Fotografia et al #2

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claudio edinger

fagu - india - quilombolas - magnum - eder chiodetto

fotografia et al conceito | arte | expressĂŁo

nÂş02 abril2014


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Desde

a decisão de lançar a revista Fotografia et al até hoje foram 4 meses de muita, mas muita correria. Primeiro o desafio de produzir a 1ª edição da revista, lançada no dia 15/02, depois a decisão doida de ir para o “dobro ou nada” e lançar também a revista Outscape Photography, nos mesmos moldes – online, bimestral e gratuita – e agora entrar no ritmo de produzir uma revista por mês, alternando entra a Fotografia et al e a Outscape Photography. Felizmente ambas as decisões se mostraram acertadas pois o retorno do público e colaboradores têm sido sensacional. Muitos elogios à linha editorial e ao conteúdo, temperados por algumas críticas construtivas e bem intencionadas ao design gráfico. Mas assim como pessoas talentosas e maravilhosas têm se apresentado para colaborar desenvolvendo conteúdo para revista, venho recebendo também a ajuda inestimável de interessados em colaborar com o design gráfico das revistas. Destacando-se aí a Francine de Mattos do FUI! (Fotografe Uma Ideia!) que nesta edição criou a arte da capa e cuidou do grande parte da diagramação. Por enquanto foram poucas as mudanças, mas em breve teremos uma revista diferente também no design.

Confesso que quando comecei a trabalhar na edição #2 da Fotografia et al fiquei um pouco preocupado, receoso de não conseguir produzir em tão curto tempo uma revista a altura da qualidade apresentada na edição #1. Hoje, domingo à noite, dois dias antes do lançamento desta edição no dia 15/04, enquanto escrevo esta nota logo após ter finalizado a revisão de todos os artigos desta edição, posso dizer que estou muito feliz e orgulhoso com o resultado final. Na capa, Claudio Edinger, um dos fotógrafos brasileiros que realizam trabalhos autorais mais bem sucedidos, me recebeu para uma conversa e com muita simpatia e boa vontade foi contando sua história e desfiando suas opiniões sobre o mundo da fotografia. Mario Amaya mostra todo o seu talento em um texto que apresenta um outro jovem talentoso, Fabio Costa, também conhecido como Fagu, um paulistano que fotografa as ruas de Paris, onde mora e trabalha atualmente. Betina Samaia, fotógrafa de muito talento, conta como foi sua viagem pela Índia através de incríveis imagens capturadas em infravermelho. José Bezerra, fotógrafo documental, traz um pouco da vida dos quilombolas em texto e imagens emocionantes.

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fotografia et al Entre

17 e 21 de Fevereiro aconteceu o Workshop Magnum São Paulo. O workshop fez parte da programação da Mostra São Paulo de Fotografia, organizada pela DOC Galeria. Para saber como foi essa experiência, eu conversei com Marine Merindol, representante da Magnum, com Abbas e Moises Saman, fotógrafos da Magnum, com Fernando Costa e Mônica Maia, sócios da DOC Galeria e com vários dos participantes. O resultado de todas estas conversas eu trago num artigo dedicado ao primeiro workshop realizado pela agência Magnum Photos no Brasil. Na sequência temos um artigo assinado por Eder Chiodetto sobre o trabalho de curadoria de exposições fotográficas, importantíssimo se considerarmos que a finalidade deste trabalho é apresentar o nosso trabalho, as imagens, ao público. Nas colunas temos nossos colaboradores fiéis com uma mudança estratégica no time. Armando Vernaglia titular da “Fotografia de Cinema” e Alex Villegas da “Médios e Grandes Formatos”, agora formam o time com Bruno Massao que substitui a Lila Souza na coluna “Fotografia de Filme”. Bruno assume a função com estilo e vem logo em dose dupla, na sua própria coluna e ilustrando a coluna do Alex com seu retrato.

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Para fechar a revista, um artigo do próprio Claudio Edinger, na coluna opinião, cristalizando em um texto curto mas repleto de substância, a sua visão da fotografia. Obrigado ao Claudio, Fagu, Mario, Betina, José, Eder e aos organizadores e participantes do workshop da Magnum, mais uma vez obrigado ao Vernaglia, Alex e Bruno; e finalmente à Francine e à Marcela; vocês foram incríveis! Feliz e orgulhoso, é assim que entrego a vocês a edição #2 da Fotografia et al. Divirtam-se!

Carlos Alexandre Pereira


Fotografia et al nesta edição com

A Fotografia et al está sempre em busca de novos colaboradores. Entre em contato através do email contato@fotografiaetal.com se você possui alguma sugestão de artigo ou deseja colaborar com a revista.

Paulistano, Alex Villegas é fotógrafo dedicado ao retrato e fineart, sempre em PB. Leciona no Instituto Internacional de Fotografia e escreve livros técnicos nas horas vagas.

Fotógrafo e diretor de fotografia, Armando Vernaglia Jr. Especializado em fotografia de arquitetura, ambientes, turismo e produtos, é também professor de fotografia e cinema, consultor de imagem e palestrante.

Claudio Edinger, um dos maiores fotógrafos autorais brasileiros. Autor de 14 livros de fotografia, ganhador de vários prêmios nacionais e internacionais de fotografia. Um homem de opiniões apaixonadas sobre o que é ser fotógrafo.

Eder Chiodetto é mestre em Comunicação e Artes pela ECA/ USP, jornalista, fotógrafo, curador independente e autor de vários livros. É curador do Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM desde 2006 e coordenador do Ateliê Fotô, espaço de estudo sobre fotografia.

Mande suas imagens para imagens@ fotografiaetal.com para participar de nossa Galeria de Imagens. Revista Fotografia et al www.fotografiaetal.com Edição Carlos Alexandre Pereira Projeto Gráfico Francine Mattos & Carlos Alexandre Pereira Revisão Marcela Zullo Impressão www.AlphaGraphics.com.br Versão Impressa www.fotografiaetal.com/impressoes Comercial comercial@fotografiaetal.com

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Betina Samaia, formada em psicologia pela PUC/SP, começou a fotografar em 2007 buscando criar imagens que investiguem nosso inconsciente. Seu trabalho está em várias coleções nacionais e internacionais. Passou 35 dias na Índia fotografando com infra vermelho.

Paulistano Fabio Costa (Fagu), residente em Paris, diretor de arte, fotógrafo amador, fotografa diariamente desde 2005 e tem seu trabalho focado principalmente na fotografia de rua.

Fotógrafo de rua de São Paulo, Bruno Massao é um dos poucos que consegue lidar com o clima maluco desta cidade. Faça chuva ou faça sol, lá está ele, registrando cenas da capital paulistana.

Carlos Alexandre, fotógrafo de expedições e explorações urbanas, com uma paixão por fotografia P&B que se reflete no seu portfólio quase monocromático. Autor de artigos e palestrante de workshops sobre fotografia.

Com 20 anos de experiência em jornalismo, artes e marketing, Mario Amaya envolveu-se cedo com a fotografia digital, escrevendo sobre o lado técnico das imagens. Dedica-se a fotografia de arquitetura, viagens e flagrantes urbanos, tendo lançado em 2014 o livro “I Shoot SP+NY”.

Potiguar de Mossoró, José Bezerra desenvolve um trabalho fotográfico documental. Seu trabalho tem forte ligação com as pessoas, culturas e contextos. Costuma avaliar o psicológico dos fotografados, buscando por expressões que sintetizem os personagens a sua volta.

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64 Workshop Magnum SP

10 Galeria de Imagens

Carlos Alexandre Pereira

Imagens dos Leitores

74 A Arte da Curadoria

16 Fabio Costa

Eder Chiodetto

Mario Amaya

78 Fotografia de Cinema

26 Claudio Edinger

Armando Vernaglia

Carlos Alexandre Pereira

80 Médio e Grande Formatos

44 Índia

Alex Villegas

Betina Samaia

82 Fotografia de Filme

54 Nos Caminhos do Quilombola

Bruno Massao

86 Opinião

José Bezerra

Claudio Edinger

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Marcelo Costa “Rio de Janeiro on a Rain”

Marco Antônio Sousa “São Bento do Sapucaí”

Marcio Barbosa “Simplicidade no Olhar” 11


Zé Suassuna “Feira Mar”

André Rocha “Calmaria”

Marco Araújo “A Luz e o Fim do Túnel”

Caio César “Lençois Maranhenses”

Ryan Henrique “Estou com Fome” 12


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Fabio “Fagu” Costa por Mario Amaya

Todo

fotógrafo que “caça” cenas na rua tem o seu dia de sorte em que consegue “aquela” imagem com luz perfeita, composição apurada, personagens interessantes, situações inusitadas e instante único. Todos nós temos direito a esse dia de sorte. Mas eis aqui a produção de alguém para quem todo dia é um dia bom para fotografar, resultando numa torrente constante de imagens incríveis. Fagu foi publicado em revistas de fotografia brasileiras já algumas vezes. Conheci seu trabalho no começo de 2011 quando trabalhava como editor em uma delas. Ele tinha enviado para a seção do leitor um flagrante de rua de Paris, para onde tinha se mudado havia pouco tempo para ser diretor de arte na agência de publicidade ©SUPER. Em 2012, voltou brevemente a São Paulo, mas não para fazer fotos, e sim para obter alguns documentos. Tivemos então nosso único encontro. Impressionou-me seu caráter: suave, fluido e modesto um dos fatores que contribuem para sua facilidade invejável em conseguir ótimas fotos do cotidiano com tanta consistência. A localidade privilegiada ajuda um tanto. Afinal, ele se mudou da cinzenta São Paulo para a adequadamente apelidada Cidade Luz. Encontrou nas suas idas e vindas ali o cenário ideal para exercitar seus poderes de criação de imagem com a câmera. “Antes eu fotografava esporadicamente viagens e família. Mas foi o tédio do trabalho e do cotidiano na época, aliado à pós-graduação em 17

História da Arte, que me deu a inspiração de fotografar diariamente sem nenhuma pretensão artística. Tentar encontrar o extraordinário no banal, todo dia. O ‘marco zero’ foi meu aniversário (23 de fevereiro de 2005), e desde então não parei mais. Fotografo todos os dias há mais de nove anos.” Sua intenção expressa é fotografar ininterruptamente pelo resto da vida. O vínculo à terra natal é mantido através das imagens criadas: “Por estar longe de todos no Brasil, quero dividir com eles o que vejo por aqui.” No começo de 2013, Fagu contribuiu com sua primeira foto para um livro. Foi publicado também em várias revistas. Falta penetrar no mundo fechado e seleto do mercado de artes. “Sobre o que espero atingir com a fotografia eu não sei dizer ao certo. Espero me divertir cada vez mais e fazer imagens melhores. Primeiramente para mim, depois para os outros. Mas penso, sim, em galerias e exposições. Por enquanto participei de exposições coletivas, mas pretendo formatar a primeira solo em breve. E galerias, bom, já estou vendo e estudando sobre o assunto aqui em Paris.” Participante de grupos virtuais de fotógrafos, ele nunca se sentiu muito confortável nas discussões online. Sempre há a possibilidade de ser mal compreendido em qualquer declaração online. “Na Internet existe uma overdose de exibicionismo. Sempre fico dividido entre mostrar as imagens ou não e termino achando que tenho que mostrar menos.”


