamos abranger mais pessoas, principalmente através de intercâmbios internacionais.” Daniela Vieira, representando a Cartoon Network, também valoriza a interculturalidade. Há 21 anos na América Latina, o foco do canal é o entretenimento e, no Brasil, sua prioridade é apresentar a cultura brasileira através de uma narrativa internacional com veia cômica, de maneira que possa comunicar-se com o público interno e representar o país internacionalmente. “Focamos muito em personagens únicos e na contação de histórias. Existe uma mistura de técnicas de animação nos programas, mas com predominância do 2D. O Cartoon Network Brasil vem investindo em produção nacional há dez anos, de forma mais robusta nos últimos cinco anos. Hoje, temos sete séries nacionais de animação que são líderes de audiência. O mais bacana é que exportamos essas séries para a América Latina, dubladas em espanhol. Com isso, a gente vai quebrando os paradigmas da linguagem, das fronteiras, sem estereotipar ou esterilizar a cultura brasileira”.
Quando o assunto é universalidade de histórias que valorizam culturas regionais e tradicionais, Jorge Gutierrez é um especialista. “Como artista, meu trabalho precisa ter tempero, ser divertido. Ao mesmo tempo, precisa ter conteúdo, proteína, precisa ter um sentido e vir do coração. Essas coisas não podem ter orçamento e prazos, precisam ser orgânicas, naturais. Ninguém aguentaria comer a mesma comida o tempo inteiro. Todos precisam de novos sabores e vocês (artistas da plateia) levarão esses novos sabores e receitas”.
“Para mim, os estúdios são restaurantes diferentes e eu sou um cozinheiro. Quando um restaurante quer comida mexicana, eles me ligam. Eu fico feliz de cozinhar em qualquer restaurante, desde que me deixem usar receitas da minha família” JORGE GUTIERREZ A Nickelodeon, representada na mesa redonda por Jimmy Leroy, tem um posicionamento similar. Sua missão é criar experiências de entretenimento surpreendentes e divertidas para as crianças e toda sua família. No Brasil, desenvolveram peças de propaganda que utilizam as imagens das séries do canal
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Animação do Futuro em conjunto com estilos musicais brasileiros, como o funk e o repente. No quesito inovação, Jimmy também advoga mais pela linguagem do que pela técnica: “Já chegamos no futuro e não existe nenhuma técnica mais avançada do que outra. No próximo verão, a mais antiga pode se tornar a mais moderna. A linguagem é uma discussão muito mais interessante”. Na Nickelodeon, essa pesquisa de linguagem se dá através de seus atributos fundamentais: conteúdo inovador e contemporâneo, apropriado para cada idade, autêntico de forma inclusiva e que valoriza a diversidade, empoderador e com humor irreverente. Parceira da Nickelodeon, a Ubisoft é uma sociedade
francesa com franquias espalhadas pelo mundo todo e responsável por algumas das marcas mais famosas no universo dos games, como a Assassins Creed e a Rabbids. Esta última, Frederic Thonet explica, eram coelhos personagens de um jogo. Fizeram tanto sucesso que ganharam seu próprio game, atualmente com oito versões, além de pequenos vídeos que viralizaram na internet. “O desenvolvimento da marca Rabbids é sintomático porque é uma espécie de passeio entre várias mídias. Depois que ganharam seu próprio jogo e os vídeos viralizaram, começamos a inserí-los em eventos esportivos, como a Copa do Mundo, e até no casamento da realeza britânica. O licenciamento e a venda para
Perguntas e Respostas O FUTURO VAI SER MAIS GLOBAL OU LOCAL?
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Jorge: Ambos. Vai ser mais misturado e mais específico.
COMO OS CANAIS AVALIAM NO PITCH O QUÃO TRANSMÍDIA É UMA SÉRIE? ISSO É CALCULÁVEL, QUANTIFICÁVEL?
Jimmy: Você precisa saber aonde você quer ir, entender a linguagem do mercado que você quer. Para trazer o sabor local para o global, precisa entender como comunicar isso para o mundo.
Daniela: Qual conteúdo vai viajar para cada umas plataformas depende do personagem e da história. A gente não força um quadradinho em um círculo, porque todos percebem que fica forçado.
As novas plataformas continuam surgindo, não dá para imaginar o que está por vir. Agora, no pitch, o importante é saber se tem conexão com o público esperado, qual a relevâcia da história e do personagem. Foque nisso, o resto a gente faz. Até porque o transmidia é usado (redes sociais, apps, games, toys) para alastrar a série, mas muitas vezes não são monetizáveis.
spots de publicidade online, primeiramente com a Renault, fez com que a marca passasse de uma comunidade de geeks e gamers para consumidores mais amplos, como os de automóveis. Posteriormente, inserimos os personagens em propagandas da Coca-Cola, Mc Donalds e outras marcas ao redor do mundo”. Além disso, a marca ganhou um seriado próprio, exibido pela Nickelodeon, que já está em sua segunda temporada e é sucesso de audiência nos Estados Unidos e na Europa. “No Brasil, são 1,4milhão de espectadores e no mundo são 100 milhões. A série trouxe visibilidade internacional e acelerou a fama dos coelhos. Agora, os designers dos
games fazem aplicativos e jogos interativos usando as imagens do seriado de televisão. O interessante é que estamos buscando adaptar esse caminho de sucesso para outras marcas”.
BATE PAPO ENTRE OS PARTICIPANTES Ao se falar em futuro e novas tecnologias, umas das transformações mais atuais é na maneira de se trabalhar em conjunto. Para Jorge Gutierrez, “essa ideia de que todos precisam estar no mesmo estúdio está mudando completamente. Esse novo modelo está fazendo muito sucesso, pela internet, as novas pipelines, estamos começando uma nova era. A ideia de que um projeto é feito por um país vai mudar, pois es-
tará sendo produzido em um planeta”. Para Jimmy, as tecnologias permitem globalizar a troca de informações e as dicussões sobre conceitos, linguagens etc. “A Nick quer ter a visão mais ampla possível ligada a culturas e mesclas de culturas para proporcionar novas narrativas - o traço e o modelo foram padronizados durante anos na indústria, o que resultou em muitas séries parecidas. Hoje, o diferencial na direção de 59
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arte é fator fundamental, a originalidade.”, complementa. Daniela, da Cartoon Network, também conecta futuro com conteúdo e possibilidades de multiplataformas: “Na CN nos reorganizamos para pensar em conteúdo. Não temos mais departamentos de produção, programação e mídias. Temos um guarda-chuva, para que possamos ser relevantes com o conteúdo em todas as plataformas existentes. Antes, uma série podia ter um desdobramento para filme e então eram feitos gameszinhos. Agora, as plataformas vêm surgindo junto com o conteúdo”. Nem todos, contudo, estão de acordo com esse posicionamento. Para o artista, a pressão para criar um material que possibilite desde o início a passagem 60
por várias plataformas e também garanta visibilidade internacional pode-se tornar impeditiva. “O problema pra mim é que eu tenho um piloto na Nick, e não pode mais só ser um seriado, precisa também ser um filme e um game. O novo filme que estou fazendo precisa ter potencial para televisão e precisa funcionar como game e precisa conseguir entrar na China. Por isso a transmídia me deixa maluco, é muito difícil”, argumenta Jorge Gutierrez. Por outro lado, as experiências educacionais na França mostram que os jovens estarão cada vez mais acostumados com as possibilidades múltiplas de plataformas. “Parece complexo, mas é muito mais evidente para os jovens abordar essas multiplataformas, porque eles naturalmente se perguntam como adaptar para garantir as experiências de jogos e de filmes”, explica Laure. Além disso, as comunidades virtuais facilitam a interatividade e o relacionamento com os produtores e desenvolvedores: “Uma das primeiras revoluções que veio dos jogos é que os nativos digitais, desde o início, habituaram-se a trocar ideias através de comunidades.
Uma comunidade de um jogo como Assassins Creed, por exemplo, tem de 20 a 30 milhões de pessoas, com quem trocamos regularmente”, exemplifica Frederik. No entanto, para Daniela, é preciso alcançar um meio termo: “O mais importante é acreditar nos personagens
e nas histórias. Tem gente especializada em pensar nos desdobramentos e gerar um app melhor. Mas às vezes não vai render nada, vai simplesmente ser uma bela série ou um belo filme. Nem todas tem seus dedobramentos em plataformas ou prateleiras e está tudo bem”.
