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N.º 219 Outubro 2010 Mensal 2,00 €
TempoLivre www.inatel.pt
Roseta e o Nilo Viagem ao Egipto profundo Entrevista Carvalho da Silva Património Museu do Côa
Destacável 24 Págs.
Turismo Viagens
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Sumário
Na capa Foto: Humberto Lopes
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CARTAS E COLUNA DO PROVEDOR
VIAGENS
Roseta, a cidade e o Nilo Uma cidade sem turistas no hiper-turístico Egipto? Com a vida rural do Delta às portas, quase como no tempo em que Eça por ali passou? Roseta, a cidade da famosa pedra, é um dos poucos lugares da terra dos faraós onde o viajante é recebido como aquilo que é ou deseja ser: viajante.
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NOTÍCIAS CONCURSO DE FOTOGRAFIA
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MEMÓRIA
Henrique Viana
ENTREVISTA
Manuel Carvalho da Silva Prestes a atingir 25 anos na liderança da CGTP, que agora comemora quatro décadas de existência, Manuel Carvalho da Silva, garante que está a cumprir o último mandato, mas vai “continuar a estudar, a reflectir e a intervir sobre as questões do trabalho e do sindicalismo, do desenvolvimento e da transformação da sociedade”. A importância social da Inatel pela sua “identidade com o trabalho e preocupação com aqueles que têm menores recursos” é tema, ainda, da entrevista da MCS à TL.
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Turismo Viagens DESTACÁVEL DE 24 PÁGS
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OLHO VIVO A CASA NA ÁRVORE O TEMPO E AS PALAVRAS
O valor de uma jóia… As jóias com pedras preciosas estão, habitualmente, associadas à moda e à ascensão social, mas há quem guarde jóias de família, preciosidades que, em momentos de crise, podem constituir uma alternativa para ultrapassar as dificuldades financeiras.
Maria Alice Vila Fabião OS CONTOS
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DO ZAMBUJAL
PAIXÕES
CRÓNICA Álvaro Belo Marques
BOA VIDA
Tiago Rodrigues Escreve para teatro, encena, representa e produz peças. Tanto o podemos ver a pisar as tábuas do palco, como a surgir na tela gigante do cinema. Dá aulas. Já fez guiões de programas televisivos e já escreveu para jornais…
CLUBE TEMPO LIVRE
Passatempos, Novos livros e Cartaz
Revista Mensal e-mail: tl@inatel.pt | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Vítor Ramalho Vice-Presidente: Carlos Mamede Vogais: Cristina Baptista, José Moreira Marques e Rogério Fernandes Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Director: Vítor Ramalho Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho Colaboradores: António Costa Santos, António Sérgio Azenha, Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Lurdes Féria, Manuela Garcia, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria Mesquita, Pedro Barrocas, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, Vítor Ribeiro. Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Fernando Dacosta, Joaquim Letria, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Fax: 210027061 Publicidade: Patrícia Strecht, Telef. 210027156; Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA - Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Casal de Sta. Leopoldina, 2730-053 Barcarena, Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 143.473 exemplares
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Editorial
V í t o r Ra m a l h o
CGTP e Turismo Social
A
CGTP/IN comemora este ano o 40º aniversário da sua fundação. Como é sabido ela tem, tal como a UGT, representantes ao mais alto nível nos Conselhos Consultivo e Geral da nossa Fundação. Não poderia deixar de ser assim. A ocupação dos tempos livres dos trabalhadores preenche o objectivo essencial da actividade da Inatel e por isso as duas centrais sindicais, tal como as instituições integradas na economia social são nossos parceiros naturais. Daí a entrevista que a “Tempo Livre” fez ao Secretário-Geral da CGTP, Dr. Manuel Carvalho da Silva e que se inclui no presente número. Em nome do Conselho de Administração a que tenho a honra de presidir saúdo a CGTP pela passagem desta efeméride. No presente número da revista encontrarão também os resumos das ofertas de viagens turísticas para o mercado interno e internacional que preparámos para se iniciarem a partir deste mês de Outubro até Fevereiro de 2011. As brochuras que os beneficiários encontrarão em todas as agências da Inatel tiveram uma grande preocupação na abertura de novos destinos para o estrangeiro, como S. Tomé e Príncipe e Lapónia com apostas de qualidade e pacotes aliciantes e integrados. Não foram
também descuradas as épocas especiais, de Natal, Fim de Ano e Carnaval. Neste domínio procurámos valorizar de novo o turismo para todos, incentivando o intercâmbio de e para Espanha.
O
Turismo Sénior, agora com programação bi-anual, com inicio em 14 de Novembro próximo e termo no final do mês de Maio de 2011 tem vindo também a beneficiar de respostas crescentemente apelativas, o mesmo sucedendo com os demais programas governamentais, no caso a “Saúde e Termalismo”, o “Abrir as Portas à Diferença” e o “Turismo Solidário”. No ano em que comemoramos a passagem do 75º aniversário da nossa Fundação sentimos ser nosso dever reforçarmos a qualidade da oferta a todos os níveis, com requalificações dos equipamentos que estejam à altura dos crescentes desafios competitivos que temos que enfrentar. Mas porque Roma e Pavia não se fizeram num dia, como invoquei na minha tomada de posse, registo sempre com redobrada atenção as posições que os beneficiários exprimem no sentido de se melhorar sempre e cada vez mais os serviços que prestamos. É essa a nossa obrigação. n
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Cartas A correspondência para estas secções deve ser enviada para a Redacção de “Tempo Livre”, Calçada de Sant’Ana, nº. 180, 1169-062 Lisboa, ou por e-mail: tl@inatel.pt
Do Luso com alegria… Sei que somos um povo triste e maldizente. Mas eu, que sou alegre e, se bem que muito crítica, não maldizente, quero manifestar-vos a minha alegria por algo a que assisti… Há cerca de 10 anos que passo 15 dias no Inatel Lusitano (Luso) e já estava habituada a encontrar um grupo de Termalismo Sénior. Este ano, quando chego no dia 24 de Agosto, encontro no pátio de entrada um grupo volumoso de gente nova, ainda um bocado tímida e a apresentar-se. Formaram grupos e reuniram-se aos respectivos monitores. Tratava-se de uma nova iniciativa de turismo juvenil. Parabéns pela ideia e pelo trabalho, sem dúvida pouco fácil. Passei uma semana no meio daquela alegria genuína que só se tem quando se é jovem. A algazarra pela casa, habitualmente silenciosa, foi aumentando há medida que eles se iam conhecendo, mas nunca ultrapassaram os limites do razoável. Eles estavam muito bem enquadrados pelos monitores e eram pessoas agradáveis, pelo menos aqueles com quem tive a oportunidade de conversar. Na sexta-feira seguinte desapareceram.
Entretanto, surgiram novos companheiros Era o programa “Abrir Portas à Diferença” e era um grupo de pessoas deficientes, também muito bem enquadrados por monitores (…) No mesmo dia, um outro grupo: “Turismo Solidário”, para pessoas com dificuldades financeiras, sem possibilidade de fazer férias fora da sua casa. Eram de todas as idades, desde os mais novos aos casais jovens com filhos pequenos e que estavam encantados, sobretudo pelas viagens que fizeram a Coimbra, Penacova, Anadia e Aveiro. A casa voltou a ficar cheia de movimento e alegria, a piscina era uma delícia para os mais pequeninos. Foram estas novidades que me alegraram e pelas quais vos felicito. Maria Helena Barradas, Lisboa
50 anos na INATEL Completaram, este mês, 50 anos de ligação à Fundação Inatel os associados: Joaquim Tadeu, Faro; Fernando Garcia, Loures; José Fernando Franco, Odivelas; Joaquim Cruz, Santarém.
Coluna do Provedor
Kalidás Barreto provedor@inatel.pt
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“AINDA NÃO ENTENDI bem qual a razão que levou a que a partir dos Estatutos da Fundação, os associados da Inatel passassem a ser beneficiários e os Centros de Férias, Unidades Hoteleiras” desabafava-me um utente dos nossos serviços. Expliquei-lhe o melhor que consegui, argumentando que, tal como os tempos mudam, os nomes vão também mudando. Hoje, dizia eu, também a língua portuguesa tem diferenças com o novo acordo ortográfico. E se recuarmos nos tempos, nem Afonso Henriques, nem Egas Moniz saberiam ler um texto actual dos jornais portugueses; acrescentei-lhe “Que ainda bem”! Aliás o grande Luís de Camões não entenderia patavina dos seus versos adaptados à ortografia actual. A seguir passo a outro beneficiário que observa: “ Qual a razão por que há tanta alteração nos métodos e nas regras de funcionamento da Fundação sem uma clara e prévia explicação, acrescentando que não pode haver uma boa acção
sem uma boa preparação, nem uma maior utilização sem uma melhor e atempada informação. Aqui, como no futebol, não pode haver vitórias sem treinadores que saibam explicar o porquê das alterações estratégicas; mesmo que os treinadores sejam excelentes, os jogadores experientes....e os adeptos tolerantes!” Fiquei a reflectir e não digo mais porque tenho andado preocupado com os altos debates políticos sobre o futuro da nação cujo objectivo não se percebe bem se preferem os números às pessoas e se algumas vontades de acabar com o serviço nacional de saúde correspondem à estratégia de diminuir o consumo de remédios para os reformados pobres, contribuindo para a diminuição da população velha e dos índices de longevidade para aliviar a despesa da nação. E, como estamos no Centenário da República Portuguesa, deixem-me soltar um grito de esperança: VIVA A REPÚBLICA! n
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Notícias
Parceria Inatel/Liga dos Bombeiros
l Foram recentemente firmados protocolos de cooperação com a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (MAI) e a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) que irão proporcionar aos membros destas instituições o acesso aos serviços da Fundação Inatel nas áreas da cultura, desporto e lazer, incluindo alojamento nas Unidades Hoteleiras da Inatel, espalhadas pelo país com um desconto de 10%. No acto da assinatura da parceria com a LBP, o presidente da Fundação, Vítor Ramalho, lembrou o relevante papel dos bombeiros na sociedade portuguesa, tanto no apoio aos serviços de saúde como na defesa das populações e da floresta, destacando a liderança de Duarte Nuno Caldeira. Eleito sucessivamente, desde o ano 2000, para a presidência da Direcção da LBP, Duarte Caldeira manifestou o seu agrado pelo acordo rubricado
com uma "instituição de prestígio" que, na área do lazer, exerce uma "função social sem paralelo no País". O líder da LBP lembrou, na circunstância, o facto de o universo dos bombeiros abranger, tal com a Inatel, todas as regiões nacionais, o que possibilitará um positivo intercâmbio entre as duas instituições. No protocolo com a Secretaria-
Concurso de Vídeo l Estão abertas as inscrições para a 5ª edição do Concurso de Vídeo da Fundação Inatel, aberto a associados e não associados. Até 29 de Outubro, é possível entregar trabalhos de curta-metragem (até 15 min.) para candidatura aos prémios Fundação Inatel (1.000€), Gente da minha Terra (1.000€) e Jovem Realizador (750€). Os trabalhos podem ser enviados por correio ou entregues nas Agências distritais da Fundação. Mais informações, regulamento e ficha de inscrição em www.inatel.pt
Instrumentos tradicionais l Estão
Geral do MAI, a sua responsável, Nelza Vargas, agradeceu a disponibilidade da Fundação para com os trabalhadores daquele departamento ministerial, assinalando, também, a importância da Inatel na sociedade portuguesa.
igualmente abertas as inscrições para cursos concertina, bandolim, cavaquinho, guitarra portuguesa / viola e gaita-defole, destinada a todos os interessados em adquirir formação musical e a grupos etnográficos e de folclore. Uma formação que visa recuperar instrumentos e sonoridades que fazem parte da nossa herança cultural. Inscrições até 31 de Outubro. Mais informações em www.inatel.pt / cultura@inatel.pt. OUT 2010 |
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Notícias
16º Festival de Parapente - Açores 2010 l Organizado pelo Clube Asas de São Miguel em parceria com a Fundação INATEL, decorreu, entre os dias 26 e 29 de Agosto, a 16ª edição do Festival de Parapente dos Açores com a participação de centena e meia de pilotos, incluindo a presença inédita de uma equipa brasileira e de dois pilotos acrobatas. No primeiro dia, e apesar das condições meteorológicas, as excelentes características do Vale das Furnas permitiram voos de bilugar e várias demonstrações de acrobacia. No segundo dia, sem condições para voo, os participantes visitaram a piscina termal do Parque Terra Nostra e assistiram, ao serão, a uma palestra sobre voo nos Himalaias do editor assistente da revista Cross Country, Ed Ewing. No dia seguinte houve apenas demonstrações de acobracia em alguns locais da ilha, com o piloto Anthony Green a arrancar aplausos da assistência. O evento incluiu workshops e um passeio pela zona das Sete Cidades seguido de uma Festa ao ar livre.
Prémio da AIEP para Paula Rego A pintora Paula Rego recebeu, na Galeria de Arte do Casino Estoril, das mãos da ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, o Prémio Personalidade do Ano, instituído pela AIEP - Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal. Segundo a AIEP, Paula Rego foi a Personalidade portuguesa mais relevante em 2009, ano de assinalável reconhecimento de todo o percurso da artista, reforçado com a abertura da Casa das Histórias, em Cascais, espaço dedicado à sua obra, e de seu marido, já falecido, Victor Willing. 8
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Paulo Ossião na Galeria do Casino l Na Galeria de Arte do Casino Estoril está patente, até 2 de Novembro, uma exposição de pintura e escultura de Paulo Ossião, a nona mostra individual que este autor realiza nesta galeria, contando-se por dezenas as colectivas em que participou. Quem diz Paulo Ossião - sublinha Nuno Lima de Carvalho, director da galeria - diz o maior aguarelista português contemporâneo. A sua cor preferida é o azul, em um número quase infinito de tonalidades. Os azuis dos azulejos dos velhos casarios de Lisboa. Do seu rio e do mar. Do céu e dos horizontes largos. Os cacilheiros, os moinhos de água do Seixal, na Outra Banda e o céu que cobre a cidade, por vezes com alguns trabalhos horizontais de grande dimensão, num abraço envolvente à nossa velha capital, de que Paulo Ossião é, agora, um dos retratistas dilectos, como no seu tempo o foram Carlos Botelho, Francis Smith ou Thomaz de Mello/TOM.
Paulo Ossião tem vindo, há cerca de uma década, a associar à Pintura, nas suas exposições, algumas pequenas esculturas, que são também pequenas jóias, patentes igualmente nesta mostra.
"Crónicas Africanas" l A editora Afrontamento acaba de lançar o livro "Crónicas Africanas" de Humberto Lopes, jornalista, investigador e colaborador regular da revista "Tempo Livre". Nesta "escrita de viagem ou escrita em viagem" de histórias e experiências vividas no continente africano, "o viajante lembra o autor - não vê, nem pode ver, mais do que o que já leva consigo". Como assinala Natércia Alves Pacheco no prefácio, "este não é um livro para ficar na prateleira. É um livro para ler, viagem a viagem, com humor, sensibilidade e humildade, face a tudo o que ainda nos resta aprender…".
Calypso duplica Seniores em Portugal l Programa Calypso vai financiar intercâmbio de turistas com mais de 65 anos na Europa e Portugal espera duplicar visitas de seniores estrangeiros para 10 mil participantes. Se tem mais de 65 anos e gosta de viajar, vai poder em breve passear pela Europa ao abrigo de um programa de intercâmbio para seniores. Uma espécie de Erasmus, mas de nome Calypso, e que visa promover viagens, a preços acessíveis, aos mais velhos; já a partir de 2013. Destinado aos seniores europeus com poucos recursos, este programa constituirá ainda uma lufada de ar fresco para o sector turístico nos meses de época baixa, entre Outubro e Maio. A experiência do turismo sénior diz-nos que há unidades hoteleiras que encerram no termo da época alta e na baixa só abrem para responderem a este tipo de procura, explicou ao suplemento Negócios do Jornal de Notícias o presidente da Fundação INATEL, Vítor Ramalho. O Calypso conta com o apoio de Portugal, precisamente através desta fundação, que se dedica há já 15 anos a iniciativas deste tipo. Considerada perita pela União Europeia, a Fundação INATEL contribuiu para a preparação e lançamento do novo programa de intercâmbio europeu.
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Notícias
Grande Prémio APE para Rui Cardoso Martins l O romance Deixem Passar o Homem Invisível (D. Quixote, 2009), de Rui Cardoso Martins venceu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE). Atribuído desde 1982, o prémio da APE já distinguiu 24 autores, de 16 editoras, quatro dos quais bisaram, a saber: Vergílio Ferreira, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís e Maria Gabriela Llansol. Rui Cardoso Martins (Portalegre, 1967) é escritor, jornalista e argumentista. Repórter internacional e cronista desde a fundação do jornal Público (dois prémios Gazeta de Jornalismo), fundador das Produções Fictícias (co-criador e autor de Contra-Informação e Herman Enciclopédia, entre outros programas). No cinema, é autor do
guião de Zona J e co-autor da longa metragem Duas Mulheres. O seu primeiro romance, E Se Eu Gostasse Muito de Morrer (D.
Quixote, 4ª Edição), foi publicado em Espanha e na Hungria. Tem contos editados em diversas revistas literárias.
"Estórias (para adultos) Infantis"
"Morro Bem, Salvem a Pátria!"
l Xico Braga, professor na Escola Secundária Moinho de Maré, em Correios, é o autor do livro "Estórias (para adultos) Infantis", seis contos e dois poemas que se desenvolvem em torno das grandes questões da vida, ilustrados por Isabel Teixeira de Sousa No prefácio, Vera Silva fala de "estórias (para adultos) infantis" (…) cuidadosamente pescadas à linha, com um anzol que, nestas páginas, indiferentemente vai prendendo, em momentos sensuais, os protagonistas: artistas, pessoas comuns, tainhas, redes de um bordado e, reiteradamente, o próprio leitor que fica como a personagem do conto "O meu sorriso".
l De José Jorge Letria, presidente da Sociedade Portuguesa de Autores e colaborador permanente da "TL", está já à venda o romance histórico "Morro Bem, Salvem a Pátria!", um retrato de Sidónio País "um presidente populista amado pelas mulheres e celebrado por Fernando Pessoa", como refere o autor, assassinado no dia 14 de Dezembro de 1918 na estação do Rossio, em Lisboa. "Não temos conhecimento sublinha no prefácio o escritor Miguel Real - de outro romace histórico que tão justamente nos faça entrar no universo social sidonista como este de José Jorge Letria".
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Convenção Nacional do Condutor Sénior l As
conclusões da primeira fase do Projecto "Condutor Sénior serão apresentadas no próximo dia 24 de Novembro, na 1ª Convenção Nacional do Condutor Sénior que decorrerá na Universidade Lusíada, em Lisboa. Iniciativa inédita entre nós, o projecto "Condutor Sénior" envolveu a realização, com apoio da Fundação Inatel, de vários seminários por todo o país visando a actualização e sensibilização dos condutores para as questões relacionadas com a circulação e segurança rodoviária. Apoiado igualmente pelo Ministério da Administração Interna (MAI), pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) e pelo Instituto de Seguros de Portugal (ISP), o projecto inclui a criação de um portal interactivo destinado aos utilizadores seniores, bem como a elaboração de um estudo por um corpo científico de especialistas nas áreas da medicina interna/geriatria, neurologia e oftalmologia no sentido de aferir e validar indicadores de risco de desempenho e comportamento dos condutores seniores.