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O estado de espírito de um flâneur A atitude mental do fotógrafo tem impacto decisivo no volume e qualidade dos resultados. Quem sai de casa acabrunhado ou pessimista volta com menos fotos e com fotos piores. “’Sorte’ é uma palavra complicada para isso. Tenho a sensação de que a fotografia tem tudo a ver com o estado de espírito do fotógrafo; há dias em que tudo dá certo, outros não. Aqui, quando faz sol, meu humor e o de todos ao meu redor parece que muda. No inverno tenho mais dificuldade pra clicar; tenho a sensação de que tudo é mais hostil. Estar na hora e lugar certos não sei se é algo que deva ser atribuído à sorte; acho que está mais para percepção. Certa hora nós vamos ‘caçar’ a imagem; em outra hora encontramos um lugar que parece interessante, paramos e esperamos ali com o sentimento de que ‘algo’ acontecerá. Às vezes esperamos muito, às vezes não. Assim, em vez de ‘sorte’ poderíamos falar em ‘ação e reação’ ou, melhor talvez, ‘causa e efeito’.” A originalidade tem uma relação inversa com a “aceitabilidade” das fotos: os espectadores têm expectativas prévias que podem ser frustradas pela criatividade dos trabalhos novos. As pessoas esperam ser surpreendidas com novidades, mas por outro lado não querem ter o trabalho de “decifrar” as obras. A maioria dos artistas populares entra nesse jogo de expectativas e produz fotos previsíveis de forma calculada. “Fotos compostas graficamente com a regra de ouro, com um personagem bem posicionado, ‘agradam’ mais do que ver um monte de personagens reunidos em um único frame, com a imagem ‘torta’... Mas eu não me importo. Artistas que nos precederam, como Lichtenstein, Picasso, Miró e Pollock, criaram estudos e pinturas de estilo academicista que poderiam agradar muito mais as pessoas que não entendem nada de arte do que os estilos que os definiram. O engraçado é que as fotos que eu faço hoje são mais desprovidas de regras que antes. E muitas vezes elas agradam menos ao público. Mas eu ando buscando momentos específicos, mesmo se as fotos saírem tecnicamente ruins.”

Ou seja, outro fator que decide o resultado final é a abordagem que se busca. “Gosto de pensar que em princípio tudo é permitido. Agradar aos outros cabe aos outros, o que cada um vai sentir ou não ao ver a obra. Os ‘meus’ 50% da foto eu garanto; são o que vi e senti. Os outros 50%, a parte do espectador, vão se completar diferentemente conforme cada um, não? Pois bem, essa outra metade não posso controlar - e nem pretendo.” A paranoia contra fotógrafos da rua tem crescido no mundo, culminando na recente proibição total na Hungria. Sentemse efeitos dessa mentalidade em Paris? “Bom, eu não tenho a impressão de que esse tipo de fotografia possa acabar, mesmo porque tenho contatos que praticam esse estilo e há grupos no Flickr nessa ‘pegada’. O que está acontecendo na Hungria eu acho lamentável. O mundo da fotografia deve muito a Kertész, Robert Capa, Brassaï - todos eles húngaros! Espero que a onda não pegue no mundo. Mas é verdade que tem muita gente paranoica nas ruas de Paris. Às vezes sou xingado, brigam comigo, mas fazer o quê? Parto para outra.” Mencionei que em Nova York veio uma menina bufando numa plataforma do metrô para me exigir que apagasse uma foto recém-feita... que eu já tinha apagado, por ter ficado ruim. “Em Nova York eu só tomei um xingão. Em geral achei a galera de lá ‘sussa’. Lentes fixas e curtas ajudam, pois você está perto das pessoas fotografadas. Acho que elas encanariam mesmo se eu estivesse clicando de longe com uma teleobjetiva. O que remete à a velha discussão dos fotógrafos humanistas romantizados versus paparazzi marginalizados...”

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Equipamento é consequência e não causa Por falar em lentes, o foco de atenção de Fagu nunca está na câmera, cujo único atributo indispensável é fazer a foto pretendida com competência ao premir o botão. “Nunca fui um ‘geek’ de câmeras. Aparelhos existem e sempre existirão de monte. O que se faz com eles é outra história.” Observei que uma prática comum entre fotógrafos profissionais, ao exibirem fotos uns para os outros, é darem ênfase ao mérito do equipamento e assim “transferir responsabilidade” pela qualidade criativa do trabalho - uma “meritocracia da etiqueta de preço”, por assim dizer. Fagu recusase a cair nessa armadilha: “Quando começa o assunto eu dou um sorriso amarelo e tento mudar o tema. Toda a questão de Nikon x Canon, Leica ou Fujifilm, Instagram ou não, me dá sono. Há pessoas que dão mais importância de ‘como’ e ‘com o que’ foi feito o que, do que à obra em si. Eu me importo com o visível, com a imagem e com o que ela diz. Questões técnicas ou de aparelhos não são nem devem ser o mais importante. Minhas câmeras estão cheias de fitas isolantes cobrindo as marcas! Não fico mostrando logotipos em correias pretas. A ideia é ser o mais discreto possível na rua, não fazer propaganda.”

E a técnica de captura? “Faço a fotometria sempre em modo Spot, equilíbrio de brancos automático e arquivo RAW para ajustar depois caso precise, mas esse ajuste não é nada que me tire mais de três minutos de tempo.” Nunca teve a tentação de remover um poste, um lixo no chão, um logotipo proeminente ou uma pessoa atrapalhando no fundo - distrações visuais comuns na rua? “Não removo nada, nunca. Às vezes eu corto de leve a foto para ajustar o enquadramento, e só. Não acho pecado manipular uma foto de rua - há quem ache - mas cada um faz com a sua foto o que bem entender. Como eu trabalho com propaganda, prefiro deixar as fotografias que faço com um estilo ‘documental’, se é que dá para usar esse termo. Na verdade, assim como na fotografia publicitária, eu poderia fazer de tudo nas minhas imagens com o Photoshop, mas prefiro não fazer nada que altere a cena. E se para muitos há algo nela que perturba, eu não me importo. Usar o carimbo do Photoshop nas fotos me tiraria a diversão.”

Um dogma frequentemente dito é que a fotografia de rua “pura” deve ser feita com a lente de 50mm, porque ela teria o ângulo de visão e a perspectiva mais naturais. “Nem sei ao certo porque se fala isso. Eu praticamente só uso a 35mm. Mas é porque eu prefiro estar perto. Ver de perto. Mas é de novo a mania de querer classificar as coisas. Ultimamente acho a 50mm muito ‘fechada’ para o meu gosto. Então, minha escolha é 35mm em full-frame ou 23mm para um campo similar na compacta. Uma vez que comecei com fixas curtas, não preciso mais carregar nada além da câmera. No máximo, uma bateria a mais e um cartão de memória.”

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Claudio Edinger por Carlos Alexandre Pereira

No

dia em que comecei a trabalhar na edição #2 da Fotografia et al, estava ainda conferindo minhas mensagens via FB quando vi mais uma das costumeiras postagens do Claudio Edinger sobre algum fotógrafo interessante do passado ou presente. Imediatamente mandei uma mensagem para o Claudio, convidando ele para uma entrevista. Ele respondeu na hora: “Claro! Quando e como?”

E desde a primeira resposta Claudio foi mostrando que ele tem uma visão muito objetiva da fotografia. Segundo ele, fotojornalismo tem seu propósito, assim como fotografia comercial ou outro estilo qualquer de fotografia; e o propósito da fotografia autoral é a arte; se você deseja fazer fotografia autoral, você deve se preparar e se dedicar a fazer fotografia autoral. Ele usa sua experiência pessoal como exemplo, ao minimizar a importância de seus trabalhos com fotografia comercial.

Eu visitei o Claudio em seu apartamento em São Paulo. Um apartamento antigo e bastante amplo. Já no pequeno hall de entrada do elevador um quadro com uma imagem sua dando as boas-vindas. Nós conversamos na sala de estar, acomodados em sofás dispostos ao redor de uma mesa de centro quadrada, coberta com pilhas de livros e revistas, muitos deles com post-its marcando páginas em seu interior. Vários de seus quadros enfeitam as paredes da enorme sala de estar e jantar, e entre outras peças de arte, chama a atenção uma enorme escultura colorida de uns 2m de altura, de autoria de um artista plástico coreano que vive em São Paulo.

“Eu nunca tive dúvida que eu era um artista fazendo trabalhos comerciais. Nunca achei que era meu objetivo fazer trabalho comercial. E nem dei muito certo como fotógrafo comercial por isso. Acho que quando você é um cara que faz trabalho comercial, você vai bem naquele trabalho comercial, mas daí seu lado pessoal, autoral, não aparece. (...) Mas que existe essa divisão, existe - bem clara - sobre a fotografia utilitária e a fotografia autoral. Bem clara! E se não é clara na cabeça das pessoas, é porque não se aprofundaram no assunto. Mas é claro isso. É como o pintor de letreiro, o pintor de fachada, e o pintor mesmo.”

Comecei a entrevista com uma pergunta em tom de brincadeira. Assim como Sebastião Salgado você estudou economia e se tornou fotógrafo. Para se tornar um grande fotógrafo é preciso estudar economia?

Claudio teve seu talento reconhecido desde o início de sua carreira. Começou a fotografar em 1973, aos 21 anos, antes mesmo de se formar como economista. Logo no início ganhou um prêmio em um concurso de fotografia, mas ele conta que foi a partir do trabalho realizado no Edifício Martinelli - que lhe rendeu uma exposição individual no MASP em 1975 - que ele não teve mais dúvidas, seria fotógrafo.

“Pelo contrário, acho que atrapalha! Acho que se tivesse estudado história da arte teria sido mais proveitoso.”

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“Eu fui para os EUA para melhorar meu conhecimento, a gente no Brasil tinha um conhecimento muito precário da fotografia, não tinha nenhuma faculdade de fotografia. (...) Eu queria me aprofundar, eu queria fazer livros, era o meu sonho. (...) E aí eu fui para os EUA que era um lugar onde as coisas estavam acontecendo.”

“Não. Pode até dar essa impressão, mas nenhum trabalho meu eu já sabia o que queria e já fui fazer uma coisa definitiva. Todos, fui descobrindo. O meu temperamento não permite esse planejamento antecipado. (...) Não gosto de repetição, não gosto de saber o que vai acontecer.”

Sua primeira residência nos EUA foi na comunidade judaica de Nova York. Por quase dois anos Claudio conviveu com os judeus ortodoxos fotografando-os em suas diversas atividades diárias. Esse trabalho - “Hassidic Jews” - rendeu uma exposição individual em 1978 no International Center of Photography.

“Recentemente eu lembrei de um episódio que praticamente definiu para onde eu ia na vida. Eu tinha 10 anos de idade, eu aprontei na escola e o diretor chamou meu pai. Meu pai foi lá, era um dia de copa do mundo, 1962, Brasil e Tchecoslováquia. O diretor falou que eu só aprontava, que eu não me comportava, meu pai é alemão e falou:”

Depois disso Claudio mudou-se para o Chelsea Hotel, no coração do Chelsea, reduto boêmio e cultural de Nova York. O Chelsea Hotel ficou famoso pela grande quantidade de hóspedes ilustres, entre eles Bob Dylan, Jimmy Hendrix, Andy Warhol e outros. “Essas personalidades todas não moravam lá quando eu fui morar. (...) Eu fui morar lá porque era um lugar barato para morar. Era um prédio bacana com uma localização bacana, no coração do Chelsea, perto da escola onde eu dava aula. Foi uma decisão prática, eu não tinha ideia que eu ia fazer um livro de lá.” “Demorou muitos meses até eu começar a fotografar. Eu fui vendo as pessoas, as personagens, o elevador, o lobby; só tinha personagens. Não tinha ninguém famoso, tinha algumas pessoas famosas pra cultura americana, mas não eram famosos como Bob Dylan e Janis Joplin. Mas um belo dia eu comecei a fotografar e passei três anos fotografando dia e noite o hotel até fazer o livro.” Enquanto estudava mais atentamente os diversos projetos do Claudio, fiquei com a impressão de que os trabalhos “Hassidic Jews” e “Madness” foram mais pensados, planejados; enquanto que nos demais trabalhos, o Claudio tinha apenas uma ideia global do que gostaria de fazer e foi aprofundando o conceito ao longo da execução.