Perguntas e Respostas O CINEMA DE HOJE EM DIA ESTÁ BASEADO EM REMAKES E SEQUÊCIAS. NO FUTURO DA ANIMAÇÃO, A TV TERÁ QUE TRAZER SÉRIES ANTIGAS PARA A ATUALIDADE, COMO NOVA TENDÊNCIA? EM QUE PONTO A QUANTIDADE ULTRAPASSARIA A QUALIDADE? Jimmy: Concordo que estamos em uma época de exploração de remakes e de histórias seriadas. Ao mesmo tempo, na mesma razão, temos muita coisa nova sendo criada. Eu não me desesperaria. Jorge: É um equilíbro de negócios. Na TV, sempre haverá desenhos do Batman e das Tartarugas ninjas, porque eles permitem tomar o risco em inovar com os novos. Mas se só fizerem
remakes, eles morrerão. E se só fizerem coisas novas, também morrerão, porque é arriscado demais. QUAL A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FORMAL, SE A TECNOLOGIA PERMITE TANTO APRENDIZADO À DISTÂNCIA? Jorge: Apesar de ser possível aprender animação de forma autodidata, pela internet, com videoaulas e tutoriais, a importância de ir para uma escola é trabalhar com pessoas e profissionais. Agora, vocês não estão mais competindo com pessoas só do Brasil, mas do mundo inteiro. Isso é incrível e motivador porque você vai se esforçar mais. Estamos em um mundo em que o cartão de visita não é mais impresso. Se você tem um
portfólio muito bom e ele está online, as pessoas vão te achar. Agora é a melhor época para ser um estudante e um jovem proissional porque as oportunidades são infinitas. Moira: É importante seguir uma escola porque os estúdios não têm mais tempo para formar as pessoas. Nossos professores são profissionais aprenderam na prática, nos estúdios em que trabalhavam. Mas hoje querem recrutar pessoas que já saibam operar. Um problema no Japão, por exemplo, é que se aprende a desenhar nas escolas, mas a animação não. Agora estão começando a mudar seu sistema de educação para responder a essa necessidade da sociedade ocidental. É o global modificando o local também. 61
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Coprodução com a França Frédéric Puech é cofundador do estúdio Planet Nemo Animation, onde trabalha como produtor executivo, diretor criativo, e diretor do departamento de audiovisual do estúdio Ankama. Além disso, preside a Noranim, associação comercial da indústria de animação do Norte da França, e integra o conselho da agência de desenvolvimento de audiovisual da região, a Pictanovo.
Jean-Baptiste Lamotte estudou Direito e Mídia e Entretenimento na Universidade de Paris. Trabalhou como supervisor de aquisições na Disney, no canal France 3, foi consultor de programação e gerente criativo, e hoje trabalha com a programação infanto-juvenil da France Télévisions.
Celia Catunda é sócia fundadora da TV PinGuim. Criou, produziu e dirigiu mais de 400 horas de animação para a TV, em séries como “De Onde Vem?” e “Peixonauta”, veiculada no Discovery Kids. Criou também a série “O Show da Luna!”, veiculada nos EUA, no canal NBC/Sprout, e na América Latina, no Discovery Kids.
(No RJ) Andrés Lieban é formado em Artes Plásticas pela UFRGS e trabalha com animação há mais de 20 anos. Criador e diretor das séries”Meu AmigãoZão” e”Quarto Do Jobi”. É sócio fundador e diretor criativo da produtora de animação 2DLab. Entre 2005 e 2006, foi presidente da ABCA.
(Em SP) Marcio Yatsuda é formado em matemática aplicada e computacional pela Unicamp, com diversas especializações em Administração, Produção Executiva, Liderança e Gestão de Pessoas. É presidente da Movioca Content House, produtora de TV e cinema, professor da Academia Internacional de Cinema de São Paulo e membro do conselho federal da ABPITV.
(Em SP) André Breitman trabalha na indústria de conteúdo cultural desde 1990, e é sócio da produtora 2Dlab desde 2004 e conselheiro federal da ABPITV. Foi produtor executivo das séries Meu AmigãoZão, uma coprodução internacional, e Quarto do Jobi. Dentre os trabalhos recentes, destacam-se o longa Meu Amigãozão - O Filme, e a produção da série Sitio do Pica-Pau Amarelo.
MODERADOR (No RJ) Reynaldo Marchesini é produtor executivo, supervisor artístico e roteirista, e trabalha com distribuição, produção e licenciamento em televisão, cinema, internet e gestão de marcas e programas de TV. Atualmente, é produtor executivo e supervisor artístico da série de animação “Sítio do Picapau Amarelo”.
MODERADOR (EM SP) Marcos Magalhães Autor de animações premiadas como “Meow!” (Prêmio Especial do Júri em Cannes 1982) e “Animando” (1983), filmado no National Film Board of Canada. Doutor em Design e Professor Pleno de Animação na PUC-Rio, Marcos é um dos fundadores e diretores do festival ANIMA MUNDI.
RIO DE JANEIRO 14/07, SÃO PAULO 19/07 #GREEN LIGHT #TRATADO BRASIL FRANÇA #DESAFIOS DA CO-PRODUÇÃO
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Coprodução com a França Reynaldo Marchesini, moderador da mesa no Rio de Janeiro, listou algumas das razões pelas quais é interessante que se façam coproduções internacionais para animação. Segundo ele, essa união de parceiros pode ocorrer visando a viabilidade financeira, ou uma estratégia de acesso a um mercado local. Pode ter a intenção de unir competências diferentes, para desenvolver aprendizado, ou simplesmente para acelerar a realização de uma obra. No entanto, os desafios também são muitos: divergências criativas, culturais, de modelo de gestão podem ocorrer, além da óbvia dificuldade em sincronizar cronogramas (principalmente para levantar recursos) e a distância geográfica no trabalho diário.
Um dos idealizadores do AnimaMundi, Marcos Magalhães abriu a mesa agradecendo a parceria com o Consulado da França no Rio de Janeiro, desde a primeira edição do festival, há 23 anos. “As coproduções já acontecem naturalmente, afinal essa atração entre franceses e brasileiros vem desde o descobrimento do Brasil. As admirações que temos pela cultura um do outro tem que transparecer também na animação. A gente está torcendo para que a animação se torne mais um clichê brasileiro, como são o samba, o carnaval, o futebol e a capirinha”, completa. 64
A série Meu Amigãozão, por exemplo, é uma coprodução internacional com o Canadá. Andrés Lieban explica que foram levantados recursos, igualmente entre os dois países, para os 104 episódios de 11 minutos, em um total de 11 milhões de reais de custos. “Quando as duas partes conseguem completar o seu orçamento, isso se chama green light - o que é raro e foi difícil, pois ambos precisaram conseguir televisões que queriam comprar o programa. No Brasil, conseguimos através do BNDES e de TVs abertas e fechada.”.
Segundo ele, a particularidade da animação seriada é que as empresas continuam com uma receita mensal algum tempo depois de concluída a obra. Trata-se de uma sobrevida maior do que a janela do cinema, devido às reprises e ao melhor rendimento do minuto
“A co-produção foi importante para poder
ir para fora do país, e o canal canadense, com a sua experiência, validou a adequação pedagógica e artística” ANDRÉS LIEBAN animado. No entanto, um desafio grande é alinhar o cronograma de liberação de recursos. “Quando acabou a primeira temporada, devido ao sucesso, tanto no Brasil
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Mesa Redonda
Coprodução com a França
quanto no Canadá, a TV canadense resolveu logo em seguida a parte deles do orçamento. No Brasil, isso significava montar o projeto, esperar a aprovação do edital etc. Isso trouxe um desafio porque perderia a janela de programação do Canada, então optamos por começar a produzir de forma arriscada.” A experiência da TV Pinguim, produtora de São Paulo, com a série animada Peixonauta foi semelhante. Celia Catunda conta, que para a primeira temporada, a expectativa era conseguir uma co-produção com o Canadá, mas, como não conseguiram o green light, o projeto, já vendido no Brasil para a Discovery Kids, foi realizado nacionalmente. “O timing é o maior desafio, tanto de financiamento quanto de venda e entrega. Além disso, a coprodução tende
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a aumentar o custo, porque no Brasil o custo é muito baixo. No nosso caso, fizemos codesenvolvimento, então aprendemos muito com os feedbacks internacionais e as adaptações do conceito.” Já no caso do seriado Show da Luna, em sua segunda temporada, a equipe brasileira trabalhou com roteiristas colaboradores americanos e canadenses. Dessa forma, o custo continuou baixo e foi possível vender a série para países como Inglaterra e Suécia. Segundo Celia, “a coprodução é a melhor maneira de acessar muitos territórios e falar com culturas diferentes. Mas o Brasil é muito fechado, tem poucos acordos. Hoje, além do Canadá, temos acordos somente com Alemanha e Índia.”
