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Revista Redescrições Revista on line do GT de Pragmatismo e Filosofia Norte-Americana
Ano 6, número 3, 2015 ISSN: 1984-7157 FOTO DE CAPA DESTA EDIÇÃO: Título: Umberto Eco Resolução original: 620 x 370 Fotógrafo: Eamonn McCabe Disponível em: http://www.studio360.org/story/173148-umberto-eco-harold-oneal/
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Revista Redescrições é uma publicação quadrimestral do GT-Pragmatismo e Filosofia Americana da Anpof. O conteúdo dos artigos publicados tratam de temáticas relacionadas ao pragmatismo, à filosofia americana de uma maneira geral, ou uma aplicação do método de investigação pragmatista a questões contemporâneas ISSN: 1984-7157 Corpo editorial: Paulo Ghiraldelli Jr. – UFRRJ e Centro de Estudos em Filosofia Americana (CEFA) Susana de Castro – UFRJ Adriano Naves de Brito – Unisinos Gabriel Palumbo (Universidade de Buenos Aires – UBA) Bjorn Ramberg – Universidade de Oslo Luiz Eduardo Soares – UERJ Jurandir Freire Costa – UERJ Cerasel Cuteanu – CEFA James Campbell – Universidade de Toledo Leoni Maria Padilha Henning – Universidade Estadual de Londrina Michel Weber – Centro “Chromatiques whiteheadiennes” Inês Lacerda Araújo – PUC-PR Heraldo Silva – UFPI Maria José Pereira – UCG Vera Vidal – Fiocruz Ronie Silveira – UNILAB Reuber Scofano – UFRJ Cristiane Maria Marinho – UECE Narbal de Marsillac – UFPB Baptiste Grasset – UNIRIO Ricardo Corrêa de Araújo – UFES Marcelo Barreira – UFES Edna Maria Magalhães do Nascimento – UFPI Aldir Filho – UFMA Juliano Pessanha – CEFA e USP Marcos C. Lopes (Unilab) Expediente REDESCRIÇÕES Revista do GT-Pragmatismo e Filosofia Americana da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Filosofia ISSN 1984-7157 Editores: Paulo Ghiraldelli Jr, Frederico Graniço e Andrei Venturini Editores Executivos: Vitor Lima, Paulo Francisco M. Ghiraldelli e Francielle Maria Chies
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Revista Redescrições Revista on line do GT de Pragmatismo e Filosofia Norte-Americana Ano 6, número 2, 2015
Sumário Editorial ------------------------------------------------------------------------------------------- 4
Artigos A divulgação da pesquisa científica ---------------------------------------------------------- 6 (Andrei Venturini Martins)
Interpretar um texto é usá-lo: a visão pragmatista -------------------------------------- 17 (Thiago Bittencourt de Queiroz)
O pensamento reflexivo e a formação de pesquisadores em educação -------------- 27 (Laura Maurano & Leoni Henning)
Richard Rorty e a problemática do etnocentrismo -------------------------------------- 47 (Wilker de Carvalho Marques)
Neopositivismo e filosofia da linguagem --------------------------------------------------- 56 (Mateus Ramos Cardoso)
Resenha A Verdade é Insuportável: ensaios sobre a hipocrisia. (Andrei Venturini) ----------- 72 (Ricardo Mantovani)
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Editorial (Revista Redescrições, ano VI, n. 3) Neste número a Revista Redescrições reúne todos os artigos em um único eixo: a linguagem. A importância da linguagem apresenta-se na divulgação das pesquisas, na interpretação e uso de um texto, na formação crítica dos educadores, na atitude filosófica neopragmática de Richard Rorty quanto ao tema do etnocentrismo e na pretensão de uma linguagem universal proposta pelos neopositivistas. Assim, apresentamos 5 artigos dentro deste eixo, salvo a resenha, que poderá instigar o interesse do leitor a outros dois temas não menos importantes para a filosofia: a verdade e a hipocrisia. No primeiro artigo, A divulgação da pesquisa científica, de Andrei Venturini Martins, busca-se refletir o seguinte problema: O que é divulgação da pesquisa científica? O autor pretende mostrar a importância da divulgação da pesquisa científica como meio de possibilitar o avanço da ciência na sociedade contemporânea. Em seguida destacamos o artigo de Thiago Bittencourt de Queiroz, Interpretar um texto é usá-lo: a visão pragmatista, no qual o leitor, tendo como objeto os argumentos de Umberto Eco, será instigado a avaliar os limites da interpretação e sua aceitabilidade a partir de dualismos como uso/interpretação, intenção/sentido e dentro/fora. No lugar desses dualismos o autor propõe uma possível solução pragmática ao afirmar que não há diferença entre interpretar e usar um texto, de modo que toda interpretação é criação. Em seguida, o artigo O pensamento reflexivo e a formação de educadores em educação, escrito a quatro mãos, de Laura Maria dos Santos Maurano e Leoni Maria Padilha Henning, busca relacionar o pensamento deweyano e a formação de pesquisadores. O pensamento reflexivo é colocado no centro da discussão, capacitando o homem a operar inteligentemente diante de situações problemáticas, transformandoas, e, por conseguinte, constituindo um meio de emancipação intelectual com o objetivo de libertar o homem de toda tutela externa. No artigo Richard Rorty e a problemática do etnocentrismo, Wilker de Carvalho Marques pretende redescrever de forma minuciosa a atitude filosófica neopragmática de Richard Rorty quanto ao tema do etnocentrismo, ressaltando as inúmeras controvérsias desta abordagem. O último artigo desta edição tem como título Neopositivismo e filosofia da
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linguagem e foi escrito por Mateus Ramos Cardoso, o qual avalia a revolução linguística, destacando a falta de clareza e precisão da linguagem e o desejo ávido dos especialistas em encontrar uma linguagem universal para todas as disciplinas científicas e filosóficas. Por fim, apresentamos em primeira mão a resenha do livro A Verdade é Insuportável: ensaios sobre a hipocrisia realizada por Ricardo Mantovani. A obra, escrita por Andrei Venturini Martins e publicada pela Editora Garimpo em 2015, é uma reflexão crítica de inúmeras obras filosóficas e literárias a partir de dois eixos: a verdade e a hipocrisia. O texto mostra que a verdade é uma realidade indesejável na terra da hipocrisia e, além disso, como ressaltou o resenhista, a obra “está em profunda sintonia com um dos impulsos primordiais da filosofia – o conhece-te a ti mesmo socrático”.
Desejamos a todos os nossos leitores, através desta última edição da Revista Redescrições no ano de 2015, um Feliz Natal e um novo ano pleno de sabedoria.
Boa leitura! Os Editores.
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A DIVULGAÇÃO DA PESQUISA CIENTÍFICA DISSEMINATION OF SCIENTIFIC RESEARCH Andrei Venturini Martins1
“No mais das vezes só queremos saber de alguma coisa para falar dela, caso contrário, não viajaríamos pelo mar para nunca dizer nada a respeito e apenas pelo prazer de ver, sem a esperança de jamais comunicar a ninguém”2 (Pascal. 1963, Laf. 919, Bru. 553, p. 621).
RESUMO: Este artigo pretende refletir o seguinte problema: O que é divulgação da pesquisa científica? Como hipótese, afirmamos que a atividade científica é intrínseca à divulgação da pesquisa: a atividade científica, a fim de que continue seu progresso, precisaria estar em contínuo diálogo com a sociedade e atenta à formação dos novos pesquisadores. Para tanto, fizemos um esboço histórico da divulgação da pesquisa científica desde a modernidade e, ao fim, refletiremos as possíveis fontes da divulgação da pesquisa na sociedade contemporânea. Palavras-chave: Divulgação científica. Progresso. Sociedade.
ABSTRACT: This paper reflects the following problem: What is dissemination of scientific research? As a hypothesis, we affirm that scientific activity is intrinsic to the dissemination of research: for the scientific activity to continue its progress, it needs to be in continuous dialogue with society and attentive to the training of new researchers. Therefore, we made a historical sketch of the dissemination of scientific research since modernity and, at last, we will consider the possible sources of research dissemination in the contemporary society. Keywords: Science dissemination. Progress. Society.
1 – INTRODUÇÃO. Blaise Pascal, o jovem físico e matemático inventor da máquina de calcular, nos 1
Doutor em Filosofia e docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais – IFSULDEMINAS, Campus Inconfidentes (email: dreivm@hotmail.com). 2 PASCAL, Blaise. Pensées, Laf. 77, Bru. 152. Para os Pensées, adotaremos as seguintes referências: Laf. para indicar a Edição de Louis Lafuma; Bru, para a edição de Brunschvicg. A Edição Louis Lafuma corresponde à edição brasileira Martins Fontes, já a Edição Brunschvicg corresponde à Edição Abril Cultural (Os Pensadores). Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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lembra de um fator demasiadamente humano quando pretendemos conhecer algo: o desejo irresistível de comunicação. Por ser tipicamente humano, o tema da divulgação da pesquisa científica é amplo, o que permite ser pensado levando em consideração seu destino e direcionamento: divulgação científica para cientistas, para a sociedade, para leigos interessados ou para a formação escolar. Para cada destinatário uma literatura que lhe convém é produzida e os problemas aparecem: Quem divulga a pesquisa científica? Qual é a pertinência dos termos? Qual a abrangência daquilo que está sendo divulgado? Favorece algum fator não cognitivo, seja ideológico, político, religioso ou econômico? Diante das possíveis questões acima esboçadas, buscaremos respondê-las a partir de um problema mais amplo: o que é divulgação da pesquisa científica? Esta questão aponta para relevância dos meios de comunicação e a sua possível eficácia. Buscaremos destacar os diferentes meios de divulgação da pesquisa científica na história (mídias, bibliografias, artigos e bases de dados na internet) e a amplitude dessa divulgação. Afirmamos que a atividade científica é intrínseca à divulgação da pesquisa, já que, para que a atividade científica continue seu progresso, precisaria estar em contínuo diálogo com a sociedade, assim como atenta à formação dos novos pesquisadores. Para tanto, faremos um esboço histórico da divulgação da pesquisa científica desde a modernidade, ao fim, buscaremos responder a questão já proposta.
2 – HISTÓRIA E DIVULGAÇÃO DA PESQUISA CIENTÍFICA. A divulgação da pesquisa científica surgiu com o advento da ciência técnicoanálitica. A partir do século XVI, encontramos alguns textos de grande relevância para o tema. No entanto, na Grécia antiga havia uma preocupação dos primeiros filósofos na transmissão da epistéme (ἐπιστήμη, conhecimento). Heidegger nos lembra que tal dado é importante, já que a filosofia nascente foi berço da ciência moderna, mais precisamente, da “era atômica”.3 Longe de tomar a antiguidade como objeto de investigação, vale ressaltar a postura de Aristóteles quanto à divulgação do pensamento até então produzido, considerado a sua grande relevância, já que fora o grande sistematizador do período clássico. O escritor da Metafísica apresentou um critério pedagógico importante para aqueles que desejam ser verdadeiros conhecedores do saber: o ensino. Aristóteles destacava que “[...] em cada ciência, seja mais sábio quem
3 HEIDEGGER, Martin. O que é isto – a Filosofia? p. 18. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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possui maior conhecimento das causas e quem é mais capaz de ensiná-la aos outros”.4 Nessa passagem podemos verificar um aspecto didático de Aristóteles. A sua Filosofia é uma reflexão sobre as causas (αἰτία). Uma causa é aquilo que determina, fundamenta e explica dada realidade.5 Para que tal conhecimento das causas esteja claro para o indivíduo que as conhece, o estagirita propõe um critério de divulgação: o saber ensinar. Não basta dizer conhecemos, mas é preciso saber ensinar, pois, aquele que escuta, precisaria legitimar a ordem do pensamento daquele que ensina. O simples ato de saber pode gerar solipsismos, logo, ensinar é uma forma de demonstrar a ordem do pensamento, a lógica que se estabelece, a acuidade dos argumentos, enfim, o esclarecimento dos passos da razão e os limites daquilo que se conhece. O filósofo preocupou-se em estabelecer o ensino como um critério de certeza: quem sabe ensinar justifica aquilo que se sabe. Quando nos colocamos a pergunta Como eu sei aquilo que acho que sei?, o pensador grego responde fazendo do Ensino/Aprendizado o critério de passagem da dóxa (δόξα, opinião) para a epistéme (ἐπιστήμη). Assim, a divulgação do pensamento não é uma atividade marginal à filosofia: quem sabe, sabe ensinar, e quem ensina, divulga aquilo que sabe (epistéme). Porém, será no século XVI que o interesse pela divulgação científica torna-se, com o progresso e o avanço da ciência, uma preocupação sistemática.
3 – DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E CIÊNCIA MODERNA. Francis Bacon, filósofo e cientista inglês do século XVI, foi um dos grandes marcos da ciência moderna. Sua proposta era uma síntese entre a razão teórica, a observação e a experimentação. Em sua obra Novum Organum, uma espécie de crítica à tradição científica aristotélica, destacava que a lógica aristotélica, partindo de premissas pré-estabelecidas,
chegava
a
resultados
já
conhecidos,6
de
modo
que
tal
empreendimento não resultava em nenhum progresso científico. Em suas análises do
4 ARISTÓTELES. Metafísica. trad. Giovanni Reale. v. II. São Paulo: Edições Loyola, 2002, A2, 982a 10-15. 5 Ver Idem, A 2, 983a 20-30. Nestas obras são analisadas as quatro causas aristotélicas: causa material, causa formal, causa do movimento e causa final. A filosofia aristotélica pode ser pensada como um estudo das causas (αἰτία), ou seja, uma aitiologia. 6 “A lógica tal como hoje é usada mais vale para consolidar e perpetuar erros, fundados em noções vulgares, que para a indagação da verdade, de sorte que é mais danosa que útil”. (BACON, Francis. Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza, Livro I, XII). Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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solo, do movimento da água, do calor7 e do frio, Bacon pretendia reproduzir os eventos da natureza artificialmente, redirecionando os benefícios da natureza para o conforto do homem. Não se trata de ficar à mercê da natureza e esperar aquilo que ela poderá nos oferecer, mas usar do método experimental para fazê-la atender às demandas dos homens.8 Assim, Bacon é um marco do otimismo científico: em sua obra, A Nova Atlântida, elabora um texto de ficção (para a época) no qual descreve uma sociedade de alto grau de cientificidade, vivendo uma vida harmônica e feliz. Seu principal argumento é que o progresso científico poderia levar a humanidade a viver a plenitude da civilização, tendo como resultado uma espécie de bem aventurança na terra. Para que esta sociedade se estabeleça, o autor destaca a importância da Casa de Salomão:
Temos, por outro lado, como podeis pensar, noviços e aprendizes, para que não se interrompa a continuidade dos homens precedentemente empregados e também um grande número de serventes e atendentes, homens e mulheres. E fazemos ainda o seguinte: realizamos consultas para decidir a respeito de quais invenções e experiências, por nós descobertas, devam ser dadas a conhecer ao público, e quais as que não”. 9
No processo de divulgação do saber possuído, dois fatores são de extrema relevância: a instrução, para que o progresso da ciência não seja interrompido, e uma reflexão crítica acerca daquilo que deve ser divulgado ou não. Essa restrição de divulgação tem um motivo: ciente do poder que a ciência acarreta, é necessário restringir a divulgação dos novos dados para a manutenção da ordem pública. Portanto, vemos que a divulgação da pesquisa científica já está no âmago da ciência moderna. Já no século XVII, um pensador que merece a nossa atenção é o físico, matemático e filósofo René Descartes. Sua exaustiva busca de um método que pudesse proporcionar o alcance da verdade e o progresso científico trazia uma revolução do pensamento: com o uso de um método adequado, a razão seria a fonte de todo conhecimento humano. O método, descrito na II parte da obra Discours de la Méthode (1637),10 é dividido em quatro regras: Clareza e Distinção; Divisão dos Problemas;
7 Ver BACON, Francis. Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza, Livro II, XI-XV sobre a aplicação do método experimental, tendo o calor como objeto de investigação. 8 “Ciência e poder do homem coincidem [...]”. (Ibid., Livro I, III). O homem que conhece as causas de determinado evento, pode ajustar o efeito a seu favor. Conhecer é exercer uma forma de poder sobre os eventos da natureza. 9 Idem, Nova Atlântida, p. 253. 10 Nas citações da obra de Descartes constam: nome do autor, obra, tomo na edição Adan &Tannery, parte (quando houver) de modo que os dois últimos números decimais correspondem à página. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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Análise; Enumeração e Revisão. O método era pautado pela matemática, ou seja, Descartes integra ao método o rigor formal da matemática a fim de instrumentalizar tal ciência para benefício humano, retirando-a de sua cátedra contemplativa e especulativa. O conceito de mathesim universalem11 exprime esta ousada tarefa, ou seja, trazer para todas as áreas do conhecimento o rigor da matemática. Tal conceito já estava presente em outra obra que já havia sido escrita antes do Discours de la Méthode, mas ainda não havia sido publicada: os Princípios da Filosofia. Desta maneira, poderíamos dizer que Descartes tinha um plano editorial para divulgação do seu pensamento: quando publica o Discours de la Méthode em 1637, as obras Meditations Metaphysiques (1641) e os Princípios da Filosofia (1644) já tinham sido escritas,12 mas não haviam sido publicadas. Ora, por que o filósofo não as publicou? Porque a obra Discours de la Méthode, publicada em língua vernácula, fazia uma suma introdutória da sua proposta e das principais ideias que, apesar de já estarem escritas e organizadas, seriam discutidas profundamente em outros textos. Por fim, podemos dizer que a preocupação editorial aponta para uma relevante reflexão de como divulgar de forma eficaz e clara a nova ciência que seria proposta. A ciência moderna, marcada pelo rompimento com a tradição e o progresso, busca divulgar suas novas descobertas a fim de propagar um mundo novo e uma nova visão de mundo. Tal progresso atingiu grandes proporções com a expansão marítima e os instrumentos de navegação que, desde o século XIV, foram objeto de investigação tanto de portugueses, quanto de genoveses e venezianos. Assim, as navegações e o surgimento da imprensa contribuíram decisivamente para o aparecimento de um novo meio informativo: o jornalismo científico.13 No século XVII, a fim de desviar da censura da Igreja e do Estado, surgiram mecanismos seculares de divulgação científica, como a Royal Society em 1620. A linguagem jornalística destes meios de divulgação era acessível, mesmo às pessoas menos educadas.14 Havia um esforço para a
11 DESCARTES, René. Regulae ad Directionem Ingenii, X, 12, 5. 12 Descartes, ao falar do período em que esteve na Holanda. Descartes escreve o Discours de la Méthode em 1636, texto que será publicado 1 ano depois. No entanto, as reflexões de um texto ainda não publicado, as Meditations Metaphysiques, já estavam feitas. “Não sei se devo falar-lhes das primeiras meditações que fiz aí; pois são tão metafísicas e tão pouco comuns, que talvez não serão do gosto de todo mundo”. (Idem, Discours de la Méthode, VI, IV, 33,15). Nesta citação constam: nome do autor, obra, tomo na edição Adan &Tannery, parte (quando houver) de modo que os dois últimos números decimais correspondem à página. 13 Cf. ALBAGLI, Sarita. Divulgação científica: informação científica para cidadania? Ciência da Informação, Brasília, v. 25, n. 3, set./dez.1996, p. 399. 14 Cf. ALBAGLI, Sarita. Divulgação científica: informação científica para cidadania? p. 399. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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padronização da comunicação, de modo que tal esforço foi difundido pelo resto da Europa. No século XVIII, tal padronização impeliu o surgimento de inúmeros museus de ciência que auxiliaram, e auxiliam até hoje, no processo de conservação, difusão e formação científica. Neste século, além da Europa, a difusão científica já era uma realidade no Brasil.15
Com a hiperespecialização, que marca o século XIX, e a superprodução científica, que impede qualquer tipo de conhecimento enciclopédico, surgiram uma série de publicações científicas especializadas como o American Journal of Science (1818), o Scientific American (1845), a Nature (1869) e a Science (1880). O aumento gradativo da divulgação científica mostrará suas consequências na I Guerra Mundial, na qual a ciência e tecnologia tiveram um papel proeminente, mas será na II Guerra Mundial que a ciência consolidou seu status quo e ampliou consideravelmente o interesse de um novo público: os leigos. No pós-guerra, as pesquisas científicas divulgadas nos jornais aumentaram consideravelmente, pois atendia o interesse de um público ávido pelas novas descobertas. Assim, a divulgação científica precisaria ser repensada, pois é um instrumento que, longe da reta intenção de difundir o saber, poderia estar à serviço de ideologias ou do próprio mercado livresco. Este problema ainda vigora no mundo contemporâneo, já que surgiu outra forma de divulgação científica, conectando os homens de forma global: a internet.
