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Entrevista a Luís Valente de Oliveira: “À frente de tudo está a capacidade para aprender a aprender

À frente de tudo está a capacidade para aprender a aprender

Entrevista: Joana Guedes Pinto Fotografia: Susana Neves

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Luís Valente de Oliveira é a primeira personalidade a receber o Prémio Carreira da FEUP. É o reconhecimento pela “excecional, brilhante e polifacetada carreira dentro e fora da FEUP, como educador, como técnico, como político e como gestor”. Com uma vida dedicada à causa pública, assumiu responsabilidades políticas por diversas vezes e foi sempre uma personalidade carismática pelas organizações onde passou e nos convites que ainda hoje aceita. Continua muito ativo e empenhado em ter uma vida “física e mentalmente saudável”.

Licenciou-se em 1961 em Engenharia Civil na FEUP. Porquê Engenharia? Eu sempre gostei de construções e de projetos. Desde jovem acompanhava sempre com interesse o que se passava nos grandes estaleiros de obras públicas. A escolha pela Engenharia Civil foi natural e não surpreendeu nem a família nem os amigos.

Estudou nas antigas instalações da Rua dos Bragas, mas esteve ligado, na sua génese, à idealização das novas instalações no Campus da Asprela. Que memórias guarda da transição do antigo edifício para este, em 2000? Foi o Professor Armando Campos e Matos, ao tempo Diretor da Faculdade de Engenharia, que me incumbiu de elaborar o programa para fornecer aos arquitetos (que iriam encarregar-se do projeto das novas instalações). Ouvi todos os professores da Faculdade. Uns queriam mudar e outros não, como sucede correntemente, nessas circunstâncias. Por isso, em colaboração com o Professor Barbosa de Abreu foi preconizada a organização dos espaços ao longo de um eixo, recomendando-se que se desse prioridade à construção dos departamentos que estavam em situação de maior aperto. Foram os fundos comunitários que permitiram lançar a obra toda de uma vez. Os arquitetos propuseram – e muito bem – desdobrar o eixo em dois com alguns espaços verdes entre eles. Os edifícios da Faculdade de Engenharia, na época em que foram construídos, representaram o maior empreendimento em construção na Europa, no setor do Ensino Superior. Mas eu já não vim para as novas instalações. Aposentei-me

Os edifícios da Faculdade de Engenharia, na época em que foram construídos, representaram o maior empreendimento em construção na Europa, no setor do Ensino Superior

antes da grande operação de transferência, capitaneada pelo Professor Marques dos Santos, então Diretor da Faculdade.

Depois de um período de recessão económica em Portugal, em que o setor da construção foi um dos que mais sofreu, que leitura faz do atual estado de investimento nas obras públicas? A crise repercutiu-se sobre as empresas de todos os tamanhos. Só sobraram algumas grandes e muitas pequenas. As que tinham capacidade para isso, foram para fora e afirmaram a sua competência em muitas partes do mundo. Para algumas pequenas e médias empresas foi uma catástrofe. Estamos agora a emergir com umas tantas valências novas, como é o setor da reabilitação da construção, responsável pela criação de algum emprego e pela especialização de novas empresas. Ajudaria muito se se dispusesse de um programa de médio-longo prazo, enunciando os principais empreendimentos que os poderes públicos entendem ser possível lançar.

Durante muitos anos dedicou-se ao Ensino Superior. Que conselhos dava aos estudantes na altura? O que era para si um bom aluno? Havia, nesse tempo, sessões com os estudantes, na ocasião em que eles escolhiam a especialidade que queriam seguir, para os elucidar acerca do que poderiam encontrar em cada uma delas. Eu sempre lhes recomendei que optassem pela que mais gostassem, porque se faz sempre melhor aquilo de que se gosta e porque a vida se encarrega de levar cada um para caminhos insuspeitados. É preciso aprender a pensar bem, a apresentar bem o trabalho que se faz e a ser muito exigente consigo próprio e com aqueles por quem se é responsável. O espaço em que hoje concorremos é cada vez mais amplo. Por isso, a capacidade profissional de cada um contará cada vez mais.

Na sua opinião, quais são os principais desafios da profissão de engenheiro? À frente de tudo está a capacidade para aprender a aprender. Por isso sublinhei a importância de saber pensar. O que qualquer profissional do nosso tempo pode ter a certeza é que, dentro de uma década, terá de exercer a profissão de modo muito diferente daquele como o faz hoje. Por isso, terá de aprender continuamente, sozinho ou voltando à escola de vez em quando.

Assumiu o Ministério da Educação e Investigação Cientifica em 1978-79, no Portugal pós-25 de Abril. Como surgiu este convite? E que memórias guarda desse tempo? Foi o Primeiro-Ministro, Professor Mota Pinto, que me convidou. Eu não o conhecia antes disso, mas ele soube convencer-me de que todos devemos responder positivamente quando somos solicitados para o desempenho de funções públicas, por muito ásperas que elas sejam. Tenho escritas, noutro lado, as minhas memórias desse tempo. Não é possível resumi-las aqui. Só posso dizer que elas não foram traumatizantes. Pelo contrário! Até se revelaram muito estimulantes.