EXPERIÊNCIA FRANCESA Representando a France Television, emissora pública francesa que é a principal financiadora de programas de animação na Europa, Jean Baptiste Lamotte ressaltou que as dificuldades de coprodução com a França, sem um acordo entre países, se dão principalmente devido à obrigatoriedade legal de que as emissoras tem de comprar produções nacionais. Em sua instituição, por exemplo, já foram compradas mais 125 horas de animação, com 18 séries e diversos curtas,
longas e especiais, para todas as faixas etárias, que são produzidos em todas as regiões da França. “A France Television é somente um grupo de canais, ou seja, não produzimos internamente. O plano de regulamentação francesa impõe às emissoras públicas e privadas que financiem anualmente um mínimo de obras de animação. Isso permitiu que a França desenvolvesse muito conhecimento e knowhow e explica a boa saúde da animação francesa”, disse. Segundo Jean Baptiste, um dos caminhos de parceria seria os produtores brasileiros conhecerem produtores franceses para compreender o mercado local e as necessidades das emissoras. Juntos, teriam que encontrar uma maneira de trabalhar em cima da ideia criada para que fosse produzida localmente no país. No ramo do cinema, Sebastian Onomo, produtor do estúdio Les Films D’ici, apresentou mais oportunidades. A empresa, que historicamente produz documentários, desde 2008 começou a realizar coproduções de longa metragens na área da animação para adultos. Para Sebastian, a televisão é um meio em que a indústria consegue sobreviver, mas que através do cinema é possível atuar de maneiras
diferentes. Em 2014, no braço mercadológico do Festival de Annecy, conheceu Rogério Nunes, produtor e diretor brasileiro que apresentou e ganhou na categoria de pitch com seu filme Coração das Trevas. Segundo Rogério,
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Coprodução com a França estreante na animação, a necessidade de ter alguém experiente para ajudar a realizar o projeto nesse formato específico do filme culminou na vontade de fazer parcerias com os franceses. Já Sebastian engressou na equipe por perceber que se tratava de um conceito 100% brasileiro mas com grande potencial internacional. “O meu papel, além de ajudar a achar fundos dos estrangeiros, é entender o filme que o Rogério quer fazer. É uma história universal o bastante para fazer sentido para ambos os públicos, brasileiros e franceses. Então devo apresentar, no mercado francês e no brasileiro,
as pessoas certas para acompanhar o diretor na sua ambição artística”, explica Sebastian. Experiente em matéria de coprodução, Frederik Puech, produtor do estúdio Planet Nemo, contabiliza 10 séries coproduzidas, entre Canadá, Bélgica, Irlanda, China, Colômbia e Argentina. “Para a coproduções, buscamos recursos principalmente para séries pré-escolares porque em geral não são bem financiadas. Nosso objetivo ao se associar é a busca por talentos. Somos um estúdio de pré-produção e trabalhamos diretamente com animação somente nos pilotos. Então, buscamos talentos de animação nesses
projetos de outros países”. Um dos seus projetos atuais é uma série de coprodução entre França, Canadá e Cingapura, em que o Canadá fez o intermediário, já que os outros dois países não têm um acordo estabelecido entre si. “É como um casamento, primeiro tem o flerte. É preciso conhecer o parceiro e enxergar sua sensibilidade artística e sua forma de trabalhar. Foi um projeto de 2,5 milhões de dólares, em que 52% foi captado na França, 23% no Canadá e 25% em Cingapura. A partir daí, dividimos as tarefas de acordo com a competência de cada parte: roteiro, storyboard, animação e pós-produção”. Segundo ele, os desafios não são poucos.
Mesmo entre a França e Quebec existem diferenças culturais como o equilíbrio entre entretenimento e conteúdo pedagógico, além da adaptação da língua e do humor.
Perguntas e Respostas COMO FUNCIONA ESSE SISTEMA DE COTAS FRANCÊS NOS MEIOS DIGITAIS? EXISTEM COTAS PARA PLATAFORMAS DIGITAIS COMO O NETFLIX? Jean Batiste: O Netflix e a Amazon são grandes concorrentes para os canais. Temos que nos prevenir. A gente vai ter que se reinventar diante deles, que podetm de um dia pro outro criar até uma nova emissora. Cabe a nós desenvolver programas para propor nos nossos canais, 68
inclusive desenvolvê-los no Youtube, por exemplo. Eu não ganho muito mais por isso, mas crio um ambiente em que mantenho a criança nesse ecossistema francês e ela nao vai buscar coisas de fora. Além disso, o Netflix e a Amazon podem vir também como complemento de financiamento, com séries que eu exibo, mas que foram compradas por eles. Frederic: Como a Netflix é americana e não ficam (Netflix e Amazon) fisicamente
em Paris, eles não precisam obedecer as mesmas regras e obrigações de exibição. Os criadores franceses ficam felizes porque podem revender séries antigas que as emissoras francesas não compram mais. COMO FOI A BUSCA PELO FINANCIAMENTO DO MEU AMIGÃOZÃO? Andrés: Na primeira temporada, não entramos de início no fundo setorial. Conseguimos uma espécie
de reembolso de investimento já na produção. O filme nasceu de um curta que foi prêmio de edital de fomento a pilotos de série. O projeto tinha um certo “pedigree” que ajudou bastante, não foi difícil passar pelos pitchs. Tinha uma coprodutora que facilmente conseguiu uma greenlight de uma televisão. A dificuldade é o caminho burocrático. Para o financiamento do BNDES, precisa estar muito preparado juridicamente, precisa oferecer garantias reais de que você
tem condições de cobrir o empréstimo caso necessário. Essa ginástica de ser uma empresa pequena mas com responsabilidades e gestão de pessoas são as maiores dificuldades. Ou seja, preparar juridicamente a empresa, entender que a União tem que ter contas prestadas com comprovação fiscal direitinho para o Tesouro Nacional. Toda essa preparação e acomodação às exigencias legais faz o caminho ser tortuoso. Agilidade jurídica nem sempre acontece também,
o que corre o risco de perder prazos. É um caminho cheio de coisas que podem dar errado e precisa estar pronto pra resolver. Mas está melhorando. O fundo setorial tem uma predisposição em querer ver mais do projeto, mas envolve agilidade e uma preparação que você precisa se adequar. A própria Ancine é sensível aos problemas que existem, e também estão se capacitando da mesma forma que os produtores, criando mecanismos mais flexíveis. 69
Mesa Redonda BATE PAPO ENTRE OS PARTICIPANTES Franceses e brasileiros não tiveram muitas divergências em relação aos pontos positivos da coprodução entre os dois países. A contribuição em criatividade, a possibilidade de descentralizar a mão de obra e de solucionar problemas técnicos junto com os parceiros, além da visibilidade internacional, são ganhos óbvios. As dificuldades, por sua vez, podem ser observadas por diversas camadas. “Em termos de regulamentação, temos a aprender pelo o que foi conquistado pelos produtores franceses, provavelmente devido à sua organização como classe, e também com a conquistada qualidade de produção, cada vez mais sofisticada”, enumera Celia. Para Andrés, o próprio rendez-vous proporcionado pelo Festival, em que profissionais de ambos os países passaram três dias conversando sobre as possibilidades de relação, foi uma iniciativa que contribuiu para a construção de relações de confiança e o alinhamento de objetivos - quesitos necessários para parcerias de coprodução. Seu
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Palestra
sócio na 2D Lab, André Breitman aponta os processos burocráticos como maiores ameaças para este processo. Da visão francesa, Sebastian corrobora: “Vejo que há muitos talentos aqui no Brasil, muita vontade e energia. Só falta uma estruturação e uma política de mais incentivo, para
“Enquanto o Brasil não estiver menos burocrático em suas leis e financiamentos, a coprodução faz o difícil ficar impossível” ANDRÉ BREITMAN que coproduções possam se concretizar com mais regularidade”. Fica o pedido, para aqueles que estão envolvidos com a aceleração do tratado entre os dois países, que se torne realidade. Certamente será um marco importante no mercado da animação brasileira.