Inatel Madeira melhora oferta turística l Na sequência da suspensão da actividade da unidade hoteleira do Santo da Serra, a Inatel estabeleceu uma parceria com o Grupo Pestana, a qual assegura aos nossos beneficiários serviços de alojamento e restauração em condições muito favoráveis, designadamente no Pestana Bay Ocean Aparthotel. Situado na Praia Formosa, uma das mais bonitas baías da ilha da Madeira e muito próximo do Funchal, este hotel oferece uma completa tranquilidade. Protegido a
norte por uma falésia e com acesso directo ao mar, esta unidade hoteleira desfruta, ainda, de uma das mais espectaculares vistas panorâmicas de fundo sobre as encostas da típica Câmara de Lobos, outro "ex-libris" da paisagem madeirense.
"Masks and Masquerades – The Multiple Faces of Europe" l O auditório Agostinho da Silva da Universidade Lusófona, em Lisboa, vai ser palco, no dia 8 de Outubro, do congresso internacional "Masks and Masquerades - The Multiple Faces of Europe". Integrado no projecto europeu homónimo de cinco parceiros, no âmbito do Programa Cultura 2007-2013, o congresso tem como objectivo o estudo e debate da tradição da máscara numa perspectiva europeia, partindo de casos concretos de 5 países - Portugal, França, Bulgária, Itália e Irlanda. O encontro debaterá, igualmente, a promoção da interacção entre as diferentes disciplinas - etnologia, antropologia, sociologia, história, artes performativas, artes plásticas e o estabelecimento do diálogo entre diferentes gerações e meios (urbano/rural, local/internacional), incluindo a sua influência/impacto
no plano social, económico, pedagógico e turístico. Durante a manhã terá lugar o seminário, seguido, à tarde, de várias mesas redondas. OUT 2010 |
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Fotografia
XV Concurso “Tempo Livre”
Fotos premiadas
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Regulamento 1. Concurso Nacional de Fotografia da revista Tempo Livre. Periodicidade mensal. Podem participar todos os associados da Fundação Inatel, excluindo os seus funcionários e colaboradores da revista Tempo Livre. 2. Enviar as fotos para: Revista Tempo Livre - Concurso de Fotografia, Calçada de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa. 3. A data limite para a recepção dos trabalhos é o dia 10 de cada mês. 4. O tema é livre e cada concorrente pode enviar, mensalmente, um máximo de 3 fotografias de formato mínimo de 10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em papel, cor ou preto e branco. 5. Não são aceites diapositivos e as fotos concorrentes não serão devolvidas.
Menções honrosas [ a ] Emília Francisco, Massamá Sócio n.º 28362 [ b ] Anabela Castro, Vila Nova de Gaia Sócio n.º 432080 [ c ] Reinaldo Viegas, Lagos Sócio n.º 370482
[a]
6. O concurso é limitado aos associados da Inatel. Todas as fotos devem ser assinaladas no verso com o nome do autor, morada, telefone e número de associado da Inatel. 7. A «TL» publicará, em cada mês, as seis melhores fotos (três premiadas e três menções honrosas), seleccionadas entre as enviadas no prazo previsto.
[b]
8. Não serão seleccionadas, no mesmo ano, as fotos de um concorrente premiado nesse ano 9. Prémios: cada uma das três fotos seleccionadas terá como prémio duas noites para duas pessoas numa das unidades hoteleiras da Inatel, durante a época baixa, em regime APA (alojamento e pequeno almoço). O prémio tem a validade de um ano. O premiado(a) deve contactar a redacção da «TL». [ 1 ] José Carrilho, Setúbal Sócio n.º 469522 [ 2 ] Mário Bizarro, Vila Nova de Gaia Sócio n.º 64888 [ 3 ] Paulo Sousa, Almada Sócio n.º 151391
[c]
10. Grande Prémio Anual: uma viagem a escolher na Brochura Inatel Turismo Social até ao montante de 1750 Euros. A este prémio, a publicar na «TL» de Setembro de 2011, concorrem todas as fotos premiadas e publicadas nos meses em que decorre o concurso. 11. O júri será composto por dois responsáveis da revista T. Livre e por um fotógrafo de reconhecido prestígio.
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Entrevista
P
restes a atingir 25 anos na liderança da CGTP – que, no primeiro dia de Outubro, comemorou quatro décadas de existência –, Manuel Carvalho da Silva, 61 anos, garante que está a cumprir o último mandato, mas vai “continuar a estudar, a reflectir e a intervir sobre as questões do trabalho e do sindicalismo, do desenvolvimento e da transformação da sociedade”. Doutorado em Sociologia, o antigo operário da Electromecânica Portuguesa, descendente de pequenos agricultores minhotos, que trocou o curso de engenharia electrotécnica por um longo e inesgotável empenhamento cívico, político e sindical no mundo do trabalho, destaca a importância social da Inatel, defendendo “a sua génese, de identidade com o trabalho e de preocupação com aqueles que têm menores recursos”.
Manuel Carvalho da Silva
...E a luta continua CGTP faz 40 anos…uma bonita idade. Chegará ao centenário, como a República? Acho que sim. Os sindicatos são organizações inerentes ao trabalho e o trabalho tem um lugar central na sociedade. As teorias do fim ou da secundarização do trabalho chocam com a realidade objectiva, mesmo neste contexto da chamada crise. Há uma evolução do lugar e das formas de prestação do trabalho, mas a centralidade do trabalho é inequívoca quer do ponto de vista estrutural quer estruturante da sociedade, e é inequívoca tanto em relação à dimensão individual do ser humano como à sua dimensão colectiva. O regresso a uma central única de trabalhadores, como em 1970, quando nasceu a Intersindical, é uma mera utopia? 14
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A unidade dos trabalhadores, e em particular a unidade na acção, é um valor fundamental. E essa unidade não poderá construir-se na acção? É uma construção difícil, sobretudo nos tempos que correm em que a sociedade tem um individualismo institucionalizado. É uma das características desta fase neoliberal do capitalismo. A Intersindical surge num contexto de necessidade, quando os sindicalistas, com valores e perspectivas diversas, se reúnem no sentido de articularem a acção. Era um tempo de ausência de liberdades, de ditadura, um contexto político que, apesar de muito mais difícil que o de hoje, tornava às diversas sensibilidades mais evidente a necessidade dessa unidade. Os contextos são diferentes, mas, repito, a unidade é um objectivo
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Entrevista
que tem de estar sempre presente no movimento sindical. E, em particular, para ser eficaz, a unidade na acção. Disse, em tempos, a propósito da precariedade do trabalho, que “uma das características das posturas neoliberais no exercício da governação é isto: compartimenta, compartimenta e depois coloca uns contra os outros”. Compartimenta ou individualiza, não para valorizar o ser humano como indivíduo mas para o responsabilizar mais facilmente. Vemos um conjunto de teorias, defendidas até por gente que se afirma progressista – o que é um desastre – de entregar a responsabilidade de um desempregado na procura de trabalho centrada na sua iniciativa pessoal. Tenta-se convencer, e em particular os jovens, que se fizer isto ou aquilo ele, por si, vai ter saída. Ora as políticas que são avançadas não criam emprego quer no sector privado quer no sector público. Não se vislumbram saídas? Interrogo-me, às vezes, quando se está a convencer os trabalhadores, sobretudo os jovens, de que se tiverem uma estratégia ofensiva e se souberem gerir os seus currículos ou se fizerem este e Sempre que há aquela formação eles vão ter uma crise só há uma emprego, quando, de facto, não certeza: haverá há políticas de criação de empresempre uma saída, de go. Como é que vai ser feita a quacontrário seria a dratura do círculo? Vemos isto negação da própria quando se fala de emprego e sociedade quando se fala dos reformados. humana… Isolam-se os indivíduos nas suas condições para depois os responsabilizar por essas condições. É o que acontece com os excluídos, com os mais desprotegidos da sociedade. Afirmou recentemente que, desde o final dos anos 70 e a adesão europeia, “não há nenhum período tão delicado como este que está a iniciar-se” e que o Governo “comete um erro estratégico ao aumentar o estado de necessidade dos trabalhadores e dos sindicatos…” Estamos numa sociedade que dá sinais claros e inequívocos de uma crescente injustiça, uma
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sociedade com grandes défices estruturais na economia, mas não só, com grande nível de desemprego, com baixa qualidade de emprego, e sem as necessárias propostas alternativas. A crise actual não pesa igualmente nesta situação? Há dimensões nacionais, mas há também europeias e internacionais. A jornada de luta de 28 de Setembro, dois dias antes do 40º aniversário da Intersindical, teve razões objectivas nacionais mas inseriu-se plenamente na jornada europeia, em Espanha, França, Itália, Bélgica, Alemanha e noutros países, em que os trabalhadores se uniram em luta contra esta crise, agravada com as próprias saídas adoptadas para a crise. Há aqui uma articulação clara entre objectivos nacionais e internacionais. As causas mais evidentes desta crise e do seu aprofundamento são a redução da retribuição do trabalho face à riqueza produzida, o aumento das precariedades no trabalho e o facto de, em nome da crise e de que perderam muito face às suas fortunas virtuais, os grandes accionistas do sector financeiro e dos grandes grupos económicos estarem a apoderar-se da riqueza produzida e do que havia nos orçamentos dos Estados para recomporem as suas hipotéticas perdas. Estão a fazer uma recomposição monumental da sua riqueza. Esta crise é o maior roubo organizado da história da humanidade. Que se reflecte nos índices de desemprego… Estes são os três grandes problemas. Ora o emprego tem que ser olhado como actividade visando a produção material de bens e serviços úteis à sociedade e não como actividade apenas para permitir a acumulação mais rápida possível de riqueza para alguns. É possível criar milhões e milhões de empregos em todo o mundo se for esse o caminho da produção de bens e serviços úteis. Para responder aos problemas da ecologia, do ambiente, para caminhos alternativos de desenvolvimento, para responder ao aumento da esperança de vida, à maior possibilidade de circulação no mundo, ter mais saúde e educação. Tudo isso implica a criação de empregos úteis, mas com outro uso da riqueza. A agricultura, a privilegiada relação com o mar, políticas industriais inovadoras em vários sectores e melhores políticas de saúde, educação e justiça são alternativas essenciais para a criação de mais emprego.
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O tecido empresarial português é dominado por pequenas e médias empresas…Esta realidade não condiciona a estratégia sindical dadas as dificuldades crescentes desse universo empresarial? Eu não diria dominado, mas antes representado…É uma situação que coloca novos desafios em relação às alianças sociais, e até políticas, que devem ser feitas na sociedade. Diz-se, hoje, que o capital está disseminado…mas nunca esteve, afinal, tão concentrado. O relatório da OIT (Organização Internacional de Trabalho) sobre a globalização, publicado em 2004, diz-nos que, no plano mundial, cerca de 50 mil empresas dominavam dois terços da economia. Se analisarmos, entretanto, o poder ou domínio dos dois mil maiores grupos económicos mundiais, ficamos impressionados. Os orçamentos de muitos grupos económicos são superiores a dezenas e dezenas de países. É situação que se repete no nosso tecido económico? A economia portuguesa tem uma estrutura de muitas pequenas empresas, mas em muitos sectores há dois ou três grandes grupos que condicionam e submetem a estratégia dos pequenos. Continuamos, por exemplo, a assistir, nesta fase da evolução do sistema capitalista, a um argumentário permanente no sentido de os trabalhadores fazerem sacrifícios nos seus salários pois assim resolveriam os problemas todos. Ora, se formos objectivos, muitas pequenas, médias e até, às vezes, grandes empresas, ganhavam muito mais espaço de manobra e até capacidade financeira se lhes reduzissem custos de contexto, custos energéticos, custos de telecomunicações, custos, enfim, que integram os factores de produção dessas empresas. Esses custos engordam os grandes grupos mas atrofiam os mais pequenos. Que não reagem… O domínio do poder financeiro, que se tornou especulativo, leva a uma desconexão absoluta entre a estrutura e mesmo a produção de uma empresa. A sua estratégia baseia-se na utilização da empresa como plataforma para a especulação financeira. Isto desvirtua tudo. Lamentavelmente, muitos pequenos e médios empresários, em vez de se voltarem contra essas limitações, ou peias, e outros entraves da burocracia do Estado, insistem no apertar do cinto dos
trabalhadores. Ora, muitas vezes, os custos salariais dessas empresas representam 10 ou 12 por centos dos custos globais de produção. Alguns deles também têm, aqui e ali, as suas pequenas acções e encolhem-se. Contradições insanáveis? Vivem num mundo contraditório. E as contradições estão a aumentar. A verdade é que o povo está a ser encostado à parede, mas as contradições no seio das diversas classes e subclasses ligadas à estruturação do poder económico estão a aumentar muito. Vão ter que emergir expressões dessa contradição dos sistemas de desenvolvimento das sociedades e dos diversos estratos do poder económico e financeiro… Marx revisitado? Profundamente. Eu comungo sinceramente desta ideia: nós estamos em fase de grande mudança da sociedade. Há duas questões que refiro insistentemente e que, apesar de serem lugares comuns, O emprego tem não deixam de ter validade. que ser encarado Sempre que há uma crise só há para a produção uma certeza: haverá sempre uma material de bens e saída, de contrário seria a negação serviços úteis à da própria sociedade humana. sociedade e não Agora, pode-se sair melhor ou apenas para permitir pior. Não há determinismos. a acumulação mais Depende tudo das opções e da rápida possível de forma de agir dos seres humanos. riqueza para As pessoas é que são determinanalguns. tes. As evoluções tecnológicas, científicas, as mudanças organizacionais e comunicacionais são, de facto, importantes, mas o que faz a mudança é a evolução social. Que evolução social? É outra questão essencial. Não há receitas predefinidas, há projectos. E há uma similitude muito grande, embora num contexto diferente, entre o que se observava no caldeirão social de meados do século XIX, período em que Marx e Engels escrevem o Manifesto. Foi um alerta numa altura em que se desconheciam as saídas, mas elas estavam a germinar. Hoje também estão…E todos aqueles que acreditamos no progresso, que defendemos valores em que a centralidade do desenvolvimento é o ser humano, estamos desafiados a construir projectos e a agir. As soluções resultarão disto. Não há uma solução na manga.
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Entrevista
Está em gestação. Esta crise é uma prova irrefutável disso e os sinais, dos pontos de vista global e micro, também são evidentes. Se há algo que se tornou claro nesta viragem do milénio é a emergência de novos actores no mundo, países e blocos de países que sacudiram o conceito de globalização de há uma década. Não haverá aí um espaço de oportunidade para Portugal? Temos o espaço lusófono… Temos que encontrar oportunidades e o espaço lusófono é um espaço importante. Somos um país europeu, mas não devemos comportar-nos como o bom aluno, uma velha ideia, em tempos apadrinhada pelo actual Presidente da República, de mero seguidismo de tudo o que está predeterminado. Isso é um erro tremendo. E todos os que continuam a pensar assim estão a comprometer o futuro da sociedade portuguesa. Devemos, como europeus, afirmar as nossas posições no espaço europeu, mas como país do sul, Os que com uma experiência quase mileacreditamos no nar de aproximação e contacto progresso, que com outros povos e continentes, defendemos valores Portugal deve aprofundar as em que a relações com terceiros e tem, centralidade do nomeadamente, de valorizar o desenvolvimento é o cada vez mais importante espaço ser humano, estamos de língua portuguesa. desafiados a A Europa vive momentos difíconstruir projectos e ceis… a agir… Um dos aspectos mais negativos da evolução da Europa nos últimos tempos é a secundarização da sua relação com terceiros. A Europa negou-se, ela própria, como espaço autónomo e como espaço de solidariedade e de soberania dos povos. Com esta política - e Durão Barroso é colocado em Bruxelas, por isso, por que se identifica com essa postura neoliberal – o espaço europeu tornou-se, no contexto da crise global, o pólo mais conservador, que puxa mais para trás as soluções no plano mundial. Europa tem aquisições e valores importantes, mas tornou-se um factor de impedimento de resposta aos grandes problemas. Temos eleições presidências à vista… O actual presidente caminha numa lógica, do ponto de vista estratégico, do mais do mesmo. É a lógica do centrão político que há décadas diri-
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ge o país e o desarmou no que respeita ao aparelho produtivo, à formação e educação, investigação e à procura de caminhos novos em sectores de actividade ou em áreas específicas de estudo. Tudo isto foi secundarizado. Esta doença a que o centrão político nos conduziu continua viva e a influenciar toda a sociedade. É contra isto que temos de remar e de descobrir caminhos novos. É um desafio para todos nós. É o líder da CGTP desde 1986… Citou uma vez um seu filho, que afirmou: “É mau quando as pessoas se confundem com as instituições e as instituições se confundem com as pessoas”. É essa a razão porque não vai continuar? Há um conjunto de factores, de ordem colectiva e individual, que se cruzam. De dimensão pessoal e de dimensão da instituição. Disse, já várias vezes, que o meu desejo de saída não é de agora. No final dos anos 90, e em função do contexto social, económico e político do país, da dinâmica sindical e também de desafios próprios da minha vida, a minha ideia era de que em meados da década actual, seria uma boa altura para sair. Por razões mais ligadas aos objectivos da CGTP e em particular por reconhecimentos e apelos colectivos que me deixam satisfeito, acabei por ir prolongando. Agora é definitivo? Não está em causa a minha disponibilidade. Julgo que na avaliação geral dos meus camaradas não estão em causa as minhas capacidades de responder aos desafios, mas tudo tem um tempo e começa a ser tempo demais. É preciso dar sinais de renovação, e desejo que outros camaradas o façam também com clareza. É preciso deixar apelos fortes a responsabilizações colectivas para a continuação deste projecto, e em particular às gerações mais novas. Os jovens vão percebendo cada vez mais que o sindicalismo é um instrumento, mas também um espaço em que podem e devem agir. Quando lhe perguntaram sobre a possibilidade de uma candidatura presidencial respondeu que “nenhum português deve abdicar dos seus direitos sociais e políticos, os seus direitos cívicos…”. A intervenção política é uma hipótese de futuro? Costumo brincar, ao dizer que sou um cidadão privilegiado…já estou para além dos 60 anos e tenho a felicidade de dizer ‘não sei o que vou fazer daqui a algum tempo’. Continuo, e espero
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que a saúde também me ajude, a ter a perspectiva de uma participação activa, trabalhando, intervindo na sociedade. Não sei com rigor o que vou fazer. Esta vida não me permite acumular riqueza, como também não tive heranças significativas do ponto de vista material – tive outras…tenho de trabalhar para viver. Tenho uma filha com sete anos e quero acompanhá-la o mais possível. Tenho, portanto, que encontrar trabalho. Doutorou-se em Sociologia. É um caminho possível? Do ponto de vista de intervenção, tenho de encontrar espaços que me permitam uma intervenção, digamos, sociopolítica. Um sindicalista não deixa, por princípio, de ser sindicalista, não perde a identidade, e no meu caso, com as causas de uma vida. Por outro lado, quero continuar a estudar, a reflectir e a intervir sobre as questões do trabalho e do sindicalismo, do desenvolvimento e da transformação da sociedade. O ensino é uma hipótese? Fez parte da Assembleia de revisão dos Estatutos da Universidade… É provável que estabilize e que tenha alguma intervenção na área académica e na investigação. Espero ter alguma relação com o Centro de
Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, mas não só. Mas, aí, são actividades mais sociolaborais que sociopolíticas. Logo veremos. Mas não tenciono distanciar-me das causas do trabalho, da sociedade, do desenvolvimento. A CGTP celebra quatro décadas. A Inatel comemora 75 anos. Que imagem tem da Fundação, da qual, aliás, a CGTP faz parte como membro do Conselho Consultivo? Estruturas como a Inatel, voltadas para as actividades culturais, recreativas e de lazer, têm um conjunto novo de desafios de revitalização e renovação de concepções para resposta a isto. Espero que a Inatel mantenha a sua génese, de identidade com o trabalho, de preocupação com aqueles que têm menores recursos e não seja alienada para esta sociedade de mercado, para uma lógica de privatização, que seria um absurdo. Uma das componentes fundamentais para a resposta na criação de empregos é o espaço público. Numa sociedade desenvolvida – e esperemos que a saída para esta crise não seja um desastre – estamos desafiados a ter mais responsabilidade e mais actividade pública. Pode ser em formas diferentes de organização, mas o emprego aí não vai ser menor, por isso não alienemos estruturas que são importantes cumprir esses objectivos. n OUT 2010 |
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Património
Museu do Côa Uma viagem à alvorada da Humanidade
O Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa é apresentado, naquilo que se escreveu e disse até hoje, como um monólito, um “bunker”, ou ainda uma nave pousada na paisagem. São definições que procuram uma aproximação imagética ao objecto. Todas servem, mas a que mais me agrada é a que compara o museu a uma nave. 20
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sto porque a primeira imagem que colhi do edifício teve lugar da estrada que vem de Castelo Melhor, precisamente na descida que conduz ao fundo do vale, onde o Côa conflui com o Douro. Adiante, assente no topo de um monte, do outro lado do rio Côa, lá está a obra, impondo-se na paisagem, sem no entanto a agredir, ou parecer deslocada. Este é, logo, o primeiro trunfo do edifício, a sua integração na paisagem, tanto na localização, quanto no volume e ainda na textura e na cor. Tudo bate certo, como um puzzle a que não falta peça alguma. O museu é ainda um bebé, foi inaugurado no passado dia 30 de Julho, sendo, em área, um gigante, pois é o segundo maior de Portugal. A obra estava prometida há anos, o processo foi demorado, mas valeu a pena. Tudo começou há 15 anos, quando depois de uma acesa polémica, que mobilizou boa parte do país, e teve grande eco na comunicação social, o poder político suspendeu a construção da barragem próxima da foz do Côa.
