O Cão Policial

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Em uma noite fria e chuvosa, o soldado Muniz estava de guarda na entrada do quartel da Força Pública de São Paulo. Um homem misterioso, usando chapéu e sobretudo, deixou uma caixa na frente do quartel e saiu correndo.

O soldado falou: “Que estranho! Vou ver o que tem na caixa”. Seu companheiro ficou preocupado: “Não vá, pode ser uma bomba!”

O policial hesitou e ficou de olho na caixa. De repente, ela começou a se mexer. Muniz não se aguentou de curiosidade e foi ver o que tinha dentro.

1953

Para sua surpresa, deparou-se com um filhote de cachorro. Ele estava tremendo de frio. O soldado o pegou no colo e o acariciou. O filhote abanou o rabinho de alegria e deu uma lambida no policial, que disse: “Seu dono foi muito cruel por abandonar você.”

Muniz levou o filhote para o quartel. Os outros soldados ficaram curiosos. “É de raça?” “Que sorte achar um cachorro assim na rua!” “Você vai ficar com ele?”

Muniz sentiu muita vontade de adotar o cãozinho, mas estava em dúvida. Nunca tinha tido um animal de estimação. Seu pai não gostava. Porém, agora ele já não morava mais com os pais, era casado e tinha sua própria casa. Que era pequena. Será que teria lugar para um cachorro grande? Afinal, o cãozinho iria crescer.

Em meio ao turbilhão de dúvidas, o soldado olhou para o cachorrinho e sentiu tanto carinho por ele, que tomou uma decisão. Ele falou para o cão: “Você já foi desprezado uma vez, mas não se preocupe, eu vou cuidar de você e nunca vou abandoná-lo!”

“Que nome você vai dar a ele?” perguntaram os soldados. Muniz pensou e pensou até que decidiu: “O nome dele vai ser... Dick.” Todos gostaram. Um deles comentou: “Ótimo! Um nome americano para um pastor alemão”.

Por coincidência, aquele quartel era justamente onde ficava a corporação de cães da Força Pública de São Paulo. Lá havia muitos cachorros que eram treinados para correr atrás de ladrões, farejar armas, bombas, drogas e buscar pessoas perdidas ou soterradas. Eram cães muito especiais!

Muniz apresentou o filhote ao Capitão Edson Falco, responsável pelo canil. Ele examinou o cachorro e concluiu: “É muito fraquinho. Não tem capacidade para ser um dos nossos cães. Além do mais, todos os soldados condutores já têm seu próprio cão. Não precisamos de mais um”.

O sonho do soldado Muniz era ser responsável por um dos cães e conduzi-lo em missões. Ele tomou coragem e falou: “Capitão, peço que o senhor dê uma oportunidade para esse cão. Permita que ele seja adestrado aqui em nossa unidade. Se mostrar talento, ficamos com ele na polícia. Se não, eu o levo pra minha casa”. O capitão ficou em silêncio.

O soldado insistiu: “O que o senhor acha da minha proposta, capitão?”

O oficial respondeu: “Está bem. Mas ele vai ser sua responsabilidade, soldado Muniz. Se ele tiver fome, você dá comida. Se ele fizer cocô, você limpa. Se ele morder alguém aqui, você vai ser punido. E se, em um ano, ele não mostrar talento, tchau! Bye, bye, Dick! Em nossa corporação, não temos lugar para cães molengas.”

Um adestrador passou a treinar o pequeno Dick. Muniz o acompanhava e aprendia a ser um condutor. Inicialmente, todos duvidavam que o cão tivesse talento para o serviço policial. Mas, aos poucos, Dick foi mostrando características como: olfato apurado, força, resistência, obediência, inteligência, coragem e determinação. Enfim ele cresceu e foi se tornando um ótimo cão farejador.

Depois de um ano de dedicação, Dick finalmente foi aceito como um cão policial. Até então ele vivia no berçário, como era chamada a ala dos cães novatos, que dormiam todos juntos. Com a promoção, Dick passou a dispor de um box individual na ala dos cães já treinados, que atuavam diariamente nas diligências policiais. Lá ele fez amizade com dois outros cães, o Tufão e a Fúria.

Logo veio sua primeira missão. A polícia invadiu a casa de um suspeito de cometer um assalto a banco. Mas precisavam achar a arma usada pelo criminoso, caso contrário, não teriam provas para incriminá-lo. Os policiais reviraram a casa, mas não acharam a arma.

Então chamaram Dick para ajudar na busca. O soldado Muniz fez o cão cheirar um revólver similar ao usado no crime, e ambos entraram na casa. O cachorro farejou alguns cômodos e não achou nada.

Entraram no quarto. Dick vasculhou o local, até que cheirou o colchão e ficou agitado, balançando a cauda. Muniz tirou o lençol e achou um rasgo na lateral do colchão. Enfiou a mão lá e retirou um revólver calibre 32, idêntico ao usado no assalto, conforme descrito por testemunhas.