Apresentação da pesquisa:
Retratos do Mercado Brasileiro de Animação
Cristiane
Fariah Mestra em design pela Escola de Design/UEMG, sempre esteve envolvida em pesquisa e produção audiovisual, com ênfase em produção para animação. Foi representante estadual da ABCA em Minas Gerais por duas gestões
RIO DE JANEIRO 11/07 #MAPEAMENTO #DADOS DO MERCADO #PROFISSIONAL DE ANIMAÇÃO
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Palestra
Cristiane Fariah
de qualquer etapa de obras em cinema de animação, que esteja presente na internet.
Como parte de sua dissertação de mestrado, Cristiane Fariah desenvolveu uma pesquisa socioeconômica que retratou o mercado brasileiro de animação em 2014. A tese “O Design da Animação no Brasil” objetivava conjugar mercado e pesquisa, por isso o design como disciplina escolhida. MAPEANDO OS CRIATIVOS A primeira parte da pesquisa concentrou-se nos profissionais da área. Durante 27 dias, entre novembro
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e dezembro de 2014, 840 profissionais responderam ao questionário online quantitativo. O foco: toda a comunidade de profissionais do audiovisual que participa
Cristiane iniciou apresentando resultados geográficos. De acordo com os dados mostrados, 50% dos profissionais se encontram em Rio de Janeiro e São Paulo, 65% em todo a região Sudeste do país. Sobre sua atuação no mercado, 75% dos participantes afirmaram ser profissionais, ou seja, não são professores, estudantes ou pesquisadores. Com relação à técnica, 73% afirmaram ter conhecimento em animação digital 2D. Em uma lista de 18 funções a se exercer na profissão, 43% informaram exercer até três
funções em suas produções. Do total de entrevistados, 64% dos participantes disseram que trabalham a distância. Segunda Fariah, a digitalização favoreceu o trabalho remoto e torna-se uma oportunidade importante para o mercado. Com relação à formação e experiência, 44% têm formação em animação. Desses, 35% formaramse em cursos técnicos presenciais e 26% têm nível superior completo. Quando perguntados sobre o número de produções em que já trabalharam, 10% afirmaram terem participado em mais de 30 produções. Enquanto isso, 47% trabalharam entre duas e cinco produções. Desses 47%, 70% trabalharam
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Palestra
Cristiane Fariah são 39%, 51% no Centro-Oeste, 59% no Sul e 54% na região Sudeste. Por fim, com relação a meios de financiamento, 73% do total de participantes confirmaram ter financiado suas produções através de editais públicos.
“A gente tem a cultura do ‘alguém tem que fazer’. Enquanto isso continuar, nunca conseguiremos discutir a regularização, o piso salarial, condições trabalhistas...” em curta-metragens e 42% em videografismos, como vinhetas e publicidade. Em seguida, o questionário tratava de valores e remuneração. Uma quantidade surpreendente e positiva de participantes é remunerado em todos os seus projetos: 53%. Já 33% têm carteira assinada e 48% têm a animação como principal fonte de renda. Desses últimos, 20% recebem entre R$1000 e R$2000 mensalmente, enquanto 24% ganham entre R$3000 e R$4000 e 20% mais de R$5000 por mês.
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Enquanto 72% dos participantes eram homens e 28% mulheres, somente 17% dos homens possuem pósgraduação. As mulheres com especializações, mestrados ou doutorados somam 23% do seu total. Em compensação, os salários dos profissionais do sexo masculino são maiores em quase todas as faixas de renda.Ao cruzar os dados da remuneração com a região do país, Cristiane encontrou que supreendentes 56% dos profissionais da região Norte são sempre remunerados em seus trabalhos. No Nordeste,
AS EMPRESAS A segunda parte da pesquisa se tratava de um questionário sobre produtoras, ou seja, a comunidade empresarial do audiovisual que participa de qualquer etapa de obras em cinema de animação e que pudessem ser localizados no universo online. Foram 105 formulários respondidos, no mesmo período de coleta. Cristiane notou que, em geral, microempreededores não responderam a este formulário por não se identificarem como empresa.
Assim como nos dados anteriores, 66% das produtoras se encontram na região Sudeste. Olhando particularmente para Minas Gerais, o estado apresenta o segundo maior valor, com 19% desses 66. No entanto, 84% das empresas mineiras são microempresas e MEI. Do total de empresas participantes, 18% se configuram como MEI (estima-se que o número real seja muito maior devido ao baixo número de participantes nessa categoria), 48% como microempresa, 16% como pequena e 8% como média. Consequentemente, 42% das empresas contabilizam de dois a cinco funcionários. Ao aprofundar as questões sobre a relação empresa-funcionário, 33% afirmaram ter todos os funcionários legalmente registrados, enquanto 57% optam trabalhar com contratação de MEI. Além disso, 77% estimulam a capacitação dos funcionários, e 48% destas fazem isso através de cursos internos. Do total, 81% afirmam contratar profissionais para trabalhar à distância. Um outro olhar sobre as empresas pode ser obtido através de questões sobre organização, faturamento e área de atuação. Enquanto 46% disseram trabalhar
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Palestra
Palestra
com videografismos, 42% se especializaram em animação 2D. Dos entrevistados, 70% do total têm de dois a cinco projetos em produção simultâneamente. Foi apontado também que 51% das produtoras não possuem planos de negócios e 48% cobramum minuto de até R$5000. Dos 105 formulários, 55% informaram faturar até R$ 50000 por ano. Por outro lado, 11% fatura entre R$ 500000e R$ 5 milhões anualmente. Uma única empresa afirmou faturar mais de R$ 5 milhões anuais. Em relação às diferentes formas de financiamento utilizadas por cada uma, 88%
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fecham contratos comerciais, 75% participam de editais públicos, 20% utilizam o fundo setorial (FSA), 13% contam com o BNDES e 83% também realizam projetos utilizando somente renda própria. Em suas considerações finais, Cristiane Fariah ressaltou a importância de serem feitas pesquisas periódicas para uma melhor compreensão do cenário brasileiro. “Minha intenção é criar algo que possa ser útil e contribuir na geração de benefícios à nossa comunidade. O que eu descobri é que todo mundo pode fazer algo, a partir do momento em que percebe sua necessidade”.
Animando sua carreira RIO DE JANEIRO 14/07 #ATITUDE PROFISSIONAL #PERSEVERANÇA NA CARREIRA #OPORTUNIDADES E DINHEIRO
Steve
Hickner Steve Hickner já trabalhou, nos seus trinta anos de carreira, para os maiores estúdios de animação, como Disney, DreamWorks, Amblimation, Aardman e Hanna-Barbera. Dirigiu filmes que marcaram a história da animação, com O Príncipe do Egito (1998) e Bee Movie - A História de uma Abelha (2007).
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Palestra
Steve Hickner Além da resiliência, ou seja, a capacidade de cair e levantar, Steve advoga pela habilidade de realização. Afinal, decidir pular e realmente pular são duas atitudes distintas e aqueles que assumem o risco de realizar suas ideias são os que fazem a diferença. Além disso, a persistência está relacionada mais com a qualidade da sua entrega do que com talento ou inteligência. Mais importante de tudo, diz Hickner: “Nunca recuse uma missão de combate! O talento de ponta sempre consegue trabalho, não importa a taxa de desemprego ou a recessão.
Steve Hickner acredita na perseverança. Afinal, o futuro é imprevisível, e se as pessoas desistem no meio do caminho, nunca descobrirão como teria sido. “Eu fiz escola de cinema na NY University. Meu professor de roteiro, muito famoso na época, mudou a minha vida. Ele moldou a forma como eu sinto os filmes. Um dia, ele nos contou sobre como fazer filmes em Hollywood e foi muito deprimente. A indústria do entretenimento é construída sobre a mentalidade do ‘não’. Ninguém é punido por dizer ‘não’. Ninguém é despedido porque negaram um filme que outro estúdio aceitou e foi um sucesso. Mas você precisa de somente um único ‘sim’ para mudar sua vida. O número mágico é 1!” 78
“Só ser apaixonado não é suficiente, você precisa ser capaz de bater na parede diversas vezes” Se você está nesse jogo, seja o melhor que você puder, e isso lhe trará trabalhos. Mas a melhor parte, a mais divertida, é a disposição para continuar melhorando e aprendendo”. A inteligência de uma pessoa pode até depender do seu DNA, mas sua atitude é uma escolha. Hickner lembra que, ao dirigir um filme, percebe diariamente que as
pessoas que ele mais aprecia são aquelas que têm boas atitudes, independente de suas funções ou contextos. A atitude ambiciosa é outro requisito sugerido pelo diretor. “O segredo da vida é uma única coisa. Aquela coisa que você mesmo tem que descobrir. Quando começo um projeto, eu procuro uma coisa em que eu vou ser melhor no final do que quando comecei. Se essa é minha meta diária,
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Palestra
Steve Hickner por sua vez, trará muito mais resultados. Segundo ele, as pessoas ao seu redor também são fundamentais para o seu desenvolvimento. “Rodeiese de pessoas que amam as suas profissões. Cultive suas relações e amizades, e chame os seus amigos para trabalhar contigo. Rodeie-se de pessoas que são extremamente boas no que fazem, para que você tenha com quem aprender. Pode ser muito intimidador trabalhar com tantos talentos o tempo inteiro. É difícil, mas é emocionante.”