- Então bota esse menino de castigo já, faz ele escrever 100 vezes na lousa: “Eu não vou mais ser malcomportado na escola.” E além do mais ele está trazendo aí embrulhado como lanche um radinho de pilha que ele ia escutar o jogo. Me dá aqui esse rádio que eu vou levar embora. “Eu fiquei furioso com aquilo. Furioso porque além de tudo, estava todo mundo no recreio ouvindo o jogo e eu na sala de aula escrevendo com o giz na lousa. (...) E aí eu escrevi a primeira, a segunda, a terceira eu escrevi com uma letra bem pequenina, a quarta com uma letra grande, a quinta com uma letra de forma. Então eu criei um mosaico. E eu lembrei isso outro dia, essas coisas da infância, e eu pensei: Já era o meu temperamento.” O trabalho de Claudio Edinger a partir do livro “Rio de Janeiro 2001” é facilmente reconhecível devido ao uso da técnica de foco seletivo que ele vem desenvolvendo de forma mais acentuada desde então. Minha impressão era a de que sua obra poderia ser dividida em 2 fases, antes e depois deste livro. “Olha, eu acho que a minha marca pessoal que é o foco seletivo. Se você analisar meu trabalho ele existe desde o primeiro. Desde o começo eu andei procurando esse foco seletivo. E a muito tempo

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eu queria fazer as imagens com foco seletivo, mas não tinha equipamento. Então, em 86, por exemplo, muito antes de quando comecei a fazer o Rio (Rio de Janeiro 2001), eu fui pra Índia e usava um flash, e o flash era o foco seletivo, ele isolava as pessoas do fundo. Eu isolava os elementos do fundo.” “O foco seletivo nada mais é do que isso, um isolamento dos elementos, é como a gente enxerga as coisas normalmente. (...) É a maneira como a gente vê as coisas. E aí, você utilizando isso no seu trabalho, você começa a enxergar mais profundamente as coisas.” “Eu estou lendo agora um livro do James Joyce, e o Joyce fala o seguinte: “Todo meu trabalho é sobre Dublin, porque em Dublin estão todas as cidades do mundo. Concentrando no particular, eu descubro o que é o universal.” E é exatamente isso o que o foco seletivo faz. Concentrando no particular que existe dentro da imagem, você começa a entender o universal que existe fora da imagem. Começa a enxergar melhor.” Uma afirmativa logo no início de sua resposta me chamou a atenção: que há muito tempo ele desejava fazer imagens com foco seletivo, mas não tinha o equipamento apropriado. Insisti então no assunto perguntando se a partir do “Rio de Janeiro 2001”, quando ele usou o equipamento certo, ficou claro para ele o caminho a ser seguido.

Sabe quando você tem tudo pra você? Tem várias direções possíveis para o foco seletivo. Então eu acho que estou no começo da minha pesquisa com o foco seletivo. E aí, não sei onde vai dar, não sei se amanhã isso vai me cansar. Algumas pessoas reclamam:“ - Poxa você ainda está fazendo esse negócio do foco seletivo? Você não cansa disso? ”Aí eu falo, porque você não chega para o cara que faz tudo 100% em foco, a quase 200 anos, se o cara não vai parar de fazer assim? Poxa, eu estou começando! Faz 12 anos que eu faço isso. A foto toda em foco existe a quase 200 anos e não é uma foto que reflita o que a gente vê. (...) A imagem fotográfica toda focada é artificial demais. Ninguém enxerga tudo em foco. Então fica claro que é uma grande mentira isso. No meu caso é menos mentira, porque é assim que a gente enxerga as coisas.” O livro “Rio de Janeiro 2001” foi, entre seus livros publicados, o último a fazer uso de imagens P&B. Após este livro, Claudio tem realizado todos os seus trabalhos até o momento inteiramente em cores.

“Não. Eu acho que o que acontece com qualquer artista, a gente vai amadurecendo o ponto de vista. Ainda mais com a fotografia que está começando com a gente agora. Nós estamos abrindo os caminhos, então não dá para ser muito claro. (...) Então não ficou claro para mim que minha busca era o foco seletivo, ficou claro quando comecei a fazer o Rio. Aí eu falei: “Puxa, é isso que eu sempre quis!” O que eu sempre procurei na fotografia.”

“Tem “Amazônia” que não é nem colorido e nem P&B, porque é um trabalho em andamento. Não foi proposital. “Agora não vou mais fotografar P&B.” Até o “Rio de Janeiro 2001” a grande maioria dos meus projetos eram em P&B; carnaval, Juquery, judeus, etc; então de certa forma o interesse pelo P&B, meio que se esgotou, enquanto que o colorido não. Eu vejo muito mais possibilidades no colorido do que no P&B neste momento. É impossível negar que uma foto colorida tenha que funcionar bem no P&B. A alma da foto colorida é o P&B. Então no meu caso, as fotos coloridas que eu faço, são as fotos P&B que eu fazia, coloridas,”

“Eu acho que essa pesquisa que eu comecei, eu não terminei. Não sei quando vai terminar. Quando eu comecei esse trabalho com foco seletivo, fez muito sentido para a mim. E fui um dos primeiros.

“Tem esse elemento de cor que pode atrapalhar. Porque o que é bacana no P&B é você isolar a realidade. (...) E ela tem mais impacto por isso, porque ela dissocia da realidade. Você conseguir fazer

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isso com a foto colorida, já é um desafio maior. Mas como eu crio esse foco seletivo, existe essa dissociação, porque você olha para a imagem e você dissocia da realidade, você não se dá conta. (...) E o P&B tem uma associação muito grande com a memória, nossa memória tende a P&B. Você não lembra tanto das cores, lembra do conteúdo, do que você sonhou, do que aconteceu.” Em vários de seus artigos, Alam Bamberger ensina que o artista para valorizar sua obra precisa saber falar sobre ela, explicar, dar detalhes. Fica fácil entender esse conceito na prática conversando com Claudio sobre o seu trabalho. Começamos então a falar sobre seus livros e seu método de trabalho. “Por exemplo, o livro dos judeus, eu fui lá para fazer esse livro. Desde o começo meu negócio é fazer livros. Minha paixão pela fotografia vem dos livros. Eu acho que em um livro, você atinge o potencial máximo da fotografia. A síntese que você consegue com uma série de fotos é insubstituível. (...) E um livro é muito rico não só pelo que ele traz para as pessoas, mas também para o que ele traz para o artista. Porque ele é um ponto de contemplação. Ele é um ponto de demarcação. A um ano atrás quando eu lancei o livro, eu estava em um momento, hoje eu já não faria isso. Hoje eu já mudaria todos os meus livros. Bom sinal, bom sinal. E é isso para que livro serve. Para mostrar aonde você está, para onde você vai, por onde você veio. O que vem por aí.” Claudio é um dos poucos fotógrafos brasileiros que estão constantemente publicando novos livros, feito memorável em um país em que livros em geral não são consumidos em quantidades expressivas, muito menos livros de fotografia. Produzir um livro de fotografia de qualidade é difícil, leva algum tempo até capturar imagens em quantidade suficiente, sem contar em todo o tempo gasto na viabilização financeira do projeto. Daí minha curiosidade em aprender com fotógrafos como Araquém, Claudio e outros bem sucedidos nesse desafio. Trabalhar em um único projeto do início ao fim ou em vários ao mesmo tempo? Sozinho ou contar com 33

colaboradores? “Eu costumava fazer isso, trabalhar em um único projeto. Gosto de começar, fazer e terminar, acho muito saudável isso, muito maduro. Mas acho que pela própria realidade, você fazer como eu faço, desenvolver um projeto durante 1, 2 ou 7 anos, ninguém paga isso. Então eu tenho que viabilizar esse projeto, e as vezes eu não consigo viabilizar durante 1, 2 ou 3 anos. E aí, de repente eu faço um outro projeto que talvez me ajude a viabilizar o projeto inicial. Não são projetos que eu trabalho todo dia. É sempre uma viagem, como quando vou por exemplo para o sertão da Bahia e fico 3 semanas no máximo, e o resto do tempo? Então tenho muito tempo livre. Enfim, você fotografa, edita, digitaliza quando é fotografado em filme; mas mesmo assim você ainda tem tempo livre. E aí começam a aparecer outros interesses.” “O sertão da Bahia já surgiu quando eu estava fazendo o livro São Paulo. Já comecei a fazer os dois juntos. E é muito bom por um lado porque o que você descobre lá, você traz para cá, e o que você descobre aqui, vai para lá. Eles trabalhando juntos. E eu estou ‘sacando’ que dá pra fazer isso. Tanto que eu estou trabalhando em 6 projetos ao mesmo tempo agora. Só que agora, eu resolvi fazer um outro ‘troço’, em vez de fazer 6 livros, vou fazer 1 livro com todos. Todo o trabalho feito com foco seletivo eu vou colocar em 1 livro de 40 anos de carreira. (...) Olha, normalmente sim (trabalho sozinho), mas sempre tem amigos, curadores, que olham, palpitam; minha mulher sempre olha dá bastante palpite.” Mas Brasil é Brasil, e é difícil viver só de livros e venda de quadros nesse país. Felizmente muita gente pensa como o Claudio e enxerga a necessidade de aprender, se aprimorar, e para isso existem grandes fotógrafos como Claudio que gostam e se dispõem a ensinar. No início de 2014 o Claudio esteve pela quarta vez na Índia, dessa vez liderando um workshop de fotografia. Perguntei como foi essa experiência.


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“Eu dou muita aula, curso de fotografia, faço muito workshops nestes festivais de fotografia, gosto muito de dar aula. Dou aula desde 1979, fazem 40 anos que dou aula. E eu faço meditação a 40 anos também, e tenho umas amigas que tem uma escola de cursos alternativos. E elas me convidaram para dar um curso de meditação. Mas eu acho que foge um pouco da minha área. Aí eu ofereci para dar um curso de fotografia e meditação. Até porque eu acho pertinente aos fotógrafos. Acho que meditação tem tudo a ver com fotografia, porque boa parte do que a gente faz é instintivo. O que é esta intuição? Como acertar isso? Elas gostaram da ideia, fizemos e foi legal. Aí elas falaram:” - Vamos fazer de novo? “Nem a pau.” Eu pensei. Esse negócio de ficar repetindo a mesma coisa não é comigo. Tanto é que nenhuma aula que você for minha, na sua vida, vai ser igual. Nunca! Porque, enfim, a gente vai aprendendo mais coisas e vai acumulando. Deu um curso aqui, vai dar o mesmo ali? Não! Eu recusei porque não sou esse tipo de pessoa. Eu falei o que eu gostaria de fazer, que é bacana: “Quem sabe vocês possam organizar um workshop na Índia. (...) Acho que seria legal para 10 pessoas irem para Índia juntas, ver como trabalha um fotógrafo. Ver como a gente pensa, durante 1 semana, uma coisa intensa.” “E aí a gente foi, e foi muito bom. Foi muito melhor do que eu imaginava. Fotografei mais do que eu fotografaria normalmente, não sei se todo dia eu teria saído para fotografar. Eu tenho 61 anos, não tenho mais essa energia para acordar todo dia as 7hrs da manhã e sair para fotografar. Mas como tinha esse grupo, não tive escolha. “Vamos, que vamos!” Depois você dorme. Depois que você morrer você dorme! Foi ótimo.” Trabalhar sozinho muitas vezes pode ser mais fácil, quando você tem certeza de seus objetivos e segurança do que está fazendo. Mas algumas vezes essa certeza pode não existir e a insegurança acaba

atrapalhando seu progresso. “Várias vezes cheguei a duvidar. (...) Mas cara, eu sigo uma prática de yoga que dá muita força, muita firmeza. É incrível! E eu, francamente, não entendo como as pessoas que não tem essa prática de meditação de yoga conseguem se manter. Se não fosse isso eu já tinha pirado. Quantos e quantos fotógrafos amigos meus de Nova York eu já não encontrei falando sozinho na rua. Ou pirado, ou que largou tudo para abrir um restaurante. Quantos!” “Mas eu tive momentos muito difíceis, tinha hora que tinha vários livros que ninguém queria publicar, e aí? Mas eu acho que você quando descobre o que você quer fazer ... o Joseph Campbell fala isso e eu sigo muito o que esse cara fala, bate muito com o que eu penso. É um cara sensacional que estudou muitas coisas da Índia e eu estudo muita coisa da Índia também. Ele foi professor de antropologia, um cara brilhante. (...) Ele dizia o seguinte: “Follow your bliss!” (...) Siga o que te dá alegria, siga o que você sabe que é o seu caminho! Porque aí, onde não haviam portas, portas serão construídas para você, portas que nunca se imaginou possíveis no universo. E eu sou a prova viva disso.” Esse experiência do Claudio com a meditação, uma constante desde a época em que se iniciou na fotografia; quando relacionada com sua personalidade inquieta, mostra uma dualidade na sua vida muito interessante. “A gente está sempre em luta. O que funciona mesmo ... por isso que eu fotografo com foco e desfoque, essa ambiguidade, esse paradoxo ... a gente vive constantemente nesse paradoxo. É o paradoxo que é o combustível do universo! É o paradoxo! Amor e ódio, noite e dia, verdade e mentira, fome e ansiedade ... a gente está sempre nesse meio. Você acaba de comer e daqui a pouco já está com fome de novo. Sabe? Esse é o processo. E tem que ser assim, porque se não, não teria mundo. Você comer, ficar satisfeito e não precisar mais comer, acabou a brincadeira!” 36


