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N.º 230 Outubro 2011 Mensal 2,00 €
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Guimarães De “berço” da Nação a capital cultural Entrevista João Bonifácio Serra Viagens Ceuta Memória Luís Piçarra
Destacável 8 págs. Viagens Internacionais Outono/Inverno
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Sumário
Na capa
Foto: Catarina Serra Lopes
22 TERRA NOSSA
Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012 Palco de história secular, a terra onde nasceu o rei fundador de Portugal foi eleita pelo New York Times um dos 41 lugares no mundo a visitar em 2011. No próximo ano ostentará o título de Capital Europeia da Cultura. Outro motivo forte para uma visita obrigatória ao 'berço' da Nação.
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EDITORIAL
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NOTÍCIAS
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CONCURSO DE FOTOGRAFIA
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DESPORTO
Rui Pinheiro, ex-glória leonina anima basquetebol do Inatel MEMÓRIA
Luís Piçarra
ENTREVISTA
João Bonifácio Serra, presidente de Guimarães CEC Docente e investigador em várias instituições de ensino superior, membro fundador da Escola de Artes e Design das Caldas da Rainha e assessor e consultor principal da presidência da República nos mandatos de Jorge Sampaio, João Bonifácio Serra sublinha à TL a necessidade de abordagens multidimensionais dos problemas, propondo uma urgente reinvenção dos debates sobre a educação em Portugal. Ambição para a Guimarães Capital Europeia da Cultura: "deixar um rasto de conhecimento".
OLHO VIVO A CASA NA ÁRVORE
30 TEMPO GLOBAL
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O TEMPO E AS PALAVRAS Maria Alice Vila Fabião OS CONTOS DO ZAMBUJAL
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CRÓNICA António Costa Santos
Redu - A aldeia das letras Uma pequena aldeia das Ardenas, na Bélgica, seguiu o exemplo de Hay-onWye, no país de Gales, e transformouse num local de encontro de bibliófilos.
34 VIAGENS
Viagens Internacionais Outono/Inverno DESTACÁVEL DE 8 PÁGINAS
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BOA VIDA CLUBE TEMPO LIVRE
Passatempos, Novos livros e Cartaz
Ceuta Apresentada ao mundo como "uma cidade europeia em África" ou a "âncora para uma imaginária ponte entre dois continentes", em Ceuta persistem, apesar da espanholização, iniciada com a dinastia filipina, os sinais e a memória da pioneira presença portuguesa.
Revista Mensal e-mail: tl@inatel.pt | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Vítor Ramalho Vice-Presidente: Carlos Mamede Vogais: Cristina Baptista, José Moreira Marques e Rogério Fernandes Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Director: Vítor Ramalho Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho Colaboradores: António Costa Santos, António Sérgio Azenha, Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Lurdes Féria, Manuela Garcia, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria Mesquita, Pedro Barrocas, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, Vítor Ribeiro. Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Fernando Dacosta, Joaquim Letria, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Publicidade: Direcção de Marketing (DMRI) Telef. 210027189; Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA - Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Casal de Sta. Leopoldina, 2730-053 Barcarena, Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 140.684 exemplares
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Editorial
V í t o r Ra m a l h o
No caminho da auto-sustentabilidade
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Inatel é, desde 2008, uma Fundação privada de utilidade pública que tem de caminhar para a auto-sustentabilidade. O Conselho de Administração a que presido e que é o primeiro a dirigila, teve a missão, neste primeiro mandato, de a preparar para este objectivo, com a consciência que as despesas terão de ser cada vez mais - e no futuro totalmente - cobertas por receitas próprias. A forte diminuição da comparticipação pública fala por si. Neste quadro, que tem de envolver a eliminação de prejuízos significativos que há anos ocorriam em certos equipamentos, foi deliberado por isso suspender a Unidade Hoteleira do Santo da Serra, na Madeira, e fazer cessar a actividade em Penedones (turismo rural), tendo-se entretanto encontrado um sucedâneo num protocolo com o Grupo Pestana numa Unidade de excelência na Madeira. Foi também com esta perspectiva que se deliberou recentemente concessionar por dez anos o parque de campismo de S. Pedro de Moel, há muitos anos altamente deficitário, garantindo-se os direitos dos beneficiários da Inatel em continuarem a usufrui-lo de forma muito mais vantajosa que os demais utentes. O cessionário deste parque ficou entretanto obrigado a realizar obras de requalificação que, no final, reverterão para a Inatel, tendo ainda de pagar uma renda anual. O parque deixará de ter uma exploração deficitária. Esta mesma estratégia legitimou que em 2011 o investimento da
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Inatel seja superior a 10 milhões de euros, com afectação de recursos próprios. Trata-se de procurar valorizar a qualidade dos equipamentos existentes, sem excepção (agências, equipamentos, desportivos e culturais) e da oferta de serviços, num quadro de modernização e reorganização profundos, apesar da significativa diminuição da já escassa contribuição pública. O objectivo é que as receitas se reforcem na referida lógica de auto-sustentabilidade. A préselecção das candidaturas para o concurso de requalificação do edifício "velho" em Albufeira que há nos se arrastava é hoje uma realidade, ocorrendo a adjudicação da empreitada até ao final deste ano. Esta unidade será de grande excelência, como merecem os beneficiários. O projecto já está aprovado e a unidade ficará com 119 quartos. Do mesmo modo, a unidade de Cerveira, com 100 quartos, será inaugurada em Março do próximo ano. Tem-se por desnecessário relevar as unidades hoteleiras entretanto inauguradas sob o actual mandato, inclusive na única região do território nacional que as não possuía (Açores) apesar da já longa existência da Inatel ou aquelas que, já requalificadas, salvaguardam a segurança das pessoas e bens e respondem com mais qualidade aos serviços que prestam. As respostas a diferentes gerações de beneficiários justificaram que, ainda este mês, seja aberto um espaço multiusos no Parque de Jogos 1.º de Maio que possibilitará o alargamento de eventos culturais, desportivos ou de mero convívio.
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Noutro plano, ao lermos nesta revista a reportagem sobre Guimarães, berço da nacionalidade e que será capital europeia da cultura devemos ter presente que a Inatel é hoje membro dos corpos sociais da Turel, que dinamiza o turismo religioso, o que esteve na base da outorga de um protocolo com a excelente Albergaria do Sameiro, no Bom Jesus, já divulgado nesta revista. Os beneficiários da Inatel, ao visitarem, no distrito de Braga, a cidade de Guimarães ou qualquer outra zona do distrito terão agora uma unidade de invulgar qualidade, servida por uma variedade gastronómica que, por ser uma referência nacional é imperdível.
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o falarmos de Guimarães, berço da nacionalidade, seria impensável que a "Tempo Livre" não entrevistasse o Dr. José Bonifácio Serra, Comissário da capital europeia da cultura ou não integrasse, de caminho, uma reportagem sobre Ceuta, símbolo da epopeia dos descobrimentos, que nos transportou para um encontro secular de culturas forjando-nos no que somos - um país europeu com uma concepção universalista e tolerante. Concepção essa tão presente na nossa Fundação em todos os domínios. Daí o facto da U.E. a ter seleccionado como perita no programa Calypso que procura abrir os horizontes de expansão do turismo social na Europa e que será objecto, nos dias 27 e 28 do corrente mês de Outubro de um seminário para aprofundar este programa, coorganizado pela U.E. e pela nossa Fundação. A iniciativa terá lugar no Casino do Estoril e é jus-
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tamente referido, nesta revista, a que também não escapa a inauguração da nova agência de Santarém, a que se seguirá a de Setúbal, que será servida por um restaurante que valorizará a própria cidade. Ainda em 13 e 14 de Outubro próximo, vai ter lugar na unidade hoteleira da Foz do Arelho um grande evento, promovido pela direcção cultural da nossa Fundação denominado "Tradições que vivem", e que possibilitará a participação de personalidades prestigiadas que dedicam as suas actividades à defesa e ao aprofundamento do património cultural imaterial. Netas referências à nossa memória colectiva a "Tempo Livre" - e muito bem - remete-nos neste número também para a personalidade de Luis Piçarra, que no passado teve tantas intervenções de registo na nossa Inatel. Todas estas iniciativas, integradas numa estratégia que se tem por coerente, têm uma razão de ser - servir no futuro e cada vez mais e melhor os beneficiários da Fundação. Neste período, de grave crise que o país atravessa é para os beneficiários que nos devemos mobilizar, atentos às críticas e aos seus anseios, corrigindo o que deve ser corrigido, sempre numa perspectiva de um futuro que, reforçando a qualidade atenda a preços competitivos. Daí que a valorização da política comercial e dos recursos humanos tenham de ser as próximas prioridades da gestão da Inatel numa estratégia sempre inacabada, aprendendo-se com a experiência e avaliando o que de menos bem foi feito, porque nada é totalmente perfeito. I
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Notícias
Festival de Teatro de Barcelos G
Prossegue em Outubro, em
palcos diferentes do concelho, às sextas e sábados, pelas 21h30, o festival de Teatro de Barcelos, uma iniciativa da companhia de teatro local, A Capoeira. O programa - que arrancou com a peça, "Pranto de Maria Parda", de Gil Vicente, tem a participação de 15 grupos, incluindo A Capoeira, nove dos quais de
Vila Ruiva e Luso distinguidas em segurança e higiene alimentar
Barcelos - Teatro Experimental dos Feitos, Pioneiros da Ucha, TP Carapeços, Tass - S. Salvador do Campo, Grupo de Teatro de Palme, Grupo de Teatro da Pousa, Grupo de
A Inatel Vila Ruiva e a Inatel Luso foram distinguidas, no passado dia 14 de Setembro, com a "ForeSee Silver Certificate of Good Food Hygiene Standards", atribuída pela LusoCristal Consulting, consultoria especializada em Sistemas de Gestão de Segurança Alimentar. As distinções conquistadas pelas duas unidades hoteleiras da Fundação consagram os seus bons níveis de controlo em Higiene e Segurança Alimentar, obtidos e mantidos através da aplicação de um G
programa de HACCP nas áreas de alimentos e bebidas. Os Certificados foram entregues a Aldegundes Madeira, Directora da unidade de Vila Ruiva, e a Ana Martins, Directora da Inatel Luso, por David Bungard, Director Geral da LusoCristal Consulting com a presença de Carlos Mamede, Vice Presidente do da Inatel, e João Serrano, Director de Hotelaria da Fundação, a Equipa HACCP e respectivos colaboradores.
Teatro Os Amigos de Fragoso e os Amadores de Balugas. De fora de Barcelos, participam Os Plebeus Avintenses, o Teatro Amador de Gulpilhares, O Celeiro - Companhia de Teatro de Montemor, a Nova Comédia Bracarense e o Doze Arte Companhia de Teatro. A entrada é livre.
Selos homenageiam figuras do teatro nacional G
Os CTT prestaram tributo aos
grandes nomes da representação nacional, com a emissão filatélica
Inatel Santarém
"Teatro em Portugal", lançada em Setembro. Amélia Rey Colaço, Laura Alves, Armando Cortez, Raul Solnado, Eunice Muñoz e Ruy de Carvalho são os nomes homenageados nos selos. Os autores Almeida Garrett, D. João da Câmara, José Régio e Bernardo Santareno completam a emissão nos blocos. A pagela reproduz uma imagem da Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II.
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Acompanhando o processo de renovação das agências distritais da Inatel, iniciado
em Aveiro e Vila Real, estão já abertas aos associados e beneficiários da Fundação as modernas e eficientes instalações da agência de Santarém. 8
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Notícias
Turismo Social europeu em debate no Estoril
Prémio Amália para Ricardo Ribeiro l
Ricardo Ribeiro conquistou pela
segunda vez o Prémio Amália,
O impacto económico do turismo social é um dos temas centrais do seminário "Calypso: Horizontes de Expansão do Turismo Social na Europa", uma iniciativa da Comissão Europeia, que terá lugar no Casino Estoril, nos próximos dias 27 e 28. Organizado em parceria com a l
Fundação Inatel, o seminário terá a participação de representantes dos países membros da EU e debaterá ainda os seguintes temas: Histórias de sucesso do turismo sénior em Portugal; Projecto Calypso - Visão nos dias de hoje e perspectivas de futuro; Turismo sénior - Traços marcantes.
galardão que será entregue em espectáculo previsto para Novembro próximo. Em 2005, o popular fadista recebeu o prémio para Melhor Revelação Masculina. Ao reconhecimento do fadista soma-se o reconhecimento do seu álbum "Porta do Coração", eleito um dos dez álbuns "Top of the World" da edição de Verão da
Mais de mil jornais no Museu da Imprensa
importante revista Britânica Songlines. Entretanto, Ricardo Ribeiro e Pedro Jóia ultimam um
Mais de mil jornais integram a exposição "11 de Setembro / 10 anos", patente no Museu Nacional da Imprensa, no Porto. Esta mostra inclui dezenas de jornais originais e uma l
larga coleção de edições em suporte digital, relativas à destruição das "twin towers", de Nova Iorque, e da morte de Bin Laden, em Maio deste ano. Alguns dos principais jornais das grandes capitais fazem parte desta exposição, que traduz não só o impacto do acontecimento na imprensa mundial, mas também diferentes evocações feitas anualmente, a par da grande repercussão que teve o assassinato do líder da Al-Quaeda.
novo trabalho conjunto, com a colaboração de Yuri Daniel (Baixo), Vicky Marques (Percussão) e Rui Borges Maia (Flauta Transversal).
Concurso de Artes Plásticas l
Informam-se os beneficiários
interessados que o Concurso de Artes Plásticas da Fundação INATEL atribuirá o primeiro e segundo prémios em numerário, não se verificando a atribuição de bolsa de estudo no Ar.Co. Lamentamos o lapso na informação na edição da TL de Setembro. Para
"A minha Lisboa/30 anos depois"
mais informações: o site www.inatel.pt ou através do telefone 210 027 154.
"Poema Habitado" l
Na galeria Round The Corner, no
Teatro da Trindade, vai estar patente, de 13 a 29 de Outubro a Vídeo Instalação "Poema Habitado" de Susana F. Cruz. Natural de Lisboa, Susana F. Cruz (1988), é licenciada em Fotografia e Cultura Visual pelo Instituto de Artes, l
A Galeria de Arte do Casino Estoril acolhe, a partir de 22 do corrente, uma nova
Design e Marketing (IADE). Em
exposição do pintor e escultor Paulo Ossião, um dos mais conceituados 'retratistas' da
2010, participou em três exposições
cidade de Lisboa. A mostra, intitulada "A minha Lisboa/30 anos depois", inclui três
colectivas, em Lisboa.
dezenas de aguarelas e seis esculturas, e estará patente até 22 de Novembro. 10
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Notícias
Procura turística duplica em Portugal l O bom desempenho da procura turística internacional permitiu, entre Janeiro e Julho, superar e quase duplicar (+ 186,9%) as metas de crescimento de dormidas estabelecidas para todo o ano 2011 em Portugal, no âmbito do novo modelo de promoção externa regional. Os primeiros sete meses do ano
geraram em todo o País, face a 2010, mais 1,48 milhões de dormidas de turistas de 12 países estrangeiros em empreendimentos turísticos, superando largamente o objectivo de crescer mais 791 mil dormidas em todo o ano 2011, estabelecido para o destino Portugal em articulação com as sete Agências Regionais de Promoção Turística.
Parapente nos Açores l
As Portas do Mar, nos Açores
receberam pelo segundo ano consecutivo o Festival de Parapente dos Açores, que decorreu entre 25 e 28 de Agosto em São Miguel, com o apoio institucional da INATEL Desporto que deu o nome à Prova mais aguardada do Programa, o INATEL - Acro-Show. Esta17.ª edição do Festival registou 138 participantes, oriundos de 10 países, destacando-se as espectaculares demonstrações de acrobacias dos pilotos Anthony e
Travessia Inatel
Timothy Green. Destaque, ainda, para um
Após o sucesso alcançado em 2010 com o Campeonato Nacional de Águas Abertas, a Travessia INATEL uma distância de 1000 metros no Tejo para todos os nadadores filiados na Fundação, em parceria com a l
autarquia de Oeiras para dinamização da orla ribeirinha - não defraudou as expectativas. Com início na Praia de Santo Amaro de Oeiras, cerca de meia centena de atletas, incluindo o próprio António Bessone Basto, patrono da travessia, cumpriu o percurso de 1 Km até ao Porto de Recreio. Iniciada meia hora depois da competição Inatel, a Travessia António Bessone Basto - de 4,5 Km - foi, tal como a prova anterior, acompanhada pelos convidados da organização num veleiro.
lançamento de 500 balões nas Portas do Mar com a equipa de baloeiros de TURA, um espectáculo único, que iluminou o céu de Ponta Delgada. A par dos voos realizados foram muito concorridos os worhshops de construção dos balões e a palestra proferida pelo campeão nacional Nuno Virgílio sobre a aventura que protagonizou, recentemente, nos Alpes, o X-Alps. O festival encerrou com a tradicional Festa Nocturna dos Pastinhos, este ano contou com a presença do grupo "Bora lá Tocar".
Na Culturgeste
Os gostos e desgostos de Jorge Silva Melo "Já lá vão mais de 50 anos a ver e, mais tarde, a fazer teatro", lembra Jorge Silva Melo na apresentação das suas conferências, marcadas para a Culturgeste (26 de Setembro, 10 e 17 de Outubro e 7 de Novembro), onde revela que vai falar do que não gosta críticos, programadores, ministros, secretários, chefes de gabinete, assessores, directoresgerais e em geral…- e do que l
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gosta - "actores, ai de mim…". "Não digo das pessoas acrescenta o director Actores Unidos - , até há de quem gosto e gostarei: é das funções, do tempo que perdem, do tempo que fazem perder, do mundo que tapam. Por isso vou dizer tudo e espero que olhos nos olhos. E, porque gosto de happy-ends, dizer que gosto, gosto de actores, actrizes, técnicos."
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XVI Concurso “Tempo Livre”
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Regulamento 1. Concurso Nacional de Fotografia da revista Tempo Livre. Periodicidade mensal. Podem participar todos os associados da Fundação Inatel, excluindo os seus funcionários e colaboradores da revista Tempo Livre. 2. Enviar as fotos para: Revista Tempo Livre - Concurso de Fotografia, Calçada de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa. 3. A data limite para a recepção dos trabalhos é o dia 10 de cada mês. 4. O tema é livre e cada concorrente pode enviar, mensalmente, um máximo de 3 fotografias de formato mínimo de 10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em papel, cor ou preto e branco.
Menções honrosas [ a ] Gigi Valente, Lisboa Sócio n.º 104061 [ b ] Maria Pereira, Montemor-o-Novo Sócio n.º 486828 [ c ] José Barreiro, Albufeira Sócio n.º 36010 [a]
5. Não são aceites diapositivos e as fotos concorrentes não serão devolvidas. 6. O concurso é limitado aos associados da Inatel. Todas as fotos devem ser assinaladas no verso com o nome do autor, morada, telefone e número de associado da Inatel.