O FUTURO DO CINEMA como eu posso me entediar? Se você for ambicioso, vai ser tão desafiante que você nunca ficará entediado e nao terá espaço para pessimismo e negatividade”. Essa atitude te ajudará a performar, não no nível das suas habilidades atuais, mas no nível que você deseja atingir.
“A vida não é justa? Sim, algumas pessoas nascem com mais talento ou oportunidade. Mas o que importa é aproveitar todas as oportunidades que você tem”. Um pouco a mais de dinheiro poderá trazer um pouco mais possibilidades de compras por mês. Pedir por oportunidades de trabalho,
Não há dúvidas de que o cinema está mudando. A quantidade de jovens nos Estados Unidos frequentando salas de cinema diminui anualmente. De 2011 até 2015, a porcentagem de pessoas com menos de 25 anos assistindo a filmes da maneira tradicional passou de 33% para 17%.
“Existem mais celulares nessa sala do que telas de cinema, e esse é o futuro”. Steve faz uma analogia com o ramo da música. Na época em que surgiu o mp3, críticos acreditavam que a moda não pegaria, devido à baixa qualidade da música no novo formato. No entanto,
Perguntas e Respostas ESTOU COM DUAS ÓTIMAS OPORTUNIDADES E TENHO QUE ESCOLHER ENTRE FICAR EM UMA INDÚSTRIA MENOR E CRESCER NELA OU IR PARA OUTRO PAÍS, PARA UMA INDÚSTRIA MAIOR, E APRENDER COM ELA. O QUE VOCÊ FARIA NO MEU LUGAR? 80
Eu não posso escolher por você. Cada escolha tem lados positivos e negativos. Quando fui para Londres, mais jovem, isso abriu meu mundo. Eu aprendi a morar em outro país, trabalhei com pessoas do mundo inteiro, conheci outra indústria. Me mudou como
pessoa. Mas isso depende de onde você está na sua vida, é claro. Você também sempre pode voltar. Com escolhas é assim, você nunca sabe. Só precisa sentir dentro de si o que vai ser melhor pra você naquele momento.
EM UMA CARREIRA ARTÍSTICA, É IMPORTANTE IR PARA ESCOLA? A escola tem um valor inestimável. Mudou minha vida! Quando faltava somente um ano para terminar a faculdade, eu não queria terminar. Eu já me sentia pronto para tra-
balhar. Mas foi nesse último semestre que tive aulas com o professor que mudou a forma como faço, penso e ensino cinema. Eu escrevi para ele há alguns anos e disse: ‘Estive na sua classe há 35 anos, mas uso o que você me ensinou todo santo dia. Eu nunca tive um pro-
fessor que me mudou como você’. No fim, você vai tirar da escola o que você colocar nela. O mesmo vai ocorrer com o trabalho e com a vida.
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Entrevista
Palestra
as pessoas claramente escolheram a conveniência sobre a qualidade. Hoje em dia, com o streaming, os jovens assistem tudo pelo celular e essa é uma grande oportunidade de novos formatos. Para finalizar sua fala, Steve fez um apelo aos jovens: “As decisões que você toma quando se é jovem são fundamentais. Eu desperdicei dois anos da minha vida em um projeto que foi um erro e agora existe um buraco na minha filmografia”.
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Ele lembrou que a faculdade, por exemplo, é uma oportunidade única para focar no aprendizado. Uma época que raramente se repete, em que seu único papel é aprender. Portanto, Steve considera fundamental que o jovem reconheça seus privilégios, como estudante ou profissional. “Tenho sorte de fazer isso há 36 anos. Fazer o que eu amo, com pessoas maravilhosas que também amam o que fazem. É um privilégio e eu preciso fazer por merecer”.
Uma hora com... RIO DE JANEIRO 14/07 #PEQUENOPRINCIPE #STOPMOTION #REFERÊNCIAS EM VÍDEO
Mark
Osbourne Mark Osborne, o prestigiado diretor de “Kung Fu Panda” e das sequências de live-action do filme “Bob Esponja Calça Quadrada”, assumiu a primeira adaptação animada do clássico francês, “O Pequeno Príncipe”
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Palestra
Mark Osbourne
Mark Osbourne contou a história de produção, desenvolvimento e processo de animação do longa Pequeno Príncipe, exibido no Anima Mundi 2015. “Passei cinco anos e meio trabalhando nesse filme. É um livro muito especial, uma história muito bonita e poética, e eu estava nervoso na perspectiva de fazer um filme sobre esse livro. Foi um livro que me afetou muito, foi grande parte da minha vida por 20 anos. Então, eu quis manter o livro seguro e protegido no centro, no coração de uma história maior.” “Eu queria expandir a partir do livro. Peguei elementos o personagem do aviador e pensei: ‘E se o aviador que escreve a história no livro na verdade não o publicou e ninguem conhece nem o livro, nem a história? E se a história se torna tão mal entendida quanto o desenho do chapéu e da cobra? O que teria acontecido se o mundo estivesse adulto demais para entender a história?”.
Mark explica que queria capturar um senhor com espírito de criança, como se ele tivesse mantido o espírito do pequeno príncipe dentro de si. Por outro lado, a garotinha, que se muda para a casa quadrada vizinha ao aviador, tem nove anos, mas com espírito de 39. O diretor mostrou para a plateia os desenhos do ilustrador de personagem e as esculturas iniciais, que conseguiam mostrar a leveza e a fofura que a personagem iria ganhar ao longo da sua convivência com o vizinho aviador”. Apesar de não ser mais utilizada, eu acho a escultura uma parte essencial do processo porque você precisa ter algo para tocar”. O filme se desenvolve quando o aviador compartilha a história do príncipe com a garotinha. Isso abre o mundo da sua imaginação e da fantasia, e ela aprende a ser uma criança, o que se torna uma parte importante da sua infância.
O PROCESSO
Mark explica que sua intenção ao fazer o enredo principal do filme utilizando a computação gráfica, animação 3D,; era poder utilizar a animação stopmotion para o mundo especial do livro em si - a imaginação de uma pequena leitora ao adentrar a história do pequeno príncipe.
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Ele conta que o enredo do filme se passa ao redor de um aviador, senhor de idade, que vive triste porque nunca encontrou ninguém para compartilhar sua linda história. Seu mundo é uma bolha esquisita, torta, viva, colorida e cheia de elementos da natureza dentro do mundo dos adultos, por sua vez, quadrado, cinza, marcado por linhas retas e cenários entediantes.
Depois das ilustrações e das esculturas e modelagens, o próximo passo foi gravar a voz dos personagens. Os atores foram filmados enquanto gravavam, e essa referência muitas vezes foi utilizada pelos animadores. No entanto, a maior parte das referências visuais foram feitas pelos próprios animadores, utilizando cenários encontrados pelo escritório. Ao
fazer suas próprias referências, é possível descobrir os pequenos detalhes, movimentos não planejados. Segundo ele, a maior parte da equipe era formada mulheres, o que ajudou na caracterização dos personagens femininos, trazendo qualidade e nuance.
