Revista Saúde São Paulo / Julho 2008

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ESPECIALIDADE | SAÚDE SÃO PAULO

Ciência a favor

dos atletas A medicina do esporte é uma grande aliada dos esportistas na prevenção, diagnóstico e tratamento de lesões.

E

m junho, Giba, atacante da seleção brasileira de vôlei, torceu o tornozelo dias antes da estréia do Brasil na Liga Mundial. Em março, o ginasta Diego Hypólito passou por uma artroscopia no joelho e ficou um mês longe dos treinamentos às vésperas de uma olimpíada. Isso sem falar nas famosas lesões que já deixaram fora dos gramados o craque Ronaldo.

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E é justamente quando isso acontece que entra em campo, quadra ou tatame uma equipe de profissionais capaz de ajudar os atletas a saírem dessa situação: os médicos especializados em medicina do esporte. E eles não auxiliam o atleta somente na recuperação de uma lesão, a preparação para um grande evento esportivo atualmente inclui médicos, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, entre outros especialistas. Criada na primeira metade do século 20, a medicina do esporte é um ramo voltado para os atletas profissionais, justamente porque diferencia a atividade física de alto rendimento daquela praticada nas academias de ginástica. No Brasil, ela surgiu em 1939, através de um decreto lei. Naquela época, o profissional era reconhecido como médico especializado em educação física. Aos poucos, esse cargo tornouse mais comum e na Copa de 58, na Suécia, a

seleção brasileira de futebol dispunha de um médico especialista na área. Em 1962, com o crescimento da área, foi criada a Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte, que hoje conta com 480 profissionais inscritos. Já o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) registra 39 profissionais que declaram a medicina do esporte como especialidade. “A principal função do médico do esporte se baseia num tripé, que é o diagnóstico, o tratamento e a prevenção de lesões”, diz Julio Nardeli, ortopedista do Laboratório do Movimento do Hospital das Clínicas de São Paulo. Segundo ele, como praticamente todo esportista de alto rendimento tem lesões, é baseado nisso que eles orientam um preparador físico a realizar um treinamento individualizado, de acordo com a lesão que o atleta tem. “Um esportista trabalha sempre no limite de seu corpo. Mas com isso é possível saber até onde pode chegar. Mas muitas vezes isso só ocorre depois que ele se machuca”, diz Nardeli, que também é médico da seleção feminina de vôlei e aponta o Brasil como um dos país mais desenvolvidos no assunto. “Muitas delegações de outros países vem ao centro da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) para acompanhar nosso trabalho de perto.”


Divulgação/ FIVB

Após uma torção no tornozelo, o atacante Giba ficou fora da Liga Mundial de vôlei

Divulgação/ COB

Já a cardiologista Luciana de Matos, do ambulatório de cardiologia do Esporte e Exercício do Instituto do Coração, lembra que não é somente para melhorar seu rendimento que o atleta busca um acompanhamento médico. “Depois da morte do jogador Serginho, do São Caetano, em 2004, muito começaram a procurar ajuda por conta própria.” De acordo com Luciana, como o risco da morte súbita em campo está em voga, a tendência de os atletas realizarem exames cardiológicos para saber se correm algum risco é cada vez maior. “Cerca de 90% das mortes súbitas no esporte poderiam ser evitadas. Através de uma avaliação completa é possível saber se o esportista tem alguma doença. O que mata não é o esforço físico, mas isso pode ser algum problema em caso de uma doença cardiológica grave”, garante. Eduardo de Rose, médico e fisiologista, responsável pelo controle de doping nos Jogos Pan-Americanos de 2007, também acredita que a medicina do esporte vem ajudando grandes atletas a superar seus limites e quebrar cada vez mais recordes. “O corpo

de hoje é o mesmo de ontem. O que há de novo é uma ciência do esporte muito melhor resolvida. A Medicina do Esporte conhece bem. Hoje a melhor maneira de orientar os treinadores profissionais, sem que o organismo do atleta tenha que pagar um alto preço por isso” Para se ter idéia do que ele está falando, hoje as técnicas de aperfeiçoamento dos fundamentos de uma modalidade (também conhecida como geste sportif ) são controladas por computadores. A inclusão da fisiologia no dia-a-dia dos atletas também contribui para melhorar seus treinos. E não é só o corpo que é preparado