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Desde o início de sua carreira, Claudio Edinger se acostumou a ganhar prêmios com seu trabalho, foram vários no Brasil e no exterior. “Mas pessoalmente, acho que prêmio mesmo é você chegar num lugar como na Índia e ter um momento como a gente teve. (...) Uma cena assim, inacreditável! Uns caras, uns 100 caras boiando no rio Ganges, todos eles usavam um pano em volta, aí eles lavaram esse pano e depois ficaram estendendo esse pano pela praia do Ganges. Isso é o maior prêmio do mundo para um fotógrafo. (...) Falei para o pessoal que estava lá comigo: “isso aqui é o maior prêmio que vocês vão ter na vida!” (...) Uma cena assim, com uma luz maravilhosa, ao lado do Ganges. Tanto é que eu entrei no Ganges aquele dia, fiquei tão emocionado que falei: “Porra! Isso é prêmio!“ A empolgação do Claudio ao contar o episódio dos homens na beira do rio Gange foi contagiante, quis saber mais sobre esta emoção ao sentir que se está diante de uma imagem sensacional. Foi uma oportunidade única ou uma sensação com a qual ele já se acostumou? “Nossa, muitas. Muitas! Em cada projeto que trabalho acontece essas coisas.” Lembrei do velho adágio “20% talento e 80% transpiração”... “Acho que acontece para quem é dedicado. Você tem que ser dedicado. Para quem acredita. Se você quer ser fotógrafo, você não pode ter nenhuma dúvida na sua cabeça. E o fotógrafo não tem nenhuma dúvida. É como o gorila, o gorila não tem dúvida que ele é gorila. Ele pode até se questionar, mas o cara chega para ele põe um espelho na frente e fala: “Pô meu, você é um gorila caralho. Não adianta você querer ser girafa. Você não é uma girafa, você é um gorila.” “Tem que saber que a fotografia é uma força da natureza, que nem

um furacão, que nem um terremoto, que nem uma tempestade. E essa força existe num universo que ela tem que existir. Porque isso faz parte do universo! Então essa força, tem mágica envolvida. (...) Fotografia é pura mágica. (...)A fotografia, só quem vive que entende, sabe? É que nem o pai de santo tentar explicar quando o espírito entra no corpo dele. Porque, pode explicar o quanto quiser que eu não vou entender enquanto eu não for lá e receber o espírito. Aí eu vou saber. Fotografia é isso.” Ao longo de 2013 conversei com vários galeristas e li vários artigos sobre o mercado de arte, e a impressão que fiquei é que para um fotógrafo ter uma chance em alguma galeria, não basta ter um bom trabalho, ele precisa primeiro ganhar algum prêmio ou ter alguma visibilidade. O próprio Claudio começou sua carreira ganhando prêmios e expondo individualmente em espaços importante, como o MASP e o International Center of Photography. “Para você ter uma aceitação no mercado de arte, você precisa ter ... você precisa mostrar primeiro que você não está aqui só agora, que você está aqui pro resto da sua vida. É fundamental isso. Fazendo um livro você estabelece isso. Porque esse é o mercado de arte. O cara não vai comprar seu trabalho achando que você amanhã vai virar saxofonista. Eu acho isso, eu não investiria em você, porque é um investimento.” Sobre o mercado brasileiro de arte atualmente... “Acho que está indo extraordinariamente bem e nem começou. Eu acho que é um mercado que vai crescer cada vez mais. (...) É a pintura do século 21, só isso. Só isso. Então, em termos de interesse dos colecionadores, interesse do mercado, interesse dos museus, só vai aumentar. A qualidade dos trabalhos, só vai aumentar. Nós estamos vivendo em uma época revolucionária, em que a fotografia está ficando cada vez melhor, cada vez mais interessante. Estão aparecendo fotógrafos novos extraordinários cada vez mais, em qualquer canto do mundo, o que é uma loucura.” 40


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E claro, sempre iremos associar evolução e dinamismo com tecnologia... “Tem um cara chamado Vilem Flusser - que talvez valha a pena dar uma lida nele - que é um cara que tem sempre estado muito à frente do seu tempo. Ele disse que a primeira revolução cultural da humanidade foi quando apareceu a escrita, que foi mais ou menos 2.000 anos atrás. E agora a segunda revolução, foi com o aparecimento da fotografia. E a gente está vendo essa revolução. Todo mundo se comunica com foto cada vez mais E dentro dessa comunicação, os trabalhos artísticos tem aumentado muito. O facebook é uma ferramenta revolucionária para o artista, porque você faz a foto, já publica, já tem comentários. Você já vê se gostam ou não gostam, ajuda você a editar. Ajuda o seu processo. Acelera muito o processo.” Minha última pergunta, confesso, foi um cliché muito manjado. Qual conselho você daria a um fotógrafo iniciante, focado em trabalho autoral? “Primeiro, estude, não é? Segundo, acredite! Acredite que é isso mesmo que você tem que fazer. E se você estiver fazendo o que você tem que fazer, o universo vai conspirar a seu favor. É a lei básica.” - Putz, mas não como há 3 meses! “Vai, segue, continue fazendo, continue fazendo. Porque é isso aí! O universo está do seu lado. Porque você precisa acreditar nisso. A fotografia é fundamental para raça humana. Fundamental! Como é fundamental todo o resto, comida, todo o resto. Fotografia tem o seu lugar, o fotógrafo tem o seu lugar, entendeu? Então, continue fazendo. Isso é primeiro, segundo: estude sem parar! Terceiro, produza sem parar! Quarto, não durma! Nunca!”

ciumenta, ela não admite competição. Ela não admite competição! Então ela precisa dedicação integral. Não dá para ser fotógrafo e – eu já falei, estou repetindo – não dá para ser fotógrafo e mais alguma coisa, entendeu? Não dá, não dá! Porque fotógrafo é isso que tem que fazer. Vai estudar, vai conversar com fotógrafos que já fizeram, que estão fazendo seu trabalho. Vai fazer cursos. É muito importante.” Mas ele ressalta que início de carreira é difícil para todos, independentemente da profissão. Então é um processo seletivo natural que mantém vivos apenas aqueles que, como ele ressaltou, se dedicam de corpo e alma, se preparam e obviamente, tem talento. Conversar com o Claudio foi um prazer enorme. Pude conhecer melhor esse fotógrafo brasileiro que ao longo de sua carreira desenvolveu um estilo pessoal marcante, baseado não em uma técnica, mas em uma visão clara e peculiar que ele tem da vida e da fotografia. Enquanto Claudio ia contando sua história, foi ficando evidente a sua personalidade aventureira e sua capacidade de transformar suas experiências pessoais em grandes projetos fotográficos. Trocar a economia pela fotografia, mudar-se para os EUA para estudar e se aperfeiçoar, sustentar-se como professor ou freelancer; tudo isso sem sacrificar seu trabalho com a fotografia, aproveitando ao máximo suas experiências pessoais transformando-as em projetos fotográficos diversificados. “ A transcrição completa e integral da entrevista poderá ser lida em breve no website da revista, basta procurar pelas tags “entrevista” ou “Claudio Edinger”.

No ponto ou literalmente? “Nunca! Porque se fizer tudo o que eu tenho para falar, o cara não vai ter tempo para dormir. É esse tipo de dedicação. A fotografia é 42


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Índia - Memórias do que Nunca Vi por Betina Samaia

Minha

imaginação foi alimentada por esta terra de sonhos desde muito menina, quando aguardava ansiosa no portão de casa a chegada do carteiro trazendo notícias de meus pais viajando pela Ásia. Recebia feliz, cartas escritas em papéis de seda com arabescos azuis e amarelos, com descrições maravilhosas de uma realidade mágica, onde camelos e elefantes decorados carregavam pessoas misteriosas, envoltas em turbantes e véus multicoloridos. Agora, quase 40 anos depois, fui conhecer a Índia dos meus sonhos, a Índia que incendiou a imaginação de uma criança. Cheguei a Nova Delhi de madrugada e fui direto ao hotel. De manhã acordei em um mundo onde nada do que eu vi até hoje serve de referência. Um transito caótico, onde homens, mulheres e crianças, riquixás, bicicletas, automóveis, elefantes, camelos, motos levando até 6 pessoas, moto táxis, carros, ônibus e caminhões coexistem em ruas sinuosas sem calçadas. Graças à grande religiosidade do povo, certamente, não morrem milhares de pessoas por dia nas ruas. Eu mesma escapei de ser atropelada na parte antiga de Nova Delhi pelo menos três vezes no primeiro dia.

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Tudo isso ao som de muita, muita buzina. O bom motorista indiano precisa de 3 coisas: good horn, good brakes – e good luck! Fui com meu namorado, o Claudio Edinger, em uma viagem de sonho. Esta foi sua 4ª viagem pra lá e poder ir pra Índia com alguém que conhece o país é fundamental. Com ele, que compartilha minha paixão pela fotografia então, nem se fala. Fui com altíssimas expectativas – e a viagem superou e muito tudo o que eu imaginava. Logo no primeiro dia fomos à parte antiga de Delhi, na parte onde só tem muçulmanos. Ouvimos tanto falar de como eles não gostam de estrangeiros que ficamos com um pé atrás. Nosso guia, um fotógrafo indiano, conhecia as pessoas e aos poucos fomos no sentindo em casa. Os indianos em geral são muito hospitaleiros e no bairro islamita pudemos conhecer o dia-a-dia deles. As mulheres todas cobertas de burcas assustam um pouco à primeira vista. Mas com o tempo fomos nos acostumando e até pressentindo o que se passava lá dentro (“olha, esta parece que está rindo por trás do véu – ou – esta pelo jeito de andar deve ser linda...”). No fim do dia, exaustos, optamos por voltar ao hotel de riquixá, pois no ritmo da bicicleta, poderíamos aproveitar mais a paisagem e quem sabe até conseguíssemos parar e fazer mais alguma foto.


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Em 30 minutos de viagem esgotei o meu estoque anual de adrenalina. Parecia um trem fantasma, a um segundo de bater na caveira, cair numa teia de aranha ou ser atacado pelo vampiro. Delhi mais riquixá mais hora do rush igual a experiência inesquecível. “Welcome to India madam”, dizia o nosso motorista magrinho, que se divertia – e sofria – enquanto pedalava. Na subida ele descia para empurrar a bicicleta. No transito era uma espécie de Schumacher, costurando entre os outros riquixás, talvez tentando se mostrar para o casal de estrangeiros. Os estrangeiros na Índia se sentem como celebridades. É muito comum pedirem para tirar fotos conosco. Mais ou menos o que devem sentir o Brad e a Angelina quando passeiam pela rua. Isto facilita muito a vida do fotógrafo que consegue, quase sempre, fotografar quem quiser da maneira que quiser. Não existe uma Índia, país que até pouco tempo atrás era formado por mais de quinhentos reinados, com marajás próprios e cada um com características próprias, é muitos países. Mudou a partir de 1946 quando conseguiu independência do Reino Unido. Aos poucos os republicanos foram unindo o país. Ofereceram aos marajás uma chance de se unir à Índia em troca de uma pensão vitalícia. Setenta por cento dos marajás toparam e o processo começou. Aos outros trinta por cento o governo de Jawaharial Nehru deu um ultimato – ou se juntam ao país ou serão tomados à força. Só um marajá resistiu, o mais rico de todos, o nizam (o mesmo que marajá) de Hyderabad. Lutou contra os republicanos em vão, perdeu a luta e fugiu com sua imensa fortuna. Tinha minas de diamantes e é famoso por ter usado um dos maiores diamantes do mundo (de centenas de quilates) como peso de papel em sua mesa.