[ 1 ] Jorge Casais, Viseu Sócio n.º 508488 [ 2 ] Olga Cunha, Sacavém Sócio n.º 427416 [ 3 ] Paulo Santos, Moita Sócio n.º 377994
[b]
7. A «TL» publicará, em cada mês, as seis melhores fotos (três premiadas e três menções honrosas), seleccionadas entre as enviadas no prazo previsto. 8. Não serão seleccionadas, no mesmo ano, as fotos de um concorrente premiado nesse ano 9. Prémios: cada uma das três fotos seleccionadas terá como prémio duas noites para duas pessoas numa das unidades hoteleiras da Inatel, durante a época baixa, em regime APA (alojamento e pequeno almoço). O prémio tem a validade de um ano. O premiado(a) deve contactar a redacção da «TL». 10. Grande Prémio Anual: uma viagem a escolher na Brochura Inatel Turismo Social até ao montante de 1750 Euros. A este prémio, a publicar na «TL» de Setembro de 2012, concorrem todas as fotos premiadas e publicadas nos meses em que decorre o concurso.
[c]
11. O júri será composto por dois responsáveis da revista T. Livre e por um fotógrafo de reconhecido prestígio.
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João Bonifácio Serra Presidente da Fundação Guimarães 2012
“Cão velho quando ladra dá conselho” Docente e investigador, no ISCTE e no ICS, entre outras instituições de ensino superior, João Bonifácio Serra esteve na origem da Escola de Artes e Design das Caldas da Rainha, sua terra natal, e foi assessor, consultor e principal responsável da Casa Civil da Presidência da República durante os mandatos de Jorge Sampaio. Actual presidente da Fundação Guimarães 2012, entidade que prepara a programação da próxima Capital Europeia da Cultura, João Bonifácio Serra sublinha a necessidade de abordagens multidimensionais dos problemas. Nessa linha, propõe uma urgente reinvenção dos debates sobre a educação em Portugal e defende que a solução da crise que afecta actualmente Portugal e a Europa não pode emergir apenas da ciência económica. Leitor compulsivo de poetas, cita Pessoa e evoca, de passagem, alguns dos seus provérbios, como “Cão velho quando ladra dá conselho” e “Mil amigos são de menos, um inimigo é demais”. No seu percurso há uma articulação continuada entre dois níveis de intervenção, ora ao nível local e regional, ora a um nível mais global ou nacional. Não sendo de todo inédita esta situação, também não é propriamente paradigmática em Portugal… Não corresponde, naturalmente, essa espécie de descentralidade de actividades a um projecto de vida, a uma escolha pré-determinada. Mas a verdade é que tenho procurado conjugar uma perspectiva de intervenção e de exercício profissional de um âmbito local com uma perspectiva que tem um âmbito mais global ou nacional. Provavelmente, esta distinção não é muito significativa. Todo o local contém informação global. E a questão que se coloca ao investigador, ao analista, ao cientista, ao sociólogo, ao historiador, é a de saber qual é a perspectiva com que aborda o local. 16
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As minhas problemáticas são problemáticas globais, e eu encontro informação sobre elas no local. Da mesma maneira que as minhas preocupações globais não podem deixar de ser exercidas no plano local. Se eu tiver preocupações de natureza científica ou cívica globais, tanto as posso exercer numa cidade mais pequena ou numa cidade maior. Com as redes de informação de hoje, nada nos impede de exercer uma actividade de efeito e pertinência global num quadro local. O que talvez caracterize mais o conjunto de actividades em que tenho estado envolvido é uma preocupação de estar presente em áreas de investigação e de reflexão, mas também de estar presente em áreas em que se exige intervenção concreta. Podemos estabelecer um paralelismo com a assunção de responsabilidades no âmbito de Guimarães 2012?
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Eu estou em Guimarães a contribuir para uma capital europeia da cultura, que é europeia e é portuguesa, mas é também um apelo da cidade concreta, de Guimarães e dos seus instrumentos, dos seus equipamentos, das suas pessoas, das suas estruturas, das suas gentes, dos seus cidadãos. Da mesma maneira que quando participei na Comissão Instaladora da Escola de Artes e Design das Caldas da Rainha – aquela que foi uma das primeiras escolas de artes do país, pensada de raiz – eu estava a responder a um apelo que também tinha qualquer coisa de cívico, não era um apelo estritamente profissional… Acho que nestes dois momentos há similitude, entre 1989 e 2011, Escola de Artes e Capital Europeia: são ambos momentos em que me sinto envolvido em projectos que transformaram, num caso, e transformarão, noutro, estas cidades portuguesas.
Passou, entretanto, pela Casa Civil da Presidência da República… O apelo da política, em 95, decorreu sobretudo da participação na campanha eleitoral do Dr. Jorge Sampaio e correspondeu a um repto completamente novo na minha vida, que foi ter uma actividade como assessor político do Dr. Sampaio, em que o meu contributo foi sobretudo o de um analista da sociedade portuguesa. O que se revelou interessante foi que ele talvez tenha trazido à equipa multidisciplinar do Dr. Jorge Sampaio um olhar algo descentrado relativamente à política. Eu trazia uma perspectiva que conjugava bem essa visão entre o local e o global. Acho que a minha percepção desse trânsito entre o central e o não central, o mais polimórfico e policentrado da sociedade portuguesa, foi útil. Porque o mais interessante do modelo de desenOUT 2011 |
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Entrevista
volvimento urbano, do modelo de desenvolvimento económico do país, é o que assenta mais no policentrismo e menos numa espécie de hierarquia a partir de um pólo central. É uma visão que permite uma composição de interesses, já que os territórios têm valores que são complementares e não necessariamente antagónicos. Pode-se ler aí uma perspectiva que se demarca da que tem sido a perspectiva dominante na política em Portugal e na administração do território? Eu acho que há uma visão na política que é muito contaminada pelo princípio da área metropolitana que é Lisboa. De facto, se olharmos melhor, por baixo dessa área metropolitana há territórios com individualidade. A evolução dos últimos trinta anos mostrou que o território português de hoje não é o território que tínhamos há cem anos, com o qual se produziu uma divisão administrativa. Eu acho que a reaA solução para a lidade que hoje se vive é muito crise, hoje, não é distinta daquela que as práticas puramente políticas consagraram. É evidente económica; é que os distritos têm hoje pouca económica, é cultural correspondência com as necessie é política. dades administrativas do país. Eu posso viver nas Caldas da Rainha, ir a um restaurante no Bombarral ou em Rio Maior, ir ver um espectáculo a Lisboa, ou a Santarém, ou a Coimbra. A cidadania exerce-se num território que não é apenas o do concelho de residência. E essa visão é hoje consensual no ponto de vista das ciências e das artes que se ocupam do território, a geografia, a economia, a história, o urbanismo, a arquitectura. Mas não está, ainda completamente assumida no plano das relações políticas. Os Presidentes da República, em especial o Dr. Sampaio, procuraram trazer essa nova visão para a política. Passou pelo sindicalismo no final dos anos 70. Como vê os actuais debates sobre educação e o papel dos sindicatos? Corro o risco de estar um pouco fora do debate. Eu penso que o sindicalismo dominante está muito centrado na defesa dos direitos dos professores e tem pouco em atenção à questão da esco-
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la como a questão nuclear da sociedade portuguesa. É possível que a emergência nesta última década da questão docente tenha também condicionado o próprio Ministério da Educação. Admito que os últimos governantes também tenham dado menos atenção à escola e mais atenção ao professor. Há alguma razão quando se diz que nos últimos anos temos discutido mais os professores, a sua avaliação, a sua inserção na carreira, e menos a escola, o seu papel, a sua relação com a sociedade, com as famílias, com a comunidade, etc. E essa é a questão central. Nós temos tendência a exigir da escola aquilo que provavelmente ela não tem condições para resolver e que em grande parte é uma espécie de projecção sobre a escola de papéis que a comunidade se mostra incapaz de equacionar devidamente. A comunidade tem de equacionar as questões do papel da escola e não apenas o lugar e o papel do professor. Nós pretendemos que a escola seja um elemento essencial da integração do indivíduo na sociedade. Mas a integração não é apenas obediência à lei e não é apenas dominar um conjunto de instrumentos básicos da sociedade moderna, é também ter algum poder dentro dessa sociedade. De que forma é que a escola exerce poder na sociedade contemporânea, como é que ela é complementar das estratégias culturais, sociais, económicas e políticas para a melhoria das sociedades actuais – são questões que estão demasiado ausentes da discussão sindical e política. Temas que considera, portanto, ausentes das agendas sindicais e dos debates políticos… A educação é um tema central, é um tema da igualdade, é um tema da qualificação dos territórios e das pessoas, é um tema da cidadania e é um tema do desenvolvimento. E sobre isso há um discurso mais ou menos teórico e aparentemente consensual que precisa de ser concretizado e aprofundado. Estamos todos confortáveis com o facto de em período de crise a educação não ficar ao abrigo das reduções orçamentais? Isso é razoável, ou deveria haver uma especial consideração por determinadas áreas das políticas para que certos sectores ficassem ao abrigo das reduções orçamentais? Toda a gente deve contribuir para a redução do défice, mas não será comprometedor para o futuro que todas as áreas tenham que contribuir para a redução da despesa? É a mesma observação que fazia um conhecido
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Programação Guimarães CEC
“Deixar um rasto de conhecimento…” Pode indicar-nos as traves mestras da programação de Guimarães 2012? Nós organizámos a nossa programação em torno de dois eixos. Um eixo artístico… há um conjunto de projectos que obedecem a esses intuitos que são próprios de uma Capital Europeia da Cultura, a promoção artística através da música, do cinema, do teatro e das artes plásticas. Em paralelo, temos um outro eixo de programação que poderíamos designar por “Cidade e Cidadãos”. A programação artística valoriza sobretudo produções novas, o que corresponde à preocupação de deixar um acervo significativo de novos trabalhos, no cinema, na música, nas artes plásticas… Uma outra preocupação, que é transversal a todas as áreas de programação artística, tem a ver com a ideia de residência, produzir a partir do local, criar a partir deste contexto. Os artistas são convidados a trabalhar em Guimarães e a produzir uma obra que reflicta o contexto em que é produzida. E procuramos dotar-nos dos meios para que essa criação possa ocorrer. Por exemplo, de uma estrutura de produção cinematográfica que permita apoiar um Manoel de Oliveira ou um Jean-Luc Godard quando vierem filmar a Guimarães. O Peter Greenaway está também confirmado neste projecto, que é um filme colectivo, composto por cinco ou seis curtas-metragens. A temática é comum, é a memória. São presenças já confirmadas? Sim, começam a filmar agora em Outubro. E o Manoel de Oliveira
aceitou fazer o seu primeiro filme em 3D. E quanto ao eixo que designou por “Cidade e Cidadãos”? Respondemos aí a dois ou três reptos. O repto “Europa”: esta cidade é europeia e essa dimensão não se esgota nas componentes europeias do programa artístico. Queremos que a Europa tenha aqui um momento de reflexão. Mas também queremos que a capital europeia tenha um especial legado no que respeita à afirmação da língua portuguesa como uma língua europeia e uma grande língua no mundo. Nesse sentido, estamos a desenvolver programas, sobretudo com o Brasil, que visam reforçar essa ligação, que é uma ligação muito forte, no plano histórico, entre Guimarães e o Brasil. Ao longo dos últimos séculos, o próprio apelido Guimarães veio a ser muito disseminado no Brasil e está ligado a algumas das figuras mais importantes da literatura e da música… É a esse propósito que surge uma instalação sobre Guimarães Rosa… Sim, temos um projecto de uma edição especial do “Veredas” para a Capital Europeia, associada à instalação de uma artista brasileira sobre a obra dele… Gostaríamos de ter também a presença do Ivan Lins, uma vez que se chama Ivan Guimarães Lins e tem uma avó vimaranense… E há um conjunto de outros projectos, como acompanhar a disseminação não só do apelido, como a presença de vimaranenses em momentos-chave da relação com a Ásia, com África e com as Américas.
Os “Tempos Cruzados” inserem-se também nessa linha? Temos a preocupação de envolver na Capital Europeia da Cultura não apenas aqueles cidadãos que têm uma relação mais frequente com o fenómeno cultural, mas também aqueles sectores sociais mais descapitalizados em termos culturais, que devem ser chamados e cuja participação deve ter o mesmo nível artístico que qualquer outro. Finalmente, temos ainda um programa original que foi contratualizado com três associações de Guimarães e que se refere a áreas como a valorização do património etnográfico do concelho, um programa que visa reforçar as estruturas de criação dessa área mais associativa, amadora e popular. E onde é que entram as histórias de vida, uma das dimensões da linha “Comunidade”? Há histórias de vida na “Comunidade” – uma fase de investigação permitiu detectar momentos importantes da história da comunidade que estavam mais ou menos esquecidos, como uma marcha da fome nos anos 40, e recriá-los na programação artística. Também há histórias de vida na “Cidade e Cidadãos”, sobretudo histórias de vida ligadas à história empresarial. Há uma parte das histórias de vida que corporizará um museu virtual. Nós vamos disponibilizar esses elementos para alguém que possa querer criar museus, mas a nossa vocação não é criar museus, mas deixar um rasto de conhecimento para quem depois quiser musealizar. I
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Entrevista
sociólogo: se incluirmos os custos sociais a médio ou longo prazo, as alegadas vantagens dos cortes na educação desaparecem… Há muita despesa supérflua, mas é uma boa aposta dizer que a educação deve sofrer como todos os outros? Sobretudo, dá-se um sinal às sociedades. Eu acho que os governos nesta fase de crise deveriam também cuidar da política; parece que estão apenas a cuidar da economia. Cortar na despesa parece ser hoje consensual, mas cortamos da mesma maneira em todas as áreas do investimento público, ou salvaguardamos algumas? Quando a Finlândia sofreu o impacto da implosão soviética e se descobriu como um país rural, subdesenvolvido e com dificuldades de integração externa, o parlamento finlandês resolveu criar uma comissão interpartidária, com o objectivo de desenhar uma estratégia de saída dessa crise profunda. Chamou-se a essa comissão a “Comissão do Futuro”, que tinha Temos discutido como objectivo definir um plano. mais os professores Esse plano teve um grande êxito, (…), e menos a correspondeu a uma reorganiescola, o seu papel, a zação não apenas da economia sua relação com a como também do ensino, desigsociedade, com as nadamente do sistema educativo famílias, com a médio e superior. Os resultados comunidade. foram obtidos por um largo consenso entre todas as principais forças políticas finlandesas. Acho que se justificava perfeitamente nesta altura termos uma “Comissão do Futuro” que pudesse trabalhar no consenso político em torno de como enfrentarmos esta crise. E a solução para a crise, hoje, não é puramente económica; é económica, é cultural e é política. Sobre questões relacionadas com urbanismo, escreveu uma reflexão inspirada num poema do Ruy Belo. É curiosa esta relação que cria entre o discurso poético e a cogitação sobre questões tão concretas e corpóreas do quotidiano das cidades e do património… Eu sou, desde muito novo, um leitor quase compulsivo, nomeadamente de poesia. Recentemente publiquei no meu blogue um texto do Eugénio de Andrade, um texto dedicado ao Porto. O texto começa mais ou menos assim… “agora que estamos em Setembro e eu vou partir para a terra da fruta…” Ele estava a falar das Beiras, para onde
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ia… “não verei mais essa cidade um pouco suja, um pouco escura…” Está a falar do Porto, evidentemente… Mas mesmo suja, mesmo desagradável, gostava de lhe pôr um diadema, de a coroar... Mesmo quando a cidade parece mais difícil de ser amada, mesmo nesse momento o amor da cidade é importante… A poesia é uma fonte permanente de inspiração para os não poetas. Talvez não inspire os poetas, mas os não poetas são muito inspirados… E a poesia permite ao leitor estabelecer relações – subjectivas, evidentemente – com uma realidade concreta, particular… Há dias ofereci o livro de provérbios do Fernando Pessoa, que tem sido uma fonte permanente de inspiração. Vou-lhe contar três provérbios que me ficaram na memória. Um já utilizei hoje numa reunião: “Comparação não é razão”. Um outro diz mais ou menos seguinte: “Cão velho quando ladra dá conselho”. E o outro também é uma boa lição: “Mil amigos são de menos, um inimigo é demais”. A poesia ajuda-me a comentar e a perceber melhor… Ajuda-me a enfrentar o dia-a-dia de uma forma mais inteligente do ponto de vista emocional… não encontrar sempre nas dificuldades um motivo de constrangimento. A poesia ajuda-nos a ser mais irónicos e a encontrar um desafio para ultrapassar o momento e uma perspectiva de ironia… I Humberto Lopes (texto e fotos)
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De “berço” da Nação a capital cultural Berço da Nação, local de nascimento de D. Afonso Henriques, palco de história secular, Guimarães foi eleita pelo New York Times um dos 41 lugares no mundo a visitar este ano. Em 2012, será a Capital Europeia da Cultura.
Guimarães T
em fama e tem razão para a ter. De ruelas estreitas, praças acolhedoras e monumentos milenares, Guimarães é muito mais do que o sítio onde reza a história que Portugal nasceu. Hoje, é uma cidade que combina tradição com bons restaurantes de gastronomia regional, muita juventude, esplanadas cheias de vida, concertos, exposições e bailados. Sem perder passado, Guimarães tem vindo, cada vez mais, a ganhar presente.
ORIGENS. Datada do século X, quando a condessa Mumadona Dias mandou aí construir um mosteiro e, mais tarde, um castelo, Guimarães começou a ganhar verdadeiro relevo ao tornar-se o centro administrativo do Condado Portucalense, chefiado por D. Henrique de Borgonha e, depois, pelo seu filho D. Afonso Henriques, aí nascido. 22
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Nos seus arredores, travou-se também a decisiva batalha de São Mamede, entre as forças de D. Afonso Henriques e as de sua mãe, D. Teresa. Desse confronto resultou a proclamação de D. Afonso como primeiro Rei de Portugal. Mais de oito séculos volvidos, Guimarães conquista, no ano 2000, o título de Património Cultural da Humanidade pela UNESCO e será, em 2012, Capital Europeia da Cultura.
ITINERÁRIOS. Cidade perfeita para visitar a pé, deambulando pelas suas praças e ruelas de fachadas medievais, a Praça da Oliveira é um bom ponto de partida. Repleta de esplanadas, logo que aparecem os primeiros raios de sol, é aqui que se encontram a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, datada de 1513, o Padrão do Salado, erguido no reinado de D. Afonso IV para comemorar a Batalha do Salado, e também os antigos Paços do Concelho. Praça contígua, a praça de Santiago é outro
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Terra Nossa
Oliveira. Fica mesmo no centro
COMER
broa. Preço médio por pessoa:
da cidade, junto à Praça da
Solar do Arco: Em pleno
17 euros.
IR
Oliveira. Inteiramente renovada
centro histórico, tem como
Para quem sair de Lisboa,
tem 10 quartos e seis suites. A
algumas das especialidades a
VISITAR
Guimarães fica a 325
partir da pousada pode percor-
feijoada de gambas e o
Nos arredores de Guimarães,
quilómetros. Seguir pela A1 até
rer a cidade a pé pela suas
medalhão de vitela com grelos
acerca de cinco quilómetros,
ao Porto, aí tomar a direcção
ruelas e praças até ao Castelo
salteados. Preço médio por
vale a pena, ainda, visitar o
de Braga pela A3 e sair na
ou ao Paço dos Duques.
pessoa: 18 euros; Rua de
Santuário de São Torcato. É
saída 6, direcção Guimarães.
A Albergaria de N. Srª do
Santa Maria nº 48.
aqui que se realiza uma das
Sameiro, a cerca de 30 km,
Dan José: no cimo da
mais concorridas romarias do
DORMIR
oferece descontos para
Montanha da Penha.