Uma artroscopia no joelho quase tira o ginasta Diego Hypolito de Pequim 2008

para a vitória, a mente também. Tanto que dezenas de modalidades contam com psicólogos para orientar os atletas e prepará-los melhor para grandes competições. Além disso, ele cita a cineantropometria, que é a ciência que estuda as medidas do corpo humano. “Isso contribui para a seleção dos melhores competidores”, diz Rose. O especialista ainda cita o avanço nos equipamentos que os atletas usam e consequentemente ajudam numa melhora de desemprenho: “Até as vestes dos atletas foram aprimoradas, permitindo resultados melhores. Há pouco tempo, eram pouquíssimos os tênis para se praticar esporte. Hoje, para cada um dos desportos, existem vários modelos de calçados, que ainda mudam de acordo com o tipo de solo onde se darão os exercícios. Há peças sofisticadíssimas. Os capacetes dos ciclistas de velódromo, por exemplo, são desenvolvidos em túneis de vento, o que garante sua aerodinâmica perfeita. Entre os nadadores, o tecido de seus maiôs imita a pele do tubarão. No futebol, a roupa não assimila mais o suor do corpo. Quando fui médico do Grêmio, trocávamos as camisas dos atletas durante os jogos porque elas ficavam encharcadas, chegando a pesar 2 quilos. É claro que o jogador de hoje vai render muito mais do que rendia antes.” (Denilson Oliveira)

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EXAMES PERIÓDICOS | SAÚDE SÃO PAULO

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Pâmela Kometani

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s exames periódicos (check-up) e o acompanhamento médico vêm ganhando importância e a atenção da população. A preocupação com doenças assintomáticas, genéticas e também outras, como obesidade e aumento do colesterol, estão cada vez mais em destaque na discussão sobre medidas preventivas na saúde. Esse conjunto de exames, que se popularizou nos anos 50 e 60 devido à investigação médica a que se submetiam os astronautas americanos, tornou-se uma grande arma para a prevenção. A tecnologia disponível permite a detecção da origem, dos sintomas e de moléstias que poderiam aparecer no futuro. O check-up não pode ser considerado somente uma bateria de exames que devem ser realizados anualmente e sim um programa individualizado, respeitando a necessidade de cada pessoa. Porém, existem exames laboratoriais básicos que devem ser feitos: hemograma, eletrocardiograma, colesterol, diabetes, são exemplos. Alguns são específicos para as mulheres, como papanicolau e mamografia, e outros para os homens, como exame prostático e o PSA (antígeno específico prostático) no sangue, uma proteína indicativa de câncer. O check-up eficiente é aquele que atende as necessidades do paciente, levando em conta a análise de seu perfil (histórico de saúde, carga genética e hábitos alimentares). Antigamente, a população procurava o check-up mais tarde, com 40 a 45 anos. Agora, essa idade caiu para 30, segundo Magali Vicente Proença, diretora técnica do Conjunto Hospitalar do Mandaqui e especialista em geriatria.“As pessoas estão preocupadas com o envelhecer, por isso procuram o check-up mais cedo, para chegarem a essa fase com saúde”, diz. A lógica desse programa é detectar uma doença em seu estágio inicial quando ela ainda tem grandes chances de ser curada. A prevenção não deve começar com a chegada da fase adulta, ela deve ter início já na fase de concepção do bebê, até mesmo quando sua chegada está sendo programada. Para Sérgio Sarrubbo, diretor técnico do Hospital 14 | Julho de 2008


evenção: alvar vidas

Infantil Darcy Vargas, o ambiente familiar e o estilo de vida dos pais já podem influenciar o crescimento da criança. Além disso, o pré-natal também deve receber uma atenção maior. “O pré-natal já deve prevenir o aparecimento de doenças no parto e outras que possam comprometer a criança. O pediatra deve assistir e preparar a mãe para o acolhimento do bebê”, reforça Sarrubbo. A avaliação da árvore genealógica e o descobrimento de suas predisposições facilitam o diagnóstico, assim como os exames que são feitos após o nascimento, o exame do pezinho, o reflexo vermelho (combate o tumor no olho, através da análise da pupila) e o teste de aqüidade auditiva. Até os 12 anos o pediatra deve acompanhar a criança. Nos primeiros seis meses de vida, as idas ao consultório devem ser mensais. Do sétimo mês até os dois anos, trimestrais. E dos dois aos cinco anos, semestrais. Essa fase pede uma observação contínua para detectar possíveis alterações no crescimento através da idade óssea e da dosagem de hormônios. Também não podem ser esquecidas a imunização, a alimentação e a formação dos hábitos, que vão acompanhá-lo durante a vida toda. Mudanças de fase A passagem para a adolescência também exige cuidados especiais. Agora, as meninas devem ir à ginecologista e os meninos ao urologista para que o acompanhamento seja mantido. Para Cláudia Bortolleto, diretora da ginecologia do Centro de Referência de Saúde da Mulher, a ma-