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–
OS
DESAFIOS
DO
CONTEMPORÂNEO:
O
QUE
É
DIVULGAÇÃO DA PESQUISA CIENTÍFICA? Depois desse panorama histórico, o problema acima exige uma resposta a partir dos desafios pertinentes ao mundo contemporâneo. O epistemólogo Thomas Kuhn, em sua obra A estrutura das revoluções científicas16 publicada em 1962, afirma que a ciência não é um empreendimento totalmente autônomo, isento de ideologias ou de aspectos externos à pesquisa: há fatores não cognitivos (motivação pessoal, política, 15 “No final do século XVIII e início do século XIX, muitos dos brasileiros que haviam ido para Portugal, França, Bélgica e Escócia freqüentar cursos superiores começaram a retornar ao país e contribuíram para uma difusão lenta das novas concepções científicas”. (MOREIRA, Ildeu de Castro; MASSARANI, Luisa. Aspectos históricos da divulgação científica no Brasil. In: MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de Castro; BRITO, Fátima. Ciência e público: caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Ciência, 2002, p. 44. 16 KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 6ª ed. trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Editora perspectiva, 2001.
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economia, ideologias, fatores psicológicos, éticos, religiosos, formativos) que são relevantes tanto para a manutenção e aprimoramento da ciência normal quanto para o advento de uma crise que determina uma revolução científica. Por este motivo, ciência e a sociedade interagem para a manutenção do progresso da ciência e os possíveis benefícios que a sociedade poderá receber como legado. O progresso da ciência, devido o seu alto grau de complexidade e a alta demanda financeira dos pesquisadores, depende do Estado para a viabilidade política das pesquisas. Em tempos de democracia representativa, a opinião pública torna-se um fator importante para dar continuidade ao progresso científico. Por este motivo, o progresso científico depende da divulgação das pesquisas científicas na sociedade, como afirmamos em nossa hipótese. Não só a divulgação acadêmica (ou para especialistas) da pesquisa científica propriamente dita recebe atenção do pesquisador, mas a divulgação para a sociedade. Tal divulgação permitirá o esclarecimento do que está sendo investigado e as possíveis consequências sociais da investigação, viabilizando politicamente a ciência. Assim, caber refletir criticamente sobre as seguintes questões: a) Quem divulga a pesquisa científica? b) Qual a abrangência daquilo que está sendo divulgado? c) Favorece algum fator não cognitivo, seja ideológico, político, religioso ou econômico? A divulgação da pesquisa, assim como sua abrangência e objetivos ideológicos, podem ser classificados em dois gêneros, a saber, o Informante e o Informado. Contudo, esses gêneros se dividem em cinco espécies: 1) Cientistas vs Cientistas especialistas na mesma área; 2) Cientistas vs Cientistas de outras áreas; 3) Cientistas vs interessados em ciência; 4) Escritores (jornalistas, filósofos, sociólogos, antropólogos, etc) vs interessados em ciência; 5) Cientistas ou Escritores vs alunos em formação escolar. Entre Cientistas vs Cientistas especialistas na mesma área, o informante pode ser um cientista informando outros cientistas a partir de uma linguagem técnica e específica pertinente à ciência em questão. Neste caso, a comunidade científica, partilhando de um mesmo paradigma, entende a maior parte dos termos básicos, concentrando as controvérsias nos possíveis termos que apresentarem alguma equivocidade, nos princípios que não estabelecem uma inter-relação necessária e evidente, nas limitações de instrumentos, nos possíveis gaps metodológicos e na percepção de anomalias de alto grau de complexidade que comprometeriam a pesquisa. O objetivo de um cientista é divulgar suas últimas descobertas ao público de especialistas, fortalecendo a atividade científica e apontando para novos problemas que poderão ser investigados. Já entre os Cientistas vs Cientistas de outras áreas, o informante é o especialista, Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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no entanto, a fim de fazer valer a divulgação do seu experimento de forma adequada, o informante precisa ser um conhecedor básico da linguagem partilhada entre os cientistas das outras áreas. Nesse caso, o objetivo não é propor novos desafios para uma determinada área, mas descrever um novo experimento que pode ocasionar avanços para as duas áreas de modo interdisciplinar. Tal iniciativa é fundamental para abrandar o hiato contemporâneo existente entre as diferentes áreas de pesquisa. O par Cientistas vs interessados em ciência foi promovido pelo alto índice de interesse em ciência depois da segunda Guerra Mundial. O cientista busca esclarecer os termos técnicos que são básicos para o entendimento da ciência, tentando mostrar que a ciência é um empreendimento criativo e interessante. O objetivo do cientista é divulgar seu trabalho para o cidadão comum, de modo que esteja claro os benefícios epistemológicos e práticos para a sociedade. Tal perspectiva é de grande importância para a aprovação da ciência pela sociedade, viabilizando politicamente o progresso da ciência, já que o apoio social pode gerar mais verbas para a pesquisa e a participação do cientista no debate público. Entre os Escritores (jornalistas, filósofos, sociólogos, antropólogos, etc) vs interessados em ciência o debate fica mais acirrado. Há inúmeras críticas dos cientistas direcionadas aos escritores: equivocidade dos termos, divulgação parcial da ciência (perdendo a visão de totalidade da pesquisa), escrita que favorece as mais diversas ideologias, retórica do alto grau de objetividade e neutralidade da ciência sem as críticas pertinentes aos mais variados métodos, simplificações excessivas e críticas infundadas de possíveis teorias da conspiração entre os cientistas.17 Tais aspectos de divulgação, em vez de informar, salienta os especialistas, depreciari a atividade científica. Não se pode negar que esses fatores podem ser usados por uma comunidade científica a fim de destruir uma pesquisa divergente, inviabilizado-a politicamente, no entanto, não podemos esquecer que estes profissionais da cultura, desde que sejam conhecedores daquilo que escrevem, podem fazer um trabalho de divulgação que consiga adequar um conhecimento básico da ciência às demandas do público em geral, o que seria de grande valia tanto para a comunidade científica quanto para a sociedade. Desta maneira, as fontes bibliográficas continuam tendo um papel fundamental na divulgação científica. Portanto, é necessário refletir estas fontes.
17 402.
Cf. ALBAGLI, Sarita. Divulgação científica: informação científica para cidadania?, p.
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5 – QUAIS AS FONTES DA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA? Boa parte das pesquisas são divulgadas em artigos ou livros, impressos ou em mídia digital. Porém, a internet tornou-se o principal meio de divulgação dos avanços da ciência moderna. Jornais e revistas, muitas vezes, só fazem reproduzir aquilo que já foi publicado nas plataformas cibernéticas. Assim, escolher uma bibliografia, ou melhor, uma boa bibliografia,18 tornou-se um dilema para o pesquisador. Levantar uma bibliografia é escolher de forma coerente19 os textos que poderão ser usados para a constituição de uma pesquisa. Isso não significa que todos os textos serão lidos, mas sabemos que aquilo que pode ser lido e as indicações daquilo que será lido estarão no levantamento bibliográfico. Objetivamente, um levantamento bibliográfico é composto por livros, periódicos acadêmicos, artigos de jornais/revistas e documentos. Na escolha da bibliografia, sem se desviar do tema, podemos estabelecer três fontes. A primeira diz respeitos às obras originais de um dado autor pesquisado ou os dados mais recentes de certa pesquisa científica; depois, as obras realizadas pelos intérpretes dos trabalhos originais que são de grande importância para a composição do estado da questão, por fim, localizar as bases de dados dos trabalhos primários e secundários. Estas fontes presentes na internet podem ser divididas em duas partes. A) Os resumos dos trabalhos constam em bases como a Pumed, Lilacs, Medline e ISI. B) As bases de dados textuais, que apresentam os trabalhos completos, são a Scielo, Lilacs, Portal Capes e Ovid.20
Com os nomes dos trabalhos em mãos, o pesquisador deve ler os resumos e títulos, eliminando os trabalhos que parecem demasiadamente repetitivos e menos relevantes. Por fim, é necessário obter o material. Este pode ser obtido de diversas maneiras como serviços on-line, bibliotecas, sistema de empréstimo entre bibliotecas, assim como solicitações on-line nacionais e internacionais (Estante Virtual, Amazon e livrarias). Portanto, a partir destas fontes, pesquisador estará apto para analisar o levantamento bibliográfico e fazer sua pesquisa. 18 Ver nota seguinte. 19 Uma “boa bibliografia” e “uma bibliografia coerente” são realidades demasiadamente vagas. Nosso trabalho não tem como objetivo aprofundar a pertinência de uma bibliografia particular e um dado tema, no entanto, nossa tarefa será mostrar as plataformas onde uma possível bibliografia poderá ser levantada, algo que poderá favorecer os pesquisadores e leigos interessados. 20 Cf. PIZZANI, Luciana et al. A arte da pesquisa bibliográfica na busca do conhecimento, p. 58. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS. A divulgação da ciência surge com o advento da ciência moderna. Algumas das atrocidades cometidas na II Guerra Mundial (câmaras de gás e bomba atômica) foram cometidas através do uso bélico das conquistas científicas, aproximando uma discussão mais tênue entre ciência e sociedade. A resposta à pergunta o que é divulgação da pesquisa científica? pode ser respondida recorrendo a todos os meios descritos acima que viabilizam o acesso à informação das realizações científicas, sendo históricas ou atuais, para os mais diversos interlocutores. Sustentamos que a ciência, para que continue a progredir, e levando em consideração o modus operandi da sociedade contemporânea, precisa apresentar com clareza não só os fundamentos de sua pesquisa, mas sua relevância social e econômica. Portanto, a divulgação científica, entendida a partir dos dois grande gêneros (Informante e Informado), assim como as suas decorrentes espécies já trabalhadas, torna-se parte da atividade científica, justificando a necessidade de um trabalho especializado nesta área.
REFERÊNCIAS ALBAGLI, Sarita. Divulgação científica: informação científica para cidadania? Ciência da Informação, Brasília, v. 25, n. 3, set./dez.1996. ARISTÓTELES. Metafísica. trad. Giovanni Reale. v. II. São Paulo: Loyola, 2005. (Edição Bilíngue). BACON, Francis. Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores). ___. Nova Atlântida. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores). DESCARTES, René. Discours de la Méthode. VI. Edição Charles Adan et Paul Tannery. Paris: 1996. ___. Meditations Metaphysiques. IX. Edição Charles Adan et Paul Tannery. Paris: 1996. DESCARTES, René. Regulae ad Directionem Ingenii. X. Edição Charles Adan et Paul Tannery. Paris: 1996. DA SILVA, Henrique César. O que é divulgação científica? Ciência & Ensino, v. 1, n. 1, set. 2006. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 6ª ed. trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Editora perspectiva, 2001. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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INTERPRETAR UM TEXTO É USÁ-LO: A VISÃO PRAGMATISTA INTERPRET A TEXT IS TO USE IT: THE PRAGMATIC VIEW Thiago Bittencourt de Queiroz21
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo debater algumas questões sobre os limites da interpretação e sua aceitabilidade. Para isso, tentaremos desmontar alguns dualismos, como uso/interpretação, intenção/sentido e dentro/fora; presentes nos argumentos de Umberto Eco sobre os limites da interpretação e sobre o conceito de superinterpretação. No lugar desses dualismos, iremos propor a ideia pragmatista de que não há diferença entre interpretar e usar um texto e que toda interpretação é criação. Palavras-chave: Limites da interpretação. Interpretação e aceitabilidade. Pragmatismo.
ABSTRACT: The purpose of this paper is to discuss some questions about the limits of interpretation and its acceptability. For this, we try removing some dualisms, such as use/interpretation, intention/meaning and inside/outside present in Umberto Eco‟s arguments on the limits of interpretation and the concept of overinterpretation. In place of these dualisms, we propose the pragmatist idea that there is no difference between using and interpreting a text and that all interpretation is creation. Keywords: Limits of interpretation. Interpretation and acceptability. Pragmatism.
1. Introdução No livro Aspectos da literatura brasileira, Mario de Andrade nos apresenta uma leitura sobre O Ateneu, de Raul Pompéia. Lido hoje, o ensaio de 1941 parece ingênuo em sua constante preocupação com a psicologia do autor e a insistência numa abordagem biografista. No entanto, gostaríamos de pensarmos essa interpretação de O Ateneu, não a partir do seu método ou em um envelhecimento do quadro teórico, e sim a partir da sua possível validade e as questões que podemos levantar sobre a 21
Possui graduação em Letras pela UFPR e é mestre em estudos literários pela mesma instituição, com a dissertação (defendida em 2014) “Conformação do espaço literário em O Ateneu e Doidinho”. Atua principalmente nos seguintes temas: espaço literário, relações entre literatura e filosofia e poesia portuguesa contemporânea. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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hermenêutica. Ademais, o envelhecimento do quadro teórico nos estudos literários não quer dizer abandono total a um método.Bom! Não devemos entender o estudo da literatura como uma ciência progressista, como é o caso das ciências exatas, em que muitas vezes uma teoria é substituída em detrimento de algum avanço mais atual. Em literatura, muitas vezes, diversos métodos – sejam eles antigos ou recentes – contribuem para o estudo. É fácil notar que mesmo o formalismo russo do início do século XX, por exemplo, ainda pode contribuir em diversos momentos da contemporaneidade. O texto de Mario de Andrade, já em seu início, nos remete a uma questão interpretativa: a tentativa de entender a obra pela biografia do autor.
Raul Pompéia foi um revoltado e isso lhe ditou a vida penosa e a obra irregular. Mas no meio desta eleva-se um marco do romance brasileiro e legítima obra-prima, O Ateneu. Não é possível negar, as provas são fortes, que neste livro de ficção o escritor vazou a sua vingança contra o seu internamento no colégio Abílio (ANDRADE, 1975, p. 179)
O autor de Macunaíma vê em O Ateneu um reflexo da vida de Raul Pompéia, uma vingança concretizada na ficção. A psicologia do autor, inferida através de sua biografia, serve como modelo de análise para compor o sentido da obra. Algumas páginas a seguir, Mario de Andrade seguirá com essa relação para afirmar que Raul Pompeia tinha uma insensibilidade diante da adolescência, que provinha da inexistência do sentido de amizade. O retrato cruel das relações pessoais em O Ateneu é, nessa abordagem, o resultado da vida solitária de seu autor. O inusitado da abordagem de Mario de Andrade é que ele vê uma coerência entre vida e obra do autor, mas não vê nexo entre as obras desse mesmo autor: “O Ateneu é outro mundo expressivo, outro estilo” (ANDRADE, 1975, p. 181). Portanto, esse texto que é a vida do autor pode servir para os propósitos e interesses de Mario de Andrade, mas outras obras do autor não. Vista hoje, essa interpretação parece descabida e apenas um uso do texto literário para entender a figura do autor real. No entanto, queremos entender essa abordagem em termos pragmatistas, em que uma interpretação serve a intenções e propósitos e, portanto, não difere do uso que fazemos dela. O exemplo dessa leitura sobre O Ateneu será nosso ponto de partida para discutir questões sobre os limites e aceitabilidade de uma interpretação.
2. Interpretar é usar? Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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Umberto Eco (2004) nos apresenta um exemplo interessante sobre o que ele chama de uso de um texto em oposição à sua interpretação. Ao comentar uma análise da obra de Edgar Allan Poe, em que o intérprete buscava na obra ficcional informações para extrair conclusões sobre a vida do autor empírico; Eco chega à conclusão de que isso é um uso do texto e não uma interpretação. Para ele, há um valor maior na interpretação do texto em detrimento de seu uso:
Defender a interpretação do texto contra seu uso não significa que os textos não podem ser usados. Mas o livre uso deles nada tem a ver com sua interpretação, visto que interpretação e uso sempre pressupõem uma referência ao texto-fonte; quando mais não seja, como pretexto (ECO, 2004, p.18).
O caso da interpretação de Mario de Andrade sobre O Ateneu enquadra-se nessa situação. Para Eco, se trataria também de um uso do texto. Seguindo a linha de pensamento do autor italiano, uma interpretação é sustentada pelo texto, enquanto o uso, na maioria das vezes, apela para aspectos ditos extratextuais (textos que não são o texto-fonte) como a biografia do autor e torna o texto-fonte um pretexto. Porém, nos perguntamos se é possível distinguir uso de interpretação. Antes de pensarmos nessa questão. devemos analisar o motivo pelo qual muitas leituras recorrem à intenção do autor. Fica implícito que Umberto Eco também faz uma distinção entre intenção e significado. Também podemos colocar em xeque esse dualismo, se argumentarmos que intenção e significado coexistem. Michaels e Knapp (1982), em um polêmico ensaio intitulado Against Theory, argumentam que não existe significado sem intenção. Para isso, os autores utilizam um exemplo em que um leitor qualquer se depara com um poema escrito na areia. Para esse leitor, duas opções se colocam: ele pode assumir que está diante de um poema escrito por alguém (no exemplo de Michaels e Knapp é Wordsworth ou o fantasma dele); ou considerar os versos na areia um mero acidente natural. O sentido será diferente em ambos os casos, já que a intenção existe no primeiro e podemos considerar o texto na areia um poema. No segundo caso, não há sentido e nem poema, pois não há intenção e nem qualquer autoria. Ao exemplo dos dois autores, poderíamos adicionar o experimento mental de Hillary Putnam, em que o caminho de uma formiga na areia parece traçar um retrato de Winston Churchill. Podemos atribuir intenção nesse caso? Só podemos atribuir o sentido de representação ao pensarmos em autoria, seja ela divina ou humana. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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Com isso, não queremos discutir se a análise de Mario de Andrade é válida porque atribuiu uma autoria, no caso dele a do autor empírico. Nem que é preciso recorrer à biografia de um autor para atribuir sentido, o que basta é que o texto seja encarado como algo intencional. Segundo Michael e Knapp: “o que os intencionalistas querem é um guia para validar a interpretação, mas o que eles conseguem, no entanto, é simplesmente uma descrição do que todo mundo sempre faz” (1982, p. 730).22 Ou seja, não é fácil pensar em critérios de validade de uma interpretação. Por isso, gostaríamos de entender a interpretação como um tipo de redescrição, para depois pensarmos, não em sua validade, mas sim em aceitabilidade. Sem entrarmos na discussão sobre o termo redescrição, de Richard Rorty; podemos dizer que não existe uma interpretação mais verdadeira que outra, pois interpretar é redescrever, ou ainda, toda interpretação é uma criação:
[...] se um dia pudermos nos conciliar-nos com a ideia de que a maior parte da realidade é indiferente a nossas descrições dela, e de que o ser humano é criado pelo uso de um vocabulário, e não por se expressar adequada ou inadequadamente num vocabulário, teremos ao menos assimilado o que havia de verdadeiro na ideia romântica de que a verdade é construída, e não encontrada (RORTY, 2007, p. 31).