Minho, desde 1852, no 1º
Pousada Nossa Senhora da
Associados da INATEL
Especialidade bacalhau com
Domingo de Julho.
GUIA
dos pólos mais divertidos da cidade. De dia ou de noite os seus restaurantes, bares e esplanadas enchem-se de locais e turistas. Mesmo ao lado, a rua de Santa Maria é uma das mais emblemáticas de Guimarães. Segundo a história, esta foi a rua projectada pela Condessa Mumadona, para fazer a ligação do primeiro mosteiro da cidade ao Castelo. Nesta rua encontram-se bons restaurantes e lojas tradicionais, como a Meia Tijela, onde se podem comprar produtos tradicionais portugueses, desde galos de Barcelos a compotas e azeites gourmet. No final da rua e continuando a subir, avistase logo o Paço dos Duques de Bragança e um pouco mais acima o Castelo de Guimarães. Entre os dois fica a pequena Capela de S. Miguel, construção do início do século XII e que tem um grande simbolismo, pois segundo a história terá sido aqui que foi baptizado D. Afonso Henriques. A 24
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pequena capela está, inclusive, classificada como Monumento Nacional. Quanto ao Paço dos Duques, uma majestosa casa senhorial do século XV, terá sido, mandada edificar por D. Afonso, filho bastardo do rei D. João I e primeiro Duque de Bragança. Descendo de novo para a parte baixa do centro histórico, aproveite para uma pausa na esplanada da "wine house", Rolhas e Rótulos, na Praça da Oliveira. Tem vinho a copo e pratos de petiscos para picar: enchidos, queijos, francesinhas e tudo o mais... Se está mais inclinado (a) para doces, então o melhor será ir até à Casa Costinhas. na Rua de Santa Maria. É aqui que são confeccionadas as famosas tortas de Guimarães pelas duas irmãs Costinhas. A receita secular deste doce conventual continua religiosamente guardada, sendo apenas do conhecimento de algumas doceiras da cidade. Massa por fora e uma mistura de gila
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por dentro é o máximo que se consegue adivinhar.
MONUMENTOS. Depois desta pausa, aproveite para visitar o Museu Alberto Sampaio. Situa-se no local exacto onde a Condessa Mumadona mandou em tempos construir o mosteiro, à volta do qual começou a surgir o povoado que deu origem a Guimarães. A exposição deste museu engloba peças tão valiosas como o cálice românico de D. Sancho I e a túnica que D. João I vestiu na Batalha de Aljubarrota. Mais tarde, vale a pena visitar a casa da Rua Nova, conhecida desde há muito como um dos edifícios mais característicos da cidade. De origem medieval, foi totalmente recuperada mantendo a traça original tanto por dentro como por fora. A sua reabilitação, levada a cabo pela autarquia, foi o motor de arranque para a recuperação do centro histórico da cidade. A Igreja da Misericórdia, a Igreja de São Domingos, a Igreja de São Francisco e a Igreja de Nossa Senhora da Consolação dos Passos, são outros dos monumentos a não perder. Para respirar um pouco de ar puro e ver uma fantástica vista sobre a cidade, apanhe o teleférico e vá até ao alto da Montanha da Penha. A viagem dura cerca de dez minutos e o bilhete custa 4 euros, ida e volta. Aproveite para ir pela hora do almoço e prove o bacalhau com broa no restaurante Dan José. Por último, não deixe de visitar o Centro Cultural de Vila Flor. Inaugurado em 2005 junto ao palácio homónimo, é desde então palco de várias exposições, concertos, espectáculos de dança etc...
JAZZ E BAILADO. Já em Novembro, de 10 a 19 a não perder a 20.ª edição do Guimarães Jazz, que este ano contará com a presença de nomes como Roy Haynes, Ralph Alessi, McCoy Tyner e Martial Solal - um dos grandes pianistas da história do jazz - entre muitos outros. A 7 de Dezembro subirá ao palco a Russian Classical Ballet, uma das mais prestigiadas companhias de dança do mundo, com o bailado "A Bela Adormecida". Em 2012, será também no Centro Vila Flor que se irão realizar várias das actividades no âmbito da Capital Europeia da Cultura. Pode consultar o programa no Posto de Turismo na Praça Santiago. O palácio contíguo ao centro também merece uma visita. Construído no século XVII, a fachada é decorada com as estátuas em granito dos primeiros reis de Portugal. Em redor, fica um belíssimo jardim em três patamares e com uma fonte da época barroca. Aproveite o final da tarde numa das muitas esplanadas do centro histórico ao sabor de um copo de vinho verde fresco, produto típico da região. Guarde apetite para o jantar. A gastronomia local é muito boa e não faltam restaurantes para a saborear. O Solar do Arco e o El Rei Dom Afonso são dois dos recomendados pelo New York Times. Vá, prove e comprove.I Catarina Serra Lopes (texto e fotos) OUT 2011 |
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Ex-glória do Sporting
Rui Pinheiro “anima” basquete Inatel Talvez o rótulo de "papa títulos" se lhe ajuste na perfeição. De facto, não houve clube por onde tenha passado que, com ele, não festejasse a vitória no respectivo campeonato. Independentemente da categoria, escalão etário ou divisão nacional em que participasse.
O
seu nome? Rui Pinheiro, que ficou na história do basquetebol português pelos variadíssimos êxitos alcançados, dos quais se salienta os conseguidos ao serviço do Sporting, quando a equipa leonina dava cartas, entre nós, na modalidade. Mas quer antes, quer depois disso, Rui Pinheiro foi sempre figura em evidência em tão popular disciplina, já que começou muito novo como praticante e hoje, com 58 anos, ainda faz valer os seus conhecimentos e influência, agora como treinador (às vezes faz uma perninha) da equipa da Caixa Geral de Depósitos (CGD) nos torneios da Fundação Inatel, em cujas iniciativas é, desde há muitos anos, presença assídua. Tendo nascido em Nampula (Moçambique), onde era vizinho de Carlos Queiroz, Rui Pinheiro iniciou-se no basquetebol, em 1966, nas camadas jovens do Sporting de Lourenço Marques. Tinha apenas 13 anos e por ali se manteve durante qua-
Equipa do Sporting Club de Portugal na época de 1981/82. Na página da direita, Rui Pinheiro em 1978
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tro épocas. Não se esquece, porém, daquele Verão de 1970. Veio passá-lo à Metrópole, com os pais, mas em vez do regresso, depois de 30 dias de descanso em Lisboa, nem descanso nem regresso. Os pais voltaram a Moçambique, é verdade, mas ele ficou por cá até finais de Abril de 71. "Nesse ano participei no Campeonato Nacional de Juniores pelo Sporting. E valeu a pena, uma vez que fomos campeões", recorda com natural orgulho. E revivendo ainda o passado: "Foi um título arrancado a ferros. No jogo decisivo, em Leiria, com o FC Porto, era necessário um triunfo por 13 pontos e conseguimos isso mesmo, depois de um triplo 'maluco' que eu arranquei no último segundo. De contrário, teria sido o Galitos o campeão". O jovem Pinheiro estava lançado. Depois do brilharete, foi a vez de regressar ao convívio dos seus, em Lourenço Marques, mas por pouco tempo. Em Dezembro de 74, mesmo na véspera de Natal, mudou-se de armas e bagagens para Lisboa. E, convidado por João Rocha, o presidente do Sporting, voltou ao clube de Alvalade, agora para jogar ao mais alto nível. Entre 75 e 82, viveu os dias mais gloriosos, mas conheceria também o travo amargo da decepção ao assistir à desistência do Sporting na modalidade, com a consequente criação de uma secção autónoma, um "caso" que até foi motivo de abertura do Telejornal da época. Seguiu-se o Queluz, onde jogou três épocas e arrancou dois títulos. Também nos escalões secundários deu nas vistas, já que foi campeão nacional da 2ª
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Desporto Inatel
Rui Pinheiro com a equipa da Inatel
divisão pelo Estoril, ao cabo do seu segundo ano no clube, e da 3ª divisão, pelo Grupo TAP, embora com a condição de "poder faltar aos treinos". Foi aqui, em representação da "equipa voadora" que Rui Pinheiro participou no Campeonato do Mundo das Companhias Aéreas, que decorreu em 88, em Belgrado, e de cujo certame o nosso campeão guarda as melhores recordações. Nesta altura, já Rui Pinheiro era funcionário da CGD, onde começou em 83, mas a actividade desportiva, essa, só a iniciou ali em 89. Contudo, com a "bagagem" adquirida ao longo de tantos anos e de tantas experiências vividas, depressa se adaptou ao chamado "desporto corporativo", tendo ganho nessa qualidade seis títulos nacionais. Reconhece que, apesar do âmbito diferente daqueles por que já passou, os campeonatos para trabalhadores que a Fundação Inatel implementa "não são para brincadeiras", dado ser cada vez maior
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o grau de competitividade, sobretudo a partir do momento em que os diversos clubes alargaram a participação a gente alheia às próprias empresas, o que não permite uma correcta avaliação sobre a realidade desportiva de cada uma delas. "Outro aspecto importante tem a ver com as dificuldades financeiras com que nos debatemos. Reconhecemos o esforço e dedicação da Fundação Inatel, mas os clubes, em muitos casos, não podem corresponder às exigências. Na CGD, a canalização de verbas privilegia naturalmente o sector da Saúde e para o Desporto a fatia que sobra não é famosa. A Fidelidade, por exemplo (N.da R.: Fidelidade Mundial foi, este ano, o campeão da Inatel), está mais apetrechada nesse aspecto e tem tido uma actividade além-fronteiras a que nós não podemos aspirar", esclareceu. E, em jeito de conselho, diria a finalizar: "Também não seria má ideia a Fundação Inatel remodelar as provas com a criação de diversos escalões etários. Pais e filhos, novos e velhos na mesma equipa não é coisa que funcione, pois a pedalada é bem diferente e disso se ressente o jogo e o espectáculo. Para mim, este foi o último ano". Rui Pinheiro um campeão de mão cheia. Campeão nacional de Juniores (Sporting), campeão nacional da 1ª divisão (Sporting e Queluz), da 2ª (Estoril), da 3ª (Grupo TAP) e amador (CGD). Não se pode dizer que as competições da Fundação Inatel não tenham representantes à altura. I Rui Tovar
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Redu A aldeia das letras Uma pequena aldeia das Ardenas, na Bélgica, seguiu o exemplo de Hay-onWye, no país de Gales, e transformou-se num local de encontro de bibliófilos. Depois de ter vencido a ameaça de uma barragem, Redu voltou a ter vida económica, cultural e social ao longo de todo o ano.
E
sta história começa exactamente dez anos antes do lançamento do programa de recuperação das povoações portuguesas que viriam a constituir o "núcleo duro" das chamadas aldeias históricas. Redu, um povoado rural com menos de meio milhar de habitantes, enraizado no coração das Ardenas belgas, renascia para um novo ciclo: a aldeia tornava-se, na Páscoa de 1984, um lugar de encontro e peregrinação de amadores de livros usados. Em pouco tempo Redu transformou-se numa das aldeias mais visitadas de toda a Bélgica, acolhendo cerca de duzentos mil visitantes por ano, um desenlace inesperado para uma povoação que esteve condenada a ser engolida por uma barragem, cuja construção foi bloqueada pela contestação e resistência das populações locais. Nenhuma fórmula mágica nem grandes investimentos abriram as portas de um futuro diferente ao (até então) anónimo burgo das Ardenas. Apenas uma ideia, propícia, e uma motivação forte irmanaram Redu e a precursora Hay-onWye, no País de Gales, duas aldeias que construíram - mais do que descobriram - a vocação de "paraíso" de alfarrabistas e livros. A invenção desta Redu livreira deve-se ao jornalista Noel Anselot, na sequência de uma visita, em 1979, a Hay-on-Wye. Com a colaboração de um colega da rádio e televisão belgas, Gérard Valet, Anselot mobiliza um grupo de alfarrabistas de diferentes paragens da Bélgica, que em menos de meia dúzia de anos acabam por se instalar, de forma permanente, na pequena aldeia que se situa muito perto do local 30
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onde se desenrolou um episódio da Batalha das Ardenas, no final da II Guerra Mundial (ver caixa). Esta história do renascimento de uma povoação rural mostra como não basta a conservação ou a recuperação de estruturas físicas urbanas e de edificado, vastos investimentos financeiros ou discursos "estratégicos". É preciso muito mais do que isso para reinserir um recanto rural no mapa da actividade social, cultural e económica, numa escala ampla. É fundamental optimizar os recursos de que se dispõe, mas é essencial, sobretudo, imaginação para os reinventar. E tal desiderato não parece exequível sem o concurso do mundo das ideias.
Livros em todas as estações A estradinha que leva a Redu atravessa no seu trecho final uma série de bosques, intercalados de pradarias e dos suaves declives das Ardenas. Já muito perto de Redu, num cruzamento florestal, damos com um inusitado jardim, um único e amplo canteiro de flores rubras, em forma de livro aberto. O ícone repetir-se-á mais adiante, dentro da aldeia: uma enorme escultura em metal e pedra, como uma grande enciclopédia jacente ao ar livre. Há actualmente em Redu uma trintena de livrarias abertas e outros tantos estabelecimentos, de carácter diverso - restaurantes, pousadas, galerias e ateliers de artistas, e, até, um museu dedicado às técnicas de impressão. Ao longo de quase todo o ano desenrola-se uma série de programas de animação cultural que atraem multidões de visitantes à aldeia. Estas enchentes tiveram início com a primeira "festa do livro" - expressão que
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Bure não esquece 1945 Em Bure, a pouco mais de uma
neve em direcção à aldeia. Os
dezena de quilómetros de Redu, a
combates duraram três dias e
agricultura já teve dias mais animados
terminaram com a libertação de Bure.
e, tal como na aldeia dos livros, muito
Na data do início da libertação realiza-
são os agricultores aposentados. O
se habitualmente nos campos em
sossego do povoado impressiona: dá-
redor uma marcha evocativa do
se meia dúzia de voltas pelas ruas e
episódio, uma marcha que pretende,
não se avista vivalma. As casas de
sobretudo, prestar homenagem às
pedra típicas das Ardenas
forças libertadoras. Na aldeia, a
assemelham-se a túmulos silenciosos.
evocação da Batalha das Ardenas,
Não é difícil encontrar sinais da
uma das mais sangrentas da Segunda
memória que Bure conserva dos dias
Guerra, surge em duas placas
terríveis da Batalha das Ardenas, que
colocadas junto à igrejinha da aldeia,
pôs em confronto os exércitos aliados
uma delas identificando o local onde
e as divisões germânicas durante a
foram provisoriamente sepultados 61
desesperada contra-ofensiva alemã, já
militares ingleses. Num campo aberto
no epílogo da Segunda Guerra
quase cem mil baixas.
situado num dos flancos do povoado,
Mundial. O objectivo da operação
O avanço sobre Bure começou ao
uma terceira assinala a sua condição
alemã era avançar para a região de
amanhecer do dia 3 de Janeiro de
de última morada dos soldados
Antuérpia e cercar as forças aliadas.
1945, quando os soldados ingleses do
ingleses, belgas, neo-zelandeses e
O exército nazi acabou por recuar,
13º Batalhão de Pára-quedistas
alemães que perderam a vida durante
mas a vitória custou aos Aliados
começaram a deslocar-se sobre a
a Batalha de Bure. I
quer traduzir a realização de um grande mercado do livro -, em Abril de 1984. Os fins-de-semana de Redu são, naturalmente, os dias mais movimentados, com ampla afluência de bibilófilos, ou de simples turistas curiosos, maior número de livrarias abertas e a presença de muitos artistas de rua. É também por esses dias, sobretudo, que desembarcam visitantes com as bagageiras cheias de livros para trocar ou vender - porque a actividade de alfarrabista, com cálculos de dinheiros ou não pelo meio, se realiza verdadeiramente nessa mediação que propicia que páginas e páginas continuem infinitamente a mudar de mãos e de leitores. Para além das rotinas dos fins-de-semana, os momentos especiais constituem marcos que ajudam a projectar a imagem e a nova identidade de Redu. É o caso do que é, provavelmente, o clímax da animação da aldeia. No primeiro fim-de-semana de Agosto realiza-se a "Noite do Livro", uma quase noite branca de animação musical, com as designadas "músicas do mundo", todas as livra32
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rias de portas abertas e a saborosa cerveja artesanal - a "trappiste de Rochefort" - a correr nas gargantas dos participantes. Outros encontros reúnem, na primavera, gente com especializações técnicas ou artísticas na área da produção do livro. Ilustradores, calígrafos, fabricantes de papel, etc., fazem pequenos workshops - na maior parte gratuitos - sobre os seus saberes. Noutras ocasiões abre-se as portas a iniciativas como exposições de pintura e ciclos de cinema, cujos temas se articulam com as actividades livreiras. Algumas das livrarias assumem especializações temáticas - pelo menos uma delas, a "Fahrenheit 451", evoca paixões cinéfilas. Muito longe da agitação das grandes urbes, entre florestas e pradarias verdejantes que, dizse, terão um dia inspirado a Petrarca uns tantos versos, eis Redu, a aldeia-escaparate com milhares de livros para folhear com serenidade, seja qual for a "saison". As Ardenas são, também, montanhas de livros. I Humberto Lopes (texto e fotos)
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Ceuta Portuguesa, apesar de tudo Apresentada ao mundo como "uma cidade europeia em África" ou a "âncora para uma imaginária ponte entre dois continentes", pode dizer-se que o coração de Ceuta - urbe com mais de dois mil anos - está na Plaza de Africa, com a igreja de Nossa Senhora de África a substituir a mesquita principal da cidade, onde D. João I armou cavaleiros dois dos seus filhos após a batalha que alteraria o rumo da nossa história. A resistência ao ataque a Ceuta, em 1416, numa altura em que esta integrava o reino de Fez, demorou um só dia.
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s dias da semana em Ceuta acordam com muita gente nas ruas, a maioria de crença muçulmana. Gente residente, gente de passo. Num repente, são os véus e as jalabas (túnicas masculinas) que dominam a cena. Preparem-se para um dia de descoberta com vários museus e ruas com nomes que soam familiares. Nalgumas delas há placas de azulejos que indicam o nome de outrora: aqui era o Mercado Viejo, ali o Mercado da Lana, mais adiante a Rua de la Misericordia ou a Rua Central. O marroquino que me saúda por diversas ocasiões com um "hola portu!" (como sabe ele 34
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que sou português?), revela as suas reais intenções quando se decide mostrar-me um colar de ouro falso e uma pedra de haxixe. "Te gustan las chicas?". As marroquinas que vemos em Ceuta, ou são mulheres-a-dias ou andam na vida. Distraído, quase que peço um bocadillo de jambon serrano num dos tascos muçulmanos, onde o cardápio se baseia mais no chá de menta (que aqui denominam de chá verde) e na sopa de mariscos, quando muito, pois tudo deve ser obrigatoriamente halal. Ao dito chá, servem-no sempre açucarado. Aliás, há por aqui um gosto muito acentuado pelo doce. E por falar em chá verde… que falta me faz. Estive
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quase para ir a um restaurante chinês de propósito só para beber umas quantas taças dessa miraculosa infusão. Chineses, há-os por cá também, proprietários de restaurantes e de lojas. E já se adaptaram até à afamada sesta castelhana, facto digno de registo. Os quiosques de jornais são de "Prensa, Revistas e Golosinas", que é dizer, guloseimas. Outra das características desta cidade é a abundância de mulheres que empurram carrinhos de bebé. Aqui parece não haver ameaça de envelhecimento da população. Busco alojamento no Recinto, zona alta da cidade, maioritariamente habitada por muçulma-
nos, onde por 15 euros tenho direito a um quarto e um terraço com vista para o Atlântico e o Mediterrâneo, e ainda, em jeito de brinde, o canto do imã no minarete logo pela madrugada. É já uma aproximação ao mundo que me espera nos próximos dias. Nesta pensão familiar, a CH Gutierrez, El Cateto, mesmo junto a um bunker do tempo da guerra civil espanhola, nada de luxos asiáticos, como seja garrafas de termos com água quente ou chá e café à discrição, raramente se vêem os proprietários. Talvez seja a falta de mochileiros que se detenham uns tempos por estas paragens. (A maioria dos viajantes entra em Marrocos pelo porto de Tânger). E eu perguntoOUT 2011 |
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me: como é possível alguém passar por Ceuta sem ficar um dia ou dois?
