TANKA de Sergio Toppi

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á estava na hora. Depois de trazer Sergio Toppi de volta ao Brasil com a série Sharaz-De: contos de As mil e uma noites e apresentar o artista para todo um novo público, chegou o momento de lançar uma nova obra do gênio italiano das HQs: Tanka. Toppi focou sua longa carreira em ilustrar e escrever histórias inspiradas nas culturas dos mais variados povos, como uma homenagem à diversidade humana feita com penas e pincéis. Profundo admirador da cultura japonesa, em Tanka ele nos apresenta quatro narrativas que retratam toda a mística do povo do sol nascente. Tanka significa “poema curto”, e é um estilo de poesia criado por volta do século VII; foi um precursor do haikai. Inspirado em um poema da princesa Shikibo, que viveu no século X e foi uma reconhecida poetisa, Sergio Toppi compôs a HQ que abre nossa edição e conta a história da educação sentimental de um ronin (um samurai sem mestre) que compreenderá que, para seduzir, há outras oferendas além de uma cabeça cortada. Participe da nossa campanha de financiamento/pré-venda de Tanka e coloque seu nome em mais uma obra-prima de Segio Toppi.


PREVIEW/ TANKA

No templo em ruínas, as vigas rangem docemente. A princesa Shikibo está sentada, imóvel, em trapos. Ela fica de olhos fechados. Não quer ver. Suas pálpebras estão fechadas há muito tempo.


UM FARFALHAR LEVE. CHOVE. A PRINCESA OUVE O DOCE BARULHO E ELA SE LEMBRA. ELA SE LEMBRA DO TEMPO LONGÍNQUO EM QUE VESTIA ROUPAS PRECIOSAS, QUANDO OS JARDINS EXALAVAM PERFUMES FELIZES SOB A CHUVA… ELA SE LEMBRA.

ELA SE LEMBRA DOS VERSOS QUE NASCIAM DE SEU PINCEL NAS NOITES DE VERÃO. CONTAM QUE UM HOMEM, À ESPERA DE UM DE SEUS POEMAS, TERIA DEIXADO A ESPUMA DA PRAIA COBRI-LO COMO SE ELE FOSSE UMA VELHA ROCHA PACIENTE…


A PRINCESA APERTA AS PÁLPEBRAS. A ESCURIDÃO É A PAZ E A CIÊNCIA. A LUZ TRAZ NELA A LEMBRANÇA DO DESASTRE… DA GUERRA E DAS HORRÍVEIS MÁSCARAS DO INIMIGO…

… O MASSACRE DE TODOS OS SEUS COMPANHEIROS, SEU PALÁCIO QUEIMADO E AS MÃOS DURAS DOS VENCEDORES SOBRE SUA PELE DELICADA… NÃO. ELA NÃO VOLTARIA A ABRIR OS OLHOS. CERTAMENTE NÃO VOLTARIA A ABRI-LOS NUNCA MAIS.


A CHUVA PAROU DE CAIR, E ALGUÉM PAROU PERTO DELA.

ESCUTE, GRACIOSA DAMA, EU lhe VIA PASSAR ENROLADA EM SEDA SOBRE O sEU CAVALO NOS TEMPOS FELIZES. VOCÊ NÃO ME VIA. VOCÊ NÃO OLHOU PARA MIM, ASSIM COMO VOCÊ NÃO OLHA PARA UMA FOLHA DE GRAMA ENTRE MIL OU PARA UM RONIN QUE TEM APENAS A SUA ESPADA. DESDE ENTÃO, SONHEI COM VOCÊ, lhE BUSQUEI E lhE REENCONTREI TODA EM FARRAPOS. PARA MIM NADA MUDOU PORQUE EU a VEJO. VIM PARA QUE VOCÊ ABRA NOVAMENTE TEUS OLHOS PARA A LUZ E PARA A VIDA.

O QUE VOCÊ VEIO BUSCAR? QUEM QUER QUE SEJA, VÁ EMBORA! NÃO QUERO MAIS VÊ-LO.

NÃO OUVIU O QUE EU TE DISSE? MEUS OLHOS PERMANECERÃO FECHADOS. VÁ EMBORA.