O que Rorty observa sobre a “verdade”, também serve para a “verdade da interpretação” ou a sua validade. O que Mario de Andrade nos oferece é uma redescriação, podemos aceitá-la ou não, porém não podemos argumentar se ela é verdadeira ou válida. Chegamos a um ponto crucial na nossa visão sobre o tema: a interpretação cria o texto, e não descobre o seu sentido. Tendo isso em vista, voltemos ao dualismo uso/interpretação. Richard Rorty, em resposta ao texto de Umberto Eco, argumenta que tudo o que podemos fazer com um texto é usá-lo: “interpretar alguma coisa, conhecer alguma coisa, penetrar em sua essência, e assim por diante, tudo isso são apenas diversas formas de descrever um processo para fazê-la funcionar” (RORTY, 2005, p. 110). A interpretação, na visão de Rorty, é descrição de um modo de uso. E ele tenta turvar os dualismos essencialistas presentes nos argumentos de Eco. Além do dualismo interpretação e uso, Rorty flagra também a distinção dentro/fora, que aparece em relação ao comentário de Eco – que citamos anteriormente – sobre a interpretação de um texto de Poe. 22
Quando a citação se encontra em inglês, usamos uma tradução nossa. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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Como vimos, Eco chama de uso do texto o apelo do intérprete a biografia do autor. No entanto, ele acha correto quando a interpretação apela para outras obras do mesmo autor para entender um texto específico. Com isso, vemos que o autor italiano acredita numa coerência da obra de um mesmo autor, o que contradiz sua ideia de “coerência interna do texto”. Evocar outros textos não seria ser infiel ao texto-fonte? Essa “coerência interna do texto” advém da noção de leitor-modelo. Assim como Eco não se interessa muito pelo autor empírico, também não revela grande interesse pelo leitor real, mas sim pelo leitor-modelo. Esse conceito é interessante para nós por revelar uma tentativa de controle das interpretações pelo texto. O texto demanda e cria um tipo de leitor específico. Esse conceito desenvolvido por Eco tem como predecessor a noção de leitor implícito de Iser, nos anos 1960. Porém, já em 1950, Walter Gibson - que esteve ligado às ideias do new criticism e posteriormente a chamada reader-response theory - tinha postulado a noção de mock reader (leitor simulado) em oposição ao leitor real. O mock reader é “um artefato, controlado, simplificado, abstraído do caos das sensações do dia a dia” (GIBSON, 1980, p. 02). Mas se aceitarmos a ideia de leitor modelo ou mock reader, temos que aceitar que o texto possui uma essência e um significado ou vários significados predeterminados a serem descobertos. Para Eco, quanto mais o leitor empírico se aproximar das coordenadas do leitor modelo, mais bem-sucedida será a interpretação. Portanto, nesse sentido, não há espaço para criação por parte do leitor. No entanto, na visão antifundacionalista de Rorty, não existe essência e nem coerência de um texto: [...] não vejo nenhum modo de preservar a metáfora de “coerência interna de um texto”. Eu diria que um texto tem apenas a coerência que por acaso adquiriu durante a última volta da roda da hermenêutica, assim como um monte de barro tem apenas a coerência que por acaso obteve durante a última volta do torno do oleiro. (RORTY, 2005, p. 115).
Portanto, se existe coerência ou mesmo incoerência, ela é criada pela interpretação que se faz do texto, ou seja, não é uma essência do texto. Por exemplo, para Rosenblatt (1993), que propõe uma teoria transacional da leitura em detrimento do dualismo texto/leitor, o texto não é portador de atributos próprios e independentes do leitor:
Eu argumentei que a estética não é um atributo inerente ao texto. O escritor que deseja escrever uma obra de arte adota uma postura estética para produzir o maior número possível de pistas para o leitor hipotético. No entanto, e Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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apesar de um texto, como, Julius Caesar, poder oferecer grandes possibilidades estéticas, ele pode ser lido tanto como obra de arte como um exemplo da sintaxe elisabetiana. E uma previsão de tempo pode ser lida como um poema (ROSENBLATT, 1993, p. 382).
Entretanto, essa concepção pluralista da interpretação (como veremos a seguir) não aponta para uma relativização do ato de leitura.
3. Comunidades interpretativas e aceitabilidade de uma interpretação Umberto Eco, na sua série de conferências Tunner (mais tarde publicada em livro com o título: Interpretação e superinterpretação), faz uma distinção entre “interpretação sã” e “interpretação paranoica”. A primeira reconhece relações de analogia e contiguidade, porém; e diferente da segunda, não deduz o máximo possível de uma relação mínima. A “interpretação paranoica” é o que ele também chama de superinterpretação. Mas o autor italiano se contradiz algumas páginas depois ao afirmar que:
É inegável que os seres humanos pensam (também) em termos de identidade e similaridade. Mas, na vida cotidiana, o fato é que geralmente sabemos distinguir similaridades relevantes e significativas de similaridades fortuitas e ilusórias (ECO, 2005, p. 56).
Ora, o mesmo pode ser dito sobre usar um texto. Também se distingue racionalmente os usos que fazemos e eles são limitados por uma série de fatores, como a tradição, comunidade, instituição e contextos em que o texto aparece. Portanto, superinterpretação, “interpretação paranoica”, ou uso de um texto têm limites e não apontam para uma arbitrariedade total. Segundo Jeffrey Stout (1982), as interpretações ou usos que fazemos são orientadas pelos nossos interesses e propósitos e repertórios. No entanto, esses interesses e propósitos estão dentro do âmbito da avaliação racional e da revisão crítica. A aceitabilidade de uma leitura baseia-se no compartilhamento de interesses e propósitos que temos em comum com o intérprete. No caso da leitura de Mario de Andrade, por exemplo, ela pode ser aceita por pessoas interessadas na psicologia do autor empírico ou aqui simplesmente por apresentar em seu bojo alguns dos problemas que queremos discutir. Stout abre uma exceção ao que ,Harold Bloom chama de “strong poets”23, ou se quisermos ampliar o termo, o que Rorty
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Para Bloom, em A angústia da influência, o poeta forte (strong poet) é aquele que está enredado em um complexo de Édipo com outro poeta precursor. A constante batalha com seu pai, ou poeta Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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chama de “pragmatista forte”. Essas leituras são interessantes e aceitáveis independente de nosso compartilhamento de interesses e propósitos, pois formam um texto que rivaliza criativamente com o texto interpretado. Com isso, Stout (1982, p. 8) conclui que as leituras ou são criativas ou são supérfluas. Interpretações que não envolvem criatividade seriam apenas uma repetição do próprio texto. Porém, não podemos falar de aceitabilidade de uma interpretação sem falarmos de Stanley Fish. Em sua coletânea de ensaios intitulada There is a text in this class?, Fish apresenta o conceito de comunidades interpretativas. Essas comunidades são criadas através de um sistema (que pode ser institucional ou não) ou contextos criados. E elas são responsáveis pela aceitabilidade de uma interpretação. Podemos pensar esses sistemas como comunidades que compartilham interesses e propósitos semelhantes como, por exemplo, um grupo de estudiosos de orientação marxistas ou feminista. Até mesmo um grupo de adeptos da quiromancia ou nefelomancia, que compartilhariam a crença de que os traços da mão ou as nuvens no céu não estão dispostos acidentalmente. Já em relação aos contextos compartilhados, eles podem ser grandes ou restritos. Fish (1980) dá o exemplo da interpretação que seus alunos tinham da expressão Is there a text in this class?. Aos que frequentavam os cursos de Fish, text não significava apenas “text” ou “text book”, mas sim uma entidade instável e que não possui conteúdos predeterminados. Portanto, devido ao contexto tínhamos pelo menos dois significados para a expressão:
[...] nunca será possível atribuir-lhes uma classificação imutável e definitiva, uma classificação que seja independente da sua utilização ou não-utilização em situações concretas (porque é somente em tais situações que esses enunciados serão ou não utilizados) (FISH, 1992, p. 195).
O contexto pragmático faz com que o texto seja algo instável e não tenha uma verdade dentro de si. Para Fish, a estabilidade de um texto é uma ilusão. Ainda para ilustrar esse conceito, podemos pensar na novela Os leopardos de Kafka, de Moacyr Scliar. O protagonista da novela, chamado Benjamin, se depara com um pequeno de texto de Kafka, intitulado Leopardos no templo. Após inúmeras coincidências, o texto acaba sendo lido, pelo personagem como uma mensagem cifrada. Acontece, que o contexto que foi criado para a leitura do texto se tornou muito diferente. Benjamim, anterior, se revela dentro da obra do novo poeta a partir de uma desleitura da obra predecessora. No entanto, somente o poeta forte consegue realizar uma obra de valor e de originalidade diante do poeta pai; já o poeta fraco sucumbe e tem sua posteridade relegada. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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tinha ido para a cidade de Praga para cumprir uma missão revolucionária. Depois de uma série de equívocos o texto de Kafka é recebido como o comando dessa missão. Vemos o protagonista fazer diversas conjecturas e intepretações simbólicas do curto texto para que ele possa decifrar a mensagem. Essa pequena amostra do enredo da novela ilustra que um texto se modifica a partir de seus contextos e da criação/abertura do leitor. Para o personagem de Scliar, o inusitado contexto em que o texto acabou sendo inserido garante uma aceitabilidade para qualquer conjectura e entendimento do texto como instruções para uma missão. Por parte de nós leitores, poderíamos afirmar que achamos inusitada a interpretação de Benjamin, porque provavelmente temos outro contexto de recepção e também pensamos na intenção e autoria. Saber o mínimo que seja sobre Kafka nos dá outra dimensão para leitura da “mensagem cifrada”. Portanto, devemos abandonar a ideia de que para aceitarmos uma interpretação é preciso que ela seja regulada pelo texto. A aceitabilidade de uma leitura, por mais estranha que ela possa ser, é regida por comunidades interpretativas que compartilham semelhantes interesses e propósitos.
4. Considerações finais Ao assumirmos o ponto de vista pragmatista, deixamos de lado os dualismos essencialistas como interpretação/uso, intenção/significado e a distinção entre dento e fora de um texto. No entanto, também podemos nos indagar sobre o que é o sentido ou significado de um texto, se existe um acordo sobre esses termos quando tratamos de questões interpretativas. Jeffrey Stout (1982) nos mostra que existe um grande desacordo verbal quando falamos em significado de um texto:
O que é o significado de um texto? Marxistas dirão que o significado de um texto é uma questão de sua posição em um contexto definido pela história da luta de classes. Um freudiano dirá que o significado real é uma questão da personalidade e do romance familiar como foram construídos pela teoria psicanalítica. O estruturalista dirá que o significado textual reflete a estrutura profunda da consciência humana, que pode ser entendida apenas à luz do que Saussure e Jakobson nos dizem sobre a natureza da linguagem (STOUT, 1982, p. 05).
A palavra significado, assim como texto para Fish, também não é algo estável; ainda mais, ela é entendida de diversas formas à luz da teoria ou ideologia que estamos
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dispostos a nos inclinar. Logo, nunca sabemos se estamos falando sobre a mesma coisa com nosso interlocutor quando falamos de significado. O significado não reside no texto, já que “ler textos é uma questão de lê-los à luz de outros textos, pessoas, obsessões, informações, ou o que for, e depois ver o que acontece” (RORTY, 2005, p. 124). A distinção dentro e fora do texto, portanto, parece não fazer sentido, já que, para usarmos o aforismo de Derrida, não há nada fora do texto, pois tudo é visto como texto. Ou seja, a leitura se torna uma cadeia de textos que levam a mais e mais textos. Nessa perspectiva textualista, Rorty ainda faz uma distinção entre dois tipos de textualistas. O textualista fraco seria aquele que “acredita que há um código secreto e que uma vez que ele seja descoberto teremos compreendido corretamente o texto. Acredita que a crítica é descoberta” Enquanto que o forte “não quer saber da distinção entre descoberta e criação” (RORTY, sd, p. 222). Assumimos aqui a posição do textualista forte, não acreditamos que um texto possui uma essência ou um segredo a ser perseguido. Não devemos nos preocupar com um “sentido mais verdadeiro” para a interpretação, pois existem várias maneiras de atribuir sentido a um texto e quanto mais interessante ele for, mais leituras seremos capazes de criar sem simplesmente nos repetirmos ou a nossos predecessores. Mas não devemos esquecer que essas interpretações são regulamentadas por uma comunidade interpretativa que compartilha interesses e propósitos semelhantes:
De fato, são as comunidades interpretativas, mais do que o texto ou leitor, que produzem significados e são responsáveis pelo surgimento de características formais. Comunidades interpretativas são feitas por aqueles que compartilham estratégias interpretativas não para ler, mas escrever textos para a constituição de suas propriedades (FISH, 1982, p. 14).
Na perspectiva que adotamos, devemos dizer que as comunidades interpretativas não orientam o significado, mas sim a aceitabilidade de uma interpretação criada. Essa aceitabilidade, assim como o sentido, não é estável, já que os interesses e propósitos das comunidades interpretativas são constantemente renegociados. Em suma, o que podemos concluir é que, diferente do que argumenta Umberto Eco, não é o texto que detém a autoridade da interpretação, mas sim o leitor e sua respectiva comunidade interpretativa. REFERÊNCIAS Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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O PENSAMENTO REFLEXIVO E A FORMAÇÃO DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO
THE REFLECTIVE AND THOUGHT RESEARCHERS TRAINING IN EDUCATION MAURANO, Laura Maria dos Santos - UEL24 HENNING, Leoni Maria Padilha - UEL25
RESUMO: Este artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica que teve o objetivo de relacionar o pensamento reflexivo deweyano com a formação de pesquisadores. Esta proposta toma o pensamento reflexivo como um método de pesquisa que corresponde à capacidade humana de operar inteligentemente diante de situações problemáticas de forma a transformá-las em situações resolvidas constituindo-se em um instrumento de emancipação intelectual que visa libertar o homem da tutela externa por meio do desenvolvimento de hábitos ativos, críticos, autônomos. Palavras-chave: Filosofia
e
educação.
Pensamento
reflexivo.
Formação
do
pesquisador.
ABSTRACT: This article is the result of a bibliographic research that aimed to relate Dewey's reflective thinking with the formation of researchers. This proposal takes the reflective thinking as a research method that corresponds to the human ability to operate intelligently in dealing with problematic situations in order to turn them into resolved situations, thus becoming an intellectual emancipation tool which aims to free man from external tutelage by developing active, critical and autonomous habits. Keywords: Philosophy and education. Reflective thinking. Researcher training.
24 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela UEL e integrante do Grupo de Pesquisa Positivismo e pragmatismo e suas relações com a educação. Especialista em Propaganda, Marketing e Publicidade e também, em Gestão de Pessoas, é graduada em Administração, ambos os títulos tendo sido conquistados na UniFil. Nesta mesma instituição somou ao seu currículo alguns créditos de graduação em Pedagogia. Atualmente, pesquisa sobre formação de professores. E-mail: lauramaurano@hotmail.com 25 Professora Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista - UNESP, atuante no Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná, é coordenadora do Grupo de Pesquisa supracitado. E-mail: leoni.henning@yahoo.com Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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A experiência profissional no âmbito pedagógico universitário, no período de 2001 a 2011, deu à mestranda, autora deste artigo, a oportunidade de assessorar e coordenar as atividades que envolvem a carreira docente. Porém, dentre todas essas atividades, a que mais se mostrou desafiadora, sem dúvidas, foi a questão da formação de professores. Essas questões suscitaram as primeiras preocupações com esse tema e o desejo de pesquisá-lo. Mas, a origem efetiva da sistematização da pesquisa data de 2012, a partir das atividades na disciplina “filosofia e educação brasileira”, como aluna especial do Programa de Pós-Graduação e, também, nas programações do Grupo de Pesquisa, já citado, ao qual estamos vinculadas. Nos estudos iniciais, orientados pela professora responsável pela disciplina e coordenadora do Grupo de Pesquisa, co-autora deste artigo, foi possível entender que a educação brasileira só passou a ser um problema, de fato, para a filosofia a partir da necessidade de formação de professores com a implantação das escolas normais, por volta do ano de 1835. Entendemos que foi nessa ocasião que o problema da educação gerou séria preocupação e se instituiu o início efetivo da disciplina filosofia da educação em nosso país. Portanto, podemos dizer que a origem dessa disciplina está realmente atrelada à preocupação com a formação profissional de professores. A partir dessa ideia, começamos a desenvolver estudos sobre a teoria deweyana e suas contribuições para a formação docente no âmbito do Grupo, uma vez que o pragmatismo deweyano configurou-se numa perspectiva altamente influente nos setores educacionais deste país nas primeiras décadas do século XX, um momento particular da nossa história em que esforços eram envidados para, de fato, se efetivar um movimento mais produtivo na educação brasileira que compreendia medidas pedagógicas mais condizentes com o momento e incluía reivindicações destinadas às políticas públicas. Nesse sentido, enquanto estudiosas, nos movíamos conforme os interesses eram crescentemente reforçados até chegarmos ao presente ano com o desafio de estudar a formação de pesquisadores em educação enquanto atividade estritamente vinculada à formação docente. John Dewey, então, tem se mostrado um intelectual de grande valia para os nossos estudos, uma vez que produziu grande parte das soluções aos problemas educacionais por ele apontados, a partir das suas ideias de „investigação‟ vinculada ao „pensamento reflexivo‟, cujas noções merecem aprofundamento. É o que tentaremos mostrar ao longo deste artigo. Atualmente, a formação inicial e continuada dos pesquisadores em educação no Brasil, via de regra, se dá em espaços institucionais que articulam os processos de Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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ensino, pesquisa e extensão - isto é, as universidades, conforme dispõe o artigo 52 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/1996: “As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, [...]”. Essa formação se dá com ou sem apoio de órgãos de fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, pois a mesma lei diz que as universidades poderão receber apoio e não que as mesmas deverão receber apoio. Dessa forma, a lei, não responsabiliza o poder público pelo efetivo investimento. Portanto, da análise da LDB depreende-se o quanto ainda precisamos avançar, de fato e de direito, na elaboração e efetiva aplicação de políticas públicas em prol das pesquisas em educação que possam vir a contribuir com o desenvolvimento da sociedade brasileira. Ao introduzir o assunto a partir de um breve comentário sobre aspectos legais, queremos tão somente chamar a atenção para a amplitude deste tema, o qual abre um vasto campo para discussões sob diferentes perspectivas teóricas - pela sociologia, filosofia, antropologia, história, psicologia, políticas, dentre outras. Porém, neste caso específico, nos propomos a analisá-lo sob a ótica da filosofia da educação, mais especificamente a partir da reflexão assentada nos aspectos antropológicos e epistemológicos em John Dewey, para enfrentarmos o problema assim proposto: quais relações podemos traçar entre o pensamento reflexivo deweyano e a formação do pesquisador em educação? Nesse sentido, este estudo é importante porque, primeiramente, serve como reflexão individual voltada a formação profissional da autora e como reflexão coletiva no âmbito do Grupo de Pesquisa Positivismo e Pragmatismo e suas relações com a educação e, também, no âmbito acadêmico como um todo. Em segundo lugar, porque, não obstante, tratar-se de um tema bastante pesquisado no Brasil, sua importância social decorre da possibilidade de conhecer e tornar conhecido, por meio de comunicações e publicações, em que medida as ideias do autor nos ajudam a enfrentar os problemas referentes à formação desses profissionais. Destacamos, ainda, que escolhemos uma perspectiva filosófica para refletir sobre o tema porque temos a convicção de que, em ciências humanas, especialmente, a formação científica não pode e não deve dissociar-se da formação humana. Nesse contexto, Dewey explica que a nova função da filosofia é “[...] contribuir, sequer de modo humilde, com métodos que nos ajudem a descobrir as causas dos males da humanidade” (DEWEY, 1959, p.170).
