ANO 4 | NÚMERO 8 | MARÇO DE 2008
Entrevista:
Marco Antônio Vitória Especialista na luta contra a aids
TecnologiA:
Divisão de bioengenharia do Dante Pazzanese
MELHOR IDADE |
SÃO PAULO SAÚDE
A menopausa e a andropausa são fases que tanto as mulheres quanto os homens precisam encarar com naturalidade
Patrícia Lopes
O
ndas de calor acompanhadas de sintomas debilitantes. Esse é o principal sinal da chegada da mal vista menopausa, um período da vida da mulher em que menstruação cessa e ela perde a fertilidade. A menopausa natural ocorre entre os 48 e 52 anos, mas fatores como estresse, depressão e a exposição a certos produtos tóxicos, como cigarros e álcool, podem antecipar sua chegada. Os desconfortos da menopausa, tanto físicos quanto psicológicos, são causados pelos esforços que o organismo faz para se adaptar às oscilações dos níveis hormonais que, muitas vezes, são fortemente acentuados pelo nosso estilo de vida. Sintomas vasomotores, conhecidos popularmente como “calores da menopausa”, são mais comuns na fase denominada climatério (veja box). As alterações hormonais e bioló18 | Saúde São Paulo | Março de 2008
gicas não são as principais mudanças para a mulher que entra nessa fase. Buscar compreender melhor o corpo com essas novas necessidades é a principal dificuldade da mulher do século 21, que encara a menopausa como um marco de seu envelhecimento. Em especial em culturas como a nossa, que valoriza a juventude.
O DESCONFORTO PODE SER MINIMIZADO SE A MULHER SE PREPARAR PARA A MENOPAUSA “Costumo falar para minhas pacientes que nós mulheres passamos a vida acumulando funções e essa fase é a oportunidade para pensar bastante em si mesma. Os filhos já não demandam tantos cuidados, o relacionamento com o parceiro está mais amadurecido e os projetos de trabalho podem ser mais elaborados”, explica Cláudia
Bortoletto, ginecologista do Hospital Pérola Biyngton. O desconforto pode ser minimizado se a mulher se preparar para a menopausa. Exercícios físicos, alimentação saudável e aumento da ingestão de água, são fundamentais. Manter a atividade intelectual, ter amigos, cultivar um relacionamento sexual e amoroso com seu parceiro, não embasar sua vida nos filhos (a famosa síndrome do ninho vazio), são fatores auxiliares de suma importância. Além disso, a menopausa também deve ser encarada de forma positiva. A cultura e a sociedade influenciam bastante nesta fase. Sabe-se que existem tribos na África em que a mulher que atinge a menopausa é cultuada devido a idade média de vida desses grupos ser muito inferior à nossa. Sendo assim, esse período da vida é visto como uma vitória, já que a maioria morre antes disso. Dentro dessas culturas, foi percebido que as mulheres praticamente não tem sintomas, pois associam a menopau-
sa à algo muito bom em suas vidas. O mesmo acontece nas sociedades orientais, em que o idoso é visto como fonte de sabedoria. Eles também sofrem Se para as mulheres conhecer e compreender a menopausa, por vezes, parece ser uma tarefa difícil, quando essa dúvida passa para os homens, ela fica próxima do impossível. Para quem não sabe eles também sofrem com a variação hormonal. A fase de menopausa masculina recebe o nome de andropausa. Segundo o médico, Miguel, Srougi , professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP, a andropausa ocorre nas faixa dos 50 anos e são muitos os sintomas relacionados: impotência sexual, ejaculação precoce, perda de memória, câncer na próstata, nervosismo, insônia, queda da libido (apetite sexual), perda de cabelo, diminuição da massa muscular, alterações no humor, doenças cardiovasculares e osteoporose. “Essa fase da vida masculina não é tão bem definida quanto na mulher. No caso delas, o cessar da menstruação demarca o término da vida fértil. Para os homens, a queda hormonal ocorre aos poucos. As mudanças podem ser vistas como parte do envelhecimento masculi-
no”, explica o médico. A diminuição nos índices de testosterona, que acontece gradativamente, seria o principal indicador da andropausa. Para os homens, diferentemente das mulheres, a cobrança quanto ao envelhecimento é menor. Mas os principais sintomas também causam incômodos. Segundo Srougi, o aumento da circunferência abdominal é bastante mencionado pelos homens nesta fase, mesmo os que se cuidam bastante não conseguem evitar totalmente esse sintoma.
