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N.º 214 Abril 2010 Mensal 2,00 €
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Percursos Inatel
Trilhos de Santiago Natureza, fé e cultura Viagens Cidade do Cabo Entrevista Cristina Baptista, administradora da Inatel
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Sumário
Na capa Foto: Humberto Lopes
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NOTÍCIAS RITUAIS
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CARTAS E COLUNA DO PROVEDOR
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A Páscoa de Idanha procissões, cantos e romarias
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OLHO VIVO A CASA NA ÁRVORE
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TERMAS DE PORTUGAL
PORFÓLIO MACAU
MEMÓRIA O TEMPO E AS PALAVRAS Maria Alice Vila Fabião
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VIAGENS
Cidade do Cabo Reunindo um conjunto de atractivos históricos e naturais ímpares, a Cidade do Cabo é a capital legislativa da África do Sul e a cidade mais antiga do país. Foi escolhida para ser um dos palcos do Mundial de Futebol de 2010, e onde a selecção Portuguesa também vai jogar.
Caldas da Saúde
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ENTREVISTA
Cristina Baptista A Administradora da Inatel com o pelouro da Cultura, dá conta das principais iniciativas comemorativas dos 75 anos da Fundação e da intervenção da instituição nas celebrações do Centenário de República.
CONCURSO DE FOTOGRAFIA
PERCURSOS INATEL
Trilhos de Santiago Em ano “Xacobeo”, a Fundação INATEL inclui nos seus programas de viagem uma experiência particular de “peregrinação” a Santiago de Compostela. Ao carácter simultaneamente religioso e cultural, junta-se a vertente paisagística, ao integrar-se no itinerário trilhos valiosos sob esse ponto de vista.
16 EDITORIAL
Eugénio Salvador O inesquecível “Zé” da Revista
OS CONTOS DO ZAMBUJAL
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CRÓNICA Álvaro Belo Marques
Viagens Primavera-Verão 2010 ESPECIAL DE 5 PÁGINAS
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BOA VIDA CLUBE TEMPO LIVRE
Passatempos, Novos Livros e Cartaz
Revista Mensal e-mail: tl@inatel.pt | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Vítor Ramalho Vice-Presidente: Carlos Mamede Vogais: Cristina Baptista, José Moreira Marques e Rogério Fernandes Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Director: Vítor Ramalho Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho Colaboradores: António Sérgio Azenha, Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Guiomar Belo Marques, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, Joaquim Durão, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Lourdes Féria, Manuela Garcia, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria Mesquita, Pedro Barrocas, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, José Lattas, Vítor Ribeiro. Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Fernando Dacosta, João Aguiar, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Fax: 210027061 Publicidade: Patrícia Strecht, Telef. 210027156; Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA - Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Casal de Sta. Leopoldina, 2730-053 Barcarena, Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 158.597 exemplares
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Editorial
V í t o r Ra m a l h o
Os novos desafios
E
m Agosto de 2009, a Fundação Inatel levou a efeito, pela primeira vez, no parque de Campismo da Costa de Caparica uma iniciativa para jovens com idades compreendidas entre os 7 e os 17 anos. A experiência em que se inscreveram 500 jovens correspondeu em pleno às expectativas criadas. De tal forma que este ano, 2010, iniciaremos em parceria com o Ministério da Educação, um programa que se designará “Turismo Educativo Júnior”, para 5000 jovens. Este programa responde aos novos desafios da Fundação Inatel, na lógica da necessidade de se criarem condições para o seu rejuvenescimento e auto-sustentabilidade devendo e tendo de ser complementado por outros, que coloquem ao serviço dos objectivos da Fundação Inatel toda a imaginação criadora que o quadro actual, de crise, exige. A imaginação tem de nos mobilizar a todos, sem excepção, para o aumento do número significativo de beneficiários que acompanhe o crescimento da oferta dos serviços que prestamos, o que implica a defesa intransigente da qualidade da oferta a preços competitivos.
Ninguém pode ficar de fora deste esforço. Todos e cada um de nós fazemos parte integrante da camisola Inatel e nesse sentido devemos ser dela orgulhosos e estar à sua altura. São inúmeros os novos desafios, que temos de saber desbravar e consolidar. Eles situam-se nos domínios do turismo religioso, do incremento do turismo da natureza de que já falei em artigo anterior, da mobilização crescente dos agentes dos CCD’s para o aprofundamento da cultura tradicional portuguesa, no alargamento das respostas das unidades hoteleiras que não se limitam aos existentes, na dinamização do desporto de massas, na excelência da programação diversificada do Teatro da Trindade, na criação de respostas a preocupações sociais e obviamente na articulação crescente com a sociedade em que nos inserimos através das delegações regionais e dos directores das várias agências existentes em todo o país. Repito – ninguém pode ficar de fora deste esforço. É a realidade que o impõe e a defesa do futuro de uma organização invulgarmente credível como é a Fundação Inatel, que também o determine, para que deixemos um legado mais robusto do que aquele que recebemos. I
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XIV Concurso “Tempo Livre”
Fotos premiadas
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[ 1 ] Rui Cid, Corroios Sócio n.º 310651 [ 2 ] Conde Falcão, Lisboa Sócio n.º 129900 [ 3 ] Maria Pereira, Montemor-o-Novo Sócio n.º 486828 [2]
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Regulamento 1. Concurso Nacional de Fotografia da revista Tempo Livre. Periodicidade mensal. Podem participar todos os membros associados da Fundação Inatel, excluindo os seus funcionários e os elementos da redacção e colaboradores da revista Tempo Livre. 2. Enviar as fotos para: Revista Tempo Livre - Concurso de Fotografia, Calçada de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa. 3. A data limite para a recepção dos trabalhos é o dia 10 de cada mês.
Menções honrosas [ a ] Fernando Pereira, Ermesinde Sócio n.º 426645 [ b ] Carlos Santos, S. Domingos de Rana Sócio n.º 368565 [ c ] António Cruz, Azueira Sócio n.º 80418
[a]
4. O tema é livre e cada concorrente pode enviar, mensalmente, um máximo de 3 fotografias de formato mínimo de 10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em papel, cor ou preto e branco, sem qualquer suporte. 5. Não são aceites diapositivos e as fotos concorrentes não serão devolvidas. 6. O concurso é limitado aos beneficiários associados da Inatel. Todas as fotos devem ser assinaladas no verso com o nome do autor, direcção, telefone e número de associado da Inatel. 7. A Tempo Livre publicará, em cada mês, as seis melhores fotos (três premiadas e três menções honrosas), seleccionadas entre as enviadas no prazo previsto.
[b]
8. Não serão seleccionadas, no mesmo ano, as fotos de um concorrente premiado nesse ano 9. Prémios: cada uma das três fotos seleccionadas terá como prémio duas noites ou um fim de semana para duas pessoas num dos Centros de Férias do Inatel, durante a época baixa, em regime APA (alojamento e pequeno almoço). O prémio tem a validade de um ano. O premiado(a) deve contactar a redacção da «TL».
[c]
10. Grande Prémio Anual: uma viagem a escolher na Brochura Inatel Turismo Social até ao montante de 1750 Euros. A este prémio, com a validade de um ano, a publicar na revista Tempo Livre de Setembro de 2010, concorrem todas as fotos premiadas e publicadas nos meses em que decorre o concurso. 11. O júri será composto por dois responsáveis da revista T. Livre e por um fotógrafo de reconhecido prestígio.
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Cartas A correspondência para estas secções deve ser enviada para a Redacção de “Tempo Livre”, Calçada de Sant’Ana, nº. 180, 1169-062 Lisboa, ou por e-mail: tl@inatel.pt
Fins-de-semana em Albufeira Ao marcar uma estadia na unidade hoteleira de Albufeira durante os meses de época baixa, informaram-me que aos fins-de-semana se aplicam valores de época alta. Fiquei desanimado e ao mesmo tempo revoltado, porque não posso viajar durante os dias úteis e quando estou disponível para usufruir dos vossos serviços fico penalizado e tenho de pagar o dobro pela diária. (…) Não estará o objectivo empresarial, de mero lucro, a ultrapassar o caminho da justiça social e da solidariedade com os mais desfavorecidos? António Gomes, por e-mail
50 anos na INATEL Completaram, este mês, 50 anos de ligação à Fundação Inatel os associados: Mª Elisa Carreira, de Faro; Mª Jesus Fernandes, de Espinho; Domingos Lebre, Mª Judite Guerra e António Henriques, de Lisboa; Manuel Carrapico, de Oeiras; Amália Couto, de Porto.
Coluna do Provedor
Kalidás Barreto provedor@inatel.pt
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VÁRIOS ASSOCIADOS vêm reclamando sobre as tabelas de preços praticados pela Fundação, bem como o critério dos acessos a vagas. Curiosamente, na revista “Tempo Livre” de Maio de 2003, publicámos o seguinte texto que trata das mesmas questões e com as mesmas respostas, ainda actuais. “Tanto quanto é possível o espaço disponível, vou escrevendo que se percebem as razões por que alguns associados activos vão sentindo que lhes faltam possibilidades financeiras para, em tempo normal de férias, suportarem os preços indicados na tabela da INATEL. Sou sensível à argumentação que usam, mas a verdade é que a relação entre a qualidade dos serviços e os preços está dentro dos praticados pela concorrência, na maioria, com sinal mais para os nossos. O que sucede é que o rendimento médio dos trabalhadores portugueses é, infelizmente, baixo, provocando dificuldades de acesso aos que menos ganham, pesem embora os critérios de justiça social que os regulamentos preconi-
zam. Fazendo ironia, se ela tem aqui cabimento, não são os preços que estão altos, os trabalhadores é que ganham pouco. Isto aliás, sempre assim foi, o que sugere uma orientação de política económico-social em que a competitividade, a gestão e a produtividade das empresas originem um salário digno e mais consentâneo com os padrões europeus. E isto é uma mudança qualitativa e quantitativa que diz respeito ao querer colectivo de todos os portugueses e não somente à INATEL. Outra reclamação frequente é a das vagas, não sendo poucas as vezes em que as queixas, sem fundamentação, apontam favoritismos não provados. O que sucede é que os períodos de inscrição são iguais para todos; porém são muitos associados para 1325 quartos espalhados por todos os Centros de Férias. As regras também são iguais com critérios transparentes, publicados, aliás, em separata, na Revista ‘Tempo Livre’. É sempre difícil contentar todos os associados, mas a maioria compreende como é impossível, de boa fé, agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo!”
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Notícias
“Lugares Alentejanos na Literatura Portuguesa” No edifício da ex-Cadeia da Relação do Porto continua patente, até dia 18, a exposição “Lugares Alentejanos na Literatura Portuguesa”, uma iniciativa da Direcção-Geral de Arquivos/Centro Português de Fotografia, Estação Imagem e Câmara Municipal de Mora que reúne 12 fotógrafos e dois designers, num conjunto de 39 fotografias e seis ilustrações, seleccionadas entre o material publicado no livro com o mesmo título, editado pela Estação Imagem, com o apoio daquela autarquia alentejana. G
Parque de Jogos 1.º de Maio com “Espaço Desportivo Adaptado” G “Melhorar a condição física das pessoas com mobilidade reduzida, de forma a promover o maior grau possível de independência”, é o objectivo central da parceria que a Associação Salvador acordou com a Fundação Inatel e que funciona no Parque de Jogos 1º de Maio, em Lisboa. Intitulada o “Espaço Desportivo Adaptado” (EDA), a parceria – que conta, ainda, com o apoio, ao abrigo do mecenato, das empresas BES, Semapa e Siemens – pretende ser, igualmente, um incentivo ao convívio e partilha de experiências entre estas pessoas,
evitando a sua tendência ao isolamento. Um ginásio equipado com máquinas de fitness e musculação adaptadas para acesso de pessoas em cadeira de rodas, balneários e sanitários e pavilhões e zonas exteriores para ciclismo, ténis e basquete adaptados, integram o EDA que contará, ainda, com a presença de fisioterapeutas com experiência nesta área. A Associação, recorde-se, foi criada em 2003 por Salvador Mendes de Almeida, tetraplégico aos 16 anos por acidente de viação.
Constituintes de Leiria G O Arquivo Distrital de Leiria foi palco do lançamento do livro “Os Deputados de Leiria na Constituinte”, de Kalidás Barreto, com prefácio de Mário Soares. A apresentação do livro esteve a cargo do também deputado constituinte e ex presidente da Câmara da Marinha Grande, Álvaro Neto Órfão.
“Isto é selvagem…” “Vozes do Trabalho” GA
Fundação Inatel / Direcção de Cultura lança, durante o corrente mês de Abril, o Concurso de Ideias para Logótipo do Espectáculo “Vozes Do Trabalho – Uma Ópera Etnográfica”, dirigido especialmente a estudantes das áreas artísticas (nomeadamente design de comunicação e multimédia, entre
outros) de Instituições de Ensino Profissional ou Superior do território nacional, incluindo regiões autónomas. Consultar o Regulamento e as Condições de Participação em www.inatel.pt ou entre em contacto connosco através do 210 027 174 ou cultura@inatel.pt.
G O Movimento Arte Contemporânea tem patente, até 29 do corrente na sua sede (Rua do Sol ao Rato, 9C, Lisboa) a exposição “Isto é selvagem como a gramática da pele”, um projecto que engloba o trabalho de três autores - João Duarte, escultor. José Manuel Simões, fotógrafo. Joaquim Pessoa, escritor.
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Notícias
Posse na Inatel Açores
Reuniões com CCD’s
G O Secretário - Geral da Fundação INATEL, Carlos Manuel Luiz deu posse, em Ponta Delgada, nova Delegada nos Açores, Ivone Teixeira Brasil, natural desta região autónoma e que anteriormente exerceu funções de direcção no Departamento de Cultura. O mesmo responsável deu posse, em Angra do Heroísmo, ao novo Director da Agência da Inatel na capital da Ilha Terceira, João Fernando Gonçalves Avelar. Carlos Manuel Luiz esteve ainda na cidade da Horta, onde reuniu com
G A Direcção Desportiva iniciou, no Porto e em Bragança, em Março último, uma série de reuniões com os CCD’s em todo o país. As reuniões, destinadas a debater a orgânica das múltiplas provas desportivas que a Inatel promove a nível regional e nacional, vão prosseguir, nos meses de Abril e Maio, em Lisboa, Albufeira, Évora, Santarém, São Pedro do Sul, e regiões autónomas dos Açores e Madeira.
o Presidente da Câmara, João Brum de Azevedo e Castro. Para a agência de Viana de Castelo foi, entretanto, nomeada directora a funcionária Fátima Conceição Comba Guia, que já exercia funções nessa agência.
Parcerias Inatel
Comunidade Ismaili
Universidade do Porto
No âmbito das parcerias Inatel, foi celebrado, em Março, um protocolo com o Conselho Ismaelita em Portugal, representado pelo seu presidente Amirali Bhanji, e a Fundação Aga Khan (AKDN), representada pelo Comendador Nazim Ahmad. O documento prevê uma cooperação institucional mútua nas áreas do lazer, cultura e desporto e acesso dos membros da Comunidade Muçulmana Ismaili às iniciativas e espaços da Inatel.
A cooperação mútua em áreas ligadas à ocupação dos tempos livres é a base da parceria que o Reitor da UP, José Carlos Marques dos Santos, e o presidente da Inatel, Vítor Ramalho, assinaram na capital nortenha e que permitirá a professores, estudantes e funcionários da UP o acesso às unidades hoteleiras, instalações desportivas e a excursões e viagens programadas pela Fundação. A UP disponibilizará, por sua vez, as suas infra-estruturas para utilização dos beneficiários associados da Fundação
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INATEL e está prevista a realização de projectos culturais comuns, tais como ciclos de cinema, festivais de poesia, teatro e de música.
Segurança Social Também com o Instituto de Segurança Social, representado pelo seu presidente, Edmundo Martinho, foi celebrado um acordo pelo qual a Inatel facultará aos trabalhadores do ISS o acesso, em condições preferenciais, às suas diferentes actividades nas áreas de turismo, cultura e desporto.
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“Fado - História de um Povo” G Com
“Cinema de Bairro” contra a pobreza e exclusão social G “Filmar uma história real” foi o objectivo do encontro - no âmbito do Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social - de cinco realizadores/formadores da área do cinema documental com jovens moradores de bairros sociais de vários pontos do país. Organizado pela Fundação Inatel, com o apoio de instituições particulares de solidariedade social locais, como a Casa do Povo de Fermentões (Guimarães) e a MOJU (Olhão), e financiado pelo Instituto da Segurança Social, o projecto – intitulado “Cinema de Bairro” – teve início no Bairro de Mataduços (Guimarães) e no Bairro da Rua da
Armona (Olhão) com os realizadores João Pinto Nogueira e Marta Pessoa e deu formação a dez jovens, dos 14 aos 22 anos, que aprenderam a melhor forma de contar as suas histórias e a manipular uma câmara de vídeo. As sessões seguintes tiveram lugar nos Bairros I e II (Beja), Casal da Mira (Amadora), e Bairro da Rosa (Coimbra) com os cineastas Rui Simões, Pedro Sena Nunes e Leonor Areal. O projecto culminará numa longametragem documental resultante das sessões levadas a cabo e que será estreada no próximo dia 27 no Teatro da Trindade, com a presença dos participantes e protagonistas.
Frank Breuer no Trindade G Do
reputado artista alemão Frank Breuer (n. 1963), cujo trabalhos fazem parte da colecção do Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque e do Centre Pompidou de Paris, está patente, no Teatro da Trindade, a exposição “On The Grid” uma selecção das suas séries fotográficas “Streets” e “Buildings”, realizadas nas cidades do Midwest dos EUA. A exposição confronta o
espaço com a arquitectura vernacular de cidades do Midwest americano e fotografias da habitação urbana e de bairros em cidades seleccionadas. Frank Breuer estudou na Universidade de Ciências Aplicadas de Colónia e na Academia de artes de Düsseldorf, onde se graduou, e leccionou fotografia na Universidade de Harvard.
estreia agendada para o corrente mês de Abril, no Salão Preto e Prata do Casino do Estoril, “Fado - História de um Povo”, espectáculo criado por Filipe La Féria vai mais longe do que a mera reconstituição das raízes do Fado, antecipando, a par da viagem às origens, as tendências, tão magistralmente retratadas na sua dedicatória final ao “renascer” do espírito de Amália, vertido, também, no vanguardismo conceptual do “Novo Fado”, com um impressionante elenco de fadistas, actores, músicos, bailarinos, acrobatas que dão corpo à criatividade do guião do espectáculo.
“As palavras em Jogo” G O Teatro da Trindade foi palco do lançamento do livro de José do Carmo Francisco, “As palavras em Jogo” (Ed. Padrões Culturais), apresentado por António Simões, jornalista de A BOLA. A obra inclui três dezenas de entrevistas com as mais diversas figuras nacionais, do desporto, à cultura e à política e uma memória de Francisco dos Santos (1878-1930), o primeiro português a jogar em Itália. Os textos foram publicados entre 1992 e 1996 na Revista A Bola Magazine. Do mesmo autor e jornalista, foi apresentado em Lisboa o livro «Transporte Sentimental» (edição da C.M.L.), vinte poemas sobre a Cidade de Lisboa vista das janelas dos autocarros, dos eléctricos e dos elevadores da Carris, dedicados a Armando Silva Carvalho, Fernando J. B. Martinho e Pedro Támen.
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Notícias Glória Lambelho
Parapente distingue Inatel G A Fundação Inatel e a Wind foram distinguidas com o prémio de Melhor Organização de evento competitivo 2009, atribuído ao V Festival de Parapente que teve lugar em Linhares da Beira em Finais de Julho de 2009. O galardão foi entregue pela Federação Portuguesa de Voo Livre de Parapente e Asa Delta na Gala de Campeões que homenageou os pilotos e personalidades que mais se destacaram nas diferentes áreas de actuação da federação em 2009.
“Gaia Bike Exhibit 2010” GA
convite do El Corte Inglês de Gaia, a INATEL esteve presente, em Fevereiro último, no certame “Gaia
Nacionais de Ténis de Mesa Bike Exhibit 2010”- uma grande exposição dedicada ao desporto, essencialmente ao BTT, e onde a Fundação pôde, num espaço próprio, promover e vender os seus produtos, essencialmente da área desportiva. A Fundação INATEL – registe-se tem vindo a apostar na organização de eventos no mundo BTT, caso do UP and DOWN BTT, dinamizado pela Agência de Viseu e que já é, com apenas duas edições, uma referência na zona centro do país.