O bastão de Pedro de Meneses O interior da igreja de Nossa Senhora de África tem uma série de altares de talha dourada onde se destaca, por detrás do altar principal, a estátua da Virgem Maria, datada do século XVI, de cuja mão pende o bastão original do primeiro governador português, D. Pedro de Meneses, embora isso seja difícil de acreditar… Na torre das traseiras do monumento estão dois pequenos sinos. Serão os tais roubados em Lagos por piratas mouros e que os portugueses fizeram alarve, em 1415, de os terem resgatado? A poucos metros de distância, no terreno da catedral, existe um museu que preserva diversa parafernália religiosa do período português. Infelizmente, não o pude visitar, pois a catedral parece estar permanentemente encerrada. O mesmo acontece com a sede episcopal, mesmo ao lado. Às muralhas originais da cidade, que remontam ao século X, os portugueses acrescentaram-
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lhe um fosso com escarpa e contra escarpa, sendo as principais estruturas conhecidas como o baluarte da Bandeira e o baluarte dos Maiorquinos. Na entrada principal da cidade, na altura feita através de uma ponte levadiça, foi erguida uma capela. E ainda há quem se benza quando por lá passa, agora de carro, sobre uma robusta ponte de betão. O terreno contíguo a essa muralha, que durante décadas resistiu às repetidas investidas dos mouros, que tentavam reconquistar a cidade que fora deles, é hoje ocupado por um hotel de luxo e por um comissariado militar. Não deixa de ser interessante ver uma dedicatória à estátua do soldado "muerto por la Patria" encimado com o brasão português. Apesar da escolha que fez, Ceuta, de certa forma, é ainda uma cidade portuguesa.
A escolha menos Leal… Ao contrário de Macau, "a mais Leal", que mesmo durante o domínio dos Filipes se manteve fiel à coroa portuguesa, Ceuta optou por permanecer espanhola após a Restauração de 1640, num altu-
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ra em que Castela se confrontava também com uma revolta na Catalunha. A notícia da independência chegou à cidade em finais de Dezembro, e embora o governador de então, D. Francisco de Almeida, simpatizasse com a causa dos Bragança, o ambiente na cidade, sobretudo entre as famílias mais influentes, era favorável à casa de Áustria. Por isso, Almeida foi obrigado a ceder, tendo sido substituído em 1641, tendo Filipe IV concedido à cidade o título de "La Fidelissima Ciudad de Zeuta" em 1656. O processo de "espanholização", no entanto, tinha-se iniciado anteriormente, na sequência da derrota de Alcácer Quibir e dos momentos de incerteza que se viveram nas praças portuguesas de Marrocos. Para travar os intentos da mourama, Filipe II (Filipe I primeiro de Portugal) ordenou que as tropas andaluzas prestassem auxílio, passando, pouco a pouco, a guarnição da cidade a incluir tropas espanholas. E assim ficou. Para o comum dos mortais, Ceuta era local de degredo ou cumprimento de serviço militar. Entre a população dominava a fidalguia, alguma dela oriunda da própria colónia, de onde se destacavam os Andrade, os Mendonça, os Vieira, os Guevara… Meneses era mesmo família de governadores. O de Ceuta tem agora direito a diversas ilustrações (uma delas no azulejo da fachada do terminal marítimo) e ainda uma estátua moderna no passeio marítimo, onde também se encontra imortalizado o Mahatma Ghandi, pois Ceuta orgulha-se de ser um exemplo de tolerância religiosa e pacífica convivência interétnica. Durante os 254 anos do período português foram setenta e cinco os governadores, muitos deles num curto espaço de tempo. A avulsa infor-
mação turística que nos dá conta dessa época, nem sempre respeita a veracidade dos factos. Se há panfletos que nos dizem que "los vinculos históricos con Portugal son evidentes, tanto, que el escudo y la bandera de Ceuta muestran claramente que esta ciudad fue portuguesa", outros limitam-se a uma lacónica menção à "muralla portuguesa" que serve de apoio ao conjunto defensivo que foi acrescentado pelos espanhóis em séculos posteriores. Diz-se, por aqui, que a bandeira da cidade, com o brasão de armas de Portugal, "foi mandado tecer pela rainha portuguesa Dona Filipa".
Siza, Dulce Pontes, Ana Sousa… Mas, mais do que as palavras, valem as evidências actuais. A vivência lusa sente-se nos nomes como o da escola pública Mare Nostrum, nos projectos arquitectónicos de Siza Vieira, na aposta da estilista Ana Sousa que aqui abriu loja ou no concerto dado por Dulce Pontes no Auditório das 7 Colinas, o principal da cidade. Ao longo do passeio marítimo, na zona ribeirinha atlântica, junto à marina e aos cais onde chegam e partem as embarcações (há quem se desloque a Ceuta de helicóptero), são bem visíveis secções inteiras da antiga muralha, ainda com as seteiras, das quais destaco a Porta de Santa Maria, perto da qual foi edificada uma estátua ao cartógrafo árabe Al-Idrisi, autor dos mapas que fizeram sonhar o Infante Dom Henrique e os seus nautas. Têm mais razão de queixa os árabes no que se refere ao défice de informação histórica, pois nem sequer o que resta das muralhas merínidas, mandadas erguer pelos sultões entre 1307-1310, OUT 2011 |
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ar livre, para as suas caminhadas e sessões de observação de aves.
Pagã, cristã e muçulmana
merece qualquer destaque no mapa da cidade, se bem que tenham funcionado como cidadela e albergue, refúgio de forasteiros e tropas que se viam obrigados a passar a noite fora do centro histórico medieval. Referenciados são apenas os banhos árabes, descobertos, na sequência de obras públicas, como sempre, há algumas décadas atrás. O mundo islâmico atribuía a esse tipo de instalações, além das virtudes higiénicas e curativas, um possível significado religioso, pois este era o meio de limpar o corpo e entregar-se à oração num estado de pureza total. Ainda hoje, o fosso de São Filipe, separa aquela que podemos considerar como "cidade cristã" da sua congénere muçulmana, a leste, para onde a cidade se foi estendendo até à actual fronteira, marco que remonta ao século XIX, havendo por lá uma série de torres neomedievais que lembram o facto. Ligam-nas diversos trilhos que são utilizados pelos habitantes de Ceuta, muito dados às actividades ao 38
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Vem de muito longe a ocupação desta cidade. Há vestígios do período pré-histórico, numa cave junto à fronteira com Marrocos, e do período fenício, "o povo das velas púrpuras". Das guerras púnicas saíram vitoriosos os romanos que aqui permaneceram muito tempo, tendo recorrido a Ceuta com um dos seus mais importantes bastiões em norte de África. O local onde foi descoberta, em meados anos 70, a basílica tardio-romana, foi transformado num moderno museu subterrâneo tendo sido para aí transferidos uns poços utilizados pelos romanos para a salga de peixe. Essa actividade era fundamental numa costa com abundância de pescado graças às fortes correntes e ao encontro do Atlântico com o Mediterrâneo. Neste e no museu municipal da cidade, onde está sedeado o centro de Estudos Ceutis (em cujo catálogo de publicações contam-se obras de autores portugueses), há inúmeras ânforas e também os despojos de navios naufragados ao longo dos tempos no movimentado corredor marítimo. Houve um período pós Constantino e um outro bizantino dos imperadores Justiniano e Teodósio. Chamava-se Julião o último dos governadores cristãos de Ceuta. Sobre ele, escreveu um dia um desses românticos a roçar o saudosismo: "Ceuta, antiga terra do conde Julião, voltava a ter a sua igreja de Cristo, voltava a ser ocupada pelos seus cristãos". Mas o Julião, para poupar Ceuta, mais não fez do que permitir que os árabes merínidas utilizassem a cidade como catapulta para atingir Tarifa, em 710, e dali subir até às Astúrias A recente descoberta de uma basílica tardio romana posteriormente transformada em necrópole, serve de argumento a quem insiste que a cristandade é aqui muito antiga, "quatrocentos anos antes do nascimento do profeta Maomé", graças à liberdade de culto que trouxe consigo "o édito de Milão de 313". Foi esse, aliás, o argumento de peso que levou o "cruzado" Dom Henrique a mover mundos e fundos para retomar estas terras às sucessivas dinastias muçulmanas que se sucederam ao cristianismo. Com a ajuda, claro, de uma pragmática burguesia nascente que via no norte de África uma fonte de novos mercados.I Joaquim Magalhães de Castro (texto e fotos)
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Luís Piçarra e a chama imensa Quando lhe perguntavam pela profissão, Luís Piçarra, eterno aluno de arquitectura, costumava dizer que era um técnico do canto. uem tornou conhecida, pelas quatro partidas do mundo, a canção "Avril au Portugal" (Coimbra), quem criou "Granada" ou "Copacabana, princesinha do mar", quem levou milhares de adeptos do Benfica ao delírio cantando "Ser Benfiquista" foi Luís Raul Janeiro Caeiro de Aguilar Barbosa Piçarra Valderazo y Ribadeneyra ou, muito simplesmente, Luís Piçarra. O nome pomposo, dizia-se, vinha de um avô castelão de Valencia de Mombuey, e de uns duques, seus primos. Mas o tenor, modesto, dizia que era apenas alentejano. Alentejano de Moura, onde nasceu em 23 de Junho de 1917.
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De Moura para Lausanne O pai de Luís Piçarra era um rico proprietário e quando o rapaz mostrou interesse pelos livros mandou-o estudar para Lausanne, na Suíça, onde fez a primária. O liceu já foi em Lisboa, seguindo-se a matrícula na Faculdade de Direito, em Coimbra. Não era, no entanto, Direito o destino do cantor. Volta para Lisboa onde o espera a Escola de Belas Artes. A arquitectura começa em Lisboa e acaba em Paris na École des Beaux Arts, sem completar o curso. Mas sempre com o estudo do canto e da música pelo meio. E é por isso que, ainda jovem, se estreia na Academia dos Amadores de Música na ópera "Barbeiro de Sevilha", com os louvores da crítica especializada: "uma voz famosa", "uma verdadeira revelação", "um lindo timbre". Com tão "lindo timbre" aparece logo um empresário que convida o jovem cantor para um espectáculo feérico chamado "A Lenda dos sete cravos". E a seguir vem o italiano Tito
Schippa a cantar no Coliseu e Luís Piçarra de partida para uma carreira internacional.
Primeira foto artística do cantor
"Um cara bom de verdade" Aos 28 anos, Piçarra viaja para o Brasil e é aí que conhece Agustin Lara, autor de "Granada", e Braguinha com "Copacabana, princesinha do mar" que o artista canta vezes sem conta em shows de grande êxito. Os brasileiros não se cansam de o ouvir porque ele se revelou "um cara bom de verdade". Do Rio passa para Buenos Aires OUT 2011 |
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Memória
À esquerda, ao lado da mulher, num tempo em que a vida lhe sorria. À direita, benfiquista ferrenho, no velho Estádio da Luz, ao lado da vedeta de cinema Helga Liné
onde reencontra Tito Schippa a preparar-se para cantar a "Manon". Mal sabia Piçarra que iria, em breve, substituir o Schiappa que adoecera subitamente. O êxito foi enorme e o empresário que o contratara leva-o até ao Egipto, Grécia, Turquia, Síria, etc. No Cairo é contratado para cantar para o rei Faruk. É também por essa altura que Raul Ferrão lhe envia uma cantiga a que chamou "Coimbra" e que o tenor transforma em "Avril au Portugal". Uma gravação e cerca de dois milhões de discos vendidos.
"Ser benfiquista…" Quando Luís Piçarra conhece Edith Piaf formam uma dupla que fica famosa. A Guerra acabara e Paris era uma festa. Piaf deu-se bem com o português de Moura e gostou de cantar com ele em dueto. Era o tempo de Maurice Chevalier, de Armstrong, de Domenico Modugno, de Tino Rossi, de Luis Mariano. O "trovador romântico da Europa" , apesar dos êxitos que alcança pelo mundo inteiro, não esquece Portugal . Nem o Benfica, o clube do seu coração. Sócio número 635. O hino do Benfica, de autoria de Manuel Paulino Gomes, director do jornal do clube, era cantado no Estádio sempre que a equipa entrava em campo e, conta-se que, para os mais supersticiosos, não era de bom agoiro esquecerem-se da "alma imensa das papoilas saltitantes"…isto é ,"as camisolas berrantes // que nos campos a vibrar //são papoilas saltitantes". O hino do Benfica em todo o seu esplendor…
999 canções em disco Foi o próprio Piçarra que, um dia, contou que gravara 999 canções, escritas por compositores tão diversos como João Nobre, Manuela Câncio Reis, Agustin Lara ou Raul Ferrão. Quase todas foram êxitos que o cantor interpretou pelo mundo intei42
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ro. Em casinos, em clubes, em teatros, do Líbano ao Canadá, da Itália ao Estados Unidos, Piçarra ganhou muito dinheiro e, tal como ganhou, também o gastou. Eclético, Piçarra era tão bom nas canções como a interpretar opereta ou teatro de revista. Ao lado de Amália Rodrigues, cantou na opereta "Rosa Cantadeira", no Teatro República no Rio e depois em São Paulo. Sempre com grande sucesso ou não fosse ele "um cara bom de verdade". Já em África, o nosso "globtrotter" do mundo, viaja da África do Sul para Luanda onde vai encontrar os militares portugueses em campanha. Convidam-no para cantar e ele segue os soldados em direcção Norte. É ali que caem numa emboscada e o cantor, para se salvar, passa longas horas dentro de um pântano. Quando consegue sair para lugar mais seguro, percebe que está rouco. É tratado num hospital militar e volta às cantorias.
A voz perdida para sempre Ainda em Luanda, dirige o Centro de Preparação de Artistas da Rádio, que abandona em 1975 para regressar definitivamente a Portugal. Com a mulher e três filhos, sem dinheiro, sem voz, Luís Piçarra prepara-se para alguns anos infelizes. Perdida a principal ferramenta do seu trabalho, a voz, dedica-se a pequenos trabalhos e pede a reforma. Dezoito contos! Vale-lhe, mais tarde, a Secretaria de Estado da Cultura que lhe concede, em 1992, a pensão de mérito cultural no valor de 120 contos. Diga-se, por ordem de Pedro Santana Lopes. Muito doente, recolhe, com a mulher Beatriz, à Casa do Artista, onde morre três meses depois, a 22 de Setembro de 1999. Tinha 82 anos e, segundo deixou escrito, continuava a acreditar na humanidade. n Maria João Duarte
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Olho Vivo
Chaves tem mais um século
Eu sou o europeu típico Cientistas portugueses e alemães publicaram um estudo na revista Psychological Science, que indica que as pessoas consideram "típico" do cidadão europeu um dos seus conterrâneos. Voluntários alemães e portugueses escolheram como "europeu típico" um alemão e um português, respectivamente, entre 700 pares de fotografias de indivíduos com diferentes características físicas.
Chaves, a Aquae Flaviae romana, terá sido fundada no séc. I a.C. e não no século seguinte, como se pensava até serem feitas novas escavações no centro da cidade. Os arqueólogos descobriram uma moeda de bronze com o busto de Augusto, o primeiro imperador romano, datada de 27 a.C. As moedas e cerâmicas achadas estarão à vista no Museu das Termas Romanas.
Os gestos dos chimpanzés Os chimpanzés usam 66 gestos diferentes para comunicarem entre si, segundo um estudo de cientistas escoceses, que analisaram 120 horas de filme. As descobertas foram publicadas na revista "Animal Cognition" e refutam estudos anteriores que davam o número máximo de 30 gestos diferentes. É provável que o número seja ainda maior nos animais em liberdade. A equipa continua a estudar os vídeos para decifrar agora o significado de cada gesto.
Dicionário mesopotâmico Ao fim de 90 anos de trabalho, a universidade de Chicago terminou um dicionário da antiga língua da Mesopotâmia, falada onde hoje está o Iraque e a Síria. São 21 volumes para explicar o significado de 28 mil palavras em assírio ou acádio. Só a palavra "umu", que significa "dia", gasta 17 páginas de texto. O acádio usa símbolos cuneiformes e é um dos sistemas de escrita mais antigos da humanidade. A colecção custa ao todo 1358 euros.
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Não descobrimos os Açores Dezenas de sepulturas escavadas há dois mil anos na rocha foram descobertas nas ilhas do Corvo e Terceira, nos Açores, o que indica uma ocupação das ilhas anterior à chegada dos portugueses de 1400. Os hipogeus foram encontrados nas ilhas, durante um passeio do arqueólogo Nuno Ribeiro. Os monumentos eram comuns na época romana e aparecem no Mediterrâneo entre os séculos IX e III a.C.
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A n t ó n i o C o s t a S a n t o s ( t ex t o s ) A n d r é L e t r i a ( i l u s t r a ç õ e s )
Formiga gigante
Aves pensadoras As aves que vivem em ambientes urbanos têm um cérebro maior em relação ao corpo do que o das congéneres que vivem no campo, segundo um estudo de biólogos espanhóis. Espécies como a pega-rabuda têm o cérebro 20 por cento maior em média, comparadas com espécies que ficaram longe das cidades, como o papafigos. Os cientistas estudaram 82 espécies de pássaros de cidades francesas e suíças.
Pombos reconhecem caras Uma nova investigação prova que os pombos, sem qualquer treino, são capazes de reconhecer as caras de indivíduos, sem se deixarem enganar por mudanças de roupa. Usando pombos vadios de Paris, dois cientistas alimentaram as aves num dia, mudaram de roupa no segundo e um deles deu-lhes milho, enquanto o outro os afastava, e num terceiro dia, mudando de roupa de novo, mantiveram-se os dois numa atitude indiferente. Os pombos fugiam do homem que primeiro os expulsou e aproximavam-se do que lhes deu sempre alimento. Os cientistas acreditam que o pombo tem capacidade para reconhecer traços faciais humanos.
Ingrediente mistério Há um ingrediente misterioso no café que reage com a cafeína e dá protecção aos bebedores contra a doença de Alzheimer. O componente do café ainda não identificado faz com que o café previna o Alzheimer, ao contrário de outras bebidas com cafeína. A descoberta foi anunciada na revista Journal of Alzheimer's Disease.
Uma formiga com 5 centímetros e 50 milhões de anos, a maior encontrada até hoje, foi desenterrada junto a um antigo lago do Wyoming, nos Estados Unidos. Com o nome de Titanomyma lubei, o bicho terá passado da Europa para a América quando os continentes estavam próximos, uma vez que apresenta semelhanças com espécimes encontrados na Alemanha e no sul da Inglaterra.