DORMIR BEM É IMPORTANTE EM QUALQUER FASE DA VIDA, MAS DURANTE ESTE PERÍODO TORNA-SE PRIMORDIAL As recomendações para garantir uma vida saudável não são muito diferentes das já mencionadas para as mulheres. Garantir uma boa alimentação com uma dieta que restrinja o colesterol e o açúcar é muito importante. O homem nessa faixa etária deve comer alimentos com maior teor de sais e vitaminas como legumes, ver-
duras e frutas. “Al g u n s dados mostram que homens obesos perdem até seis anos de vida comparados aos não obesos. Para fumantes a perda média é ainda maior, chega a 11 anos”, explica. Existe outra medida que pode colaborar com a diminuição dos sintomas: dormir. O sono pode ser extremamente reparador e melhorar o raciocínio e a capacidade cognitiva do indivíduo. Dormir bem é importante em qualquer fase da vida, mas durante este período torna-se primordial. “Costumo brincar com meus pacientes que adotar alguns hábitos como caminhar bastante, beber vinho e parar de fumar, pode não evitar tudo, mas certamente possibilitará uma vida mais animada com a caminhada, mais feliz com o vinho e mais saudável sem o cigarro”, brinca Srougi.
Antes disso, o climatério Os nomes e siglas da vida hormonal feminina até já são bastante conhecidos, menarca, TPM, menopausa. Mas, o período denominado climatério é pouco difundido. Nessa fase, comumente confundida com a menopausa, é que começam a aparecer os principais sintomas
da variação hormonal nas mulheres. Durante esse período, as mulheres sentem os famosos calores exagerados, ressecamento vaginal, diminuição do colágeno da pele e da menstruação, sintomas urinários, osteoporose, entre outros, também podem acometer a mulher nesse período e a menstruação começa a diminuir. A menopausa, como conceito médico, é uma data. É a data da última menstruação da mulher. O diagnóstico de menopausa é sempre retrospectivo, pois é preciso ficar um ano sem menstruar para se confirmar que uma mulher encontra-se na menopausa. Antes dos 40 anos, ela é chamada de menopausa prematura ou precoce.
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MATÉRIA DE CAPA | SAÚDE SÃO PAULO
Ao completar 20 anos de criação, em 2008, o SUS con
gratuita para todos os brasileiros e expressiva mel RICARDO LIGUORI
V
ocê tem plano de saúde? Se respondeu não, cometeu um equívoco. No Brasil, todos possuem. Por aqui, a saúde é universal, direito de todos e dever do Estado, previsto na Constituição Federal de 1988. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) completa neste ano duas décadas de existência e pode ser considerado o maior plano público de saúde do mundo, com atendimento a 183 milhões de pessoas. Em qualquer lugar do país, mesmo os 30% de brasileiros que têm plano privado ou seguro de saúde podem utilizar o SUS. Por exemplo, um cidadão que sofrer um acidente automobilístico e necessitar de atendimento de emergência, certamente será levado pelo resgate para um hospital público. Já todos os portadores do vírus HIV recebem assistência do governo. O coquetel de medicamentos anti-retrovirais, usado para combater o avanço da doença, é entregue gratuitamente em todo o Brasil. Para se ter idéia, países como Inglaterra e Estados Unidos não possuem uma política de combate
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à aids assim. Nesses países, quem não tiver plano ou seguro de saúde, tem que pagar do próprio bolso os altíssimos custos desses remédios. “O SUS é um projeto social único entre os países em desenvolvimento, que assegura os princípios de universalidade, integralidade e equidade”, diz o atual ministro da Saúde, José Gomes Temporão, médico sanitarista que participou ativamente da criação e consolidação do sistema de saúde nacional. “Me sinto autorizado a afirmar que o SUS ocupa hoje um espaço importante na sociedade e na percepção dos direitos de cidadania. Atualmente, todos têm acesso garantido ao sistema público de saúde, de uma simples vacina a cirurgias cardíacas ou transplantes de órgãos”, ressalta. A criação do SUS foi resultado da Reforma Sanitária, movimento que surgiu no meio acadêmico no início da década de 70. Naquela época, a atuação do Ministério da Saúde se restringia a algumas atividades de promoção à saúde, vacinação e assistência para poucas doenças, já que o atendimento médico-hospitalar era garantido apenas aos contribuintes do Instituto Nacional de Assistência
ntabiliza números gigantescos na assistência médica