I Trail Terras de Sicó G Promovido
pela Associação Desportiva OMundodaCorrida.com, em parceria com a Fundação Inatel, realizou-se em Condeixa o I Trail Terras de Sicó, com a participação de 532 atletas. O Trail é uma corrida utilizando ou criando um singletrack que, em português, será o chamado carreiro, percurso de péposto, onde o piso seja algo irregular e com um declive considerável. Carlos Sá, do Clube Amigos da Montanha, foi o primeiro atleta a cortar a meta na distância de 30km,
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com o tempo de 2h09’10’’. A primeira atleta feminina, Ana Gomes do Núcleo de Atletismo de Matosinhos, realizou o percurso em 2h59’52’’.
Com a participação de 217 atletas seniores e juniores (masculinos e femininos), teve lugar, em Março, nas Caldas da Rainha, o campeonato nacional Inatel de Ténis de Mesa. Organizado pelo Inatel Leiria, em parceria com o CCD da autarquia, o torneio teve em Nelson Santos (Tintas CIN) o grande vencedor da prova masculina, 1ª categoria. Nas 2ª e 3ª categorias, foram vencedores, respectivamente, Luis Fonte Quaresma (Caselas F. C.) e Renato Jorge S. Pinto (São Pedro Fins). A prova sénior feminina foi ganha por Anabela Santos (G. Dramático Ramiro José). Tiago Rodrigues (A.J. Ribeiro das Perdizes) e Flávia Duarte Pereira (ADCR São João do Monte) venceram em juniores, masculino e feminino, respectivamente.
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Biodiversidade nos Rios Portugueses - exposição no Fluviário de Mora Biodiversidade dos Rios Portugueses é o tema da nova exposição permanente patente no Fluviário de Mora, até Março do próximo ano, e que assinala o Ano Internacional da Biodiversidade, apostando na divulgação do riquíssimo património natural de água doce que existe em Portugal. Apostando numa vertente gráfica muito forte e apelativa, com inúmeros exemplos visuais, a exposição desenvolve-se em torno de um conceito basilar e caro ao Fluviário: o percurso de um rio da Nascente à Foz, complexos e importantíssimos Corredores Ecológicos, que se distribuem por milhares de quilómetros, fraccionando o país na chamada rede hidrográfica nacional. Nessa viagem, o visitante poderá familiarizar-se com diferentes os diferentes ecossistemas de água doce e suas características como os Pauis, os diversos tipos de Rio ou os Sapais, mas também com valores naturais verdadeiramente únicos no mundo G
como o pequeno Saramugo, a Lampreia-de-rio, o Cágado-decarapaça-estriada, a Toupeira-de-água ou o glamoroso Guarda-rios. Ao mesmo tempo, as principais ameaças que hoje questionam a existência da vida como a conhecemos e o papel do Homem na manutenção da Vida. Com mais de 500 peixes de 55 espécies diferentes de todo o mundo em habitats naturais, aquáticos e terrestres, num percurso entre a nascente e a foz de um rio, o Fluviário de Mora já recebeu, desde 2007, cerca de 450 mil visitantes.
"Rebelião no Zoo - parte II" G Na
Galeria de Arte do Casino Estoril está patente até 14 de Abril, uma exposição de Pintura de Fernando Gaspar, designada, "Rebelião no Zoo - parte II", uma segunda edição da que foi apresentada, com grande sucesso, no mesmo espaço, em Maio de 2003. Tal sucesso, sublinhe-se, resulta não apenas do notável talento
pictórico de Fernando Gaspar, mas, em grande parte, da graça, humor, ironia e ternura com que ele 'brinca' com os amáveis castores, os endiabrados chimpanzés, os coloridos pelicanos, as sempre agressivas panteras negras, os astutos tigres, os humildes sapos, as elegantérrimas girafas…
Retratos(s) da Aldeia da Luz G No âmbito da exposição Retrato(s) da Aldeia da Luz, de Eurico Lino do Vale, patente ao público até dia 18 de Abril próximo, o Museu da Luz, propriedade da EDIA, está a desenvolver uma actividade em que é apresentada uma breve história do retrato enquanto tipo de representação. A exposição é uma mostra preparada pelo artista durante a sua residência na Aldeia da Luz no Verão de 2009, que nos apresenta aspectos da nova aldeia e dos seus habitantes num conjunto de 12 fotografias a preto e branco e de grande formato.
Nomeações Inatel G No âmbito de medidas de reestruturação levadas a efeito recentemente, tomou posse como coordenador do Departamento de Informática, na base de um contrato de prestação de serviços entre a Fundação e empresa DSTS, o engenheiro Marco Sentieiro. Foi, por outro lado, nomeado director da área administrativo-financeira, o licenciado António Passarinho. Também com efeitos imediatos, foi nomeado director dos Serviços Jurídicos o licenciado Jorge Adelino Marecos Castro Ferreira, em substituição do dr. José Domingos Mendes Martins, a quem foi autorizado um contrato de pré-reforma.
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Entrevista
Cristina Baptista Administradora da INATEL
“Esta casa está ligada aos ideais da 1ª República” No ano em que se assinalam os 75 anos da Fundação Inatel, Cristina Baptista, administradora com o pelouro da Cultura, desvenda os pontos altos das celebrações, incluindo a participação nas comemorações do Centenário da República e que prevê, para o dia 5 de Outubro, em todo o país, uma invulgar iniciativa de cultura popular. 16
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Como é que a Inatel vai assinalar os 75 anos de vida? Sendo uma instituição que trabalha para o lazer e ocupação dos tempos livres dos trabalhadores as comemorações terão todas as componentes que fazem esta instituição. A grande iniciativa que assinalará os 75 anos, acontecerá a 13 de Junho. Será uma grande festa Inatel no Estádio Primeiro de Maio, onde estarão representadas todas as actividades do Inatel, os seus centros, os seus hotéis, os centros de cultura e desporto que apoiamos. De que forma se vai concretizar? A área do desporto está a organizar todas as finais desportivas dos campeonatos amadores para esse dia. A área cultural está a preparar uma mostra regionalizada daquilo que são os CCDs, as associações, as colectividades apoiadas pela Inatel no âmbito da cultura popular e tradicional, do teatro amador, da música, da etnografia, do folclore e que estarão também ao longo de todo o dia, em vários espaços do Campo de Jogos. A nossa área de hotelaria e turismo fará a divulgação de todos os produtos que temos, mas também da gastronomia, com mostras regionais relativamente aos sítios das unidades hoteleiras. Apresentaremos ainda alguns dos nossos trabalhos que têm uma componente cultural e social, como sejam os projectos de cinema de Bairro. No que vamos chamar o Espaço Trindade, haverá conferências e colóquios para públicos mais restritos e sobre temáticas que têm que ver com a história desta casa. Neste que é o ano Inatel, há algum projecto na área da história da instituição? Temos dois projectos. Um, é o livro comemorativo dos 75 anos e que é a história da FNAT – INATEL. Será lançado por essa altura. A autoria é de José Carlos Valente que já escreveu uma história dos primeiros 35 anos da fundação. Pediu-se-lhe, agora, que aprofundasse a pesquisa fizesse uma resenha histórica mais completa e mais actualizada. Outro projecto em que apostamos muito é a criação de uma ópera etnográfica portuguesa. Trata-se de As Vozes do Trabalho, uma ideia original de uma funcionária ligada à direcção cultural. É um projecto liderado pela sede, feito por produção directa em colaboração com o Teatro da Trindade e todo o sector cultural. Tiago Torres da
Silva será o autor do guião, o encenador; Vasco Soeiro vai tratar da música. Embora seja um trabalho criativo, é feito a partir de recolhas etnográficas. Queremos manter toda a raiz etnográfica do espectáculo e que é associado às vozes, a um conjunto de práticas de trabalho – sobretudo agrícola, mas também das pescas – e que vai cobrir o país todo. Pretendemos agregar a componente amadora através da participação de pessoas de grupos amadores e queremos que percorra todo o país. A assessoria etnográfica é do etnomusicólogo professor José Alberto Sardinha – uma das pessoas de maior referência neste campo. É uma leitura actualizada da tradição cultural? Sim, vamos ligar a nossa tradição cultural com leituras de uma enorme modernidade feita por autores e criadores jovens, com grandes vozes da música portuguesa, amadores e profissionais. As recolhas foram imediatamente identificadas, quer na área agrícola com as vindimas ou a pisa da uva; quer nas pescas, com o arrastar das redes; quer noutras actividades mais de casa, como o fiar, ou o dobar, ou a apanha do linho. Esperamos que estreie em finais de Novembro Será, portanto, um trabalho muito identificado com o papel da Fundação na vertente cultural… Sem dúvida. E que está associado aos 75 anos. É um projecto que entendemos que dignifica o trabalho desta casa, de pessoas que começaram por aqui como Michel Giacometti na etnomusicologia, de José Rabaça, de Tomás Ribas na área do traje e da etnografia. Fizeram um trabalho notável. E nós sentimo-nos muito orgulhosos deste património, queremos dar-lhe a dignidade que tem de ter nestes tempos modernos. Têm, segundo apurei, prevista a realização de um filme-documentário para a televisão… Sim. É dirigido e concebido pelos jornalistas Fernanda Bizarro e Cesário Borga, que vão trabalhar na perspectiva dos 75 anos: sobre o que é a FNAT-Inatel desde a sua origem até à contemporaneidade. Será um documento fidedigno, feito sem preconceitos, com isenção, mostrando o quanto esta instituição tem de bom e, como na vida das pessoas, ao longo de tantos anos tem coisas boas e outras menos boas. Disse que estas comemorações envolvem todos os sectores da Inatel e não apenas a cultura… Está prevista a edição de dois livros, um sobre ABR 2010 |
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Temos um grande projecto que iniciamos no ano passado: a adesão à Unesco como organismo consultor para a área do património cultural imaterial.
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turismo e hotelaria e outro sobre desporto, centrado no Parque Desportivo 1º de Maio. Embora criada durante os anos da ditadura, há laços que ligam esta instituição ao ideário da Primeira República. Como vai o Inatel associarse às comemorações do 100 anos da República? Esta casa está efectivamente, por várias razões, ligada a muitos desses ideais. Desde logo os ideais republicanos associados à cultura e a todo um conjunto de valores de solidariedade que são incorporados efectivamente na prática da FNAT e depois INATEL. A nossa unidade hoteleira na Foz do Arelho situa-se, por exemplo, no edifício Grandella, que pertenceu a uma destacada personalidade da Primeira República e foi aí que Afonso Costa redigiu a lei da sepa18
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ração da Igreja e do Estado. Quanto ao Centenário, foi-nos solicitada colaboração e estamos a concretizá-la. Em que projectos? Temos várias iniciativas pontuais agendadas com a Comissão. A primeira aconteceu já no dia em que se iniciaram as comemorações oficiais no 31 de Janeiro. A Fundação Inatel fez uma arruada à portuguesa, no Largo da Cadeia da Relação, no Porto, onde foi inaugurada a exposição República e Resistência. Foi uma importante manifestação popular, com elementos da cultura verdadeiramente tradicional, identificados com o início do séc. XX, mas também com a contemporaneidade, com as novas realidades e vivências - onde nós tivemos gigantones tradicionais, cantares ao desafio, gaitas de foles, concertinas, etc.. Estivemos no 31 de Janeiro e vamos estar no 5 de Outubro, onde vamos organizar concertos em todo o país, com bandas filarmónicas, à mesma hora e no mesmo dia. Serão mais de 700 bandas a nível nacional… E a programação das actividades da Inatel, contempla a Primeira República como tema? Sim. Por exemplo, as nossas oficinas de tempos livres estão com programas específicos de formação em História da Primeira República, ou em aspectos específicos desse período histórico. Na área do Turismo Social e do Turismo Sénior há rotas temáticas para as questões da República. As exposições e as manifestações mais relevantes apoiadas pela Comissão do Centenário vão estar nas nossas programações de turismo sénior e social, do termalismo, e de turismo júnior. Estamos a preparar, ainda, um espectáculo de etnografia para a comissão do Centenário. Gostávamos muito de o fazer no Teatro Camões porque é a sala da dança em Portugal. E para lá dessas duas grandes efemérides, o que sobra de outras iniciativas o sector da cultura? Temos um grande projecto que iniciamos no ano passado: a adesão à Unesco como organismo consultor para a área do património cultural imaterial. Queremos ser reconhecidos quer a nível nacional, quer a nível internacional, como a instituição portuguesa de referência no âmbito da cultura popular e tradicional. E também na preservação do património cultural imaterial português e de origem portuguesa. I Manuela Garcia (texto) José Frade (fotos)
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Cidade do Cabo O regresso da Boa Esperança Reunindo um conjunto de atractivos históricos e naturais ímpares, a Cidade do Cabo é a capital legislativa da África do Sul e a cidade mais antiga do país. Foi escolhida para ser um dos palcos do Mundial de Futebol de 2010, e onde a selecção Portuguesa também vai jogar.
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á lugares que reúnem um conjunto de atractivos tão vasto que merecem a designação de especiais; ou, se quisermos, de afortunados. A Cidade do Cabo é um desses lugares. Desde logo, pela localização, na ponta do continente africano, no sopé de um grandioso bloco de arenito, a Montanha da Mesa, depois por ser a cidade mais antiga da África austral. Em 6 de Abril de 1652, Jan van Riebeeck desembarcou no Cabo, com a missão de instalar uma feitoria da Companhia Holandesa das Índias Orientais. A Cidade do Cabo nasceu desse posto avançado, cuja missão primordial era dar apoio aos navios durante a longa viagem de ida e volta entre os Países Baixos e a Ásia À saída do Terminal de Autocarros ‘conheço’ os fundadores da colónia, Jan e a sua mulher, Marie de la Quellerie, fundidos em bronze. São vizinhos de Bartolomeu Dias, o primeiro navegador a dobrar o Cabo, que está de pé num plinto de pedra, simbolizando um navio. Foi entusiasmante a primeira impressão que a cidade me ofereceu. Dos tempos fundacionais restam alguns edifícios, que convivem com outras linguagens arquitectónicas. Aqui uma mansão vitoriana, ao lado uma torre de vidro e betão, ao dobrar da esquina um edifício neoclássico. Mas primordial: a sensação de insegurança que campeia noutras partes da África do Sul parece ter poupado a cidade e a reputação liberal e acolhedora é um capital que o Cabo estima. A cidade é também a mais sofisticada, a mais cara, a que mais raças e nacionalidades congrega em toda a África. Mas mais do que o interesse de cada uma das diferentes parcelas que a compõem, a cidade vale pelo conjunto, pelo todo: pessoas, arquitectura, culinária montanha, mar, clima. Eu tinha feito uma espécie de sumário dos locais que queria conhecer, que foi aumentando quase de hora a hora, deixando-me satisfeito por ter tanto por onde escolher e frustrado por ver como seria impossível dar conta de tudo. Porém antes entreguei-me a uma volta sem compromissos. Logo nos primeiros passos vejo-me sob o encanto da Long Street, artéria que melhor preserva a arquitectura novecentista, com fachadas enriquecidas com colunas, arcadas e varandas de ferro
forjado. Os edifícios, que durante algum tempo foram residência da burguesia local, transformaram-se em estabelecimentos comerciais, onde se incluem livrarias, bares e pequenos hotéis. Encontrei Greenmarket Square, o sítio mais colorido da Cidade do Cabo, que começou por ser um mercado agrícola e agora domicilia bancas com artesanato de todas as partes de África.
Cidade de Museus A Old Town House é uma construção graciosa do século XVIII. Não é porém na sua forma que reside o seu principal interesse. A partir da segunda década do século XX passou a ser utilizada como
Galeria de Arte, após doação de Sir Max Michaelis. Mais tarde, Lady Michaelis, enriqueceu a colecção com nova doação. Rembrandt, Frans Hals e Jan Steen, fazem deste museu uma casa de muito nome. Menos conhecida, a primeira igreja de escravos da Cidade do Cabo, foi construída entre 1802 e 1804, debaixo da tutela da Igreja Reformada Holandesa e destinava-se à instrução dos escravos e aos seus serviços religiosos. Em 1977, foi declarada monumento e transformada em museu. Um museu que fala de uma época em que os colonos numa mão seguravam a Bíblia e na outra o chicote. Dispostos em vitrinas e painéis estão à vista diversos documentos dando conta da missionação dos escravos, mas também dos negócios do dia-a-dia dos colonos. Tinha assinalado mais uma visita para o dia: o Old Slave Lodge, edifício que começou por albergar escravos, mas que serviu também para tribunal, correios, biblioteca pública, bordel. Nos dias ABR 2010 |
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de hoje é Museu Histórico e Cultural apresentando colecções relacionadas com as antigas civilizações egípcia, grega e romana, assim como rica informação da cultura cabomalaiana. Mas para onde me luziam os olhos, apesar de só conhecer de fotografias, era para as “pedras-correio”, curiosos objectos onde os primeiros marinheiros europeus gravavam mensagens, durante a longa viagem entre a Europa e a Ásia. Entrei no Castelo da Boa Esperança, uma estrela de cinco pontas em pedra, que goza de popularidade entre os turistas, seduzidos pela
informação de que aquelas são as paredes mais antigas da África do Sul. Protegida atrás dos baluartes a grande mansão interior está recheada de objectos que dão conta do quotidiano da colónia do Cabo no século XIX. Já visitar o District Six Museum é entrar em contacto com um período recente da História da África do Sul. Numa antiga igreja Metodista, fotografias, placas toponímicas, objectos pessoais do dia-a-dia, foram reunidos, lembrando uma comunidade inteira que foi expulsa das suas casas, quando o governo decidiu transformar o bairro multiétnico em “área branca”. Um sítio que questiona a cada momento. Um sítio que nos transporta para os anos de chumbo do apartheid.
Cidade Cénica Eu andava a prometer a mim mesmo, desde o primeiro minuto, subir a Montanha da Mesa, utilizando a garganta Platteklip que parece ter sido a via usada pelo capitão António Saldanha, o primeiro europeu que escalou este gigante que se eleva 1087 metros acima do mar. No entanto uma carapaça de nuvens mantinha-se firme no topo da Mesa, o que é frequente. No dia em que cheguei, fui ao posto de turis24
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mo, onde me ofereceram o folheto com o programa do “City Tour”, em autocarro panorâmico. Estava encontrada a alternativa. Partimos de Waterfront, atravessámos a City Bowl, passamos no sopé de Lion`s Head, um cone rochoso que se destaca no seu isolamento, e de seguida galgamos a encosta da montanha, até meio. No largo de acesso ao teleférico, (que é outra maneira de chegar ao cimo da montanha) que acumula a função de miradouro, os passageiros têm licença para deixarem o autocarro. Começou então um desfiar de elogios, em pelo menos meia-dúzia de idiomas. Todos estavam de acordo quanto ao carácter excepcional da paisagem e foi a custo que o guia conseguiu levar os passageiros de volta aos seus lugares. Rolámos então para junto do mar, regressando ao centro pela cénica Victoria Road. Continuo com a ideia de subir a Montanha da Mesa, mas a écharpe de nuvens mantém-se enrolada ao topo. Virei-me então para Camps Bay. Num instante estou lá, que os taxistas quando querem são campeões da estrada. Camps Bay é um subúrbio rico e um grandioso quadro natural onde a cordilheira de rocha nua, a que o governador do Cabo Sir Rufane Donkin cunhou o nome de Twelve Apostles, se encontra com o mar. Para lá de Camps Bay, sempre à beira-mar e em direcção ao centro da cidade, segue-se a Riviera, lugar de elite com apartamentos milionários e mansões principescas. Caminho e observo. Andei tanto que os metros somaram quilómetros. Nem sempre o interesse público prevaleceu neste pedaço de costa, mas os terrenos valem fortunas e o mercado impôs as suas regras. É fim de tarde. Na estrada passam descapotáveis e há gente a jogar ténis, bowling e squash em clubes privativos. Isto é África? Geograficamente não há dúvidas; mas esta é uma África muito diferente do estereótipo a que nos habituamos. Em Sea Point, que recebeu a visita de Charles Darwin em 1836, as construções recuam e a beira-mar volta a ser das pessoas. A marginal é um alegre passeio, uma montra hedonista. Robben Island, ao largo, parece uma carapaça de tartaruga à superfície do oceano. Logo que os europeus se estabeleceram no Cabo a ilha foi escolhida para presídio. A República da África do Sul encarcerou ali, durante anos, Nelson Mandela. Em 1991 os últimos prisioneiros foram libertados e Robben Island foi classificada como
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sa intervenção urbana, num lugar de lazer, cultura e trabalho, do qual a cidade se orgulha. Cheguei ao último dia da minha estadia na Cidade do Cabo sem ter subido ao cimo da Montanha da Mesa. O dia estava convidativo: um azul vivo e o topo praticamente liberto de nuvens. Mas havia tanta coisa para ver. Saí do hotel com três nomes em mente: O Bairro Malaio, também conhecido por Bo-Kaap, o Museu SulAfricano e a Galeria Nacional. Os cabomalaianos chegaram ao Cabo nos navios holandeses, trazidos da Ásia. Agruparam-se em volta da mesquita Auwal, a mais antiga da cidade. Guardaram a religião dos seus antepassados, e um certo estilo de vida. As fachadas coloridas dão alegria ao bairro e apesar de muitas casas terem sido substituídas por blocos de apartamentos, a zona mantém a sua individualidade.