Cada região da Índia tem uma língua própria e cultura diversa. O hindu do sul é bem diferente do hindu do norte. Os muçulmanos da Cashemira são bem distintos dos muçulmanos de Calcutá. Cada um descobre a sua Índia aos poucos. Descobri a minha nos pequenos vilarejos do Rajastão. Consegui captar o que via nos sonhos da infância, estas imagens de meu passado, misto de realidade e ficção, memória do que nunca havia visto antes. Antes de vir já sabia o que queria. Mandei modificar uma câmera Canon 5D, removendo um filtro, e assim pude capturar a radiação da luz do que vemos – o infravermelho. Queria capturar uma Índia que mostrasse sua magia, a magia que eu percebia em minhas lembranças da viagem de meus pais. Sou formada em psicologia e me interesso em capturar o desconhecido, o inconsciente. Nos últimos três anos tenho fotografado à noite, muito mais acessível agora com o avanço tecnológico de nossos equipamentos. Procuro imagens que falem de mim, cristalizem meus sentimentos íntimos e que acabam por me revelar mais sobre a minha pessoa e me ajudam a entender quem sou. Gosto muito do que diz o fotógrafo americano Duane Michals. Para ele fotografar o que vemos interessa muito menos do que fotografar o que sentimos. O que vemos todo mundo vê. O que sentimos, só nós sentimos e poder transmitir isso em imagens me interessa. Tenho pesquisado a fotografia, explorando suas fronteiras. Foi uma viagem longa, de quase 40 dias, o que nos possibilitou conhecer muitos lugares interessantes.

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No Rajastão fomos à Bhangharh, uma cidade fantasma, a mais assombrada da Índia. Fundada em 1573, foi abandonada 10 anos depois. Segundo a lenda, a princesa Ratnavati era muito cortejada no Rajastão, e recebia muitas ofertas de casamento. Um dos pretendentes dela era o mágico ocultista, Singhia. Ele havia usado sua magia negra em um óleo que a princesa estava comprando; a ideia era que, ao tocá-lo, ela se rendesse ao mágico. Mas Ratnavati percebeu a magia e abandonou o óleo no chão, transformando o solo em pedregulho e esmagando Singhia. Quando ele estava morrendo, amaldiçoou o lugar e disse que todos que morassem no palácio da princesa morreriam. Um ano depois, ela morreu em uma batalha entre Bhangarh e Ajabgarh. E o império ficou esperando o fim da maldição. Até hoje ninguém sabe o que aconteceu na cidade. Tanto que o governo indiano criou um órgão para estudar o local, mas ninguém quis construir a instalação para a pesquisa dentro da cidade. Assim, a cidade hoje em ruinas é visitada somente durante o dia, pois eles acreditam que os fantasmas aparecem depois que o sol se põe.

Saímos do Rajastão em direção à cidade sagrada de Vrindavan e na beira do rio Yamuna fotografei um barqueiro que com o infravermelho me fez pensar em um barqueiro divino que leva as pessoas deste mundo para o outro. Em Varanasi, terra de santos e malucos de todos os tipos e tamanhos, em uma cidade incrível com uma história rica em personagens e sábios, à beira do rio Ganges, armei minha câmera para fotografar a vista e, naquele instante, um mergulhador apareceu no quadro e eu apertei o botão. O imponderável em ação. Fotografia é pura mágica. Junto à terra mágica da Índia, nos sentimos como na confluência de Vênus com Marte. Tudo conspira a nosso favor.

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Nos Caminhos do Quilombola por José Bezerra

Era

uma manhã como qualquer outra, no ano de 2013. O mês, para ser mais preciso, foi novembro. Após última checagem nos equipamentos, dei um beijo na esposa e filho para tão somente cair na estrada. O destino? Cidade de Portalegre, localizada no interior do Rio Grande do Norte. Situada sobre a serra com 650 metros acima do nível do mar, esta cidade aconchegante e de clima atípico para uma região semiárida do nordeste brasileiro, revela seus encantos fotográficos não só por aglutinar pelo menos quatro comunidades quilombolas, mas por abrigar grandes belezas naturais. Depois de pelo menos 2hs de viagem, chego ao local. A comunidade quilombola do Arrojado é um típico povoado, que mesmo repleto de casas construídas em alvenaria, é visivelmente ancorado no passado. A maioria dos moradores lida com agricultura. Alguns poucos, por persistirem nos estudos, conseguem sair daquela condição e vão para cidade grande. Mas costumeiramente retornam para visitar seus entes queridos. E claro, rememorar as vielas por onde correram quando mais jovens. Ainda que ancorados, seus pensamentos não estão dentro do que considero retrógrado ou atrasado. Além de hospitaleiros, são defensores dos – digamos – bons costumes. 55

Ao chegar à casa da liderança comunitária, direito dado aos mais velhos e experientes, passamos a dialogar sobre o que havia combinado; um contato e eu. Para minha surpresa, ninguém havia falado nada com ele antecipadamente. Esse fato me pôs numa situação embaraçosa. Logo nada tão complexo que um bom e sincero diálogo não resolvesse. Passamos pelo menos 1hr conversando. Dentre os assuntos; família, costumes, reflexões sobre a vida no cotidiano. Em um dado momento do nosso diálogo, tive que pedir para dormir em sua casa, porque este trabalho fotográfico tem uma característica peculiar. Dou sensata prioridade à necessidade de permanecer no local o máximo de tempo possível. O grande fotógrafo brasileiro Araquém Alcântara tem em sua filosofia a ideia do pertencimento do fotógrafo ao local fotografado. Este fato, coadunando com o grande fotógrafo, nos aproxima um passo a mais do que encaro ser o real. Sei que nenhuma imagem é de fato a realidade, mas persisto na ideia de sempre tentar me aproximar o máximo que posso, sempre. E isso inclui dormir como dormem os fotografados, me alimentar do que eles comem. Ouvir suas histórias, lições e aprendizados. Compreender seus sofrimentos para tão somente vislumbrar suas almas e tentar registrá-las.


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Uma vez tendo conquistado a amizade e confiança de um dado líder, o resto é somente prezar pela boa convivência, diálogos amistosos, evitando juízos desnecessários. Pois bem, passado já um bom tempo, chegou a hora de perambular pelas vielas de terra, me deslocando de casa em casa, escolhendo como se pela energia que dela emanasse. Sentando com seus moradores para conhecer um pouco mais de suas vidas, explicar o sentido deste trabalho fotográfico e convidá-los para fazerem parte desta documentação social.

Seu neto em particular revelou um olhar expressivo. Profundo e simultaneamente distante, vazio. Não consegui vislumbrar naquele instante a felicidade presente no seu avô. Enquanto dialogávamos, em meio a uma foto e outra, sou convidado a ficar para o almoço. Só que este não seria servido lá, mas na casa vizinha. E lá, conheci Dedé, assim chamado. Um senhor de sessenta e tantos anos, com rosto ranzinza, mas com grande e generoso coração. Um homem justo, correto. Daqueles que empenha palavra. Logo nos entendemos, pois falamos a mesma língua.

Para que os leitores conheçam melhor este trabalho de documentação fotográfica é preciso explicitar de onde vêm os conceitos básicos que adoto. Tenho duas razões fundamentais; o instante decisivo pregado por Henri Cartier-Bresson e a visão humanística presente na fotografia do Sebastião Salgado. Adoto a ideia de poucos recursos, incluindo equipamento. Ando muito a pé. Deslocando-me costumeiramente por quilômetros, se necessário. Por conseguinte, levo somente o essencial comigo. Municiado com empatia e respeito ao cotidiano das pessoas, sou sempre um forasteiro que tenta se tornar local, para desta intimidade registrar tudo aquilo que me for simples e expressivo.

Este me contava sobre pessoas aproveitadoras, com boa lábia e má fé, que vinham até a comunidade para usurpar do excesso de confiança. Pessoas que vivem em áreas remotas preservam costumes que hoje estão em desuso nas ditas cidades grandes. Principalmente os mais velhos. Eles são condicionados a honestidade e confiar na palavra dada. Um pouco deste costume está sendo destruído em detrimento dos traumas sofridos pelas perdas materiais e psicológicas.

Logo na hora do almoço me adianto e encosto num transeunte local. Por uma estrada de terra encontro com este simpático morador. Ele fazia o translado do capim para os animais. Quem levava a carga era o burro. Seu dono, só observava, pois o animal já era condicionado o suficiente para seguir todo o trajeto sem vacilar. Enquanto caminhávamos conversamos sobre como é realizar essa tarefa diariamente. O quão bem ele se sentia ao desempenhar aquela atividade. E então pergunto a mim mesmo; o que realmente é importante na vida? Ele, o simpático morador, já era avô e me fez questão de mostrá-lo, assim como sua casa e restante da família.

Atualmente me considero um humanista. Mas ainda assim é difícil ouvir histórias como esta, e não se revoltar com a falta de compromisso social de pessoas desajustadas. Entretanto não devemos deixar a raiva ou revolta tomar corpo maior do que o necessário. Alimentar estes sentimentos prejudica não só o nosso modo de pensar, mas consequentemente nos leva a juízos precipitados. De repente ouço um grito. Alguém fazia o chamado aos seus pares informando que o almoço já estaria pronto. Deliciamonos com saborosa refeição. Simples, nutritiva e oferecida com grande carinho. Enquanto conversávamos mais sobre o cotidiano ruralista, percebi a chegada de primos, sobrinhos, netos e irmãos dos residentes. De fato, uma festa para receber um forasteiro.

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Passado o descanso pós-almoço, segui com um grupo de jovens e adolescentes para o açude, se banhar. Do começo ao fim desta aventura as cenas saltavam aos meus olhos, onde cada vez mais me convenço que o caminho fotográfico neste trabalho está ligado estreitamente com a espontaneidade. Arriscaria dizer que 95% dos registros que faço não há qualquer produção, mas sim um olhar prévio do que poderá se desenrolar em um dado contexto. Nunca tive nada em oposição a produção, entretanto me sinto mais confortável hoje buscando os instantes decisivos na espontaneidade do cotidiano. Com o cair do sol, logo a temperatura baixa. Durante o dia o calor chega a atingir mais de 35 °C graus. Enquanto à noite a temperatura cai para 15 °C. Estávamos todos sentados conversando particularidades. Os jovens pulavam sobre a fogueira. Para economizar energia elétrica eles costumam acender fogueiras na frente de suas casas para servir de iluminação à noite. Além de condicionar a temperatura num estado mais agradável.

Seus costumes em muito se assemelham a outras comunidades rurais mestiças. Todavia suas crenças e modo de observar a realidade são singulares. A crença tradicionalmente é católica e preservam a dança de São Gonçalo. Uma dança típica no qual tive o prazer de acompanhar os ensaios. Despedir-me após dois dias de permanência no local foi uma tarefa inconveniente. Gostaria de poder ter permanecido por mais tempo, principalmente pelos diálogos prazerosos. Como fotógrafo percebo o quão valiosas são essas interações. Conviver com os fotografados nos eleva a condição de igual. Eles passam a nós observar não como um forasteiro fotógrafo, mas um igual. Sai de Portalegre com a certeza de ter deixado boas amizades no quilombola. Um dia mais, quem sabe, nossos caminhos se cruzem novamente.

Esta viagem ao centro do quilombola foi uma experiência enriquecedora. Conhecer pessoas de hábitos simples é estimulante. Primeiro pelo fato de usarem tecnologia rústica para a maior parte das atividades. Segundo porque fazem uso de tecnologias atuais somente as que se tornaram extremamente populares; como eletroeletrônicos e motocicletas.