lhoria dos indicadores de saúde da população Médica da Previdência Social (Inamps), ligado ao Ministério da Previdência. Ou seja, só trabalhadores com carteira assinada tinham acesso aos serviços gratuitos de saúde. Em 1979, após a crise do financiamento da Previdência Social, que afetou também o Inamps, a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados promoveu o 1º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, com a participação de líderes da Reforma Sanitária. Ao longo dos anos 80, os serviços do Inamps passaram por transformações, com a universalização do atendimento, numa espécie de transição para o que viria a ser o SUS. Marco histórico No entanto, foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em 1986, o passo decisivo para a criação do SUS. Com participação aberta à sociedade, o evento auxiliou na propagação do movimento sanitarista e resultou na implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), por meio de convênio entre o Inamps e os governos estaduais. “Decretamos, na prática, o fim da carteirinha do Inamps”, lembra Otávio Mercadante, hoje diretor do Insti-
tuto Butantan, em São Paulo. O médico sanitarista, que também foi secretário-adjunto de Saúde do governo paulista na administração de Franco Montoro, recorda que os recursos do Inamps, que eram destinados ao setor privado, passaram a ser encaminhados às redes públicas municipais e estaduais de saúde. “A assistência à saúde passou a atender de forma universal, sem distinguir o cliente previdenciário do não previdenciário.” Foi na 8ª CNS que se formaram as bases da seção que trataria de saúde na Constituição Federal de 1988. Dois anos após a promulgação da Carta Magna, o Inamps foi incorporado pelo Ministério da Saúde. A Lei Orgânica da Saúde, de 19 de setembro de 1990, fundou oficialmente o SUS, complementada no mesmo ano por outra lei que estabeleceu o controle social, ou seja, a participação da população, na gestão dos serviços públicos de saúde. Ex-presidente do Inamps, o sanitarista Hésio Cordeiro liderou, juntamente com o também médico e então deputado federal Sérgio Arouca, o movimento sanitarista que culminou com a criação do SUS. Ele lembra que a realidade da saúde nacional na época “era pautada por excesso de internações e abuso da alta e média tecnolo-
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gia para tentar resolver os problemas de saúde, fraudes de Autorização de Internação Hospitalar”, além de desencontros de ações de prevenção e de saúde pública e as ações curativas, que não eram integradas ou coordenadas”. Vinte anos depois Passadas duas décadas, os números do SUS são impressionantes. Segundo dados do Ministério da Saúde, o sistema conta com 2,5 milhões de profissionais de saúde (o equivalente à população inteira de Fortaleza), dos quais 528 mil médicos. A rede
pública de saúde realiza anualmente 252 milhões de consultas básicas, 3 milhões de cirurgias, 345 milhões de exames, 2,3 bilhões de procedimentos ambulatoriais e 15 mil transplantes. A descentralização do atendimento, com participação ativa de Estados e municípios, é apontada como um dos grandes avanços na gestão do SUS. “Foi possível ampliar o acesso aos serviços de saúde e a alta complexidade, como transplantes, hemodiálise e neurocirurgia”, observa Hésio Cordeiro, atual diretor de gestão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “Considero como avanços a universalização do atendimento e o entendimento da saúde como um direito, além da descentralização da gestão. A vantagem é colocar em prática um sistema de saúde justo e democrático”, completa Otávio Mercadante.
Por outro lado, os mesmos protagonistas da criação de um sistema de saúde tão ousado e complexo quanto o SUS são unânimes em reconhecer os problemas e enormes desafios para o aperfeiçoamento da rede pública de saúde. “O SUS precisa qualificar a gestão, fortalecer o controle social e investir mais recursos. Para isso precisa de uma equação que lhe dê sustentabilidade econômicofinanceira. É neste desafio que estou trabalhando”, afirma o ministro Temporão. Cordeiro faz coro quanto à questão da necessidade de mais recursos para a saúde e enfatiza a necessidade da profissionalização dos serviços públicos. “É preciso estabelecer uma gestão de hospitais e sistemas de saúde com mais agilidade, baseada em contratos de gestão, com metas bem estabelecidas que possam ser acompanhadas pela sociedade”, diz o atual diretor da ANS.