Cidade Multirracial
património histórico e natural. Também já se avista o farol de Mouille Point, com a torre riscada de vermelho e branco. Construído em 1824, mantém-se um aviso seguro para a navegação. A tarde apressava-se para o seu final quando entrei em Waterfront. Servem-se cappuccinos nas esplanadas e os turistas já espreitam as ementas dos restaurantes. Italiano, ou russo? Cabomalaiano, ou francês? As vitrinas das lojas atiram aos olhos de quem passa artigos para todos os gostos e todos os desejos. Passei em frente ao Aquário dos Dois Oceanos, que àquela hora já não recebia visitas, mas mesmo assim fiquei a saber que lá dentro havia mais de três mil espécies a nadar em tanques. Numa doca seca operários apontavam agulhetas de alta pressão ao casco de um navio de grande tonelagem. Porque Waterfront é isso: cais e docas, edifícios vitorianos e arquitectura de vanguarda. Ou seja, o velho porto, ser decadente, transformou-se após vigoro26
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O Museu Sul-Africano é definido no folheto entregue aos visitantes como o sítio “ Onde a natureza e a cultura se encontram ”. Uma frase não apenas apelativa como verdadeira. Numa sala é o mistério dos fósseis que desafia, noutras, e são muitas, são os olhos vidrados de mil animais que fixam os visitantes, espantados, como no momento em que foram capturados; na savana, na floresta, no deserto; e depois há a grande sala de armações de baleias, suspensas no ar, como travejamentos de barcos em construção. Inesquecível. Uma brisa percorre as copas dos carvalhos da Governement Avenue quando faço o caminho para a Galeria Nacional. O museu reúne arte europeia dos séculos XVII a XIX e arte contemporânea de artistas sul-africanos. Mas o que mais me chamou a atenção foi a despreocupada convivência de adolescentes de diversas raças e credos: negros, brancos, indianos, mulatos. Cristãos, muçulmanos, hindus. Estudantes de alguma escola distante em visita à “Cidade Mãe”. Serão, se não houver descarrilamento, a primeira geração a trazer para o futuro os valores da convivência multirracial. Ao fim da tarde chamei um táxi ao hotel que me levou de regresso ao Terminal de Autocarros. Afastei-me da Cidade do Cabo com os olhos colados à Montanha da Mesa. Não subi ao topo, mas mesmo assim sentia-me satisfeito pois sabia que tinha estado num lugar de excepção. I José Luís Jorge (texto e fotos)
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Trilhos de Santiago Natureza, fé e cultura Em ano “Xacobeo”, a Fundação INATEL inclui nos seus programas de viagem uma experiência particular de “peregrinação” a Santiago de Compostela. Ao carácter simultaneamente religioso e cultural, junta-se a vertente paisagística, ao integrar-se no itinerário trilhos valiosos sob esse ponto de vista.
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A EXPERIÊNCIA não é propriamente inédita. Muita gente, a maioria, certamente, mete os pés ao caminho por razões de ordem religiosa, mas muitos outros caminhantes fazem-se peregrinos de outras motivações. E há, obviamente, quem faça coincidir diferentes razões nessas jornadas pelos trilhos que há séculos acolhem as peregrinações a Santiago de Compostela. O gosto pelo exercício físico, por caminhadas e trekkings, por exemplo, surgem amiúde associados nessas andanças. A filosofia do programa disponibilizado pela Fundação INATEL - em parceria a Cooperativa de
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Turismo de Trás-os-Montes e Alto Douro - explica-se em poucas linhas e articula duas ideias fundamentais: por um lado, o objectivo de contornar, ou atenuar, o esforço físico que tais cometimentos exigem, e, por outro, proporcionar condições ideias para a mencionada articulação entre diferentes motivações. Por outras palavras, associar as motivações de carácter religioso com a experiência de imersão em cenários naturais e de contacto com um universo cultural expresso em vestígios monumentais. Para a concretização destas dimensões do programa (que foi desenvolvido com o apoio da UTAD e de um académico galego, Prof. Xerardo Pereiro Perez, e, ainda, de uma finalista da mesma instituição, Emídia Maio Olheiro, autora da tese «Caminhos de Santiago na Raia Seca – Proposta de um Itinerário»), a organização disponibiliza o acompanhamento constante dos peregrinos por um guia cultural, um biólogo e um massoterapeuta (um especialista de massagem terapêutica e desportiva). Na prática, esta estratégia significa uma selecção de percursos a realizar diariamente em trilhos que integram o Caminho de Santiago e que são significativos tanto sob o ponto de vista
cultural como paisagístico, sem que os andarilhos se vejam metidos em “extenuantes” empenhos físicos. A duração do programa – a realizar em Julho, Agosto, Setembro e Outubro - é de uma semana, iniciando-se em Chaves, passando por localidades galegas como Allariz e Ourense, e terminando, naturalmente, na Catedral de Santiago de Compostela, onde é celebrada a habitual missa de recepção aos peregrinos. Como 2010 é Ano Santo (o que acontece sempre que o dia 25 de Julho coincide com um domingo), os peregrinos poderão fazer a sua entrada no templo através da Porta Santa, acesso só franqueado em circunstâncias especiais. A condição de Ano Santo reforça também o ciclo de festividades em honra do Apóstolo Santiago. Desde Maio e até ao início do Outono, e com particular intensidade à volta de 25 de Julho, o dia do apóstolo, a liturgia religiosa redobra a solenidade, ao mesmo tempo que as ruas se enchem de animação. A par das grandes cerimónias religiosas na Catedral, há concertos ao ar livre em várias praças da cidade, a maioria de música tradicional, não apenas com bandas da “celtic connection”, mas também com as agora chamadas, num
Catedral de Santiago de Compostela. Na página da esquerda, Chaves, cidade onde se inicia o programa
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A Porta Santa em Santiago de Compostela. Ao lado em cima, ponte romana em Allariz e, em baixo, pormenor do “Caminho Privilegiado”
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mal disfarçado preconceito etnocêntrico, “músicas do mundo”.
Onde se juntam dois caminhos Nos primórdios do passado milénio assistiu-se a um crescente afluxo de peregrinos que se dirigiam à basílica que acolhia o túmulo do apóstolo Santiago. Ao longo do tempo, foi-se fixando uma rede de caminhos, vindos por vezes de muito longe e entroncando, também, uns nos outros. A consagração pelo Conselho da Europa, em 1987, do Caminho de Santiago como “Primeiro Itinerário Cultural Europeu” reconheceu o papel desempenhado por essas vias de peregrinação — percorridas por gente de toda a Europa - na consolidação de laços entre os povos da cristandade ocidental e no intercâmbio cultural entre as diversas regiões europeias. As várias vias originárias da Europa Central e Oriental convergiam a partir de Puente de La Reina, em Navarra, numa única, o chamado «Caminho Francês». Na Península Ibérica, os peregrinos trilhavam, paralelamente, outros caminhos até Santiago de Compostela: o «Caminho do Norte», que cruzava o País Basco, a
Cantábrica e as Astúrias, a «Rota Marítima», que trazia peregrinos dos portos da Corunha, de Noia e de Muros, na costa, e a «Via da Plata», utilizada pelos peregrinos moçárabes que vinham do Sul, através de Mérida, Cáceres, Salamanca e Ourense. Finalmente, o «Caminho Português» conduzia os peregrinos através da fronteira norte de Portugal, passando por Tui, Salceda, Porriño, Redondela, Pontevedra, Caldas de Reis, Pontecesures e Padrón. Mas o caminho português tinha várias variantes, e é de uma dessas que foram seleccionados os trilhos do programa da Fundação INATEL. O percurso eleito converge justamente, num dos seus trechos, com o Caminho da Prata. O encontro dá-se em Allariz, já na província de Ourense, sendo o itinerário até Santiago comum a partir daí.
Comedidas caminhadas Em Chaves ocorre o primeiro momento em que algumas dimensões privilegiadas pelo programa se manifestam já decididamente: o massoterapeuta avalia as disposições físicas dos participantes e disponibiliza a informação necessária para se ajuizar sobre o que espera os caminhan-
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Ourense, Plaza Mayor
tes; a pernoita faz-se num hotel apetrechado com um moderno SPA; ao fim da tarde os peregrinos assistem a uma missa; e, finalmente, o início simbólico da viagem de peregrinação tem lugar junto à velha ponte romana, que noutros tempos integrou o caminho de Braga a Astorga. No segundo dia, ainda em Portugal, os participantes rumam a Vilar de Perdizes, onde se pode visitar um dos mais antigos edifícios portugueses de apoio aos peregrinos do Caminho de Santiago, o hospital que D. Afonso Henriques mandou construir com essa finalidade, e de que restam algumas fundações e a capela. A fronteira atravessa-se ao terceiro dia, seguindo-se depois o percurso que cruza a região de Santiago de Rubiás – o trilho é conhecido aí por «Caminho Privilegiado». Este pedaço de território tem uma história particular e curiosa: constituiu uma comarca ciosa da sua independência relativamente à soberania dos dois reinos, Portugal e Espanha. No final da jornada os peregrinos estarão já em terras de Allariz, um recanto que chegou a ser incorporado em terra lusitana no reinado de D. Afonso Henriques. Quer ao longo destes percursos, quer ao longo
do itinerário comum do Caminho da Prata, até Santiago de Compostela, haverá sempre um acompanhamento de carácter “técnico”: ora no plano da massoterapia, ora no da interpretação cultural, histórica e paisagística. Os participantes são conduzidos, de autocarro, até ao início dos trilhos, e recolhidos mais tarde no seu término, garantindo-se, assim, uma rotina de comedidas caminhadas. O resto de tempo disponível é aproveitado para visitas de carácter cultural e para descanso nas unidades hoteleiras.I Humberto Lopes (texto e fotos)
Inscrições Os grupos deverão incluir entre 20 a 30 participantes, sem condicionamentos relevantes em termos de idade ou de forma física. Os programas serão realizados entre 4 e 10 de Julho, 29 Agosto a 4 de Setembro e 24 e 30 de Outubro. As inscrições podem ser feitas através das Agências Inatel ou em www.inatel.pt.
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Mistérios da Páscoa em Idanha Quando se refere que na Quaresma não se dançava, não se ouviam cantos profanos, que era tempo de trevas, de oração e de penitência, de jejum e de abstinência, muitos dos mais novos pensam que tais vivências ocorriam já lá vão séculos. 32
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ORA ACONTECE que sempre que me dirijo em trabalho de recolha, no Distrito de Castelo Branco, mais precisamente a qualquer das povoações do território do Concelho de Idanha-a-Nova, marcadas pela ruralidade e doce paz, arrumadas no seu casario, constato que há o grupo das pessoas mais idosas, a maioria, iletradas, que sabem de cor muitos dos cantos quaresmais e pascais. A razão é simples, pois, no tempo em que se criaram, quando chegava a quaresma, nesses precisos quarenta dias, desde quarta-feira de cinzas até Sábado de Aleluia, não se cantavam outros cantos que não fossem os do tempo quaresmal, quer enquanto realizavam as lidas do dia-a-dia em ambiente familiar, quer nas fainas do campo. Era hábito cantar no colectivo, nomeadamente
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nas mondas e nas sachas, quando trabalhavam para os senhores das terras e do poder local. É um prazer profundo que me invade ao verlhes estampado no rosto, lavrado de mil e uma rugas, um sorriso escancarado, uma alegria imensa, sempre que recordam esses tempos quaresmais e pascais de meninas e moças. Não se cansam de me narrar episódios do quotidiano, alguns brejeiros, que ocorriam enquanto se dirigiam ou vinham dos campos, enquanto mondavam ou sachavam ou até em momentos de paragem para comerem o naco de pão e o escasso conduto trazidos na cesta que transportavam à cabeça em cima da multicolorida e redonda rodilha de trapos. Corridos os riscos da desertificação e do
envelhecimento da população, aliás comum a todo o interior de Portugal, devido ao isolamento de séculos e graças à acção evangelizadora dos Templários, dos Conventos Franciscanos de Nossa Senhora da Consolação, em Monfortinho, e de Santo António em Idanha-a-Nova, graças ao empenhamento e esmero de uma mão cheia de guardiães que a todo o custo procuram preservar manifestações da religiosidade popular em lugares ao ar livre, fora do sagrado colectivo, graças às nove Irmandades das Santas Casas da Misericórdia e à acção dos Párocos, nomeadamente dos actuais que serenamente sabem respeitar, valorizar e sublimar à luz do Concílio Vaticano II, a religiosidade das nossas gentes. Actualmente, não existe no nosso País, o ABR 2010 |
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Estado-Nação mais antigo da Europa, outro concelho, como o de Idanha-a-Nova que, como encantamento de lindas mouras em barrocais, preserve, não se sabendo por quanto mais tempo, tão elevado número de sagradas e ancestrais tradições intimamente ligadas ao calendário agrícola e ao ciclo das fecundidades, nomeadamente as da celebração da primavera, do vital renascimento, integradas pela religião cristã, no ciclo quaresmal e pascal. Estas, pela sua pureza e ingenuidade, parecem condensar na alma lusa os profundos sentimentos espe-
lhados nas crenças, ritos, rituais e nas devoções milenárias, semeadas de segredos das suas esperanças e dos seus anseios, sempre que no firmamento se fazem ecoar em cantos de sabor e melodia medievais, bebidos em velhos cancioneiros e rezas caldeadas no cadinho dos séculos e transmitidas oralmente de geração em geração. Em tempo de uma sociedade consumista, que vem contribuindo para a consequente degradação do Planeta e para a materialização do homem, distanciando-se a pouco e pouco, não só da cultura e da arte, mas também dos valores espirituais, firmados nas suas profundas raízes identitárias, aceite o convite para visitar as terras e as gentes das Idanhas, em ambiente do ciclo quaresmal e pascal, pois permitem retemperar as forças e avigorar o espírito não só aos inúmeros naturais residentes no País ou no estrangeiro, mas também aos visitantes nacionais e estrangeiros, cujo número cresce de ano para ano. I António Silveira Catana (texto) Hélder Ferreira e Luís Brás (fotos)
Procissões, cantos e romarias Eis algumas das manifestações da
Martírios, dos Santos Passos, em
Provedor da Misericórdia em Segura e
piedade popular que actualmente ainda
diversas povoações; o solene
em Alcafozes; a queima do alecrim, a
ocorrem no território do Município de
descimento de Cristo arvorado na cruz e
adoração da Cruz e a Via-sacra pelos
Idanha-a-Nova: as procissões “corridas”
sua colocação no esquife, em
Irmãos da Misericórdia, em Segura; o
e a dos Passos em Alcafozes, a dos
Monsanto; a representação cénica de
canto da Encomendação das Almas em
homens, no Ladoeiro, a do terço
Maria Madalena, o canto da Verónica e
14 das 17 Freguesias do Município; o
cantado pelos homens, em S. Miguel
dos EOS na procissão do Enterro do
canto das Alvíssaras ao som dos adufes,
d’Ácha, as ladainhas em Proença-a
Senhor, em Monsanto e Proença-a-
o cortejo ao som dos apitos e dos
Velha; a “serração da velha, em Idanha-
Velha; a cerimónia do Lava-pés pelo
chocalhos pelas ruas e o apanhar das
a-Velha, o” ir ver” Nosso Senhor, o Santo
amêndoas à rebatina, à porta do Pároco,
Sepulcro e as “cabeleiras”, em Idanha-a-
em Idanha-a-Nova; o prolongamento da
Nova; o canto da Paixão pelas ruas da
alegria pascal à Mãe de Deus nas
procissão, em Penha Garcia, o espalhar
diversas romarias que ocorrem em
do alecrim pelo chão da Capela-mor e o
ermidas disseminadas pelos campos
comer da “parva” e o canto dos
das campanhas da Idanha, com
Tormentos do Redentor, em Alcafozes; a
especial destaque para a da Senhora do
Ceia dos Doze, o canto da Senhora das
Almurtão considerada, na actualidade, a
Dores, do Louvad’ssíssimo, dos
mais concorrida da Beira Baixa.
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Termas em Portugal (17)
Caldas da Saúde O nome diz bem com o lugar. Ar puro, paisagem verdejante, águas quentes. As Caldas da Saúde oferecem um conjunto de programas de tratamento e bem-estar, tal como toda a tranquilidade que quem visita também procura.
DESDE A CASA DOS BANHOS de final do século XIX até à mais recente remodelação do actual balneário, esta estância termal do concelho de Santo Tirso tem evoluído muito no sentido de fazer jus ao nome. A saúde é lema para todos os que se regeneram das doenças das vias respiratórias, reumáticas e músculoesqueléticas. Inicialmente sob impulso da Câmara e durante o primeiro quartel do século XX na posse de privados, estas termas dotaram-se de ABR 2010 |
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Termas em Portugal (17)
Da esquerda para a direita: Buvette, duche e terapia com envolvimento de algas. Na página anterior, pormenor da zona de tratamento das vias respiratórias
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balneário e hotel, captando uma clientela proveniente sobretudo do norte do país. Em 1908, o inspector de águas Tenreiro Sarzedas descreve o balneário como tendo “três banheiras de mármore para os banhos de 1.ª classe, oito de azulejo para os de 2.ª e três de cimento para os de 3.ª. Uma sala com duches de agulheta e banheira de chuva (…). Embora a água seja também usada internamente, não há buvete que a forneça, é colhida para tanto no grande depósito.” Em 1918, a publicação Águas e Termas Portuguesas dá conta de que, nesse ano, iria abrir um novo hotel, com todas as comodidades e conforto e serviço de mesa e de dietas dirigido por um afamado cozinheiro estrangeiro. As Caldas da Saúde tinham sido adquiridas por Albino de Sousa Cruz, emigrante regressado do Brasil. À entrada dos anos 30, o Hotel das Termas é desafectado da sua função para acolher o Colégio de La Guardia, da Companhia de Jesus, quando esta, em 1932, regressou a Portugal. A Constituição de 1933 (abolindo as leis de excepção por motivos religiosos) e o decreto de 12 de Maio de 1941 (reconhecendo a Companhia de Jesus como corporação missionária) normalizaram a situação jurídi-
ca dos Jesuítas em Portugal. Nesta altura, já a Província Portuguesa da Companhia de Jesus, depois de prolongados debates internos, se decidira, em 1938, pela aquisição do conjunto termal, formando a Empresa das Caldas da Saúde e remodelando profundamente o edifício do antigo Hotel das Termas para Colégio do Instituto Nun’Alvares. Outras unidades de alojamento foram surgindo na pequena povoação e adquiridos terrenos da Quinta contígua, para alargamento das instalações, sobretudo para zonas de recreio. Em 1952, dá-se um grande incêndio no Colégio, e a reabertura ocorre quatro anos depois, com projecto de remodelação da autoria do arquitecto Fernando Távora e do engenheiro Bernardo Ferrão. Esta intervenção permitiu, entre outros aspectos, a criação de uma ampla biblioteca, incluindo uma sala de leitura envidraçada aberta para o jardim exterior. Os mesmos técnicos seriam autores também dos projectos para uma nova igreja, em planta hexagonal, inaugurada em 1964, e de um novo pavilhão de ensino. Quanto ao balneário, teve sucessivas remodelações e ampliações que culminaram com a grande reforma inaugurada em 1994, desenhada pelo arquitecto Francisco Azeredo, com base em estu-
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dos de prospecção inovadores em Portugal e na aposta na oferta complementar ao termalismo terapêutico – a manutenção física (remise en forme) –, ao encontro de novas motivações emergentes no mercado europeu. A sua remodelação integrou elementos antigos de fachada, paredes autoportantes e molduras em granito, bem como troços de pavimentos provenientes de diferentes épocas e objectos antigos da prática termal. No átrio de acesso às zonas de tratamento, estão em exposição peças do património termal (mobiliário, instrumentos médicocientíficos, equipamentos hidrológicos e elementos arquitectónicos) utilizados anteriormente e que decoram os espaços e marcam as práticas e os rituais do banho do passado. Em busca de novos gostos e clientes, estas termas têm procurado diversificar a sua lista de tratamentos de bem-estar. Como o “Choco-relax”, com base nos efeitos da água termal aliados aos doces benefícios do cacau. Para quem procura “esculpir” a silhueta, reduzir a celulite, hidratar e suavizar a pele e melhorar o bom-humor, tem à sua disposição este novo tratamento. E quem disse que o chocolate engorda?