Património mundial Desta decisão resultou a não submersão de um extenso vale, que para além do seu valor paisagístico, para além de ter poupado muitos hectares de vinha excepcional, salvou da inundação um singular conjunto artístico que remonta à
pré-história, composto por milhares de desenhos gravados em placas de xisto, que viria a originar o maior museu ao ar livre do Paleolítico, de todo o mundo, denominado Parque Arqueológico do Vale do Côa. A importância do lugar viria a ser reconhecida prontamente e logo em 1997 a arte do vale do Côa é classificada Monumento Nacional e no ano seguinte foi declarada como Património Cultural da Humanidade. O Museu, sendo uma promessa é também mais um passo na valorização do património plasmado nas placas xistosas do vale. E, assim, finalmente, temo-lo construído, à disposição de todos. Mas vamos aproximar-nos e para isso é necessário entrar na novel cidade de Vila Nova de Foz Côa, depois, a sinalética, abundante, conduz-nos ao museu, que se localiza fora da malha urbana. Uma estrada de bom asfalto, que no passado terá sido um caminho rural coloca o visitante em contacto directo com a paisagem da região, de que a forma mais imediata e visível são os muros de xisto - material estruturante de toda a região - que acompanham o percurso, apresentando nalguns trechos belíssimos padrões. Mas eis-nos chegados às portas do museu. Bem, “portas” é uma maneira de dizer. Ou seja, a entrada não se faz por uma porta pois o edifício, na sua singularidade, tem o acesso ao nível da cobertura, através de um longo corredor inclina-
As diversas salas mantêm um diálogo entre o artificial e o natural através da mais sofisticada tecnologia
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Património
Informações Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa Horário: Todos os dias excepto às Segundas-feiras, das 9h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30; Tel: 279 768 275 Parque Arqueológico do Vale do Côa
Horário: De Terça a Domingo, das 9h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30. Para se efectuar a visita, no caso do Parque Arqueológico, é necessário fazer marcação prévia. Tel: 279 768 260/1
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do, que, se quisermos pode simbolizar o próprio vale do Côa, vencendo o declive e conduzindo à recepção. Outra das soluções originais e adequadas ao terreno que a dupla de arquitectos, Tiago Pimentel e Camilo Rebelo, idealizou.
Do interior à paisagem Então, sim, somos, admitidos às diversas salas que acolhem os elementos que são a matériaprima do museu. A luz é ténue e aveludada, as paredes negras. Assim, a primeira impressão que colhi foi a de ser sugado, ou melhor dizendo, envolvido, pelo espaço circundante. Isto cria desde logo um ambiente propício à concentração, à viagem no tempo, “até à alvorada do desenvolvimento da Humanidade”. Há aqui um diálogo entre o artificial e o natural, sendo que caminho para a passado é feito através da mais sofisticada tecnologia, nomeadamente a tecnologia multimédia, desenvolvida em colaboração com diversas universidades, materializando-se, por exemplo, nos painéis de luz onde se vão sucedendo imagens, fotografias e desenhos, principalmente. Para além disso, estão expostas peças originais, as denominadas Placas de Arte Móvel do Sítio do Fariseu, série de pequenas placas de xisto gravadas, complementadas com reproduções de grande efeito, exemplos expressivos da arte do Côa, como a Rocha 1 do Fariseu, a Rocha 3 da Quinta da Barca, a Rocha 11 da Canada do Inferno e a Rocha 16 do Vale de José Esteves, onde são visíveis as técnicas utilizadas, como a incisão, abrasão e picotagem, assim como alguns
dos motivos mais representados pelos artistas do Paleolítico que habitaram esta região, como os auroques, os cavalos, os veados, as cabras monteses e diversas espécies de peixes. Exteriormente, especialmente da cobertura, uma extensa superfície de betão enrugado que pretende imitar uma sucessão de placas de xisto, efeito conseguido através da moldagem das lajes e da utilização de inertes e pigmentos, resultando numa aproximação aos tons dominantes em redor, temos uma vista que fica, com toda a certeza, gravada na memória de todos os que pisarem aquele terraço que parece suspenso sobre o vazio. Chegados à extremidade abre-se a toda a volta uma enorme extensão de território dotado de rara beleza. A primeira coisa que se retém é sua vastidão, depois vem a forma, uma sucessão de montanhas de cumes arredondados e contínuas pregas, montanhas nalguns pontos talhadas por socalcos onde a vinha está plantada, e aqui e ali, distantes, uma casa de quinta, ou o perfil de uma povoação e, finalmente, no fundo, a fita dolente do Douro, porque represado pela barragem do Pocinho, e a extremidade final do vale do Côa, onde por vários quilómetros e em diversos locais, se encontra o maior conjunto do mundo de arte rupestre do Paleolítico. E é a desconhecidos artistas do Paleolítico que, afinal, devemos a existência do Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa, um museu que é uma peça científica, uma peça estética e, certamente, será também uma peça de progresso para a região e de orgulho para o País. n José Luís Jorge (texto e fotos)
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Viagens
Roseta
A cidade e o Nilo Uma cidade sem turistas no hiper-turístico Egipto? Com a vida rural do Delta às portas, quase como no tempo em que Eça por ali passou? Roseta, a cidade da famosa pedra, é um dos poucos lugares da terra dos faraós onde o viajante é recebido como aquilo que é ou deseja ser: viajante.
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Egipto está longe de se esgotar em maravilhas faraónicas. O Nilo, eixo das civilizações que se desenvolveram nesse vasto território, faz uma longa viagem desde as nascentes, no coração de África, para expirar serenamente no Mediterrâneo, em dois braços que germinam a partir dessa insana cidade que é o Cairo. Entre esses dois cursos de água estendese o Delta, celeiro, pomar e horta do país. Sim, o Delta. O Delta que os compêndios de geografia incensam e que a panfletária turística ignora. Em toda a parte, o turismo extermina a figura do viajante, há muito se disse e escreveu. O autóctone que vê arribar o forasteiro, alegremente de nariz no ar e câmara fotográfica em punho, sabe que ali vem, antes de mais, um (virtual) freguês. O resto, o teatro da hospitalidade, a pantomina que extasia o turista, vem por estratégico acréscimo. O turismo extermina delicadamente – porque é bem-educado – as relações que noutras eras marcavam o encontro entre viajantes e nativos – fossem estes europeus, africanos ou asiáticos. O Egipto, esse relicário imenso de faraónicos patrimónios, de turbas incessantes entretidas com retratos de pirâmides e esfinges (e acossadas 24
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no acto por multidões de vendedores de vasta e inútil quinquilharia), ainda guarda algum lugar a salvo de tais orgias? O Delta. Sim, o Delta. E se praticamente todas as cidades do Delta – Dumyat, Tanta, Zagazig ou El Mansûra – estão convertidas em pólos industriais ou em centros administrativos, o Delta tem ainda um prodígio para revelar, o de uma cidadezinha onde o turismo quase não chegou. Roseta, que fica a cerca de uma hora da buliçosa e cosmopolita Alexandria, quase não conhece turistas. Num único dia é provável, até, que não passe por lá mais do que um viajante. Desfecho: o afortunado é recebido como um príncipe. Ou melhor, muito melhor: como um familiar extraviado, um irmão desencaminhado que regressa a casa. É dessa cidade e do ambiente do Delta, nas verdes redondezas, que dá conta esta prosa.
O nome da pedra Um bom passeio por Roseta requer à volta de um par de horas – ou mais, todavia, se nos prestarmos a responder a todas as solicitações para fotografias ou conversa – que, de resto, se faz a maioria das vezes por gestos, que quase não há por aquelas bandas gente que fale mais do que árabe.
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Nas ruelas estreitas abundam mercados, abastecidos com produtos agrícolas do Delta: mangas, goiabas, bananas, melancias, beringelas de generoso porte, toda a sorte de legumes, enfim. Aqui e ali encontramos exemplares das belas casas otomanas da região. Algumas estão abertas à curiosidade dos viajantes, outras em curso de restauro. Todas narram histórias de tempos áureos, os do século XIX, quando o comércio fez a fortuna da burguesia local. A cidade é famosa, sobretudo, pelo nome que deu à pedra, à famosa Pedra de Roseta. Foi no século II a.C. que uns certos sacerdotes de Mênfis lavraram uma inscrição em pedra basáltica, com três tipos de escrita, as mais usadas, na altura, no Baixo Egipto: a demótica, a grega e a escrita hieroglífica. Para Champollion, no século XIX, a decifração da escrita hieroglífica não podia ser mais fácil. De Roseta à foz do Nilo, são uns cinco quilómetros, que se prestam a ser percorridos num dos frequentes autocarros que para lá se dirigem, ou numa carruagem puxada por cavalos. Alternativa para o regresso pode ser fazer o caminho a pé - ao longo do Nilo, de um lado, e de campos cultivados, do outro. No flanco da estrada, a vida rural no Delta oferece-se ao caminhante, sem descrições ou representações intermediárias: as gentes dobradas na faina da ceifa, sob um sol severo, búfalos a arrastar charruas (os últimos, quiçá, cada vez mais substituídos por pequenos tractores), burricos tristes a trotar, à força de chicote, com suas carroças atravancadas, campos e cam26
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pos de arroz, palmares e palmares a perder de vista.
Na cadeira do barbeiro No fim da estrada, e depois do primeiro casario do povoado de Qaytbay, eis o forte. O sultão deu o nome a ambos, ali plantados à beira da foz do braço ocidental do Nilo. Numa ruela adjacente ao forte, a caminho do palmar que se estende até onde as águas do rio terminam a sua jornada de seis mil quilómetros, há uma rapaziada que interpela o viajante. À falta de vocábulos em língua comum, vale a mímica. Há muito o sabe quem mete os pés ao caminho: quem tem mãos e braços (além de pernas, claro) vai a Roma. E a Roseta. Aceno puxa aceno, lá nos entendemos. Uma cadeira arrastada com firmeza convida o caminhante exausto a sentar-se à sombra. De uma porta do outro lado da rua sai uma bandeja com chá. O cachimbo de água, com sabor a maçã, acende-se num ápice. Num ápice, é como quem diz, porque nestas terras ninguém tem pressa. Mais sinais, gestos, trejeitos. Mímica. Dois braços abertos a balançar são um avião a levantar voo ou a pousar, um jogador de futebol é retratado por um pontapé numa lata, uma mulher é um gesto de colocar uma aliança no dedo. Sorrisos e um desafio, agora, traduzido de um toque de dedos a passear sobre a cabeça de Ahmed. Um corte de cabelo? Abre-se a barbearia, que estava fechada por falta de clientela, e toca a esmerar: o viajante há-de sair dali com melhor aspecto.
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Oferta da casa, oferta da aldeia de Qaytbay, oferta da gente que mora na foz do Nilo. A seguir, vem a visita ao forte, o tal que tem o nome do sultão, com as suas pedras aproveitadas
de construções muito, muito antigas, pedras que têm hieróglifos lavrados. Num canto do forte, descortina-se um espaço vazio na parede, quase um buraco, de onde arrancaram, em tempos,
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Viagens
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Zaghoul, junto à marginal,
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Alexandria, onde se pode
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Alexandria há, também,
que cruzam o Delta e fazem o
qualidade razoável e tarifas
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transporte directo para Roseta.
uma certa laje. A ignorância do viajante é colhida de surpresa e transformada em pergunta: não é que a Pedra de Roseta deveria chamar-se, antes, Pedra de Qaytaby?
Através do Delta Eça acrescentou ao título acima: “Considerações sobre o Egipto contemporâneo”. E assim se ficou a chamar o sub-capítulo do livro que reúne as suas notas de viagem ao Delta, por alturas da inauguração do Canal de Suez. Muitas coisas terão mudado desde então, enquanto outras, como a fisionomia do Delta, se conservaram, genericamente falando. O nosso viajante, impressionado, deteve-se durante algumas páginas na condição miserável do fellâh, o camponês do Delta: “A verdade é que o fellâh não possui. Possui o Paxá, possuem os Beys, possuem as mesquitas. O fellâh trabalha, reza e paga. Não tem propriedade, nem liberdade, nem família”. A vida dos camponeses, tal como Eça a achou no Delta, é hoje diferente no Egipto, mas ninguém afiançará que tenha sido banida dos campos do planeta: “Um dia, um homem vem e leva-o para trabalhar nas fortificações de Alexandria, nas minas do Sudão ou nos canais do Alto Egipto. A mulher e os filhos desgraçados vão mendigar. Quando o fellâh envelhece, mendiga também ou então fica a um canto da cabana, imóvel, abandonado, esperando. Um dia é atirado, morto, à vala: a mulher acompanha-o, dando gritos agudos, torcendo os braços. Os filhos, esses não têm 28
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tempo: estão no chadúf: cantando”. O chadúf é o sistema de regadio e o canto uma consolação para suportar o trabalho. Claro que sempre se pode viajar sem atentar em nada do género – como, por exemplo, camponesas de rosto totalmente coberto, vergadas, ao sol do meio-dia, sobre as searas. E admirar, também como Eça admirou, através das janelas dos wagons, a mansa paisagem do Delta: “Vemos até ao largo horizonte os descampados frescos, cheios ainda do Nilo. A paisagem é uma grande planície verde, marejada de água. Não há paisagem mais serena, tão humana, tão docemente fecunda (...) Tudo largo, liso, imenso e coberto de luz. Tudo aquilo nos surpreende como se entrássemos num mundo antigo, histórico. Aquelas longas linhas, aquela transparência de cores, a serenidade daqueles horizontes, tudo faz pensar num mundo que se desprendeu das contradições da vida, e entrou, se fixou, na imortalidade”. n Humberto Lopes (texto e fotos)
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O valor de uma jóia… As jóias com pedras preciosas estão, habitualmente, associadas à moda e à ascensão social, mas há quem guarde jóias de família, verdadeiras preciosidades de valor incalculável que, em momentos de crise, podem constituir uma alternativa para ultrapassar as dificuldades financeiras.
s sucessivas notícias de aumento do desemprego e os consequentes problemas monetários que afectam as famílias são uma constante na imprensa nacional. Um quadro dramático que se traduz no florescimento do sector ligado à compra e venda de jóias, nomeadamente as usadas, recurso final de numerosas famílias com dificuldades financeiras. E, se de repente, alguém lhe dissesse que a jóia que guarda com tanto carinho não tem o valor que julgava ter e que a vistosa pedra que a adorna é falsa? Independentemente do sentimento de dúvida ou desilusão, importa prevenir enganos quer no acto de aquisição de uma jóia com pedras preciosas, nova ou usada, quer quando se recorre a uma joalharia para avaliar ou reparar uma peça.
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Perigos e Garantias Um contributo importante surge da parte de António Baptista, diplomado em Gemologia pelo Instituto Gemológico Espanhol - Instituto Tecnológico e Geomineiro de Espanha e avaliador oficial da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (desde 1979), que fundou em 2008 no número dezanove da Rua Garrett, em Lisboa, a Associação Portuguesa de Gemologia (APG) - Instituto Gemológico Português, uma organização sem fins lucrativos que ensina os agentes ligados à ourivesaria e pedras preciosas e o público em geral, a reconhecer o valor e a qualidade de uma pedra preciosa. 30
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Enquanto para o ouro e prata as marcas dos punções de contrastaria atestam a qualidade do metal, em matéria de pedras preciosas no nosso país existe uma lacuna legal que abre campo à comercialização de imitações pagas a preço de verdadeiras gemas. “Através da gemologia – assinala António Baptista – é possível identificar a origem, composição, estrutura e propriedade de todos os materiais gemológicos, incluindo técnicas e tipos de talhas que realçam a beleza das gemas e eventuais tratamentos a que são submetidas”. “Esta ciência – adianta – permite, ainda, distinguir as pedras obtidas por síntese, suas imitações e tratamentos para melhorar o aspecto.” Os diamantes, rubis, safiras, esmeraldas, jade e muitas outras gemas têm um elevado valor comercial, pelo que ao longo dos anos surgiram técnicas de imitação muito evoluídas com as quais é possível ludibriar pessoas menos atentas ou mesmo especialistas, alerta este experiente gemólogo que, confessa, ter recorrido algumas vezes a laboratórios mais fidedignos e bem apetrechados como o existente na Suíça, para com outros peritos reconfirmar a raridade daquelas gemas que valem uma fortuna. Segundo o especialista dirigente da APG, a diferença, por exemplo, entre uma zirconite e um diamante “é abissal em termos de valor e beleza” e, sublinha, que “no acto da compra de uma jóia deve, sempre, ser solicitado um certificado de garantia, onde estejam expressas todas as características da pedra, nomeadamente, quanto à cor,
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pureza, corte e peso em quilate”. Idêntico cuidado deve adoptar quando for reparar ou avaliar uma peça. Solicitar um documento ou talão com a descrição e características da jóia que vai deixar depositada é a forma de assegurar que as pedras originais não serão substituídas.