E, Anísio Teixeira corrobora com a nossa
escolha ao dizer que: Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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É o estudo da natureza biológica e social do homem, em bases positivas e científicas, que nos deverá dar, afinal, uma ciência da saúde, da eficiência e da felicidade do homem. Longe de nós a suposição ingênua de que se irão suprimir da vida as suas perplexidades, as suas incertezas e os seus fracassos. [...] mas chegaremos a explicá-los. E tornando-os, [...], compreensíveis, tornálo-emos aproveitáveis para uma crescente reorganização do futuro (TEIXEIRA, 2007, p.109).
Observamos que Teixeira propõe duas perspectivas, a explicação e a compreensão, para a realização de estudos sobre o homem, as quais envolvem sim a ciência, mas não prescindem de outras contribuições que escapam da positividade científica. Logo, o objetivo geral deste estudo é suscitar novamente a discussão sobre o conceito de pensamento reflexivo no âmbito da pesquisa institucional ao ter em vista os insights importantes oferecidos pelo autor selecionado. Já o objetivo específico é aprofundar desse conceito por meio de uma pesquisa bibliográfica, ao verificar as características, fases, função do conceito para, na sequência, relacioná-lo com a formação de pesquisadores. Sendo que o principal argumento está centrado na importância do pensamento reflexivo enquanto capacidade do homem de operar investigativamente nas situações inicialmente problemáticas para então, transformá-la em situações resolvidas para garantir a sua vida. Isto é, o conceito assim aprimorado, apresenta-se como instrumento recomendado ao processo de formação do pesquisador em educação já que não se constitui simplesmente num método científico tão-somente voltado à pesquisa, mas também se trata de um importante instrumento de emancipação intelectual e humana, pois procura libertar o homem dos hábitos rotineiros por meio do desenvolvimento de hábitos ativos. Inicialmente, podemos dizer que a teoria deweyana compreende o homem a partir de seus aspectos biológicos e naturais, ou seja, ele é um organismo vivo, organizado, complexo, ativo, de constituição físico-química, funcional, que faz uso das energias em benefício da sua manutenção, conservação, crescimento, desenvolvimento, renovação, enfim, em prol da sua sobrevivência. Logo, para Dewey “[...] um ser vivo é aquele que domina e regula em benefício de sua atividade incessante as energias que de outro modo o destruiriam” (DEWEY, 1979b, p.1 e 2). Portanto, diante de uma necessidade o organismo tende a se desequilibrar ou a entrar em tensão, a partir desse momento ele precisa reagir e promover esforços para retomar o seu estado anterior, pois, diante da satisfação, ele recupera o equilíbrio. Este dinamismo vital é explicado Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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por Dewey: “A vida é um processo que se renova a si mesmo por intermédio da ação sobre o meio ambiente” e a “[...] continuidade da vida significa uma contínua readaptação do ambiente às necessidades dos organismos vivos” (DEWEY, 1979b, p. 01 - 02). Logo, nota-se que Dewey concebe o homem, assim como todos os seres vivos, como parte da natureza. Essa visão está fundamentada na biologia, mais especificamente, na teoria da evolução das espécies, publicada em 1859 por Charles Darwin no livro A origem das espécies. Darwin analisou os seres humanos sob uma nova perspectiva para a época - naturalista - ou seja, entende que todos os seres, animados e inanimados, fazem parte do mundo natural, e que eles evoluem em resposta ao ambiente em transformação constante. É nesse mundo natural que o homem produz a sua existência enquanto se desenvolve socialmente. Sua teoria também tem um aspecto humanista. O autor se amparou na psicologia social de George Herbert Mead (1863/1931) para explicar a existência social e histórica do homem, e concebeu a educação como um processo social, resultando na aprendizagem como consequência de uma operação permanentemente cumulativa, em que meio e indivíduo se transformam. A visão de Dewey se apresentava altamente progressista para a época, pois ao educando cabia um papel ativo, bem diferente daquele proposto pela educação tradicional porque ele aprenderia „fazendo‟. E, ao professor, cabia promover as condições e orientar o processo de aprendizagem e dominar a dimensão lógica e psicológica do conhecimento para exercer o seu papel de líder intelectual de um grupo social. Segundo essa cosmovisão ou visão integrada, concebida a partir de uma teoria naturalista humanista, Dewey entende que, ao realizar um processo de adaptação às mudanças naturais, os homens desenvolvem permanentemente ações complexas no mundo - ação e reação - diante daquilo que fazem, vivenciam e recebem do ambiente. Contudo, ao reagirem às ações do ambiente, os humanos podem absorver elementos vindos da natureza e responder de forma muito diferenciada, mas suas ações futuras no mundo poderão constituir-se em ações controladas e inteligentes. Eis o papel daquilo que, no âmbito das interações sociais e comunicação, pode ser aprofundado. Com efeito, ao interagir, no contexto dessa equação natural acima apresentada, o homem faz uso da linguagem, transmite a sua cultura pela comunicação, dá significado à sua existência, num processo permanente de renovação. Para Dewey, no entanto, com “[...] o renovar da existência física, também se renovam, [...], as crenças, ideias, Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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esperanças, venturas, sofrimentos e hábitos. Assim se explica, [...], a continuidade de toda a experiência, por efeito da renovação do agrupamento social” (DEWEY, 1979b, p. 2). Nesse cenário, a transmissão se efetua por meio da comunicação e a “[...] educação, em seu sentido mais lato, é o instrumento dessa continuidade social da vida”, sendo a inteligência humana aquela que permite refletir sobre as melhores alternativas para tal continuidade. O pensamento do autor se fundamenta, portanto, na ideia de inteligência enquanto ação operativa fundamentada na investigação, não concebida da forma essencialmente teorética e distante da „prática‟, tal qual era apresentada pelas tradicionais filosofias - metafísicas. Além do exposto, observamos que o homem é dotado de uma significativa qualidade chamada de imaturidade, não apresentada, como à primeira vista pode resultar de um sentido pejorativo, mas, se trata da efetiva possibilidade de crescimento, de desenvolvimento. A imaturidade tem duas características: a dependência e a plasticidade. No primeiro caso, temos a garantia da sobrevivência por meio da interdependência, ou seja, a dependência nos dá a capacidade de crescer justamente porque necessitamos da ingerência, auxílio, troca com os outros. A plasticidade, por outro lado, é a ampla aptidão que temos para aprender com a experiência e formar hábitos para futuras experiências. Para o autor, os hábitos podem ser passivos ou ativos e, além disso, os últimos subentendem a reflexão, a invenção e a iniciativa para dirigir as aptidões a novos fins. Então, até aqui, vimos que o ser humano provoca e sofre muitas transformações num esforço contínuo para adaptar e readaptar o ambiente às suas necessidades com o fito de sobreviver. Logo, é nesse movimento dinâmico, contínuo e interativo do homem com o ambiente que surge a experiência. Podemos compreender melhor esse processo ao recorrer a Anísio Teixeira:
O universo é um conjunto infinito de elementos que se relacionam [...]. A multiplicidade e a variedade dessas relações o fazem essencialmente precário, instável, e o obrigam a perpétua transformação. Pode-se mesmo dizer que tudo existe em função dessas relações mútuas, pelas quais os corpos agem uns sobre os outros, modificando-se reciprocamente. Esse agir sobre outro corpo e sofrer de outro corpo uma reação é, [...] o que chamamos de experiência. Nosso conceito de experiência, longe, pois, de ser um atributo puramente humano, alarga-se à atividade permanente de todos os corpos, uns com os outros. No plano humano esse agir e reagir ganha sua mais larga amplitude, chegando não só à escolha, à preferência, à seleção, possíveis no plano puramente biológico, como ainda a reflexão, ao conhecimento e a reconstrução da experiência (TEIXEIRA, 1964, p. 13, itálico do autor).
Notamos que a experiência não é algo que permite ao homem experimentar Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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placidamente a natureza, antes é uma maneira de interação em que ambos, homem e natureza, são transformados. Para Dewey, só “[...] pode ser compreendida a natureza da experiência, observando-se que encerra em si um elemento ativo e outro passivo, especialmente combinados. Em seu aspecto ativo, a experiência é tentativa [...]. No aspecto passivo, ela é sofrimento, passar por alguma coisa” (DEWEY, 1979b, p. 152, itálico do autor). Voltaremos ao primeiro caso no decorrer do texto, quando dirigiremos as nossas reflexões ao pensamento reflexivo. Teixeira chama à atenção ao dizer que a “experiência, [...], não é, [...], qualquer coisa externa, adicionada à natureza; mas a própria natureza em uma de suas fases de reorganização [...] quando as relações e combinações são percebidas, vistas, podendo ser [...] reconstruídas para melhor atingirem seus fins naturais” (TEIXEIRA, 2007, p. 91, negrito do autor). Entendemos, assim, que o „processo de vida e de experiência‟ ocorrido na natureza vai se renova e fica cada vez mais complexo e, em se tratando especificamente do âmbito humano, a „educação‟ é acrescentada ao binômio, uma vez que o homem não é apenas biológico e natural, mas social e histórico, o que significa dizer que ele se constitui também sob a perspectiva da agremiação e da temporalidade. E, para Dewey (1979b, p. 3) “a sociedade subsiste, tanto quanto a vida biológica, por um processo de transmissão. Essa transmissão efetua-se por meio da comunicação [...]”, fator caro na esfera da educação que ganha especial atenção no âmbito escolar e formal de ensino. Nessa abordagem progressista, Dewey (1979b, p.2) entende a educação como “[...] instrumento de continuidade social”, pois o autor acredita que a educação não é um processo de preparação para a vida, mas constitui-se a própria vida, na qual a atividade e o mundo da ação e da prática, manifestam o que é característico do homem, suas experiências, pois o homem é um ser relacional. Ademais, o desenvolvimento é a característica da vida, portanto, Dewey (1979b, p. 57) afirma que “[...] educação e desenvolvimento constituem uma só coisa”, porém um cuidado deve ser tomado ao fazer essa colocação, pois para o autor quando “[...] se diz que educação é desenvolvimento, tudo depende do como se concebe este desenvolvimento. Nossa conclusão essencial é que vida é desenvolvimento e que o desenvolver-se, o crescer é a vida” (DEWEY, 1979b, p. 53, itálico do autor). Então, diante dessa afirmativa, surge outro questionamento: se educação é desenvolvimento o que ela deve realizar nos indivíduos? O autor complementa ao dizer que: “[...] ela deve progressivamente realizar as possibilidades presentes, tornando assim os indivíduos Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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mais aptos a lidar mais tarde com as exigências do futuro” (DEWEY, 1979b, p. 61), ou seja, a educação é dinâmica e transformadora, pois não só intervém no presente como no futuro, no devir, no vir a ser, e, está amparada nos princípios de interação e continuidade. Portanto, questionamos ainda: o que essas ideias representam em termos educacionais? Tais ideias são melhor esclarecidas com as palavras do próprio autor (1979b, p. 53), a saber: “[...] isto significa: 1) que o processo educativo não tem outro fim além de si mesmo: ele é seu próprio fim; e que, 2) o processo educativo é um contínuo reorganizar, reconstruir, transformar”. Dewey (1979b, p. 60 e 48), salienta, ainda, que o mais importante é que “[...] o ser humano aprende o hábito de aprender”. Diante do exposto, chegamos ao ponto que mais nos interessa - o pensamento reflexivo - o que nos permite perguntar: mas nessa perspectiva, como ocorre o aprendizado? O próprio autor pode nos responder com a seguinte afirmação: „Aprender da experiência‟ é fazer uma associação retrospectiva e prospectiva entre aquilo que fazemos às coisas e aquilo que em conseqüência essas coisas nos fazem gozar ou sofrer. Em tais condições a ação torna-se uma tentativa; experimenta-se o mundo para se saber como ele é; o que sofrer em conseqüência torna-se instrução - isto é, a descoberta das relações entre as coisas (DEWEY, 1979b, p.153, aspas do autor).
Temos, pois, preparado o campo para discutirmos a respeito do pensamento reflexivo. Portanto, na sequência da nossa exposição, analisaremos o conceito de pensamento reflexivo, suas características, fases e função para relacioná-lo com a formação de pesquisadores em educação com base na leitura de dois livros, a saber, Democracia e Educação (1979) e Como Pensamos (1979), porque a partir da análise de alguns conceitos aí encontrados e aprofundados, conseguimos formular com mais coerência alguns questionamentos relacionados ao nosso problema de pesquisa. No primeiro livro, Dewey propõe uma teoria pedagógica e filosófica voltada ao desenvolvimento de uma sociedade democrática, no caso, a sociedade norte-americana do início do século XX, caracterizada como técnico-industrial. Em que pese as diferenças econômicas, políticas, culturais entre a sociedade em que ele viveu e a sociedade brasileira, sua teoria almeja uma educação voltada ao pleno desenvolvimento humano, portanto, atual, progressista e produtiva para lançar luzes sobre os problemas que rondavam o homem de sua época, bem como o de nossa época. No segundo livro, o autor relaciona o hábito ativo ou pensamento reflexivo com o processo educativo, no exato momento em que busca explicar como o homem pensa e como se formam os
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hábitos ativos e os hábitos rotineiros, noções brevemente abordadas nas discussões imediatamente anteriores. Podemos dizer que pensar é uma atividade humana, ou seja, todas as pessoas pensam, porém existem muitas maneiras de pensar, umas são mais elaboradas e eficientes, outras menos. Dewey (1979a, p. 13) descreve os aspectos gerais de quatro maneiras de pensar, a saber, as fantasias, as invenções, as crenças e as reflexões. No primeiro sentido, pensar é uma sequência/sucessão desordenada de ideias que, durante a vigília ou o sono, nos ocorre, Constitui-se uma sucessão de estados mentais, impressões vagas e incompletas chamada de fantasias ou sonhos. Dewey (1979a, p. 14) diz que pensar é, por vezes, “[...] esse curso desordenado de idéias que nos passam pela cabeça, automática e desregradamente”. No segundo sentido, pensar pode ser uma sequência/sucessão ordenada/conexa ou desordenada/desconexa de ideias que, em vigília somente, estão ligadas a algo não percebido diretamente pelos sentidos, chamada de invenções. Segundo Dewey (1979a, p. 15) “[...] um pensamento ou idéia é a representação mental de algo não realmente presente; e pensar consiste na sucessão de tais representações”. No terceiro sentido, pensar, para Dewey (1979a, p. 16), é sinônimo da palavra “crer” no sentido de crença, isto é, quando algo é aceito ou rejeitado mais por confiança - forma subjetiva - do que por conhecimento objetivo, pois “[...] nenhuma razão apresenta para pensar como pensa [...]”. O autor explica ainda que esse tipo de pensamento advém da tradição, instrução, imitação, autoridade, tendendo aos preconceitos. Já no quarto sentido pensar tem um sentido reflexivo e é entendido como um processamento lógico dos dados que chegam de forma direta e perceptível ao cérebro por meio dos órgãos sensoriais, ou seja, é um fluxo encadeado de ideias observadas, regulado por um “objetivo” (DEWEY, 1979a, p. 24) com o fito de resolver um problema, dirimir uma dúvida e, nesse caso, explica Dewey (1979a, p. 244) “[...] o pensamento não existe sem essa coordenação”. Nesse sentido a reflexão é um esforço do raciocínio lógico com o objetivo de procurar as relações entre as coisas e visa às consequências de determinados atos. Dewey (1979a, p.14) esclarece que a “[...] reflexão não é simplesmente uma seqüência, mas uma conseqüência - uma ordem de tal modo consecutiva que cada idéia engendra a seguinte como seu efeito natural, e ao mesmo tempo, apóia-se na antecessora ou a esta se refere”. O autor acredita que essa é a melhor maneira de pensar. Os pormenores desse assunto serão analisamos na sequência deste estudo. No momento, salientamos que o pensamento reflexivo é diferente das fantasias, das invenções e das crenças porque ele pode ser adotado como base para a ação Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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eficiente a partir da investigação com vista à conclusão e, ainda, porque, conforme esclarece Dewey (1979a, p. 18, itálico do autor) ele “[...] faz um ativo, prolongado e cuidadoso exame de toda crença ou espécie hipotética de conhecimento, exame efetuado à luz dos argumentos que a apóiam e das conclusões a que chega”, e, tende abandonar qualquer chance do pensar rotineiro. Após termos verificado os quatro sentidos para a palavra pensamento, surgem outros questionamentos: quem pensa? Segundo a perspectiva deweyana, quem pensa é um organismo vivo, um ser biológico, diferente, mas não independente dos outros seres, inclusive, inanimados. É um ser histórico e social - um ser de relações - um ser inteligente, capaz de fazer relações entre causas e consequências das suas ações, conforme já anteriormente anunciado. Para isso, contudo, precisa aprender e constantemente aprimorar suas capacidades, como mostra a citação abaixo:
Na descoberta minuciosa das relações entre os nossos atos e o que acontece em conseqüência deles, surge o elemento intelectual que não se manifesta nas experiências de tentativa e erro. À medida que se manifesta esse elemento aumenta proporcionalmente o valor da experiência. Com isto muda-se a qualidade desta; e a mudança é tão significativa, que poderemos chamar reflexiva esta espécie de experiência - isto é, reflexiva por excelência (DEWEY, 1979b, p. 159).