É que, a propósito, as tradições gastronómicas são uma parte importante das coisas boas desta região. Na doçaria, por sinal, foram os pastéis “jesuítas” e “limonetes” que projectaram o nome de Santo Tirso e atraem um número elevado de visitantes. Aliás, os primeiros ganharam recentemente novo estatuto, com a criação de uma confraria que pretende preservar as características deste tradicional triângulo folhado, com “chapéu” de açúcar e claras, cujas origens remontam a finais do século XIX. Gozam também de muito boa fama os doces conventuais e as bolachas de Santa Escolástica, estas fabricadas pelas freiras do Mosteiro do mesmo nome, bem como as variadíssimas receitas de doces de ovos. Além do mais, esta região é bem preenchida de outros atractivos, a descobrir, com as Caldas da Saúde a manterem uma escala pequena, aconchegante e familiar, no meio de um ambiente puro e saudável. Não será por acaso que o povo ainda lhes chama “Caldinhas”. E seguramente, para manterem estas características verdadeiramente competitivas, também elas devem cuidar de si próprias. I Jorge Mangorrinha e Helena Gonçalves Pinto ABR 2010 |
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Memória
Eugénio Salvador O ines q CHAMAVA-SE Eugénio Salvador e foi o último «compère» da revista à portuguesa. O inesquecível «Zé» da revista nasceu em «Cantigas ó Rosa» (1953) e morreu quando Salvador disse adeus ao teatro na revista «Enfim Sós» (1988) representada no Maria Matos. O actor, que morreu há 18 anos, com a sua figura magra e pequenina, criou um «Zé Povinho» engraçadíssimo que o teatro de revista tornou obrigatório.
Benfiquista e bailarino Quando Salvador se estreia em 1927 na companhia de Hortense Luz, já o seu nome andava nas bocas do mundo futebolista pois era ponta esquerda do Benfica (sócio numero 22), conciliando o futebol com as aulas do Conservatório. Casado então com a bailarina, Lina Duval, formou com ela uma dupla famosa, Lina & Salvador, que animava as salas de cinema nos intervalos entre as duas sessões. Arrumada a dança, com o futebol fora de área, Salvador dedica-se por inteiro ao teatro de revista. O primeiro trabalho revelador do seu imenso talento para o género foi «Ó Rosa arredonda a saia» (1952) logo seguido de «Cantigas ó Rosa» (1953). É nesta revista que nasce o primeiro «compère» de Salvador: o «Zé de Olhão». Entretendo o público enquanto mudam os cenários, o actor desdobra-se em «gags» hilariantes metendo as suas famosas «buchas» sempre com duas belas girls ao lado. Recordo, por exemplo, uma loira e outra morena, «Eu sou a Lisboa antiga», «Eu sou a Lisboa Moderna» ou «Eu sou o vinho tinto», «Eu sou o vinho b ranco» e Salvador, impagável, a darlhes troco.
Teatro - 120; Cinema – 20 Entre o teatro e o cinema, Eugénio Salvador participou em mais de 140 espectáculos. No teatro foram 120 as revistas em que Salvador trabalhou ao 38
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Eugénio Salvador em “Vidas sem Rumo”, 1956
lado de todos os grandes nomes de então: Beatriz Costa, António Silva, Ivone Silva, Irene Isidro, Teresa Gomes, Humberto Madeira, entre outros. No cinema, 20 filmes, dos quais talvez os mais conhecidos sejam «Maria Papoila», «Fado, história de uma cantadeira» e «Os três da vida airada» Eugénio Salvador não se limitou a ser actor. Bailarino, no inicio de tudo, foi empresário, escreveu argumentos, encenou, dirigiu companhias, foi uma espécie de faz tudo do teatro. A sua casa, ou melhor, a sua terra era o Parque Mayer e o Maria Vitória Quando o apontavam como o último «compère» da revista, Salvador apressava-se a referir outros nomes que entretanto tinham aparecido
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s quecível «ZÉ» da revista
no teatro como o Carlos Cunha ou o Octávio de Matos. Mas a verdade é que ninguém, até hoje, conseguiu animar um palco como ele. O corpo magro e pequeno, a mímica, a imaginação e o sentido do cómico fizeram dele o maior, o único «compère». E talvez por isso se compreenda o facto de Salvador ter como heróis Charlot e Marcel Marceau.
A bandeira do Benfica Eugénio Salvador Marques da Silva nasceu em Lisboa, em S.Jorge de Arroios, no dia 31 de Março de 1908. Filho de um cenógrafo, Luis Salvador, e neto de um escritor teatral, Salvador Marques, o actor tinha o destino marcado.
Com Carlos Cruz no programa “Quinta do Dois” em 1986, e, à direita, numa cena da revista “Cala o Bico” em 1954
Costumava dizer que nascera no teatro e percebese porquê. Quando morreu em 1 de Novembro de 1992, vivia com Odete Antunes, também artista, com quem casara dez anos antes. Foi por Odete Antunes que se soube que Eugénio Salvador vivera os ultimos tempos esquecido por quase todos, principalmente pela classe teatral. Apenas Marina Mota, Carlos Cunha e Filipe Lá Féria se lembravam dele. O homem que fizera rir meio mundo acabava triste e solitário. A viúva fêz-lhe todas as vontades. Foi por isso que o caixão do artista seguiu para o cemitério coberto pela bandeira do Benfica. I Maria João Duarte ABR 2010 |
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Portfólio
Macau Cidade de Contrastes NO INÍCIO da segunda década de existência a Região Administrativa de Macau parece imune à tão badalada crise económica financeira, tendo hipotecado, nestes últimos anos, muita da sua alma. Malgrado o prestigioso título de Património da Humanidade que em 2004 lhe foi atribuído pela Unesco, a cidade tradicional chinesa, com os seus becos, pátios e escadas e o denominado bairro dos tintins, onde quinquilharias e antiguidades tanto se transaccionam nas lojas como em cima da calçada à portuguesa, desaparece diariamente
sem que se vislumbre qualquer medida séria que trave o processo. Garantias de uma preservação futura, só mesmo para os edifícios classificados, pintados de novo com uma regularidade exemplar, mas até eles terão, doravante, de disputar lugar com os insaciáveis empreendimentos imobiliários, pois Macau é cada vez mais uma cidade feita para o jogo e a indústria hoteleira a ela associada, sem que perca, contudo, a magia e o encanto que sempre a caracterizaram.I Joaquim Magalhães de Castro (texto e fotos)
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Olho Vivo
G u i o m a r B e l o M a r q u e s ( t ex t o s ) André Letria (ilustrações)
Bonobos generosos e feministas Apesar de serem nossos parentes próximos, os bonobos - uma espécie de chimpanzés anões que habitam na República Democrática do Congo - parecem desconhecer a ganância que caracteriza os homens. Brian Hare, da Universidade Duke, e Suzy Kwetuenda, da Lola Ya Bonobo - um centro que cuida de bonobos órfãos naquele país africano - estudaram o comportamento distributivo destes chimpanzés e concluíram tratar-se de uma espécie de grande altruísmo social. Numa experiência que realizaram, colocaram um bonobo esfomeado numa sala com comida. De um lado desta, havia uma divisão vazia e do outro uma onde se encontrava um bonobo sozinho e sem comida, sendo que as três divisões eram separadas por vidros. Qual não foi a surpresa dos investigadores quando constataram que o chimpanzé abriu a porta que o separava da sala onde se encontrava o da sua espécie e partilhou com ele a comida, naquilo que consideraram ser uma atitude altruísta. Talvez a razão para esta reacção tenha a ver com uma característica mais vasta desta espécie, embora esse não seja um aspecto abordado no estudo. É que os bonobos vivem num sistema feminista, já que entre eles são as fêmeas que tomam a iniciativa sexual, que praticam indiscriminada, intensa e imaginativamente sem estarem em momento reprodutivo, ao contrário do que acontece na maioria das demais espécies.
Uma avó da pesada Tem 69 anos, é britânica e segundo noticiou o El País no mês passado é a DJ sensação das festas em França. Tudo começou quando, num aniversário do seu neto, Ruth Flowers descobriu as virtudes da música electrónica. "Cheguei um bocado atrasada e os cavalheiros que estavam à porta disseram-me 'Não me parece que a senhora queira entrar'. Eu respondi 'Creio que sim, que quero'. Entrei e havia muito barulho e as luzes entonteciam, mas também havia uma grande quantidade de energia e alegria", contou Flowers à Reuters, citada pelo diário espanhol. Gostou tanto da experiência, que decidiu tornar-se DJ e é actualmente um sucesso. A proválo, o facto de ter tido a seu cargo as noites do círculo francês do Festival de Cinema de Cannes e pôr todos a abanar o capacete nos melhores clubes de Paris, com um repertório que mistura antigos êxitos, música electrónica e o estilo blingbling. Prestes a editar o seu primeiro single, gosta de se vestir com roupa brilhante e de usar óculos escuros durante a actividade. Está a transformar Paris num verdadeiro Flowers power. 50
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Terramoto deslocou Concepción O sismo que abalou o Chile a 27 de Fevereiro e as mais de duas centenas de réplicas que se lhe seguiram deslocaram a cidade de Concepción, a mais devastada e próxima do epicentro, três metros no sentido Oeste. Quem o afirma é o investigador norteamericano Mike Bevis, da Universidade de Ohio, que desde 1993 se tem dedicado a fazer medições geofísicas e geológicas naquele país da América do Sul. Através de 50 estações de GPS, Bevis diz ter verificado que também Santiago, a capital chilena, se moveu 11 polegadas (27,94cm), e até Buenos Aires, a 1.280 quilómetros do epicentro, se deslocou uma polegada (2,54cm), sempre no sentido Oeste, ou seja, em direcção ao Pacífico.
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A Casa na árvore Susana Neves
O eclipse da rainha Sobre o mistério das ameixeiras que dão caranguejos.
O
Na gravura de G. Brookshaw , variedades de Ameixa com Rainha-Cláudia verde
rio Douro ainda transborda, castanho e perigoso e já nas encostas vinhateiras, de cepa negra, antiga, retorcida, começam a florir, muito brancas, algumas árvores de fruto. Através da janela do comboio inter-regional, de Peso da Régua até ao Porto, às vezes, atravessando vales, outras vezes, a partir do alto dos montes, destacam-se da paisagem estas copas brancas que lembram nuvens. Estamos em meados de Março, se a chuva e o vento abrandarem, muito em breve, estas árvores ficarão carregadas de muitos... “caranguejos”. Porque no Douro, mas também no Porto e no Minho, as ameixeiras, ameixieiras ou ameixoeiras (“Prunus Domestica L.”) dão “caranguejos”, baptismo supostamente atribuído pela aproximação do fruto à cor avermelhada e ao tamanho do pequeno crustáceo. Se a justificação fosse acertada somente as ameixas vermelhas seriam “caranguejos”, excluindo-se todas as outras variedades deste tipo de “Rosaceae”, família à qual pertence tam-
bém a cerejeira e o pessegueiro. Acontece, porém, que pelo menos desde finais do século XIX, se identifica a “ameixeira caranguejeira” com outro tipo de ameixa, amarelo esverdeada, a “RainhaCláudia”, cuja introdução em Portugal teria ocorrido durante as invasões francesas, a partir do início do século XIX. Segundo Duarte de Oliveira Junior, num artigo publicado no Jornal de Horticultura Prática, 1884: «No mercado do Porto, a Reine Claude, conhecida pelo nome de Caranguejeira, é a variedade que occupa o logar de honra: enquanto ás outras variedades que apparecem á venda, nem d`ellas se deve fallar, porque são aproveitáveis só para compota.» A distinção da “Rainha-Cláudia”, como fruta de mesa superior, e o desprezo das restantes variedades de ameixeiras (também referido pelo articulista: «Ao passo que em Portugal se cultivam centenas de variedades de peras e maçãs, o número de qualidades de ameixas que se encontram nos pomares é limitadíssimo. Por este último fructo parece haver pouca predilecção, apesar de ser tão remuneradora a sua cultura, como a d`outro qualquer.»), ganham maior evidência quando nos deparamos com os seguintes adágios: «Abraçouse o asno com a ameixieira e acharam-se parentes» ou «Não busques figo na ameixieira». Susana Neves
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Susana Neves
Ameixeira em flor
O reduzido apreço votado às muitas variedades de ameixeiras, que para os nipónicos simbolizam resiliência e superior beleza, mantém-se inalterável, comprovando-o a baixa produção de espécies estrangeiras (com excepções: a “Santa Rosa”, do grupo japonês (“Prunus salicina Lindl”.), ou a “Rainha-Cláudia”, usada na doçaria de Elvas, de que falaremos noutra crónica) e o esquecimento dos nomes de algumas espécies nacionais. Lembremos, entre outras, as “de Secar”, ou “Gostos da Vida” (“amarelo desmaiada”), e as “das Vindimas” também chamada “Negreirinha” (“preta maculada de azul”). Se a ameixa “Rainha-Cláudia”, homenagem feita a Claude de France (1499-1524), rainha doce e delicada, sempre mereceu entre nós «o lugar de honra», então porque motivo foi despromovida a “caranguejo”? No artigo “Tradições Populares e Linguagem de Vila Real”, de A. Gomes Pereira, “Revista Lusitana”, Volume XI, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, consultável online, explica-se que “caranguejeira” é o «nome de desprezo que chamam as raparigas umas às outras», enquanto “caranguejeiro” é «árvore que dá caranguejos ou abrunhos». Mantém-se, portanto, a impressão de que nem mesmo a “RainhaCláudia”, escapa ao estigma das ameixeiras,
distinguindo-se delas por ter a pele mais rija como o caranguejo, não se esborrachando com a facilidade das demais, e por isso com mais apresentação para servir à mesa, mas permanecendo abaixo do estatuto original de Grande Dama e Senhora Soberana. Se os franceses incrementaram a produção de ameixeiras, quando a filoxera atacou as vinhas no último quartel do século XIX, produzindo com elas boa aguardente, e os maiores pintores de estampas japonesas como Hiroshige (1797-1858) homenagearam a beleza das suas flores, capaz de embaraçar a mais bela borboleta, em Portugal, a ameixeira foi considerada “asna”, quem sabe, por rebentar de tanto produzir, pelos seus frutos caírem de maduros, antes de serem colhidos na altura certa, sendo envolvidos em delicados sacos de fazenda. Porque como bem entenderam os japoneses, a ameixeira não é só uma das três árvores da felicidade (as outras são o pinheiro e o bambu) mas a que representa o culminar de um percurso iniciático para alcançar a sabedoria. Dois versos chineses resumem bem a intima relação das ameixeiras com o conhecimento: «Quando a literacia é amada, a ameixeira floresce/Quando o acesso ao conhecimento é proibido a ameixeira fecha as suas flores». I ABR 2010 |
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64 CONSUMO Comprar casa é, para a maioria das pessoas, um investimento para a vida. Há, por isso, que antes de se decidir tome algumas precauções. Pág. 56 À MESA Da Ericeira - muito rica em mariscos e peixes nobres – vem a notícia da caneja, parente do cação, transformado pelos pescadores em petisco estranho e raro. Pág. 58 LIVRO ABERTO Convite à leitura de “Quase Verdade Como São Memórias”, de António Cartaxo, e “Os Objectos Chamam-nos”, do escritor espanhol Juan Millás. Pág. 60 ARTES Sob o título Memórias e Texturas, a conhecida ceramista Cecília de Sousa apresenta, em Lisboa, as suas últimas produções artísticas. Pág. 62 MÚSICAS Destaque para os CDs de um veterano e de uma neófita: “Scratch My Back” de Peter Gabriel e “Yellow Brick Road” de Sabrina Starke Pág. 64 NO PALCO “A Balada da Margem Sul”, em cena n’A Barraca, retrata uma região onde o desemprego abunda e surgem problemas de racismo e xenofobia. Pág. 65 CINEMA EM CASA “Julie e Julia”, com Merryl Streep, e “Il Divo”, de Paolo Sorrentino, prémio da Crítica em Cannes, são duas das boas sugestões para Abril. Pág. 66 GRANDE ECRÃ Óscar de “melhor filme estrangeiro”, “El Secreto de Sus Ojos”, de Juan José Campanella, comprova a boa forma do cinema argentino. Pág. 67 TEMPO INFORMÁTICO O projecto Tecnologia para Todos da INATEL começa a ter seguidores em Portugal. Microsoft, CGD, RUTIS e Inforlândia avançam com o Activo PC Sénior. Pág. 68 VOLANTE Depois do Logan, Sandero, Logan MCV e dos comerciais ligeiros Logan van e Logan pick-up, a Dacia entra no mercado dos 4X4 com o Dacia Duster. Pág. 69 SAÚDE A dor nas costas é talvez a queixa mais frequente nas consultas de clínica geral e constitui também um enorme desafio para os medicos. Pág. 70 PALAVRAS DA LEI Vivo com a minha companheira, em união de facto, numa habitação que só está em meu nome. Se me casar, esta casa passa a ficar em nome dos dois? Pág. 71
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Boavida|Consumo
Comprar casa Comprar casa é, para a maioria das pessoas, um investimento para a vida. Justifica-se, por isso, que antes de se decidir tome algumas precauções.
Carlos Barbosa de Oliveira
final é aí que irá viver, pelo menos durante uns anos, e a escolha que fizer vai determinar, em boa parte, a sua qualidade de vida. Para que a casa dos seus sonhos não se transforme num pesadelo, deixamos-lhe alguns avisos e sugestões. Há quem afiance que comprar casa é agora mais fácil, porque as casas estão mais baratas e as prestações mais baixas. No entanto, o acesso ao crédito está agora mais difícil e escolher uma casa que não dê problemas continua a requerer alguns cuidados. Aqui ficam algumas pistas e alguns alertas, para que a casa dos seus sonhos não se transforme no motivo dos seus pesadelos.