Salvemos o Diabo da Tasmânia O genoma do diabo da Tasmânia, marsupial carnívoro que está em risco de extinção devido a um cancro contagioso, foi sequenciado, para se tentar a preservação da espécie. Os cientistas aproveitaram os genes de um macho e de uma fêmea que morreram com a doença que está a dizimar os diabos na ilha australiana. O tumor apanha o focinho dos bichos e impede-os de se alimentarem. As células cancerígenas propagamse como vírus durante o acasalamento e as lutas.
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Cabeça A Casa na árvore Susana Neves
Os duelos de Summaq O regresso do Sumagre português ao palco das tintureiras
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unto à Capela de Nossa Senhora da Conceição, em Moimenta da Beira, no cimo de um morro com cerca de 770 metros de altitude, soalheiro miradouro com vista privilegiada sobre o vale do rio Tedo, enraizando-se em fissuras nos velhos muros de pedra, lugar que a maioria das árvores desdenharia, vários espécimes de sumagre (Rhus Coriaria L.) preparam-se para celebrar a paisagem outonal
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duriense tingindo-se de vermelho. Metamorfose inesperada, para quem não convive com esta pequena árvore (pode alcançar três metros mas é mais frequente em estado arbustivo), observar as suas folhas verdes, de bordo serrado, ruborizarem-se: silenciosa revelação de um protagonismo incontornável na história dos curtumes e tinturaria vegetal portuguesa, como é possível confirmar na leitura de algumas obras de referência. Num livro subordinado ao estudo da química orgânica e suas aplicações à indústria ("Leçons de chimie élémentaire appliquée aux arts industriels: chimie organique"), de 1860, Jean Pierre Girardin, atribui ao "Sumac Portugal" ou "Sumac Porto" o terceiro lugar na lista das espécies que produzem o melhor tanino e corante vegetal, necessário ao curtume das peles, couros e na tintagem dos tecidos. E num dicionário de comércio de 1750 ("Dictionnaire Universel de Commerce PZ"), os autores Jacques Savary des Brûlons e Philémon-Louis Savarin referem que "em Amesterdão domina o comércio do "sumac" proveniente de Portugal, conhecido [jocosamente] por "Porto-a-Porto", ou "Port-à-Port"". Estas notícias referentes ao comércio do pó de sumagre português, obtido sobretudo pela secagem das folhas e frutos e subsequente trituração em moinhos (atafonas), equivalia a uma antiga, intensa, bem sucedida e lucrativa actividade de cultivo de sumagre e sua transformação num pó vermelho que produz cores amarela esverdeada, cinzentos e negros. Se percorrermos alguns "sites" na "internet" ainda encontramos viva a memória da extinta actividade dos sumagreiros de Tinalhas, Mós, Avarenta e Foz Côa. "O bisavô do meu marido era sumagreiro, tinha plantações de sumagre e depois de cortadas as hastes e secas numa eira eram malhadas com manguais idênticos aos usados nas malhadas dos cereais", recorda Bela Marques, de Vila Nova de Foz Côa - e acrescenta: "Seguia-se o seu transporte para uma atafona (funcionavam quatro atafonas em Foz Côa), casinhoto semelhante ao antigo lagar de azeite e (como ele) era constituída por um pio no centro do qual havia uma trave, firmada perpendicularmente e ligada a ela por um eixo a mó de
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Fotos: Susana Neves
granito com cerca de três metros de diâmetro, movida, normalmente por muares." Esta bem sucedida produção de sumagre (à qual aparecem associadas a desaparecidas profissões de surrador, o que tingia as peles, ou a de correeiro, que comercializava couros), atinge o auge nos séculos 17 e 18 e começa a decair com o incremento da viticultura, ressurgindo no final do século 19 e nas primeiras décadas do século 20, como alternativa à vinha, danificada pela filoxera. De facto, no "Jornal de Horticultura Prática" (JHP), de 1886, sugere-se com muita convicção o regresso à lavoura do sumagre, por poder constituir uma "copiosa fonte de receita", uma vez que é um "vegetal" muito produtivo, resistente às "intempéries" e "aos ataques de insectos"; referese ainda que além de fornecer tanino, o sumagre tem aplicação medicinal (os frutos, em cacho peludo, de "sabor acidulo" são "adstringentes e assépticos"), e desde os romanos, antes do aparecimento do limão, serviram de têmpero, e entre os húngaros de corante do vinagre. De resto, no Médio Oriente ainda hoje cumpre a função de condimento e na culinária árabe e libanesa é um
dos ingredientes do "zahtar", um condimento salgado que inclui ainda folhas verdes de tomilho e sementes de gergelim. Lembrava o JHP que muitas vezes se procuram "novidades" (referindo-se à "Flora estrangeira") em vez de recuperar o que é nosso e conhecido, e este conselho poderá, porventura, servir de reflexão ao reaproveitamento dos sumagrais ou o que resta deles, não desvalorizando o seu valor ornamental. Se na antiguidade, o limão venceu o sumagre na culinária, o sumagre veio a impor-se na indústria dos curtumes (a suavidade que imprime ao couro, valoriza ainda hoje a arte da encadernação). Se num segundo combate, a vinha o ultrapassou, e os taninos químicos aparentemente o derrubaram, a era dos produtos biológicos que hoje vivemos pode constituir uma inesperada oportunidade. Não nos esqueçamos que para uma espécie da família das Anacardiáceas (como a mangueira e o cajueiro) que veio da Síria ("summaq"=vermelho), e se naturalizou no Mediterrâneo, o possível é triunfar. n OUT 2011 |
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56 CONSUMO A sociedade de consumo desenvolveu um conjunto de rituais semelhantes aos dos contos de fadas… Pág. 50 l LIVRO ABERTO Em destaque, entre outras obras de interesse, "As Ideias que Mudaram o Mundo - A História Natural da Inovação", de Steven Johnson. Pág. 52 l ARTES Emília Nadal em l
Cascais, Helena Justino em Alfragide, Chichorro no MAC e fotos de Santandreu na Valbom abrem a temporada de Outono. Pág. 54 l MÚSICAS "Os Movimento" e "Os Eléctricos" resolveram regressar ao passado da música ligeira portuguesa com verrsões das décadas de 40, 50, 60 e 70 do século passado. Pág. 56 l NO PALCO "As lágrimas amargas de Petra Von Kant", obra central Fassbinder, salta dos écrãs para o palco. A ver no TNDMII, Sala Estúdio, até 6 de Novembro. Pág. 58 l CINEMA EM CASA Já em DVD a bem sucedida adaptação, assinada por Raúl Ruiz, de "Mistérios de Lisboa", um dos grandes romances de Camilo Castelo Branco. Pág. 60 l GRANDE ECRÃ "Sangue do meu sangue", drama de João Canijo, as divertidas e atribuladas aventuras de Tintim & Cª e o mais recente filme de Soderberg em destaque para Outubro. Pág. 61 l TEMPO INFORMÁTICO
BOAVIDA
Técnicos do digital descobriram formas de transformar as músicas dos discos vinil em ficheiros que podem ser gravados e ouvidos nos computadores. Pág. 62 l AO VOLANTE O Jazz Hybrid, estreado no Salão de Paris de 2010, prossegue a aposta da Honda no desenvolvimento de tecnologias de veículos híbridos a gasolina-electricidade. Pág. 63 l SAÚDE Os familiares próximos e os amigos dos diabéticos devem saber o que é uma hipoglicémia e como lidar com ela. Pág. 64 l PALAVRAS DA LEI A alteração unilateral dos "spreads" é um tema 'quente' e actual na relação dos bancos com os detentores de empréstimos. Pág. 65 OUT 2011 |
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Boavida|Consumo
Cinderela à espera do futuro A sociedade de consumo desenvolveu um conjunto de rituais semelhantes aos dos contos de fadas. Actualmente vive o momento em que a Cinderela se prepara para sair do baile… mas o epílogo poderá ser bem diferente do que conhecemos nas versões de Perrault ou dos irmãos Grimm.
Carlos Barbosa de Oliveira
m tempos não muito recuados - presume-se que desde os princípios do século XX - surgiu, nas ilhas do Pacífico, um conjunto de cultos relacionados com o consumo: o taro cult em Vanuattu, o vailala na Papuásia, ou o tuka cult nas ilhas Fiji, são apenas alguns exemplos. Naquele tempo - que se prolongou até à década de 70 do século XX - algumas tribos canibais da Melanésia julgavam-se a única civilização existente à face da Terra o que , aparentemente, explica a relação destes cultos com a chegada de John Frum* àquelas paragens. Não se sabe exactamente quem era John Frum, nem a data exacta da sua chegada à ilha de Tanna. Tampouco é consensual a sua identificação com um branco, negro ou mestiço. Aventa-se que se tratava de um soldado americano que ali terá ido parar involuntariamente. Levava com ele objectos exóticos e desconhecidos naquelas paragens, como ferramentas e produtos alimentares. Estupefactos perante tantos objectos estranhos, mas cuja utilidade rapidamente perceberam, os indígenas pensaram tratar-se de uma divindade que os bafejara com uma dádiva e passaram a adorálo como tal. A data do aparecimento deste homem foi 15 de Fevereiro, dia assinalado em Tanna e noutras ilhas do Pacífico com festividades em honra de S. Frum. Tomei conhecimento destes cultos e assisti às festividades em honra de S. Frum, quando viajava pela Papua Nova Guiné e Ilhas Salomão, mas o que mais me impressionou foi o facto de o culto se ter alargado a outras ilhas do Pacífico, apesar de Frum apenas ter estado em Tanna… Fiquei também a saber que, durante a segunda guerra mundial, os indígenas da Melanésia ficavam maravilhados com os aviões que cruzavam o ar por cima dos seus na-
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rizes, mas desolados por não os conseguirem apanhar. Acreditando que as aeronaves eram enviados dos deuses, os melanésios construíram em terra objectos idênticos àqueles que viam cruzar os céus, utilizando ramos e lianas. Durante a noite delimitavam o espaço e iluminavam-no com tochas, na esperança de que os "enviados dos deuses" ali aterrassem. Estes cultos têm algo de similar com os ardis criados pela sociedade de consumo para atrair os consumidores. Não me refiro à publicidade, acenando-nos com uma parafernália de produtos acoplados a sorteios de automóveis ou férias em ilhas paradisícas, que nos conduzem ao sonho. Atenho-me às grandes cadeias de produtos alimentares ou aos centros comerciais feericamente iluminados, onde técnicas de camuflagem - como manipulações electrónicas recriando o chilrear de pássaros virtuais - criam um ambiente propício ao culto do consumo. Por alguma razão lhes chamam catedrais de consumo. Não será, certamente, pelo facto de ali se vender uma parafernália de produtos úteis e supérfluos, ao dispor das mais variadas bolsas. Será, antes, porque ao passear por entre as ruelas engalanadas dessas catedrais modernas, os ANDRÉ LETRIA
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consumidores se sentem muitas vezes atraídos por produtos que, estando ao alcance da vista - e não raras vezes da mão - não são acessíveis à sua bolsa. Quando os grandes centros comerciais se instalaram em Portugal, muitos consumidores regressavam a casa depois de uma viagem por esses paraísos do consumo, mortificados pelo facto de a conta bancária ser escassa para a satisfação de todos os desejos consumistas que a visão das montras lhes despertara. Tempos depois, uma fada madrinha oferecia-lhes um cartão de crédito, autêntica varinha de condão que, depois de introduzida na ranhura de uma máquina, tornava reais todos os seus desejos. Bastava para tal que uma combinação de números com um nome (PIN) a lembrar contos de duendes e bruxas más, accionasse o "Abre-te Sésamo" e a gruta de Ali Babá abria-se em esplendor. O sistema, porém, não estava perfeito. Os cartões de crédito estabeleciam um limite para os desejos. Não demorou muito tempo, até que a fada madrinha da sociedade de consumo resolvesse o problema. Atingido o limite de desejos concedidos mensalmente, foi dada ao utilizador a possibilidade de recorrer ao crédito. Quer um automóvel e não tem dinheiro? Não se preocupe, porque a fada madrinha dá. Na verdade não dava, apenas emprestava, cobrando juros elevados, só que os consumidores, inebriados pelo prazer de usufruir da última novidade, ou ansiosos por fazer um "upgrade" na sua vida social, nem se apercebiam disso. Chegavam ao banco e a fada madrinha, com um sorriso nos lábios, "dava-lhes" o dinheiro solicitado. Outras vezes, magnânima, enviava cheques para as caixas de cor-
reio dos consumidores mais tímidos, aliciando-os a ficar com o dinheiro para comprarem o que lhes apetecesse: férias, automóveis, electrodomésticos? Cada um que decidisse. Vivia-se então no tempo em que a sociedade de consumo era a "Casa de Chocolate" mas um dia, por razões ainda não totalmente esclarecidas, a fada madrinha amuou e disse: " Não empresto mais dinheiro aos gregos. Já gastaram dinheiro demais e agora não vão ter maneira de pagar". Os gregos correram a pedir ajuda aos parceiros europeus a quem pretendiam pagar com sol, belas ilhas e praias, os produtos que lhes compravam. O desenvolvimento da história já os leitores conhecem. Como nos seriados, ou nas telenovelas, só falta saber o fim. No entanto já todos percebemos, mesmo antes da exibição do último episódio, que a sociedade de consumo está a viver o seu momento Cinderella. Perdeu o sapato de cristal e o coche pode a qualquer momento transformar-se numa abóbora. Resta saber se o príncipe estará disposto a desposá-la, libertando -a das garras da bruxa má… n
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Boavida|Livro Aberto
Da morte de Bin Laden à descoberta da nova Europa do Leste Depois da morte de Bin Laden terá o mundo ficado mais seguro? Eis uma pergunta que milhões de pessoas por todo o mundo terão feito quando se soube do êxito da operação militar que permitiu aos Estados Unidos liquidarem o seu inimigo público nº 1 depois do 11 de Setembro.
José Jorge Letria
astará a morte de uma figura icónica do terrorismo global para desaparecerem as sombras e os fantasmas que pairam no horizonte da nossa civilização inquieta e atormentada? É a estas perguntas que os autores do livro "Para Além de Bin Laden" (D. Quixote), com edição de John Meacham, tentam responder. O livro, prefaciado na edição portuguesa por Nuno Rogeiro, reúne oito textos de reconhecidos especialistas em relações internacionais, na problemática do terrorismo e na situação da conturbada zona do mundo em que Bin Laden actuou e foi executado. Mais do que dar respostas, este livro abre as portas para novas interrogações, já que ninguém sabe, sobretudo na sequência do profundo processo de transformação no mundo islâmico, como irá evoluir a situação mundial e a correlação de forças internacional. Um livro para ler e meditar, num tempo de incerteza e generalizada insegurança.
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"As Ideias que Mudaram o Mundo - A História Natural da Inovação" (Clube do Autor), de Steven Johnson, faz o oportuno inventário de grandes ideias e conceitos que alteraram nas últimas décadas a nossa relação com o mundo e também as relações inter-pessoais. Autor de obras de grande sucesso internacional como "Tudo o Que É Mau Faz Bem", Jonhson, identificando e caracterizando novas formas criativas de entender o progresso e a vida em comunidade, fornece ao leitor pistas úteis para compreender o seu lugar no mundo, a ideia de progresso e o próprio conceito de inovação. HÁ OUTRAS FORMAS de falar do mundo e de viajar
nele. Uma delas é através das frases que marcaram a sua história. É essa a proposta de Helge Hesse em "A História do Mundo em 50 Frases" (Casa das Letras), em que, à semelhança do que já aconteceu noutros livros recentes, se destacam os grandes momentos da história mundial em vários países através de frases que ganharam dimensão histórica.
É SOBRE as transformações operadas no Leste da
EM MATÉRIA de ficção narrativa, destaque para o novo
Europa após a queda do Muro de Berlim, em 1989, que escreve Michael Palin, que foi uma das figuras centrais dos "MontyPython e se transformou num bem sucedido escritor de literatura de viagens. Em "A Nova Europa" (Bizâncio), Michael Palin relata o seu metódico périplo por duas dezenas de países cujos destinos foram profundamente transformados pelo colapso do bloco soviético. Observador perspicaz e informado, Palin escreveu muito mais do que um simples livro de viagens. Atento aos modos de vida, aos novos paradigmas sociais, económicos e culturais daqueles países, Michael Palin construiu uma obra fundamental para quem quiser perceber esta nova velha Europa que ninguém sabe como irá evoluir nas próximas décadas, mesmo a que já se encontra integrada na União, já que todo o continente atravessa uma crise estrutural com prognóstico muito reservado.
romance histórico do escritor ensaísta Miguel Real, intitulado "A Guerra dos Mascates", um grande fresco narrativo sobre um episódio marcante da história do Brasil, como sempre com o rigor histórico e a capacidade de efabulação que fazem de Miguel Real um autor de referência. Destaque igualmente para "Hoje Preferia Não me Ter Encontrado", da Prémio Nobel da Literatura Herta Muller, alemã de origem romena, que nos apresenta um romance denso e tenso, profundamente marcado pela memória dos anos de terror num universo concentracionário. Uma escrita marcada pela memória e pela presença sempre iluminadora da escrita poética.
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"A NÁUSEA" (Pub.Europa - América) é uma das obras de
ficção mais importantes do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre. Primeiro romance do escritor, "A
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Náusea" tem a forma literária de um diário íntimo, no qual o protagonista, Antoine Roquentin, descreve a vida quotidiana de uma cidade de província, produzindo, ao mesmo tempo, uma reflexão inevitavelmente de registo filosófico sobre a própria condição humana. Um clássico contemporâneo que vale sempre a pena descobrir ou redescobrir. FILHO DE UM PRESTIGIADO jornalista desportivo (Rui Tovar), e ele mesmo nome destacado de uma nova geração de jornalistas desta área, Rui Miguel Tovar acaba de publicar "366 Histórias de Futebol" (Livrododia), no qual relata uma história do futebol digna de registo por cada dia do ano, neste caso bissexto, já que as histórias são 366. Um interessante exercício jornalístico e de memória, que revela um profundo conhecedor da matéria que, apesar da sua juventude, consegue viajar por várias décadas do século XX, com humor, sentido crítico e, forçosamente, com muito amor pelo desporto - espectáculo - indústria que é o futebol.
Recentemente falecido, David Servan Schreiber, especialista em neurociências cognitivas, foi autor de dois livros de grande êxito editorial "Curar" e "AntiCancro", ambos com tradução portuguesa. Agora que se prepara o lançamento da sua derradeira obra, uma serena meditação de despedida sobre o tumor cerebral contra o qual lutou durante 20 anos e que acabou por derrotá-lo aos 50 anos, vale a pena recomendar ao leitor o reencontro com "Curar"(Leya), em edição de bolso ainda acessível nas livrarias, já que se trata de um importante contributo do cientista para o combate à depressão, apostando numa via pouco ortodoxa que dispensa os medicamentos e a psicanálise. Elogiado por cientistas como o português António Damásio, David Servan Schreiber escreveu um livro de leitura obrigatória para quem não se quiser deixar vencer psicologicamente pela crise que ensombra o nosso presente. Esta recomendação de leitura constitui uma derradeira homenagem a um cientista inovador e corajoso que partiu prematuramente. n
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Boavida|Artes
Emília Nadal em Cascais As Linguagens do Quotidiano Subordinada ao título "Tudo o que acontece", está a conhecida artista plástica Emília Nadal a apresentar, no Centro Cultural de Cascais, até ao próximo dia 23, uma exposição de pintura centrada essencialmente nos referentes ligados às linguagens do quotidiano mais espontaneamente intrusivas, como é o caso dos slogans.