O cão conseguiu achar a prova do crime. Todos os policiais o abraçaram e o acariciaram. A primeira missão dele tinha sido um sucesso.

Dick passou a ser incluído, cada vez mais, nas equipes que participavam das ocorrências policiais. Mas ele não pensava que estava trabalhando. Encarava tudo como uma brincadeira.

Certa vez, ele foi convocado para uma patrulha que buscava um ladrão de fios elétricos na Estrada de Ferro Sorocabana. Os policiais avistaram dois suspeitos. Um deles fugiu correndo da cena do crime. O soldado Muniz soltou a coleira de Dick e apontou para o homem.

O cachorro correu atrás do bandido, saltou em cima dele e o derrubou no chão. Dick estava alegre, pois pensava estar brincando de pegapega. O meliante estava morrendo de medo e logo foi preso.

Dick também passou a participar de competições de adestramento realizadas entre cães de todo o país.

Ele sagrou-se vice-campeão brasileiro de salto em altura.

O soldado Muniz e o cachorro Dick se tornaram companheiros inseparáveis. Até nos dias de folga o cão ia para a casa do soldado, onde passeava e brincava com a filha dele.

Porém, no ano de 1956, um aviso do então Governador do Estado, Jânio Quadros, causou temor entre os policiais que atuavam na corporação de cães da Força Pública. O político ameaçou fechar o local, alegando que dava muita despesa e trazia pouco resultado para a sociedade. Em um bilhete, ele ameaçou: “Façam os cães trabalharem ou dissolvam a matilha”.

Não muito tempo depois, um triste acontecimento ganhou as manchetes de todo o país. O pequeno Eduardo Jaime Benevides, o Eduardinho, de três anos e meio, foi raptado quando estava brincando na porta de sua casa, no bairro de Mirandópolis.

Toda a polícia da cidade de São Paulo se mobilizou para achar o garoto. Não foram poupados esforços na busca pelo desaparecido. Centenas de policiais e investigadores vasculharam a cidade à procura do menino.

No segundo dia, cães da Força Pública foram designados para o caso. Cheiraram algumas roupas do menino e saíram à procura de um odor igual. Porém, não conseguiram achar a criança.

Chegou-se à conclusão de que as roupas tinham sido manuseadas por muitas pessoas antes de serem mostradas aos cachorros, o que dificultou a identificação do cheiro específico do menino.

As rádios e os jornais noticiavam o andamento das buscas. A apreensão era geral. Não se falava em outra coisa na cidade. As perguntas pairavam no ar: Quem sequestrou o menino? Por que o sequestraram, se nem é de família rica? Onde está o garoto agora? Será que a polícia vai conseguir encontrá-lo?

A cada hora que passava, diminuíam as esperanças de encontrar a criança com vida. Para estimular a procura, o Governador prometeu que o policial que localizasse o garoto receberia uma promoção.

Sexta-feira, 20 de abril de 1956.

No terceiro dia, o subtenente Audoramo Antunes comandou uma nova diligência, convocando os cães Tufão, Fúria e Dick para ajudarem nas buscas. Trouxeram o travesseiro de Eduardinho, que permanecera intocado até então, e o deram para os cães cheirarem. Assim, eles puderam identificar claramente o odor do menino para o rastreamento.

Os cachorros foram mobilizados para procurar o garoto nas matas da Água Funda (local onde hoje está situado o Zoológico de São Paulo).

Os policiais e seus respectivos cães se separaram para vasculhar melhor a enorme área. Dick e o soldado Muniz caminharam bastante tentando achar pistas do menino. De repente, Dick ficou agitado e latiu intensamente.

O soldado Muniz ficou atento e deixou o cão guiá-lo pela mata. Caminharam e correram por entre a vegetação cerrada.

Até que o cachorro indicou um local no chão coberto por galhos, folhas e uma placa de zinco. O soldado levantou a placa e descobriu um poço seco, de um metro e meio de profundidade.

Dentro do poço estava ninguém menos que Eduardinho, o menino desaparecido. Felizmente ele estava vivo! O soldado imediatamente o resgatou.

O garoto estava com as roupas esfarrapadas, sujo e faminto. Ele contou que pediu a Deus que enviasse um anjo para salvá-lo.

A criança foi levada para a delegacia, onde encontrou o pai, que ficou emocionado.

Foram ao palácio dos Campos Elíseos para encontrar o Governador.

Depois, a criança foi levada ao hospital para ser examinada. Apesar das leves escoriações, Eduardinho estava perfeitamente saudável.

Só então o menino pôde voltar para casa. A rua onde ele morava ficou lotada de pessoas, que o receberam com uma enorme festa.

Saiu nas manchetes de todos os jornais do Brasil que o menino sequestrado tinha sido encontrado pelo policial e seu fiel cão farejador.

O Governador cumpriu o prometido. O soldado José Muniz de Souza foi promovido a cabo Muniz. O cão também foi promovido e passou a ser chamado de cabo Dick. Ele foi o primeiro cachorro a conquistar tal promoção e recebeu uma linda coleira com seu nome.