A
ANTES DA COMPRA
Se a situação financeira o permitir, o melhor é comprar uma casa que se adeqúe às suas necessidades futuras. Caso contrário, sugiro-lhe que compre uma casa com um potencial de valorização que permita um bom negócio na altura de a vender para adquirir outra. A localização é o factor que mais pesa na valorização de uma casa, mas a proximidade de transportes públicos, jardins e outros espaços de lazer, ou comércio são outros aspectos a ter em conta. Um dos maiores riscos, em qualquer casa, está nas infiltrações. Tenha, por isso, olho vivo quando andar à procura de casa, dando especial atenção aos acabamentos. Se não souber como detectar eventuais perigos, peça a colaboração de um amigo que o ajude a detectar sinais de risco. Começando pelo exterior da casa, verifique o estado da cobertura do prédio, se há telhas partidas, algerozes entupidos ou, no caso de terraços, se há rachas ou fissuras susceptíveis de permitirem infiltrações da água das chuvas. Se a casa tiver varandas, verifique se existem pontos de quebra na estrutura, que podem dar origem a infiltrações. Redobre a sua atenção nas “marquises”, que podem ter maus isolamentos, confira o estado das caixilharias das janelas e a selagem, especialmente quando forem de alumínio. 56
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No interior do edifício, dê especial atenção ao estado de conservação das zonas comuns (escadas, elevadores, garagem e pátios ou jardins anexos). Dentro da habitação há duas divisões a que deve estar especialmente atento: cozinha e quarto de banho, são os pontos mais sensíveis em caso de infiltrações. Verifique também se existem rodapés empenados ou manchas amarelas nas paredes e, em caso afirmativo, procure detectar a sua origem. Se a casa tiver alcatifa, levante-a para ver o estado do pavimento que ela cobre. Se for soalho, examine o seu estado, verifique se há tábuas empenadas ou inchadas, que escondam eventuais infiltrações. Verifique ainda as condições de isolamento acústico e não se esqueça de analisar a exposição da casa à luz solar, pois uma casa com algumas divisões frias e/ou húmidas,
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Segura” permitem centralizar todo o processo de compra e venda de uma casa numa única entidade. Desde que esteja digitalizada toda a informação do imóvel, é possível fazer os registos da casa em qualquer conservatória do país independentemente da localização. Pode ainda celebrar o contrato de compra e venda, fazer todos os registos, pedir a isenção do IMI e alterar a morada fiscal FINANCIAMENTO
pode representar um aumento na despesa com electricidade. Peça o certificado energético da habitação. FORMALIDADES
Já tomou uma decisão? Antes de assinar o contrato promessa vá à conservatória saber se no registo da casa estão registados quaisquer ónus como, por exemplo, um hipoteca. Confirme se a casa está registada no nome do proprietário com que está a negociar. Pergunte também, na repartição de finanças, se o proprietário tem em dia o pagamento do imposto municipal sobre imóveis e informe-se, junto da câmara, se foram emitidas as devidas licenças de construção e de habitação Por vezes há surpresas…mas há alguns pormenores que lhe podem facilitar estes trâmites, poupar tempo e dinheiro. Os programas “Casa Pronta”, “Casa Simples ou “Casa ANDRÉ LETRIA
Agora já só lhe falta fechar o negócio mas, para isso, precisa de dinheiro. Se não o tiver e não lhe restar outra alternativa que não seja o recurso ao crédito, a tarefa não é muito fácil. Não basta olhar para o “spread” e deixar-se seduzir por uma taxa de 0%. Hoje em dia a concorrência é muita, pelo que é aconselhável consultar o maior número de bancos possível. Como fazer a comparação? Através da TAE (Taxa Anual Efectiva), que lhe permite calcular o spread, as comissões de entrada, de avaliação e as comissões periódicas. Quanto mais baixa for a TAE, mais barato ficará o empréstimo. No entanto, apesar de o crédito estar mais dificultado e as condições serem mais exigentes, os valores que lhe forem apresentados pelas instituições podem (normalmente) ser negociáveis. Por vezes, a subscrição de produtos financeiros do banco pode contribuir para alcançar uma redução. Tenha porém cuidado. Antes de aceitar subscrever esses produtos, informe-se das suas características e dos riscos que podem envolver. Cabe-lhe a si decidir qual o prazo de duração do crédito. Um prazo mais longo permite uma prestação mensal mais baixa, mas sobem os encargos com os juros, o que significa que o crédito lhe ficará mais caro no final. A opção é sua, mas quer negoceie um empréstimo por 20, 30, ou 40 anos, tenha sempre em consideração as condições de amortização do empréstimo, pois pode acontecer que por razões fortuitas, ou programadas, esteja em condições de amortizar a dívida. Este aspecto é extremamente importante, pois em alguns casos as penalizações por amortização não justificam que o consumidor as faça. Finalmente, há que optar por uma taxa fixa ou variável. Estudos de algumas instituições financeiras revelam que quem há cinco ou dez anos optou pela taxa fixa está actualmente a pagar uma prestação mensal mais elevada do que quem optou pela taxa variável, pois os juros baixaram significativamente nos últimos anos. No entanto, de acordo com os analistas, com a tendência da subida das taxas de juro nos próximos anos, quem assinar agora um contrato de crédito para compra de casa, deverá apostar na taxa fixa. Neste caso, o melhor é pedir o conselho de um amigo que esteja familiarizado com estas questões ou, então, apostar na intuição. ABR 2010 |
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Boavida|À mesa
Caneja d’infundice, petisco estranho e raro Há pratos da nossa cozinha tradicional que colocam à prova a nossa curiosidade e os nossos preconceitos ou a falta deles.
David Lopes Ramos
embremo-nos dos caracóis, das tripas em geral e das tripas enfarinhadas em particular, das cabidelas e desta caneja d’infundice. Na gastronomia, como noutros domínios da nossa vida, não deve haver lugar para o preconceito, antes para a curiosidade e a abertura de espírito, quer dizer, do paladar. Em Portugal, no Alentejo interior, faz-se uma sopa com cação fresco, farinha de trigo, azeite, vinagre, alho, um ramo de coentros e de poejos e fatias finas de pão de trigo da véspera que deixará rendidos os paladares mais exigentes, sobretudo se identificados com os segredos da dieta mediterrânica. Ou o cação frito, temperado com massa de pimentão, alho e um pouco de vinho branco seco, que, comido frio, é um petisco de altíssimo coturno. Embora não seja problemático admitir que o tubarão ou seu familiar cação, à primeira vista, repugnam aos olhos, quanto mais ao paladar. Mas, como incitava um gastrónomo francês do século XVIII, “devemos provar tudo, com coragem e sem preconceitos”. Aceita-se e louva-se a imaginação culinária de uma região do interior onde já foi difícil, por insuficiência de vias de comunicação, fazer chegar os melhores peixes, terse apropriado de um bicharoco marinho mais resistente à decomposição fazendo dele um petisco muito apreciado. Estranho é que, numa conhecida praia do litoral português, muito rica em mariscos e peixes nobres, a Ericeira – localizada a 50 kms de Lisboa -, um parente do cação, a caneja, que dele se distingue por ter as barbatanas peitorais mais pequenas e apresentar, quer no dorso quer nos lados, pintas escuras, seja altamente considerada pelos pescadores locais, os quais, entre os petiscos da sua predilecção, têm uma sopa de lagosta. E com a agravante de a caneja não ser consumida fresca, mas depois de ser submetida a uma cura de uma semana, fazendo-a exalar um aroma muito intenso e característico, a que os locais
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ANDRÉ LETRIA
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chamam “infundice”, palavra que os dicionários registam com o significado de “barrela de urina, em que se põe de molho a roupa muito suja, para depois se lavar melhor”. De forma menos chocante, digamos que a caneja d’infundice liberta, antes da cozedura, um intenso cheiro amoniacal. Depois de apanhada, a caneja é amanhada e, tradicionalmente, embrulhava-se numa saca de serapilheira. Agora, usam antes panos brancos. Ao fim de três dias, tempera-se com um pouco de sal e volta-se a embrulhar repousando mais quatro ou cinco dias, findos os quais se junta mais um pouco de sal. Completada a semana de cura, que deve ser feita em local escuro ou mesmo enterrada, a caneja liberta o tal cheiro a amoníaco. Depois, em água abundante, coze-se a caneja que nesta operação fica com o cheiro a “infundice” muitíssimo atenuado. Serve-se com batatas cozidas, tudo temperado com azeite e vinagre. O resultado é um prato simples, de rusticidade marcada, no qual o cação tem um aspecto acinzentado e cheiro levemente amoniacal, sabor muito intenso e textura macia. Curioso é que o azeite, que é dourado, fica esbranquiçado e leitoso no contacto com a caneja.
As gentes da Ericeira – onde este prato é considerado uma raridade e, por isso, só é preparado por encomenda e em pouquíssimos lugares com porta aberta – sugerem que a caneja d’infundice seja acompanhada por um vinho tinto jovem, encorpado e taninoso. Cada garfada exige a companhia de um gole de tinto. Garantem que, mesmo um vinho de pouca qualidade ganha asas com a caneja. Esta será a opinião mais controversa de todas as que se relacionam com este petisco tão peculiar. Um vinho de pouco qualidade nunca deve chegar à mesa de pessoas decentes. Parece horrível a caneja d’infundice? Parece. Mas e a caça “mortificada”, a perdiz “só com o dedo no nariz”? E os queijos com bolores azuis de odores e sabores saponáceos, como os apreciadíssimos “Roquefort” e “Stilton”? Fernando Pessoa, após provar a Coca-Cola, terá comentado: “Primeiro estranha-se; depois entranhase”. Daí que não se deva desistir à primeira. Na Ericeira, há uma confraria da caneja d’infundice, que assumiu o encargo de preservar e divulgar este prato estranho e raro.
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Boavida|Livro Aberto
Cartaxo, Millás, Savage e os caminhos da narrativa e da memória Ao contrário do que algumas pessoas são levadas a crer, por leviandade ou ligeireza, o acto de escrever memórias é de uma extrema exigência, muito mais pelo retrato de época que nos facultam do que pelo modo como aquilo que pode definir-se como verdade nelas é tratado.
José Jorge Letria
em sempre os grandes comunicadores são grandes memorialistas, mas aquele de quem aqui se fala destaca-se nos dois registos comunicacionais. Refiro-me a António Cartaxo e ao livro “Quase Verdade Como São Memórias” (Edições Colibri), em que o jornalista e radialista que todos os dias nos fascina com o programa “Grandes Músicas” na Antena 1 e da Antena 2 da RDP nos convida para uma viagem com muitas e diversificadas escalas pela memória de décadas vividas em Portugal e no estrangeiro, designadamente no período em que foi uma das vozes de referência da Secção Portuguesa da BBC de Londres. Escritas com grande elegância e rigor, estas memórias são também um retrato impressivo de várias décadas de Portugal e um testemunho tocante sobre a paixão de um homem pela música que, ao longo de gerações, marcou a vida da sua família. Este é um livro de memórias sereno, de muito bom gosto, sedutor e polvilhado de subtil humor como são sempre as intervenções de António Cartaxo na rádio, quando nos lembra que “a música é um romance sem fim”. A não perder.
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JUAN JOSÉ MILLÁS é um dos grandes nomes da narrativa espanhola contemporânea, como poderá constatar quem ler “O Mundo” (Prémio Planeta 2007 e Prémio Nacional de Narrativa 2008), editado em Portugal pela Planeta, tal como “Os Objectos Chamam-nos”, que recentemente chegou às livrarias, revelando a capacidade prodigiosa que um homem que trabalha com as palavras tem de partir de objectos, lugares, nomes e lembranças para um processo de transfiguração e reinvenção por vezes onírica e sempre na vizinhança do maravilhoso. Millás, o mesmo que podemos ler como cronista inspirado, nas páginas da melhor imprensa espanhola, tem, como ficcionista, uma característica incontornável: os seus livros, sejam eles de contos ou tenham a extensão e o fôlego dos romances, partem sempre de uma memória pessoal, vivenciada e 60
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reverenciada por tudo o que de poético, simbólico e intemporal a habita. “Os Objectos Chamam-nos” é muito mais do que um livro de contos. É uma longa narrativa fragmentária em que o autor e a sua memória pessoal e afectiva estão presentes da primeira à última linha, muitas vezes em puro registo surrealista, como na história que começa assim: “Sonhei que comia umas cuecas com faca e garfo”. Da mesma editora e com um sublinhado forte para que o leitor não deixe passar a obra despercebida é o notável “O Grito da Preguiça”, do norte-americano Sam Savage, o autor de Firmin, também da Planeta, que, com uma engenhosa e bem urdida estrutura epistolar, constrói uma narrativa magistral sobre a vida literária, mas principalmente sobre a condição humana. A própria história de Savage constitui material de primeiríssima água para alimentar o trabalho literário, já que, depois de ter abandonado uma consolidada carreira de docente universitário, decidiu mudar de ramo e trabalhar como mecânico de bicicletas e até como impressor tipográfico, estreando-se aos 65 anos com “Firmin”, logo aplaudido pela crítica e bem recebido pelo público. “O Grito da Preguiça” confirma as melhores impressões deixadas pela obra de estreia. Ainda no domínio da ficção narrativa, destaque para a reedição pela D. Quixote do já clássico “O Outono em Pequim”, de Boris Vian, romancista, músico e crítico de jazz, letrista de canções e figura tutelar da vida intelectual parisiense do pós-guerra, de que de que despediu tragicamente aos 39 anos, quando o coração falhou de vez. Juntamente com “A Espuma dos Dias”, este é um dos seus grandes livros do autor e uma obra de referência da ficção europeia da segunda metade do século XX. Destaque especial, ainda no terreno da ficção narrativa, para os títulos “O Atalho dos Ninhos de Aranha” (Teorema), do italiano Italo Calvino, numa oportuna reedição, “Verão” (D. Quixote), do sul-africano já “nobelizado” J.M.Coetzee, “O Elmo do Horror”(Teorema), uma obra surpreendente e incata-
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logável de Victor Pelevin, e “O Holograma Único” (Teorema), da portuguesa Rose Nery Sttau Monteiro, distinguido com o Prémio FNAC/Teorema 2009. Distinguido com o Prémio Revelação APE/IPLB, “Uma Pedra Sobre o Rio” (Oficina do Livro), de Margarida Fonseca Santos revela o talento da autora como ficcionista, depois de ter obtido reconhecimento como autora de literatura para os mais jovens. Da mesma editora é “5ª Avenida”, de Candace Bushnell, um livro em que está presente o melhor e o pior da vida social da “cidade que nunca dorme”. Para quem quer saber mais sobre a estrutura, a génese e a forma de caracterização dos géneros literários, merece destaque o livro “Os Géneros Literários” (Europa-América), em que Yves Stalloni, catedrático da Universidade de Toulon nos diz o que é importante saber sobre narrativa, teatro e poesia. Um livro útil para professores e estudantes, para leitores exigentes e, já agora, também para escritores ou para, seguindo os ciclos da moda, os professores de escrita criativa. Lendo-se este livro, descobre-se o historial de cada um dos géneros em análise e também o modo como ele se materializa através de uma criteriosa selecção de exemplos práticos. Verdadeira e útil história portátil da filosofia, que vai de Aristóteles até aos mais representativos contemporâneos, é “100 Filósofos” (Teorema), que identifica com rigor e invejável clareza expositiva autores, ideias,
épocas e sistemas de pensamento. A não perder. Da mesma editora e a merecer indiscutível realce é o livro “Diário Volúvel”, do catalão Enrique Vila-Matas, um brilhante diário literário que é também uma reflexão viva, problematizadora e aberta sobre a própria literatura, ao nível do melhor que o escritor publicou até hoje. Ainda da mesma editora é “Gente da Idade Média”, um texto iluminador e incomum sobre o quotidiano das gentes medievais, não dos nobres, dos clérigos, dos grandes conspiradores e dos propagadores da fé, mas sim da gente vulgar e anónima que é decisiva para a história das mentalidades. ENTRANDO NO DOMÍNIO cada vez com mais leitores e
espaço no mercado editorial dos livros de auto-ajuda e de informação útil para tornar mais suportável o nosso quotidiano apressado, destacam-se, com a chancela da Academia do Livro, “Trabalhar Pouco e Bem”, do especialista de gestão de tempo e criatividade Jurgen Wolff, “Mente Brilhante”, 150 desafios para um cérebro rápido e eficiente, da autoria de Charles Phillips, “Super Crunchers-Super Analistas”, de Ian Ayres, docente e investigador da Universidade de Yale, que se propõe ajudar-nos a pensar melhor através dos números, “Você Precisa de uma Ideia !”, ou como tornar os seus sonhos realidade desde a ideia primordial até à conquista da fama e da fortuna, de Donny Deutsch, com Catherine Whitney, que analisa de forma séria um conjunto assinalável de casos de criatividade coroados de êxito, e ainda, no domínio da profilaxia médica “34 Copa B”, da médica especialista em Senologia, Ana Paula Avillez, que propõe ao leitor um guia prático sobre a mama, a saúde e a sexualidade. I ABR 2010 |
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Boavida|Artes
Cecília de Sousa A reinvenção da cerâmica Sob o título Memórias e Texturas a conhecida ceramista portuguesa Cecília de Sousa está a apresentar, até 30 do corrente mês, na Galeria Valbom, Lisboa, uma exposição das suas últimas produções artísticas.
Cecília de Sousa - base de roda de oleiro com tapadores de forno pintado
Rodrigues Vaz
ome incontornável da cerâmica contemporânea portuguesa, Cecília de Sousa (Lisboa, 1937) tem vindo a desenvolver uma obra atenta às potencialidades expressivas do material cerâmico. Explorando diferentes possibilidades tridimensionais, Cecília de Sousa reinventa a cerâmica, justamente conhecida como a arte do fogo, construindo tramas escultóricas de grande impacto, plenas de valores texturais. Vivendo e trabalhando em Lisboa, Cecília de Sousa tem tido actividade individualizada desde 1956, depois de um período de aprendizagem nos ateliers de Lino António e Manuel Cargaleiro. Realizou várias exposições em Portugal e no estrangeiro, com destaque para as realizadas no Museu Nacional do Azulejo em 1991 e 2004. Segundo Rafael Salinas Calado, o percurso que Cecília de Sousa traçou nesta última década e meia resultou numa profunda revolução de todo o seu processo criativo e no encontro com um mundo surpreendente de vigorosas experiências. «Através dum desenho fácil e expressivo estuda cuidadosamente todas as suas peças. Os seus trabalhos aumentaram muito de escala e ganharam a força profunda que lhes vem da génese da sua própria argila.»
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JOVENS IMPÕEM-SE
Entretanto, também há mais novos a começar a impor-se, como é o caso de Joana Gancho, que, depois da recentíssima Crise? Qual crise?, na Galeria Trema, em Lisboa, apresenta, até 25 do corrente, no Centro Cultural de Cascais, a exposição Is anybody home?, com trabalhos que dão expressividade a conteúdos urbanos relacionados com a ocupação do espaço por casas e pessoas animadas por um movimento interno que se abre a imaginários pertur62
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Pintura de Acácio Malhador e, ao lado, “Fantástica vista” de Joana Gancho
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badores da constatação visual. «O espaço surge como um elemento multiplicado, fracturado e expansível, permanecendo na fronteira entre o estável e o instável», informa e explica Susana Pires no texto ensaístico expressamente escrito para o catálogo. Por sua vez, Tiago Baptista (Leiria, 1986), após as reconhecidas participações no Anteciparte 2008 e no Premio Fidelidade Jovens Pintores 2009, no qual foi o vencedor, tem agora a oportunidade de mostrar individualmente, até ao próximo dia 17, os seus mais recentes trabalhos na Galeria 3+1 Arte Contemporânea, em Lisboa, subordinados ao título Um dia destes... As pinturas apresentadas revelam o interesse do artista pela exploração de situações absurdas e da dimensão trágica associada. A disposição das personagens em paisagens que evocam a pintura clássica e alguns dos Mestres que admira, reforça ainda mais a estranheza das histórias conta. PAISAGENS DESPOJADAS DE ACÁCIO MALHADOR
Outro é o registo de Acácio Malhador, que mostra, até dia 24, na Galeria Cidi Arte, Lisboa, Paisagens Despojadas, um título que diz tudo sobre o seu estilo e perfil. Servindo-se do abstraccionismo para salientar o lirismo da paisagem que adivinhamos alentejana ou pelo menos do Sul, Acácio Malhador mostra-se exímio na utilização da espátula e do óleo, plasmando emoções com sentidas cintilâncias. Como diz Albertina Estrela, «Como um músico de Jazz, Malhador gosta de escolher um tema e trabalha-o depois em variações sucessivas, nunca repetidas. (…) São temas do quotidiano, simples pretextos para uma pintura matérica, duma expressividade marcante, cujo sugestivo uso da cor e a construída ingenuidade do traço recordam muitas vezes as garatujas da infância e em que perpassa uma perspectiva ironicamente terna sobre o mundo e as pessoas.» JOALHARIA CONTEMPORÂNEA DE INÊS ALMEIDA
Servindo-se, por seu lado, da joalharia como trampolim para apresentar a sua criatividade, guindando o género a arte maior, a jovem Inês Almeida está a mostrar até ao final do mês, na Biblioteca Municipal de Alcochete, a exposição Longe, no Outro Lado, uma série de estórias escondidas através de pequenos objectos de adorno pessoal O trabalho da artista, que actualmente reside em Alcochete, onde desenvolve o seu trabalho em atelier próprio, remete-nos para um mundo poético, próximo da utopia, que virá de uma comunhão intensa com a natureza e os seus elementos e do contacto com os frutos da terra. I
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Boavida|Músicas
O veterano Peter Gabriel e a neófita Sabrina Starke Aqui se dá notícia dos CDs de um veterano e de uma neófita: “Scratch My Back” de Peter Gabriel e “Yellow Brick Road” de Sabrina Starke. Ouçamos atentamente.