Rodrigues Vaz
bordando de maneira peculiar as questões do tempo, Emília Nadal reflecte sobre a actualidade mundial através de uma sátira que poderíamos chamar Pop, na qual uma semiótica do consumo ilustrada por irónicas alusões à publicidade alterna com uma arte mais próxima do subjectivismo existencial marcante em muitas das suas produções. Isto é, a actual presidente da Sociedade Nacional de Belas
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Artes, se, por um lado, olha com sarcasmo para os mitos da modernidade, por outro lado apresenta o devido contraponto ao fazer uma incursão poética intimista sobre a passagem do tempo, recorrendo à disciplina mais espontânea do desenho. HELENA JUSTINO EM ALFRAGIDE
Num registo bastante diferenciado, embora marcado com alguns valores salientes na obra da artista anterior, como sejam a serenidade e o equilíbrio lumínico, está por sua vez Helena Justino a mostrar os seus últimos trabalhos, até ao
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Óleo de Helena Justino, Pintura de Roberto Chichorro e fotografia de Roberto Santandreu. Na página da esquerda, tapeçaria de Emília Nadal
próximo dia 26, na galeria da Molduraminuto, sita na Loja 69 do Centro Comercial Alegro, em Alfragide. Trata-se de um conjunto de temas, formatos e estilos vários, em que cada obra vale por si, independente sob todas as formas, apresentando-se em toda a plenitude. A artista, que frequentou a Escola Superior de Belas Artes do Porto, continua fiel às suas origens, tomando dos seus Mestres o que mais a enformou: de Lagoa Henriques o rigor e de Júlio Resende os voos da liberdade de expressão. "ENCONTROS ALADOS" DE ROBERTO CHICHORRO
Por sua vez, o artista moçambicano Roberto Chichorro apresenta, até dia 28, na Galeria MAC - Movimento Arte Contemporânea, em Lisboa, as suas últimas obras subordinadas ao título "Encontro Alado". Fiel a uma paleta que explora recorrentemente os tons de azul mais encantatórios que se possam imaginar, o artista celebra particularmente a noite moçambicana de uma
maneira tão mágica como inesperada, onde o mistério e a beleza se enlaçam em fantasias a mariscar luas, tema aliás de uma das suas séries anteriores mais badaladas. Serestas e serenatas, luzes, cores e perfumes são ingredientes constantes que Roberto Chichorro utiliza com grande sedução, num sentido mágico de permanente comunhão com a natureza. FOTOGRAFIA NA GALERIA VALBOM
Por último, vale a pena destacar a exposição de fotografia que Roberto Santandreu tem patente, até dia 26, na Galeria Valbom, Lisboa, subordinada ao título "Da Beleza". Como o próprio autor assinala: "Este trabalho pretende que nos submerjamos na beleza, base de toda a teoria da Estética e da Filosofia das Artes, para que possamos entender, se é que é possível, o que nos ocorre quando por ela somos tocados/as ou perturbados/as. Tomando como ponto de partida um simples pimento e a criação de Edward Weston a quem rendo homenagem." n OUT 2011 |
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Boavida|Músicas
Cantigas de sempre com Movimento e Eléctricos Artistas daqui e de agora resolveram regressar ao passado da música ligeira portuguesa. "Os Movimento" e "Os Eléctricos" lançaram trabalhos discográficos com versões de "clássicos" das décadas de 40, 50, 60 e 70 do século XX. Cantigas de sempre com novas "roupagens"
Vítor Ribeiro
ovimento é também o título genérico do álbum do primeiro daqueles grupos, que integra Marta Ren, Selma Uamusse, Gomo e Miguel Ângelo (esse mesmo, exDelfins). Com produção e direcção musical de Francisco Rebelo (Cool Hipnoise, Cacique 97 e Cais Sodré Funk Connection) e João Cabrita, Movimento "revisita" temas dos anos 60 e 70, de entre os quais destacamos "E depois do adeus" (Paulo de Carvalho), "Festa da Vida" e "Verão" (Carlos Mendes), "Flor sem tempo" (Paulo de Carvalho), "Começar de novo" (Simone de Oliveira) e "O louco" (Conjunto Académico João Paulo). Ali se apresenta, ao todo, um conjunto de 11 temas criados por destacados compositores como José Calvário, José Niza, Pedro Osório, Thilo Krassman, Nóbrega e Sousa, João Paulo Agrela, Jorge Domingo e os já citados Carlos Mendes e Paulo de Carvalho, na também qualidade de intérpretes. Os melómanos não encontrarão reproduções fiéis, ou mesmo aproximadas, das canções originais, dado que os Movimento optaram por uma "abordagem de inspiração Soul clássica, mas carregada de sintomas de modernidade", segundo se explica num dos textos de promoção. De resto, Movimento define-se como "uma oleada orquestra, composta por cerca de 12 elementos, onde, para além das quatro carismáticas vozes, se destacará o "groove" duma secção rítmica certeira e poderosa, a energia dum naipe de sopros carregado de brilho e intenção e o calor dos arranjos sempre surpreendentes e de um gosto irrepreensível". Recuemos, no entanto, ainda mais,
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até aos anos 40 e 50 do século passado, com a ajuda de "Os Eléctricos" e o CD com o mesmo nome. Eis como se apresentam: "O Grupo evoca o charme alfacinha dançante e poético dos anos 40 e segue à aventura Rock'n'Rolante dos 50s". E mais: "Música para-popular portuguesa com esteróides? Swingabilly? Ié-Ié Tuga? Punkvalsa? Skanetismo (ska+cançonetismo)? Tango-western ou música para baile de finalistas? Com Os Eléctricos todas estas categorias valem, pois sintetizam a sua missão: animar crianças, jovens, adultos e idosos (com e sem bengalas, agulhas de crochet e baralhos de cartas)". O grupo reinventa temas compostos ou interpretados por Francisco José (Olhos Castanhos), Beatriz Costa (A Agulha e o Dedal), Vicente da Câmara (Tranças Pretas), Mirita Casimiro (Canção da Papoila) e Natércia Barreto (Óculos de Sol). Os Eléctricos "acrescentam ainda canções originais bem inspiradas nos dias eldorados dessa música tão popular e nostalgicamente urbana: Anda Um Cupido A Voar, Se Não Aprendes A Dançar Este IéIé, Love Me Tender à Beira do Mar, Cantiga da Lua Azul (com a participação do ilustre e destemido Coro Infantil de St.º Amaro de Oeiras) e A Boite do Estoril (que conta com a gentil colaboração desse baluarte do Norte que é Rui Reininho)". O álbum de que aqui damos notícia é, acima de tudo, um trabalho em que é perceptível um elevado grau de satisfação criativa, onde se conjugam a audácia e a alegria. Os Eléctricos são musicalmente destemidos e muitíssimo divertidos. Saiba-se por fim que o grupo nasceu em Lisboa, em Fevereiro de 2010 e integra Nuno Faria (contrabaixo), Maria João Silva (voz), Miguel Castro (guitarra), Luís Gaspar (bateria) e André Lentilhas (banjo e guitarra dobro). n
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Boavida|No Palco
Da guerra, do amor e da idade maior… "A Febre", monólogo de Wallace Shawn, conhecido autor/actor americano, estará em cena de 19 a 21 de Outubro, com a interpretação de João Reis e encenação de Marcos Barbosa, na Sala Principal do Teatro Municipal S. Luiz.
"SANGUE JOVEM" NO TRINDADE
Maria Mesquita
m dilema moral abate-se sobre um homem de classe média que decide, um dia, viajar para um país pobre e em guerra. Um dos muitos países que foram invadidos pela sua pátria (EUA), em nome da "libertação" do povo em detrimento de qualquer tipo de regime. Confrontado no silêncio e solidão do seu quarto, onde permanece durante os confrontos, impõe a questão de saber o errado e correcto dos movimentos opressivos, da razão pela guerra, enquanto um confronto moral, e que banalmente nos entra em casa pelas variadas notícias internacionais. Marcos Barbosa questiona, igualmente, até que ponto é que podemos ignorar o sentimento de culpa pelos crimes que a cada minuto se vão cometendo no Mundo, e que são sem dúvida responsáveis pelo nosso estilo de vida. Até que ponto é que cada um dos nossos actos e da nossa forma de viver não são peças fundamentais para os conflitos, para os ódios e vinganças. De que forma é que podemos dormir à noite se somos nós, os principais carrascos da nossa existência.
U
FICHA TÉCNICA: Tradução: Jacinto Lucas Pires; Encenação:
Marcos Barbosa; Cenografia: F. Ribeiro; Figurinos: Susana Abreu; Desenho de luz: Pedro Vieira de Carvalho; Interpretação: João Reis; Produção Teatro Oficina (Guimarães) 58
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Representada em Junho no CCB, peça "Sangue Jovem", de Peter Asmussen, pode ser vista, agora, de 6 a 16 de Outubro, na sala principal do Trindade. Encenada por Beatriz Batarda, a peça é uma notável reflexão sobre a velhice, não no aspecto de decadência física ou de idade, mas sim, a velhice que nenhum de nós quer aceitar, aquela que chega porque as nossas vidas ou foram muito preenchidas, com coisas boas e más e, entretanto, houve uma pausa e um término de actividade, ou simplesmente, aquela que nos chega mais depressa quando não soubemos aproveitar a vida com todo o seu fervor, não a soubemos viver, ponto. Lídia Franco, Elisa Lisboa e Teresa Faria representam três mulheres, amigas desde os tempos de infância, todas dentro da casa dos 60 anos, cada uma distinta da outra, com os seus sonhos e desejos, outra tanta metade de memórias do que fizeram, do que queriam e não concretizaram… FICHA TÉCNICAAutor: Peter Asmussen; Encenação e versão
cénica: Beatriz Batarda; Assistente de encenação: Leonor Salgueiro; Interpretação: Elisa Lisboa , Lídia Franco, Teresa Faria, Romeu Costa; Música: Bernardo Sassetti; Cenografia, adereços, design gráfico: Miguel Dominguez; Figurinos: José António Tenente; Desenho de luz: Nuno Meira; Sonoplastia: António Esteves; Fotografia: Rita Carmo; Assistente de Produção: Cláudia do Vale; Tradução: Ana Campos e Pedro Porto Fernandes.
"AS LÁGRIMAS AMARGAS DE PETRA VON KANT"
"As lágrimas amargas de Petra Von Kant", considerada uma das obras-mestras do autor e cineasta Rainer Werner Fassbinder, pode ser vista, até 6 de Novembro, na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II. Levada ao cinema nos anos 70 por Fassbinder, que tantas gerações de realizadores influenciou, surge agora em palco, noutro contexto social, mantendo, contudo, as mesmas personagens. Poderá ser possível revelar a mesma trama sem modificar as características essenciais das mulheres que dele fazem parte. No centro da
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história está Petra, mulher de paixões e talvez, de maiores obsessões. Em seu redor cruzam-se e giram, pelo menos, outras cinco, a mãe Valerie, a criada/amiga/objecto de sadismo Marlene, a filha Gabriele, a prima Sidonie, e, finalmente, talvez a mais importante, Karin, a jovem aprendiz de modelo, objecto de desejo da personagem principal. Afirmar que esta peça é um drama será porventura um exagero, mas o seu conteúdo é forte e amargo, a sua história não é de todo um romance feliz. FICHA TÉCNICA: Autor: Rainer Werner Fassbinder; Tradução:
Yvette Centeno; Encenação: António Ferreira; Cenografia: Luísa Bebiano; Figurinos: José António Tenente; Desenho de luz: José Carlos Gomes; Sonoplastia: Baltazar Gallego; Desenho de maquilhagem: Nuxa Araújo; Desenho de cabelos: Carlos Gago; Interpretação: Cláudia Carvalho, Custódia Gallego, Diana Costa e Silva, Inês Castel-Branco, Isabel Ruth e Paula Mora; Co-produção TNDM II e ACE / Teatro do Bolhão
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Boavida|Cinema em Casa
Amores, Deuses e Mistérios No regresso do Outono escolhemos quatro filmes que se distinguem pela sua diversidade e qualidade: do Canadá chega-nos Amores Imaginários; de França o singular Mammuth e Os Homens e os Deuses; finalmente, numa co-produção luso-francesa veio a adaptação ao cinema dum clássico da literatura portuguesa Mistérios de Lisboa. Sérgio Alves
AMORES IMAGINÁRIOS
respectiva reforma. Porém, ao
DOS HOMENS E DOS DEUSES
MISTÉRIOS DE LISBOA
Marie e Francis têm uma
fazer a inscrição na
Argélia, 1996. Estala a Guerra
Na vida de Pedro da Silva,
amizade sólida e antiga. Certo
Segurança Social descobre
Civil no país, com os funda-
órfão de um colégio interno à
dia conhecem Nicolas, um
que não tem o conjunto de
mentalistas a semearem o ter-
procura da sua identidade,
jovem recém-chegado. A
requisitos suficiente para
ror. Nas montanhas argelinas,
dos seus antecedentes da
atracção de
receber a pensão. Tudo indica
um grupo de monges católi-
história da sua família, surge
ambos por este
que alguns dos seus antigos
cos vive em harmonia com a
a figura do padre Dinis que
jovem é tão forte
patrões não declararam à
população local. Porém, ape-
ele julga ser seu Pai e que se
e obsessiva que
Previdência as suas con-
sar da vontade em continuar
converte num justiceiro, além
vai pôr em causa
tribuições. Ei-lo, portanto, na
a prestar cuidados de saúde à
de uma condessa preocupada
a sua amizade.
sua motocicleta, numa
população e outro tipo de
com a sua situação e um pira-
Realizado com
viagem em busca das
apoio, esta situação não
ta sanguinário que se torna
elegância e sofisticação,
necessárias declarações de
durará muito tempo pois
num bem sucedido homem
Amores Imaginários marca o
trabalho…e a sua vida levará
crescem as ameaças à sua
de negócios.
regresso do jovem prodígio
uma grande volta.
canadiano Xavier Dolan
presença em território argelino.
Retrato irónico e desen-
É a história
Baseado num dos grandes romances de Camilo Castelo
depois da estreia bem sucedi-
cantado da sociedade contem-
da com "Como Matei a Minha
porânea, Mammuth é a pro-
verídica dos
Branco, "Mistérios de Lisboa"
Mãe"(2009). Uma banda sono-
posta da dupla de rea-
monges de
Portugal do século XIX, que passa
(1854) é uma viagem pelo
ra retro, um cuidado especial
lizadores
Tibhirine, um
na fotografia, no guarda-roupa
franceses
drama histórico profunda-
também por
e um estilo único, leva-nos
Gustave de
mente ecuménico num apelo
França, Itália e o
numa viagem pelos territórios
Kervern e
à tolerância e ao respeito cul-
Brasil: amores,
da paixão e do desejo deste
Benoît
tural . Realizado pelo actor e
traições, duelos e
trio singular. Presente em
Delépine,
realizador Xavier Beauvois, o
vinganças marcam a história
inúmeros festivais, incluindo
autores, tam-
filme, uma história universal
deste órfão. Realizado de
Cannes 2010, onde arrecadou
bém, do argumento. Estreado
de coragem, venceu, entre
forma notável pelo malogrado
prémios importantes, o filme
no Festival de Berlim de
outros prémios e nomeações,
realizador chileno Raoul Ruiz,
teve honras de abertura Indy
2010, o filme - num registo de
o Prémio especial do Júri em
com argumento de Carlos
Lisboa 2011.
drama e comédia - assinala o
Cannes 2010, foi aclamado
Saboga, o filme teve uma
TÍTULO ORIGINAL: Les Amours
regresso de Gérard Depardieu
pela crítica internacional e
excelente recepção junto do
Imaginaires; REALIZAÇÃO:
num elenco que conta ainda
tornou-se num improvável
público português e francês e
Xavier Dolan; COM: Monia
com Yolande Moreau e
êxito de bilheteira em
constitui um momento alto da
Chokri, Niels Schneider, Xavier
Isabelle Adjani.
França.
produção cinematográfica
Dolan; Canadá, 95m, Cor, 2010;
TÍTULO ORIGINAL: Mammuth;
TÍTULO ORIGINAL: Des Hommes
nacional.
EDIÇÃO: Alambique
REALIZADOR: Gustave de
et Des Dieux; REALIZAÇÃO:
TÍTULO ORIGINAL: Mistérios de
Kervern e Benoît Delépine;
Xavier Beauvois; COM: Lambert
Lisboa; REALIZAÇÃO: Raúl Ruiz;
MAMMUTH
COM: Gérard Depardieu,
Wilson, Michael Lonsdale,
COM: Adriano Luz, Maria João
Serge, conhecido por
Yolande Moreau e Isabelle
Olivier Rabourdin; França, 122
Bastos e Ricardo Pereira;
Mammuth, chegou ao fim de
Adjani; França,92 m, Cor, 2010;
m, cor, 2010; EDIÇÃO: Zon
Portugal/França, 272 m, cor,
uma vida de trabalho e à
EDIÇÃO: Alambique
Lusomundo
2010; EDIÇÃO: Clap Filmes
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Boavida|Grande Ecrã
A força do cinema Nada impede ninguém de se enredar no drama de João Canijo sobre (o que é?) o amor incondicional, de se divertir com as aventuras atribuladas de Tintim & Cª, de se atemorizar com a ameaça de um vírus no último trabalho de Soderberg.
Joaquim Diabinho
uito embora o cinema português possua não poucos motivos de interesse (os suficientes, para continuar a ser objecto de enorme apreço e reconhecimento internacionais) e evidencie uma solidez e qualidades artísticas ímpares o seu futuro não está salvaguardado e corre o risco, sério, de definhar à força da crise global em que o mundo vive no pós-colapso financeiro de 2008. Nestas circunstâncias, a chamada de atenção para "Sangue do Meu Sangue" é redobrada. Até porque a ousadia de Canijo -a de dar corpo a uma história sobre o amor incondicional (quer dizer, "provas" sublimes de abnegação e sacrifício) rumo à felicidade - sai surpreendentemente vitoriosa em todos os quadrantes. De excelente visualização realista, o filme que estreia dia 6 em cerca de uma vintena de salas conta com prestações memoráveis de Rita Blanco, Beatriz Batarda, Anabela Moreira, Cleia Almeida, Marcello Urgeghe, Teresa Madruga, Fernando Luís e Nuno Lopes, entre outros. Em jeito de nota de rodapé: "O amor mais profundo é" disse-o e escreveu-o António Lobo Antunes- "o que não precisa de razões para existir ".