Associação Portuguesa de Gemologia A Associação Portuguesa de Gemologia (APG) – Instituto Gemológico Português promove acções gratuitas de sensibilização e avaliação de peças durante todo o ano, bem como ministra os cursos de Iniciação à Gemologia (com duração de dois dias) e
Instrumentos
Diploma em Gemologia (com duração de 10 meses). Informações
António Baptista sugere, ainda, que a jóia seja guardada no estojo de origem, pois em caso de venda a peça sai valorizada pelo seu conjunto e, adverte, para o perigo das transacções clandestinas ou de rua. “São locais onde o controlo é menor e a comercialização de peças falsas ou ilegais se propaga com maior fluidez.” E, a propósito dos mistérios que envolvem o negócio da extracção de gemas, recorda os “diamantes de conflito” na Serra Leoa, extraídos à custa de trabalho escravo e cujas gemas clandestinas serviram para pagar mais de uma década de violência naquele pais. Conflito que, aliás, inspirou Edward Zwick na realização do filme “Diamante de Sangue” (2006) que contou com Leonardo Di Caprio no papel principal. António Baptista não dispensa no seu dia-a-
em www.apgemologia.org ou tel.: 213 240 100/101
dia o Espectroscópio, a Lupa Binocular, o Microscópio, a Flurescência e o Polariscópio, com os quais consegue aferir a autenticidade de uma gema e, adianta, que a pouca formação de quem trabalha no sector representa, ainda, um perigo que pode induzir a compra ou venda de gato por lebre. Por esse motivo, reconhece o esforço da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM) que dispõe já de uma equipa de gemólogos, e coloca à disposição todo o seu saber e as infraestruturas da APG com vista a sensibilizar e formar todos os agentes e intermediários deste importante nicho de mercado. n Glória Lambelho OUT 2010 |
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Paixões
Tiago Rodrigues Conta-me estórias Escreve para teatro, encena, representa e produz peças. Tanto o podemos ver a pisar as tábuas do palco, como a surgir na tela gigante do cinema. Dá aulas. Já fez guiões de programas televisivos e já escreveu para jornais. Gosta de co-autorias. Apanhámo-lo num intervalo dos ensaios da primeira peça do grupo Companhia Maior – e uma revolução tranquila se anuncia. Falamos de Tiago Rodrigues.
E
se, de repente, a princesa Aurora do clássico “A Bela Adormecida” ao ser despertada pelo beijo do príncipe, reparasse que o tempo tinha mesmo passado, que tanto eles como todos os habitantes do palácio estavam envelhecidos, frágeis e com rugas? Este é o ponto de partida escolhido por Tiago Rodrigues, autor e encenador da primeira peça apresentada pelo grupo Companhia Maior. Uma particularidade: os 15 actores deste novo grupo de teatro residente do CCB têm todos mais de 60 anos e um percurso profissional ligado às artes de palco. Razão para ali nos cruzamos com Kimberley Ribeiro, que foi bailarina da Companhia Nacional de Bailado e também com Michel, uma referência no sapateado e que com outros enriquecem de música e dança este trabalho inaugural. Desde Março que o grupo frequentou workshops de teatro, de dramaturgia, de música e ainda de movimento e dança. E Tiago Rodrigues confessa: “Só tive realmente vontade de escrever este texto depois de ter trabalhado e ter feito workshops com eles. Aí percebi o tipo de abordagem que podia fazer reescrevendo e adaptando “A Bela Adormecida”, onde tudo gira à volta da memória e da passagem do tempo. Mais, “este grupo puxou pelo projecto no sentido de ser uma companhia, de ter um futuro, de continuar a funcionar, de ser profissional”. E dá o exemplo da mais velha actriz do grupo, 32
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Maria Celeste Ribeiro, que foi às Finanças abrir actividade como actriz e vai fazer o seu primeiro trabalho profissional aos 79 anos. Foram-lhe pedidas provas e apresentou o contrato mais os cartazes da peça. Com os restantes companheiros, ensaia todos os dias das 9 às 5 da tarde. “Mas a sabedoria e entrega com que essas horas do dia são encaradas é única”, revela o encenador. “O que descobrimos em cinco minutos de ensaio, eu demoraria semanas a desenterrar com um grupo de trabalho com gente mais jovem – e eu próprio a descobrir – isto é óbviamente uma aula para mim”. Com estreia a 28 de Outubro, “A Bela Adormecida” vai estar em cena quatro noites no Pequeno Auditório do CCB, antes de iniciar uma digressão nacional de três meses. Já têm na agenda subidas a palco em Vila Real, Bragança, Estarreja, Porto, Viseu, Torres Novas e Faro. Depois deste trabalho, no próximo ano outro criador convidado fará novo espectáculo com este grupo. Para já Tiago Rodrigues toma o gosto ao desafio de pensar, escrever e encenar o primeiro espectáculo da Companhia Maior, “o inventar uma identidade: a companhia é isto, este é o primeiro espectáculo, é o que nós fazemos, venha o próximo”.
Há teatro na varanda… Antes dessa estreia, encena e dirige um espectáculo no mínimo singular. Faz de sete varandas de um hotel o palco para outras tantas peças de tea-
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tro, todas a decorrer em simultâneo. Da rua e munido de auscultadores, o público estará a ouvir as estórias a decorrer em cada uma das varandas. A que propósito? - é simples. O Hotel Lutécia e o Teatro Maria Matos coexistem no mesmo edifício faz, dia 22 de Outubro, 41 anos, a sala de espectáculos foi oferecida à cidade pelo construtor do hotel. E este é um edifício que conta duas histórias paralelas com muito em
comum: a porta das traseiras por onde entram os cenários é a mesma porta por onde saem os lençóis dos quartos do hotel. Para este espectáculo de apenas 3 sessões, de 22 a 24 de Outubro, o encenador põe os espectadores literalmente de cabeça no ar a ver teatro escrito por ele e mais 6 dramaturgos – num trabalho de co-autoria que faz com alguma regularidade. OUT 2010 |
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Paixões
temporânea”, e durante uma temporada contacta com outros artistas portugueses.
…Se uma janela se abrisse
Para garantir que todos os projectos em que está envolvido acontecem à hora certa e sem atropelos, criou em 2003 com Marta Bizarro, o Mundo Perfeito. É ela quem dirige toda a parte prática da produção e da administração, “Basicamente consegue concretizar as loucuras todas que eu lanço para o ar e chama-me a atenção quando eu peço coisas completamente impossíveis”, resume por entre risos. Mundo Perfeito acaba por surgir numa altura em que trabalhava muito no estrangeiro, com os STAN, onde participava em espectáculos um pouco por toda a Europa. Foi então que começou a sentir necessidade de ter uma estrutura para onde pudesse canalizar a criatividade, concentrar o trabalho e ter uma actividade regular em Portugal, no fundo, que organizasse “um percurso muito disperso a trabalhar em televisão, no cinema, a escrever argumentos para aqui, a conceber um projecto para ali, a trabalhar como actor para esta companhia ou para aquele realizador”. Esta estrutura é também responsável por colaborações como a que vem mantendo com o Festival Alkantara – um festival que durante 20 dias traz aos palcos de Lisboa performers de teatro e dança do mundo inteiro. Já em Novembro, em vez de ir dar aulas na Parts, em Bruxelas uma escola de dança da companhia Rosas e da coreógrafa Anne Teresa Keersmaeker – vêm os alunos daquela escola para Lisboa receber essas mesmas aulas. O Festival Alkantara acolhe este grupo que “é uma espécie de elite da dança con34
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Mas este impulso para intervir e lançar questões vem desde há muito. Com 13 anos já escrevia crónicas para jornais. Mais tarde veio a integrar projectos de televisão como o Zapping ou Portugalmente, mas esclarece “eu teria vergonha de dizer que fui ou sou jornalista”, tem demasiado respeito por essa profissão. O certo é que olha para os diferentes trabalhos que faz e reconhece haver ali “qualquer coisa de jornalismo criativo, onde o documental e o jornalístico estão presentes, há um olhar para o que existe que é muito jornalístico, de exame”. E é um pouco de tudo isso que reflecte o espectáculo estreado no âmbito do Alkantara e que vai entrar agora em digressão. Se uma janela se abrisse, assume, “é notoriamente um espectáculo escrito e dirigido por alguém fascinado pelo jornalismo e pela escrita jornalística. O que escrevi é tudo ficção mas a partir de todas as regras do jornalismo, escrevi como se fosse uma reportagem televisiva”. As imagens do telejornal são projectadas como se fosse cinema e durante meia hora assiste-se a esse telejornal. Mas tudo o que se ouve é dito pelos actores que estão à frente da tela e a dobrar todas as personagens; contam uma estória completamente diferente da que o vídeo exibe, numa espécie de realidade paralela. E quando o apresentador fica em silêncio, os actores adivinhamlhe os pensamentos. Espectáculo produzido com o apoio da RTP, este trabalho serve de ponto de partida para debater o jornalismo televisivo. E o rapaz que começou muito cedo a escrever para os jornais, garante aos 34 anos que no seu trabalho não se cansa de fazer a mesma pergunta: será que isto funciona? “Há sempre essa vontade de estar a começar qualquer coisa e a necessidade de contar estórias de uma forma que seja a minha”. Mas desafia: “Agora contem-me mais estórias porque há muita gente para contar e sítios para onde ir. E sou compulsivo nisso.” É esse esforço de movimentar gente, de lançar questões, que não pode ser necessariamente demasiado regrado ou calendarizado. É essa compulsão que o faz avançar. n Manuela Garcia (texto) José Frade (fotos)
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Memória
Henrique Viana, o Calinas Falamos, este mês, de Henrique Viana, lisboeta do Bairro de Santa Catarina, onde nasceu a 29 de Junho de 1936, actor desde os 20 anos, cerca de vinte filmes, mais de trinta peças de teatro, telenovelas, séries televisivas, enfim, uma carreira cheia que fêz dele um dos actores mais populares e queridos do público português.
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ara a história da sua vida ficou célebre o «Calinas» com o seu ar sabido e malandreco, fatitotas espampanantes, trabalhando pouco e vadiando muito, amante da jogatina e das garotas, fadistão e bairrista, mas para sempre «alfacinha» de gema. Assim se definiu a si próprio o «Calinas» que deu fama e glória ao seu autor, Henrique Viana.
Da Guilherme Cossoul ao Nacional Se tudo começou na Sociedade Guilherme Cossoul, onde era o sócio número 8, não demorou muito a ser convidado por Amélia Rey Colaço para integrar o elenco da peça «O Lugre», de Bernardo Santareno. Do amador para o profis-
Em “Os imparáveis”, série sobre futebol, uma produção de Carlos Cruz
sional, o talento de Henrique manifesta-se tanto no teatro dito sério como na comédia ou na revista e não se estranhe que o empresário Vasco Morgado o tenha ido buscar ao Nacional para a alta comédia «Loucuras de Papá e de Mamã» (Teatro Avenida, 1962). Mas antes, muito antes, ainda miudo, Henrique foi marçano numa loja de retroseiro e depois tipógrafo e vendedor de electrodomésticos e empregado de escritório e funcionário público. Tudo para ganhar uns tostões e ajudar os pais.
Infância de menino pobre Naqueles distantes anos quarenta, quem os viveu sabe bem como tudo era difícil. Bichas para o pão, para o arroz, para o açúcar, para tudo, e a criança, nascida em 1936, filho de um cortador e de uma empregada num armazém frigorífico, vivia mal. Era um menino da rua: jogava ao berlinde e às caricas, brincava aos polícias e ladrões, andava à porrada com os outros meninos e, como muito bem disse o poeta, «à noite devia sonhar com potes de marmelada e dias de sol e banhos na praia».
Quase, quase toureiro Numa longa conversa que Henrique teve com o saudoso jornalista e poeta, Eduardo Guerra Carneiro, o actor contou que, antes do teatro, delirava com as touradas. Tinha um tio que o levava aos touros e até lhe ofereceu um borrego para treinar (!). «Como na casa não havia quintal, o borrego estava no primeiro andar e eu toureava-o com um lenço de seda vermelha da minha tia...» 36
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Intérprete do filme “A Santa Aliança”, de Eduardo Geada (1978). À esquerda, caricatura de Henrique Viana na personagem de “Calinas”, que foi nome de Revista no teatro Adoque (1977)
Henrique Viana no “Vampiro” do “1-2-3” em 1985
A «aficcion» durou pouco e o teatro entrou na vida de Henrique para sempre.
Raul Solnado e Adoque Henrique Viana trabalhou com as mais variadas gentes do teatro, Glicinia Quartim, Palmira Bastos, Varela Silva, Fernanda Alves, Jacinto Ramos, Jorge Listopad, entre muitos outros. Mas não esqueceu nunca a mão que Raul Solnado lhe deu numa altura menos boa da sua vida. Era o tempo de um dos maiores êxitos do teatro , «O Vison Voador», ao lado do próprio Solnado, de «O Tartufo» ou de «Sua Excelência o Pendura». Fundador do Adoque, com Francisco Nicholson e outros, foi um intérprete imprescindível em revistas como «Pides na Grelha», «Cia dos Cardeais», «A Paródia», «Ó Calinas, cala a boca». E aqui um parêntesis para recordar a figura criada por Henrique Viana muito por causa do seu apurado sentido de observação e de crítica. Nada escapava ao olhar crítico e bemhumorado do actor. Ele próprio escreveu: «O Calinas é-me familiar. Nasci e vivi em Santa Catarina, bairro popular entre a Bica e a Madragoa e bem perto do Bairro Alto. Conheço dezenas de Calinas, fui criado no meio deles e o meu Calinas é a caricatura dos autênticos que conheci e conheço.»
A morte chegou num Verão Henrique Viana morreu no dia 4 de Julho de 2007. Tinha 71 anos, uma vida cheia e um cancro levou-o deixando os nossos palcos mais pobres. Alfacinha de gema, nasceu num dia de São Pedro e morreu num dia de verão quente e luminoso como são os dias de Verão nesta Lisboa que Henrique Viana tanto amou. n Maria João Duarte OUT 2010 |
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Olho Vivo
Há festa na caverna “Aparece logo lá na caverna”, disse o troglodita que inventou as jantaradas, há doze mil anos. Cientistas de Jerusalém e do Connecticut descobriram numa caverna na Galileia, em Israel, os vestígios de um banquete anterior ao Neolítico e ao início da agricultura. Restos de 71 tartarugas e três gatos selvagens dão conta de uma das primeiras patuscadas colectivas realizadas pela Humanidade. Os ossos e carapaças mostram que foram cozinhados para uma refeição ligada a uma cerimónia fúnebre, a que terão assistido umas 35 pessoas.
A Lua está a encolher A Lua está a encolher, mas os amantes da lua-cheia não vão dar por nada, estejam descansados. O diâmetro do satélite perdeu 200 metros nos últimos cem mil milhões de anos, segundo investigadores citados pela revista Science, e continua a perder tamanho, à medida que o astro arrefece. Os cientistas do Instituto Smithsonian de Washington basearam a conclusão nos dados fornecidos pela sonda LRO da NASA.
Enxaqueca genética A enxaqueca tem um factor genético, segundo um estudo que tratou os dados de 50 mil pessoas na Finlândia, Alemanha e Holanda. Os pacientes com uma variante de ADN no cromossoma 8 que afecta a produção de glutamato no cérebro mostraram mais tendência para desenvolverem a doença. Na União Europeia e nos Estados Unidos, a enxaqueca atinge uma em seis mulheres e um em doze homens.
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Esclerose progride no Verão A actividade da esclerose múltipla pode aumentar nos meses de Primavera e Verão, segundo um estudo publicado na edição de Agosto da revista da Associação Americana de Neurologia. As novas lesões cerebrais descobertas em doentes entre os meses de Março e Agosto eram duas ou três vezes mais que nos outros meses do ano. O estudo durou dois anos, com exames semanais a 44 pacientes de um hospital de Boston.
Se comeu alho, beba leite Uma equipa de cientistas da Universidade Estadual do Ohio, nos Estados Unidos, recomenda: se comeu alho e não quer ofender ninguém com o seu hálito, beba um copo de leite. Segundo a revista Ciências da Alimentação, o leite “reduz significativamente” os níveis dos componentes sulfúricos que dão aquele cheiro ao alho. É a água e a gordura do leite que desodoriza o hálito. Para o efeito ser optimizado, devese ir dando um golo de leite, enquanto se come o alho, dizem os cientistas. Na próxima açorda ou bacalhoada, já sabe.
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A n t ó n i o C o s t a S a n t o s ( t ex t o s ) A n d r é L e t r i a ( i l u s t r a ç õ e s )
Gorilas à apanhada Cientistas das universidades de Amesterdão e Hanôver estudaram o comportamento de gorilas e descobriram que eles brincam ao tocae-foge e à apanhada, como as crias humanas. Os cientistas viram dezenas de horas de vídeos feitos em jardins zoológicos do mundo e vêm agora dizer na revista Biology Letters que os nossos primos primatas fazem exactamente a mesma brincadeira que as nossas crianças estão neste momento a fazer em qualquer pátio de jardim-escola do planeta.
Bicho mau Um parente mais pequeno do dinossáurio Velociraptor, o chamado Balaur Bondoc, aterrorizou a Europa há 60 milhões de anos, segundo uma descoberta publicada nas actas da Academia das Ciências Norte-Americana deste mês. O esqueleto fóssil, encontrado na Roménia, é o primeiro completo de um predador que percorreu as ilhas que constituíam esta parte da Europa no final da era dos dinossáurios. O Bondoc tinha uma arma única: duas garras por dedo e um dedo extensível.
O mistério do percevejo O percevejo, de todos os insectos e artrópodes que picam, mordem e sugam o sangue dos homens, é o mais desconhecido e intrigante de todos, segundo Stephen Kells, um especialista da Universidade do Minnesota. Intrigante porque não transmite doenças, ao contrário de todos os outros, apenas incomoda e retira uns micromililitros de sangue à sua vítima; desconhecido porque, uma vez que não transmite nenhuma infecção, não tem sido estudado. Mas tudo vai mudar, porque um reaparecimento em força do bicho de seis patas levou as autoridades de saúde dos Estados Unidos a desenvolver um programa de estudo e controlo. Ninguém sabe dizer porque é que o percevejo desapareceu em finais dos anos 50, para regressar 40 anos depois, no início do milénio, às camas dos americanos.