Vítor Ribeiro
nunciado como se tratando da “primeira parte de um projecto que visa a troca de canções”, em “Scratch My Back”, Peter Gabriel reinventa temas de, entre outros, Radiohead, Neil Young, Lou Reed e Talking Heads. Para meter mãos à obra, o cantor recorreu à colaboração de John Metcalf, dos Durutti Column, Bob Ezrin, músico ligado a trabalhos de grupos “históricos” como os Pink Floyd ou Lou Reed e ao produtor Tchad Balke, cujo curriculum integra nomes como Tom Waits, Suzanne Vega e Sheryl Crow. Audacioso, Peter Gabriel decidiu não incluir nem guitarra nem bateria neste novo trabalho discográfico, criando sonoridades que, não poucas vezes, nos remetem para o universo da música sinfónica e em que a voz acaba por surgir como acessório pouco relevante. Não estamos, portanto, perante uma concessão à facilidade, pelo contrário. Do alto da sua veterania, o co-fundador dos Genesis deu-se ao luxo de elaborar um verdadeiro álbum de tese, apenas possível a quem, ao longo da vida, reflectiu profundamente sobre a função da música na sociedade dos nossos dias. “Scratch My Back” não será seguramente um fantástico sucesso comercial. Será, porém, uma obra de referência da música pop/rock.
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A SURPREENDENTE SABRINA STARKE
“Yellow Brick Road” é o título genérico do álbum de estreia da cantora e compositora Sabrina Starke. Nascida no Suriname, em 1979, e naturalizada holandesa, Sabrina vem engrossar a lista de intérpretes e autoras de uma geração de ouro, que integra, entre outras, Norah Jones, Corinne Bailey Rae, Joss Stone… Musicalmente, Sabrina move-se na área do soul/jazz/blues e é uma compositora perfeccionista, que trabalha exaustivamente, sem pressa, cada uma das suas canções. Entre os colaboradores de Sabrina conta-se o também compositor e produtor Billy Mann, responsável por trabalhos discográficos de intérpretes como Celine Dion, Carole King, Sting e Joss Stone. “Yellow Brick Road” integra 14 temas que nos revelam mais uma autora surpreendente e com anunciado bom futuro. I
DAVID FONSECA EM LISBOA E PORTO
O cantor e compositor David Fonseca actuará nos coliseus de Lisboa e do Porto, dias 9 e 16 de Abril, respectivamente. Estes espectáculos integram-se na digressão que o artista tem efectuado pelo País, para divulgação do mais recente trabalho discográfico “Between Waves”.
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Boavida|No Palco
Balada da Margem Sul Será que o racismo e xenofobia não serão mais do que a luta entre classes sociais, onde o fosso se torna cada vez maior. Numa cidade portuguesa, perigosa, um casal improvável. Poderá sobreviver o amor no meio da diferença? Maria Mesquita
balada da margem Sul”, em cena n’A Barraca, retrata uma região onde o desemprego abunda, os bairros sociais tornam-se abrigo das minorias raciais e de todos os outros grupos que não têm futuro num país deixado ao abandono. Falamos principalmente de jovens e não só apenas de adultos ou da população cada vez mais envelhecida. Nesta história ocorre uma combinação explosiva: a falta de oportunidades e dinheiro, e a cor da pele que irão dar forma aos chamados gangs. No meio de skinheads e negros, acaba por acontecer o impensável, quando Pedro, branco, se apaixona por Leonor, negra. Mas do que aqui se fala é da violência gratuita, mesmo que se tentem todos os esforços para que tal não aconteça. É uma questão de mentalidade, de se tentar ser superior ao “OUTRO” mas em termos sociais as coisas mudam de figura. Quando se tem dinheiro, ninguém é diferente de ninguém, somos todos iguais, todos temos as mesmas possibilidades, e a cor da pele deixa de ser importante. Um cinismo sem limites. Entre o texto escrito por Hélder Costa e as canções inéditas de Jorge Palma, resta acreditar que um dia tudo será possível… Na primeira semana de Abril não haverá espectáculo porque a companhia estará em digressão na Suíça.
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FICHA TÉCNICA:Autoria: Hélder Costa; Música: Jorge Palma; Coreografias: Célia Alturas; Movimento, Lutas, Vídeo e Making of: Fernando Cardoso (Nani); Apoio de Lutas: José Reis e Chullage; Vozes: Paulo Serafim; Interpretação: Elenco da Barraca
Miserere iserere”, compilação de textos de Gil Vicente escolhidos por Luis Miguel Cintra, estará em cena até 23 de Maio, na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II, revelando o poder da Igreja sobre o Homem, na sua luta interna contra o pecado, desejo e culpa. Entre os vários Autos que o notável dramaturgo qui-
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nhentista escreveu, talvez poucos se destaquem tanto como o Auto da Alma, um bonito e brilhante texto de Gil Vicente que, na maioria das vezes, escapa à nossa leitura atenta e a uma interpretação deveras realista e honesta do que o autor pretende. Sem dúvida que se identifica como texto religioso, mas ainda assim, qual dos Autos não o é? Exactamente por isso, esta encenação de Luis Miguel Cintra, numa co-produção com o TNMII, onde irão ser representados vários excertos de textos de Gil Vicente, quer-se menos pesada no seu contexto e conteúdo litúrgico, sendo que para tal, os vários actores em palco, várias personagens, devem traduzir para o mundo moderno a noção de culpa e pecado inerentes ao Homem. FICHA TÉCNICA: Encenação e Colagem de textos: Luis Miguel Cintra; Cenário e figurinos: Cristina Reis; Desenho de luz: Daniel Worm D’Assumpção; Elenco: Dinis Gomes, Duarte Guimarães, João Grosso, José Airosa, José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luis Miguel Cintra, Ricardo Aibéo, Rita Blanco, Sofia Marques e Vítor de Andrade; Co-produção entre o Teatro Nacional D. Maria II e Teatro da Cornucópia
Uma Família Portuguesa alardoada no ano de 2008 com o Grande Prémio de Teatro Português promovido pela SPA e pelo Teatro Aberto, está em cena na, na sala da Praça de Espanha, a peça “Uma Família Portuguesa”, de Filomena Oliveira e Miguel Real, com encenação de Cristina Carvalhal. A peça apresenta-nos uma família portuguesa composta por três gerações. A casa onde habitam era propriedade do falecido patriarca de cuja presença não se conseguem libertar. Integrando referências musicais, literárias e plásticas da segunda metade do século XX a encenação de Cristina Carvalhal convoca um imaginário com o qual todos os portugueses se poderão identificar.
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FICHA TÉCNICA: Encenação: Cristina Carvalhal; Cenário e figurinos: Ana Vaz Luz: Melim Teixeira; Música: João Gil; Apoio ao movimento: Margarida Gonçalves Elenco: Bruno Simões; Carlos Malvarez; João Maria Pinto; Luisa Salgueiro; Teresa Faria. ABR 2010 |
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Boavida|Cinema em casa
Liberdade, Liberdade Para o mês da Liberdade reservamos quatro excelentes filmes: a comédia “Julie e Julia”com a consagrada Merryl Streep; o regresso de Michael Moore com “Capitalismo, Uma História de Amor”; Paolo Sorrentino num retrato de Giulio Andreotti com “Il Divo”; e uma fábula para toda a família: “ A Cidade das Sombras”, que teve passagem discreta pelas salas nacionais. Sérgio Alves JULIE E JÚLIA
Stanley Tucci, Chris Messina,
actual da especulação finan-
Bonaiuto, Giulio Bosetti, Flavio
Esta é a história de duas mu-
Linda Emond; EUA, 123m, cor,
ceira e bolsista que conduziu
Buuci, Carlo Buccirosso;
lheres: Júlia Childs, que chega
2009; EDIÇÃO: Sony Pictures
ao desemprego de milhões de
Itália/França, 110m, cor, 2009;
pessoas e ao fim dum sonho.
EDIÇÃO: Alambique
a Paris em 1948 com o seu marido, Paul (Stanley Tucci),
CAPITALISMO – UMA
diplomata norte-americano, e
HISTÓRIA DE AMOR
Love Story; REALIZAÇÃO: Michael
A CIDADE DAS SOMBRAS
de Julie Powell, jovem adminis-
O mais recente e igualmente
Moore; Documentário; EUA,
A Cidade das Sombras, uma
trativa que quer seguir, meio
polémico trabalho de Michael
127m, cor, 2009; EDIÇÃO: Prísvideo
fábula sobre a condição
século depois, as
Moore prossegue a linha dos
pisadas gastronómi-
seus filmes anteriores: Bowling
IL DIVO
da Play Tone (produtora de
cas de Júlia. Esta é
for Columbine (2002, Óscar de
Centrado na carreira e queda de
Tom Hanks e Gary Goetzman),
atraída pela cultura
Melhor Documentário),
Giulio Andreotti, senador vitalí-
com um belo argumento de
francesa, em parti-
Fahrenheit 9/11 (2004, Palma
cio e destacado político nos 44
Caroline Thompson (Eduardo
cular pela sua gastronomia, e o
de Ouro em Cannes) e Sicko
anos de domínio da
Mãos de Tesoura) e assinado
filme mostra a sua rápida
(2007, vários prémios e
Democracia
por Gil Kenan – realizador con-
evolução - de gourmet a chef
nomeação para Óscar de me-
Cristã em Itália,
vidado por Steven Spielberg e
principal e autora de um best-
lhor documentário). Panfletário
o filme – com
Robert Zemeckis para realizar A
seller. Entretanto, num
e demagógico para uns, mas
um trabalho
Casa Fantasma. A autora da
pequeno apartamento de
atento e assertivo para outros, o
incrível de
obra, Jeanne du Prau, diz-nos
Gotham, em 2002, Julie (Amy
realizador, do Michigan
Vittorio Sodano
que a história nasceu das suas
Adams) inquieta com a chega-
(coração industrial dos EUA)
na caracteriza-
memórias: a década de 1950, a
TÍTULO ORIGINAL: Capitalism – A
humana, chega-nos pela mão
da dos 30 anos, inicia esta odis-
nascido nos
ção do protagonista (que valeu
guerra fria e a
seia: de dia é funcionária gover-
anos 50 - época
uma nomeação para os
ameaça global
namental, á noite cozinha e dá
dourada do
Óscares) e um excelente desem-
de extinção na
corpo ao seu blogue de
Capitalismo
penho de Toni Servillo como
Terra da vida
culinária em homenagem a
americano
Andreotti - dá-nos um retrato
humana. Com
Julia Childs - um projecto
durante a qual
notável do confronto político,
um universo
único: cozinhar, durante um
as famílias americanas viram a
judicial e mediático da Itália
visual impressionante, um
ano, todas as receitas incluídas
sua qualidade de vida melhorar
das décadas finais do século
ritmo vivo, uma boa banda
no livro e escrever um livro
de forma impressiva - assina
XX, onde avultam os assassi-
sonora e, acima de tudo, um
com base nessa experiência.
um excelente trabalho de
natos de Aldo Moro, Roberto
elenco de qualidade (Bill
Nora Ephron, que já assinou
memória e crítica ao estado
Calvi ou do juiz Giovanni
Murray, Tim Robbins, Martin
Sintonia de Amor (1993), Você
actual da economia norte-ame-
Falcone, o sétimo governo de
Landau e Saoirse Ronan), A
tem uma Mensagem (1998) ou
ricana. Combinando imagens
Andreotti e o seu derrube em
Cidade das Sombras é uma re-
Bewitched (2005), dirige esta
de arquivo dos últimos 50 anos
face das alegadas ligações à
velação.
história de duas mulheres com
da história norte-americana
Mafia, o escândalo “Tangen-
TÍTULO ORIGINAL: The City of
elegância, humor e autentici-
com imagens e situações actu-
topoli” e a queda de outros
Ember; REALIZAÇÃO: Gil Kenan;
dade, apoiada numa dupla de
ais decorrentes da crise finan-
políticos envolvidos. Foi
COM: Saoirse Ronan, Harry
actrizes em grande forma.
ceira de 2008, Moore leva-nos
prémio da crítica em Cannes.
Treadaway, Tim Robbins, Bill
TÍTULO ORIGINAL: Julie and Júlia;
numa viagem pessoal, desde a
TÍTULO ORIGINAL: Il Divo;
Murray, Martin Landau; EUA,
REALIZADOR: Nora Ephron; COM:
sua infância na próspera
REALIZAÇÃO: Paolo Sorrentino;
90m, cor, 2009; EDIÇÃO: Zon
Meryl Streep, Amy Adams,
América de Eisenhower à crise
COM: Toni Servillo, Anna
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Boavida|Grande Ecrã
O peso da memória Galardoado com o Óscar de “melhor filme estrangeiro”, “El Secreto de Sus Ojos”, do argentino Juan José Campanella, inscreve-se no clima narrativo do “thriller” romântico de suspense e é um drama de investigação centrado num homem que reabre a história de um crime de que foi testemunha nos anos da ditadura militar.
Joaquim Diabinho
lado mais interessante do filme reside não apenas na perfeita definição (da profundidade) dos personagens e das relações que estabelecem entre si mas, sobretudo, na capacidade de gerir as atmosferas a cada momento, sem se perder nos labirintos que o argumento potencia. O lado menos interessante parece residir num menos conseguido domínio do estilo narrativo o qual é, apesar de controlado e eficaz, representa uma fragilidade (p.ex., uma ponta de ambiguidade por força da carga dramática) que caracterizam o seu cinema anterior. De todo o modo, veja-se, por outro lado, como Campanella faz uso contido do humor e da ironia e como a sua atenção se vira, em particular, para a velha questão das “feridas do passado e dos fantasmas impossíveis de redimir”quando é o futuro que (se) pode mudar. Essa é a aposta – ganha – que se propõe à sensibilidade dos espectadores. Finalmente, uma constatação simples: com “El Secreto de Sus Ojos” o cinema argentino - tal como o chileno, o peruano e uruguaio - prova estar cada vez mais em boa forma de competir com a totalidade das melhores cinematografias, designadamente a “omnipresente” norteamericana e, em particular, as europeias.
O
EL SECRETO DE SUS OJOS
de Juan José Campanella (Argentina/Espanha, 2009 | 2h09) com Ricardo Darín, Soledad Villamil, Pablo Rago (data de estreia prevista: 29 de Abril)
Fantasporto: por muitos anos e bons a passagem dos seus 30 anos, impõe-se, em jeito de homenagem, saudar aquele que é considerado ainda hoje o máximo evento da cultura fílmica desde
N
1980 em Portugal e um dos festivais mais importantes do género no Mundo. Não se trata de espanto nem pelo seu gigantismo nem pela determinação inabalável do Mário Dorminsky e da sua equipa, e ainda menos de festejo perante o reencontro anual de público aos milhares com a modalidade de espectáculo cinematográfico que a muitos é (tem sido) particularmente grata. Trata-se, isso sim, é de reconhecer a importância do Fantasporto – Festival Internacional de Cinema do Porto – como um empreendimento capaz de mobilizar o entusiasmo das novas gerações sem deixar de atender aos novos padrões de gosto e moda do cinema actual, sem abdicar um milímetro dos clássicos, dando também a ver autores contemporâneos menos (re)conhecidos. O saldo é, por isso, entusiasmante, como diria o saudoso Pedro Bandeira Freire... I ABR 2010 |
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Boavida|Tempo informático
Tecnologia para todos Felizmente que existe a preocupação de várias entidades, organismos e algumas empresas em proporcionar meios ou dispositivos que possam alcançar grupos etários ou pessoas com certas dificuldades especiais de modo a que as novas tecnologias não lhes passem ao lado. Isso está bem patente na criação do projecto INATEL_Net com espaços de formação ou simples consulta em todos os Centros de Férias desta Fundação. Trazemos aqui mais alguns exemplos.
Gil Montalverne
ajuda@gil.com.pt
Microsoft Portugal, em conjunto com a CGD – Caixa Geral de Depósitos, a RUTIS – Rede de Universidades para a Terceira Idade e a Inforlândia, fabricante nacional de computadores, juntaram-se para criar a iniciativa Activo PC Sénior que visa criar uma solução tecnológica para responder às necessidades da população sénior nacional. Estão desde já disponíveis para os clientes da CGD e alunos dessas universidades quatro modelos de computadores pessoais portáteis concebidos especialmente para o público sénior,
A
com garantia de funcionamento e um amplo conjunto de conteúdos destinado a aumentar os conhecimentos nesta área digital e a sua capacidade para tirar partido dos equipamentos. O preço varia entre 299 e 799 Euros, de acordo com a exigência escolhida existindo igualmente uma garantia de financiamento. Todos os modelos foram especialmente concebidos de modo a facilitar a sua utilização pelos seniores e nomeadamente a possível inclusão de software específico para pessoas com necessidades especi-
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ais. O teclado é constituído por teclas ampliadas e o rato é ergonómico e programável para facilitarem não só a leitura e escrita como o movimento das mãos. Também para facilitar a sua utilização por deficientes visuais, existem hoje telefones com teclas muito ampliadas e algarismos bem visíveis além de 3 teclas programáveis para destinatários fixos (Tel. SAGEM – NETBIT) e telemóveis com amplo visor de algarismos bem destacados (SeniorPhone – AEG) A EDITORA 101 NOITES é umas poucas editoras que em
Portugal acolheu com entusiasmo a edição de Audiolivros. Estes são constituídos por adaptações de obras de grande valor literário e cultural em formato digital MP3 lidos por vozes bem timbradas de actores ou locutores que todos conhecemos. Usando os vulgares CDs, é uma forma muito eficiente e cómoda para o comum dos cidadãos, sobretudo os que têm dificuldades de visão ou mesmo invisuais, de recordar ou ficar a conhecer obras de autores consagrados como é o caso de Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Fialho de Almeida, Florbela Espanca ou Oscar Wilde. No momento em que aparece no cinema o mundo de Alice no País das Maravilhas em realização de Tim Burton, a 101 Noites dá a conhecer o original em versão audiolivro juntamente com um guia de A a Z onde se fica a saber muito mais sobre o clássico da autoria de Lewis Carroll e que é sem dúvida não apenas um livro para crianças mas um livro para adultos que revisitam o mundo daquela criança que já foram em tempos. Muito da Lógica a que o autor, professor em Oxford, dedicava a sua carreira, está indelevelmente passado para o seu fantástico romance.I
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Boavida|Ao volante
Duster, o novo modelo 4x4 da Dacia O escritor francês François la Rochefoucauld defendia que havia duas espécies de curiosidades: “uma, que nos vem do interesse, leva-nos a querer aprender e que nos pode ser útil, e a outra, que nos vem do orgulho, leva-nos a querer saber o que alguns ignoram”.