Acabou por assumir a pasta do Planeamento e Administração do Território em 1985-95 e foi Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação entre 2002-03. Podemos dizer que esteve sempre ligado à causa pública: é um legado de que se orgulha? Quando acabei o curso de Engenharia Civil, em 1961, tive a possibilidade de escolher entre cinco ou seis lugares, alguns deles com boa remuneração no setor privado. Escolhi a Faculdade que, em termos materiais era o pior, mas era aquele que abria uma carreira mais estimulante. Foi, por isso, que fui para o setor público. Os lugares ministeriais que ocupei vieram na decorrência dessa opção inicial. Guardo do tempo em que tive a honra de servir o País, uma boa recordação. Não fiz mais do que a minha obrigação, mas sinto-me largamente gratificado.

Continua a ter uma vida profissional muito ativa. O que é que ainda gostava de fazer? Gostava de me manter ativo até ao fim. Não posso dizer que tenha hoje uma vida profissional intensa. Trata-se antes, de uma ocupação muito variada que me preenche todo o tempo disponível, dando-me a ilusão de que ainda posso ser útil. E isso é importanAS NOSSAS PESSOAS

Nascido a 29 de agosto de 1937, em São João da Madeira, Luís Valente de Oliveira licenciou-se em Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia, onde se Doutorou e construiu uma carreira como Docente (Catedrático desde 1980) especializado em Planeamento dos Transportes, do Território e do Desenvolvimento Regional. O percurso académico não se limitou a Portugal Continental, uma vez que se diplomou em Planeamento Regional no Instituto de Estudos Sociais de Haia, na Holanda (1969) e alcançou o grau de Master of Science em Transportes pelo Imperial College de Londres (1971).

Luís Valente de Oliveira possui um vasto e notável currículo de participação cívica em diversas instituições de interesse público nacional, tendo-se notabilizado enquanto Ministro da Educação e Investigação Científica (1978-79), Ministro do Planeamento e Administração do Território (1985-95) e Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação (2002-03). Entre 1979 e 1985 assumiu ainda a Presidência da Comissão de Coordenação da Região do Norte (CCDRN).

Sobre o Prémio Carreira: A Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) lançou, no passado dia 29 de setembro, a 1.ª Edição do Prémio Carreira FEUP, iniciativa que nasce para reconhecer a excelência e simbolizar o orgulho sentido pela instituição na carreira dos seus diplomados.

Atribuído anualmente, este galardão destina-se a diplomados da Faculdade de Engenharia que se tenham distinguido ao longo da sua carreira, que constituam uma referência profissional para os seus pares e para a comunidade, e que tenham contribuído para a consolidação da imagem da FEUP enquanto escola de referência na área da Engenharia.

Na tomada de decisão final vão pesar uma série de critérios devidamente fundamentados, tais como a capacidade de inovação e de empreendedorismo, o contributo para o desenvolvimento da sociedade numa área específica e ainda o desenvolvimento de atividades de promoção e divulgação da FEUP em todo o percurso académico e profissional.

Outros prémios: 1980 Grã-Cruz da Ordem do Infante 1987 Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul, no Brasil 2002 Grã-Cruz da Ordem da Honra na Grécia 2004 Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo 2004 Medalha de Honra, grau de Ouro, pela Câmara Municipal do Porto 2008 Chevalier de la Légion d’Honneur, em França 2012 Medalha de Mérito da Universidade do Porto 2013 Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Trás- -os-Montes e Alto Douro 2013 Nomeação de chanceler das Ordens de Mérito Civil pelo Presidente da República Portuguesa 2017 Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.

te para levar uma vida física e mentalmente saudável. Ainda gostaria de escrever mais qualquer coisa, mas fazê-lo de forma entremeada com atividades que me levem a interagir com outras pessoas e a participar em iniciativas que eu sinta serem úteis.

Foi distinguido inúmeras vezes ao longo da sua vida e da sua carreira. O que significa, para si ter recebido o 1º Prémio Carreira da FEUP? O Prémio Carreira da FEUP é, para mim, uma distinção muito especial. A Escola onde fui aluno e Professor designou um júri que me escolheu, seguramente entre muitos outros candidatos de maior mérito, porque a Casa soube sempre gerá-los em quantidade. Trata-se de uma conjugação da generosidade dos membros do júri com a sorte que, manifestamente, me bafejou. O resultado, para mim é muito desvanecedor e, por isso, estou muito reconhecido a todos os que intervieram no processo, a começar pelo Diretor da Faculdade que soube promover esta homenagem com uma elegância enorme, tornando patente a sua grande capacidade para ocupar o lugar que ocupa.

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