O financiamento da Previ-
O que foi discutido na 8ª
dência Social entra em crise
CNS torna-se as bases da se-
e afeta o Inamps. A comissão
ção que trataria de saúde na
de saúde da Câmara dos De-
Constituição Federal de 1988,
putados realiza 1º Simpósio
promulgada em 5 de outu-
sobre Política Nacional de
bro de 1988.
Saúde, com a participação de
Realização da 8ª Conferên-
líderes da Reforma Sanitária.
cia Nacional de Saúde, que contou com a participação aberta da sociedade e criou o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), considerado o embrião do SUS.
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Indicadores que traduzem
um trabalho ‘invisível’
Para o cidadão comum saúde pode significar simplesmente a ausência de doenças, mas para os profissionais do setor público são os indicadores que traduzem a eficiência do trabalho invisível realizado pelo SUS em todo o Brasil. Taxas relevantes, como a mortalidade infantil (óbitos de crianças menores de um ano), apontam que a saúde pública nacional continua avançando, ano a ano. Dados do Ministério da Saúde revelam que, em 1996, por exemplo, ocorreram 33,22 mortes infantis por 100 mil nascidos vivos no Brasil. Em 2005, esse índice ficou em 21,1, o que representa uma queda de 36% na comparação entre os dois períodos.
No Estado de São Paulo a mortalidade infantil atingiu seu menor nível em 2006, com 13,28 óbitos de menores de um ano a cada 100 mil nascimentos. Mais de 200 cidades paulistas apresentaram taxa de apenas um dígito, comparável a países desenvolvidos da Europa. Além de reforço no saneamento básico, ações como melhoria da assistência às gestantes e aos recém-nascidos e vacinação em massa pelo SUS são os principais motivos para a redução das mortes de crianças menores de um ano em todo o Brasil. Outros indicadores mostram a eficiência desse trabalho silencioso, como é o caso dos óbitos por diarréias, que caíram de 21.088 em 1988, ano de criação
do SUS pela Constituição, para 5.564 em 2005. Já o premiado programa contra Aids, que serviu de modelo para a OMS (Organização Mundial de Saúde), garantiu a redução da mortalidade de brasileiros infectados pelo vírus HIV. Em 1996 houve 15.017 óbitos de pacientes com Aids, contra 11.100 em 2005. As ações de vigilância epidemiológica, controle de epidemias e vacinação gratuita realizadas pelo SUS também contribuíram para a erradicação de doenças como a paralisia infantil, cujo último caso data de 1989, e o controle do sarampo, rubéola, síndrome da rubéola congênita, tétano acidental, tétano neonatal e difteria, dentre outras.
O Inamps é incorporado pelo
Graças a melhora na assistên-
Ministério da Saúde. A Lei
cia à saúde, a taxa de morta-
Orgânica da Saúde, de 19 de
lidade infantil no Brasil chega
setembro de 1990, funda ofi-
a 21,1 para cada 100 mil nas-
cialmente o SUS. No mesmo
cidos vivos. Em 1996, esse ín-
ano, outra lei estabeleceu a
dice era de 33,22.
participação da população
O governo federal aprova
na gestão dos serviços públi-
uma legislação que garante
cos de saúde.
acesso universal ao tratamento gratuito com medicação anti-retroviral a todos os portadores do vírus HIV.
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ALCOOLISMO |
SÃO PAULO SAÚDE
ARTHUR CHIORAMITAL
S
exta-feira, fim do expediente. Você desliga o computador e se prepara para mais um final de semana. Arruma as coisas em cima da mesa e pensa, com certo desânimo, no trânsito que vai pegar na volta para casa. Uma agitação em volta denuncia que os planos para o happy hour seguem a todo vapor. Então, um colega lança a pergunta: “E aí, rola uma cerveja?”. Você pensa no congestionamento, no volume de trabalho da semana, no cansaço acumulado e nos dois dias de folga que
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estão por vir e aceita. Afinal, dois chopes não atrapalham ninguém. O problema é que as pessoas se empolgam e os dois chopes se transformam em dez. É aí que mora o perigo.