Prevenção do cancro do pulmão Um medicamento utilizado para tratar a diabetes pode prevenir o cancro do pulmão nos antigos fumadores, segundo uma investigação do Instituto Nacional do Cancro, de Filadélfia. A metaformina reduziu significativamente o número de tumores malignos em ratinhos sujeitos a doses de nitrosamina, a substância cancerígena mais comum na nicotina. Noventa por cento dos cancros do pulmão devem-se ao tabaco. Mais de metade destes casos ocorre em ex-fumadores. A descoberta vem no número de Setembro da revista Cancer Prevention Research.
Pais canadianos são os mais fixes Os adolescentes não podem escolher os seus pais, como se sabe, mas se fosse possível, os pais canadianos seriam a melhor escolha, segundo um estudo publicado no Journal of Adolescence. Cientistas das universidades de Montreal (Canadá), Rennes (França) e da Universidade Católica italiana compararam o estilo de controlo parental destes três países, de línguas latinas, tradição católica e industrialização avançada e constataram que os pais italianos são mais rigorosos, os franceses nem sim nem não e os canadianos mais permissivos. Mais de 1200 adolescentes classificaram os pais. OUT 2010 |
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A Casa na árvore Susana Neves
Marmelada com flúor Os segredos de “Dona Cidonia” quando era uma espécie de dentífrico e promovia a fertilidade em Portugal.
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a Grécia Antiga, um costume popular obrigava a jovem recém-casada a comer um marmelo cru antes de se deitar no leito nupcial. O objectivo era simples: combater o mau hálito, «impregnar a boca de um doce perfume, presságio de felicidade». Sendo pouco provável que apenas a mulher tivesse halitose ou a fera capacidade de roer um fruto tão rijo, ácido e adstringente como o marmelo, por certo, conforme lembra Pierre Lieutaghi (“Le Livre des Arbres, Arbustes & Arbrisseaux”, Actes Sud, 2004), este ritual de passagem servia para advertir a jovem inexperiente dos “desencantos” da futura vida conjugal. Claro que não se tratava apenas de uma “lição” propedêutica, era um costume e uma lei — imposta pelo Decreto de Sólon, poeta e reforFotos: Susana Neves
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mista grego — enraizados na consagração do marmelo a Afrodite, Deusa do Amor, e na redução da mulher ao papel da maternidade; na Idade Média e na Renascença era habitual os médicos gregos aconselharem as grávidas a comer o máximo de marmelos para os filhos serem mais fortes e sapientes. O marmelo e, por consequência, o marmeleiro (“Cydonia Oblonga Mill.”, do grego “kydonion + melon” = maçã de Kydonia, antiga cidade-estado na Ilha de Creta), deveriam por este motivo fazer parte da História da Sexualidade no Ocidente, sobretudo — a dedicada à vida conventual portuguesa. Senão, vejamos o protagonismo do marmelo (do latim “melimelum”: meli=mel + melum=maçã) transformado em marmelada pelas freiras bernardas cistercienses do Convento de S. Dinis, em Odivelas, no tempo em que o Rei D. João V vivia os seus amores adúlteros com Madre Paula. Escreve o novelista e jornalista Rocha Martins, nos anos 20, do século passado: «Em Odivelas tudo era doce, desde o amor que as freiras prometiam no fuzilar das suas pupilas e na suavidade das suas vozes, até à marmelada, de esquisita composição, com que se atafulhavam os aristocratas e os vates» (“Os Grandes Amores de Portugal”, reeditado em 2007, pela INAPA). O autor não poderia ser mais claro: a sedução freirática passava pela arte de confeccionar marmelada, uma invenção nacional secular, algo descuidada, o que permitiu aos ingleses plagiar a palavra, vendendo a sua prosaica compota de laranja amarga pelo nome de “marmelade”. Mas essa seria outra história, voltemos ao nosso “doce do céu”, à nossa fruta do Paraíso, aos marmelos miúdos (“Cydonia minor”) usados na confecção da marmelada. Terá a expressão “fazer marmelada” adquirido um duplo sentido — erótico culinário —, a partir das experiências vividas em alguns conventos portugueses? Independentemente da resposta ser afirmativa ou não, importa recordar a importância do Convento de S. Dinis de Odivelas na confecção de
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uma “delicatessen”: a marmelada branca, ainda hoje produzida e vendida na “Pastelaria Faruque”, em Odivelas. Fomos prová-la e perguntámos ao proprietário da “Faruque”, senhor José António, não o segredo da receita aprendida «com uma senhora que agora teria 100 anos» mas que tipo de marmelos escolhia, e se saberia a proveniência dos frutos usados pelas freiras na sua confecção. “A marmelada que vendo é feita com marmelos nacionais. Tenho três marmeleiros no meu terreno, quando vou comprar, escolho dos mais pequenos”, explicou, sublinhando que as dificuldades de acesso a Odivelas no tempo do Convento deveriam implicar a utilização de marmelos dos pomares da zona, de resto, conforme também nos disse um actual funcionário do Instituto de Odivelas, que ocupa desde 1900 o espaço outrora pertencente ao Convento, “na quinta do Instituto, há 33 anos havia muitos marmeleiros, hoje desapareceram”. O que significa que Rocha Martins, autor de “Os Grandes Amores de Portugal”, poderia estaria errado ao afirmar que a marmelada de Odivelas resultava de “esquisita composição”. De facto, na Biblioteca Nacional, em Lisboa, a receita da “Marmellada Branca“, incluída em “O Livro de Receitas da Última Freira de Odivelas” — uma obra de Maria Isabel Cabral, a partir do manuscrito original pertencente à “última monja de Cister em Portugal” que deixou o Convento em 1888, D. Carolina Augusta de Castro e Silva — referem-se apenas três ingredientes: água, açúcar
Fruto e folha do marmeleiro
e marmelos. Se mais houve não conseguimos apurar, “Dona Cidonia Oblonga”, prima das macieiras e das pereiras, da famílias das “Rosaceae”, senhora de frutos e folhas com penugem, não apareceu em Odivelas e já quase não mora em Portugal. Os marmelos do século XXI já não perfumam a boca e confortam gulosos apetites, são cada vez mais aqueles malandros a quem “Dona Cidonia” de boa vontade daria uma sova de cajado. n OUT 2010 |
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53 CONSUMO Pão com menos sal… a segurança alimentar é bom um exemplo de como a defesa do consumidor deve ser analisada na perspectiva do bem comum. Pág. 44 l LIVRO ABERTO “Cinco Cidades que Dominaram o Mundo”, de Douglas Wilson, explica a importância civilizacional de Jerusalém, Atenas, Roma, Londres e Nova Iorque. Pág. 46 l ARTES Atenção à obra de um nome importante da escultura nacional, Laranjeira Santos, exposta em vários espaços do município da Amadora. Pág. 48 l MÚSICAS Duas novidades discográficas chegadas dos EUA: os álbuns “Need You Now” do trio Antebellum, e “Teenage Dream” de Katy Perry. Pág. 50 l PALCO Destaque para“O Mistério da Camioneta Fantasma”, um original de Hélder Costa, em cena na Barraca, no âmbito das comemorações dos 100 anos da República. Pág. 51 l CINEMA EM CASA “O Segredo dos Teus Olhos”, óscar para melhor filme estrangeiro em 2009, é uma das boas sugestões outonais para desfrutar em casa. Pág. 52 l GRANDE ECRÃ "Os Mistérios de Lisboa", de Camilo Castelo Branco, em quatro horas e meia de cinema, com a assinatura do chileno Raoul Ruiz. É obra!... Pág. 53 l TEMPO INFORMÁTICO Novas soluções de segurança para manter os PCs em bom estado e uma real uma protecção contra todo o tipo de perigos na Internet… Pág. 54 l SAÚDE Já é possível avaliar o risco cardiovascular duma pessoa para os próximos dez anos.. Pág. 56 l PALAVRAS DA LEI Um ponto importantíssimo na actuação e exercício dos Juízes Sociais diz respeito aos chamados Processos de Promoção e Protecção de Menores. Pág. 57 l
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Boavida|Consumo
Vinho a copo e pãozinho sem sal Há matérias, no âmbito da defesa do consumidor, que deverão ser analisadas na perspectiva do bem comum e não como garantia de um direito individual. A segurança alimentar é apenas um exemplo.
Carlos Barbosa de Oliveira
ual é a tua opinião da Clara?” – perguntava um jovem há dias numa esplanada em Telheiras. – “É um pãozinho sem sal”- respondeu-lhe o interlocutor. A expressão “pãozinho sem sal” sempre me buliu com os neurónios, pois nunca logrei desvendar-lhe um significado satisfatório. Em minha opinião, aplica-se a uma pessoa simpática, até bonita, mas que não desperta a libido do sexo oposto. Nada tem a ver com o corpo, com o aspecto físico, mas sim com uma postura pouco assertiva, uma pessoa que esconde a sua sensualidade ou não a deixa transparecer, ao ponto de se tornar objecto de desejo do sexo oposto. Não sei se a interpretação é correcta, mas convém-me que seja, para a matéria deste artigo. Vem isto a propósito de uma medida do governo, que determina o teor máximo de sal que pode ser adicionado ao pão. Não sei se um pãozinho sem sal será menos saboroso do que outro com excesso desse ingrediente. Sei, outrossim, que a decisão gerou controvérsia e não faltou quem por aí criticasse o governo por estar a interferir na liberdade de cada um. Aplicada em toda a sua extensão, a teoria da liberdade individual significaria que cada um pode beber, fumar, tornar-se num escandaloso obeso, que ninguém tem nada com isso, pois o corpo e a vida pertencem-lhe e ninguém tem nada a ver como os utiliza. É fácil desmontar esta asserção. Vejamos um exemplo: uma noite, alguém decide beber até ficar completamente embriagado. Crente de estar nas suas plenas faculdades, regressa a casa conduzindo a sua viatura. A meio do percurso despista-se, embate noutro carro e provoca a morte dos passageiros que nele viajavam. O condutor exerceu a sua liberdade de conduzir embriagado mas, ao fazê-lo, colidiu com a liberdade de outros e ceifou-lhes a vida. Será porventura punido, mas os mortos (e os seus familiares) nunca serão ressarcidos da perda da vida. Poderia desenvolver este raciocínio, mas creio que os leitores já perceberam onde quero chegar… São conhecidos os efeitos nefastos para a saúde do consumo excessivo de sal e compete a qualquer governo sal-
“
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vaguardar a saúde dos seus cidadãos. Por razões óbvias. Um cidadão doente custa dinheiro ao Estado (logo aos contribuintes) e os riscos de saúde deverão ser diminuídos em defesa do interesse público. É este princípio que justifica as leis antitabágicas ou as medidas de combate à obesidade, pois o tabagismo e o excesso de peso provocam doenças graves que poderão ser evitadas (ou pelo menos atenuadas) com uma adequada educação alimentar e para a saúde. Lembro, a propósito, que, em Inglaterra, Gordon Brown chegou a equacionar a hipótese de retirar às vítimas do tabagismo e da obesidade o acesso ao Serviço Nacional de Saúde, tendo sido na altura muito criticado pelos conservadores. O Direito à saúde e segurança é um dos direitos dos consumidores, muitas vezes visto numa perspectiva de direito individual, mas que deve ser enquadrado (como todos os outros direitos) no âmbito dos direitos públicos. Diz respeito a toda a população e é nessa perspectiva que deve ser encarado. Se um dos princípios básicos da democracia é “ a minha liberdade termina no momento em que colide com a liberdade do outro”, também os direitos dos consumidores – e os restantes direitos de cidadania - devem ser analisados nessa perspectiva. O direito dos consumidores à saúde e segurança não se esgota na responsabilidade do produtor em fornecer bens e produtos que não causem danos aos consumidores. Complementase com a garantia de que o Estado deve providenciar para que a sua saúde e segurança não seja posta em risco, por comportamentos de terceiros. Poderá argumentar-se que há, hoje em dia, uma febre securitária em termos alimentares e que as gerações anteriores viveram bem sem elas. Mas se evoluímos em termos ANDRÉ LETRIA
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tecnológicos e científicos, o que nos permitiu aprofundar o conhecimento, qual a razão para não aplicar os frutos desse trabalho à melhoria das condições de vida da sociedade em geral? Concedo, no entanto, que há alguma incoerências e retrocessos nas medidas que vêm sendo tomadas quer a nível comunitário, quer a nível nacional. Cito apenas dois exemplos: Durante muito tempo foi proibida a venda de vinho a copo. O fundamento dessa proibição foi o combate aos mixordeiros que adulteravam o vinho, aumentando os seus lucros, mas era também uma questão de saúde pública. Hoje em dia, voltou a ser permitida a venda de vinho a copo. Muitos restaurantes aproveitaram a oportunidade para retirar das suas ementas as meias garrafas de vinho e passaram a vender vinho a copo. Não é raro cobrarem por um copo de vinho o preço que anteriormente era aplicado a meia garrafa. Quem ficou a lucrar foram os donos dos restaurantes. Perderam os consumidores (não é a mesma
coisa beber um copo de vinho de uma garrafa aberta à nossa frente, ou de uma garrafa aberta horas, ou mesmo dias antes) e perderam as marcas que correm o risco de ver o seu prestígio maculado. No reino dos mixordeiros – consta - a alegria foi geral. Outro caso, mais recente, passou-se com a proibição dos galheteiros. Ao contrário do que acontece em Espanha, onde a indústria respondeu à proibição com a criação de doses individuais, em Portugal a medida durou escassos meses, quiçá um ano. Hoje, os galheteiros voltaram às mesas dos restaurantes para gáudio de muitos consumidores que reclamavam, saudosos, o seu regresso. Os comerciantes também agradeceram e os mixordeiros do azeite (que também os há) exultaram. O recuo nestas duas medidas ficou a dever-se às movimentações de grupos económicos que se sentiram beliscados e reclamaram contra a diminuição dos seus lucros. Como acontece frequentemente, em matéria de defesa do consumidor, os interesses económicos sobrepuseram-se aos direitos dos consumidores. Não é isso, porém, que invalida a justeza da medida que estabelece limites máximos para o sal no pão. n
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Boavida|Livro Aberto
As Cidades da História, Torga diarista e outros livros a não perder Na origem dos grandes progressos da cultura e da civilização estiveram, ao longo dos milénios, algumas grandes cidades, que atraindo populações, artistas, mercadores, cientistas e pensadores conseguiram apontar novos caminhos e marcar profundamente o devir histórico.
José Jorge Letria
om essas características, não foram muitas, mas foram seguramente decisivas. É isso que pretende demonstrar o académico Douglas Wilson com o seu ensaio “Cinco Cidades que Dominaram o Mundo” (Casa das Letras). E que cidades foram essas, no seu entender? Jerusalém, Atenas, Roma, Londres e Nova Iorque. Na realidade, se as quisermos associar aos grandes ciclos da História e da evolução do pensamento, da civilização, da religião e do próprio conceito de progressos social e humano, não teremos dificuldade em aderir à tese do autor, que escreveu um livro fascinante, sobretudo pela forma como juntou, ao falar de cada uma dessas cidades, todos os factores, desde os individuais aos colectivos, que moldaram os seus destinos no espaço e no tempo. Douglas Wilson faz a crónica da ascensão e queda das grandes urbes, dando, de algum modo, razão a Oswald Spengler quando, comparando a civilização ao próprio organismo humano, fala de ascensão e queda dos grandes pólos civilizacionais. Uma obra a não perder, em tempo de reflexão sobre o futuro da própria humanidade, por ser, ao mesmo tempo, um livro de História e de sociologia, no qual o factor humano está intensamente presente.
C
JÁ HOUVE quem o comparasse a Tom Wolfe, pela forma
como, escrevendo não ficção e fazendo a crónica deste tempo e das suas tensões e contradições, se assume como um talentoso contador de histórias, capaz de imprimir humor e sentido dramático àquilo que escreve e às situações que tematiza. Refiro-me a Malcolm Gladwell, autor dos originais e desafiadores “Blink !” e “Outliers”, que tem agora traduzido em português “O Que o Cão Viu - e Outras Histórias”(D. Quixote), que reúne os melhores textos que escreveu para “The New Yorker”. Só alguém com muito talento e imaginação consegue escrever textos como estes, fazendo deles, ao mesmo tempo, crítica social e excelente literatura. Ao falar das grandes questões do nosso tempo e 46
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transformar em temas sérios assuntos aparentemente de escassa relevância Malcolm Gladwell aponta caminhos a quem, publicando na imprensa escrita, deseja superar as barreiras quase sempre intransponíveis do efémero. A não perder. EM TEMPO de comemorações, de resto com um dinamismo digno de aplauso, do centenário da implantação da República, saúde-se a oportuna reedição de um textochave para a compreensão dessa mudança profunda operada na História de Portugal. Trata-se de “A Primeira República Portuguesa” (Texto), de A.H. de Oliveira Marques, um dos grandes nomes da historiografia contemporânea, já desaparecido. Um livro há muito esgotado, para ler em pleno ciclo comemorativo ou em qualquer outra ocasião, porque nos ajuda a perceber melhor o Portugal de há um século e o de hoje. Para quem gosta de literatura de viagens, o destaque vai para “As Rotas do Sonho”(Oficina do Livro), de Tiago Salazar, com prefácio de Mário Zambujal. Jornalista e viajante incansável, o autor deixa neste livro registo das suas viagens por países como Cuba, Nicarágua, Brasil, Peru, Malásia, Índia, Turquia ou Namíbia, entre outros. Ou de como o prazer da viagem pode dar origem a textos que merecem a popularidade de que este tipo de literatura goza hoje entre o público leitor. Para além de outros destaques, em matéria de ficção narrativa de qualidade, esta crónica chama a atenção do leitor para três títulos a não perder: “O Escriturário Indiano” (Teorema), de David Leavitt, o excepcional “O Grupo”(D. Quixote), de Mary McCarthy, publicado originalmente em 1963, e ainda a colectânea de contos “O Elefante Evapora-se”(Casa das Letras), do japonês Haruki Murakami, autor de culto para os leitores portugueses, com uma tradução de muita qualidade de Maria João Lourenço, tradutora habitual do escritor para português. Um sublinhado ainda para “Animais Tristes” (Teorema), de Jordi Puntí, obra reveladora de uma grande maturidade no processo narrativo.