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Workshop Magnum SP por Carlos Alexandre Pereira

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primeira vez no Brasil a renomada agência Magnum Photos ofereceu dois workshops de fotografia, com cinco dias de duração, para 24 participantes no total. Devido ao interesse acima do esperado, cada turma acabou aceitando 13 participantes, dentre estes, alguns vindos do exterior especialmente para o workshop. Os workshops foram parte da programação de eventos da 5ª Mostra SP de Fotografia e foram organizados em parceria com a DOC Galeria de SP, idealizadora e responsável pela organização da Mostra. Eu conversei com Fernando Costa Netto, sócio da DOC Galeria sobre essa experiência. Fernando contou que na verdade, foi a própria Magnum que contatou a DOC Galeria mostrando interesse na parceria. A pessoa responsável na Magnum pelo contato disse que havia localizado a DOC Galeria pela internet, enquanto pesquisava por festivais de fotografia e eventos similares no Brasil. Segundo ela, um dos eventos que mais chamou sua atenção foi justamente a Mostra SP de Fotografia. Segundo Fernando a proposta da Magnum foi bastante simples e direta. Caberia a DOC Galeria escolher quantos e com quais fotógrafos da Magnum gostaria de trabalhar, definindo assim o número de workshops oferecidos, além de se responsabilizar pela organização do espaço, logística e divulgação dos workshops. A escolha foi feita a partir de uma lista de fotógrafos agenciados pela Magnum, participantes do seu programa mundial de workshops, que estariam disponíveis para trabalhar durante o período em que a Mostra seria realizada. O valor do workshop – €950,00 – também foi acordado entre a Magnum e a DOC Galeria. 65

Desde o contato da Magnum no início de Dezembro até o acordo final passaram pouco mais de 30 dias, deixando assim menos de 60 dias para divulgação do workshop. Mesmo com pouco tempo de divulgação, Fernando conta que o interesse foi enorme, obrigando eles a recusarem inscrições por falta de espaço. “Se houvesse 3 fotógrafos para 3 turmas, ainda assim teríamos lotação esgotada!”, afirma Fernando. Quando perguntei sobre o custo elevado Fernando rebateu com argumentos fortes. O workshop teve carga horária nominal de 40hrs e instrutores renomados mundialmente. Comparando com workshops e cursos de fotografia com fotógrafos brasileiros de renome, o custo hora/aula está razoavelmente próximo, a diferença pode ser explicada pela grife “Magnum”. Quando perguntei sobre os fotógrafos escolhidos Fernando explicou que pelos nomes disponíveis, ele e sua sócia na DOC Galeria, Mônica Maia, optaram por duas gerações distintas de fotógrafos, Abbas de 70 anos e Moises Saman de 40 anos. Fernando contou que Moises fez jus a sua juventude mostrando bastante energia e entusiasmo durante o workshop, enquanto que Abbas, já um septuagenário, preferiu levar o workshop num ritmo mais lento, mais cadenciado. De qualquer forma os dois workshops, tanto do Moises quanto do Abbas foram um grande sucesso – e isso eu posso confirmar, tendo lido as impressões de vários participantes que atenderam meu pedido por informações sobre os workshops.


Finalizando a nossa conversa, Fernando contou que na semana seguinte ao workshop, Moises e Marine (representante da Magnum durante o evento) já haviam partido mas Abbas, que resolveu estender sua estadia no Brasil, disse ao Fernando para convidar alguns fotógrafos iniciantes para trazer seus trabalhos até a galeria que ele estaria disposto a conhecer novos talentos. Fernando convidou então um grupo de fotógrafos que haviam participado da Mostra SP de Fotografia. Abbas pacientemente e detalhadamente analisou várias imagens que lhe foram apresentadas e fez vários questionamentos sobre o porquê de algumas das imagens, o porquê de determinados ângulos e outras perguntas pertinentes. No final do dia, convidou todos a voltarem a galeria no dia seguinte, quando então, Abbas apresentou algumas de suas próprias imagens, voluntariando explicações as perguntas que havia feito no dia anterior e traçando assim um paralelo entre o trabalho dos fotógrafos convidados e seu próprio trabalho. Deve ter sido uma experiência absolutamente memorável para este grupo de fotógrafos. Os workshops, destinados a fotógrafos e estudantes de fotografia com uma boa compreensão da prática fotográfica, ocorreram entre 17 e 21 fevereiro de 2014. O programa incluiu saídas fotográficas diárias lideradas pelos fotógrafos além de sessões teóricas onde os trabalhos eram comentados e avaliados em grupo. O programa incluiu ainda sessões de edição de imagens e reflexão sobre a fotografia. A proposta era de que cada participante desenvolve-se sua linguagem visual, sua identidade fotográfica, habilidades práticas, técnicas e conceituais e as especialidades necessárias para atuar em um mercado em constante mudança. Ao final dos workshops Abbas e Moises deram uma palestra com projeção pública dos trabalhos realizados durante os workshops. A palestra foi realizada no MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Eu tive também a oportunidade de conversar com Marine Merindol, representante da Magnum que veio ao Brasil durante os workshops. Ela explicou que o programa Magnum de workshops faz parte de um esforço da agência, iniciado na época de seu 60ª aniversário em 2007, para tornar-se mais próxima do público focando em eventos destinados à educação fotográfica e fotografia nas comunidades ao redor do mundo. O processo de seleção dos participantes, segundo Marine, é feito através de uma avaliação de portfólios dos candidatos pelos próprios fotógrafos responsáveis pelos workshops. O critério de avaliação não é selecionar os melhores trabalhos, mas aqueles que mostrarem grande potencial para desenvolver sua linguagem visual além de procurar montar grupos coesos em termos de excelência e experiência. Marine contou que ficou muito satisfeita com os resultados dos workshops e que a Magnum terá orgulho de expor o trabalho dos participantes em seu website. Marine conta que a parceria com a DOC Galeria foi excelente e que tudo correu sem nenhum problema. De forma geral os resultados foram bem acima das expectativas e por isso a Magnum já está trabalhando no planejamento de novos workshops a serem realizados no Brasil futuramente. Marine fez ainda a gentileza de intermediar tanto uma entrevista com ambos os fotógrafos, como também encaminhar uma solicitação minha de colaboração aos participantes. A resposta dos participantes foi bastante positiva, mais da metade respondeu a minha solicitação, inclusive alguns dos estrangeiros. Afirmações como “Cresci 5 anos em 5 dias” podem parecer exageradas mas dão o tom dos depoimentos em sua maioria. Claro que houve um ou outro ponto negativo em alguns depoimentos, como por exemplo um participante que esperava aprender mais sobre

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técnicas de fotografia ao invés de concentrar a maior parte do tempo em discussões teóricas sobre como ler uma fotografia, selecionar e editar as melhores imagens, etc. Mas nenhum depoimento foi inteiramente negativo, pelo contrário, a avaliação geral foi sempre positiva, comprovando que o workshop foi realmente um sucesso. A seguir as entrevistas feitas por email com os dois fotógrafos da Magnum que vieram ao Brasil, Abbas e Moises Saman. Resolvi publicar o texto original das entrevistas em inglês na íntegra principalmente devido as respostas oferecidas pelo Abbas. Deixo que cada um tire suas próprias conclusões.

E para finalizar os depoimentos de dois particpantes dos workshops, Nereu Jr, que estava na turma liderada pelo Abbas, e Martha Lu, da turma do Moises Saman. As imagens que ilustram este artigo foram capturadas durante o workshop por estes dois participantes, sendo a primeira e a última imagens de autoria da Martha Lu e a imagem intermediária de autoria do Nereu Jr. Nesta imagem podemos ver Abbas analisando algumas imagens junto a outros alunos de sua turma.

Moises Saman 1. You were in an internship in a New Yorker newspaper and then you go to Kosovo, a war zone. What were you thinking at that moment? I was young and very inexperienced, i was thinking more about the adventure than anything else, photography was an excuse to be there. 2. The experience in Kosovo was up to your expectations, or did it surprise you? I was very surprised. It was the first time i saw the aftermath of war, the death and destruction that i was used to seeing on tv was suddenly very real. 3. From then on you focused your work on conflict zones. What is the appeal of a conflict zone? I think there is no appeal, but a commitment that drives me to continue my work. 4. What is to be a Magnum photographer like? It has its ups and downs, but it is a great feeling to know you are carrying on the tradition of such an accomplished group of photographers, feels good to be part of that. 67

5. Why lead a photography workshop? inspire other photographers.

To

hopefully

6. How do you transport your life and work experience with conflict zones to a workshop? Or this is not possible or the intended goal of the workshop? I think the best i can do is to transmit honesty through the work i do. 7. To enjoy your workshop to the fullest, what one should behave like? The best students are the ones that take a workshop as a way to step out of their comfort zone, and try something different. 8. What is your evaluation of the results of this workshop in Brasil? I was very happy with my group. There was diversity of interests, of backgrounds, ages, etc but we all became one unit during the time of the workshop. The results were fantastic, everyone did a good job.


Abbas 1. After all this years, with all your experience of life and photography, what makes you keep going out after new images? If only I knew. 2. Although is very common nowadays, not all photographers are cut to lead workshops, what makes you do it? The fee. 3. What do you try to transmit to the audience during the workshop? Ask the students. 4. To enjoy your workshop to the fullest, what one should behave like? Work VERY hard. 5. What is your evaluation of the results of this workshop in Brasil? mmmmmm

6. Observing you during the inaugural event, on the night of the 17 of February, I saw you seeking people out to start conversations, to interact with everyone. What was it like to you, this experience here in Brasil? Interesting. 7. Most, if not all, Magnum photographers are documentary oriented. Photography began as a documentary tool. Now photography is playing with the fine arts, and not only abstract or perfect scenes, but all kinds of photography, including documentary photography. How do you see this movement? I live with it. 8. To all young documentary photographers around the world, what is your advice? Buy a good pair of walking shoes‌ and fall in love.

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Nereu Jr Nos poucos workshops sobre fotografia que faço, sempre busco algo mais do que simples técnica ou macetes, e minha expectativa é sempre a melhor possível. Não foi diferente com o Abbas, até porque se tratava da mítica Magnum Photos. O curso quando ministrado em inglês, já coloca a gente pra pensar fora da caixa, nos obrigando a deixar de lado nossos clichês e maneirismos sobre nossa prática, achei isso bem interessante. Iniciamos com uma apresentação de portfólio, ensaios individuais na mesa, nos revezávamos na edição das fotos dos colegas com a supervisão atenta do professor, éramos chamados a defender ou a rejeitar tais edições, sempre justificando a escolha. A próxima etapa consistia em escolher um tema que seria desenvolvido nos próximos 3 dias, com 3 etapas sucessivas de edição, tanto por um colega em duplas, quanto pela turma/professor diretamente no projetor. Ali defendíamos ou malhávamos as fotos, nossas ou não. A ideia era buscar a essência da história a ser contada, com imagens plásticas e impactantes, a cada dia algumas fotos de cada um eram eleitas para o ensaio final.

No quinto dia do Workshop, fomos convidados pelo professor a desenvolver uma projeção única vinda da diversidade perceptiva resultante do trabalho de 12 pessoas, mais de 200 fotos com temas diversos à nossa disposição para essa missão. Com uma discreta porém eficiente condução do professor, conseguimos resolver o enigma e costurar as 88 imagens resultantes, para a projeção a ser realizada na noite de sexta, na DOC Galeria. Mais uma bela lição de humildade e trabalho de equipe. Sobre o Abbas, ele era tudo o que eu esperava como fotógrafo, como pessoa e como professor. Seu jeito de ser revela toda sua experiência, seus calos e suas cicatrizes, mas mesmo assim, em meio a uma dúzia de pessoas que ele nunca viu na vida e que provavelmente não verá novamente, ele conseguiu estar atento a tudo e a todos. Sempre interferindo positivamente em suas vidas com gestos, ações e palavras, às vezes sem que essas pessoas sequer percebessem. Ele mostrou que não estava ali para dar respostas, mas para ensinar a perguntar, a buscar, a criticarmos a nós mesmos e a crescermos por conta própria. Fiquei impressionado como o Abbas discretamente conduziu o grupo sedento de informação, grupo esse que não sabia que o conhecimento já estava com eles, e que o professor estava ali só pra sacudi-los e desatar alguns nós que nos amarravam.

Considerei toda essa etapa um excelente exercício, principalmente para aqueles que realmente se entregaram à produção real, com pressão de tempo reduzido, grandes deslocamentos e em localidades desconhecidas. Também aproveitaram muito o curso, aqueles alunos que não tem problema com a crítica ao próprio trabalho, no meu caso, eu buscara exatamente isso: pressão, crítica, orientação e inspiração. Consegui obter tudo o que desejava, com um elemento extra que viria da diversidade cultural e fotográfica da turma, que se revelava a cada jantar ou happy hour, na troca de ideias, impressões, críticas e sugestões.