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COMO É BEM SABIDO, Spielberg já não necessita de especiais apresentações. Basta atentar na sua extensa filmografia para se perceber que o autor desse exemplar raro que é "O Resgate do Soldado Ryan" abordou na prática a totalidade
dos géneros tradicionais de Hollywood, fornecendo-lhe quase sempre alguns dos títulos maiores da sua glória. Não é pois de estranhar esta incursão aparentemente movida pelo simples gozo (patente no recurso de sofisticados meios tecnológicos) a uma das glórias maiores da bd geradas no velho continente europeu. E, por certo, não vem nenhum mal ao mundo que Spielberg nos suscite, de vez em quando e com a habilidade que se lhe reconhece, nostalgias de outros tempos de adolescência em que o mundo cabia por inteiro na palma da mão e era bom sonhar e ser feliz. Que mais pode o espectador desejar ao assistir, como se recomenda, às "Aventuras de Tintim - O Segredo de Licorne"? QUE O MUNDO ACTUAL não está para brincadeiras já todos o sabemos. Que outro cineasta também de nome próprio Steven, mas com apelido Soderberg (e com provas de talento dadas, p.ex. no bastante satisfatório, "Traffic"), nos convoque para uma ficção tipo "série b" centrada pela enésima vez, é bom que se o diga, num portentoso vírus de progressão rápida que ameaça pulverizar a humanidade não é de surpreender. A "globalização" do medo materializado no cinema norte-americano não é, como está bem à vista (vidé "Tubarão", de Spielberg), uma novidade de hoje e dos tempos que correm. A pertinência de "Contágio" é o que fica subentendido. Catástrofe menos catástrofe, - sejam tsunamis, meteoritos, orcas, abelhas ou, no pior dos casos, carapaus assassinos - o ecrã é janela da natureza humana. Haja paciência. The show must go on! n OUT 2011 |
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Boavida|Tempo Informático
O passado modernizado O grande número de pessoas que apesar da adesão às novas tecnologias digitais, conservaram as suas bibliotecas de discos em vinil, sempre desejou que fosse possível voltar a ouvir as velhas músicas e canções de outros tempos.
Gil Montalverne
ajuda@gil.com.pt
as os gira-discos avariaramse e tinham desaparecido do mercado. Eis que de repente os novos técnicos do digital descobriram formas de transformar as músicas dos discos vinil em ficheiros que podem ser gravados e ouvidos com qualidade melhorada nos modernos dispositivos de leitura e nos mais modernos computadores. O sucesso foi tão grande que vários foram os fabricantes como a DENON que lançaram novos gira-discos onde são colocados os seus vinil favoritos e com toda a facilidade são convertidos para MP3 com o elegante DP-200USB à venda no nosso mercado (www.denon.pt). O software incluído permite captar os chamados meta-dados sobre artista, título, etc. das faixas de vinil. Os ficheiros são gravados através da porta USB frontal onde se pode ligar uma Pen ou um disco externo. Este gira-discos possui as convencionais saídas estéreo que podem até ser configuradas por igualização para uma extensa gama dos modernos dispositivos.
interiores até 300 metros, com um marcador que não roda mas emite o som de discar quando se carrega na tecla dos algarismos ao mesmo tempo que se acendem leds a toda a volta como se ela realmente rodasse. Tem atendedor de chamadas, agenda de 150 números, autonomia de 10 horas e vários tons de toque entre os quais o tradicional ring-ring.
EXISTEM também os admiradores dos velhos telefones nos quais os números eram marcados fazendo mover uma pequena roda onde eles estavam indicados. E tinham um auscultador com um microfone que se colocava num descanso superior e que nessa operação fazia desligar a chamada. Pois para quem se recorde e tenha saudades de o usar também se encontrou uma solução. Com um design extremamente moderno a SAGEMCOM apresenta o SIXTY em branco ou laranja com o mesmo tipo de auscultador-microfone que custa apenas 99,9 Euros (Cigest:213616310-Desconto de 10% para sócios da Inatel). Mas este é um Telefone sem fios de alcance em
NO CASO das video-cassetes VHS, a solução não consegue melhorar a qualidade como no caso dos discos vinil. Mas existem vários dispositivos de passagem para digital. Desde que exista no leitor VHS uma saída RCA ou ficha Skart podemos ligá-lo directamente a um gravador de sala de vídeo com essa entrada ou mesmo a um disco Multimédia. Pensando também nos filmes de 8 mm ou super 8, qualquer boa loja do ramo converte para digital. Pessoalmente, aconselhamos a quem tenha uma boa câmara de vídeo, filmar a tela durante respectiva projecção, configurando o tipo de luz artificial. E aqui ficam as dicas para modernizar as suas relíquias de áudio ou vídeo que não quer perder. n
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Boavida|Ao Volante
Honda Jazz Hybrid Funcionalidade e baixas emissões O Jazz Hybrid teve a sua estreia mundial no Salão Automóvel de Paris de 2010, dando assim seguimento ao compromisso contínuo da Honda no desenvolvimento de tecnologias de veículos híbridos a gasolina-electricidade.
Carlos Blanco
sta nova versão está disponível juntamente com a nova versão revista do Jazz a gasolina, o que assinala a primeira vez que um veículo híbrido paralelo está disponível para os clientes do segmento B. Um facto muito importante, o Jazz Hybrid não perdeu nenhuma das funcionalidades do veículo convencional, com a natureza compacta do sistema IMA da Honda a permitir que esta proposta do segmento B mantenha os seus "Bancos Mágicos" ultra-flexíveis e 300 litros de capacidade de espaço da bagageira. O conjunto de baterias e a unidade de controlo do sistema IMA foram integrados numa área sob o piso da bagageira, mantendo o espaço normal da bagageira e permitindo rebater os "Bancos Mágicos" da mesma maneira que nas versões não-híbridas. O sistema híbrido IMA é partilhado com os modelos Insight e CR-Z, tirando partido da comprovada fiabilidade desta importante tecnologia. Com quase duas décadas de desenvolvimento e 10 anos de vendas acumuladas, o sistema IMA da Honda já demonstrou ser um sistema de confiança. Este novo modelo está equipado com o mesmo sistema híbrido do modelo Insight, utilizando a mesma combinação de motor 1.3 litros i-VTEC e motor eléctrico. No Jazz, o sistema IMA está combinado com uma transmissão CVT, originando emissões de apenas 104 g/km* de CO2, um dos valores de CO2 mais baixos entre os veículos de transmissão automática do segmento B. O consumo de combustível é de apenas 4,5 L/100 km, no ciclo urbano combinado. Sendo um híbrido a gasolina-electricidade, esta nova derivação também apresenta níveis ultra-baixos nas outras emissões de escape e não apenas nas emissões sujeitas a impostos. Visualmente, o Jazz Hybrid distingue-se do resto da sua gama pelos faróis revistos e que incorporam molduras cro-
E
madas azuis, pelas luzes traseiras transparentes, nova grelha dianteira cromada em azul, novo estilo de párachoques e guarnição cromada da porta da bagageira. Este novo híbrido estará disponível numa gama variada de cores, para além do verde metalizado lima disponível por encomenda. No interior do habitáculo, temos um visual refrescante, com o tablier mais escuro a uma cor, em forte contraste com a iluminação azul dos mostradores e da consola central. O tablier apresenta uma versão da função de Assistência à Condução Ecológica, que recorre à iluminação ambiente do velocímetro para aconselhar o condutor relativamente ao impacto que o seu estilo de condução tem sobre os consumos de combustível. A função de Assistência à Condução Ecológica auxilia o condutor a obter a máxima economia em todas as situações de condução. Mantendo o cariz único do modelo inalterável, a gama completa de Acessórios Genuínos realça ainda mais o carácter híbrido do Jazz. O condutor pode personalizar o seu carro de acordo com o seu gosto pessoal. O sistema de navegação integrado, o kit mãos livres Bluetooth® e o sistema de entretenimento traseiro oferecem conforto tecnológico adicional. n OUT 2011 |
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Boavida|Saúde
O que é a hipoglicémia? Em linguagem médica, a hipoglicémia pode ser definida pela tríade de Whipple: glicémia (isto é, a concentração de açúcar no sangue) inferior a 50mg/dl + sintomas associados à diminuição da concentração sanguínea de glicose + reversão ou melhoria desses sintomas com a elevação da glicémia.
M. Augusta Drago
medicofamília@clix.pt
a prática, consideramos que uma pessoa está em hipoglicémia logo quando a concentração de açúcar no sangue é inferior a 70mg/dl. Convém esclarecer que este valor não é um valor absoluto. Um adulto saudável pode tolerar valores de glicémia inferiores a 50mg/dl sem referir qualquer sintomatologia, enquanto que um doente diabético, com glicémias habitualmente elevadas, pode ficar com sintomatologia exuberante com valores de glicémia considerados normais. Porque é que é assim tão importante manter a concentração de açúcar no sangue acima dos valores referidos? Porque a glicose (açúcar) é a principal fonte de energia das células do cérebro. As reservas de glicose do cérebro esgotam-se em dois minutos, se lhes faltar o fornecimento através do sangue. A manutenção do metabolismo cerebral requer a presença constante de açúcar no sangue. A falta de fornecimento de açúcar ao cérebro, se for grave e prolongada, pode causar lesões cerebrais irreversíveis e mesmo a morte. Dependendo de cada pessoa, os sintomas da hipoglicémia podem ser: sensação de fraqueza, suores, tremores, palpitações, formigueiros, dores de cabeça e sensação de cabeça vazia, nervosismo ou irritabilidade e confusão. Cada doente diabético tem o seu próprio padrão de sintomas, pelo que deve estar atento quando eles surgirem.
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O melhor tratamento para a hipoglicémia é a sua prevenção: todas as pessoas, e os diabéticos em particular, não devem saltar refeições, não devem fazer exercício físico despropositadamente mais exigente do que o habitual e de um momento para o outro, devem respeitar rigorosamente as doses e o horário da medicamentação anti-diabética e não devem consumir bebidas alcoólicas em excesso. Se é diabético e suspeitar que está a entrar em hipoglicémia, o mais correcto é verificar o nível de glicémia com teste rápido (picada no dedo). Se isso não for possível, actuar imediatamente e em conformidade com uma hipoglicémia: ingerir dois pacotes de açúcar. Se os sintomas não desaparecerem, pode repetir este procedimento até se sentir melhor. Se isso não acontecer, deve ligar para o 112. Se melhorar, procure fazer uma pequena refeição à base de açúcares de absorção lenta, como por exemplo o pão. Se é um doente diabético, deve trazer sempre consigo alguns pacotes de açúcar, bem como um documento que o identifique como diabético. Os familiares próximos e os amigos devem saber o que é uma hipoglicémia e como lidar com ela. Fale com o seu médico assistente sobre a necessidade de ter em casa e no trabalho uma injecção de glucagon, uma hormona que aumenta o açúcar no sangue. Se ele estiver acordo, certifiquese que os seus colegas e familiares directos sabem como e quando administrá-la e respeite o prazo de validade do medicamento. n ANDRÉ LETRIA
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Boavida|Palavras da Lei
Alteração de “spread” em contrato bancário ?
Celebrei um empréstimo bancário para compra de um imóvel,
aquando do meu casamento. As condições do empréstimo foram fixadas por contrato, uma das quais o "spread". Acontece que me divorciei e comuniquei esse facto ao meu banco, que me alterou o "spread"unilateralmente, por causa do divórcio. Podem fazer essa alteração? Sócio devidamente identificado Barreiro
Pedro Baptista-Bastos
sta importante questão do nosso sócio, que incide sobre uma situação que abrange muitos casais, foi recentemente regulada pelo Banco de Portugal. Há um Código de Conduta da Banca, que determina que pode haver lugar à alteração dos "spreads" bancários unilateralmente, se houver, em primeiro lugar, uma cláusula que determine este acto. Se, no seu contrato, não houver esta cláusula, a alteração unilateral é ilegal. Porém, se houver esta cláusula no seu contrato, a alteração unilateral do "spread" só pode ser realizada se houver lugar a uma de duas previsões legais: uma "razão atendível" ou a uma "variação de mercado". Estes conceitos são gerais e indeterminados, mas o Banco de Portugal determina que, havendo um caso destes, o Banco é obrigado a especificar e concretizar caso a caso os elementos, situações, factos e ocorrên-
E
cias da nossa vida que possam ser, por exemplo, uma "razão atendível". Se o nosso leitor não tiver recebido uma carta do Banco, que descreva e analise os factos da sua vida pessoal e financeira que possam motivar essa alteração, a mesma é ilegal. Por outro lado, caso tenha enviado, ainda assim, essa carta, o Banco é obrigado a, havendo uma alteração posterior dessas "razões atendíveis", a recolocar o "spread" no seu valor inicial do contrato. Recebendo a carta, o leitor disporá de 90 dias para responder ao Banco e mesmo extinguir o contrato, mediante resolução contratual. Se quiser resolver o contrato, a Banca não pode cobrar-lhe comissões extraordinárias sobre esse acto. Assim, se o nosso leitor não tiver essa cláusula contratual, não tiver recebido a carta do Banco, e mantiver a capacidade económica de pagar as prestações bancárias após o divórcio, por si próprio, o banco não pode alterar o "spread" bancário, por ser manifestamente ilegal. n OUT 2011 |
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ClubeTempoLivre > Passatempos 1
Palavras Cruzadas | por José Lattas HORIZONTAIS: 1-Produção dramática, em que a música e a poe-
sia se reúnem; Adjunção da preposição a e do artigo o (plural); Ilha à entrada do Golfo Pérsico, conquistada por Afonso de Albuquerque, em 1507. 2-Concorde; Dinheiro. 3-Alça; Acre; Rio da Suíça. 4-Personificação do deus do Sol, na mitologia egípcia; Caruncho; Chegar. 5-Abóbada; Desdemida. 6-Salto; Aspecto; Hino. 7-Elemento de composição, que traduz a ideia de três; Doutor (abrev.); Nome masculino. 8-Celebrei; Indivisível; Lua. 9-Apresentai; Filósofo norueguês (1867-1943) (apelido); Curso. 10-Acuda; Bastas. 11-Madrasta; Mio; Singelo. 12-Número; Agasalho; Motivo. 13-Minava; Alvo.
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1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 SOLUÇÕES (horizontais): 1-OPERA; AOS; ORMUZ. 2-RIME; F; T; A; OURO. 3ASA; PICANTE; AAR. 4-RA; R; CARIE; M; IR. 5-ARCADA; I; IMENSA. 6-S; UPA; COR; ODE; S. 7-TRI; DR; ATAÍDE. 8-CANTEI; UM; CIO. 9C; DAI; AAL; VIA; U. 10-OCORRA; C; DENSAS. 11- MA; A; MIADO; A; NU. 12-ERA; GUARIDA; MOR. 13-ROIA; O; O; O; META.
1-Rogaras; Acreditar. 2-Atropelar; Tribunal Constitucional (sigla); Amigo. 3-Avestruz; Passado; Acolá. 4Raia; Arrebatara. 5- Contracção de preposição e artigo; Transportes internacionais rodoviários. 6-Está; Preposição; Agastamento. 7-Cálcio (s.q.); Criação; Abalava. 8-Trouxa; Oução. 9-Niquel (s.q.); Nome de homem; Quinhentos e um (romano). 10-Cingi; Túlio (s.q.); Peso equivalente a sete arráteis, na ex-Índia Portuguesa. 11-Aflija; Acha. 12-Letra grega; Aviso. 13-Mula; Anafadas; Pronome pessoal, da 1.ª pessoa do singular. 14-Cordilheira entre a Europa e a Ásia; Orçamento do Estado (invertido); Casca (invertido). 15-Rameiras; Ágio. VERTICAIS:
Ginástica mental| por Jorge Barata dos Santos
N.º 30 Preencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado
N.º 30
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SOLUÇÕES
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ClubeTempoLivre > Novos livros
ARCÁDIA
retina luso-brasileña
que
A BOLSA PARA INICIADOS
(1807-1828)
esqueceu, o
POLÍCIAS À PORTUGUESA -
Nuno Miguel Rodrigues
seu marido
Fernando Braga de Matos Conceitos e noções básicas
TAKE 2
Tavares e Fernando Serrano
conta-lhe a
para compreender o
Mangas Editada em espanhol, a obra
sua história
mercado e o comportamento
Fernando Contumélias e Mário Contumélias O estado das diferentes
à medida que
dos produtos financeiros.
da colecção história aborda
procura respostas para a sua
Progressivamente, o leitor
as relações entre as
reaparição. Um romance
conhecerá
forças
monarquias
mágico que inspirou um
tácticas e
policiais é
Ibéricas e as
filme, uma série de TV e uma
estratégias
abordado
respectivas
banda desenhada.
para entrar na
através de
influências
testemunhos de pessoas que
políticas,
dedicaram a vida à defesa do
económicas e
bolsa com a A DELICADEZA
cautela
país, registando os
sociais além fronteiras,
David Foenkinos Nathalie e François podiam
sacrifícios e as interferências
incluindo a proximidade
ser personagens de um conto
na vida familiar e muitos
entre as famílias Bourbon e
de fadas.
outros aspectos do dia-a-dia
Bragança.
Desde que
de um polícia.
EDIÇÃO DE AUTOR BOOKSMILE GRANDES VULTOS E
necessária para evitar perdas e optimizar os ganhos.
EUROPA - AMÉRICA
se
SEGREDOS E PRÁTICAS DA
conheceram
MAÇONARIA
a sua relação irradia uma
Jean-Louis de Biasi 32º Descubra os mistérios da
felicidade
Maçonaria através da visão
A EXTRAORDINÁRIA CAÇA
REALIZAÇÕES DA
AO TESOURO QUE LHE DÁ
HUMANIDADE
sem mácula. Mas o que o
cândida e
50 000€
Para compreender o
autor oferece, neste romance,
pormenorizada
Tim Dedopulos Um fascinante livro,
percurso do homem ao
ultrapassa o clássico girl
do maçon do
longo da história
meets boy e, numa análise
32º grau e
recheado de enigmas que
António Catita Um ensaio no domínio da
séria, explora o lado lúdico
incorpore os
das relações humanas.
seus rituais e
proporciona com o apoio da Google Earth uma viagem à
ensinamentos altamente
história e
volta do
sociologia que
UMA MULHER DE SONHO
influentes.
mundo em
revela a
busca de
evolução do
Fern Michaels A história de Rosie Gardener,
A NÁUSEA
respostas que
Homem ao
uma mulher com excesso de
podem
longo dos
peso já nos trinta que foi
Jean-Paul Sartre O primeiro romance de
seduzida por
Sartre, um dos maiores vultos
um tesouro de 50 mil euros.
forma como este superou os
Kent, um
da filosofia existencialista,
Um projecto de dimensão
obstáculos da vida.
mulherengo
nascido em Paris 1905, que
com quem
através do diário íntimo de
acaba por
Antoine Roquentin retrata
casar,
com realismo a vida dos
conduzir a
tempos e a
mundial para descobrir muitas maravilhas no
EDITORIAL PRESENÇA
conforto do lar! CONTIGO PARA SEMPRE
ignorando os avisos da melhor
habitantes duma cidade da
Takuji Ichikawa Mio morre aos 29 anos e
amiga. O desastre e a
província, explorando o
humilhação confirma-se ao
absurdo da condição
deixa o marido Takumi e o
longo de três dolorosos anos,
humana,
EL TRIUNFO DE LOS
filho Yuji de 5 anos. Certo dia
mas quando Rosie reúne
tema que
AVENTUREROS
quando estes passeiam pelo
coragem e força para o
mais tarde o
Opinión e información: La
bosque reencontram-na
mandar o marido embora, eis
tornaria uma
emancipación
confusa e sem memória e,
que ganha 302 milhões de
figura
hispanoamericana en la
enquanto Mio quer saber o
dólares na lotaria…
incontornável.