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DANDO seguimento à publicação das Obras Completas de Miguel Torga, nome pioneiro da história da literatura portuguesa, seja como poeta, ficcionista, dramaturgo ou diarista, a Dom Quixote acaba de publicar os primeiros dois volumes do “Diário” do escritor, que condensam os volumes de I a VIII dessa obra única, pela extensão, diversidade e visão global de um país e do seu tempo. Posteriormente serão publicados mais dois volumes que reúnem as unidades que integraram o “Diário” de IX a XVI, seguindo-se-lhe um volume dedicado aos ensaios e discursos do escritor. Ler ou reler Miguel Torga é sempre uma maneira de fruirmos uma grande obra literária e de olharmos Portugal na sua dimensão mítica, histórica, cultural e humana. O “Diário” de Torga é uma grande obra da literatura portuguesa. JORGE AMADO é um dos maiores nomes da literatura de língua portuguesa de todos os tempos. Durante anos falou-se do seu nome como candidato natural ao Nobel, que acabou por não lhe ser atribuído. É difícil compreender o Brasil de hoje e de sempre sem se ler a sua obra de ficção e memorialística, a dos tempos do compromisso e do combate ideológico e a posterior. Em boa hora decidiu a D.Quixote reeditar essa obra monumental e inconfundível em que desfilam as grandes personagens de narrativas intemporais. Destaque agora para três títulos acabados de sair, incluídos no ciclo “Os Subterrâneos da Liberdade”, que tanto contribuiram para fortalecer a consciência cívica e política de gerações que combateram ditaduras em Portugal e no Brasil: “Os Ásperos Tempos”, “A Agonia da Noite” e “A Luz no Túnel”. Um grande
escritor deve ser relido sempre e com gosto, com ou sem Nobel da Literatura. Merece especial destaque o regresso de Helena Marques, nome grande do jornalismo português durante décadas e escritora com créditos há muito firmados, que lançou, com a chancela da D.Quixote/Leya o romance “O Bazar Alemão”, cuja acção decorre na cidade do Funchal, em vésperas da Segunda Guerra Mundial, tendo como pano de fundo a comunidade judaico-alemã ali residente, que passa a lidar com as tensões que viriam a ser o eixo central de um devastador conflito bélico, no qual Portugal teve, até quase ao final, uma duvidosa neutralidade. Uma história magistralmente contada por uma escritora que muito aprendeu com o jornalismo e com as técnicas narrativas que ele também comporta. Realce ainda, em matéria de ficção narrativa recente, para “Roubo - uma História de Amor” (D.Quixote), de Peter Carey, o já clássico “A Gente de Smiley” (D. Quixote), do grande John Le Carré, “Unha com Carne” (D. Quixote), de Elmore Leonard, “O Diário de Carrie” (Oficina do Livro), de Candace Bushnell, “Viver o Sonho” (Publicações Europa-América), de Josephine Cox, “Jasmyn” (Publicações Europa-América), de Alex Bell, e ainda para a antologia literária “1910”(D.Quixote), que reúne seis contos inéditos de outros tantos ficcionistas portugueses actuais, com destaque para Urbano Tavares Rodrigues, Mário Cláudio, Miguel Real, Mário de Carvalho e Teolinda Gersão; seis olhares diferentes e complementares, em tempo de centenário da República, sobre aquela revolução que mudou a História de Portugal e franqueou ao país as portas da modernidade. n OUT 2010 |
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Boavida|Artes
Amadora recorda Laranjeira Santos Embora quase esquecida dos grandes meios de comunicação especializada, a merecida homenagem que o município da Amadora está a prestar ao escultor Laranjeira Santos é indubitavelmente o grande acontecimento cultural do começo da estação, não só pela importância de chamar a atenção para um dos mais conceituados escultores nacionais mas também pela quantidade de espaços por onde espalhou a sua vasta obra, permitindo assim uma visão ampla e exaustiva.
Rodrigues Vaz
o âmbito das comemorações do 31.º aniversário do Município da Amadora, a Câmara Municipal da Amadora apresenta cinco exposições deste conhecido artista plástico, nos seus espaços mais emblemáticos: Centro de Arte Contemporânea da Amadora, Biblioteca Municipal Fernando Piteira Santos, Círculo Artur Bual, Casa Roque Gameiro e Galeria Municipal Artur Bual. Escultor contemporâneo com uma obra que oscila entre o figurativo e o abstracto, Laranjeira Santos foi bolseiro da Fundação Gulbenkian, na década de 60, em Roma. Trabalha a escultura em diferentes materiais, dedicando preferencialmente os seus estudos e projectos ao seu tema preferido – o corpo da mulher.
N
Escultura de Laranjeira Santos
EMERENCIANO NA VALBOM
O outro acontecimento importante da abertura da época cultural é a exposição “Art”, que o conhecido pintor portuense Emerenciano está a mostrar na Galeria Valbom, em Lisboa, até 15 de Novembro, culminando um longo trajecto iniciado em 1967, ano em que participou pela primeira vez numa exposição colectiva, e 1974, data da sua primeira exposição individual. Desde então, Emerenciano tem vindo a realizar um percurso permeado de experimentalismo e risco, desobedecendo às convenções dominantes e criando um estilo próprio de intervenção estética. Como ele próprio confessa no catálogo, «Faço o jogo 48
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Pintura de Emerenciano
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individual, acto solitário sem cumplicidades, sem troca de favores, sem saber qual o interesse da persistência que devo pouco à escola dos professores que se maravilharam com o meu sucesso escolar, mas à vida. A vida afastou-me de uma Arte de entretenimento e aparência, apesar de valorizar as formas e os valores expressivos das imagens desde o primeiro momento.» ORTIZ ALFAU NO PORTO
Entretanto, no Porto, a Galeria Inter-Atrium apresenta as últimas produções do artista bilbaíno Rafael Ortiz Alfau, coincidindo com o 10º aniversário da sua morte. Trata-se de um regresso àquela que foi sempre a sua galeria na capital do Norte, desde princípios da década de setenta. E, de vários modos, trata-se igualmente de uma mostra representativa do seu trabalho: paisagens do Norte de Espanha e Portugal, com temas urbanos e rurais, marinhas e rios, muitas vezes portos de mar ou estaleiros, que sempre foram o objectivo primordial dos seus pincéis. PRESENÇA DE ANGOLA
Esta época cultural é ainda marcada em Lisboa pela presença de Angola não só através de uma grande mostra fotográfica sobre os Hereros, que serviu também para homenagear o grande escritor e cineasta Ruy Duarte de Carvalho, falecido entretanto na Namíbia e que era igualmente um dos antropólogos que melhor conhecia os povos desta região, mas também de uma exposição que tem como tema e objecto as suas gentes e o seu quotidiano actual e de que já falámos. Intitulada “Hereros, os pastores de Angola”, o mais recente trabalho do fotógrafo brasileiro Sérgio Guerra pode ser visto ao mesmo tempo em Luanda, no Museu de História Natural de Angola, e na Galeria Perve em Lisboa, onde ocupa todo o labirinto de salinhas que este bonito espaço cultural oferece ao visitante. Inspirado numa das mais ancestrais etnias de uma Angola que poucos conhecem, Sérgio Guerra realizou uma tão curiosa como exaustiva recolha documental sobre a cultura dos vários subgrupos étnicos Herero, que se distribuem por três províncias do sul de Angola – Cunene, Namibe e Huila. n
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Boavida|Músicas
A música que nos chega dos EUA Aqui se dá notícia de duas novidades discográficas chegadas dos EUA: os álbuns “Need You Now” do trio Antebellum, e “Teenage Dream” de Katy Perry.
Vítor Ribeiro
ois anos após o lançamento do álbum de estreia, o novo CD dos “Antebellum” vendeu mais de um milhão de unidades em apenas três semanas. Galardoado com um Grammy, apoiado por uma autêntica “máquina” de promoção, que permitiu a apresentação nos programas televisivos Oprah Show, Late Show de David Letterman e Tonight Show, o trio composto por Charles Kelley, Hillary Scott e Dave Haywood produz música , simples, simpática, elaborada a partir de uma mistura de sonoridades em que se conjugam a balada, rock e country. De resto, na produção do novo álbum intervém Paul Worley, músico responsável por numerosos sucessos de alguns dos mais destacados intérpretes da country/folk. Até ver, os três elementos dos Lady Antebellum orgulham-se dos laços de amizade e solidariedade estabelecidos entre eles e que, sublinham, contribuíram decisivamente para o sucesso alcançado. Num dos textos de promoção, Dave Haywood explica: “O mais importante é o facto de estarmos mais unidos como amigos do que nunca. (…) Quando chegou a altura de escrever as canções, todos já sabíamos a melhor forma de interagir uns com os outros. Podemos escrever canções individualmente, mas conseguimos algo muito especial quando o fazemos juntos”. Esperemos, então, que os Lady Antebellum perdurem e resistam à voracidade comercial do mercado discográfico.
D
moção uma “super-estrela”, Katy, 26 anos, saiu do alfobre dos coros de igreja dos EUA e adoptou o visual de teenager dos anos 50 do século passado, de olhar ingénuo-malandreco. No que se refere às obras até agora produzidas, a cantora enveredou pela pop pesada, de batida rápida e repetitiva, com êxito imediato garantido entre frequentadores de discotecas e jovens praticantes de bulling musical, a bordo de automóveis equipados com potentes aparelhagens sonoras. Digamos, no entanto, que, no seu género, Katy Perry cumpre com competência e eficácia a função a que deitou mãos à obra. Os apreciadores não deverão, portanto, perder “Teenage Dream”. Com idêntica eficiência, os promotores de Katy Perry anunciam que, na sequência do sucesso de vendas já alcançado, a cantora prepara-se para “levar a sua marca” ao mundo dos cosméticos, lançando no próximo mês de Novembro o perfume “Purr by Katy Perry”. Se a moda pega por cá, poderemos ter os nomes dos nossos cantores associados, por exemplo, ao belo Presunto de Chaves ou ao inultrapassável Queijo da Serra… GUNS N`ROSES EM LISBOA
Os Guns n`Roses efectuam um concerto no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, dia 6 de Outubro, pelas 20h00. Trata-se de mais espectáculo da banda norte-americana em Portugal, com nova formação, e as portas abrem às 18h30. SEU JORGE NO PORTO E EM LISBOA
A “SUPER-ESTRELA” KATY PERRY
E a propósito de voracidade comercial, eis-nos perante o segundo álbum da cantora Katy Perry, com o título genérico “Teenage Dream”. Considerada pelos respectivos departamentos de pro50
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O cantor e compositor brasileiro Seu Jorge apresenta-se no Coliseu do Porto, dia 28 de Outubro, e no Coliseu dos Recreios de Lisboa dia 29 de Outubro. Em ambos os casos a partir das 21h30. Seu Jorge será acompanhado pela banda Almaz. n
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Boavida|No Palco
O mistério da camioneta fantasma Convidada a participar nas Comemorações do Centenário da República, a Barraca leva à cena “O Mistério da Camioneta Fantasma”, um original de Hélder Costa sobre um dos trágicos episódios que marcaram as primeiras décadas do séc. XX português.
Maria Mesquita
m Lisboa, durante noite e o dia de 19 de Outubro de 1921, uma estranha camioneta começou a percorrer a cidade raptando e assassinando figuras importantes da República: o primeiro-ministro António Granjo, Machado Santos, o herói da Rotunda, Carlos da Maia ex governador de Macau, que comandou o ataque ao navio D. Carlos, e o coronel Botelho de Vasconcelos. Conduzida por marinheiros essa camioneta de morte provocou um enorme choque emocional na sociedade que se dispôs a castigar os autores desses assassinatos de lesa-Pátria e lesa-República. Berta Maia, viúva de Carlos da Maia, dispôs-se a investigar quem poderiam ser os instigadores e autores morais desses crimes. Depois de vários encontros com o marinheiro que chefiava a carrinha, Abel Olímpio, o “Dente de Ouro”, este confessou ter sido uma conspiração monárquica destinada a eliminar os autores do 5 de Outubro, e que a táctica seguida era a de “infiltrar e depois empalmar os movimentos revolucionários”. A História e o futuro vivem de saber ler o passado, daí a importância de conhecermos toda a verdade sobre os crimes que se abateram sobre os dirigentes do 5 de Outubro, onze anos depois da conquista da liberdade.
E
à capacidade que cada um de nós deve ter para aceitar e enfrentar as voltas que o destino nos apresenta. Em cena pelo Ensemble – Sociedade de Actores, no Teatro Carlos Alberto, no Porto, até 24 Outubro. “HEDDA” NO TNSJ
De 20 a 24 de Outubro, o Teatro Nacional de S. João, no Porto, apresenta “Hedda”, uma encenação de Jorge Silva Melo, com texto de José Maria Vieira, inspirado no conto de Ibsen, “Hedda Gabler”. É a história da mulher que tanto poderá ser uma heroína, como uma vilã, protectora da família ou, simplesmente, atenta aos seus interesses pessoais. FICHA TÉCNICA:Intérpretes: Maria João Luís, Lia Gama,
António Pedro Cerdeira, Marco Delgado, Cândido Ferreira e Rita Brütt. Uma co-produção: Artistas Unidos, São Luiz Teatro Municipal “O HOMEM ELEFANTE”
“O Homem Elefante” não é espectáculo de circo, nem é uma aberração. É uma história de vida que, do horror e desprezo passou para o espanto e a admiração. Em cena até 31 Outubro no Teatro Nacional D. Maria II.
FICHA TÉCNICA: Autoria e encenação: Hélder Costa;
Figurinos: Maria do Céu Guerra; Coreografia: Bruno Cochat; Interpretação: Rita Fernandes, Célia Alturas, Vânia Naia, Luís Thomar, Adérito Lopes, João d’Ávila, Pedro Broges, Ruben
FICHA TÉCNICA:Autor: Bernard Pomerance; Encenação:
Garcia, Sérgio Moras, Sérgio Moura Afonso.
Sandra Faleiro; Tradução: Miguel Castro Caldas; Cenografia: Stéphane Alberto; Figurinos: Paulo Mosqueteiro. Actores:
“DUETO PARA UM”
António Fonseca, Carina Reis, José Airosa, Manuel Coelho,
Mais do que querer demonstrar os limites do ser-humano, “Dueto para Um”, de Tom Kempinski, é um hino à Vida e
Ricardo Neves-Neves, Renato Borges e Rita Lello. Coprodução: TNDM II e Primeiros Sintomas OUT 2010 |
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Boavida|Cinema em casa
Celebrar Outubro Para uma republicana e centenária celebração, nada melhor que uma diversificada selecção caseira, desde um oscarizado policial, “O Segredo dos Teus Olhos”, seguida pela inovadora adaptação de “Alice no País das Maravilhas” e a notável evocação da juventude nos anos 60, “Uma Outra Educação”, para culminar no dramático mas belíssimo “Amor por Acaso”. Sérgio Alves
O SEGREDO DOS TEUS
ALICE NO PAÍS DAS
UMA OUTRA EDUCAÇÃO
AMOR POR ACASO
OLHOS
MARAVILHAS
Londres, anos 60. A jovem
Burke é autor de um livro
Antigo oficial de justiça
Alice é uma jovem inglesa
Jenny vive com os pais num
sobre a dor e de como lidar
Benjamin Esposito começa a
prometida a um filho da
subúrbio de Londres e,
com ela e que procura inspirar
escrever um romance baseado
nobreza. Na festa de noivado,
seguindo a vontade do pro-
outros a superarem as dificul-
no caso da jovem Liliana
desaparece do convívio do
genitor, faz tudo para ser
dades através de palestras
Coloto, violada e brutalmente
noivo e convidados e, ao cair
aceite em Oxford apesar dos
motivacionais. Ele está em
assassinada nos
num misterioso buraco que
problemas com o Latim e com
Seattle para dirigir um work-
anos tenebrosos
descobre no jardim, embarca
o namorado Graham. A vida
shop e negociar um grande
da ditadura mili-
numa odisseia fantástica no
de Jenny vai sofrer uma revi-
projecto com uma empresa. No
tar argentina.
país das Maravilhas. Um país
ravolta ao conhecer David,
plano pessoal, porém, e depois
Ricardo Morales,
bizarro, mas familiar pois
que tem o dobro da sua idade.
da morte da mulher num aci-
o marido, nunca
parece-se com os pesadelos
Ele convence os
dente de viação, a sua vida
desistiu de procurar o ver-
tinha em criança. Alice encon-
pais das suas
mudou e sente-se só. No hall
dadeiro culpado, facto que
tra os amigos de infância: o
boas intenções,
do hotel, conhece Eloise, uma
impressionara Benjamin, o seu
coelho branco, os gémeos, a
leva-a sair à
florista local e depois de várias
colega Pablo e a chefe Irene.
Ratazana, a Lagarta, o Gato
noite, a leiloar
tentativas, leva-a a jantar…
Trinta anos volvidos, será que
Cheshire e o chapeleiro louco.
antiguidades e a
“Amor por Acaso” é um
Morales ainda continua á
E vai ter de encontrar o seu
passear em Paris. Tudo parece
drama romântico que aborda,
procura do homem que levou
próprio destino nesta aventura
correr bem …
de forma inteligente, as difí-
o amor da sua vida…
surreal …
Adaptado das memórias de
ceis relações
Dirigido pelo argentino Juan
Adaptada, em
Lynn Barber pelo escritor e
nos dias que
José Campanella, e premiado
1951, pela
argumentista Nick Hornby
correm.
com o Óscar para Melhor
Walt Disney ao
(“Alta-Fidelidade” e “Era Uma
Assinala, ainda,
filme Estrangeiro, - superan-
cinema de ani-
Vez Um Rapaz”), “Uma Outra
a estreia na
do, diga-se, “O Laço Branco” e
mação, a clás-
Educação” teve um conturbado
realização de
“O Profeta” - o filme traduz a
sica obra de Lewis Carol
processo de pré-produção, cul-
Brandon Camp, e é protago-
experiência adquirida pelo
regressa aos écrans pela arte
minando na escolha da dina-
nizado por uma excelente
realizador na direcção de
de um dos mais criativos rea-
marquesa Lone Scherfig para a
dupla romântica -Aaron
séries televisivas como
lizadores norte-americanos,
realização. O filme – premiado
Eckhart e Jennifer Aniston-
House, 30 Rock e Lei e
Tim Burton, mais um elenco
em vários festivais - é uma
acompanhada por actores
Ordem..
de qualidade, encabeçado
bonita homenagem á geração
secundários de invulgar qua-
pelo grande Johnny Depp.
que cresceu nos anos 60, influ-
lidade.
enciada pela cultura francesa.
TÍTULO ORIGINAL: Love Happens;
TÍTULO ORIGINAL:
El Secreto de
Sus Ojos; REALIZAÇÃO: Juan
TÍTULO ORIGINAL:
Alice in
José Campanella; COM:
Wonderland; REALIZADOR: Tim
TÍTULO ORIGINAL:
Ricardo Darín, Soledad
Burton; COM: Johnny Depp,
Education; REALIZAÇÃO: Lone
COM: Aaron Eckhart, Jennifer
Villamil, Carla Quevedo, Pablo
Mia Wasikowska, Helena
Scherfig; COM: Carey
Aniston, Martin Sheen, John
Rago, Javier Godino;
Bonham Carter, Anne
Mulligan, Alfred Molina, Peter
Carrol Lynch, Judy Greer;
Argentina/Espanha, 129m,
Hathaway; EUA, 108m, Cor,
Sarsgaard, Dominc Cooper;
EUA/Canada/GB, 109m, cor,
2010;
GB, 100m, cor, 2009;
2009; EDIÇÃO: Castello Lopes
Cor, 2009; EDIÇÃO:
52
MP Audiovisuais
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EDIÇÃO:
Zon Lusomundo
EDIÇÃO:
An
Zon Lusomundo
REALIZAÇÃO: Brandon Camp;
Multimédia
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Boavida|Grande Ecrã
Esplendor do romanesco O mais prolífico, “experimentalista” e onírico dos cineastas europeus - Raoul Ruiz, escritor, dramaturgo e realizador chileno, radicado em França após o “putsch” militar de Augusto Pinochet, em 1973 - reaparece em grande forma com uma inesperada adaptação, tão ricamente desmesurada (com duração de quase quatro horas e meia!),do clássico romance folhetinesco “Os Mistérios de Lisboa”, de Camilo Castelo Branco.