CERCA DE 60% dos casos de trauma no trânsito estão ligados ao álcool direta ou indiretamente O Código Nacional de Trânsito permite aos motoristas a ingestão de 0,6 gramas de álcool por litro de sangue. Isso equivale a, mais ou menos, duas latinhas de cerveja ou uma dose de destilado. Acima dessa concentração, o organismo perde agilidade, velocidade de resposta a estímulos externos, tem os reflexos bastante reduzidos e as noções de espaço e distância são prejudicadas. Esses elementos compõem o cenário perfeito para os acidentes envolvendo automóveis. Segundo levantamentos feitos pelo Instituto Médico Legal, em parceria com a Faculdade de Saú-
de Pública de São Paulo, só no ano de 2005, 1.339 pessoas morreram no trânsito paulista porque tinham bebido além da conta. “A substância é a principal droga encontrada no organismo de pessoas envolvidas em acidentes. Cerca de 60% dos casos de trauma no trânsito estão ligados ao álcool direta ou indiretamente”, afirma o diretor do prontosocorro de cirurgia do Hospital das Clínicas de São Paulo, Renato Poggetti. Não é só no Brasil que as coisas acontecem desse jeito. Um levantamento feito em 12 países pela Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que o custo médio dos danos de mortes traumáticas relacionadas ao álcool é de 46% dos orçamentos. Só para se ter idéia, um paciente vítima de trauma de média gravidade custa aos cofres do Hospital das Clínicas cerca de R$ 100 mil. Já para um de alta gravidade não se gasta menos de R$ 250 mil. Os prejuízos são enormes, isso se for levado em conta apenas o dano econômico. Quando os danos sociais e humanos passam a ser contabilizados as perdas são ainda maiores. Segundo o Sistema de Verificação de Óbitos do Ministério da Saúde, todos os anos morrem cerca de 150 mil pessoas vítimas de trauma. Um
terço, cerca de 50 mil, são vítimas de acidentes de trânsito. “O número de mortos no trânsito brasileiro já é contado aos milhares. Se pensarmos que a grande maioria desses casos são causados pelo consumo excessivo de álcool, esse quadro se torna ainda mais brutal. Para cada morto por trauma temos três seqüelados graves. Ou seja, todos os anos o trânsito de nosso país incapacita uma multidão”, diz o Dr. Poggetti. Mas fica a pergunta:“Todo mundo sabe que a combinação entre bebida e direção é perigosa. Por que nada é feito nesse sentido para diminuir esses números?”. Esse é um dos pontos mais discutidos entre os profissionais que lidam com a problemática do álcool. Sabe-se que o problema não é falta de informação uma vez que inúmeras campanhas de conscientização são veiculadas a todo instante. Segundo os especialistas, o que falta é uma política nacional de combate ao álcool. Nos moldes do que acontece com o cigarro. “Não existe política nacional para o álcool. As ações ficam mais difíceis porque não há esforço federal para estudar o problema. Atualmente as iniciativas são estaduais. A desarticulação fragiliza e dificulta o sucesso do que já é feito. É preciso criar uma política pública que legitime as ações e garanta uma estrutura que dê caráter global às iniciativas”, diz Luizemir Lago, diretora do Centro
de Referência para o Álcool Tabaco e Outras Drogas (Cratod). Só no ano de 2007, o órgão atendeu cerca de 100 pacientes com problemas relacionados ao álcool. Desses, cerca de 40% faziam uso também de outras substâncias como maconha e cocaína, o que potencializa ainda mais o risco de dano para eles e para os outros.