Carlos Blanco
epois do Logan, Sandero, Logan MCV e dos comerciais ligeiros Logan van e Logan pick-up, a Dacia entra no mercado dos 4X4 com o Dacia Duster. Com o Duster, a Dacia demonstra que é possível conceber um automóvel todo-o-terreno funcional e, ao mesmo tempo, acessível e respeitador do ambiente. A marca Dacia que, com o lançamento do Logan, em 2004, foi capaz de criar uma nova relação com o automóvel, volta a demonstrar a sua capacidade para modificar os conceitos pré-concebidos. Na relação preço-qualidade, o novo Duster pode vir a tornar-se uma revolução comercial na sua categoria. Anunciado como o primeiro carro do género a “preços baixos”, o Duster tem 4,3m de comprimento e 1,82m de largura o que o coloca na faixa dos veículos compactos. Possui um chassis com altura ao solo superior a 200mm, 30 graus de ângulo de ataque (frente) e 35 graus de ângulo de fuga (traseira). A Dacia, que pertence à marca francesa Renault, anuncia motorizações de baixo consumo e baixas emissões de CO2. As versões diesel 1.5 dCi de 85 cavalos, ou de 105 cavalos de potência, emitem menos de 140g CO2/Km na versão 4X2 e menos de 150g CO2/Km na versão 4X4. O motor a gasolina é um 1.6 de 16 válvulas que debita 110 cavalos de potência. O sistema de tracção na versão 4X4 possui um só comando para os três modos de selecção: no AUTO, em que a repartição da força (sistema Nissan) entre o eixo dianteiro e o traseiro é feita automaticamente de acordo com as necessidades. Em condições normais, a tracção é feita só pelas rodas dianteiras. Em caso de necessidade, passa para uma distribuição que vai até aos 50% para cada um dos eixos; no LOCK, em que o condutor tranca electronicamente o modo 4X4, transferindo em permanência 50% para o eixo traseiro; no 4X2, a transmissão é trancada só em duas rodas motrizes. O carro tem capacidade para cinco pessoas, e uma bagageira com capacidade de 475 litros, extensível até aos
D
1.600 litros com o rebatimento do banco traseiro. Graças à experiência da Reanult, o Dacia Duster beneficia de todos os modernos requisitos de segurança, como airbags frontais e cinto de segurança com pré-tensores, airbags laterais, distribuição electrónica de travagem e ABS. O projecto do Dacia Duster teve origem numa simples constatação: a procura, em todo o mundo, de modelo 4X4 de grande habitabilidade, robustos e acessíveis. Assim, o grupo Renault decidiu criar um automóvel todo-o-terreno, de vocação mundial e com as necessidades específicas dos clientes da Europa Ocidental. O sucesso da Dacia na Europa demonstra a existência de um vasto grupo de clientes à procura de um automóvel moderno e fiável, mas, ao mesmo tempo, acessível. A actual oferta de modelos 4X4 e SUV, ainda que bastante vasta, deixa vazio um segmento de automóveis todo-oterreno funcionais e acessíveis em preço, privilegiando modelos de preço elevado e que, muitas vezes, não possuem quaisquer características para a prática de todo-oterreno. O Duster é fabricado na unidade romena da marca em Pitesti e será comercializado em toda a Europa já nesta Primavera. De forma a tornar imediatamente perceptível o sue elevado nível de qualidade, o Dacia Duster tem uma garantia de três anos ou 100.000 Km. I ABR 2010 |
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Boavida|Saúde
A dor nas costas A dor nas costas é talvez a queixa mais frequente nas consultas de clínica geral e constitui também um enorme desafio para os médicos, pois pode dever-se a variadíssimas causas, para além das mais óbvias, ou seja, as relacionadas com doenças da coluna vertebral.
M. Augusta Drago
medicofamília@clix.pt
s diversos estudos efectuados sobre esta patologia apontam para uma prevalência que está directamente relacionada com a idade. É ligeiramente mais frequente nas mulheres por volta dos 40 anos, mas depois dos 50 anos afecta um pouco mais os homens. Também é curioso observar que, quando interrogadas sobre se já sofreram alguma vez de dores nas costas, cerca de 17-30% das pessoas inquiridas dizem que têm dores nas costas naquele preciso momento, 19-43% dizem ter sofrido no último mês e 60-80% revelam ter tido pelo menos uma vez ao longo da vida. Acreditamos que os restantes 20% também tiveram pelo menos um episódio de dores nas costas. Porém, devem-no ter esquecido ou não o relatam, por não o considerarem suficientemente importante. Tudo isto para concluir que, mais cedo ou mais tarde, todos nós iremos sofrer de dores nas costas. Para além da idade, o tipo de actividade laboral também pode constituir um factor de risco, assim como as actividades que exigem grande esforço físico com stress sobre a coluna e movimentos repetitivos, que contribuem para acelerar as alterações degenerativas dos tecidos que constituem a coluna vertebral e levam ao desgaste das vértebras, ao aparecimento de hérnias dos discos intervertebrais e, por vezes, a rotura de ligamentos articulares. Porém, estes processos não são lineares. Nem todas as pessoas têm o mesmo desgaste face a determinada actividade. Há um elevado grau de variabilidade. É como se cada pessoa tivesse à partida um determinado padrão de resistência e até mesmo um intervalo de conforto, durante o qual a sua coluna se mantém funcional e sem queixas. Os problemas vêm quando se ultrapassa esse intervalo de conforto e se avança sobre a reserva de energia, que é limitada e única para cada pessoa. Cabe a cada um de nós saber até onde pode
O
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ir e não abusar das suas próprias forças. A resistência física e a força muscular são, dentro dos limites de cada um, algo mutáveis no nosso organismo e que podem, em tempo oportuno, melhorar com uma alimentação saudável, treino físico e controlo do peso. Como atrás foi dito, a queixa de dor nas costas é um enorme desafio para qualquer médico, sobretudo quando resiste ao tratamento inicial e tende a tornar-se crónica. É sempre uma tentação para o médico, e uma consolação para o doente, atribuir a causa da dor às alterações degenerativas visíveis no RX. Acontece que esta questão também não é linear. As alterações degenerativas da coluna são consequência do normal envelhecimento, pelo que estão presentes, a partir de uma certa idade, em todos os exames radiográficos. A questão põe-se no facto de existirem, quase sempre, outros factores envolventes, que são determinantes no surgimento das queixas e que são fundamentais para uma abordagem correcta da dor, evitando a repetição de exames complementares e o recurso a medicamentos mais agressivos. A propósito, recordo uma doente que me procurou, há já algum tempo, com queixas de dores nas costas. Referiu que a dor tinha tido início durante uma noite em que pouco dormira, pois estava muito preocupada com a neta. Examinei a Sra. F. e esta fez os exames complementares que evidenciaram a presença de várias pequenas hérnias discais na coluna lombar. Enviei a doente para a consulta de especialidade e ela iniciou o tratamento que lhe indiquei, enquanto esperava a referida consulta, mas sem grande resultado. Durante esta fase da sua vida, a Sra. F. veio várias vezes à consulta por diversos motivos, mas a dor nas costas não melhorava e, por isso, fui modificando a terapêutica, no intuito de lhe aliviar as dores, mas sem obter melhoria significativa. Só então tomei conhecimento que a neta da Sra. F. era uma jovem que terminara a sua licenciatura havia mais de um ano e que desde então procurava o primeiro emprego. A Sra. F. criou aquela neta desde pequena, porque os pais, emigrantes, a tinham deixado com ela. Falámos sobre esse assunto diversas vezes e pareceu aliviada por partilhar as suas preocupações comigo, mas não havia maneira de melhorar das dores nas costas… Até que um dia apareceu no meu consultório, sem consulta marcada e visivelmente satisfeita, só para me dizer que a neta tinha finalmente sido chamada para um “emprego”, havia já um mês, e que estava muito contente. «E as dores nas costas?», perguntei-lhe eu. «Nunca mais tive nada», respondeu-me ela a sorrir. I ANDRÉ LETRIA
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Boavida|Palavras da Lei
Bens próprios em caso de celebração de casamento ?
Vivo com a minha companheira, em união de facto, numa habitação que
só está em meu nome. Se me casar, esta casa passa a ficar em nome dos dois? Por outro lado, a minha companheira também possui uma outra habitação, que está a pagar ao Banco; e eu herdei ainda outra habitação. Sobre este conjunto de bens teremos alguns direitos, após um eventual matrimónio? António Sobreiro Gomes – Quinta do Conde
Pedro Baptista-Bastos
s questões deste sócio dizem respeito a uma eventual passagem para a esfera jurídica comum do matrimónio, de bens próprios de cada um deles. Partindo do princípio que celebram o matrimónio sem convenções antenupciais, nem escolha dos regimes de separação de bens e de comunhão geral, a nossa Lei diznos que o casamento é celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos – artigo 1717º do Código Civil. Se assim o celebrarem, a resposta a todas estas questões é negativa. Com efeito, o artigo 1722º, nº 1, alínea a) responde-nos a todas estas questões, ao determinar que, após o casamento, serão sempre bens próprios dos cônjuges todos aqueles que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento, quer esses bens tenham sido adquiridos ou compra, ou por virtude de herança. Os bens que cada um deles tiver como seus que estejam registados em seu único e exclusivo nome, ou que tenham herdado, ou que lhes tenham doado em nome próprio, isto é, tudo o que for da sua propriedade até ao matrimónio, são sempre bem próprios. A Lei é clara neste aspecto.
A
No entanto, há meios legais em que algum ou alguns desses bens próprios podem ser transmitidos para a esfera do outro cônjuge; são os casos em que se pode ou doar algum bem, ou passar para um regime de compropriedade, ou deixar testamento. Como falamos de bens imóveis, relembro que, mesmo que se escolha uma das habitações próprias como casa de morada de família, em caso de falecimento do cônjuge proprietário, o cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado na partilha que se fizer, sobre o direito de habitação na casa de morada de família e respectivo recheio – artigo 2103º-A, nº 1 do Código Civil. Assim, mesmo que não passe a sua habitação para uma eventual compropriedade, existe esta atribuição preferencial. I ABR 2010 |
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ClubeTempoLivre > Passatempos Palavras Cruzadas | por José Lattas
HORIZONTAIS: 1-Conversas; Lâmina de vidro, usada para observações ao microscópio. 2-Apuras; Tanso. 3-Infiltração de serosidade nos tecidos dos organismos, produzindo inchação; Medida agrária; Cheiro. 4-Eia!; Pequeno instrumento, com que se assobia; Usa-se para saudar alguém. 5-Abreviatura de assunto; Espécie de albufeira; Agastamento; Prefixo que indica igualdade. 6-Adaptação às circunstâncias, para delas beneficiar. 7Contracção de preposição e artigo; Reboca; Apelido; Cobalto (s.q.). 8-Aparência; Senhora (Bras.); Roda. 9-Falha; Amamente (inv.). 10-Tempo; Aviso; Associação Portuguesa de Escritores (sigla). 11-Migalha; Mamífero carnivoro da América do Sul; Embater, sem princípio. 12-Enfraquecimento; Pequena mala. 13-Chucha; Teatro lírico de Milão; Suf. nom. de origem grega, que expressa a ideia de doença (pl.).
1
2
3
4
5
6
7
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9 10 11 12 13 14 15
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 SOLUÇÕES 1-PROSAS; LAMELA. 2-REFINAS; PATETAS. 3-EDEMA; ARE; AROMA. 4-ENA; APITO; OLA. 5-ASS; RIA; IRA; ISO. 6-L; OPORTUNISMO; R. 7-AO; ATOA; GAMA; CO. 8-CARA; SIA; ARCO. 9TARA; B; N; F; EIRC. 10-ERA; CAUTELA; APE. 11-MIGA; TAIRA; ATER. 12-ANEMIA; M; MALOTE. 13-MAMA; SCALA; OSES.
VERTICAIS: 1-Soldo diário dos soldados; Flanco; Dividem. 2Armadilhas; Pequeno instrumento de sopro, com vários orifícios, cujos sons se assemelham aos da flauta. 3-Ofendido; Viração. 4-Camada hipotética da Terra, de natureza essencialmente basáltica; Preposição; Governanta. 5-Nome feminino; Direcção. 6-Apelido; Arau; Gratificações. 7-Bermas; Uma. 8Graceja; Entranhada. 9-Sardinha muito pequena; Érbio (s.q.). 10-Nota musical; Língua falada no Nordeste da Índia; Chama. 11-Amarra; Pieira. 12-Único; Ensejo; Para barlavento. 13Natural da Etólia, antiga comarca da Grécia; Taça com asa, usada pelos Romanos, para deitar vinho nos copos. 14-Barros; Colete. 15-Alça; Rezo; Deusa da agricultura, entre os Romanos.
Ginástica mental| por Jorge Barata dos Santos
N.º 15 Preencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado
N.º 15
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SOLUÇÕES
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ClubeTempoLivre > Cartaz
Taveiro; dia 17 às 17h –
Desp. e de Solidariedade de
para todos os atleta, decorre
Concerto de Aniv. da
Vinha de Rainha.
pelos arruamentos da
Escola de Música
Associação Filarmónica
Iniciação Musical e Piano,
Adriano Soares no CCR de
“Astronauta” e “Loja do Sr.
Viola e Violino, Pintura,
Vilela; dia 18 - Jazz + Contem-
Francisco” e comédia “A
Voleibol
Bordados Regionais e
porâneo - II Encontro a Dois
descoberta do Dr. Quaresma”
Dias 9, 16, 23 e 30 –
Confecção, informações na
no Auditório da Filarmónica
na Associação de
decorrem várias jornadas da
Agência Inatel.
de Covões; dia 24 às 21h -
Solidariedade Social dos
Liga Voleibol, informações na
Pesca
Café Concerto pela Banda
Carapelhos e Corticeiro de
Agência Inatel.
dia 18 – prova de pesca de
Anonimus em Taveiro; dia 25
Cima.
água doce na Pista de Prado.
às16h - Banda da Escola de
Música da Quinta do Picado e
Palheiro na sede do Grupo
Dia 18 – 3ª Prova do
Filarmónica União Taveirense,
de Teatro da Assoc.
Campeonato distrital de Mar
em Taveiro; dia 30 às 22h -
Instrução e Recreio 1º de
no Bico da Lusitânia,
Cinema
Homenagem ao
Maio Alfarelense; opereta
Figueira da Foz.
Exibição de filme – dia 9 às
Associativismo no Concelho
“Marias de Portugal” na
20h30 no Centro Apoio Rural
de Cantanhede, no Auditório
Cordinha; Farsa de Inês
Rolamentos
Carrazeda de Ansiães, dia 10
do Largo de Santo António.
Pereira em Enxofães.
Dia 18 - IV G.P. Sobral Power,
às 21h no A.C.D. Codeçais;
Evento
dia 24 às 21h30 no Auditório
Comemorações 25 Abril –
“Casa com escritos” na sede
de Alfândega da Fé, dia 25 às
concerto de Aniversário, às
do Rancho Juvenil de Côja.
15h no Auditório de Miranda
17h, pela Associação
do Douro.
Filarmónica de Arganil em
da Filarmónica União
BTT e Pedestrianismo
Arganil; concerto da
Taveirense, em Taveiro.
dia 18 - 5ª Rota da
Liberdade, às 16h, pela
Liberdade, informações na
Sociedade Musical
“Hotel sarilhos” no Centro
Ribeira de S. Cristóvão
Agência Inatel.
Recreativa Instrutiva e
Social e Polivalente de
(Montemor-o-Novo),
Beneficente Santanense em
Ourentã; comédia “O noviço”
informações na Agência
Santana e concerto da
na sede do Grupo de Teatro
Inatel em Évora e em: caminheirosevora@sapo.pt
BRAGA
BRAGANÇA
BEJA
dia 11às 21h30: farsas
dia 17 às 21h30: O
dia 18 às 16h – comédia
dia 21 às 21h30 – 141º Aniv.
dia 24 às 21h30: comédia
freguesia de S. M. Bispo.
Pesca de Mar
Carros de Rolamentos, em Sobral Ceira.
ÉVORA Pedestrianismo Dia 18 - Passeio Pedestre na
Liberdade, às 21h, pela
Amador do Centro Cult. e Recr.
Escolas de Lazer
Filarmónica Boa Vontade
da Praia de Mira; comédia “O
Iniciação à Pintura (sexta-
Lorvanense, em Lorvão.
cão e o gato” na Casa do Povo
Malha
de Tábua; sátira “Histórias
Dia 11 - Trofeu Malha em Vila
feira às 15h), Atelier de Artes Plásticas (quarta-feira às
Teatro
com reis, curandeiros e outros
Viçosa; dia 17 - Troféu da
15h); Dança do Ventre (terça-
20º Ciclo de Teatro da
que tais…” na Associação
Malha no Rosário.
feira às 18h) e Aulas de
Primavera
Sócio Cult. Recreio e Desp.
Preparação para o Parto
(segunda e sexta às 17h).
Tragicomédia “A birra do
morto” na sede do Grupo
de Inês Pereira na Agência
Evento
Folclórico e Etnog. de Arzila;
INATEL em Coimbra.
Encontro de Música
COIMBRA
dia 10 às 21h30:
dos Pereiros.
FARO
dia 30 às 21h30 – a Farsa
comédia “Hotel sarilhos” na
Tradicional e Popular
Música
Casa do Povo de Abrunheira;
Folclore
Português - dia 17 às 11h
Dia 10 às 21h - Orquestra de
comédia “Mosquitos por
Dias 2 e 11 às 18h – Enterro
colóquio “Música Tradicional
Cordas do Conservatório de
cordas” na Associação de
do Bacalhau em Casconha;
e Popular Portuguesa”,
Coimbra em Taveiro e
Moradores de Casal de S.
dia 10 às 21h30 – Encontro de
almoço e, às 15h30, encontro
XI Encontro de Coros no Cine-
João (Arganil); opereta
Grupos de Cantares em Côja.
de musica com participação
Teatro dos B.V. de Condeixa-a-
“Marias de Portugal” na sede
Nova; dia 17 às 21h - Café
do Rancho Folclórico de
Atletismo
Coral Adágio, Cantares “Fonte
Concerto pelo Grupo “Dixie
Pouca Pena; comédia “O
Dia 18 – Grande Prémio de S.
Nova” e “As Harmónicas de
Gringos Jazz Band” em
noviço” na Associação Cult.,
Martinho do Bispo, prova
Ponte de Sor”.
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de grupos: Coral de Portimão,
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festival e peça “Birra do
PORTO
VIANA DO CASTELO
Pintura
Cinema
de Nós de Ermesinde, no
Dias 11 a 31 – exposição de
Filme “O Julgamento” – dia
Auditório Municipal de Alijó;
pintura “Hamonah” por Lara
10 às 21h30 na Associação
dia 18 às 15h30 – peça “E
Salgueiro, na Agência Inatel
Desp. Recr. e Cult. “Estrela
Tudo Minha Sogra Tramou”
no Porto.
de Monção”, dia 23 às 21h30
pelo Gr.Teatro do Centro
no Grupo Folclórico de
Cultural Lordelense na Casa
Campeonatos
Ganfei, dia 24 às 22h no
do Povo da Campeã; dia 24
Teatro
Decorrem várias provas de
Grupo Folclórico das
às 21h30 - peça Jorge
Dia 10 às 15h30 – peça
Pesca de Mar, Futsal,
Bordadeiras da Casa do Povo
Dandino ou um Marido
infantil “As Princesas
Voleibol, Basquetebol e
Cardielos, dia 25 às 22h no
Confundido, de Moliére, pelo
Esquecidas” pelo AXPRESS
Andebol e Ténis de Mesa,
Grupo Recr. e Cult. dos
Teatro Experimental
Arte no Centro de Artes e
mais informações contactar
Amigos de Seixas.
Flaviense, no Auditório
Espectáculos de Portalegre
a Agência Inatel.
Morto” pelo Gr.Teatro Casca
PORTALEGRE
e, às 17h, peça “Médico à
Municipal de Murça e peça
VILA REAL
“Terra Firme”, de Miguel Torga, pelo Gr.Teatro
Força”, inspirada na obra “Le
Xadrez
Médecin malgré lui” de
Dia 12 e 19 - XIV Torneio
Teatro
Renascido da Associação
Molière, pelo “Pensennisso”
Aberto de Xadrez, na
1º Festival Regional de Teatro
Cult. da Cumieira, no Cine
no Cine-Teatro Municipal de
Agência Inatel.
Amador - dia 17 às 21h30
Teatro de Vila Pouca de
cerimónia de abertura do
Aguiar.
Nisa.
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ClubeTempoLivre > Novos livros
BOOKSMILE
Beatriz. Uma vida
cantor de
cruéis e bizarras ora
entrelaçada com a de
“Verde Pinho”
encantadoras.
Cristóvão Colombo que
que relata, a
Um clássico da literatura
encerra muitos enigmas.
par da sua
infantil adaptado, ao cinema
Descubra como chegou a
bem sucedida
por Tim Burton.
carreira
governadora da Ordem de
CUCU! ONDE ESTÁ A
BANANA?
CUCU! ONDE ESTÁ O
CÃO?
CUCU! ONDE ESTÁ A
BICICLETA?
CUCU! ONDE ESTÁ O SOL?
Cristo (antigos Templários) e
profissional na banca, a vida
ALICE DO OUTRO LADO DO
a herdeira do Infante D.
artística do musico que
ESPELHO
Henrique, como segurou o
vendeu mais de um milhão
trono e que teias a
de discos nos anos 80 do
Lewis Carroll 156 pg. | 13,50 (PVP)
aprisionaram. Na obra
século passado.