Joaquim Diabinho
ntes de mais, trata-se de uma produção de enorme fôlego financeiro (2,5 milhões de euros) assinada por Paulo Branco, que não prescinde de uma certa espectacularidade sumptuosa e sofisticada, comum às “modestas” superproduções televisivas: elenco “de luxo”, aproveitamento do esplendor arquitectónico para décors naturais, dezenas de figurantes e toda a parafernália de adereços e vistoso guarda-roupa. Como está bem de ver, o objectivo é o de assegurar reconstituições de época rigorosas e meticulosamente datadas, de acordo com as referências históricas e de ambiência em que assenta a intriga. Depois, há um argumento assinado por Carlos Saboga, um dos melhores argumentistas, (vidé, “Jaime”, O Lugar do Morto”, “Aqui d’el Rei”, “O Milagre Segundo Salomé” e “Adeus, Princesa”), bastante apreciado e reconhecido pelo excepcional engenho com que entrecruza o mistério do
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policial e o drama de costumes. Mais: sublinhe-se também a excelência das iluminações e a riqueza cromática conseguidos por um André Szankowski a confirmar-se grande director de fotografia. Se acrescentarmos a isto a capacidade narrativa de Ruiz, o seu “experimentalismo” sem excessos inúteis, e o seu enorme potencial de energia e talento, então “Mistérios de Lisboa” - evocação poética da cidade do século XIX que retrata uma aristocracia em sobressalto e decadente - é um filme para o qual vale a pena reservar uma parte da tarde de um qualquer dia da semana No elenco, destaque-se os nomes de Adraino Luz, Maria João Bastos, Ricardo Pereira, Clotilde Hesme, Afonso Pimentel, Rui Morisson, Léa Seydoux, Melvil Poupaud, Sofia Aparício e Malik Zidi. n “MISTÉRIOS DE LISBOA”, de Raoul Ruiz (Portugal, França,
Brasil, 2010 | 4h26); Data de estreia (prevista): 21 de Outubro. OUT 2010 |
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Boavida|Tempo informático
Segurança total Tema recorrente na Comunicação Social, nunca é demais chamar a atenção para as ameaças que correm na Internet e para os perigos a que estamos sujeitos se não estivermos devidamente protegidos.
manutenção da identidade dos utilizadores e do seu dinheiro ao navegar na Internet, efectuando compras etc. Grande melhoria foi a de pôr fim aos redireccionamentos. É que existem sites de confiança que podem redireccionar para sites inseguros sem conhecimento do utilizador mas que podemos bloquear com o Geofilter. Com o System Watcher, espécie de vigilante, monitorizam-se as alterações não desejadas feitas por programas maliciosos. Inclui naturalmente um sistema de controlo parental muito completo para vigiar as actividades dos mais jovens na Net.
Gil Montalverne
ajuda@gil.com.pt
s problemas têm mesmo aparecido com frequência nas chamadas redes sociais. A velha teoria de que só acontece aos outros está por demais esgotada. Se acontece aos outros, mais tarde ou mais cedo vai acontecer-nos a nós se não tivermos os cuidados necessários. Por isso se apela para a Segurança Total. As novas soluções de segurança Kaspersky Internet Security e Kaspersky Anti-Virus 2011 contam com as tecnologias mais avançadas para manter os PCs em bom estado e oferecem em tempo real uma protecção contra todo o tipo de perigos na Internet, monitorizando o sistema para detectar qualquer ameaça potencial e prevenir actividades perigosas. O Kaspersky Anti-Virus está incluído no Internet Security que vai portanto mais além nas aplicações de protecção. Com dois tipos de interface, uma para os utilizadores menos experientes e outra para os mais avançados, ambas permitem aceder a todas as funcionalidades e configurações, mostrando o estado de segurança do PC ou verificando um ficheiro com um só clique. Importante é também o disco de resgate que permite utilizar o disco de instalação para refazer o sistema em caso de haver problemas. Como nas anteriores, a nova solução investiu na
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TAMBÉM oferecendo uma maior segurança a Panda Security lançou a nova gama 2011 sob o slogan “Proteja o seu Mundo Online”. As diversas soluções contam com desempenho mais veloz, melhor protecção e menor impacto nos recursos, quando comparadas com as anteriores. De acordo com a utilização que fazemos dos computadores e da Net, podemos escolher entre o Panda Internet Security 2011, o Global Protection 2011, o Antivirus Pro 2011 ou o Internet Security for NetBooks. Entre as novas funcionalidades incluem-se o acesso remoto ao PC a partir de qualquer local, gestor da rede doméstica, actualizações inteligentes, modo de jogo/multimédia, encriptação de ficheiros, teclado virtual e navegação em modo seguro com um browser em ambiente virtual. Todas as soluções 2011 beneficiam da tecnologia de Inteligência Colectiva da Panda, que explora o conhecimento adquirido de uma rede global de milhões de utilizadores Panda em todo o mundo, para fornecer uma protecção instantânea contra novas ameaças ainda desconhecidas. Com estas novas soluções, os utilizadores poderão navegar na Internet, realizar compras online, conversar e partilhar fotografias e vídeos em completa tranquilidade, confiando na protecção proactiva e em tempo real proporcionada pela Inteligência Colectiva contra as ameaças mais recentes. O consumo de recursos do PC é mínimo e a nova gama conta com melhorias de 50% no desempenho em Windows 7, quando comparada com as versões anteriores. n
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Boavida|Saúde
Como diminuir o risco cardiovascular Sabe que já é possível avaliar o risco cardiovascular duma pessoa para os próximos dez anos? Isto significa que pode saber qual é a sua probabilidade de sofrer um enfarte do miocárdio ou um acidente vascular cerebral nos próximos dez anos. M. Augusta Drago
medicofamília@clix.pt
sta avaliação do risco tornou-se possível porque várias sociedades científicas internacionais, incluindo instituições portuguesas, se juntaram e desenvolveram um modelo matemático multifactorial que põe em jogo cinco factores de risco, os quais interagem entre si, potenciando-se, e em que é possível traduzir o valor do grau de risco, em percentagem, num intervalo temporal de 10 anos, a partir do momento da avaliação. Esta tabela, que está disponível e validada para a população portuguesa, compreende dois factores de risco não modificáveis, que são a idade e o sexo. Os outros três factores de risco – o colesterol total, a tensão arterial e o tabagismo – são modificáveis e, como vai perceber, é aí que podemos trabalhar, porque aí reside a grande oportunidade de ganhar anos de vida. Tomemos como exemplo o Sr. J.. Tem 55 anos de idade, uma tensão arterial sistólica de 160 mm de Hg, um colesterol total igual a 250 mg e é fumador. Para estes valores, apresenta um risco de 6-7 % de vir a morrer de acidente cardiovascular (enfarte do miocárdio ou acidente vascular cerebral) nos próximos dez anos. Se, por exemplo, o Sr. J. deixasse de fumar, o risco passaria a ser de 2-3%; e se controlasse a sua tensão arterial, alterasse o regime alimentar, perdesse peso e tivesse valores mais baixos de colesterol total, o risco de vir a morrer de acidente cardiovascular iria descer ainda mais. Comparando com a maior parte dos países europeus, Portugal tem uma prevalência elevada de acidentes vasculares cerebrais, só equiparável à dos países do leste europeu. Existe uma relação directa e não contestada entre a tensão arterial elevada e o risco de acidente cardiovascular. A tensão arterial elevada é, entre os factores modificáveis, aquela que hoje mais nos preocupa. Cerca de 42% da população adulta portuguesa sofre de tensão arterial ele-
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vada e calcula-se que só 11% deste grupo esteja controlado. O controlo da hipertensão com medicamentos é eficaz, mas exige uma disciplina e uma persistência diária no cumprimento dos esquemas terapêuticos, nem sempre fáceis. Está demonstrado que este sacrifício é compensador. Ao baixarmos 2 mm na tensão arterial, a redução do risco de morte por acidente cardiovascular é de 7% e por acidente cerebrovascular é de 10%! Para fazer face a este problema atempadamente, antes que ele nos ameace, é começar já hoje a pensar em prevenir a hipertensão. Esta atitude passa por uma escolha inteligente e criteriosa da alimentação familiar para evitar problemas como a obesidade e o aumento do colesterol. Com o mesmo objectivo, devem cumprir-se programas de actividades ao ar livre e em família. Dê também bons exemplos e deixe de fumar. Pense que a sua saúde e a da sua família está em grande medida nas pequenas e grandes decisões que tem de tomar no dia-a-dia. n ANDRÉ LETRIA
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Boavida|Palavras da Lei
Juízes Sociais – Processos de Menores ?
Tomei conhecimento da existência de “Juízes Sociais”. Quem são e em que casos intervêm? Sócia devidamente identificada – Bragança.
Pedro Baptista-Bastos
nossa Constituição possibilita a participação de Cidadãos comuns no processo decisório jurisdicional. Esta ideia baseia-se na chamada “democratização da Justiça”, isto é, na aproximação dos Cidadãos ao exercício da Justiça enquanto Valor a ser entendido e defendido por todos nós. O escopo é o artigo 207º, n.º 2 da CRP: “ A lei poderá estabelecer a intervenção de Juízes Sociais no julgamento de questões de trabalho, de infracções contra a saúde pública, de pequenos delitos, de execução de penas ou outras em que se justifique uma especial ponderação dos valores sociais ofendidos”. Além desta norma jurídica superior, o desenvolvimento do Princípio do Juiz Social encontra-se desenvolvido no Decreto-Lei n.º 156/78, de 30 de Junho, sobre o qual vos darei uma breve explicação. Compete às Câmaras Municipais realizar o processo de candidatura e recrutamento dos Juízes Sociais; estes são escolhidos entre os residentes na área de Comarca e Município do Tribunal; têm que ser cidadãos portugueses entre 26 e 65 anos, saberem ler e escrever, estarem no pleno gozo dos seus direitos civis e nunca terem sido condenados por crime doloso. As candidaturas iniciam-se no mês de Abril do ano em que se complete o biénio da anterior designação, isto é, os Juízes Sociais exercem o seu cargo durante dois anos, até serem substituídos. Gozam dos direitos de ajudas de custo e indemnização por perdas de transporte e perda de remunerações que resultem do exercício destas suas novas funções, sendo as ajudas de custo fixadas pelo Ministério da Justiça. As listas camarárias são elaboradas e votadas em Assembleia Municipal e remetidas ao Conselho Superior da magistratura e Ministério da Justiça. Se alguém for nomeado Juiz Social, pode requerer escusa do cargo por, entre outros motivos, razão justificativa, contanto que não seja susceptível de compensação
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pecuniária, devendo essa escusa ser dirigida ao Ministro da Justiça. Um ponto importantíssimo na actuação e exercício dos Juízes Sociais diz respeito aos chamados Processos de Promoção e Protecção de Menores. Quando um menor se encontra em situação de perigo, não havendo acordo dos pais na resolução atempada dos problemas que causaram risco ou perigo grave para um menor, o Tribunal de Família e Menores socorre-se dos Juízes Sociais na aplicação de Medidas que protejam o menor, aplicando-se em último caso a Medida de Confiança Judicial para Futura Adopção. Nestes processos, o auxílio dos Juízes Sociais que tenham bom senso, experiência no cuidar de menores é essencial no auxílio do Juiz Presidente. Entendo que é um acto de generosidade a participação dos Cidadãos neste género de processos respeitantes a menores em risco. Se os leitores tiverem essa predisposição, é de louvar a vossa candidatura a estes cargos, não só para ajudarem os menores em perigo, assim como para o auxílio dos nossos Tribunais e desbloqueamento de processos tais como estes, cuja natureza, factos e questões merecem toda a nossa melhor atenção e esforço. n
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ClubeTempoLivre > Passatempos 1
Palavras Cruzadas | por José Lattas
Horizontais: 1-Libertinagem; Compartimento onde se preparam os alimentos. 2-Bebedeiras. 3-Alegria (pl.); Semelhante; Embaraçara. 4-Baqueara; Vínculo; Mole. 5-Animação. 6-Estilete; Ademais; Compartimentos. 7Diminuto; Portaria. 8-Desposou; Óxido de cálcio; Decadência. 9-Agastamento. 10-Constata; Penates; Empecilho. 11-Cremes; Acrescentei; Choupas. 12Consola. 13-Aludira; Esqueletos.
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1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 SOLUÇÕES (Horizontais): 1-BACANAL; COZINHA. 2-A; M; GATAS; S; R. 3RISOS; TAL; ATARA. 4-CAIRA; ELO; MOLAR. 5-A; R; GAS; I; M. 6SONDA; ORA; SALAS. 7-POUCO; ÁTRIO. 8-CASOU; CAL; OCASO. 9H; R; IRA; S; B. 10-APURA; LAR; ÓBICE. 11-NATAS; ADI; SAMAS. 12Ç; E; ADOÇA; L; A. 13-ATIRARA; OSSADAS
Verticais: 1-Lanchas; Burla. 2-Abalava; Manto; Rapaz. 3-Sim; Contracção da preposição em, com o pronome demonstrativo os; Antiga nota musical. 4-Afecto; Dueto; Raspar. 5-Designação dada no Brasil a uma variedade de mandioca (pl.). 6-Prata (s.q.); Ambiente. 7Açoite; Embuste. 8-Assolar; Charrua. 9-Calejada; Larício. 10-Ósmio (s.q.); Carta de jogar. 11-Próprio de amigo (pl.). 12-Pronome demonstrativo; Apelido de heroína francesa; Projéctil. 13-Alumínio (s.q.); Borra; Prefixo que se emprega em vez de in. 14-Rádio (s.q.); Contracção da preposição a com o artigo definido o (pl.); Cálcio (s.q.). 15-Mentiras; Barrigudas.
Ginástica mental| por Jorge Barata dos Santos
N.º 19 Preencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado
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SOLUÇÕES
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Memória
Henrique Viana, o Calinas Falamos, este mês, de Henrique Viana, lisboeta do Bairro de Santa Catarina, onde nasceu a 29 de Junho de 1936, actor desde os 20 anos, cerca de vinte filmes, mais de trinta peças de teatro, telenovelas, séries televisivas, enfim, uma carreira cheia que fêz dele um dos actores mais populares e queridos do público português.
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ara a história da sua vida ficou célebre o «Calinas» com o seu ar sabido e malandreco, fatitotas espampanantes, trabalhando pouco e vadiando muito, amante da jogatina e das garotas, fadistão e bairrista, mas para sempre «alfacinha» de gema. Assim se definiu a si próprio o «Calinas» que deu fama e glória ao seu autor, Henrique Viana.
Da Guilherme Cossoul ao Nacional Se tudo começou na Sociedade Guilherme Cossoul, onde era o sócio número 8, não demorou muito a ser convidado por Amélia Rey Colaço para integrar o elenco da peça «O Lugre», de Bernardo Santareno. Do amador para o profis-
Em “Os imparáveis”, série sobre futebol, uma produção de Carlos Cruz
sional, o talento de Henrique manifesta-se tanto no teatro dito sério como na comédia ou na revista e não se estranhe que o empresário Vasco Morgado o tenha ido buscar ao Nacional para a alta comédia «Loucuras de Papá e de Mamã» (Teatro Avenida, 1962). Mas antes, muito antes, ainda miudo, Henrique foi marçano numa loja de retroseiro e depois tipógrafo e vendedor de electrodomésticos e empregado de escritório e funcionário público. Tudo para ganhar uns tostões e ajudar os pais.
Infância de menino pobre Naqueles distantes anos quarenta, quem os viveu sabe bem como tudo era difícil. Bichas para o pão, para o arroz, para o açúcar, para tudo, e a criança, nascida em 1936, filho de um cortador e de uma empregada num armazém frigorífico, vivia mal. Era um menino da rua: jogava ao berlinde e às caricas, brincava aos polícias e ladrões, andava à porrada com os outros meninos e, como muito bem disse o poeta, «à noite devia sonhar com potes de marmelada e dias de sol e banhos na praia».
Quase, quase toureiro Numa longa conversa que Henrique teve com o saudoso jornalista e poeta, Eduardo Guerra Carneiro, o actor contou que, antes do teatro, delirava com as touradas. Tinha um tio que o levava aos touros e até lhe ofereceu um borrego para treinar (!). «Como na casa não havia quintal, o borrego estava no primeiro andar e eu toureava-o com um lenço de seda vermelha da minha tia...» 36
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Intérprete do filme “A Santa Aliança”, de Eduardo Geada (1978). À esquerda, caricatura de Henrique Viana na personagem de “Calinas”, que foi nome de Revista no teatro Adoque (1977)
Henrique Viana no “Vampiro” do “1-2-3” em 1985
A «aficcion» durou pouco e o teatro entrou na vida de Henrique para sempre.
Raul Solnado e Adoque Henrique Viana trabalhou com as mais variadas gentes do teatro, Glicinia Quartim, Palmira Bastos, Varela Silva, Fernanda Alves, Jacinto Ramos, Jorge Listopad, entre muitos outros. Mas não esqueceu nunca a mão que Raul Solnado lhe deu numa altura menos boa da sua vida. Era o tempo de um dos maiores êxitos do teatro , «O Vison Voador», ao lado do próprio Solnado, de «O Tartufo» ou de «Sua Excelência o Pendura». Fundador do Adoque, com Francisco Nicholson e outros, foi um intérprete imprescindível em revistas como «Pides na Grelha», «Cia dos Cardeais», «A Paródia», «Ó Calinas, cala a boca». E aqui um parêntesis para recordar a figura criada por Henrique Viana muito por causa do seu apurado sentido de observação e de crítica. Nada escapava ao olhar crítico e bemhumorado do actor. Ele próprio escreveu: «O Calinas é-me familiar. Nasci e vivi em Santa Catarina, bairro popular entre a Bica e a Madragoa e bem perto do Bairro Alto. Conheço dezenas de Calinas, fui criado no meio deles e o meu Calinas é a caricatura dos autênticos que conheci e conheço.»
A morte chegou num Verão Henrique Viana morreu no dia 4 de Julho de 2007. Tinha 71 anos, uma vida cheia e um cancro levou-o deixando os nossos palcos mais pobres. Alfacinha de gema, nasceu num dia de São Pedro e morreu num dia de verão quente e luminoso como são os dias de Verão nesta Lisboa que Henrique Viana tanto amou. n Maria João Duarte OUT 2010 |
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ClubeTempoLivre > Cartaz
BRAGA Cursos Iniciação musical e piano, Bordados Regionais e Confecção, Pintura, Viola, Violino, Danças de Salão, Ginástica de Manutenção e Judo, informações na Agência Inatel.