Na cerimônia de premiação, o cabo Muniz declarou que todo o mérito pelo resgate era do seu habilidoso cão. Eles foram considerados heróis e ficaram famosos.

O Governador desistiu de fechar a corporação de cães. Desse modo, Dick não salvou somente o menino Eduardinho, ele garantiu a continuidade de todo valoroso trabalho dos cachorros e soldados do canil da Força Pública de São Paulo.

Depois disso, Dick foi enviado para várias outras missões. Costumava ir acompanhado pela cadela Fúria. Faziam um par perfeito. Quando um não conseguia farejar algo, o outro conseguia. Juntos, eles ajudaram a polícia a desvendar outros crimes e a salvar mais pessoas.

Entre uma missão e outra, o macho e a fêmea acasalaram.

Meses depois, Fúria teve quatro lindos filhotinhos.

Dick se mostrou um pai carinhoso e adorava cuidar dos seus filhotes.

Mas nem tudo foram rosas na vida do pastor alemão. Em maio de 1959, Dick ficou doente.

Ele recebeu cuidado e tratamento adequados, mas infelizmente a doença se agravou tanto, que o cão não resistiu e morreu.

A notícia repercutiu nos jornais e causou comoção. O enterro do cachorro mais famoso do Brasil foi um grande evento. Muitos cães da polícia acompanharam a cerimônia. Quando o pequeno caixão foi enterrado, todos os cachorros presentes uivaram em homenagem ao companheiro.

O cabo Muniz ficou arrasado com a partida do seu melhor amigo e pediu para trocar de posto.

Foi transferido para a Polícia Rodoviária.

Dick viveu só seis anos, mas sua vida foi fascinante e tocou o coração de inúmeras pessoas. Seus quatro filhos seguiram seu exemplo e também se tornaram excelentes cães policiais.

O pastor alemão deixou um lindo legado, mostrando para a cidade e o país a importância da participação de cães na atividade policial.

Dick foi tão importante que construíram um busto em sua homenagem, o qual está até hoje na entrada do canil da Polícia Militar de São Paulo. Abaixo da escultura do pastor alemão tem uma placa com os dizeres: “Ao cabo Dick, campeão das buscas policiais”. A homenagem se estende a todos os cães, que são um “exemplo de fidelidade, coragem e afeição.”

FotograFias da Época

Eduardinho reencontrou o policial e o pastor alemão em duas ocasiões diferentes. Cabo Muniz e Cabo Dick

inFormações adicionais

Uma das provas do legado de Dick é que a Polícia Militar de São Paulo tem atualmente cerca de 320 cães, de várias raças: pastor belga malinois, pastor alemão, pastor holandês, labrador, rottweiler, bloodhound, entre outras. Eles são empregados no patrulhamento ostensivo, controle de multidões, ocorrências no interior de estabelecimentos prisionais, faro de drogas e explosivos, busca de pessoas perdidas, resgate de pessoas em estruturas colapsadas, entre outras atividades. Os cachorros salvam muitas vidas e trazem grandes resultados para a segurança pública.

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Um dia, estava fazendo uma pesquisa na internet e me deparei com uma reportagem sobre Dick, emitida pela assessoria de imprensa da Polícia Militar de São Paulo. Fiquei fascinado e imediatamente achei que a história daria um bom livro infantil. Então passei meses pesquisando em jornais antigos tudo o que consegui achar sobre esse cão tão especial. Quase todos os fatos relatados no livro aconteceram de verdade, com exceção de algumas cenas ficcionais, acrescentadas para preencher lacunas que os jornais não contam. Todos os nomes usados no relato também são reais. Espero que você tenha gostado! Se quiser conhecer os outros livros que escrevi, visite meu site: www.flavito.com.br

Depois de anos atuando como ilustrador de Histórias em Quadrinhos, eu aguardava por um trabalho que me tirasse do lugar comum. Então, um dia, aparece o Flávio me convidando para colocar imagens em seu excelente texto sobre um valente cão policial e sua surpreendente história real, que carrega na trama todo o desenrolar digno da jornada do herói: aprendizado, superação, conquista e uma carga emocional envolvente. Para mim, como pai, e bem no momento em que atravessávamos o período da pandemia, foi um sopro de ar fresco e uma honra colocar meus traços à disposição deste projeto. Para mais amostras do meu trabalho, me siga no Instagram: carlosreno_studio

autor
ilustrador
Carlos Reno Flávio Colombini

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Copyright do texto © Flávio Colombini

Copyright das ilustrações © Carlos Reno

Publicação: Ideias Brilhantes Editora

Diagramação: Flávio Colombini

1ª Revisão de texto: Luisa Ghidotti

2ª Revisão de texto: Alcidema Torres

Agradecimentos: Alessandra Colombini, Raquel Larangeira, Daniela Hessel e principalmente ao 5º Batalhão de Polícia de Choque - Canil PMESP

ISBN: 978-65-996699-9-6

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