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Martha Lu Eu trabalhei com o Moises e conhecia o trabalho dele pelo site da Magnum. Eu tenho uma amiga que fez o workshop em Austin no ano passado e que me deu uma ideia do que esperar, muito trabalho. Minha grande expectativa era tentar aprender a análise das fotos, como definir uma foto interessante. Para mim o workshop foi como eu esperava, muito trabalho e dedicação do Moises a cada um dos participantes, com grande ajuda do Igi (ele foi fundamental para o bom andamento do workshop) e toda organização e suporte da DOC. Tive sorte em poder ficar um dia inteiro acompanhando a análise do Moises sobre as imagens e como montar as séries. Esta era a parte mais fascinante. Para mim, uma fotógrafa iniciante, que chegou sem a menor ideia do que ia fotografar e acabei sendo escolhida para o British Journal of Photography, foi uma experiência transformadora e que mudou radicalmente minha fotografia. Fiz algo que nunca havia feito antes graças às palavras do Moises: temos que sair da nossa zona de conforto e buscar o novo. Essa lição está gravada para sempre. A Magnum tem uma parceria com o BJP e de cada workshop um aluno é indicado para ser entrevistado e ter o seu trabalho publicado. Quando eu fiz a inscrição já sabia disso mas este não era o meu foco, para mim era algo muito distante da minha realidade. Depois da apresentação pessoal no primeiro dia do workshop e da determinação do que cada um iria fotografar eu quase desisti, saí de lá pensando aonde eu tinha me metido, todos os outros já tinham uma ideia do que queria. Como não tinha nada planejado me foi sugerido ir até o Parque da Juventude para fotografar. Por mais incrível que pareça, dei sorte de ter ficado presa 1 hora e meia no trânsito. Estava escurecendo e eu desisti de ir naquele momento e, enquanto voltava para casa desisti completamente de ir fotografar o parque e fui parar na casa da minha tia.

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Neste momento saí completamente da minha zona de conforto e criei coragem para pedir a ela que me deixasse fotografa-la. Ela foi uma modelo famosa e hoje tem dificuldade em aceitar o envelhecimento e estava deprimida. Ela concordou e eu comecei a fotografa-la. No dia seguinte levei as fotos para o Moises, expliquei que tinha mudado o combinado, ele gostou e me pediu para continuar. Foi difícil porque minha tia não estava preparada para isso e nem eu. Não tinha ideia do stress emocional, ela via as fotos e ficava mais deprimida por causa das rugas. Não pude refazer algumas fotos com as quais eu não estava satisfeita porque chegou um momento em que ela estava emocionalmente esgotada. Por isso fiquei livre na 5a feira e pude acompanhar a edição. Na semana do carnaval eu recebi um email do Nicolas me comunicando que eu havia sido a escolhida para a entrevista para o BJP, ainda não acredito. Enviei para ele as fotos que escolhi para publicação e agora estou aguardando o contato do Olivier para a entrevista. Ainda não sei quando ocorrerá.


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Curadoria de Exposição: A Construção de uma Paisagem por Eder Chiodetto

Uma

exposição de arte deve materializar de forma contundente as propostas da curadoria, a intencionalidade labiríntica dos artistas e deixar um espaço para que o visitante possa fruir livremente no contato com a obra exposta e, assim, ser impactado e sensibilizado por esta recepção. Diversas etapas precedem a montagem de uma exposição: a definição das linhas de força do acervo, o recorte, a seleção de obras, a construção das vizinhanças, a intensa discussão com o arquiteto sobre a concepção da museografia, o teste dos croquis de montagem no computador, a escritura do texto, a definição da cor das paredes, da luz, da comunicação visual, etc. Cada um destes itens deve auxiliar na criação da atmosfera que irá, se tudo der certo, atuar fortemente na percepção dos trabalhos, direcionando para as questões conceituais tabuladas pela curadoria em comunhão com os artistas. Elaborar o projeto de uma montagem é imaginar a construção de um mundo paralelo. É como antever uma paisagem que irá receber o visitante, tirando-o do seu universo cotidiano para levá-lo a outra dimensão. É preciso construir uma zona de conforto - ou de desconforto, se for o caso - particular para sequestrar as pessoas da velocidade de processamento de dados atual, da necessidade de decifrar tudo rapidamente em um golpe de olhar.

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Gosto de pensar metaforicamente a parede vazia de uma sala expositiva à espera das obras que a preencherão como uma folha em branco à espera de um texto. Quando começamos a pensar as vizinhanças das obras, é como se cada uma delas fosse uma palavra que se encontrava embaralhada entre outras no acervo e que, a partir do conceito estabelecido para a mostra, algumas de suas potencialidade ganham maior relevância e sentido. Ao ordenar estas obras/palavras, temos possibilidades de escrever algumas frases. É importante pensar, então, qual será o sujeito, o predicado, o verbo, etc, de cada frase. As escalas maiores ou menores dos trabalhos, assim como a potência de cada um, suscitam palavras em caixa alta e baixa, sublinhadas ou não. E há os espaçamentos entre elas, que devem variar dentro de uma lógica de aproximações e isolamentos. Respiros mais longos ou menos compassados. E assim esta “escrita” vai ganhando ritmo, pulsação e gerando novas relações simbólicas. Quando projetamos com o arquiteto estas “frases” no computador, sabemos de antemão que esta pré-organização pode funcionar muito bem neste ambiente, mas que, ao ser transposta para a sala expositiva, terá que ser revista e provavelmente mudada. A tridimensionalidade é mais vigorosa do que a percepção que temos na tela bidimensional de um desktop. Por isso é importante ir para uma montagem sabendo que o desenho idealizado é uma referência importante, mas que está bastante sujeito a alterações que tanto podem ser mínimas quanto de grande escala.


As obras de arte possuem uma aura, uma materialidade, um peso que só quando nos vemos diante delas conseguimos perceber em completude. Como trabalhamos meses apenas com reproduções, arquivos digitalizados, imaginando escalas, o impacto da moldura e tantos outros fatores, temos que saber desde o início do trabalho que podemos ser traídos por esta representação “descarnada” da obra. Reunir duas ou mais obras em sequência em uma parede é outro fator muito delicado, pois é inevitável que, ao realizar esta operação, forcemos um diálogo entre ambas. Quem as vê juntas tenta, naturalmente, estabelecer correlações. Na montagem de uma mostra coletiva, este fator se torna ainda mais complexo, pois se trata de criar diálogos entre artistas, poéticas e intencionalidades distintas em muitos aspectos. Estas junções devem reverberar para o visitante alguns simbolismos parametrizados pelo artista ao criar a obra, assim como o conceito da mostra, deixando espaços para que, diante desta paisagem construída, ele também possa optar pelos seus próprios caminhos. A costura entre obras de artistas distintos, portanto, deve sugerir o encontro de poéticas. Ambas devem se iluminar uma em face da outra, criando uma terceira via de leitura. Às vezes, ao reunir duas obras potentes, pode ocorrer de ambas perderem energia e impacto por conta desta vizinhança que não lhes é favorável. Outras vezes, ambas se nutrem uma da outra e passam a vibrar de forma mais intensa. São muitos os elementos internos de uma fotografia que conduzem às soluções de edição e sequenciamento. E, por mais que no campo da razão e da solução formal existam parâmetros pelos quais podemos nos guiar nesta empreitada, como pontos coincidentes ou divergentes na composição, na luz, no tema, na atmosfera, etc, grande parte da aventura da edição se dá por questões sensoriais e subjetivas.

Duas imagens que soam complementares por equivalências ou contrastes cromáticos, ou ainda pela composição, por exemplo, podem, quando reunidas, travar um embate e acabar se repudiando mutuamente. Também pode acontecer de o impacto da quebra, da dissonância, causar uma estridência que resulte altamente positiva para o discurso do artista em particular e da exposição como um todo. Dois artistas que trabalham com fotografia e que comumente utilizam esse recurso de construir dissonâncias e grande impacto visual pela forma como idealizam a montagem de suas mostras o alemão Wolfgang Tillmans e o francês Antoine D’Agata. Uma montagem em que a disposição das obras visava salientar “a diferença dos iguais” pela criação de um ritmo compassado com pausas e quebras articuladas foi “Fotopinturas: Coleção Titus Riedl”, que realizamos em 2011, na galeria Estação, em São Paulo com cerca de 200 imagens do acervo do pesquisador alemão radicado no Crato (CE) Titus Riedl. As obras eram, em sua grande maioria de pequeno formato (20 x 24cm), sem autorias determinadas, posto que a fotopintura é realizada por uma espécie de linha de produção de fotopintores. Alguns são especializados em pintar sobre a fotografia o rosto, outros pintam a roupa e outros, ainda, os cabelos. Esteticamente, portanto, as imagens eram bastante semelhantes. Mas seria um erro ver o conjunto sem notar as particularidades de cada semblante, como, por exemplo, o estilo mais naïf em uns em contraponto ao acabamento mais rebuscado em outros. Em várias conversas com o arquiteto Marcus Vinícius Santos sobre as possibilidades de montar esta exposição, chegamos à formulação de uma grade com quatro linhas interrompidas por “falhas”, ou vazios de fotos. Este desenho, ao mesmo tempo que dava certo rigor gráfico ao conjunto, permitia uma desconstrução, já que as linhas eram interrompidas por espaçamentos vazios.

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Esta proposta obrigava o movimento do olhar dos visitantes a “escanear” as imagens horizontalmente, pela sequência das linhas, e verticalmente, de cima para baixo e vice-versa. As “falhas”, porém, obrigavam a um reposicionamento do ponto de vista, criando tensões entre as imagens, impedindo uma perspectiva generalizante e levando os visitante a um contato mais intenso com a composição das fotopinturas. Como os fotopintores pintam sobre as fotos semblantes que tendem a ser “genéricos” das feições das pessoas de determinada região, para a curadoria, estas “falhas” surgiam como uma metáfora do fato que a diversidade de pessoas e feições é inevitavelmente maior e que, portanto, qualquer tentativa de impor um padrão totalizante está fadada ao fracasso. Afinal, gente é diversidade. Sempre haverá outros, e a verossimilhança de traços fisionômicos não é indicador de uniformidade de personalidades. Este pensamento foi um dos que nortearam o desenho e a montagem desta exposição. Como sempre, o conceito deve preceder a forma.

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O arquiteto Marcus Vinícius Santos comenta assim o desenho elaborado para essa mostra: “essa montagem surge de um movimento nosso de domar o conjunto, aplicar-lhe uma lógica totalizante de edição - as falhas na parede como metáfora da falência dessa empreitada. Porque exposição é edição. Gosto de pensar que em “Fotopinturas” a formatação na parede, as vizinhanças e as constelações de imagens seguem uma lógica interna muito precisa, alheia à nossa vontade. Colocamos para agir na galeria um sistema que trabalha sozinho, com autonomia, nossa máquina expográfica: a opção por organizar as linhas por tamanho de imagem e o desenho oriundo do desejo por uma paisagem gráfica, para depois ser preenchido com as fotopinturas como num álbum de figurinhas, foram nossas únicas escolhas.


Escrevendo a Imagem - A Fotografia no Cinema Fotografia de Cinema, por Armando Vernaglia Jr

Após

psicológicos: a persuasão através da palavra, o medo diante do desconhecido” e ainda “Mas é pela associação de imagens e sons, por sua forma instantânea, que esses temas devem agir sobre o espectador. Eu gostaria de reencontrar as condições da leitura, me dirigir ao espectador como se ele fosse um leitor”.

Desta forma seguiremos no caminho estelar das obras máximas do cinema, os filmes que superam o tempo e tornam-se eternos, é este pensamento que norteia a escolha de outra monumental obra cinematográfica: L’Année dernière à Marienbad, ou O ano passado em Marienbad, do diretor francês Alain Resnais, e com direção de fotografia de Sacha Vierny.

Temos nas palavras de Resnais muitas de suas razões para o filme, e consequentemente para a fotografia do mesmo. A realidade deixa de ter importância, é a imagem funcionando como palavra, reforçada por sons, um filme para provocar sensações mais do que para contar uma história, assim é Marienbad.

ter inaugurado esta coluna com 2001, de Stanley Kubrick, resta pouca alternativa a não ser seguir tratando de obras monumentais da sétima arte. Não há espaço para comentar qualquer filme banal.