COIMBRA 5 de Outubro Comemorações a partir das
e tasquinhas diversas na
Câmara “Canticus
Escola Velha Teatro de
15h na Baixa de Coimbra,
Praça do Comércio e, às 15h
Camerae”na Igreja da
Gouveia, no Cine-Teatro de
com Arraial Republicano,
em Arazede - Encontro de
Misericórdia de Tentúgal e
Pinhel; dia 23 às 21h30 -
desfile de Bandas de Música
Filarmónicas.
pelas às 21h30 - Concerto
“Casamentos por medida”
pela Orquestra de Sopros
pelo Grupo Guardiões da
e Grupos Folclóricos, Recriação da Proclamação
Música
de Coimbra em Montemor-
Lua no Centro Cultural de
da Implantação da República
Dia 16 às 18h - Grupo de
o-Velho; dia 23 às 21h15 –
Celorico da Beira; dia 30
sarau de Gala da Escola de
às 21h30 - “Auto da Índia”
Avelar Brotero no Teatro
pelo Teatro Olimpo na
Académico de Gil Vicente
Casa da Cultura de
em Coimbra; dia 24 às 16h -
Famalicão
Encontro de Filarmónicas em Ançã; dia 30 às 21h30 –
VIANA DO CASTELO
Espectáculo de Homenagem a Filipe Lúcio
Curso
no Teatro Académico de Gil
Iniciação Teatral – dias 23,
Vicente em Coimbra.
24, 30 e 31 na Agência Inatel, por Álvaro Filgueiras
Cursos
(formador). Custo da
Escola de Música, infor. na
propina = 35 euros
Agência Inatel
(p/Associados Inatel). Duração do curso: 32 horas
Pedestrianismo/Btt Dia 17 em Foz de Arouce –
Cinema
Uma Aventura em Foz de
Filme: Shoot em Up - Atirar
Arouce, um evento
a Matar, dia 30 às 21h30, no
destinado a amantes de
Grupo Cultural Social
bicicletas todo-o-tereno e
Recreativo e Desportivo de
de caminhadas, org. CCD
Cuide de Vila Verde.
ACM Judo
GUARDA
Dias 12, 19 e 26 - provas na Escola C+S António Feijó,
Teatro
em Ponte de Lima, pelo
Ciclo de Outono: dia 16 às
Judo Clube de Ponte de
21h30 - “As contas” pelo
Lima.
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O Tempo e as palavras M a r i a A l i c e Vi l a Fa b i ã o
Para continuar a inventar o amor […] Em letras enormes do tamanho / do medo da solidão da angústia / um cartaz denuncia que um homem e uma mulher / se encontraram num bar de hotel / numa tarde de chuva / entre zunidos de conversa / e inventaram o amor com carácter de urgência / […] A rádio já falou a TV anuncia / iminente a captura A polícia dos costumes avisada / procura os dois amantes nos becos nas avenidas / Onde houver uma flor rubra e essencial / […] É preciso encontrá-los antes que seja tarde / Antes que o exemplo frutifique Antes / que a invenção do amor se processe em cadeia / […] Daniel Filipe, in: A invenção do Amor e outros Poemas, Lisboa, 1961.
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á meses que, emoldurado num manto negro como o silêncio eterno do Nada sem futuro, o seu rosto macerado me persegue, bem em evidência, no topo da página do jornal “online” de leitura matinal obrigatória. Olho-a nos olhos, terrivelmente expressivos na paradoxal ausência de expressão. Com a inevitabilidade dos automatismos, todos os dias a imaginação lhe sobrepõe, surgido do abismo da memória, aquele outro rosto de mulher que, sobressaindo, na sua palidez, do roxo bordado a ouro do manto de veludo que o envolve, olhos erguidos para o céu, uma lágrima perene detida a meio-correr na face direita, lábios entreabertos numa súplica jamais formulada, encheu de mistério e angústia as missas dominicais da minha primeira infância. Como que a explicar a razão de tanto sofrimento, a dona daquele rosto apontava, com dedos delicados, para as sete espadas que, em leque, lhe trespassavam o coração que alguém lhe arrancara do peito. Nossa Senhora das Dores - Sakineh Ashtiani. Sakineh. Um rosto; um rosto e um nome. Rosto e nome, porém, de muitos rostos e de muitos nomes - de todas as passadas e futuras vítimas das modernas teocracias islâmicas fundamentalistas, de leis e punições demasiado cruéis, desumanas, cuja lembrança vergonhosa os povos ocidentais há muito gostariam de ver apagada da sua memória histórica. Sakineh. É evidente que Sakineh é culpada. Não talvez culpada de ter um gato preto – coisa que na Europa medieval lhe valeria uma condenação por prática de bruxaria. Não, talvez, culpada de ter um sinal no rosto, coisa que, nesse mesmo então, seria, para os bons cristãos, demonstração do seu relacionamento com o próprio Belzebu e justificaria a sua condenação a uma santa fogueira ou ao enfossamento, método específico para
mulheres, já que enterrando-as vivas os executores não corriam o risco de atentar contra o pudor da condenada, como aconteceria num enforcamento prévio. Na realidade, muito provavelmente, Sakineh só não é culpada do “crime” de adultério de que é acusada pelos juízes, que, interpretando a Sharia ao arrepio dos ensinamentos do Corão e baseados na sua intuição pessoal, dispensaram os testemunhos de três homens e duas mulheres e a condenaram a ser morta por lapidação. A culpa de Sakineh, como de, entre muitas outras, Bibi Sanubar e Mariam (grávidas), e da pequena Leila (13 anos), lapidada por ter sido violada por três adultos, não foi terem cometido adultério, mas sim terem nascido mulheres no Irão, na Nigéria, na Arábia Saudita, na Somália ou em qualquer um dos países em que, após a revolução islâmica (1979), passou a imperar a Sharia (lei islâmica), na sua versão mais dura e arbitrária. É verdade que o conceito de adultério difere, no Islão, bastante do dos nossos lexicógrafos ocidentais, para quem adultério é “a violação do dever recíproco de fidelidade entre casados”. Para o legislador islâmico, é absolutamente lícito ao homem viver com quatro mulheres desde que casado com elas. Adultério é, para ele, qualquer relação, sobretudo da mulher, fora do casamento, e a sua punição é, no total desrespeito dos direitos humanos, a morte por LAPIDAÇÃO (do latim lapidatione “acto de atirar pedras”), ou APEDREJAMENTO, frequentemente precedida de 80 ou 100 chicotadas, para “persuadir” da sua própria culpa o acusado mais inocente. Sakineh espera: a nossa ajuda ou a humilhante e terrível morte por apedrejamento. O filho pede: “Escrevam. Salvem a minha mãe.” n
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Os contos do
O novato
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aquelina Vilas, a dona, desceu do seu gabinete no piso superior para admoestar os quatros funcionários: — Não me entregaram o mapa semanal discriminado. As notas de encomenda para o armazém estão atrasadas. Que andam aqui a fazer? Os visados engolem em seco, só Lúcia Alexandra esboça uma resposta: — Lembre-se, dona Raquelina, que sofremos um prolongado corte de corrente e os computadores ficaram inacessíveis. Lúcia trabalha há quatro enjoados anos na contabilidade da Utilmoda Ldª, empresa que transaciona utilidades de uso pessol, de corta-unhas e guarda-chuvas a escova e talheres. Os três homens no escritório são homens avançados nas idades e vêm da fundação da casa. Pouco conversam ou conversam acerca do que não interessa a Lúcia Alexandra, como as graças dos netos, a saúde dos próprios, falecimentos de familiares e amigos e, às segundas-feiras, futebol. Este não é o emprego que Lúcia ambicionaria mas o que mais pesa não é o serviço que lhe cabe. Sofre, em cada hora do horário, o ambiente depressivo da sala de rés-de-chão onde tudo é velho, menos ela. Hoje devia ser um dia animado, é a despedida de senhor Gonçalo Afonso. Ele já ultrapassou em três a idade da reforma mas agora vai. Lúcia Alexandra trouxe um bolo de chocolate, os outros espumante. Esperam que ao fim da tarde dona Raquelina desça, não para as critícas e queixumes do costume mas para manifestar alguma gratidão ao senhor Gonçalo. Em quarenta anos de esforço e pontualidade, só ultimamente faltou alguns dias e por culpa da espondilose. Às seis e um quarto, dona Raquelina compareceu e traz um sorriso. É uma mulher à beira dos cinquenta, veste com esmero, aloura o cabelo todos os meses e já foi entrevistada para uma revista como empresária de sucesso. Na verdade, há apenas cinco anos que dona Raquelina deitou mãos ao trabalho. Foi quando transitou de cônjuge de Heitor Vilas para viúva dele. — Todos devemos agradecer ao senhor Gonçalo, especialmente vocês que com ele aprenderam o pouco que sabem — diz dona Raquelina e acrescenta: - Agora a vossa 64
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obrigação é apoiar a pessoa que o vem substituir, já na segunda-feira. Lúcia Alexandra levou o fim-de-semana a pensar na novidade. Desejaria que chegasse alguém diferente do senhor Gonçalo, do senhor Xavier e do senhor Deodato. Talvez uma mulher. E de preferência jovem como ela, com interesses semelhantes e vontade de viver. Passeou-se na praia da Caparica para aonde era costume fugir aos fins-de-semana com tempo bom. Bem disposta. Finalmente, uma brecha no rame-rame do escritório prometia quebrar a sensação de claustrofobia. A novidade chegou passavam doze minutos das nove. Já Lúcia se intrigava quanto à vinda do admitido quando ele apareceu. Um homem. Mas jovem, Lúcia calculou que teria uns vinte e cinco anos. Cumprimentou os novos colegas e apresentou-se com timidez na voz: — Nestor Matos. A dona Raquelina convidou-me para trabalhar aqui. — Seja bem-vindo - saudou Lúcia Alexandra apertando a mão firme que ele estendeu. Quando a tocou, agradou-lhe o contacto. Não menos aprovou o rosto do rapaz, feições correctas, olhos claros contrastando com o negro do cabelo. E, magro, elegante. Disse para si própria o lugar comum que achou adequado: “É uma lufada de ar fresco”. Veio dona Raquelina a informar que o novato não dispunha de experiência no ramo, recomendando paciência na instrução. E retirou-se. Xavier Mirandinha, agora na função de chefe, decidiu. — Você, Lúcia. Se não se importa, vai iniciar o nosso novel companheiro. — Não me importo - disse ela, prontamente. Receou ter usado um tom de contentamento excessivo e chamou, sem olhar: - Então, Nestor, venha sentar-se ao meu lado. Mostrou-lhe no computador como funciona a empresa. Nestor vai e leva a cadeira. Instala-se demasiado distante para espreitar o computador e Lúcia Alexandra ri: — Tem de se aproximar um pouco, assim não vê. Ele assim procede e encosta o ombro ao ombro dela que não se furta ao contacto. Pelo contrário, sabe-lhe bem. Vai explicando as bases do funcionamento da empresa mas dirse-ia que a mente anda longe da voz. Pensa no sobressalto ANDRÉ LETRIA
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que lhe causa o recém-chegado. Considera-se mulher serena e pouco dada a emoções repentinas mas reconhece a excitação causada por aquele ombro-a-ombro. E antes, logo que o viu e ouviu. Repreende-se, de si para si: “Que parvoíce!” Ao encerrar da sessão, Nestor mima-lhe a face com um beijo de agradecimento. Ao de leve. É um gesto simples e natural mas Lúcia Alexandra estremece e sente que ruboriza. — Continuamos amanhã - diz Nestor. — Com todo o gosto - balbuciou ela. O amanhã começou cedo. Recusando-se a enfrentar o porquê, Lúcia aplica-se na apresentação e concede-se uma rara maquilhagem. Deplora a roupa que vestia na véspera e opta por um vestido justo e alegre. Talvez seja demasiado curto, talvez o decote exceda os limites que lhe são habituais. Aprecia-se no espelho grande do quarto e aceita o que vê: “Não tem nada de indecente”.
Nestor manteve-se um pouco de pé, a um lado, e ocorre a Lúcia que, naquela posição, vendo de cima para baixo, o olhar dele lhe mergulha nos seios. A ideia perturba-a, tanto como o toque das coxas quando ele se sentou. Tenta acalmar-se, dominar o assomo de sensualidade que a faz desconhecer a si própria. O comentário do chefe não ajuda nada: — A nossa Lúcia hoje veio muito bonita. E o senhor Deodato carrega na atrapalhação dela: — Nos trinques. Anda aí passarinho novo. Lúcia resmunga um protesto e, talvez mais para Nestor que para os outros, informa que não tem namorado. Agora, Lúcia Alexandra cuida todas as manhãs do seu belo rosto e vai mudando de indumentária, colares, uma vez ou outra de penteado. Dia a dia aumenta o prazer de frequentar o escritório que considerava um túmulo. Nestor é simpático, bem-humorado, fisicamente perfeito e ela não pode mais esconder de si mesma que está caidinha pelo novo colega. “Nunca falou em namorada. Talvez não tenha” – anima-se. Para evitar as idas do pessoal à leitaria da frente, dona Raquelina adquiriu máquina de café e açúcar respectivo e Lúcia fica sensibilizada quando Nestor, uma vez e outra, lhe traz o cafézinho à secretária. Mais ainda quando sente o braço estendido sobre os seus ombros. Ela não é mulher suficientemente moderna para tomar a iniciativa e aguarda, com impaciência, a hora em que Nestor irá revelar que tanto amor é recíproco. Sorri ao pensar nos esplêndidos fins-desemana que hão-de passar juntos. Neste fim-de-semana, Lúcia deambula pelo passeio marginal da Costa de Caparica e pensa no homem que veio iluminar os seus dias soturnos. Por onde andará? Imagina-o velejando, por mais de uma vez falara da sua paixão pelo mar. Ou escalando picos de montanha, também lhe ouvira o entusiasmo por desportos radicais. “Um dia - medita Lúcia - me levará com ele, vá para onde for”. Estaca, de súbito, com o olhar cravado num barco ao longe. “Parece o Nestor. Não, não é. Ou é?”. O ângulo não permite uma visão clara, aproxima-se e respira fundo: não pode ser ele, tem uma cabeça de mulher repousando no ombro. Mais umas passadas de incerteza até o homem virar a cara na direcção do mar. É o Nestor. Fulminada, Lúcia Alexandra a custo sufoca um grito: “Esse ombro é meu!” Não gritou mas foi como se despertasse a mulher que levanta a cabeça do ombro roubado. É dona Raquelina. n OUT 2010 |
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Crónica
A morte de D. João Álvaro Belo Marques
Dom João - Figura lendária que tem inspirado inúmeros poetas, pintores e compositores que fizeram dele um sedutor irresistível, rico, libertino e sem carácter.
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uando entrei em casa noite alta, esperava o habitual recado da mãe servido automaticamente pelo meu pai: “Bebe um copo de leite e vai-te deitar”, por isso a minha surpresa ao ouvi-lo perguntar: “Já leste «A Morte de D. João»”? Não tinha lido e disse-o. Naquela época andava nas águas de Emilio Salgari, da família Dumas, do du Terrail, do Julio Verne e de alguns infiltrados como George Ohnet, Campos Júnior e outros que não digo. Exemplo da genial arquitectura portuguesa dos anos 20/30 do sec. XX, a nossa casa era constituída por um corredor, com a porta de entrada num topo e a despensa no outro. Quartos, sala e cozinha de um lado e de outro. Aquela concepção poderia servir perfeitamente para um comboio, mas era uma casa, com a privada na varanda, como anexo ou enfeite ou assinatura final do arquitecto, não sei. O local de trabalho de meu pai, logo a primeira porta à esquerda, era por nós chamado de “escritório”. De costas para o corredor e de porta aberta para a saída do fumo do cigarro permanentemente renovado, ali trabalhava meu pai dias e, por vezes, noites seguidas sem aparente cansaço. “Então senta-te aí. Estás em muita boa idade de conheceres o Dom João de Guerra Junqueiro.” E foi à estante e retirou o livro que eu já tinha mirado várias vezes mas nunca lhe pegara por desapetência. Fez um novo cigarro de mortalha zig-zag e onça francesa, acendeu-o e começou a ler-me o poema, (a que o autor chama epopeia), como só um poeta sabe ler outro poeta. “Eu era mudo e só na rocha de granito / Por sobre a minha fronte a sombra do infinito /Em volta a solidão, e o mar junto a meus pés / Cantando um hino igual aos hinos de Moisés.” E chegamos em tempo devido a Babilónia. O pai olha por vezes fugazmente para mim, com os óculos descaídos bifurcados no nariz, medindo o meu grau de atenção e de interesse. Eu já estou
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meio de rastos, com os olhos a arder de fumo e emoção e os lábios ressequidos por desejos de um cigarro. “Dai-me a unção de Jesus e o látego de Cristo/Dai-me essa férrea voz dos lívidos profetas/Para esmagar, calcar as gerações abjectas/Da Babilónia de hoje!” Continua a ler, agora O Órfão – D. João. “Filho da treva e do vício /Despontara à luz da vida/Como pomba dolorida/Já votada ao sacrifício.” E, pouco depois, apresenta-nos Impéria: “Ninguém ao certo saberá dizer/Se era filha de Cristo ou de Mafoma/Louca boémia do amor e do prazer/Nasceu no Egipto, na Turquia, em Roma?/Vão lá saber onde nesceu a estrela/perpassando no azul da imensidade!/Se o vinho é bom e se a mulher é bela /Que faz ao caso a certidão de idade?!” Pouco depois, o pai, sempre fumando, lê como só ele, o diálogo entre o Poeta e a Impéria, páginas que mais tarde voltei a ler, sozinho, para maior deleite e concentração. E vamos continuando com o declínio de D.João e de Impéria (está nojenta, hidrópica, leprosa). D. João morre de fome. Roto, esfarrapado, quase nu. “Sinto exalar da lâmpada da vida/O último perfume..// Oh que frio! Que frio! / Partam-me esta cabeça contra um muro /Que eu não posso sofrer nem um instante/A dor que me consome... Impéria: - D. João, ó meu amante / diz-me, que tens?... D.João (expirando) – Não é remorso... é fome./ Vai despontando o rosicler da aurora...
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ambém lá fora já nasceu o dia. O pescador que vive nas traseiras regressa agora ao lar com a faina cumprida e, com o seu vozeirão, dá os bons-dias à família. “O azul sereno e vasto/Empalidece e cora, /Como se Deus lhe desse/Um grande beijo luminoso e casto, /A estrela da manhã/ Na altura resplandece; /E a cotovia, a sua linda irmã /Vai pelo azul um cântico vibrando/Tão límpido, tão alto, que parece/Que é a estrela do Céu que está cantando. A mãe levantou-se e parou à porta do escritório para nos saudar. O pai fecha o livro enquanto nós os três choramos: o pai, a Impéria e eu. n
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