“Eu queria honrar o que é o livro nas nossas vidas, como ele nos afeta, o que ele significa para nós”
“Durante o processo, é incrivel trabalhar com atores talentosos porque eles levam o personagem a lugares que você não espera. Eles sempre trazem algo inesperado e é extraordinario. Isso acontece antes de animar, para que os animadores respondam à voz do ator.” Já as seções de stopmotion requisitaram um trabalho artesanal maior. Para garantir que o primeiro take do animador saia perfeito, são feitos inúmeros testes prévios. “Raramente precisa-se de mais de uma rodada de gravação,
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Entrevista
Palestra mais me fizeram foi ‘como você vai fazer funcionar stopmotion e 3D no mesmo filme?’. Eu respondia: ‘Não sei! Mas eu sei que é a ideia certa e que vamos conseguir’”.
porque é de cortar o coração ter que refazer uma cena em stopmotion”. Mark Osbourne explica que o personagem do pequeno príncipe tinha que parecer a imaginação da garotinha, portanto tudo era feito de papel. Dessa forma, pareceria que o público estava entrando na página do livro de papel. “Uma coisa que acontece com cinema de animação é que todo mundo se preocupa e duvida de tudo até que esteja terminado. A pergunta que
Segundo ele, a ligação entre os dois mundo era feita principalmente pela cor e pela iluminação. Muitas vezes, a iluminação utilizada nas cenas em stopmotion influenciava os animadores de computação gráfica, apesar de estarem representando mundos diferentes dentro da história. Ao apresentar os bastidores do processo de animação, o diretor ressaltou que o processo de computação gráfica, aparentemente mais sem graça, consome tanto tempo e energia quanto o stopmotion. “É simplesmente uma sala entediante cheia de computadores, mas é tão divertido e artesanal e tem tanta atuação quanto o outro”.
Perguntas e Respostas A EQUIPE RESISTIU MUITO ÀS SUAS IDEIAS? Sim. Como diretor, meu papel é buscar a perfeição e trazer sempre mais qualidade. Você está em uma posição em que pessoas se frustram muito, seja porque você mudou de ideia, ou porque algo não está funcionando. É um pro86
cesso que faz parte, porque você não pode prever tudo de antemão. É um jogo de chutes. Mas também tenho o olhar do produtor, então quero ser eficiente em relação a custos e energia demandada. Você está constantemente se deparando com resistências porque você tem limitações.
Todo filme tem limitações. No final, você precisa cortar algumas cenas que demoraram muito, por exemplo. Mas os animadores que têm bastante experiência entendem que isso faz parte do processo e todos estão juntos querendo que o filme fique o melhor possível.
Uma hora com... RIO DE JANEIRO 14/07 #MARVEL #QUADRINHOS AUTORAIS #PROCESSO CRIATIVO
Mike
Deodato Conhecido por todos no universo dos quadrinhos pelos seus traços realistas e inconfundíveis, sendo um dos primeiros brasileiros a desenhar para o mercado norte-americano de quadrinhos. Personagens como Homem Aranha, Hulk, Elektra, Thor, Batman, Superman e muitos outros ficaram marcados com os seus traços.
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Palestra
Mike Deodato conseguia em poucas páginas te fazer emocionar, misturava elementos gráficos, mudanças de câmera inovadoras. Eu tive a sorte de ter um pai que gostava e conhecia os mestres e pude absorver isso dele”.
Mike Deodato, um dos ilustradores mais importantes do país, representa internacionalmente os quadrinhos brasileiros e teve um importante papel na abertura do mercado americano para artistas locais, principalmente através da Marvel. Conta ele que o pai foi sua maior influência. “Meu pai fez a primeira revista em quadrinho do Nordeste, em 1963. Ele vivia desenhando e comprava muitos gibis em sebos, me incentivando a viver de quadrinhos. Era a forma de ele viver o seu sonho através de mim”. Na época, na Paraíba, seu pai escrevia novelas, produzia programas de rádio, dirigia e interpretava. Trabalharam juntos por dez anos, criando pequenas editoras pelo Brasil. “Cada história que a gente fazia juntos, ele me dava uma aula. Ele me
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entregava os roteiros já em storyboard, então, além de receber ótimas historias, eu tinha uma aula de narrativa. Quando jovem, eu exagerava e me concentrava só em ser bonito e esquecia da narrativa. Meu pai me mostrava o trabalho de Will Eisner, que
Depois dos zines da época da adolescência, Mike realizou seu primeiro trabalho profissional para o governo do estado sobre a história da Paraíba. Eram os anos 80, e poucos conseguiam sustentar-se somente com os quadrinhos. Para ele, a chance só apareceu quando foi publicado internacionalmente em 1991. “Naquele ano, eu já tinha um certo nome no Brasil. Topei e desde então não parei mais. Achei que logo iam me largar, mas continuaram vindo e eu deixei meus outros trabalhos. Até hoje trabalho em casa, de quadrinhos, e sou feliz com isso. Eu sei que ilustração, desenho animado, fazer storyboard dão mais dinheiro, mas quadrinho está no meu sangue”.
QUADRINHO AUTORAL Durante o dia, Deodato desenha os personagens da Marvel, que acompanha desde a infância. Por outro lado, o quadrinho autoral é um sonho de adulto, explica ele, que está lançando dois álbuns neste ano. “A sensação de fazer uma coisa sua é indescritível. Agora eu entendo porque
os ilustradores que têm quadrinhos autorais atrasam tanto os roteiros da Marvel. É porque é muito mais divertido fazer o seu próprio”. Um deles, chamado de 3 mil anos depois, é um álbum de 1994 criado por Mike e seu pai, e representa uma época em que se tinha muito pouco material. “A gente usava colagens para não gastar tinta, tinha uma mesa de luz improvisada e artesanal. Agora, estão republicando esse álbum com histórias dos bastidores”. O mais recente, Quadros, é um álbum sem cópia física, 100% digital. “Percebi que não existe um momento ideal em que eu possa parar com a Marvel e ter dinheiro para fazer o meu próprio. Decidi
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Palestra
Mike Deodato fazer quadrinhos e postar em um tumblr. A Editora Mino resolveu publicar. É diferente porque tenho que me forçar a mostrar eu mesmo nas histórias, mesmo tímido. Mostrar o que eu penso sem medo”.
PROCESSO CRIATIVO
“Com a velocidade do mercado americano, em comparação com o stop motion, por exemplo, me sinto o diretor, o ator, a câmera e o cenário e vou tomando as decisões”
Quando questionado sobre seu processo criativo, Mike explica que não tem um único caminho, quando se trata do seu trabalho autoral. O caos é bom para se manter interessado. Em termos criativos, a falta de método permite que as ideias apareçam em qualquer momento do dia. “É caótico, mas é estimulante, porque você descobre que tem ideias.
Já para o trabalho sob encomenda, em que a produtividade é fundamental, seu método já está automatizado. “A tecnologia tornou tudo mais fácil. Eu peguei o período mesozóico, em que se recebia o roteiro por fax e se enviava por correio. Hoje em dia, todo o meu trabalho de interior de páginas é digital. Na prancheta, tem isolamento, é solitário. Aqui, com a internet, eu converso com amigos, faço divulgações, compartilho notícias - fico conectado e ainda trabalho
Perguntas e Respostas EM GERAL, OS QUADRINISTAS BRASILEIROS NÃO TÊM APOIO DA FAMÍLIA. SABEMOS QUE MUITOS TALENTOS SÃO ESQUECIDOS POR CONTA DISSO. VOCÊ TEM DICAS PARA LIDAR COM ESSA PRESSÃO, PARA FAZER ALGO QUE DÊ RETORNO FINANCEIRO? Eu tive apoio da minha família, mas minha carreira foi uma série de lutas
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Ao mesmo tempo, precisa ser combinado com senso crítico, precisa ter consciência das falhas, de onde é preciso melhorar e crescer”.
contra tudo à minha volta. Demorei anos para entrar no mercado americano. Lá mesmo, minha carreira teve altos e baixos e tive que me reinventar. Nos processos de tentar voltar ao topo tive reveses. Nos anos 90, eu estava trabalhando demais e com pouca qualidade, então ninguém queria mais me contratar. Resolvi trabalhar menos, com coisas que eu gostasse, mesmo ganhando pouco. Por exemplo, quase fui con-
tratado para uma revista do X–Men, mas meu contato acabou sendo demitido. Outra vez, para a revista Witches, fiz dois primeiros números, e o diretor geral decidiu que o roteiro era ruim e engavetou o projeto. Eu sei das minhas falhas, mas confio que eu vou chegar lá. O conselho é confiar em si mesmo, porque vai ter sempre alguém contra. Se você mesmo não tiver essa confiança, pior ainda. 91
Entrevista
Palestra três vezes mais rápido.. Recebo o roteiro por email e em geral eles confiam em mim, devido ao tempo que já trabalho com eles.” Nos Estados Unidos, explica, o quadrinho é industrial. Uma revista por mês, com
20 páginas além da capa e praticamente nenhum tempo para revisar ou melhorar. “São ritmos e prazos únicos, e você tem que tentar fazer arte naquelas condições, fazer o que você puder. O quadrinho autoral eu faço quando me der na telha”.