É justamente esse elemento intelectual por meio da reflexão, que possibilita ao homem fazer escolhas, avaliar quais são as melhores opções de acordo com seus objetivos previamente estabelecidos, para deliberar, pois ele tem em vista conservar e manter a sua vida biológica e social e dar continuidade à evolução da sua espécie. Dewey (1979b, p. 159) diz que: “[...] pensar é o esforço intencional para descobrir as relações específicas entre uma coisa que fazemos e a conseqüência que resulta, de modo a haver continuidade entre ambas”. Notamos, nesse ponto, que compreender as relações é fundamental no pensamento reflexivo porque não se trata de um pensamento displicente, acrítico, aleatório, pois ainda para o autor (1979b, p. 159) pensar “[...] equivale, assim, a patentear, a tornar explícito o elemento inteligível de nossa experiência. Tornar possível o proceder-se tendo um fim-em-vista. É a condição para podermos ter objetivos”, ou seja, é necessário pensar certo para agir certo. E, por „certo‟ entendamos aquilo que é útil e adequado de acordo com o propósito estabelecido e com o contexto. Então, sobre o que o homem pensa? Questão que, mesmo assim, emerge desse estudo. Entendemos que o homem pensa sobre as suas experiências, sua existência e a Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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existência dos demais seres, os problemas particulares e universais, as suas relações, as suas possibilidades e, enfim, sobre as suas limitações. Se o conteúdo do pensamento humano se relaciona com sua existência, ainda nos falta saber qual a função do pensamento humano. Portanto, para que o homem pensa? Pensa para se manter, se desenvolver, crescer, se conservar, se renovar, se comunicar, satisfazer as suas necessidades biológicas e sociais. Ao partir do pressuposto de que sua constituição é biológica - física, química e psíquica – entendemos que se ele pensa é porque há inicialmente movimento de energias. Se há este movimento há também interação entre os seres, naquele processo de ação e reação citado anteriormente. Ademais, a natureza do ato de pensar é intrínseca, pois este se origina a partir dos recursos inatos curiosidade, sugestão e ordem - os quais são impulsionados por uma situação problemática que o homem necessita revolver para dar continuidade à sua existência histórica, ou seja, tal situação problemática o desperta para empreender esforços conscientes, voluntários e intencionais com um fim-em-vista projetado em seu horizonte existencial. Após o exposto, entendemos que um dos diferenciais da teoria filosófica e educacional de John Dewey é entender como pensamos. Destacamos o autor (1979a, p. 43) para dizer que se: “[...] nada cresce senão de germes, de potencialidades que, por si mesmas, tendem a se desenvolver”, não é possível que uma pessoa imponha a capacidade de pensar a outra que não pense espontaneamente por si mesma porque, complementamos com a palavras de Dewey (1979a, p. 43) “[...] ao passo que não podemos aprender ou ser ensinados a pensar, temos que aprender como pensar bem, especialmente como adquirir o hábito geral de refletir”. Há uma tendência geral em se admitir que o pensamento é fator de diferenciação entre o ser humano e os demais seres animados, levando os setores que envolvem a pesquisa científica a considerar a reflexão em grande estima. Porém Dewey (1979a, p.26) foi além a isso ao buscar disponibilizar elementos teóricos e experimentais para embasar suas ideias sobre o assunto. Com suas indagações e sugestões, nos sentimos mais resolutas para traçar uma primeira relação entre o conceito de pensamento reflexivo e a formação do pesquisador em educação, ou seja, pretendemos estabelecer relações entre os aspectos epistemológicos contidos na questão de nosso interesse. Trata-se, portanto, do fato desse conceito questionar o próprio pensamento por meio do método respaldado pelo autor, o que será mostrado ao longo da nossa discussão. Dewey, especialmente no livro Reconstrução em Filosofia (1959), argumentou Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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em favor da necessidade de haver uma renovação na filosofia pela valorização da experiência, uma vez que, observara a conservação dos velhos princípios, chavões, argumentos, típicos de uma sociedade arcaica já superada pelo industrialismo, pela ciência do século XX, ao menos nos USA, sociedade que pretendia realizar a democracia. Desse modo, o autor não tinha interesse em desenvolver seus estudos sob as perspectivas filosóficas e educacionais vigentes à época sustentadas pela filosofia tradicional, por isso propôs sua reconstrução em vista da superação dos dualismos para empreender suas investigações. Percebemos, assim, que a sua teoria naturalista humanista se contrapôs às filosofias dualistas amparadas na metafísica tradicional que admitem separações entre o espírito e o corpo; o indivíduo e o mundo; a teoria e a prática; o saber e o fazer; o trabalho e o lazer; a inteligência e a ação, por exemplo. Em Anísio Teixeira encontramos uma explicação ampla sobre esse aspecto, a saber:
Qual, pois, a nossa concepção da natureza humana? Estamos, simplesmente, com a concepção mais experimental de nossos dias. O homem é simplesmente um animal em que a obra de ajustamento ao seu meio, longe de se fazer por processos fixos e estáticos, pode assumir as formas mais diversas. Todos os demais animais se ajustam ao meio com uma considerável fixidez [...]. O homem, dotado em grau mais alto de poder de observar, recordar o passado e prever, assim, por analogia, as consequências de seu ato, cria e recria seu ambiente (TEIXEIRA, 2007, p.117, itálicos nossos).
Teixeira esclarece que o homem é capaz de produzir historicamente a sua própria existência por meio de processos flexíveis. Isso é possível porque o homem possui uma capacidade especial chamada imaturidade que se caracteriza pela dependência e plasticidade, porque é capaz de pensar inteligentemente e se responsabilizar pelas consequências das suas ações, é capaz de questionar, de investigar, de pesquisar para resolver seus problemas. Logo:
Não há nada que justifique, hoje, afirmar-se que uma lei imanente qualquer governa [...] as mudanças sociais. Com o conhecimento progressivo que vamos tendo das causas e efeitos nas ciências sociais, é que nos irá sendo possível traçar certas leis experimentais ou, talvez, simples hipóteses que se poderão aplicar na reconstrução social [...]. A natureza não é mais a matériaprima, nem boa nem má, que fornece as condições e os limites para a ordem social. A ordem social é produto humano [...] (TEIXEIRA, 2007, p.118, itálicos nossos).
Com a ciência moderna, já desde Bacon, aprendemos o que é investigar, levantar hipóteses, testá-las, realizar experimentação. E, nesse sentido, a filosofia não poderia Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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ficar isenta dessas inovações. Embora a moral ainda fosse preservada no âmbito da filosofia, o que resultava disso, era um conservadorismo pernicioso para o desenvolvimento humano e social. O autor não advogava o cientificismo, entretanto, estabeleceu a „investigação‟ como referência do conhecimento humano, em todas as instâncias da vida. A investigação, nessa proposta, não se desenvolve somente em bases epistêmicas, porque ética e moral, ou seja, procura levar em consideração a formação científica e, ao mesmo tempo, a formação humana num universo em que os problemas existenciais suscitem questionamentos que possam ser metodicamente investigados. Esse é um dos motivos que nos leva a pesquisar sobre os problemas educacionais a partir de bases filosóficas porque estamos voltados à formação humana plena num universo em que a possibilidade de „se formar como pesquisador‟ está acessível a todos os indivíduos para que eles possam desenvolver a criticidade e a autonomia intelectual, enquanto questionam: que pesquisador queremos formar? Qual a mais adequada concepção de homem e de mundo que o pesquisador educacional deve nutrir? Quais os valores da sociedade em que esse pesquisador vive? Que sociedade queremos viver e deixar viver? Para onde os nossos conhecimentos nos levam? Deixamos de desfrutar o presente plenamente, preocupados exageradamente com o futuro? Levamos mais em conta o produto do que o processo? Por que ainda é preciso que se pesquise sobre educação? Para que serve as pesquisas? Os pesquisadores têm consciência da importância do seu trabalho? Dewey levanta alguns „valores‟ para justificar o porquê o pensamento reflexivo deve se constituir um fim educacional. Primeiramente, porque o “[...] ato de pensar possibilita a ação de finalidade consciente”, pois procura libertar o homem de hábitos rotineiros por meio do desenvolvimento de hábitos ativos. Em segundo lugar, porque o “[...] ato de pensar possibilita o preparo e a invenção sistemáticos”, pois, por meio do pensamento, o homem pode refletir sobre causas e consequências e escolher as melhores opções de acordo com seus objetivos. E, em terceiro lugar, porque o ato de pensar “[...] enriquece as coisas com um sentido” (DEWEY, 1979a, p. 26 a 29) ao dar significação às coisas e à vida como um todo. O autor (1979a, p. 42) ainda explica que existem três atitudes que são fundamentais para se desenvolver o hábito de pensar reflexivamente - espírito aberto, interesse absorvido ou de todo o coração e responsabilidade - tais atitudes pessoais devem ser desenvolvidas com os processos lógicos. Por „espírito aberto‟ se entende a atitude, inclinação ou a predisposição a aceitar o novo. Já por „interesse absorvido‟ ou Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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„de todo o coração‟ compreende as questões emocionais envolvidas no processo do pensamento que promove o envolvimento e o entusiasmo com a reflexão. E, finalmente, a „responsabilidade‟ como aquele componente moral e legal que faz o ser humano avaliar as consequências e responder pelos seus atos, pois:
O ato de pensar implica todos estes atos - a consciência de um problema, a observação das condições, a formação e a elaboração racional de uma conclusão hipotética e o ato de a pôr experimentalmente em prova. Ao mesmo tempo em que o ato de pensar resulta em conhecimento, em última análise o valor do conhecimento subordina-se ao seu uso no ato de pensar (DEWEY, 1979b, p. 166).
Será que os pesquisadores em educação concordam que essas atitudes são necessárias ao desenvolvimento do seu trabalho? Eis uma importante questão a ser investigada à luz das observações de Dewey. Neste ponto, podemos começar a refletir mais especificamente sobre como o homem pensa. Essa questão se refere ao „método‟ ou ao meio utilizado pelo homem no sentido de empreender esforços para transformar as energias em elementos favoráveis para satisfazer as suas necessidades; e, ao fazer isso, promove empenho inteligente para se beneficiar das energias presentes no ambiente e procura construir hábitos ativos ou corretos. Enfim, para concluir esse pensamento, recorremos ao autor (1979b, p. 167, itálico do autor) para afirmarmos que pensar “[...] é o método de se aprender inteligentemente, de aprender aquilo que utiliza e recompensa o espírito”. Porém, é importante deixar claro que, nessa perspectiva, o método, conforme complementa Dewey, “[...] atua por intermédio da inteligência e não por obediência a ordens dadas do exterior” (DEWEY, 1979b, p.188), pois a inteligência é a chave da aprendizagem, da luta por liberdade intelectual para contribuir com a formação de pesquisadores críticos e autônomos. A seguir, vamos analisar mais detalhadamente o tipo de pensamento que mais nos interessa e focalizar o sentido que reflexão a engendra, para então relacioná-lo à formação do pesquisador em educação. Assim, questionamos: o que é pensamento reflexivo propriamente dito segundo Dewey? Salientamos que o trabalho com um dado conceito apoia-se num método de investigação fundamentado na reflexão, ou seja, é uma operação do raciocínio lógico, não abstrata, mas experimental que se origina na experiência. Avesso aos dualismos, como teoria-prática, o autor nos adverte assim que o trabalho teórico, com conceitos, por exemplo, não está descolado da realidade, da prática porque o “[...] estágio inicial
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do ato de pensar é a experiência” (DEWEY, 1979b, p. 168, autor). Esse processo consciente e intencional é exclusivo dos seres humanos porque possuem inteligência para guiar as suas ações e está amparado, em síntese, na tríade dúvida-investigaçãodescoberta. Podemos dizer que o pensamento reflexivo se caracteriza como um processo dinâmico, contínuo, contextualizado e histórico, pois corresponde à capacidade humana inteligente de operar investigativamente frente às situações problemáticas de forma a transformá-las em situações resolvidas garantidoras da continuidade da vida. O homem, ao fazer uso desse tipo de pensamento, leva em consideração as consequências que as ações podem provocar porque tem um fim-em-vista, tem um objetivo que regula ou norteia as suas ações, e, portanto, o ajuda a deliberar - tal fim é continuamente transformado em meio para outros fins. O autor (1979b, p. 158) explica que a “[...] reflexão da experiência. [...], é o discernimento da relação entre aquilo que tentamos fazer e o que sucede em conseqüência. Sem algum elemento intelectual não é possível nenhuma experiência significativa”. Enfim, é um processo criativo de adquirir conhecimento, de formar hábitos ativos e de reconstruí-los, e assim, reconstruir a experiência humana. Salientamos que os produtos da investigação são provisórios porque são passiveis de novas investigações. Essa ideia é ressaltada pelo autor como uma conquista dos tempos modernos em relação ao entendimento sobre o conhecimento. O ato de pensar reflexivo tem fundamentalmente duas fases. A primeira é “[...] um estado de dúvida, hesitação, perplexidade, dificuldade mental, o qual origina o ato de pensar” e a segunda é “[...] um ato de pesquisa, procura, inquirição, para encontrar material que resolva a dúvida, assente e esclareça a perplexidade” Dewey (DEWEY, 1979a, p. 22), conforme sintetizamos anteriormente. Já no que diz respeito à função do pensamento reflexivo, verificamos em Dewey (1979a, p. 106, itálico do autor) que “[...] é, por conseguinte, transformar uma situação de obscuridade, dúvida, conflito, distúrbio de algum gênero, numa situação clara, coerente, assentada, harmoniosa”. Logo, o pensamento reflexivo tem um claro papel instrumental e funcional, que nos aproxima cada vez mais de um pensamento correto, de uma atividade encadeada, coerente, conexa, racional. Vejamos:
A reflexão não é simplesmente uma seqüência, mas uma conseqüência - uma ordem de tal modo consecutiva que cada idéia engendra a seguinte como seu efeito natural e, ao mesmo tempo, apóia-se na antecessora ou a esta se refere. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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As partes sucessivas de um pensamento reflexivo derivam umas das outras e sustentam-se umas às outras [...] (DEWEY, 1979a, p.14).
Logo, podemos dizer que se trata de um processo encadeado, de uma atividade questionadora que se apoia em hipóteses, argumentos para chegar à conclusão, pois:
A reflexão não está nesse fato de que uma coisa indica, significa outra. Começa quando começamos a investigar a idoneidade, o valor de qualquer índice particular; quando experimentamos sua validade e saber qual a garantia de que os dados existentes realmente indiquem a idéia sugerida de modo que justifique o aceitá-la (DEWEY, 1979a, p.21, itálico do autor). O pensamento reflexivo faz um ativo, prolongado e cuidadoso exame de toda crença ou espécie de hipotética de conhecimento, exame efetuado à luz dos argumentos que a apoiam e das conclusões a que chega. [...] mas, para firmar uma crença em sólida base de evidência e raciocínio, é necessário um esforço consciente e voluntário (DEWEY, 1979a, p.18, itálicos do autor).
É possível entender que o pensamento reflexivo tem um propósito, um objetivo, pois visa chegar à conclusão - conclusão do tipo reflexiva e contínua - em oposição ao pensamento irreflexivo, incorreto, acrítico, irrelevante. Pelo exposto, podemos dizer que o pensamento reflexivo ou hábito ativo leva ao hábito de aprender, ou seja, „aprender a aprender‟. A partir daí, buscamos traçar uma segunda relação, isto é, entender alguns pressupostos que fundamentam o pensamento reflexivo. Assim, chegamos ao entendimento de que, para o autor, o homem jamais está pronto, acabado, mas está em crescimento, em desenvolvimento permanente. Pois, enquanto existir vida, existirá a possibilidade de desenvolvimento pela educação, daí decorre a importância de se “desenvolver” hábitos ativos na formação de pesquisadores, porque não há um modelo de formação preestabelecido, exato, ideal. Há sim a possibilidade de se desenvolver experiências significativas, em que o pensamento reflexivo tenha uma função importante, pois, como já mostrado, o homem é dotado de uma capacidade especial - a imaturidade que apresenta as características da dependência e plasticidade, logo uma capacidade incrível de interdependência e sociabilidade como ainda, uma surpreendente flexibilidade nas situações ambientais em que vive. Portanto, o pesquisador em educação pode sempre aprender a pesquisar, a aprender a aprender. Ao encaminhar para as considerações finais: o pensamento reflexivo e suas implicações na formação do pesquisador, a partir do fator ora apresentado, podemos descrever outra relação, pois, o „aprender a aprender‟ pode se desenvolver como um método eficiente na relação entre o pensamento reflexivo e a formação do pesquisador, Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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pois, não se trata somente de um método de pensamento voltado à emancipação intelectual, mas também um importante instrumento de emancipação humana, como argumentamos logo no início deste texto, ou seja, vai além de um valioso instrumento de investigação, porque filosófico. Citamos Dewey para destacar a importância de um método com caráter experimental.
O desenvolvimento do método experimental como meio de adquirir-se conhecimento é ter-se a certeza de que é conhecimento, e não mera opinião método de descoberta e verificação é a grande força restante, para efetuar-se a transformação da teoria do conhecimento. [...] o método experimental de pensar significa que o pensamento tem utilidade, que ele é útil exatamente no grau em que a previsão de conseqüências futuras é feita baseada na observação completa das condições presentes. [...]. Essa atividade de acréscimo - é acréscimo com referência àquilo que foi observado e que agora é previsto - é em verdade um fator inevitável de nosso procedimento, mas não constitui experimentação a não ser quando se notam as conseqüências e se usam estas para se fazerem predições e planos em similares situações futuras (DEWEY, 1979b, p. 371, itálico do autor).
Em síntese, depreendemos com este artigo que o pensamento reflexivo ou investigação reflexiva é um método de pensamento científico. Como dissemos, o pensamento reflexivo se origina em uma situação indeterminada, pois um problema é formulado a partir de dúvidas e questionamentos. Na sequência, surgem sugestões oriundas de significações familiares, cultura, talento, preferências, desejos, acaso, interesse, estado emotivo, intuição ou mesmo lembranças. O momento posterior é o levantamento de hipóteses - ideias-guia - e a definição específica do problema que se quer investigar para que seja feito o processo de análise, juízo e síntese por meio do raciocínio no qual será checado a sua coerência e validade ou consequência. E, finalmente, passa à verificação experimental ou prova. Esse momento do processo é fundamental porque é por meio do juízo que se chega à decisão final, chamada por Dewey de „asserção garantida‟, pois alcançamos a situação transformada porque clara, coerente, assentada, harmoniosa, determinada. Dewey, ainda, chama à atenção ao equilíbrio contido no pensamento reflexivo, pois para ele, a “[...] necessidade de interação do próximo e do longínquo emana diretamente da natureza do ato de pensar. Onde há pensamento, alguma coisa presente sugere e indica alguma coisa ausente”, ou seja, daquilo que está presente e pode ser observado e daquilo que está ausente e precisa ser sugerido porque é “[...] infinito esse processo em espiral: matéria desconhecida a transformar-se, pelo pensamento, em possessão familiar; possessão familiar a instituirse em recursos para julgar e assimilar outra matéria desconhecida” (DEWEY, 1979a, p. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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285 e 286). Logo, depreendemos que o processo do pensamento reflexivo é contínuo, pois uma vez elevado o pensamento ao nível da reflexão para resolver alguma situação problemática, posteriormente, tenderemos a fazer uso desse tipo de pensamento em outras situações com vistas a ter maior facilidade para resolvê-las. Pelo exposto, notamos que a atividade do pesquisador em educação é, ao mesmo tempo, desafiadora e árdua, mas nunca solitária porque na companhia de autores, de livros, de colegas e professores co-autores, física ou virtualmente desenvolve seu trabalho no campo de pesquisa. O pesquisador é ainda amparado por requisitos técnicos que vão desde as habilidades computacionais até as habilidades de leitura e de escrita para redigir as suas ideias com coerência, clareza e coesão. E, de posse de alguns indispensáveis requisitos pessoais, como iniciativa para procurar dados e transformá-los em informações, dedicação, persistência e muita disciplina poderá levar a cabo sua empreitada. Nesse sentido, também, é necessário a autoconfiança para submeter publicamente as suas investigações em eventos, seminários, grupos de pesquisas, ou seja, para abrir-se à crítica e à discussão para futuramente realizar publicações. Ao defender suas ideias o pesquisador deve mostrar humildade para reelaborá-las, se for o caso, pois ao trilhar do seu próprio caminho pode possibilitar que outros também trilhem o seu. Cada estudioso, desse modo, apresenta condições para criar e recriar as ideias lidas, pesquisadas e discutidas nos grupos de pesquisa, por exemplo. Já observamos que Dewey nos oferece importantes subsídios diante do assunto. Mas vale à pena ainda citarmos uma de suas advertências quando diz: “Só estamos aptos a pensar reflexivamente quando nos dispomos a suportar a suspensão [de juízo] e a vencer a faina da pesquisa” (DEWEY, 1979a, p. 25, acréscimos nossos). Essas palavras nos fazem atentar para a dedicação diferenciada que a atividade de pesquisa requer. O autor posteriormente aponta para o fato de algumas pessoas desejarem realizar rapidamente as atividades investigativas ou se cansarem com os cuidados que esse tipo de trabalho exige. Há aqueles que acham que a dúvida pode demonstrar uma certa fraqueza para o estudioso e, por isso, ficam desconfortáveis para exprimi-la. Mas, o autor insiste: “[...] quando entram na pesquisa o exame e a verificação, [é] que avulta a diferença entre pensamento reflexivo e pensamento mal orientado” (DEWEY, 1979a, p. 25, acréscimos nossos). Muito embora já fossem traçadas algumas relações entre o conceito de pensamento reflexivo deweyano e a formação do pesquisador em educação, queremos enfatizar os aspectos éticos que permeiam a questão, e registrar que compreendemos Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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que o pesquisador em educação no Brasil, assim como em qualquer outro contexto e época, necessita pensar bem para agir bem, pautado em valores sociais e democráticos sempre sujeitos igualmente à análise e revisão. Para finalizar, gostaríamos de afirmar que a posição deweyana supera o cientificismo uma vez que, segundo o autor, este deve estar sempre acompanhado de uma ampla visão filosófica. Portanto, almejamos que a obra de John Dewey torne-se mais acessível aos pesquisadores com tradução completa para a língua portuguesa a fim de que os seus interessados possam tê-la como mais um aporte em suas pesquisas sobre educação.