SIM, FAREI ISSO AGORA. MAS VOLTAREI COM ALGO QUE TALVEZ VOCÊ QUEIRA OLHAR…


MAEZAMON TOZAMA ERA UM GRANDE E PODEROSO GUERREIRO. ELE ANIQUILAVA UM INIMIGO APÓS O OUTRO E QUEIMAVA SEUS PALÁCIOS, MATAVA SEUS FILHOS. SUA ARMADURA ERA FEITA DO MELHOR METAL E DA MAIS BELA SEDA. SEU SABRE NÃO PERDOAVA. ELE NÃO DEVERIA TER ACEITADO O DESAFIO DE UM RONIN MEDÍOCRE, POIS AGORA NÃO PASSA DE UM FANTOCHE SEM VIDA, E SUA CABEÇA PENDE SOB O PUNHO DESSE MISERÁVEL RONIN. GOTAS VERMELHAS MARCAM SEU CAMINHO ENTRE A POEIRA.


EU ESTOU DE VOLTA, NOBRE DAMA, COM O QUE TE PROMETI. O GOSTO DA VINGANÇA É DOCE DEMAIS PARA QUEM SOFREU BASTANTE. OLHE O QUE TE TROUXE…

POR QUE NÃO ME OUVE? NÃO QUERO VER NADA, NEM NINGUÉM!

NÃO! VI SANGUE DEMAIS… AGORA, ATÉ MESMO O SABOR DA VINGANÇA ME DÁ NOJO…

A CABEÇA DE TOZAMA, O HOMEM QUE MATOU TEU PAI, QUEIMOU TEU PALÁCIO, DESTRUIU TUA FELICIDADE. OLHE, NOBRE DAMA!

NÃO TE DEIXAREI ASSIM FECHADA NA NOITE DA ABNEGAÇÃO. ABAIXO DA TERRA, HÁ TESOUROS DOS ANCESTRAIS, GUARDADOS PELOS HANIWA DE ROSTO DE PEDRA. ATÉ OS DEUSES FICARIAM LOUCOS POR UMA ÍNFIMA PARTE DESSAS RIQUEZAS. VOU TE TRAZER UMA JARRA CHEIA, ENTÃO TALVEZ TEUS OLHOS VÃO QUERER SE ABRIR.


HANIWA, ME OUÇA! VOCÊS SÃO OS GUARDIÕES DOS TESOUROS DOS ANCESTRAIS… AGORA VOCÊS NÃO VÃO MAIS GUARDÁ-LO. VOU TOMÁ-LOS AGORA COM MINHA ESPADA!

CONTINUA


Sergio Toppi (Itália, 1932 - 2012) é um dos mais importantes nomes da tradição italiana dos quadrinhos.

Começou sua carreira nos anos 1950, ilustrando clássicos como A flecha negra, de Stevenson, e A volta ao mundo em 80 dias, de Júlio Verne, entre outros. A partir de 1962, passou a produzir histórias em quadrinhos, colaborando com a prestigiosa revista Corrieiri dei Piccoli, onde ilustrou a série Mago Zurli e muitos relatos históricos. Em 1974, iniciou a colaboração com o editor Sergio Bonelli, assinando três títulos da série Um homem, uma aventura. A partir daí, a obra de Toppi se internacionalizou, sendo suas histórias de faroeste as que mais se disseminaram. Era então o boom do movimento que renovou os quadrinhos italianos, e Toppi despontou na revista Linus com seu estilo já amadurecido, consagrado pelo prêmio Yellow Kid, do Festival de Lucca, na Itália, em 1975. Passou a publicar em títulos como Alter Alter, Sgt. Kirk e Corto Maltese. Sua produção de histórias em quadrinhos foi dominada por histórias curtas e sem protagonista definido, sendo O colecionista, mescla de caubói e dândi, seu único personagem recorrente. Em 1992, ganhou o prêmio Caran d’Ache de melhor ilustrador. Assíduo participante de festivais de quadrinhos mundo afora, Toppi esteve no Brasil em 2003 como convidado do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), em Belo Horizonte. Em 2016, após quarenta anos desaparecido das livrarias do país, a Figura publicou Sharaz-De: contos de As mil e uma noites (em dois volumes), sendo o primeiro deles ganhador de dois prêmios HQ Mix em 2017.


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