nutenção da relação médico/paciente é muito importante. “O ginecologista é um médico que vai acompanhar a mulher durante a vida inteira, por isso esse vínculo é necessário, pois ele vai detectar os primeiros sinais ou sintomas no corpo dela e a encaminhará para outras especialidades quando necessário”, salienta a especialista. A ida ao consultório ginecológico já se tornou rotina para as mulheres, com a realização do exame papanicolau, da apalpação das mamas e da avaliação das queixas da paciente. “Os meninos também deveriam procurar o urologista desde o começo da atividade sexual, para desenvolver um vínculo com o médico”, diz Joaquim Almeida Claro, urologista do Hospital Brigadeiro. O homem também precisa se acostumar com as idas ao urologista para fazer o exame físico e, se necessário, outras avaliações. A partir dos 40 anos o check-up se apresenta como uma continuação da prevenção, pois o risco de enfermidades aumenta e isso exige um acompanhamento maior e mais amplo. Os progressos na área do check-up, com maior pre-

cisão dos resultados e exames menos invasivos, possibilitam o descobrimento de futuros cânceres, doenças crônicas e permitem seu tratamento no início. Todas as medidas de prevenção tomadas nas fases anteriores vão ajudar o paciente a chegar à melhor idade com boas condições. Nessa fase, a vigilância deve continuar com consultas periódicas ao geriatra, realização do check-up e de outros exames para avaliar sua condição clínica e prevenir doenças degenerativas. Além disso, a osteoporose, a dificuldade de visão e de memorizar são sintomas comuns nessa idade. “Cabe ao geriatra definir o que é doença e o que é sinal de envelhecimento, pois as células sofrem uma deterioração normal.” pontuou Magali. Os profissionais da saúde concordam que a prevenção é a chave para envelhecer bem e com saúde e que a relação de confiança entre médico e paciente é de extrema importância. “O acompanhamento e a conversa com o médico são fundamentais para a relação médico/paciente, isso ajuda na prevenção e no tratamento”, conclui Cláudia. Julho de 2008 | 15


DST |

SAÚDE SÃO PAULO

INIMIGO FEMININO Presença constante entre os casos de câncer de colo do útero, o HPV, quando descoberto precocemente, pode ser controlado de forma bastante simples

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Papiloma Vírus Humano (HPV), de transmissão freqüentemente sexual, está se disseminando de forma rápida e silenciosa entre as mulheres. De acordo com as estatísticas, 40% da população feminina pode estar infectada, com prevalência maior entre mulheres de 15 a 25 anos. Existem cerca de 150 subtipos do vírus, divididos em dois grupos (baixo e alto risco para câncer), sendo seus representantes mais agressivos e mais prevalentes os de números 16 e 18. No entanto, 99% dos casos de câncer de colo de útero, segundo câncer que mais mata mulheres no Brasil, têm sua origem em lesões causadas pelo papiloma. Mesmo quando não chega ao extremo do câncer, se não tratado, o HPV pode trazer transtornos à saúde e à sexualidade da mulher. É capaz de tornar o sexo doloroso e fazer com que surjam verrugas na vulva, dentro e ao redor da vagina, no ânus e na virilha. Segundo a ginecologista Maria Cristina Barcellos, a maior parte das infecções pelo HPV são limitadas “Em 80% dos casos as lesões produzidas pelo vírus regridem, mas podem voltar à manifestação”, explica. O Papiloma Vírus Humano, em geral, não apresenta sintomas. Esse é um fato de alta preocupação, na medida em que ele dificulta a detecção precoce. “Com a ajuda de exames ginecológicos e um controle rigoroso, mesmo quem contraiu os tipos mais perigosos pode prevenir danos maiores”, informa a médica. Quase sempre quem descobre o vírus é a mulher, no entanto, é importante abrir o jogo com o parceiro. Embora o vírus possa causar verrugas no pênis, no ânus e nos testículos, a maioria dos homens não apresenta sintomas. “Eu costumo dizer que a abordagem e o tratamento para o vírus deve ser orientada para o casal e não somente para a paciente”, lembra a especialista. Nas mulheres, os fatores não são apenas físicos, mas também psicológicos. “Ao descobrir a presença do vírus, as pacientes se sentem ‘agredidas’ pelo parceiro”, diz. No início do tratamento, em muitos casos, recomenda-se um acompanhamento psicológico. “Já vi casamentos se desfazendo após o diagnóstico positivo do vírus”, relata a médica. Mas, engana-se quem pensa que um dos