Há muito para ser dito sobre este filme, seja por ele apresentar uma estrutura narrativa nada convencional, não linear, que mescla passado, presente e futuro, e que por si só mantém um clima misterioso ao longo de todo o filme, seja pelo minimalismo de elenco, concentrado em apenas três atores cujos personagens sequer têm nomes, sendo conhecidos apenas pelas letras A, X e M. Ainda poderíamos discutir as origens da trama, que flerta com teorias psicológicas, de retenção e construção da memória.

Num mundo tão recheado de filmes com começo, meio e fim, personagens bem definidos e tão pouca margem para interpretação, nada mais inquietante e ao mesmo tempo revigorante do que ver algo que nos tira tudo isso, nos rouba as certezas, e nos deixa com a dúvida, o pensamento, a interpretação livre. Está é uma obra radicalmente inovadora para sua época, e ainda é absurdamente moderna hoje. Mas vamos nos aprofundar na imagem, no registro fotográfico.

Por fim poderíamos discorrer infinitamente sobre o roteiro quase abstrato, no qual não temos certeza de seu final, aliás sequer temos clareza da ordem das coisas ao longo do transcorrer da trama, o tempo linear é completamente abolido em O ano passado em Marienbad.

A direção de fotografia ficou a cargo de Sacha Vierny, que atuou ao lado de Resnais em cerca de dez filmes, entre eles Horishima mon amour (1959), Nuit et brouillard (1955) e outros. Ele e também atuou ao lado de Luis Buñuel em Belle de Jour (1967). Só por esta amostra já sabemos que estamos falando de um diretor de fotografia do mais alto gabarito, dotado de uma sensibilidade visual invejável.

Resnais teria dito, por ocasião do lançamento do filme: “Existe uma história, certamente, mas eu queria sobretudo propor vários temas

Uma das características interessantes da fotografia de Marienbad está no uso de longos e lentos movimentos de travelling horizontais. 78


Esses movimentos cumprem com diversas funções, a primeira é descritiva dos lugares, o próprio filme começa com longos travellings apenas mostrando o palácio que serve de cenário, sem personagens, apenas o lugar, como que levando o espectador por um passeio demorado e contemplativo, demonstrando assim que o lugar serve também como personagem. Podemos aqui traçar um paralelo com Shinning, de Stanley Kubrick, no qual o hotel é um dos personagens do filme, em Marienbad o gigantesco palácio, com seus intermináveis e quase labirínticos corredores amplia violentamente a intrincada relação entre A, X e M. A beleza desses longos movimentos, muitas vezes terminando em enquadramentos centralizados e simétricos nos permitem contemplar algo que ao mesmo tempo é belo e inquisidor, nem todo o espaço do palácio, nem toda a liberdade dos grandes jardins é capaz de libertar a mulher de seu tormento psicológico e de seu perseguidor, ao mesmo tempo romântico e atroz. Outra característica fotográfica impressionante é o uso de espelhos, com muitos enquadramentos mostrando diversos lados de uma mesma situação ao mesmo tempo, como quadros dentro de quadros, 79

ampliando a profundidade de cada cena e servindo ao propósito de tornar a miríade de corredores ainda mais infinita e confusa. Os espelhos nos levam além da finitude do cenário, abre ângulos de observação, nos permitem ver o mesmo personagem em três ou quatro ângulos distintos dentro da mesma cena, e ainda assim permanecemos em dúvida se estamos vendo algo real ou apenas sonho e imaginação. Os quadros se alternam entre grandes planos gerais com total destaque para o cenário ou a coletividade, com planos de close e de detalhe, sem tantos planos médios, sem meios termos. Muitos enquadramentos são mais parados, contemplativos, em muitos casos esse tempo de observação nos leva a perceber o absurdo mostrado, pessoas com sombra num jardim cujas árvores não têm sombra, sol e nublado convivem assim como verdade e mentira, presente e passado. Um mesmo filme, um milhão de histórias e ao mesmo tempo nenhuma. Veja L’Année dernière à Marienbad com a mente e os olhos abertos, com calma e serenidade, será certamente uma experiência única em sua vida.


Retrato a Dois, Como Dança de Salão Médio & Grande Formatos, por Alex Villegas

É

estranho dar um peso tão grande a uma peça de equipamento, mas foi uma 4x5 que me fez realmente ver o retrato como uma parceria. Até lá, eu me sentia a parte dominante da coisa. Um fotógrafo dinâmico, rodeando meu retratado como gato, disparando quadros e mais quadros na tentativa de capturar um momento frágil, desprevenido e desarmado. Às vezes funcionava, às vezes não, e eu sempre terminava as sessões sentindo que eu tratava meus modelos mais como um boxeador do que propriamente um fotógrafo - pelo menos me sentia tão agressivo quanto. Foi a câmera 4x5 - mais exatamente, uma Linhof Kardan Color 45, que posteriormente foi morar com um bom amigo e deu lugar a uma Sinar F1 - que me permitiu desacelerar esse processo alucinante e encontrar uma maneira mais pessoal e íntima de retratar. Uma maneira que não era mais uma luta contra o meu retratado, mas sim uma performance que precisava abertamente de nós dois para funcionar direito. Não que eu tenha partido para o formato com essas nobres intenções - tudo o que eu queria na ocasião era maior resolução e um plano de foco móvel - mas foi logo nos primeiros cliques que percebi os incríveis efeitos colaterais. Uma câmera de grande formato é algo incrivelmente lento e trabalhoso de usar, normalmente relacionado à fotografia de paisagens; mas lendas do retrato como Yousuf Karsh e praticamente todos os retratistas de Hollywood das décadas de 40 e 50 as usavam (4x5 e 8x10 eram formatos populares na época) e todos conhecemos a intensidade daqueles gloriosos retratos. O que hoje nos parece impensável - fotografar sem sequer ver o que está sendo enquadrado no exato momento do clique - foi praticamente padrão em outra época. E foi sem pensar nisso que descobri a mágica do retrato em grande formato.

O tamanho da lente, o inevitável tripé, o fole, o clássico pano preto, o longo trabalho de focar e movimentar a câmera até termos o foco e profundidade de campo exatos; todas essas características fazem de uma câmera de grande formato um trambolho incrivelmente carismático e cheio de detalhes, e praticamente nenhum retratado toma levianamente a experiência de posar para ela. Esse tempo empregado traz concentração e seriedade, faz da fotografia um ritual ao qual já não estamos acostumados; se faz necessário desacelerar o tempo, desenvolver os personagens que serão encenados e dar intensidade a eles. O retratado sente essa intensidade, a ele é dado também o tempo e a motivação para desenvolvê-la. A conexão com o fotógrafo se fortalece, se faz mais estreita, sem a necessidade de inúmeros cliques de aquecimento. E é encantadora a entrega daquele que posa para uma 4x5, mesmo sabendo que aquela máquina irá detalhar a superfície de seu rosto com uma precisão quase forense e resolução absurda. Mesmo sabendo que cada poro de seu rosto será mostrado sem piedade, aquele que posa para uma câmera de grande formato olha para dentro da lente com uma intensidade ímpar, dificilmente dedicada ao clique leve e informal das câmeras menores. Sempre que uma lente se volta para nós, tentamos assumir o controle da situação; cruzamos os braços, oferecemos o lado mais harmônico de nosso rosto, nos antecipamos ao fotógrafo na tarefa de nos fazermos imagem. E esse processo, que é casual e superficial nas relações fotográficas rápidas, evolui para uma séria parceria enquanto foco é feito, curiosos movimentos são executados, chapas são inseridas e o fotógrafo abandona seu lugar seguro e isolado atrás da câmera para encarar francamente seu companheiro, ao lado da lente, disparador na mão. Uma relação franca e profunda - ainda 80


que momentânea - se desenvolve, de igual para igual, olhos nos olhos, amadurecendo enquanto o processo se repete a cada chapa. E eu que gastava rolos e rolos de filme para ter um bom retrato, passei subitamente a obter gratificantes resultados às vezes com uma única chapa. No amadurecimento do processo, muitas vezes fotografei completos desconhecidos; um único clique, com resultados memoráveis. Não digo que não se consiga esse tipo de resultado com outros formatos; há infinitas maneiras de se desenvolver essa empatia, e cada fotógrafo acaba encontrando sua maneira. Mas essa foi a minha, e cada semana, mês, ano investido tentando dominar o delicado e complexo fotografar do grande formato compensou largamente. Digamos que, se ainda não aprendi a dançar, pelo menos agora sei convidar as pessoas, e elas aceitam - incontáveis vezes, a grandalhona me serve como uma estranha espécie de cupido fotográfico. A magia da fotografia está no encontro; aprendi isso tarde, mas antes tarde do que nunca. Legenda da foto: Bruno Massao, 2013. Sinar F1, Rodenstock 150mm, Arista EDU 400.

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Por que você faz fotografia de rua com filme? Fotografia de Filme, por Bruno Massao

“Por

que você faz fotografia de rua com filme?” Foi essa a pergunta que me indagaram recentemente e eu não sabia responder logo de cara. Eu não sou do tipo purista, portanto considero que uma foto boa, independentemente de ter sido digital ou analógica, é uma foto boa. Fim de papo. O grande fato é que fotografia de rua, até hoje, tem um modus operando extremamente similar, tanto com digital quanto com filme: você vai pra rua, você fotografa cenas do cotidiano - muitas vezes até 5 quadros de uma mesma ocasião -, você volta pra casa. No filme, você precisa revelar o filme para então analisar as fotos e escolher a ideal. No digital, trocasse a etapa da revelação pelo ato de descarregar as fotos no computador. Feito isso, entra a etapa da edição. Ao contrário do que se pensa, fotografar com filme não é mais barato. Os equipamentos podem até ser - com várias exceções mas o custo por clique da fotografia com filme é maior. Então, por que raios eu continuo fotografando com filme?

No meu caso, não é uma questão de processo, não é uma questão de visual, nem de achar uma mídia melhor que a outra. Eu simplesmente gosto de ser surpreendido, de pegar um fotograma no meio do filme em que ocorreu algo que eu não percebi no momento do clique. Poderia acontecer isso com o digital? Não apenas poderia, como ocorre. A grande diferença é o estado de espírito: vendo a foto momentos após ela ter sido tirada pode fazer com que você a menospreze, faça outra imagem, corrija o “erro” - que não necessariamente é um erro. Ao usar o filme, você precisa esperar ele ser revelado para perceber tais fatos. Não há como voltar atrás e recapturar o momento. Não há como corrigir o “erro” - e isso pode custar uma cena completamente planejada. Mas é justamente esse tipo de ocorrência que pode tornar uma foto comum em uma foto especial. É o beijo de um casal, o cachorro que resolveu se secar depois de brincar na água, um motorista de taxi que acena... Coisas que você não percebe na hora, pois está mais concentrado em apertar o disparador de sua câmera.

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A Revolução Fotográfica por Claudio Edinger

O futuro

começa em 1839 quando o governo francês compra de Daguerre a patente de sua invenção. A partir daí a fotografia navega os sete mares e vem até parar nas mãos do Imperador D. Pedro II, no Rio de Janeiro, quando este ainda era menino, com 15 anos de idade.

O mistério não tem resposta – cada um tem que encontrar a sua. Mas em todos os campos do conhecimento teremos a presença fotográfica, expandindo o mistério. Não só nas artes mas, principalmente, na psicologia, na filosofia e na educação. Apertem os cintos!

Muda-se o paradigma de tal forma que vários filósofos da imagem, como Walter Benjamin e Moholy-Nagy declaram que no futuro o analfabeto não vai ser mais quem não sabe ler nem escrever, mas quem não sabe ver uma fotografia. Começa a revolução que contamina a pintura (surge o impressionismo) e contamina todas as artes visuais culminando com a invenção do cinema em meados do século XX. Hoje fica claro que a fotografia vai dominar (tem dominado) as artes visuais e a fotografia mais interessante sendo praticada é a fotografia autoral ou fine arts. Cada dia aparecem novos talentos, criando, capturando, recortando imagens incríveis, revelando um universo extraordinário, muito mais interessante que o que vemos todos os dias: o nosso universo interior. Esta viagem pelo inconsciente, como as viagens de turismo ou de descobertas, exige imagens, como tudo o que fazemos hoje, e isto só vai aumentar com o tempo. Estas imagens nos darão pistas sobre o grande mistério – quem somos e o que estamos fazendo aqui.

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fotografia et al Conceito

Arte

Expressão


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