traumas e acidentes envolvendo o consumo de álcool se configura cada vez mais como uma questão de saúde pública Os especialistas são unânimes com relação à necessidade de um política nacional de combate ao álcool. “O problema não é falta de informação e sim falta de responsabilidade. É preciso criar leis que regulamentem melhor o consumo de álcool, como diminuição da tolerância aos níveis da substância no sangue ou a não obrigatoriedade de fazer o exame que mede a quantidade de bebida ingerida. É preciso também aumentar a severidade das punições para os motoristas que forem pegos dirigindo embriagados ou aqueles que se envolvam em aci-
dentes por causa do excesso de bebida.”, declara Poggetti. Mas nem só de más notícias se faz a luta contra os acidentes de trânsito envolvendo excesso de bebidas. Alguns avanços importantes já foram contabilizados. Como a possibilidade dos próprios Policiais Militares realizarem o exame clínico em motoristas suspeitos de dirigiram embriagados. Com a presença de uma testemunha, o PM pode pedir que o motorista caminhe em linha reta, faça o número quatro com as pernas ou coloque os dedos na ponta do nariz. Caso seja constatado estado alterado de consciência, o condutor pode ser autuado ali mesmo. O problema dos traumas e acidentes envolvendo o consumo de álcool se configura cada vez mais como uma questão de saúde pública. Os prejuízos humano, social e econômico devem despertar as autoridades para a importância do tema. A criação de uma política pública e nacional de combate ao consumo de álcool também seria bem vinda. Independente de qualquer coisa, sempre vale maneirar no chopinho. Ou então voltar para casa de táxi.
NÚMEROS QUE ASSUSTAM Os homens são maioria absoluta nos casos de morte envolvendo acidentes de trânsito. Eles representam 79,6% dos casos. Elas apenas 20,4%; O risco também é grande para quem não está no carro, 44,6% das vítimas eram pedestres; Andar sobre duas rodas é mais arriscado que em quatro. Motociclistas protagonizam 21,5% dos acidentes com vítimas fatais. Condutores de automóveis apenas 12,5%; Quem bebe também coloca em risco a vida dos amigos. Cerca de 22% dos mortos estavam sentados no banco do carona; Os jovens são menos responsáveis. Cerca de 25,7% dos casos envolviam pessoas de 18 a 25 anos. Fonte: CET e IML Saúde 29 | Saúde São Paulo São Paulo | Março | Março de 2008 de |2008 29
TERAPIAS ALTERNATIVAS |
SÃO PAULO SAÚDE
A bebida que agrada milhões de pessoas no mundo pode ser uma grande aliada para curar algumas doenças, mas uma vilã se consumida em excesso Thais Mirotti
O
chá já faz parte da rotina de Lurdes Alvarenga. Além de não dispensar uma boa xícara da bebida logo que acorda, ela ainda a utiliza em seu ritual de beleza. Diariamente, antes de dormir, ela faz compressa de chá de camomila nos olhos para aliviar as olheiras. “É um santo creme natural”, diz a dona de casa, que se utiliza da técnica há três anos e garante que o inchaço na região diminui consideravelmente. Onde ela descobriu isso? “Me disseram que dava certo e resolvi experimentar”, diz Casos como esse comprovam que a crendice popular, quando o assunto é o consumo de chás, está cada vez mais forte e fazendo parte do cotidiano das pessoas, seja de maneira estética ou medicinal. O problema
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disso tudo é como as pessoas consomem a bebida e fazem o uso correto dela. De uns anos para cá, a moda para quem quer emagrecer é consumir, sem medo nenhum, o chá verde. Mas será que ele realmente tem o poder de sumir com as indesejáveis gordurinhas? Não se sabe se isso é de fato comprovado, mas a infusão possui sim uma substância que auxilia na digestão. Porém, em excesso, ele pode causar gastrite, úlcera e provocar vômitos Segundo o professor do Centro de Pesquisas da Unicamp, João Ernesto de Carvalho, o consumo de chás tanto pode fazer bem como mal. Depende da maneira como são consumidos. “Existem propriedades em alguns tipos de chá que, se ingeridas em excesso, podem trazer danos à saúde. É o caso do tanino, substância presente principalmente no chá preto e mate, que pode causar danos intestinais e diminuir a absorção de ferro, causando até uma anemia”, alerta. Mas o chá também tem o seu lado positivo, e pode ajudar até mesmo
no tratamento de doenças. Uma pesquisa divulgada em 2002 por cientistas americanos do Beth Israel Deaconess Medical Center, de Boston, revelou que propriedades presentes nos chás verde e preto podem ajudar a reduzir a mortalidade em pacientes que já tiveram um infarto e tem o hábito de consumir a bebida. Apesar da boa notícia, Carvalho alerta que é preciso ter um diagnóstico correto antes de se consumir a bebida para tratar determinado problema. “Sem dúvida ele pode auxiliar na melhora de algumas doenças, mas é preciso que a pessoa procure o diagnóstico e o tratamento correto e utilize o chá como um auxiliar, e não como a solução para a cura”, analisa. Pesquisadores da Universidade de Newcastle, nos Estados Unidos, também se interessaram pelos efeitos medicinais dos chás, e descobriram que tanto o verde quanto o preto podem impedir a perda de memória. A pesquisa, publicada na revista “Phytotherapy Research”, especula também que a bebida seja o caminho para um novo tratamento para o mal de Alzheimer. Os cientistas envolvidos no estudo revelaram que o chá parece ter os
mesmos efeitos dos medicamentos utilizados no combate à doença, que está relacionada à diminuição de uma substância no cérebro chamada acetilcolina. Os pesquisadores perceberam que os dois tipos de chá inibiam a atividade da enzima acetilcolinesterase, que neutraliza essa substância química. Apesar de não haver cura para Alzheimer, eles acreditam que o tratamento pode retardar o desenvolvimento da doença. Sabedoria Popular Independente de todos esses estudos, o que se percebe é que a ciência se rendeu às famosas crendices populares. Há quem acredite que o de camomila é um ótimo calmante e muito utilizado para problemas digestivos, gases, insônias e dores musculares.