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pares infectados significa que o outro também esteja. É possível que apenas um desenvolva o vírus. Por isso, é fundamental a participação dos dois no tratamento das infecções. Segundo a médica, as mulheres que ainda morrem por câncer de colo do útero são as que não fazem exames de prevenção. “Elas só procuram o médico quando apresentam algum sintoma. Esse ainda é nosso maior problema”. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), no Brasil, para cada 100 mil mulheres, 20 apresentam casos positivos de câncer de colo do útero. Média muito alta se comparada a países desenvolvidos como a Finlândia onde a estimativa é de quatro para cada 100 mil mulheres. O desenvolvimento do HPV depende também das defesas da mulher. Hábitos como: evitar tabagismo, manter uma alimentação equilibrada, boas práticas de higiene, evitar parceiros múltiplos e usar preservativo podem fazer com que o vírus regrida e se torne assintomático. Do contrário, ele não encontra barreiras e chega a se manifestar de uma hora para outra. “A maioria dos problemas provocados pelo vírus pode ser evitada. Basta que todas as mulheres realizem uma revisão ginecológica anual”, explica a especialista. A principal recomendação dos médicos para evitar que uma eventual contaminação pelo HPV se transforme em câncer de útero é fazer o exame papanicolau uma vez por ano. O teste rastreia células alteradas coletadas no colo do útero, possibilitando o diagnóstico das lesões pré-cancerosas, antes que evoluam para tumores malignos. Quando o papanicolau apresenta resultados alterados, o ginecologista pode recorrer ao exame de colposcopia, que aumenta a visibilidade das lesões. Julia, de 37 anos,

entrou em pânico ao descobrir que tinha uma lesão grave no colo do útero, que poderia se transformar em câncer se não tratada. “Achei que fosse morrer”, declara. Há muito tempo sem fazer o exame preventivo sentiu que, se tivesse demorado mais, talvez não houvesse mais chances. Fez tratamento e para evitar uma reincidência do vírus parou de fumar. Depois de dois anos, não apresenta nenhuma suspeita de retorno da lesão. “Me sinto vitoriosa por ter uma nova chance e também porque deixei de fumar”, comemora.

cerca de 99% dos casos de câncer de colo do útero, o segundo que mais mata mulheres em nosso país, são causados pelo papiloma vírus humano Além disso, também se pode fazer biópsia - retirada de pequena amostra de tecido para exame – ou, ainda, captura híbrida, um exame mais moderno que consegue diagnosticar a presença do vírus mesmo antes do paciente ter qualquer tipo de sintoma. “A captura híbrida também é um método auxiliar na detecção, que será bastante útil no momento em que pudermos tratar o vírus ou mesmo vacinar as mulheres do grupo de risco”, explica a ginecologista Maria Cristina Barcellos. Pesquisa inédita Desde fevereiro, a Secretaria de Estado da Saúde, por intermédio do

Centro de Referência e Treinamento DST/Aids, está recrutando 400 homens saudáveis, da Grande São Paulo, entre 18 e 44 anos de idade, para pesquisa sobre o HPV. Trata-se de um projeto inédito no mundo, que inclui, além de São Paulo, Estados Unidos e México. O estudo, coordenado pelo Instituto Ludwig, tem objetivo de conhecer melhor o vírus e seus meios de atuação. Pretende-se contribuir para o avanço do conhecimento sobre a infecção e doenças dela decorrentes, possibilitando o desenvolvimento de programas eficientes de prevenção e redução dos tumores associados ao HPV, tanto em homens quanto em mulheres. Com o resultado da pesquisa será possível conhecer melhor o comportamento do vírus e assim criar estratégias de prevenção, como uma vacina anti-HPV em homens. Cerca de 600 voluntários já participam do estudo. Os participantes serão submetidos a dez consultas clínicas ao longo de quatro anos, incluindo exame físico e análise laboratorial para HPV, coleta de sangue para análises de anticorpos contra HPV e teste de DSTs. Os voluntários preencherão questionários para determinar fatores de risco sociais e comportamentais associados à infecção pelo HPV. “É um estudo importante, que apenas três países participam. O HPV em mulheres é muito estudado. Por isso agora queremos focar seus efeitos em homens”, afirma Maria Clara Gianna, diretora do CRT DST/Aids. (D.O.) Serviço: Os Interessados em participar podem obter informações adicionais pelo telefone (11) 5549-1967 ou pelo e-mail: estudohpv@ludwig.org.br.

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