REFERÊNCIAS DEWEY, John. Reconstrução em Filosofia. Trad. Antonio Pinto de Carvalho revisada por Anísio Teixeira. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. ______ Como pensamos como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reexposição. Trad. Haydée Camargo Campos. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979a. Atualidades Pedagógicas. Vol. 2. ______Democracia e Educação: introdução à filosofia da educação. Trad. Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979b. Atualidades Pedagógicas. Vol. 21. SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2007. TEIXEIRA Anísio. Pequena introdução à filosofia da educação. A escola progressista ou a transformação da escola. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. ______ Educação como reconstrução da experiência. In: DEWEY, John. Vida e Educação. Rio de Janeiro: Melhoramentos, 1964.
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RICHARD RORTY E A PROBLEMÁTICA DO ETNOCENTRISMO26 RICHARD RORTY AND THE PROBLEM OF ETHNOCENTRISM Wilker de Carvalho Marques27 “Permaneceremos sendo criaturas finitas, os filhos de tempos e lugares específicos.” Richard Rorty
RESUMO: O filósofo americano Richard Rorty (1931-2007) empreendeu uma vasta produção intelectual. Sob sua abordagem, sempre marcada pela tendência neopragmática, muitos dos temas clássicos da filosofia são revistos – ou redescritos –, atingindo novo patamar de discussão. Este artigo discute um dos pontos importantes de sua reflexão, o etnocentrismo, trabalhado por Rorty sob uma perspectiva completamente nova e extremamente controversa. Palavras-chave: Etnocentrismo. Democracia. Diálogo Intercultural.
ABSTRACT: The American philosopher Richard Rorty (1931-2007) undertook an extensive intellectual production. Under their approach, always marked by neopragmatic trend, many of the classic themes of philosophy are reviewed - or redescribed - reaching a new level of discussion. In this work, It is investigated one of the important points of your reflection, ethnocentrism, worked for Rorty in a completely new and highly controversial perspective. Keywords: Ethnocentrism. Democracy. Intercultural Dialogue.
O filósofo americano Richard Rorty é considerado por muitos como um dos pensadores mais importantes no atual cenário cultural americano. Apontado como o 26
Texto baseado na comunicação apresentada no 12º Encontro Nacional de Professores de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em setembro de 2015. 27 Professor de filosofia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – IFPI; mestrando do PPGEE (Programa de Pós-Graduação em Ética e Epistemologia) da Universidade Federal do Piauí – UFPI; advogado. Endereço eletrônico: wilker_marques@yahoo.com.br. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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principal responsável pelo “reaparecimento” (ou por uma valorização mais marcante em nossos dias) das ideias dos autores pragmatistas – especialmente Dewey, James e Peirce –, Rorty via a si mesmo como um escritor neopragmatista, em que a filosofia se aproxima da Literatura, da Antropologia e de outras relevantes expressões da cultura. Uma das vias de acesso à trama conceitual deste autor, parte da sua crítica a três pilares da tradição filosófica: primeiramente, à ideia de que a mente humana espelha a realidade; em segundo lugar, uma decorrência da primeira ideia, à concepção de que o conhecimento da verdade está associado a um “polimento” deste espelho (que é a mente), isto é, de que conhecimento é representação acurada; em terceiro, à imagem que a Filosofia tem de si mesma, como uma via segura de compreensão dos processos do conhecimento ou uma forma privilegiada de acesso – mesmo que jamais integralizado – à verdade. Foi em seu A Filosofia e o espelho da natureza, publicado originalmente em 1979, que Rorty buscou desbancar estas três sólidas concepções, apresentando um pensamento de caráter antirrepresentacionista e propondo uma maneira renovada de exercer filosofia em nosso tempo. O vocábulo antirrepresentacionismo, em Rorty, encontra-se, inevitavelmente, relacionado a toda uma série de outras expressões negativas, a saber, antiessencialismo, antimetafísica, antifundacionismo, antiplatonismo, etc. Tal constatação suscita muita inquietude em alguns leitores de seus textos, pois, aparentemente, Rorty estaria mais preocupado com o que devemos negar que, propriamente, com em que devemos acreditar. Isto não significa, entretanto, que ele não se posicione clara e firmemente no que tange àquelas demandas que julgava relevantes e às quais valia a pena, em sua perspectiva, dedicar tempo e energia. Com o gradativo desenvolvimento de sua abordagem filosófica, tornando-se um escritor extremamente profícuo, autor de obras que se tornaram fundamentais à discussão de temas urgentes à contemporaneidade – temas tais como a democracia, o liberalismo, a solidariedade, o diálogo intercultural e a crueldade entre os homens – Rorty tornou-se centro de muitas polêmicas, estabelecendo embates teóricos com os mais importantes intelectuais de sua época. Tais embates, algumas vezes, giraram em torno da questão da verdade ou da razão, ou, ainda, de tópicos relativos à Epistemologia – como, por exemplo, quando discute com Searle, com Putnam, Pascal Engel, ou com Donald Davidson. Mas o seu Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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pensamento trilhou, na maturidade, muito mais, os caminhos da política. Nesta seara é que Rorty publicou, em 1989, aquele que seria o seu livro mais original e representativo, porque abrange, mais que qualquer outro texto, os aspectos fulcrais de sua filosofia: Contingência, Ironia e Solidariedade. As ideias levantadas, e/ou aprofundadas, nesta obra, por sua vez, levaram Rorty a estabelecer conversações com autores das mais diversas orientações teóricas e de muitas áreas diferentes, dentre eles, antropólogos como Claude Lévi-Strauss e Clifford Geertz, e filósofos como Jürgen Habermas. Esta mudança de foco – em que questões metafilosóficas e de teoria da verdade vão gradualmente cedendo lugar às reflexões acerca da democracia e da solidariedade – não se dá de modo velado, de maneira que apenas um leitor experimentado o possa perceber. Pelo contrário, o próprio Rorty explicou, do modo o mais claro possível, que seu pensamento era marcado pela prioridade da política sobre a filosofia. Dizê-lo, entretanto, não é o mesmo que afirmar que, em sua concepção, os filósofos devessem ocupar um lugar subsidiário na cultura, visto que sua atividade profissional se distancia da prática política propriamente dita. De modo algum! Para Rorty, fazia-se necessária uma reforma radical na autoimagem da Filosofia, que a aproximaria sobremaneira da crítica cultural e da participação política, estreitando as suas relações com outras áreas do conhecimento – especialmente a literatura, as artes e as ciências humanas – e livrando-a da demasiada pretensão de busca da verdade objetiva. Deste modo, a filosofia seria equiparada a um gênero literário dentre outros, o que não lhe desmerece em nada. Assim, Rorty conclamou os seus pares, especialmente em Para realizar a América, a que ocupassem o espaço político que cabe aos intelectuais, renunciando ao comodismo que, segundo ele, tem marcado a esquerda americana nas últimas décadas. Dentre as questões que habitam este “espaço político”, Rorty, sem a necessidade de elencá-las em um rol exaustivo, tratava insistentemente da defesa de reformas das instituições liberais e democráticas, de ampliação do sentimento de solidariedade e da noção de justiça como lealdade ampliada. Deste modo, resultaria inócua qualquer tentativa de encontrar na literatura rortyana – a despeito de sua infância ter se passado em contato com uma cultura trotskista, orientação política de seus pais – formas de justificação para grandes revoluções sociais, que visem, por exemplo, a combater ou dar cabo ao sistema capitalista. Rorty é um liberal reformista. E as reformas que imagina, chegando a Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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apresentá-las sob a forma de uma utopia, direcionam-se sempre ao intento de encontrar meios para desmontar as inúmeras formas possíveis de justificações para a crueldade e a humilhação de seres humanos por outros seres humanos. Rorty era liberal, mas foi também um ironista. Chamá-lo ironista é dizer que, apesar de considerar o Liberalismo como a melhor forma de estruturação econômico-política a que tivemos a oportunidade de conhecer até o momento, ele estava ciente – e jamais descuidava de observar este fato – da contingência de sua própria posição: do mesmo modo que não há verdades objetivas (porque não existe a perspectiva do olho de Deus), também não há como possamos garantir que a Democracia e o Liberalismo são as melhores invenções políticas possíveis ao homem. A despeito disto, é na democracia liberal que Rorty construiu a sua utopia. Para ele, é tarefa do intelectual a atividade contínua de sensibilização das pessoas para a prática da inclusão e da tolerância. E isto não se fundamenta em nenhum preceito ético de alcance universal, ao modelo de um imperativo categórico, mas no fato de que a democracia somente se vai efetivando à medida que se amplia, à medida em que aquilo que chamamos “nós” engloba seres humanos que, antes, eram apenas um amorfo e impessoal “eles”. Rorty considerava imperioso o reconhecimento de sua postura etnocêntrica. Entretanto, se tomarmos a expressão etnocentrismo nos moldes que a tradição filosófica e as ciências sociais – especialmente a Antropologia e a Sociologia – têm-nos apresentado há séculos, assumir tal postura seria uma completa incongruência com o desejo de ampliação das intenções-nós acima ventilado. Ora, se o etnocentrismo for tomado como a postura, consciente ou não, de elevar os próprios valores ao status de valores universais, ou o fato de um povo considerar a própria ideia de bem como aquilo que deveria ser almejado por todos os outros povos – uma forma de narcisismo cultural –, então é coerente entendê-lo como uma causa potencial de muitos conflitos violentos (incluindo-se nisto a possibilidade de guerras religiosas e até de etnocídio) entre os povos. Como um filósofo se diz etnocêntrico e defende a aproximação, via diálogo includente, entre as pessoas (no interior da mesma sociedade) e entre os povos via diálogo intercultural? É com o fito de responder a esta pergunta que estabeleço, a seguir, alguns pontos importantes em relação ao conceito de etnocentrismo no pensamento rortyano. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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a)
Em Rorty a expressão etnocentrismo é redescrita.
Prática corrente na literatura rortyana, a redescrição é a técnica-método de ressignificar uma expressão linguística, utilizando-a constantemente sob uma acepção nova, ou uma abrangência diferenciada, de maneira que paulatinamente ela passa a compor um vocabulário muito singular para o autor, e a estabelecer total coerência no contexto formado com as outras ideias circundantes. É através deste método de ressignificação que Rorty subtrai a carga de negatividade que costuma estar associada à palavra etnocentrismo. Para ele, ser etnocêntrico é ter a consciência de que toda e qualquer pessoa está sempre imerso em sua aculturação. Ser etnocêntrico é manter o compromisso de lealdade para com a sua comunidade. Neste sentido, o etnocentrismo é interpretado, não como uma ocasião e justificativa de violência, mas como algo inerente à própria vida cultural do homem.
b)
Em Rorty o etnocentrismo é inescapável.
Para Rorty não faz sentido a ideia de que os indivíduos devam desfazer-se da rede de crenças, hábitos e valores advindos de sua aculturação, por acreditarem que a comparação entre as culturas é algo imoral e inadmissível. Ora, é impossível sair de si mesmo e olhar para as culturas – a sua em relação às outras – a partir da perspectiva de Deus.
c)
Rorty defendia o etnocentrismo, não o relativismo cultural.
Afirmar que as pessoas vivem no seio de suas identidades culturais particulares, e que os povos são diferentes justamente porque não existe – nem pode existir – um parâmetro supracultural ao qual devam se assemelhar, buscando uma uniformização ideal, não é o mesmo que dizer que todos os valores e hábitos, de todos os povos, equivalem-se em dignidade e devem ser protegidos a qualquer custo. Rorty não admite, sob nenhuma hipótese, o argumento do relativismo absoluto das culturas. Pois, admitindo-se-lhe, estaríamos todos de mão atadas e permaneceríamos obrigatoriamente mudos diante de todas as formas de crueldade cometidas pelo homem sob a rubrica de hábito cultural. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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Levantar a bandeira do relativismo pleno das culturas é dizer que os totalitarismos são tão bons, justificáveis e dignos quanto os regimes em que se verifica o esforço – a preços altíssimos em vidas humanas – de ampliação da liberdade e da solidariedade.
d)
O etnocentrismo em Rorty não é metafísico.
A noção de etnocentrismo em Rorty não apela para justificativas metafísicas. Desse modo, nada fora ou além da realidade humana e cultural pode ser usado como argumento para demonstrar a superioridade de um povo em relação aos demais. Esta atividade de crítica e de comparação é possível, desejável e, mesmo, inevitável, mas não se dá a partir de um referencial ideal e supracultural, como, por exemplo, os conceitos de Razão ou de Verdade. Assim, um povo – ou o seu sistema de crenças e costumes – não pode ser considerado melhor que outros por ser mais racional, por estar mais perto da verdade, ou por constituir uma raça eleita pelos deuses. Afastar esse tipo de fundamentação – estes apelos a discursos de autoridade – é, também, reduzir muitíssimo as justificativas para a intolerância e para todas as formas de violência.
e)
Rorty defendia o etnocentrismo da sociedade liberal-democrática.
Partindo-se da ideia de que as culturas podem ser comparadas, visto que não estamos no reino do relativismo cultural absoluto, para Rorty, é evidente que algumas culturas contribuem para a ampliação da liberdade, do diálogo e da inclusão. Outras, por sua vez, são firmes em excluir, em permitir a crueldade e a humilhação do homem pelo homem. Observando isso, Rorty argumentava que não precisamos de fundamentos filosófico-metafísicos para afirmar, por exemplo, que a Democracia é melhor que o totalitarismo. Precisamos, simplesmente, observar como vivem as pessoas neste e naquele sistema e em qual deles cultiva-se a liberdade e o respeito ao indivíduo. Para Rorty, o liberalismo democrático é a conjuntura política em que mais esforços foram feitos, no transcorrer de toda a história, no sentido de que se construa, muito gradualmente, as liberdades, o respeito, a inclusão e a tolerância entre os homens. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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f)
Rorty não via o liberalismo democrático como um sistema ideal.
Afirmar que a liberalismo democrático é a melhor opção dentre todas as que temos experimentado não é o mesmo que afirmar que esta é a melhor opção possível. Rorty, como já anteriormente dito, percebia a importância do reconhecimento da contingência da própria posição, considerava a falibilidade. Não conhecemos todas as verdades, não conhecemos todos os argumentos, nem conhecemos todas as possibilidades de experiências políticas de que o ser humano é capaz. Exatamente por isso, não podemos – e nunca poderemos – dar a última palavra a respeito do que quer que seja, muito menos em relação ao ser humano e sua capacidade de imaginar e criar para suprir as suas demandas.
g)
Em Rorty o etnocentrismo não dificulta o diálogo intercultural.
A lealdade para com os ideais liberais-democráticos é também, necessariamente, lealdade para com a ampliação do diálogo. Rorty não estimulava a postura de que as comunidades devam evitar o contato com as outras, para que, assim, possam manter puras as suas identidades. Portar-se como mônadas semânticas desprovidas de janelas não garante sequer que um povo se mantenha unido e forte no interior de sua própria cultura, posto que a inventividade, a criatividade que enriquece e transforma a vida das pessoas é possível, em grande medida, em função da difusão cultural com as comunidades contíguas. Para Rorty, a grande vantagem da democracia é justamente que ela se alimenta do diálogo, da inclusão. Enquanto outras configurações políticas podem representar um sério empecilho à troca de bens e valores entre povos, a sociedade liberal democrática pode – e deve – orgulhar-se de que, a cada dia, compreende mais e mais pessoas com a expressão “nós”.
h)
A história da América é uma importante testemunha.
Muito embora haja, segundo Rorty, algum pessimismo – inclusive entre muitos intelectuais – sobre o que é ser americano, sobre a democracia americana, ele propõe que a história da América seja contada a partir das conquistas sociais que, especialmente Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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no século XX, foram levadas a efeito ao custo de muito sofrimento e até de vidas humanas. Não se trata de esconder as situações em que houve humilhação e crueldade desmedidas ao longo da história dos Estados Unidos, mas de perceber que, a despeito dessas indeléveis vergonhas, a democracia americana logrou realizar uma vasta gama de progressos que suplantam a vergonha e que são motivo de muito orgulho.
i)
A literatura tem uma função importante neste processo.
Como já dito acima, de modo introdutório, a filosofia para Rorty, precisa reconhecer a importância social da literatura. Através de obras literárias (e, evidentemente, de outras formas de expressões artísticas, como o cinema, as plásticas, etc.) podemos cultivar sentimentos de orgulho nacional, de solidariedade, de prática democrática e de diálogo. Do mesmo modo que é possível cultivar o egoísmo, a violência e a baixa autoestima. Em vistas disso, Rorty dedicou muitas páginas à análise de obras literárias, de autores como Dickens e Nabokov, cuja literatura contribui para que se pense nas questões sociais importantes, para que se estabeleçam laços de solidariedade e para que as pessoas reflitam sobre a crueldade que há à sua volta e sobre a crueldade de que elas mesmas são capazes.
j)
Em Rorty o etnocentrismo não enrijece as identidades.
Uma sociedade que se fecha e se enrijece em seu orgulho de ser como é, e que se idolatra como se escolhida pelos deuses, acabaria por dificultar que seus indivíduos tivessem contato com ideias novas, com palavras novas e com significados novos para palavras antigas. Segundo Rorty, a sociedade democrática permite a existência da imaginação, como elemento fundamental de progresso moral. Desse modo, ele é um entusiasta da expansão contínua do espaço lógico de deliberação moral, que alimenta e é, ao mesmo tempo, alimentado pelo diálogo.
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De fato, observando-se cuidadosamente os itens acima elencados, percebemos que este autor levantou questões muito controversas, o que justifica ter se tornado centro de muitas discussões acaloradas. Acusado de relativista, de conservador, de etnocêntrico (no “mau sentido”), e de não ter real apreço pela verdade, Rorty construiu um pensamento que atende corajosamente a uma demanda antiquíssima, da qual a Filosofia, muitas vezes, esquivase: a ideia de que é realmente possível, neste mundo, e, não, em outro, a construção de uma sociedade melhor para as que as pessoas nela vivam dignamente, a real possibilidade, livre de ganchos celestes, de as pessoas atingirem um nível jamais imaginado de diálogo, tolerância, solidariedade e lealdade.
REFERÊNCIAS GEERTZ, Clifford. Os usos da diversidade. In: ______. Nova luz sobre a antropologia. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. HAACK, Susan. Manifesto de uma moderada apaixonada: ensaios contra a moda irracionalista. Trad. Rachel Herdy. Rio de Janeiro: Loyola, 2011. REALE, Geovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: de Freud a atualidade. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2006. Vol. 7. RORTY, Richard. Consequências do pragmatismo. Trad. João Duarte. Lisboa: Instituto Piaget, 1982. ______________. A filosofia e o espelho da natureza. Trad. Jorge Pires. Lisboa, Dom Quixote, 1988. ______________. Contingência, ironia e solidariedade. Trad. Nuno Ferreira da Fonseca. Lisboa: Presença, 1994.