Outro chá que, apesar de amargo, caiu no gosto popular quando o assunto é mal estar, é o chá de boldo. Apesar de seu sabor forte, ele pode ser um aliado para curar ressacas e doenças hepáticas, por exemplo. Mas para quem aprecia a bebida, vale a pena um alerta: o grande problema que muitos desconhecem é como o modo de preparo dos chás influencia diretamente no seu resultado final e eficácia. É o que afirma o biomédico Sérgio Franceschini, que há 24 anos trabalha no estudo de plantas terapêuticas. “A maneira como se prepara o chá é o principal fator para extrair com sucesso todas as propriedades da planta. É importante que as pessoas saibam o modo correto de preparar o chá, dependo da finalidade para que é utilizado”, avalia. A forma de preparo varia para cada tipo de planta e existem duas maneiras de se fazer o chá: por infusão ou por decocção. Geralmente os chás que são preparados por infusão são os aromáticos, como erva-cidreira, capim-santo e hortelã. Essas plantas possuem como principio ativo um óleo essencial, e a maneira correta de preservar essas substâncias é colocar
a planta na água quente, com temperatura de no máximo 37ºC. “Se a temperatura for mais elevada que isso, o óleo evapora e o chá perde sua funcionalidade”, alerta Franceschini. A outra maneira de preparo é a decocção, onde é feita a fervura da planta para extrair os princípios-ativos, como os sais-minerais. Geralmente esse tipo de preparo é utilizado para os chás de boldo, carqueja, sene, chás a base de cascas de árvores, entre outros. O correto é ferver essas plantas por cerca de 10 minutos, extraindo assim todos os princípios ativos. Outra dica de Franceschini é consumir no máximo 300ml dos “chás da moda”,que são os chás verde e preto. Por possuírem alto teor de cafeína, o consumo deve ser moderado. Para os demais chás, a quantidade para consumo vai depender de sua funcionalidade, e pode variar de 300ml a 2 litros por dia. Os chás de saquinhos, que são vendidos em supermercados, podem ser consumidos livremente, já que sua utilização é relacionada simplesmente ao sabor e não tem função fitoterápica. Cheirosos, saborosos, amargos, não importa. Os chás caíram no gosto de muitas pessoas, e para quem não abre mão da bebida, seguir algumas recomendações é importante. Dessa forma é possível aliar uma boa xícara de chá com seus benefícios à saúde.
Exemplos de plantas terapêuticas e suas funções CAMOMILA: Calmante e auxilia contra a insônia
GUACO: Tosse, bronquite e inflamações na garganta
FOLHA DE LARANJEIRA: Cólicas, diurético e contra gripes e resfriados HORTELÃ: Auxilia no aparelho digestivo e câimbras
ERVA-CIDREIRA: Digestivo, calmante e relaxante
BOLDO-DO-CHILE: Prisão de ventre, gases intestinais e irritação de pele
BOLDO: Estimulante de apetite, dores de estômago, desintoxica o fígado e auxilia em diarréias Fonte: Livro “Plantas Terapêuticas” – Sérgio Franceschini Filho Editora: Andrei Saúde São Paulo | Março de 2008 | 31