Perguntas e Respostas COMO FOI SUA ADAPTAÇÃO PARA A MESA DA WACOM, COM A DIFERENÇA DE TECNOLOGIA? Minha adaptação durou um dia. Como eu usava um computador pouco potente, havia um atraso entre passar o traço e o desenho aparecer. Me adaptei com a caneta ao fixar no cursor e não na 92
sua ponta. Hoje em dia, a Wacom faz canetas para todos os gostos, com molas e pontas diferentes. O importante é se conscientizar de que é outro instrumento. É como trabalhar com lápis, pincel ou pena, cada um traz resultados diferentes. Mesmo tendo um software com inúmeros pincéis, é mais facil fazer as pazes com a tentativa de imitar o trabalho com
papel. Aceitar que é outro instrumento. Eu tento aproveitar as vantagens, como as linhas de velocidade pré-feitas, do Manga Studio por exemplo. Para mim, isso não desvaloriza o desenho, só proporciona mais tempo para trabalhar na expressão do personagem ou em outros detalhes. Faça as pazes e use as vantagens pra aperfeiçoar seu trabalho.
Uma hora com... RIO DE JANEIRO 14/07 #SHAUNTHESHEEP #STOPMOTION #ESTUDIO AARDMAN
Will
Becher
diretor de animação envolvido no desenvolvimento de personagens e animações chaves de “Shaun, o carneiro: o filme”. Também trabalhou nos longas-metragens “Wallace e Gromit: A Batalha dos Vegetais” e “Piratas Pirados!”.
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Palestra
Will Becher CONCEITO Shaun the Sheep surgiu há 20 anos em um filme de 30 minutos de Wallace e Gromit, exibido pela BBC. Mesmo com poucas cenas, tornouse um personagem amado e requisitado por seus fãs. Até que em 2007 começaram um projeto de série animada específica do Shaun the Sheep, que hoje está na sua quinta temporada. O desejo de fazer um roteiro para longametragem era grande, mas o desafio de um filme sem diálogos demandou um ano de construção. Foram usadas referências de filmes mudos antigos e do filme O Artista, lançado na mesma época.
Will Becher descobriu o Estúdio Aardman quando criança. Fez seus primeiros filmes de animação stopmotion caseiros utilizando brinquedos lego e argila. Aos 12 anos, escreveu sua primeira carta ao estúdio, mostrando seus curtas. Recebeu de volta dicas e ideias de como melhorar seus filmes. “Troquei cartas com a Aardman por anos até que consegui minha primeira visita e finalmente conheci meus ídolos. Hoje, são meus companheiros de trabalho e estou trabalhando com animação há 12 anos”. 94
“É uma coisa impressionante ver alguém atuando sem nenhuma palavra - é importante não ter palavras para que os outros países de outras línguas entendam tudo” Will explica que tradicionalmente na Aardman o roteiro evolui enquanto o filme já está sendo feito. “A animação
começa antes do roteiro estar terminado, porque é uma arte que leva tanto tempo...” Para o desenvolvimento do storyboard, foram necessários quatro artistas que quebravam o roteiro em cenas diferentes e faziam, diretamente no Photoshop, as posições-chave, a quantidade de personagens, o enquadramento e a forma como a história seria contada. Foram feitos um total de 70 mil painéis, inclusive muitas versões diferentes da mesma cena. Depois, este painéis foram agrupados em animática, com som e animações rudimentares.
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Palestra
Will Becher si. Dentro de cada boneco tem um esqueleto de metal que se equivale ao dos seres humanos, permitindo os mesmos movimentos. No entanto, a armadura precisa ser capaz de manter uma mesma posição durante longos períodos, para que o boneco não se mova durante a noite e a animação possa continuar no dia seguinte exatamente do momento em que parou. “Eles conseguem ficar de pé durante bastante
CONSTRUÇÃO Todos os personagens da Aardman têm tamanhos diferentes. Assim que é decidida a escala para os personagens, todos os outros objetos podem ser construídos. Como é uma arte muito baseada no talento e no trabalho manual, os profissionais têm diferentes expertises e históricos profissionais. O importante é que tudo seja construído de forma que os bonecos possam entrar, sair, se mexer e manusear o entorno: luminárias, relógios, taças de vidro, carros e ônibus em miniatura. Will conta que o estúdio tem cerca de 30 unidades diferentes de cenários, que são soldados
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no chão para garantir a imobilidade na cena. Muitos são grandes o bastante para que os animadores possam se posicionar em cima e alcançar todos os personagens e objetos. Depois da modelagem básica dos personagens, objetos e cenários, os profissionais do departamento de arte podem inserir todos os detalhes e texturas de modo a parecer realista, uma característica especial do estúdio. Então, depois de duas a três semanas de construção de cenário, os animadores podem fazer os primeiros testes e os iluminadores aplicam variações nas posições de luz com os personagens em cena. A modelagem dos personagens é uma arte por
“Quão pequeno podemos fazê-lo sem atrapalhar a animação? Quanto maior o boneco, maior o mundo que temos que criar ao redor dele” tempo e duram muito tempo também. Temos um time de 20 modelistas que começam com o esqueleto e depois fazem todas as outras partes. Fazemos tudo com silicone, como os braços e as pernas das ovelhas, e, portanto, usamos moldes. Isso é bom porque se algo quebra, podese substituir facilmente. Os bonecos são tocados constantemente e parte do desafio é deixá-los limpos e fazer sempre parecerem novos”.
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Palestra PERFORMANCE Os primeiros testes animados são realizados para checar se os bonecos estão funcionando bem e avaliar se algo precisa ser trocado antes da aprovação final dos diretores. Ao longo do processo, os animadores realizam várias referências em vídeo de forma improvisada, de modo que, ao atuarem nas cenas e se movimentarem como o personagem, possam animálos de maneira realista. Um dos maiores desafios são as câmeras, explica Becher. Por serem grandes em comparação ao cenário, muitas vezes precisam ser colocadas de cabeça para baixo ou abaixo do nível do chão do cenário, para permitir o ângulo de filmagem desejado. O som também é um elemento fundamental no filme. Com a falta de diálogos, a música torna-se responsável por carregar todas as emoções.
Perguntas e Respostas VOCÊS TÊM UM ESTILO DE ANIMAÇÃO MUITO ÚNICO NO AARDMAN. USA-SE SEMPRE O MESMO ESTILO OU MUDA-SE PARA CADA FILME? Cada filme tem um estilo próprio, de acordo com a visão dos diretores. Vem, 98
em geral, de uma mistura de piadas visuais que o diretor adicionou. Além disso, as ovelhas têm um limite de expressões porque a cabeça é dura, e o movimento dá-se somente pela boca e pelas pálpebras. Então, o movimento acontece
mais pelo corpo. Eu acho que cada animador tem um estilo levemente único. Mas em geral o ritmo é definido pelo personagem, e não pelo animador.Assim, espera-se que no final haja a percepção de que tudo seja o mesmo estilo.
Anima Business
Um espaço inspirador para negócios
Reynaldo
Marchesini É produtor executivo, supervisor artístico e roteirista, e trabalha com distribuição, produção e licenciamento em televisão, cinema, internet e gestão de marcas e programas de TV. Atualmente, é produtor executivo e supervisor artístico da série de animação “Sítio do Picapau Amarelo”.
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Anima Business
Um espaço inspirador para negócios
Acompanho e frequento o Anima Mundi há muito tempo. Não há dúvida que esse é o evento mais importante no país para quem é apaixonado por animação, seja uma paixão de quem trabalha nessa área, seja daqueles que assistem e admiram esse formato. Nos últimos anos, o Anima Forum tem sido um importante ponto de encontro para debater o desenvolvimento da animação profissional no Brasil, focando principalmente nos animadores e produtores iniciantes. Mas o fato é que o momento da animação brasileira já é outro, mais evoluído. Momento que inspira o Anima Forum a se tornar também um espaço de encontro de negócios,
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expandindo sua atenção para outros profissionais envolvidos com animação: os executivos dos canais de televisão, os distribuidores de cinema, os agregadores de VOD, os desenvolvedores de games e aplicativos, para citar apenas alguns. Por isso, ao ser convidado para coordenar essa nova “frente” do Anima Forum, que recebeu o nome de Anima Business, sugeri
que criássemos um espaço para que esses executivos e distribuidores que compram, investem e coproduzem conteúdos de animação pudessem assistir pilotos, promos e curtas que podem tornar-se séries ou serem adquiridos por esses profissionais. Esse é um formato muito comum no exterior e o chamamos de Anima Screenings. Tivemos que selecionar 36 entre 110 projetos, dos quais 46 se inscreveram especificamente para o Anima Screenings. Uma tarefa nada fácil. Outra iniciativa criada dentro do Anima Business buscou criar um espaço de encontro e conversa entre esses executivos e alguns produtores experientes convidados. A
ideia foi aproximarmos ainda mais esses profissionais e entender como podemos fazer com que mais séries, curtas e longas brasileiros entrem nesses canais e plataformas. Apesar de ter sido a primeira edição desse encontro, pudemos contar com executivos do Arte1, Canal Brasil, Cartoon Network, Curta!, Elo audiovisual, Gloob, Nickelodeon e TV Brasil, comprovando o novo momento da animação brasileira. Acreditamos que além dessas iniciativas deveríamos cultivar uma prática existente em nosso mercado, embora tão rara em outros setores: o legítimo desejo de compartilhar experiências e conhecimento de animadores
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Outras Atrações
Anima Business
Luciana Eguti (Birdo), Rodrigo Gava (Gava), e Zé Brandão (Copa Studio), que gentilmente colaboraram conversando com 16 produtores/autores de projetos de animação.