______________. Para realizar a América: o pensamento de esquerda no século XX na América. Trad. Paulo Ghiraldelli Jr., Alberto Tosi Rodrigues e Leoni Henning. Rio de Janeiro: DP&A, 1999b. ______________. Sobre o etnocentrismo: uma resposta a Clifford Geertz. Trad. Antônio Magalhães. Educação sociedade e culturas, nº13, 2000, 213-223.
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NEOPOSITIVISMO E FILOSOFIA DA LINGUAGEM NEOPOSITIVISM AND PHILOSOPHY OF LANGUAGE Mateus Ramos Cardoso28
RESUMO: Duas são as razões principais da revolução linguística verificada na filosofia: a) a convicção de que muitas discussões filosóficas são devidas a uma insuficiente clareza e à falta de precisão da linguagem; b) o desejo de descobrir uma linguagem universal e um critério de significação absoluto, válido para todas as disciplinas cientifica e filosóficas. Palavras-chave: Revolução linguística. Filosofia. Disciplina cientifica.
ABSTRACT: Two are the main reasons of linguistic revolution checked in philosophy: a) the conviction that many philosophical discussions are due to insufficient clarity and lack of precision of language; b) the desire to discover a universal language and an absolute criterion of meaning, valid for all scientific and philosophical disciplines. Keywords: Linguistic revolution. Philosophy. Scientific discipline.
INTRODUÇÃO O século XIX, por herança do iluminismo, foi fortemente marcada pela Ciência. Que vinha sendo a grande redentora, fomentando a mentalidade de que seriam resolvidos todos os problemas. Mas no final do mesmo século, têm se uma crise na ciência, as idéias de Newton são colocadas em questão, por Einstein. O mesmo acontece com a Matemática e a Geometria, a obra de Russel da nova direção à matemática, rompendo com a matemática Euclidiana. Toda essa transformação leva a um total descrédito da ciência e da matemática. A problemática atinge de certa forma a filosofia, pois se utiliza informações da ciência e a linguagem da matemática. Com isso começou-se a rever a maneira de fazer filosofia, precisando abandonar a linguagem da ciência e da matemática. Com isso surge a 28 Matêus Ramos Cardoso. Filósofo, Especialista em Ética e Ciência da Religião. Mestrando em Filosofia na Ufrgs – RS. E-mail: teus33@yahoo.com.br Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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filosofia da linguagem. Alguns manuais não realizam a distinção entre a filosofia da linguagem e o neopositivismo. Outros ainda, distinguem a filosofia analítica, da filosofia da linguagem e do neopositivismo. No trabalho se realizará a distinção entre a filosofia analítica do neopositivismo, baseado na grande maioria dos manuais. O artigo iniciará mostrando as noções gerais, as características e as origens de ambos os movimentos, tentando aplainar o caminho para que o leitor possa melhor compreender o trabalho, de forma geral. Os autores serão divididos em dois grupos: neopositivismo ( Wittgenstein, Carnap e Popper) e os analíticos ( Moore, Ayer e Russel). Embora haja divergências nas divisões dos autores, pois não ficam claros os seus posicionamentos. O artigo será concluído com as influências dos movimentos geraram, o que é de grande enriquecimento para a filosofia.
O MOVIMENTO ANALÍTICO E SUA TRAJETÓRIA Inegavelmente também a importância e o desenvolvimento que a ciência lingüística teve em nosso século contribuíram para chamar a atenção dos filósofos para a linguagem. O movimento analítico percorre uma larga trajetória, e pode-se distinguir seu desenvolvimento em três etapas: 1ª. O primeiro estágio é o da construção da filosofia analítica com sua fisionomia própria. Inicia-se com Moore, que introduz a prática da análise lógica de linguagem para classificar os problemas da filosofia. E se desenvolve com Russel e Wittgenstein, que são os fundadores da nova filosofia, e sob cuja tendência se encontra, de um ou outro modo, as subseqüentes correntes. Constitui a chamada escola de Cambridge. 2ª. O segundo estágio forma a corrente do neopositivismo ou positivismo lógico, que surge como escola independente com os autores do círculo de Viena e o círculo de Berlim pelos anos 1920 e 1930. Recebe a influência direta do primeiro Wittgenstein e assume o método de análise da linguagem e o simbolismo lógico, já elaborado por Russell para estabelecer os fundamentos do conhecimento cientifico mediante uma linguajem lógica ou ideal unificado. Sua atitude peculiar é a de uma rejeição radical da metafísica e de qualquer conhecimento que supere os dados da ciência empírica; a
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filosofia se reduzirá a uma lógica do conhecer cientifico. 3º. O terceiro estágio constitui os desenvolvimentos ulteriores da filosofia analítica, que vai desde os anos 1950 a nossos dias. A tendência mais importante dela é dos neo-analistas da chamada escola de Oxford, que conectam com Moore e o segundo Wittgenstein e, rejeitando a análise reducionista da linguajem do positivismo lógico, retornam a dar validez a linguajem comum com seus diferentes usos para denotar valores da realidade. É uma tendência menos dogmática e mais aberta a problemas filosóficos e inclusive metafísicos. Esta corrente floresce também na América junto com os positivistas lógicos (Carnap, Hempel, etc).
CARACTERÍSTICAS Cabe a princípio realçar a falta de unanimidade em realizar a distinção entre o Neo-positivismo e a Filosofia da Linguagem. Há autores que não realizam essa estrutura, outros ainda separam a Filosofia da Linguagem da Filosofia Analítica. No trabalho se adotara a divisão mais comum, entre o Neo-positivismo e a Filosofia da Linguagem, que é sinônimo da Analítica. O Neo-positivismo também conhecido como positivismo lógico, ou ainda empirismo lógico. Tem seu início com o círculo de Viena, apresentado sobre tudo duas características: a aversão da metafísica e a valorização das ciências empíricas e da lógica (matematização). Essa valorização das ciências empíricas chega a ponto de criar uma filosofia da ciência, que quer ser como a ciência tendo um método e o mesmo rigor científico. Desta forma a exploração da realidade é tarefa da ciência, cabendo a filosofia ser a metodologia da ciência. Para esse grupo de filósofos “o problema da filosofia (...), não é ´o que é real?`, ´Qual é o conteúdo do ser?`, mas ´o que pretendes dizer propriamente?`.”29
Levando em conta a falta de unidade entre os comentadores, pode-se dizer que Ernst Mach, Moritz Schlick, Ludwig Wittgeinstein, Rudolf Carnap, Hans Reichenbach e Karl Popper são filósofos neo-positivistas. Na filosofia analítica também conhecida como filosofia da linguagem ou filosofia científica. Apresentam o mesmo pensamento quanto à função do filósofo, que é 29 ROVOGHI, S. V. História da Filosofia contemporânea: do século XIX à neoescolástica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 474 Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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a analise do que é adquirido pela ciência, pois os problemas da filosofia estão ligados ao significado de certos termos, ou seja, está em esclarecer termos. Em ambos os movimentos se apresenta a necessidade de se apresentar um critério de verificação experimental como um critério supremo de significação. Enquanto no neo-positivismo o único saber válido é o da ciência, a filosofia analítica não mantém essa afirmação. Para a analítica não existe um único modelo lingüístico capaz de oferecer a única representação sensata do mundo real, a função da filosofia entre em destaque aí, pois ele é responsável em submeter a analise as diferentes formas lingüísticas. Essa idéia busca seus fundamentos nos princípios do segundo Wittgeinstein. Com controvérsias afirmam-se como filósofos da linguagem: George Edward Moore, Alfred Jules Ayer, Friedrich Waismann, Gilbert Ryle, Jonh Wisdom, Jonh Langshaw Austin e Peter Frederik Strawson.
ORIGEM (GEOGRÁFICA E FILOSÓFICA) A filosofia analítica surge na Inglaterra com a obra de Moore e Russel, que adquire sua fisionomia característica com Wittgenstein estendendo-se em diversas escolas e grupos, sobre todo o mundo anglo-americano, constituindo uma das correntes de filosofia dominantes em nosso século. O nome geral de filosofia “analítica” provém de análisis, que significa separação, decomposição ou divisão das partes de um todo, ou de um composto em seus elementos, como há, por exemplo, a análise química. A revolução na filosofia foi qualificada a filosofia analítica por seus mesmos partidários na pequena obra introduzida por G. Ryle. Tal pretensão revolucionária se refere, sobretudo, a mudança colocada na orientação da filosofia inglesa com o ressurgir de uma nova forma de pensamento. Os ambientes intelectuais de Cambridge e Oxford dominavam, nas últimas décadas do século passado e a primeira deste, o neo-kantismo e neo-idealismo importados da Alemanha, cujo os representantes eram Green, Bradley, Bosanquet, Mc Taggart, Ward e outros, sendo sua máxima figura o lógico e metafísico Bradley. Era uma filosofia cultivada, sobretudo, por clérigos e aspirantes ao clero, que veriam no espiritualismo idealista um apoio para a teologia e a religião. Mas com a secularização dos centros universitários, as gerações de estudiosos laicos aspiravam as formas de pensamento em conformidade com as exigências das novas ciências e seus
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métodos científicos. Surge grande reação contra o idealismo com a obra de Moore e Russell, que constroem novos métodos de análise empírica combatendo e separando o monismo idealista. A Filosofia Analítica é o retorno da antiga tradição inglesa do empirismo e nominalismo, como modesta análise dos fatos de experiência presentes na linguagem proposicional e rejeitando simultaneamente a analise psicologista das sensações e de idéias mentais de Locke e de Stuart Mill. E se desenvolvido sobre o chão do empirismo anglo-saxão e antimetafísico, na direção da análise lógica e lingüística, seja de linguagem comum ou a linguagem da ciência e da matemática, como uma filosofia que tenta esclarecer a chave lógica e semântica dos resultados das ciências positivas.
NEO POSITIVISMO O CARÁTER GERAL DA FILOSOFIA DE WITTGENSTEIN A filosofia de Wittgenstein é antiteórica. É certo que em sua primeira fase ele efetivamente produziu uma teoria da lógica e da linguagem, mas era uma teoria que demonstrava sua própria falta de sentido. Depois de 1929, ele se absteve completamente de teorizar. A tarefa da filosofia, como ele dizia agora, não era jamais explicar, mas apenas descrever. Uma vez que a filosofia ocidental havia sido concebida principalmente como uma busca de explicações num nível bem alto de generalidade, sua obra se situava à margem da tradição. Wittgenstein não era um cético. A razão pela qual rejeitou a teorização filosófica não era o fato de ele considera-la demasiado arriscada e sujeita a erro, mas o de acreditar que esta era a maneira errada de filósofos trabalharem. “A filosofia não poderia, e não deveria tentar, emular a ciência”30. Este é um ponto de afinidade com Kant. Seu método consistia em conduzir qualquer teoria filosófica de volta ao ponto em que se originou, o que poderia ser alguma prática rotineira bastante simples, observável na vida dos animais, mas tornada ininteligível pela exigência de uma justificação intelectual. A explicação do grande apelo de sua obra da segunda fase não é só estilística. Ele está pondo por terra uma tradição filosófica que remonta à antiguidade. Esta é uma maneira de tratar o passado encontrado em muitas outras disciplinas. 30 BUNNIN, N. Compêndio de filosofia. São Paulo: Loyola, 2002, p. 682 Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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O “TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS” As teses fundamentais do Tractatus são as seguintes: "o mundo é tudo o que acontece” (prop. 1); "o que acontece, o fato, é a existência dos fatos atômicos" (prop. 2); "a representação lógica dos fatos é o pensamento" (prop. 3); "o pensamento é a proposição exata" (prop. 4); "a proposição é uma função de verdade das proposições elementares" (prop. 5); "a formula geral da função de verdade é [r, z, N(e)]: essa é a fórmula geral da proposição" (prop. 6); "aquilo de que não se pode falar, deve-se calar" (prop. 7). A teoria da realidade corresponde à teoria da linguagem. Segundo o Wittgenstein do Tractatus (ou como se diz, o "primeiro" Wittgenstein), a linguagem é uma representação projetória da realidade. "Nós fazemos representações dos fatos" (prop. 2.1). "A representação é um modelo da realidade" (prop. 2.12). E "o que a representação deve ter em comum com a realidade para poder representa-la exatamente ou falsamente -, segundo o seu próprio modo, é a forma de representação" (prop. 2.17). Assim, o pensamento ou proposição representa ou espelha projetivamente a realidade. E a cada elemento constitutivo do real corresponde outro elemento do pensamento. A realidade consta de fatos que se resumem em fatos atômicos, compostos por seu turno de objetos simples. Analogamente, a linguagem é formada de proposições complexas (moleculares), que pode ser dividida em proposições simples ou atômicas (elementares), não ulteriormente divisíveis em outras proposições. Essas proposições elementares constituem o correspondente dos fatos atômicos. E são combinações de nomes, correspondentes aos objetos: "O nome significa o objeto. O objeto é o seu significado (...)" (prop. 3.203).
A ANTIMETAFÍSICA DE WITTGENSTEIN "A maior parte das proposições e das questões escritas em matéria de filosofia não são falsas, mas insensatas. Por isso, não podem os de modo algum responder a questões desse gênero, mas somente estabelecer a sua insensatez. A maior parte das questões e proposições de filosofia deriva do fato de não compreendermos a lógica da nossa linguagem. (São questões do tipo da questão de se o bem é mais ou menos idêntico que o belo.) e não há que se maravilhar que os mais profundos problemas não
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sejam propriamente problemas" (prop. 4.003). Assim, a filosofia se transforma de doutrina em atividade clarificadora das afirmações das ciências empíricas, das tautologias lógicas e das assertivas matemáticas e atividade dissolutória das pseudo-assertivas da metafísica. Mas Wittgenstein se dá conta de que, embora a ciência represente projetivamente o mundo, entretanto, além da ciência e do mundo, "há verdadeiramente o inexprimível. Ele se mostra: é aquilo que é místico" (prop. 6.522). "O sentido do mundo deve se encontrar fora dele. No mundo, tudo é como é e acontece como acontece: nele não há nenhum valor - e, se houvesse, não teria nenhum valor (...)" (prop. 6.41). E "nós sentimos que, ainda que todas as possíveis perguntas da ciência recebessem resposta, os problemas da nossa ida não seriam sequer arranhados. Claro, não resta então nenhuma pergunta - e essa é precisamente a resposta" (prop. 6.52). "O problema da vida se resolve quando se desvanece" (prop. 6.521). Nessas afirmações consiste precisamente aquilo que é chamada a parte mística do Tractatus.
DIFERENÇAS
ENTRE
O
PRIMEIRO
E
SEGUNDO
WITTGENSTEIN Duas alterações se fazem notar nas doutrinas de Wittgenstein, entre os períodos inicial e final de seu pensamento. Em primeiro lugar, foi por ele abandonada a idéia de que a estrutura da realidade determina a estrutura da linguagem, passando a ser sugerido que realmente ocorre o contrário: nossa linguagem determina a concepção que temos da realidade, porque através da linguagem é que são vistas as coisas. “Conseqüentemente, deixou ele de acreditar que seja possível deduzir a preexistente estrutura da realidade a partir da premissa segundo a qual todas as línguas têm certa estrutura comum.”31 Essa alteração do ponto de vista solapa qualquer teoria que tente apoiar um padrão de pensamento ou uma prática lingüística, tal como a inferência lógica, num alicerce independente, colocado no real, se aquelas coisas (padrões de pensamento e práticas lingüísticas) requerem qualquer justificação, ela deve estar no seu próprio interior porque não há, externamente a elas, pontos de apoio independentes. Aquela espécie de objetivismo é uma ilusão, produzida e sem dúvida pelo caráter não tranqüilizador da explicação verdadeira, a de que qualquer apoio vem do centro, do próprio homem. A segunda alteração doutrinária importante diz respeito à teoria da linguagem. 31 REALE, G. História da Filosofia. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1991, vol. 3. p. 659 Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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No tractatus havia ele sustentado que as línguas partilham de uma estrutura lógica uniforme, que não se apresenta necessariamente à superfície, mas que pode ser desvelada pela análise filosófica. As diferenças entre as formas lingüísticas pareciamlhe variações superficiais em torno de um tema único, nascido da lógica. Ao início de seu segundo período de atividade filosófica, chegou a uma concepção diametralmente oposta. A linguagem não tem uma essência comum ou, se a tiver, será mínima, incapaz de explicar as relações entre suas várias formas. Estas se ligam entre si de maneira apenas aproximada, como os jogos ou como rostos de pessoas que pertencem à mesma família. Inevitavelmente, as pessoas perguntam que mensagem pode ser extraída da filosofia de Wittgenstein. Se uma mensagem é uma teoria, então, como vimos, a mensagem é que não há mensagem. Como qualquer outro filósofo, ele levou a busca por compreensão além do ponto em que os critérios ordinários para a compreensão são satisfeitos. Se puder discernir uma única estrutura em sua filosofia, esta consiste em sua rejeição de todo apoio ilusório, independente para nossos modos de pensamento. Teorias rígidas do significado tratam as regras lingüísticas como autoridades independentes às quais nós, que as seguimos, somos inteiramente subservientes. Mas Wittgenstein afirma que isso é ilusão, pois o sistema de instrução e obediência envolve uma contribuição de cada indivíduo, e pressupõe uma similaridade mental básica. Do mesmo modo, a necessidade da matemática é algo que projetamos de nossa prática e então erroneamente saudamos como o fundamento de nossa prática. Por certo, ele estava rejeitando o realismo, mas seu tratamento das regras mostra que não recomendava o convencionalismo em seu lugar. Sem dúvida, suas investigações possuem uma estrutura, mas não a estrutura da filosofia tradicional.
RUDOLF CARNAP (1891-1970). PONTO DE PARTIDA PARA SEU PENSAMENTO. Para Carnap a tarefa da filosofia não é a construção de teorias e sistemas, mas se encontra em elaborar um método, para com ele peneirar as afirmações dos vários campos do saber. O novo método terá que realizar duas funções. A primeira será eliminar as palavras desprovidas de significado e as pseudoproposições. A segunda função é
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esclarecer os conceitos com significados, para poder dar um fundamento lógico as ciências empíricas e a física.
MÉTODO DE VERIFICAÇÃO Carnap acredita, que antes de tentar responder qualquer problema filosófico é necessário responder a uma pergunta: “Em que consiste o significado de uma palavra, de uma proposição?”32 Só há uma resposta para Carnap, o significado da proposição está no método de sua verificação. Desta forma para a proposição significar alguma coisa deve necessariamente tratar de um dado empírico. Já algo que estivesse além do empírico não poderia ser dito, nem pensado e nem posto em questão. O que seria o método de verificação? “O método de verificação consiste, portanto, em se traduzir numa série de proposições experimentais a proposição cujo significado se quer determinar. Quando não é traduzível de forma empírica, (...) ela não é uma asserção e nada diz, a não ser uma série de palavras vazias; ela é simplesmente sem sentido.”33
Com a aplicação do método de verificação chega-se a mesma conclusão de Wittgeinstein. Dando valor só a linguagem científica enquanto a linguagem metafísica, ética, religiosa, estética e literária só apresentam significado emotivo.