DIPUTACIÓN DE BADAJOZ
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125 TRUQUES PARA
frascos os
revela o
espiritual de São Domingos
EMAGRECER E MANTER A
macacos que
simbolismo do
(1170-1221), fundador da
FORMA
tiram dos
Tesouro e as
Ordem dos Pregadores
Jean-Marie Marineau Conselhos para
narigões,
pistas que nos
(Dominicanos).
comem queijo
conduzem ao
transformar um
Graal, bem
bolorento e
O MEU LIVRO DE
emagrecimento
nunca tomam banho.
como explica como o
ACTIVIDADES DA BÍBLIA
penoso em
Desfrute das suas aventuras
fenómeno surgiu em França
Bethan James
episódio
no cinema, no encontro com
e tentou, por todos os meios,
Um álbum
agradável,
um monstro terrível e
enraizar-se no oriente.
ilustrado e
graças às recomendações do
quando estes levam para a
autor, um especialista em
escola ratazanas.
PAULUS EDITORA
O VERDADEIRO TESOURO
ORAR 15 DIAS COM SÃO
DOS TEMPLÁRIOS
DOMINGOS
aprenderem com a Bíblia.
Jacques Rolland Um exame minucioso à
Alain Quilici Um roteiro de oração e
Inclui diversas actividades,
Tracey Corderoy Grunxo e Roncão são trolls
Ordem do Templo confirma a
acompanhamento espiritual
existência de um Tesouro
para 15 dias, que apresenta
nojentos que guardam em
dos Templários. Este ensaio
a vida e riqueza doutrinal e
interactivo
nutrição e tratamento da obesidade. GRUNXO E RONCÃO PIPOCAS NOJENTAS
para as crianças explorarem e
jogos e imagens para colorir.
Glória Lambelho
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ClubeTempoLivre > Cartaz
ÉVORA
(inscrições até ao dia 19); dia 29 - Iniciação à Prova de
Workshop: até ao dia 24 de
Vinhos na Adega Coop. de
Novembro - Artes Visuais:
Vila Nova de Tázem
Introdução às Artes
(inscrições até ao dia 21)
Plásticas, no Palácio do
Teatro: dia 15 às 21h30 -
Barrocal, em Évora,
peça "A vingança de Antero"
inscrições na Agência de
pelo Grupo Ultimacto, no
Évora.
Cine Teatro S. Luís, em
Curso: Até Janeiro 2012
Pinhel.
BEJA
COIMBRA
decorre curso de
Vídeo: até ao dia 28 decorre
Musica: dias 15 e 16 -
Música: dia 29 às 21h30 -
Instrumentos Tradicionais:
concurso de vídeo na
Master Class em Trompa de
Concerto Dixie Gringos Jazz
Gaita-de-Beiços no Palácio
Agência INATEL
Harmonia e Trompete, no
Band no Auditório Municipal
Barrocal em Évora
Conservatório Regional do
de Penela.
Baixo Alentejo, em Beja.
Escola: estão abertas
Workshop: dias 21, 22, 29 e
inscrições para aulas de
30 - Encenação e Formação de
música diurnas e nocturnas,
Formação: dia 29 e 30 -
decorre curso de Bordados
Actores em Vila Nova de São
na Agência Inatel.
Laboratório "Dos Materiais à
Tradicionais na Agência
Bento, em Serpa, inscrições
Construção do Espectáculo"
Inatel.
na Agência Inatel em Beja
no Paço da Cultura, Guarda
PORTALEGRE GUARDA Curso: Até Dezembro
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O Tempo e as palavras M a r i a A l i c e Vi l a Fa b i ã o
Para um jovem que não queria ser apócrifo […] Numa rua encontramos o sorriso de um desconhecido / e logo nos sentamos numa pedra para vermos / as marcas deixadas sobre a erva, / e também o teu rosto que na penumbra fica à espera, / amigo, irmão, da palavra que nos salve. Porfírio Mamani Macedo, in: “La Palabra”, Paris, 2004. Trad.: MAVF
C
aminhamos, no entardecer, em sentidos opostos, ao encontro um do outro: ele, apressado, como quem tem a certeza de que algo de importante, ou alguém, o aguarda no final do percurso; eu, lenta, como que evitando inconscientemente chegar onde quer que seja, na certeza de que nada, nem ninguém, lá estará a aguardar-me. Olhos postos nas pedrinhas polidas do passeio estreito, avança, aparentemente absorto em dirimir um qualquer conflito interior, que se reflecte na forma como, ritmadamente, vai batendo com um jornal, ou papel enrolado, na perna direita da calça. Sem outro centro de interesse na breve rua deserta, distraio-me a calcular qual será o ponto de intersecção dos nossos percursos, tendo em conta a diferença das respectivas velocidades. E lá chegados: quem descerá do passeio, para dar passagem ao outro? Ele, jovem e cavalheiro (?), ou eu, para quem descer os quinze centímetros do passeio constitui um desporto radical? De súbito, ei-lo, estacado na minha frente, a mão direita suspensa a meio desenhar de um gesto. Nos olhos que, com a expressividade dos olhos de um crocodilo adormecido, mergulham directos nos meus não há sinal de reconhecimento. Não estou preparada para lutar pela prioridade. O meu pé direito já paira sobre o abismo do passeio quando, abruptamente, pergunta: - Oiça lá: o que é que quer dizer mesmo “apocrífo”? Pronuncia “apocrífo”, em vez de “apócrifo”. Paralisada pela surpresa, sinto o cérebro debitar perguntas e respostas à mesma velocidade, e quase com o mesmo ruído, com que as máquinas do Casino entregam o jackpot: Conheço-o? Não! Respondo? Melhor não! Nem a longa vida, nem longos estudos me prepararam para o insólito da situação. A resposta demora demasiado para a sua impaciência. - Ora! Também não sabe! Eu digo ao “gajo” quem é o “apocrífo”! Contorna-me pelo lado de fora do passeio, e prossegue o seu caminho. À sombra protectora dos livros, respondo. Ler-me-á?
Não creio. Mesmo assim, respondo. Etimologicamente, o termo apócrifo tem a sua origem no adjectivo grego apokryphos, “oculto”, através do latim tardio apocriphus, com o sentido de “secreto e não canónico”. Usado inicialmente como termo do léxico eclesiástico, sob a forma do plural neutro apocripha, referia-se então a livros da Sagrada Escritura que, por demasiado preciosos, ou por menos bons, heréticos ou de autenticidade duvidosa, eram mantidos ocultos e apenas acessíveis a um círculo esotérico de crentes. No século V, S. Jerónimo restringe o campo semântico de Apocripha, com que passa a designar apenas certos livros que, não obstante se encontrarem incluídos na Septuaginta (primeira tradução para grego do Antigo Testamento hebraico, efectuada por setenta rabinos, donde a sua designação), não figuravam no texto original, e que, por falsos, o santo tradutor, meu colega e padroeiro, elimina da sua tradução da Bíblia para latim. Aceite igualmente (1520) pelo teólogo alemão protestante Karlstadt a designação de Apocripha para esses livros, Martinho Lutero também não os inclui no Antigo Testamento da sua versão alemã da Bíblia (1534), mas reúne-os num suplemento, sob o título; “Apocripha; isto é, livros que, muito embora não considerados iguais à Sagrada Escritura, são úteis e é bom ler”. No Concílio de Trento (1545-63), a Igreja católica, que sempre considerou esses textos autênticos, dá ao conjunto dos ex-Apocripha a designação oficial de “Deuteronómio”, “Segunda lei, com igual autoridade”. Ultrapassando as fronteiras do léxico eclesiástico, apócrifo entrou no léxico nacional comum, sem nada ter perdido da sua original conotação negativa. Apócrifo é agora: o que não é autêntico ou cuja autenticidade não foi provada; cuja autoria não é conhecida ou é incerta; que não é do autor a que se atribui; espúrio, duvidoso, suspeito, falso. Razão tinha, de facto, o jovem que não queria ser apócrifo. Da propriedade ou não propriedade do agravo… só a ele cabe julgar. n OUT 2011 |
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Os contos do
Palavra puxa palavra
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egressando da varanda para a sala, Tomás trazia o nariz franzido. - Acho que vai chover - disse. Ocupada na leitura de uma revista especializada em amores e desamores de celebridades, Márcia ripostou sem levantar os olhos: -Então não chove. Tu nunca acertas. Ele não respondeu, logo, logo. Deu quatro passadas e foi interessar-se pelo periquito a debicar na gaiola. Depois é que voltou à conversa: - Não acerto, em quê? - Em coisa nenhuma. - Mas não me interrompas, deixa-me ler em paz. - Em coisa nenhuma? - Sem que o pretendesse, o tom de voz revelou irritação. - Estás a chamar-me estúpido? - Tu é que disseste. - E é assim que me consideras, Márcia? Um estúpido? Vá explica-te. Subitamente exasperada ela atirou a revista para o tampo da mesinha da sala, derrubando a jarra onde se expunham três rosas de plástico. - Vês? Por tua causa. Não há pachorra, uma pessoa quer sossego e vens tu com conversas de parvo. - Agora sou parvo? Bolas, só disse que vai chover. - Portanto, não chove, acho eu. A mania que tu tens de perceber de tudo, até de meteorologia. -Essa é boa. Basta olhar para a escuridão das nuvens. Até tu compreenderias isso. -Até eu? - Até tu. - Queres dizer que sou atrasada mental? - Se ouviste isso foi da tua boca. - Tentou um sorriso apaziguador mas veio acompanhado por palavras ríspidas: -Aposto que vai chover. Ela levantou-se do sofá e disparou na direcção da cozinha. Não sem replicar, esganiçada: - Em que apostava era que não existia à face da terra outro homem tão chato como tu. Saíste á mãe. O rosto de Tomás crispou-se: - Á mãe? Que estás a insinuar acerca da minha mãe? Retrocedendo no trajecto, Márcia espetou no ar um dedo indicador e disparou: - Eu não insinuo, falo claro. Logo me havia de calhar a sogra mais embirrante que já se viu. 72
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- Cuidado - disse ele com ira na voz. - Não te admito ofensas à minha mãe. - Não admites? Mas quem és tu para admitires ou deixares de admitir? A tua mãe é uma melga insuportável e ponto final. Por uns segundos, ele permaneceu em silêncio, como se quisesse parar com o vento. Não conseguiu: - Olha, Márcia, a educação impede-me de dizer o que penso sobre o teu pai, a tua mãe e a tua irmã. - O quê? Que tens tu a dizer da minha família? - Os olhos faiscavam e elevou a voz: -Vá, desembucha, concretiza. Sim, tu é que és especialista em insinuações, como todos os cobardes. - Alto lá e dobra a língua. Cobarde, eu? Márcia, não confundas cobardia com tolerância e delicadeza. - Tolerância? Delicadeza? Não me faças rir! - retrucou ela, rindo-se. - Exactamente - persistiu Tomás e as palavras soavam secas como golpes de chicote. Só por tolerância e delicadeza não digo que o teu pai é um bêbado trafulha, a tua mãe uma intriguista perversa, e a maninha… enfim, estamos conversados. - Ai não estamos, não! Conclui, que tens tu a dizer da minha irmã? Recusando o desafio, ele reaproximou-se da gaiola e disse: - Vou libertar esta pobre ave, detesto ter um prisioneiro na minha casa. - Esboçou o gesto de soltar o periquito e para ele falou em tom cúmplice: - Podes cantar amigo, mal passe a chuvada que vem aí e podes bater as asas. - Não te atrevas - gritou Márcia. - O periquito é meu. Oferta da minha irmã. - Cá vem outra vez a irmã…- Sussurrou Tomás subindo os ombros. - Incomodo-te? O que tens a dizer da Olga? - Nada, nada. - Mas tenho eu - encrespou-se Márcia. - Bem vejo os olhos libidinosos que lhe deitas… - Libidinosos? Eh lá! - Sim, a gula com que lhe espreitas os decotes e como te babas ao observar as pernas dela. Julgas que sou cega? Por tua vontade já lhe tinhas saltado em cima e eu bem sei quando essa tara começou. - Tara? E começou o quê? Endoideceste? Meu Deus! ANDRÉ LETRIA
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Agora vens tu insinuar que ando derretido pela Olga? - Qual insinuar qual carapuça! E sabes quando começaste a vê-la com olhos de cobiça? Sabes, claro que sabes. - Não sei e nada é claro excepto de que precisas de assistência. Um psicólogo, um psiquiatra, um bruxo, sei lá. - Cala-te, Tomás, eu percebo tudo. E tive culpa. Fui eu que te convenci a irmos ao cinema e deixarmos a Olga e o namorado cá em casa, à vontade. - Namorado? Qual deles? - O que ela tinha na altura e parecia ser coisa séria. A partir daí, tu passaste a mirá-la de modo diferente. Ui, quando foste vistoriar a nossa cama e soubeste que eles se tinham lá deitado, a Olga deixou de ser a cunhadinha juvenil e tornou-se a mulher com quem desejarias atraiçoar-me. Confessa, Tomás, confessa! Márcia anda às voltas em torno da mesa de jantar, Tomás sentou-se e tem os braços levantados como num protesto ou súplica de ajuda divina. - Confesso que estou assustado - disse ele. - Tudo o que dizes é uma fantasia delirante. Bom, se eu não tivesse melhor cabeça, há muito terias ouvido umas verdades. - Verdades? Da tua boca? - Sim, verdades, factos. Por exemplo: não acho muito decente a forma como te enganchas no Guilherme. - Enganchas? Abraço-o, simplesmente, é o teu maior
amigo! - Pois, e também a Olga é a minha querida cunhada. Márcia tem as duas mãos espalmadas nas faces quando diz: - Calma, calma, Tomás, isto agora tem de ficar bem esclarecido. Pensas, realmente, que existe alguma indecência na minha relação com o Guilherme? - Em princípio, não. - Em princípio?! - Pois, que eu tenha visto, o máximo foi sentares-te no colo dele. - Numa brincadeira! Com o à vontade e a confiança que temos os três! Eu é que te apanhei a apalpar as coxas da Olga, ouviste agora? - O quê? Isso? Foi com o à-vontade e a confiança que tínhamos os três. Nunca esperei ser mal interpretado. Novo silêncio, desta vez mais prolongado, até Márcia atirar a pedra maior: - Acabou. - Tens razão - disse Guilherme. - Esta conversa já cansa. Ela tem os dedos entrelaçados e aspira pelas narinas dilatadas todo o ar possível, antes da explicação definitiva: - Acabou tudo, já não te suporto. Quero-te fora da minha vida. Tomás perplexo: -Falas a sério? - Totalmente. E já hoje, se fazes o favor. O homem gesticula antes de abrir a boca, ela pensou que se seguiria um protesto ou um apelo à reconciliação, mas o que ouviu foi: - Obrigado, Márcia, nem imaginas quanto te agradeço. Fiquei a saber que estavas farta de mim e percebeste como me era penosa a tua companhia. Que beleza, esta mútua libertação! Aí vou eu. Dirige-se para o quarto em passo de corrida, não tarda até reaparecer com duas malas e gabardina pendurada no ombro. - Adeus, Márcia. - Passa bem. Não é tudo. Tomás detém-se na porta da sala onde se destaca a gaiola, abre-a, retira o periquito com todos os cuidados e vai lançá-lo pela janela. Murmura: - Segue, amigo, hoje é o nosso dia. Na rua, carregando as malas, não resiste a um sorriso triunfal: - Eu tinha razão. Está a chover. n OUT 2011 |
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Crónica
Woody Allen filma em Lisboa António Costa Santos
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iz que Woody Allen, o realizador americano mais amado na Europa que nos Estados Unidos, o grande autor de Manhattan, depois de filmar uma declaração de amor à cidade de Paris, a sua última película, estreada em Cannes, vai rodar o seu próximo filme em Lisboa. A notícia ainda não está confirmada, mas é quase certa. Eu, pelo menos, já o convidei e conto que me responda em breve. Mandei-lhe ontem uma mensagem pelo Facebook, com umas ideias para uma comédia romântica, ou um musical (ele adora musicais e já não faz um há muitos anos), e agora, é esperar. Posso entretanto adiantar que o novo filme de Woody Allen vai contar a história de um camone saxofonista, músico de jazz, que vem tocar ao festival do Estoril. Lá toca e, no dia seguinte, antes de regressar aos States, vão-lhe mostrar a Torre de Belém, o Museu do Azulejo, a Baixa, o Chiado e tal (o cicerone pode ser José Hermano Saraiva, que iria contando umas histórias, a propósito dos locais), até que entra na Ginjinha do Rossio, para provar um copinho. Está a bebê-lo, com elas, quando leva um encontrão de um guarda-freio dos famosos eléctricos alfacinhas (uma fita em Lisboa não é fita sem os amarelos) e entorna o xarope sobre o decote generoso de uma fadista (Mariza está um pouco magra para o papel, mas isso não será problema, com certeza). O homem da Carris (talvez Diogo Infante, de boné, porque fala bem inglês) pede desculpa ao saxofonista americano e, num gesto hospitaleiro, oferece-lhe um pré-comprado para ele fazer uma viagem grátis no 28 e ver a Sé, os Prazeres, o Limoeiro, etc. Entretanto, o músico tenta limpar os estragos causados na blusa da fadista e apaixonam-se. No dia seguinte, o da partida, fazem juntos o percurso do eléctrico, com ela sempre a cantar Um Homem na Cidade, mais uns diálogos que o Woody escreverá com uma perna às costas, e o músico esquecese do instrumento no eléctrico, mas só dá por isso já no aeroporto, quando está a despedir-se do seu
grande amor, que disfarça a dor, cantando mais um bocadinho. Portanto, tem de cá ficar mais um dia e ir aos perdidos e achados da Carris, ali aos Olivais, onde é muito bem recebido, recupera o saxofone e ainda leva de brinde um molho de chaves e um chapéu-de-chuva, embora seja Verão. Vai estreá-lo aos vulcões de água do Parque das Nações e fica tão encantado com a vista sobre o Tejo e o centro comercial Vasco da Gama (um dos possíveis patrocinadores) que resolve ficar a viver em Portugal com a fadista, a qual fica radiante e canta os Caracóis, são caracolitos. O filme pode acabar com ele a tocar saxofone na banda residente do talk-show de Bruno Nogueira (não falei com o Bruno, mas não se deve importar), que nesse dia entrevista em americano a linda Daniela Ruah. Ficha técnica a preto e branco, sobre música de Bernardo Sassetti (o Woody gosta de umas swingadas nos genéricos) e está feito. Agora aguardo a resposta, sem grande ansiedade, ciente de que um tipo tão produtivo deve ir pouco ao seu mural. Ser habitué do Facebook exige algum tempo livre e o Woody para criar tanto quanto cria não deve passar lá horas a ler apelos para adoptar animaizinhos, citações de Oscar Wilde (e de Woody Allen, já agora), nem a ver fotografias das férias em Marrocos da família Sousa, ou do limoeiro que a Conceição tinha em casa dos pais (o leitor não conhece a Conceição? Peça-lhe que o adicione como amigo e vai ver como são bonitos os seus limões). Portanto, espero serenamente que o realizador me peça pormenores, para começar a tratar da logística, falar com a Carris para emprestar um eléctrico, com a Ginjinha do Rossio para fornecer uma garrafa, com o Teatro nacional para ceder o Diogo Infante, etc. Não ponho sequer a hipótese de Woody Allen não aceitar a ideia. Nos últimos filmes foi de Londres para Barcelona, de Barcelona para Paris, porque não viria agora rodar uma fita na nossa capital, uma cidade tão boa para fitas? O único problema que vejo é mesmo ele querer que Maria Cavaco Silva faça uma perninha no filme. No Meia Noite em Paris, aparece a Carla Bruni... Mas tudo se conversa. Pensar positivo, vá. n
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