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Mobilizar o cluster do calçado através da economia circular e a indústria 4.0
Um consórcio de 23 empresas nacionais ligadas ao setor do calçado quer mobilizar o setor e contribuir para inovar ao nível do design e produtos, materiais e componentes, bens de equipamento e processos, modelos de negócio, economia digital e desenvolvimento sustentável e responsável.
Texto: Raquel Pires Fotografia: direitos reservados
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ó nos primeiros sete meses do ano as empresas portuguesas de calçado exportaram quase 50 milhões de pares de sapatos. É dos mercados extracomunitários que vêm as boas notícias: as vendas para os Estados Unidos crescem 17,6%, para 47,2 milhões de euros, e aumentam 45% para a China, que comprou, neste ano, mais de 17 milhões de euros em calçado português. S
É um setor estratégico para Portugal que mobiliza 278 empresas, 14 mil postos de trabalho e um volume de negócios anual de 1100 milhões de euros. Para se manter competitivo, o cluster tem que apostar na criatividade, dominar todo o processo de produção e o ciclo de vida do produto, adicionando valor em cada fase e abraçando os desafios, tendências e oportunidades sociais, de mercado, tecnológicas, a indústria 4.0 e a economia circular.
É neste contexto que surge o FAMEST – Footwear, Advanced Materials, Equipments and Software Technologies – um projeto promovido por um consórcio de 23 empresas nacionais com o objetivo de impulsionar o cluster do calçado e da moda e que abrange investigação em todo o processo de produção e ciclo de vida do produto. A Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) integra o FAMEST GREEN (uma das seis áreas em que se divide o projeto), especialmente direcionado para a reciclagem e valorização dos resíduos gerados pelo processo produtivo e consumo.
Sabia que...
O FAMEST é promovido por um consórcio de 23 empresas de toda a cadeia de valor do calçado: couros, palmilhas, solas, produtos químicos, software, equipamentos, logística e calçado, representativas e líderes nos seus setores, e nove entidades de I&DT com competências multidisciplinares que asseguram o desenvolvimento de resultados inovadores e a sua valorização económica pelos promotores nos mercados nacional e internacional.
Maiores clientes
A França mantém-se como o grande comprador de calçado made in Portugal com 9,7 milhões de pares no total de 236 milhões de euros? Alemanha e Países Baixos surgem em segundo e terceiro lugar no ranking, com compras de 197 milhões e de 160 milhões de euros cada. Mas, em quantidade, são os nossos vizinhos espanhóis que mais compram: 10,3 milhões de pares, mas pelos quais pagaram apenas 94,8 milhões de euros.
“Na indústria europeia de calçado estima-se a produção de cerca de 100 a 200 mil toneladas de resíduos de couro por ano, o que representa um custo na ordem dos 4 a 10 milhões de euros”, adverte Carlos Fonseca do Departamento de Engenharia Metalúrgica e Materiais e responsável pelo projeto na FEUP.
Mas há ainda outros resíduos de materiais poliméricos e compósitos aplicados em solas e palmilhas resultantes da união de espumas e têxteis que é preciso ter em conta, além do problema da gestão do calçado no fim do seu ciclo de vida. Para os investigadores da Faculdade de Engenharia é fundamental encontrar uma alternativa mais sustentável e assente na reciclagem para fabrico de novos materiais, em vez de se continuar a depositar a generalidade dos resíduos em aterros, desperdiçando o seu conteúdo material e energético.
Com um financiamento de 6 milhões de euros, o FAMEST GREEN está à procura de soluções que reduzam o consumo de matéria-prima na indústria do calçado. Para os investigadores uma das prioridades é a valorização de resíduos de couro através da produção de compósitos couro/borracha, já que isso poderá significar a transformação de um excedente de produção num produto com valor acrescentado, além de um vasto conjunto de interesses sociais e ambientais. Esta atividade conta com a colaboração da empresa Atlanta - Componentes para Calçado, Lda.
Outro dos objetivos do projeto é a valorização dos polímeros resultantes de resíduos e excedentes da produção de calçado, nomeadamente do EVA (acetato-vinilo de etileno) e poliuretano termoplástico. A equipa da FEUP, em estreita colaboração com investigadores do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) e com a empresa Faprel, Lda, estão a trabalhar no sentido de desenvolver estratégias de ligação eficaz entre estes e os componentes do betão, de modo a obter compósitos com boas propriedades mecânicas.
A incorporação de resíduos poliméricos ou outros em betão tem sido, aliás, uma técnica frequentemente usada para dar propriedades específicas ao betão (por exemplo, baixa densidade ou resistência a vibrações melhorada), ao mesmo tempo que valoriza resíduos de materiais tão diversos como os excedentes na produção do calçado (por exemplo, EVA e poliuretano). “A incorporação de polímeros tem sido bastante estudada, dados os problemas ambientais que levantam, tendo-se verificado que a densidade do betão diminui com o aumento da percentagem de polímero adicionado, dando origem a um betão leve e com menor condutividade térmica, embora com inferiores propriedades mecânicas”, explica o investigador da FEUP.
O projeto FAMEST acaba por preconizar uma tentativa de modernização do setor, sendo para isso fundamental que nesta fase se considere toda a cadeia de valor do calçado e os aspetos ambientais, desde a seleção das matérias-primas (passando pelo fabrico, a embalagem, o transporte e distribuição, a utilização e manutenção) até ao fim de vida do produto.
Certo é que para garantir a competitividade internacional do cluster do calçado, a aposta terá de forçosamente incidir na qualidade dos produtos de modo a que se tornem competitivos e superiores aos da concorrência.
famest.ctcp.pt