METAFÍSICA E RELIGIÃO (DEUS) Coloca a metafísica juntamente com a religião por chão, pois não é possível uma visão do mundo, que de a chave para os problemas últimos. Carnap deixa claro que nenhuma forma de compreender o mundo tem experiência do transcendente, ou seja, daquilo que está além da experiência. Para Carnap “não existe, na verdade, nenhuma filosofia como teoria, como sistema de proposições com características próprias, que possa colocar-se ao lado da ciência”34. Ou seja, a religião não passa de uma expressão medíocre do sentimento vital. O termo Deus pode ser entendido em três sentidos. No primeiro chamado “sentido 32 MONDIN, B. Curso de Filosofia: os filósofos do ocidente. 4.ed. São Paulo: Paulinas, 1997, vol. 3. p. 211 33 MONDIN, B. Curso de Filosofia: os filósofos do ocidente. 4.ed. São Paulo: Paulinas, 1997, vol. 3. p. 212 34 MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2000, vol. 1. p. 402 Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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mitológico”, aqui Deus é compreendido como um ser corpóreo, igual ao ser humano, porém mais poderoso. Com o passar do tempo vai-se do mitológico primitiva para outra imagem, ainda mitológica; em que se retira de Deus o corpo, mas ele possui o poder de agir no mundo. No segundo sentido, o “sentido metafísico”, retira-se todos os elementos antropomórficos, apresentando-o como ´causa primeira` e ´ser absoluto`. Num terceiro sentido “sentido misto”, a palavra Deus é o resultado da mistura dos dois primeiros significados. Mas para Carnap “nas três acepções acima o termo ´Deus` equivale a um conceito semanticamente sem sentido, constituído pela reunião de quatro letras ao acaso, sendo toda proposição em que ele entrar apenas uma ´proposição aparente` (scheinsatz).”35
KARL POPPER: SUA ANÁLISE FILOSÓFICA Popper é considerado um positivista lógico e grande expoente do Circulo de Viena. Porém ele prefere ser chamado de critico do Circulo de Viena, e diz que, o que lhe atraiu nesta Escola foi à atitude racional que caracterizava os filósofos. Diferencia-se da posição de Carnap, Wittgenstein e outros neopositivistas lógicos, principalmente não campo da epistemologia, no qual possui duas inovações: primeiro no que se refere à concepção de ciência, e depois ao critério de demarcação entre teorias cientificas e não cientificas, ou seja, empíricas e não empíricas.
CONCEPÇÃO POPERIANA DE CIÊNCIA Ele critica o método indutivo de Bacon, o qual afirma que toda ciência parte da observação e vai progredindo lentamente até chegar às teorias. Ele diz: “A epistemologia empirista tradicional e a historiografia da Ciência – escreve Popper – são profundamente influenciadas pelo mito baconiano de que toda ciência parte da observação para, em seguida, caminhar lenta e cautelosamente para as teorias. Mas não é assim. O primum (“ primeiro “) (lógico e genético) na edificação da ciência são os problemas e, com eles, as hipóteses e as conjecturas, e não a observação”36. 35 MONDIN, B. Curso de Filosofia: os filósofos do ocidente. 4.ed. São Paulo: Paulinas, 1997, vol. 3. p. 213 36 MONDIN, B. Curso de Filosofia: os filósofos do ocidente. 4.ed. São Paulo: Paulinas, 1997, vol. 3. p. 270-271.
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CRITÉRIO DE DEMARCAÇÃO OU DE FALSIFICABILIDADE Popper rejeitava o critério neopositivista de verificação experimental, o qual diz que uma teoria para ser cientificamente aprovada deve ser verificável. Como para ele todo o conhecimento é hipotético e conjetural (suposição), não existe conhecimento absoluto. E que o aumento do conhecimento, principalmente o cientifico consiste em aprendermos dos erros que cometemos. Popper considera que uma teoria que não pode ser refutada por nenhum evento concebível não é cientifica.Então para uma teoria ser considerada cientifica é necessárias duas condições: ser falsificável, isto é, poder ser, em linha de principio, desmentida ou contraposta. E ainda não ter sido considerada falsa de fato. Portanto o critério de demarcação entre as teorias cientificas empíricas e as não empíricas, como é o caso da metafísica, da religião, das éticas, não é a sua verificabilidade, mas sim sua falsificabilidade.
CRÍTICAS A FALSIFICABILIDADE Muitos criticaram Popper dizendo que na verdade o principio de falsificabilidade pode distinguir apenas entre teorias falsas e teorias falsificáveis e não entre cientificas e não cientificas, é o que afirma Mondin: “O principio de falsificabilidade pode distinguir somente entre teorias falsas e teorias falsificáveis, não entre teorias cientificas e não cientificas (metafísicas, éticas, religiosas, etc.). As teorias falsas são aquelas que, submetidas aos devidos controles, caíram por terra (talvez de pois de terem sido aceitas como verdadeiras por muitos séculos) ; as segundas são aquelas que continuam a resistir”.37
Para ele as teorias falsas são aquelas que foram superadas e abandonadas depois de serem submetidas a controles rigorosos, mesmo que já tivessem sido utilizados por muitos séculos. E as teorias falsificáveis são aquelas que continuam a resistir, sendo que para Popper todos os conhecimentos humanos considerados como verdadeiro (científicos, os comuns, religiosos, os éticos e os metafísicos) são falsificáveis.
37 MONDIN, B. Curso de Filosofia: os filósofos do ocidente. 4.ed. São Paulo: Paulinas, 1997, vol. 3. p. 274. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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FILOSOFIA ANALÍTICA ALFRED JUNES AYER Nos seus principais escritos como no pequeno livro Linguagem, verdade e lógica, ele escreve a posição do circulo de Viena, mas que não se depara somente a esse passo, tira das idéias neopositivistas todas as conseqüências que assim aplica a ética e a teologia, isso para assim obter uma filosofia alternativa à metafísica tradicional.
O PRINCIPIO DE VERIFICAÇÃO. É o critério usado para determinar a autenticidade e importâncias das premissas. Esta possui varias formulações: a) Uma afirmação é verificável quando ela mesma resulta uma afirmação de observação ou que implique em outras afirmações de observação. b) Uma afirmação é indiretamente verificável quando em primeiro lugar ela com outras premissas devem implicar uma ou mais informações verificáveis, e em segundo quando as outras premissas não podem incluir afirmações que não sejam analíticas ou diretamente verificáveis. c) As únicas proposições sensatas são as relativas ao horizonte empírico, pois são hipóteses prováveis.
CRITICA A TEOLOGIA E A ÉTICA. Para ele a preposição que afirma a existência de Deus é sem sentido, pois, não é necessária, não diz algo da realidade, e tampouco sintética, pois não se pode experimentá-las, ou verificá-las. Já na questão da ética, para ele as preposições de valores quando são significativas são afirmações cientificas normais, do contrario são somente expressões de emoção, que não podem ser verdadeiras nem falsas. O momento valorativo equivale a um determinado tom de voz ou ao acréscimo de algum ponto de exclamação a uma preposição declarativa normal.
A TAREFA DA FILOSOFIA. Para Ayer esta será exclusivamente analítica, pois ela não pode dizer se uma proposição é falsa ou verdadeira quando interpretar o sentido, mas tentará ver se existe um sentido e o determinara com precisão. A filosofia buscará mediante as definições
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usuais traduzir certas proposições que aparecem ambigüidade, está pois, a filosofia no âmbito da analise de termos e a um horizonte lingüístico.
GEORGE EDWARD MOORE: SUA ANALISE FILOSÓFICA Seu ponto em questão é da analise do significado de expressões empregados na linguagem corrente e as empregadas nas proposições dos filósofos. A linguagem corrente (do cotidiano) Moore aceita seus significados como verdadeiros e os acha suficientemente claro. Mesmo que as proposições não possam ser provadas ou contestadas, é melhor aceitá-las como verdadeiras, pois, caso contrario, chegaremos a muitos paradoxos. Enquanto as proposições dos filósofos além de terem necessidade de investigação da linguagem empregada, é necessário indagar sobre sua verdade ou falsidade. Seu método analítico consiste numa pratica metodológica, constituída por inúmeras regras. Um exemplo interessante da aplicação de sua analítica esta na obra Princípios Éticos. Onde o autor elaborar uma doutrina objetivista da natureza da moral, investigando o significado da palavra Bom. Para Moore é noção simples (predicado básico) precisamente como o “amarelo”. É noção simples, e que do mesmo modo como não há meio de explicar a alguém que ainda não o saiba o que é amarelo, também não há modo de explicar o que é bem. Quando indagado o que é o bem ele diz: “bem” é algo que se intui.
CRÍTICAS Foi considerado filósofo do senso comum por ser defensor deste conhecimento. Também bastante criticado por seu método analítico, que seria mais fácil de seguir do que expor, devido ao excesso de regras: „ O método analítico de Moore consiste mais numa pratica metodológica do que propriamente num método rigorosamente elaborado. Isso significa que não se possa averiguar o que seja seu método, mas é necessário aceitar o fato de que ele não é constituído por uma série de regras, como o método baconiano, por exemplo. Como conseqüência, toda exposição do pensamento de Moore exige que se siga sua pratica. Em outros termos, é mais fácil seguir do que expor o
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método de Moore”‟38.
BERTRAND RUSSEL: O PROBLEMA LÓGICO São importantes na lógica as definições dos indivíduos, das classes, dos tipos e das descrições. A propriedade dos indivíduos é serem membros de uma classe, e propriedade das classes serem membros de um ou mais tipos. O individuo não é membro de si mesmo, mas somente de um superior, dos tipos. Pedro é pescador que é vinculado à associação dos pescadores de Santa Catarina, que é vinculada a nacional. Existe diferença entre significação e denotação. Os nomes dos indivíduos não só significam, mas também denotam alguma coisa, designam uma entidade real. Já as classes e tipos somente possuem significação, são símbolos incompletos. Completos são somente os que possuem a denotação e significação. Aqui está sua posição aristotélica, somente existem os indivíduos, e com isso rejeita Platão no que diz respeito às idéias universais. As descrições, os títulos no apossem valor de nomes próprios, e por isso não denotam nenhuma entidade real. Agora nomes próprios denotam o objeto real por correspondência, por isso, as descrições são símbolos incompletos. O símbolo incompleto tem a função de privar a função denotativa das proposições nas quais figuram, com isso ele tenta varrer as entidades fantásticas.
O PROBLEMA DO CONHECIMENTO Ele assume uma posição empirista, onde o conhecimento nos vê, a partir dos dados sensoriais, onde ele as chama de sensu-data, tanto o senso comum como o cientifico são construções lógicas tiradas dos dados sensíveis. De Hume ele retira que a pessoa humana é um feixe de sensações que os chama de particulares que o significado dos dados sensoriais. A pessoa também é uma certa serie de experiências, onde cujos membros tem certa relação R entre si de modo que uma pessoa pode ser definida como a classe de todas aquelas experiências que estão unidas entre si pela relação R. O corpo e alma são classes de dados sensoriais, tudo isso trata-se de uma construção lógica tiradas dos particulares que não são nem mentais, e nem materiais, mas neutros. 38 BARAÚNA, J. L. Coleção os Pensadores: Moore. São Paulo: Abril S. A. Cultural e Industrial 1980. p.04. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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O PROBLEMA DA VERDADE Sua concepção atomista do conhecimento, o problema da verdade é resolvido com a doutrina da correspondência ( adaequatio intellectus et rei), “ adequação do intelecto com a coisa”. De um lado os juízos e preposições e de outro a realidade objetiva os eventos. Aqui entra alguns requisitos como a linguagem logicamente perfeita , pois para Russel numa linguagem perfeita há identidade de estruturas entre o fato afirmado ou negado.
INFLUÊNCIAS
DEIXADAS
PELOS
MOVIMENTOS
FILOSÓFICOS A grande influência deixada pelo movimento do neo-positivismo é a própria filosofia analítica, que se tornara independente. Do neo-positivismo ficara a aversão a metafísica e a valorização das ciências empíricas e da lógica, causando uma matematização da filosofia. Deixando a forte marca da filosofia como serva da ciência, apenas esclarecendo conceitos. Da visão da filosofia da linguagem, sobre tudo do neo-positivismo nasce a filosofia da ciência, que tem por objetivo servir de ferramenta para a ciência. Pela história e localização geográfica desses movimentos, vê-se a partir de 1945 até os dias de hoje a filosofia anglo-saxônica, quase reduzida a da língua inglesa, ser principalmente analítica. Não simplesmente simpatizando com esse dois movimentos, mas realizando a pratica de uma filosofia de modo analítico. O que acabou se espalhando por todo o mundo, influenciando o modo de se fazer filosofia. A filosofia analítica sobre tudo abre as portas para a valorização da linguagem dentro da epistemologia, valorizando o conhecimento e a linguagem.
CONCLUSÃO Diante de um movimento de tamanha importância e de grandes influências, cabe ressaltar a desvalorização da metafísica e das questões religiosas, em contra partida uma super valorização da linguagem e da ciência. Chegando a tentativa de tornar uma ciência, ou até, tornando a filosofia serva da ciência. Pois a atividade do filósofo se resumiria a analisar termos da ciência. A grande força desse movimento se dá nas regiões de língua inglesa. Que Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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merece grande atenção, pois com ele se dá inicio a um novo modo de se fazer filosofia. Não será uma nova corrente de filósofos, mas essa forma analítica será um “método” utilizado por diversas correntes filosóficas.
REFERÊNCIAS BARAÚNA, J. L. Coleção os Pensadores: Moore. São Paulo: Abril S. A. Cultural e Industrial, 1980. p.04. BUNNIN, N. Compêndio de filosofia. São Paulo: Loyola, 2002. GRAYLING, A.C. Wittgenstein. São Paulo: Loyola, 2002. MONDIN, B. Curso de Filosofia: os filósofos do ocidente. 4.ed. São Paulo: Paulinas, 1997, vol. 3. MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2000. MORENO, A.R. Introdução a uma pragmática filosófica. São Paulo: Unicamp, 2005. PORTA, M. A. G. A filosofia a partir de seus problemas. São Paulo: Loyola, 2002. REALE, G. História da Filosofia. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1991, vol. 3. ROVOGHI, S. V. História da Filosofia contemporânea: do século XIX à neoescolástica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001. WITTGENSTEIN, L. Tractatus lógico-philosophicus. 3.ed. São Paulo: Edusp,2001.
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RESENHA MARTINS, Andrei Venturini. A Verdade é Insuportável: ensaios sobre a hipocrisia. São Paulo: Ed. Garimpo, 2015. Ricardo Mantovani39
Iniciarei esta breve análise emitindo um juízo que, por concernir ao valor da obra que constitui nosso objeto, o leitor talvez esperasse encontrar apenas nas últimas linhas do presente texto: A verdade é insuportável de Andrei Venturini Martins é um dos livros mais instigantes que li nos últimos anos – e juro que não li poucos! No entanto, dado que conheço o autor pessoalmente, alguém poderá objetar que a resenha que se segue não passa de um ensaio hipócrita. Assim sendo, sinto-me especialmente obrigado a apresentar as razões que me levam a tamanho entusiasmo. Antes de mais nada, quero tornar patente aquilo que entendo por filosofia. Fazendo eco a grandes autores – como, por exemplo, Leo Strauss –, defendo que a filosofia é a consciência das questões fundamentais da existência humana, acompanhada do tratamento de tais questões sob um viés que se pretende, predominantemente, racional. Trocando em miúdos, isto significa dizer todas as vezes que alguém se concentra sobre um problema relevante para os homens em geral, abordando-o não segundo o senso comum ou a religião, mas segundo as regras da reta razão, este alguém pode ser considerado um filósofo. Ora, não é isto que vemos Andrei fazer em seu livro? Inspirando-se abertamente em Blaise Pascal, perspicacíssimo pensador do século XVII, o autor de A verdade é insuportável foca-se na hipocrisia nossa de cada dia. E quem poderá dizer – sem ser sumamente hipócrita – que não padece deste mal? Partindo tanto de grandes obras da literatura ocidental, como de livros e filmes lançados há pouco, Andrei Venturini Martins faz um inventário de todos os locais onde a hipocrisia pode ser encontrada: no cotidiano apressado das grandes cidades, nas relações amorosas, nas igrejas, na mídia, nos encontros enófilo-gastro-culturais, etc. Ainda que em linguagem acessível e em tom bem-humorado – que lembra a ironia ferina de seu mestre Pascal –, o autor desenvolve uma investigação rigorosa de
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Graduado e mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo – USP. É editor dos Cadernos de Ética e Filosofia Política da FFLCH – USP. (Email: zorgoborim@hotmail.com). Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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seu tema. Neste sentido, A verdade é insuportável é um livro que deleita tanto o especialista quanto o leigo em matéria de filosofia. É uma daquelas raras obras que podem ser apreciadas em diversos níveis. Se, por um lado, os pouco afeitos às grandes elucubrações certamente se reconhecerão nos panoramas traçados pelo autor (desde que, claro está, não sejam excessivamente alérgicos à verdade), os scholars identificarão, sob a pena leve de Andrei, os mais densos conceitos filosóficos. Isto, aliás, faz com que cheguemos ao segundo ponto que, a meu ver, torna o livro em questão altamente recomendável, a saber, o roteiro de leituras que nele é sugerido. Tenho, aqui, uma confissão a fazer: não li todas as obras sobre as quais Andrei se debruça em A verdade é insuportável. Por exemplo, nunca li sequer uma linha do poeta Mario Quintana, e chegava mesmo a ignorar por completo a existência d‟A solidão dos moribundos, de Norbert Elias. Entretanto – e eis que me escapa agora uma segunda confissão –, estou verdadeiramente ansioso por inteirar-me das obras dos referidos escritores, o que pretendo fazer tão logo me seja possível. Quem, como eu, é professor, sabe que despertar o interesse de outrem em relação a um tema, a uma obra ou a um autor é, por vezes, a tarefa mais árdua que se tem pela frente. Todavia, se já é difícil fazer com que nos interessemos por aquilo que ainda não conhecemos, é ainda mais complicado fazer com que nos reinteressemos por velhos conhecidos, tais como o são – ao menos para mim – Victor Hugo, Freud, José Saramago e Zygmund Bauman. Ao revisitar, ao acaso, as páginas do Ensaio sobre a cegueira sob o fio condutor sugerido pelo autor de A verdade é insuportável, deparei-me – felizmente! – com uma verdade quase insuportável: há muito mais para ser sorvido naquela obra do que sonhava minha vã primeira leitura. Resultado: agora poderei reler o livro de Saramago munido de uma lupa que, desde já, revela-me tesouros que antes eu havia sistematicamente ignorado. Por fim, pode-se ainda dizer que o roteiro de leituras trazido por Andrei Venturini Martins é especialmente precioso por conta de sua especificidade. Explicome: num país onde a quase totalidade dos intelectuais dedica-se maquinalmente à eterna releitura e comentário de meia-dúzia de autores/gurus alinhados, direta ou indiretamente, com o pensamento esquerdista, o autor de A verdade é insuportável tem a coragem de sugerir, por meio das obras que servem de base à sua investigação, que existe vida inteligente fora do marxismo. Aliás, acho que com isto chegamos naquilo que, para mim, constitui o maior Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 3, 2015
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mérito do livro de Andrei: em nenhum momento o autor nos coloca no papel de vítimas ou mesmo absolve-nos de nossos pecados. A hipocrisia analisada é, sobretudo, a nossa: aquela que aparece no mundo não por conta dos preconceitos de determinada classe social, mas por causa de nossa livre escolha – ela não é senão um efeito de nossa malícia intrínseca. Terminando esta resenha, digo que, caso fosse instado a despedir-me com uma frase de efeito (a exemplo daquelas que medram nas resenhas literárias dos grandes jornais norte-americanos), decretaria: A verdade é insuportável está em profunda sintonia com um dos impulsos primordiais da filosofia – o conhece-te a ti mesmo socrático.
REFERÊNCIAS MARTINS, Andrei Venturini. A Verdade é Insuportável: ensaios sobre a hipocrisia. São Paulo: Ed. Garimpo, 2015.
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