e produtores de estúdios e produtoras de na bimação brasileira. E foi o que fizemos através do Anima Coaching, espaço onde produtores mais experientes oferecem suas percepções e comentários para projetos que desejam receber essas contribuições. Os coaches deste ano possuem uma valiosa bagagem adquirida com a produção de diversas temporadas de séries, longas e projetos de animação. Foram eles: André Breitman (2DLab),
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O Anima Mundi sempre foi o grande evento defensor dos curtas de animação. Curtas que são fundamentais para a experimentação de técnicas, expressão autoral livre, desenvolvimento profissional e berço de animadores e projetos que crescem e sonham em conquistar o mercado nacional e internacional de animação. Agora também deseja ser o evento dos negócios e ponto de encontro profissional desses projetos de animadores e produtores que levarão a animação brasileira a patamares ainda mais promissores!
Animação Sobe ao Palco RIO DE JANEIRO 13/07 #BIQUINI CAVADÃO #VIDEOCLIPES #MUSICA E TECNOLOGIA
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Outras Atrações
Animação Sobe ao Palco Para comemorar os 30 anos, os integrantes da banda chamaram Marcelo Siqueira para criar um show que pudesse ter uma comunicação visual com o público. Foi filmado e lançado em DVD como pontapé inicial da turnê de celebração. Decidiram criar 30 vídeos, um para cada música do show, o que resultou em 110 minutos de imagens. “Com cada música,
“Insistimos em tecnologia porque acreditamos ser a melhor forma para se comunicar com um público cada vez maior.” Carlos Coelho, guitarrista, e Marcelo Siqueira, diretor do projeto do DVD Me Leve Sem Destino, subiram ao palco para contar como desenvolveram a celebração de 30 anos de carreira do Biquini Cavadão. “Nós começamos em 85 e sempre fomos muito ligados em tecnologia. Fomos os primeiros a ter site, usar email, transmitimos uma gravação de um CD inteiro em formato de relato antes dos blogs viralizarem. Em 2013, lançamos um CD em um dispositivo chamado NEO que transformava 12 faixas em seis videoclipes e 46 faixas extras.” 104
podíamos brincar com técnicas, cores e desenhos de luz que causassem impacto e marcassem o público. Fizemos uma lista de técnicas que poderiam ser exploradas: dança, pantomímico, computação gráfica, animação 2D, 3D, atores em cenários, atores em cromaqui, composição de imagens, fotografia... O que podíamos lançar mão para tornar cada música bem diferente da outra”. Marcelo explica que o projeto foi bancado pela banda como estratégia de garantir
visibilidade e longevidade. Portanto, a produção e o orçamento foram definidos a partir dos sucessos de público. “Tínhamos que investir criaitividade e dinheiro nas músicas que são mais populares, enquanto as inéditas receberam menos investimento. O show aparenta ser o produto principal, mas não é, é a banda. O show tem que contar uma história. Pensamos: ‘a gente tem aqui uma possibilidade enorme de produzir 30 peças diferentes. Como é que a gente explora
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Outras Atrações isso pra todos os lados de maneira a aumentar a gama de fãs e também alimentar o fã atual que vai ao show e sairá altamente impactado?’”. As inovações não param por aí. O DVD é pensado na estratégia On Demand, e está em todas as plataformas. A estratégia foi lançar o DVD, entrar no Itunes em seguida, e subir os clipes aos poucos no canal do Youtube. Segundo eles, é um plano de cauda longa, com monetização dentro das plataformas, cada uma com seu formato. Além disso, perceberam no meio do
percurso que a quantidade de material produzido para os vídeos era valioso demais para ser mantido guardado. “Tínhamos muito material, como máscaras de vídeo, por exemplo, para projeção. Nesse ponto, extrapola o ponto econômico e resolvemos colocar isso disponível para que os VJs possam fazer o download e usar livremente. Fizemos campanha dentro do vídeo dizendo: use à vontade. Se quiser utilizar a hashtag da turnê, isso nos ajudará a mapear os usos, mas fique à vontade”.
Outras Atrações
Demonstrações e Programas O Animaforum 2015 criou uma sessão especial que será realizada em todas as próximas edições do festival. As Demonstrações do Animaforum visam a aproximar estudantes e profissionais de animação ao mercado. Através de apresentacões, gratuitas e abertas ao público, de empresas que atuam no setor, como, por exemplo, desenvolvedoras dos softwares, hardwares e ferramentas mais atuais, desejamos estabelecer um lugar aberto para o diálogo direto com o consumidor. 106
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Outras Atrações
Demonstrações e Programas TV PAINT
AUTODESK
Programa desenvolvido na França que permite criar uma animação 2D desde a primeira até a última etapa, utilizando a tecnologia bitmap. Em sua demonstração, Patrick Adam e Leo Fernandez mostraram as ferramentas principais do software:
Líder em desenvolvimento de softwares de modelagem 3D, engenharia e de entretenimento, a Autodesk apresentou os novos atributos das versões atuais de dois softwares de modelagem e animação tridimensional.
3DSTUDIOMAX TVPAINT ANIMATION PROFESSIONAL • t ecnologia GPU que permite velocidade • linha do tempo simplificada, com mesa de luz e pré-visualização •o bjetos referenciados que protegem arquivos originais • criação de pincéis próprios para desenho, com modulagem e efeitos •M CG max creation graph: permite criar novas ferramentas • sonorização e sincronicidade labial quadro a quadro • r enderização na nuvem de imagens não animadas • técnicas de coloração usando scribble • possibilidade de criar animática e storyboard • edição de movimentos de câmera • grade de deformação que permite fazer rig dos personagens 108
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Outras Atrações
Demonstrações e Programas
POND5 Um banco de recursos criativos multimídia. Um site que conecta produtores e consumidores de arquivos de vídeo, áudio (trilhas e efeitos sonoros), imagens (fotos e ilustrações), modelos 3D e motion graphics.
•p rojeto domínio público com 4 milhões de vídeos royalty free MAYA •u suários: 400 mil compradores e 40 mil artistas • scripts abertos para baixar e instalar • c arro chefe de vendas são vídeo HD e modelos 3D • mudança de interface seguindo a tendência ‘surface’ • melhorias para personagens: slots paralelos e correção de skin • ganho de performance com multiparalelismo entre máquina e GPU
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Créditos DIREÇÃO Aida Queiroz Cesar Coelho Léa Zagury Marcos Magalhães
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO E COORDENAÇÃO EDITORIAL Tainá Vital
PRODUÇÃO EXECUTIVA Fernanda Martins
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO Clara Medeiros Susana Amaral
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO Iara Carnauba
COORDENAÇÃO ANIMA BUSINESS Reynaldo Marchesini
PRODUÇÃO DE PEÇAS GRÁFICAS Bárbara Arraes
RECEPTIVO Erica Sarmet Julia Saldanha Ana Paula Tavares
PROJETO GRÁFICO DO ANIMA MUNDI 2015 Dupla Design
EDIÇÃO DE TEXTOS E REDAÇÃO Marina Nicolaiewsky
ILUSTRAÇÃO Cordell Barker
REVISÃO DO RELATÓRIO Camila De’Carli PROJETO GRÁFICO DO RELATÓRIO ANIMA FORUM 2015 Pantalones / Ricardo Souza FOTOGRAFIA I Hate Flash
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NESTE RELATÓRIO FORAM UTILIZADAS AS FONTES: GRUEBER KLAVIKA NOTO SERIF
REALIZAÇÃO
OFERECIMENTO
PARCERIA
REALIZAÇÃO