O regresso da jovem Alice ao
encontra, também, uma outra
Entre cifrões e canções, são
país encantado da primeira
visão dos Descobrimentos
muitas as vivências
aventura e o encontro com
Ibéricos, pistas sobre o
documentadas com artigos
Humpty Dumpty, Tweedledee
provável envenenamento de
de imprensa, entrevistas e
D. Joao II e um segredo sobre
fotografias. Um exemplo de
as origens de Colombo, que
ética, superação e vontade
inclui um documento secreto
de viver.
do Vaticano sobre o Infante de
Moira Butterfiel 4,39 (PVP) - cada título
Sagres.
EUROPA-AMÉRICA
Quatro títulos que ajudam a
O ESPIÃO DE D. JOÃO II
ALICE NO PAÍS DAS
divertir, com originalidade, os
MARAVILHAS
mais pequeninos. As
Deana Barroqueiro 528 pg. | 19.50 (PVP)
crianças sozinhas ou com
O romance convida-nos a
Lewis Carroll 148 pg. | 13,50 (PVP)
um educador podem jogar
seguir o trilho de
Um êxito intemporal que
às escondidas de livro na
Pêro da Covilhã
narra a história de Alice e da
mão e adquirir novos
numa odisseia
sua viagem a um fantástico
conhecimentos associando
recheada de
mundo povoado por
e Tweedledum.
palavras e imagens de uma
aventuras, amores,
criaturas estranhas. Quando
Alice enquanto brinca com
forma interactiva. “Gira a
conquistas e descobertas.
persegue um Coelho Branco,
as suas gatas, interroga-se
Roda e Joga às escondidas”
O Espião de D. João II
Alice cai na sua toca e, a
como será o mundo do outro
é o mote para a brincadeira.
possuía qualidades e
aventura continua, com ela a
lado do espelho. Para sua
Uma série dedicada a
talentos comparáveis aos de
cruzar-se, ainda, com o
admiração, rapidamente
crianças em idade pré-
James Bond e de Indiana
Chapeleiro Louco, o gato
percebe que tem o poder de
escolar, para adquirir em
Jones. A sua versatilidade
Cheshire e a terrível Rainha
atravessar o espelho e
conjunto de dois ou mais
para o disfarce, a mestria no
de Copas, personagens ora
descobre um misterioso livro
livros.
manejo de armas e a
que só pode ser lido através
coragem e espírito de
do seu reflexo no espelho.
ÉSQUILO – EDIÇÕES E
sacrifício, aliados ao culto
No jardim das flores
MULTIMÉDIA
cavaleiresco, fazem dele uma
encontra a Rainha Preta e
personagem histórica única
depara-se com um grandioso
O SEGREDO DA RAINHA
e inspiradora. El-rei D. João II
jogo de xadrez em que terá
VELHA
confiava-lhe as missões mais
de participar.
Fina D’Armada 320 pg. | 18,50 (PVP)
secretas.
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A VOLTA AO MUNDO EM 80
O romance narra
DUAS VIDAS NUMA SÓ
NEGÓCIOS
com rigor histórico a vida
Paulo Alexandre 250 pg. | 18,50 (PVP)
Conor Woodman 216 pg. | 21,90 (PVP)
desconhecida de D.
Uma obra biográfica do
Era uma vez… um
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| ABR 2010
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economista que decidiu pôr
prestigiados negociantes dos
natural, através de banhos,
à prova as suas capacidades
mercados mais competitivos
cataplasmas, combinações
de negociação e olho para o
do mundo.
de plantas, alimentação cuidada, massagens,
negócio perante as mais antigas culturas de comércio
A SAÚDE PELA NATUREZA
astrologia e desporto.
do mundo.
E todos os meios para se
As técnicas não visam
Vendeu a sua casa para
curar a si mesmo
substituir os medicamentos,
financiar a aventura e partiu
Michel Bontemps 192 pg. | 16,50 (PVP)
mas complementá-los para uma cura mais eficiente e
percorrida pelo IV Raid
novos
Um novo olhar sobre a
rápida.
Automóvel Todo-o-Terreno do
amigos e de
medicina alternativa que dá
peripécias
a conhecer a forma de se
PANGEIA | CHÁ DE
divulga episódios, fotografias
para contar.
manter saudável e de
CAXINDE
e outros elementos
Entre as
recuperar a saúde sem ter de
à conquista de dinheiro,
Kwanza Sul, enquanto
relacionados com a
inúmeras
recorrer a
DO KUNENE A CABINDA
geografia, economia e
transacções,
substâncias
História e estórias de Angola
demografia do este de
deparamo-nos com Conor a
tóxicas.
Miguel Anacoreta Correia
Angola, do Sumbe até
negociar madeira, chá, café,
Aprenda a
Cabinda, e do litoral até às
pranchas de surf, marisco,
cuidar da
(Coord.) 226 pg. | 20 (PVP)
camelos, jade e outras, olhos
saúde de
Um livro que dá a conhecer
nos olhos com os mais
forma
a história da região
terras de Uíge e Malange. Glória Lambelho
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ClubeTempoLivre > Cupões e Passatempo NOTA: os cupões para aquisição de Livros são válidos até ao final do ano de 2010
DESCONTO Este cupão só é válido na compra de 1 livro constante da nossa secção “ Novos livros ”, onde está incluído o preço de venda ao público (PVP) e respectiva Editora
Clube TempoLivre
2,74
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VALIDADE 31de Dezembro/2010
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Remeter para Fundação INATEL – Clube Tempo Livre (Livros), Calçada de Sant’Ana nº 180 – 1169-062 Lisboa, o seguinte: G Pedido, referenciando a editora e o título da obra pretendida; G Cheque ou Vale dos Correios, correspondente ao valor (PVP) do livro, deduzindo 2,74 euros de desconto do cupão. G Portes dos Correios referente ao envio da encomenda, com excepção do estrangeiro, serão suportados pelo Clube Tempo Livre. Em caso de devolução da encomenda, os custos de reenvio deverão ser suportados pelo associado.
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O Tempo e as palavras M a r i a A l i c e Vi l a Fa b i ã o
“O ritual compensa o sofrimento do touro A lua? Já não é a mesma. / A Primavera? Já não é / a Primavera de outrora. / Só eu / Não mudei. Ariwara no Narihara1 Trad.: do francês: MAVF
manhã. Amanhã, o esplendor da Primavera irá rasgar, finalmente, com punhais de luz, a espessura dos cinzentos imutáveis deste Inverno de calamidades. E tudo será diferente, amanhã, quando o pensamento humano tiver uma nova geometria e os homens usarem, para o formularem, um novo léxico de seres civilizados talvez o dos poetas, que amanhã também será o dia da Poesia. Hoje, porém, flor que tem vindo a desabrochar no peito dos que ainda sonham, apenas a palavra “esperança” é nova, no senilizado sistema do pensamento planetário. “Às cinco da tarde. /Às cinco da tarde em ponto”, alguém abre, finalmente, a porta do curro, onde há horas se encontra confinado no escuro. […] A espada enterra-se no cachaço do Touro Bravo. Falha o coração. Paralisado, cortam-lhe as orelhas e a cauda…” 2 Arrancadas, uma a uma, a uma revolta incontrolável, as palavras antigas regressam em catadupa, atropelam-se, procuram o seu lugar numa frase de desengano. Citando-me a mim própria, evoco de novo o Touro Bravo, descendente do Touro Ibérico, que nos circos de César espantava o imperador pela bravura com que, já então, enfrentava os ataques dos, já então, bárbaros Iberos, e continua a ser vítima e símbolo da crueldade e da incapacidade de alguns seres humanos de acompanharem a evolução que pressuporia a passagem do uso de uma pele em volta dos rins para o de uma gravata de seda natural em volta do pescoço. O tempo da mudança, contudo, parece ter chegado, não à arena de uma praça de touros, mas ao hemiciclo do Parlamento da Catalunha. Há muito já que os argumentos da tradição, da insensibilidade do Touro à dor, e de que, torturando-o por prazer, estariam a protegê-lo do desaparecimento, com que os aficionados tentam justificar a sua própria crueldade, não justificam o que quer que seja. Ainda há quem, com o pensamento fossilizado, tente manter-se parado no tempo. Assim ontem, no Parlamento da Catalunha, o “diestro” Esplá, braços erguidos, indicadores em riste, como “bandarilhas” (reconhecidamente, instrumentos de tortura e não objectos decorativos!) no gesto de as cravar no Touro, quando exclama, comparando a importância cultural do
A
espectáculo ao da ópera: “O ritual compensa o sofrimento do touro!” (É arquitecto, com veleidades de homem culto e uma tradição familiar de crueldade nas arenas de 80 (!!!) anos!). Releio a cópia do documento em que o então Presidente da República do nosso país, o seu Primeiro-Ministro e o Presidente da Assembleia, revogavam um Decreto sobre a protecção dos animais, autorizando, contra anterior sentença do Tribunal, touros de morte, “no caso em que sejam de atender tradições locais (Barrancos) que se tenham mantido de forma ininterrupta pelo menos nos 50 anos anteriores à entrada em vigor do presente diploma, como expressão de (in)cultura popular”. Uma tradição de 50 anos!!! Que outras formas de expressão de verdadeira cultura popular mereceram por parte das nossas Altas Autoridades o sacrifício da lei a uma hedionda tradição de 50 anos? Justificação para o atropelo à lei, essa sim, bem nacional, que nos colocava entre os povos com melhor legislação do mundo em matéria de direitos de (todos) animais? Uma justificação bem própria do símbolo nacional consagrado pelo ceramista Rafael Bordalo Pinheiro: tal como os seus amigos, o então Presidente da República era um “aficionado”, pois viveu em criança junto do Campo Pequeno e frequentou touradas em Espanha. Que legislação teríamos, se Suas Excelências tivessem residido junto de um dos vários quartéis da PIDE do país? Quantas outras tradições poderiam ser (i)legitimamente invocadas por prevaricadores para serem exculpados dos seus crimes! Há anos que acompanho nos fóruns internacionais o processo de defesa do Touro Bravo. Às reacções e ao número de pessoas preocupadas com os seus direitos (e de todos os animais sacrificados por prazer) e, sobretudo, com a nossa dignidade de sociedade evoluída, devo a “esperança” de que amanhã tudo será diferente, porque amanhã chegará a Primavera, será o dia da Poesia e, sobretudo, será chegado o tempo de (todos) considerarmos, como Jeremy Bentham3 (1748-1832!), que “o que está em causa não é se os animais podem raciocinar, nem se eles podem falar, mas sim, se eles podem sofrer”. I 1) Poeta japonês (825-879) 2) “Em Nome da Tradição”, TL, Out. 202 3) Filósofo, activista dos direitos dos animais ABR 2010 |
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Os contos do
O sósia
F
oi Anabela, uma prima, a primeira pessoa a dizer-lhe que ele era “muito parecido” com o comendador Crisóstomo de Avelares. Não deu importância. Contudo, foi ouvindo novas apreciações no mesmo sentido e a sua tranquilidade abanou. Dino Pitágoras começou a interessar-se seriamente pela figura do comendador. A primeira confirmação encontrou-a nas fotos coloridas de uma revista de Economia. Lá estava o comendador em diversa poses e expressões. Dino reconheceu que aquela cara abundava em semelhanças com a que ele via todas as manhãs ao espelho. Poucos dias depois, viu o comendador a participar num programa de televisão mas deu mais atenção às diferenças. É verdade que, à primeira vista, poderiam passar por irmãos gémeos, todavia as vozes eram desiguais e, enquanto Dino vestia com modéstia, jamais cortara o cabelo a não ser no barbeiro do bairro e nunca untara as faces com creme hidratante, o comendador Crisóstomo resplandecia na imagem de homem zeloso do seu aspecto. Sem qualquer outra razão que ele próprio entendesse, Dino foi criando uma obsessão: queria ser talqual o comendador e, homem famoso no mundo das finanças mas de quem se dizia ser um coleccionador de inimigos. No texto da revista insinuava-se, mesmo, que o seu sorriso jovial escondia uma personalidade manhosa e agressiva. Dino recontou as fotos, tapou-lhes a fisionomia com tinta e apresentou-se com o modelo de penteado num cabeleireiro da moda. – Queria o cabelo mais ou menos assim – pediu. – Mais ou menos? Pois terá o cabelo exactamente assim – garantiu o artista capilar. Ainda no salão, Dino mirou-se e remirou-se ao espelho e concluiu que estava mais parecido com o comendador do que com ele próprio. A única diferença residia nas sobrancelhas. As dele eram fortes e um tanto encrespadas enquanto o comendador as usava aparadas, como dois riscos elegantes. Voltou a sentar-se:
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– As sobrancelhas. Poderia desbastá-las um pouco? – Sem dúvida. Olhe, vou deixá-las como costumo fazer com o comendador Crisóstomo de Avelares. O certo é que, à saída, se cruzou com um cavalheiro bem posto que o saudou: – Boa tarde, senhor comendador. – Boa tarde — sussurrou Dino, receando que a voz o traísse. Sempre o tinham considerado um bom imitador de vozes mas só ouvira o comendador uma vez, na televisão, sem tempo para fixar a articulação e o tom das palavras dele. Teria de o ouvir em pessoa para lhe imitar o modo de falar. Um novo problema se levantava porém. Caso se apresentasse junto do comendador logo alguém havia de reparar na espantosa semelhança. Era problema a resolver. Antes, teria de descobrir um paradeiro habitual do comendador em lugar público, mas não foi difícil. A revista revelava que ele se reunia com amigos no Ó Bar Salgado, na zona ribeirinha. Teria, então, de apresentar-se lá disfarçando o seu novo disfarce. A solução estaria em recuperar a sua cara de tempos atrás, quando usava bigode. Assim raciocinando, comprou um bigode farfalhudo numa loja de adereços para teatro e cobriu os olhos – iguaizinhos aos do comendador – com óculos de sol. Colocou-se o mais próximo possível do visado e procurou fixar a ligeira rouquidão da voz dele, o modo como arrastava as palavras e um certo mastigar das sílabas finais. Em boa verdade, Dino não tinha qualquer outro interesse do que ser confundido com o comendador e exultava quando o cumprimentavam, respeitosamente, como se fosse ele. Eram cumprimentos de passagem, caso contrário notariam a enorme diferença entre os fatos elegantes do comendador e a vestimenta humilde de Dino. Atento a esse importante pormenor, serviu-se de uma confidência que ouvira da boca do comendador acerca do seu alfaiate. Esvaziou a conta bancária e foi adquirir dois fatos de qualidade, nos padrões usados pelo comendador, e gravatas a condizer. ANDRÉ LETRIA
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Não passava de um jogo em que ele procurava a perfeição, tal como o fazem os imitadores de Charlot e Elvis Presley. A recompensa era ser tomado pelo comendador, mesmo pelos mais íntimos dele. Foi conhecendo os hábitos do imitado, como o apetite por mariscos e a naturalidade com que saía da Cervejaria Espuma das Ondas sem pedir a conta. O costume era enviarem-lhe depois a factura para a empresa. Nesse ponto, Dino não resistiu ao deslize. Numa quinta-feira banqueteou-se com lavagante e santola, bateu em retirada ouvindo os empregados:”Tenha um bom dia senhor comendador”. Sabedor, também, que o comendador Crisóstomo Avelares se ausentava com frequência para caçar no Alentejo, espiou os dias dessa ausência e, então sim, instalava-se no Ó Bar Salgado fazendo-se acompanhar de um livro ou uma revista para desencorajar conversas que o pudessem trair. A situação mais difícil ocorreu quando uma mulher de formas opulentas se sentou ao seu lado e disse baixinho: – Que se passa, Crisóstomo? Há uma semana que não apareces lá em casa! Dino tentou sorrir, um sorriso largo como os do comendador e esquivou-se num sussurro: – Depois falamos. – Depois? Hoje, hoje, espero-te lá. Dino não sabia onde era “lá” mas nesse momento já pensava que seria óptimo deitar-se com aquela esplêndida criatura. Disse:
– Teria de ser agora mesmo. E vamos no teu carro. Foi o que aconteceu, Dino respirava exaltação e felicidade mas assustou-se quando a mulher disse: – Que te aconteceu, Crisóstomo? Estás mais peludo! Ele não respondeu a esse reparo, nem aos comentários dela acerca de diferenças nos gostos e comportamentos do amante, como por exemplo o pedido para apagar a luz. Nos dias seguintes não apareceu no bar mas teve ocasião de ser saudado como o comendador Crisóstomo Avelares na rua, no cinema, numa pastelaria, em lugares vários para onde ia passando a sua personagem. Naquele sábado de Outono, Dino, à espreita no seu carrinho utilitário e gasto, viu o comendador de camuflado e caçadeira a meter-se no jipe. Ora aí estava um dia perfeito para se instalar no bar gozando a sua figura de homem rico e apaparicado. Tomou dois uisquis da marca preferida do comendador, faltavam quatro minutos para as seis da tarde, rodopiou o cadeirão de vime ao ouvir uma voz agreste: – É agora! Serenamente, encarou um sujeito de rosto sombrio que gritou: – Crisóstomo Avelares grande canalha, vais pagálas todas! Sacou de uma pistola e puxou o gatilho. Antes do último suspiro, Dino ouviu a empregada loura: – Ai que mataram o senhor comendador!I ABR 2010 |
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Crónica
Crime e sentença Álvaro Belo Marques
N
uma localidade a sul do Save, o julgamento do homem pelos homens tinha acabado. Por isso se dançava e cantava e se comia e se bebia. Por isso se festejava como só o povo sabe festejar, principalmente o povo moçambicano, que recebe os deuses em cada salto de dança, em cada voz solta a contraponto dos tambores. O ritmo recebe-o do sangue. O homem chegara das minas do John, sem alegria no coração; murchara pelo caminho a ler e a reler a carta de um vizinho. A cada pancada ritmada do comboio, a faca enterrara-se mais no seu coração e o veneno que ela transportava percorria os rios e os afluentes contaminando-os. Partira um jovem cheio de esperança e alegria de viver; regressava um homem triste, amarrotado, desesperançado, vazio. Caminhou pelo traçado do regresso, vendo as pessoas através de uma névoa que se produz nos olhos quando estes estão repletos de dolorosa tristeza. Ele avançou para a sua casa de madeira e zinco. À porta esperava-o de joelhos a mulher e os três filhos. O mais velho era dele e com ele parecido, até na seriedade do rosto. O homem fez um gesto e as crianças, protegidas pelos braços e os corações das vizinhas, fugiram para casa, sem saudar o pai. Eles sabiam perfeitamente que se iria desenrolar um drama terrível e já choravam baixinho. Era o começo do choro que se prolongaria por toda a sua vida. Em silêncio chegou junto da mulher, levantou a mão e disparou com a pequena pistola comprada em contrabando no John. O coração cheio de veneno ordenara que disparasse. Não havia espaço para perdão. Ela caiu jorrando sangue do peito. Por entre os gritos dos assistentes, o homem guardou a pistola e dirigiu-se para o posto da milícia, onde contou o que fez, entregando-se à sua guarda mais a pistola. Um crime de sangue não podia ser julgado
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pelo Tribunal Popular. Teria de vir da capital de distrito um juiz com toga, livros e a importância do cargo. Assim, este drama foi entregue a uma juíza negra, licenciada em direito em Lisboa e doutorada em Londres. Uma juíza africana educada, a partir de certa idade, no Direito ocidental ou seja, no conceito, cultura e regras de Justiça para brancos. O homem esteve preso toda a noite durante a qual se ouviu, sussurrada e dolorosa, uma estranha melopeia chorada, assim:”loco afa a ni bjelile, loco afa a ni bjelile.”(*) Poucos dormiram naquela noite, a mais longa do ano.
O
Tribunal organizou-se em banja, uma mesa para os juízes e o povo sentado no chão em semicírculo. O réu sentou-se, sereno, num banco frente aos julgadores. Foi lida a acusação. Depois falou o réu que disse, de modo simples e em voz baixa, que se fartara de trabalhar nas minas para mandar o dinheiro para casa. Se ela o tivesse informado de que arranjara outro homem, ele não precisaria de trabalhar tanto e até talvez tivesse abandonado aquele trabalho na mina. Ela mentiu-lhe e foi muito grave. Ela não disse e deveria ter dito que tinha outro homem e filhos dele. Já o sol ia muito alto quando, pela voz da juíza presidente, o homem foi absolvido. Por isso se cantava se dançava se comia se bebia. Também por isso o homem pôde abraçar o filho e os do outro, pois não lhes notava, no coração, diferença. I
(*) – “Ela devia ter-me dito.”
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