Tempo livre Maio 2012

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N.º 237 Maio 2012 Mensal 2,00 €

TempoLivre www.inatel.pt

Todos os caminhos vão dar a

Londres

Entrevista Mário Coluna Terra Nossa Covilhã Percursos Guimarães


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Sumário

Na capa Foto: Sousa Ribeiro

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CARTAS E COLUNA DO PROVEDOR

VIAGENS

Londres, um ano especial Um ano muito especial para a capital do império, com a organização dos Jogos Olímpicos, a abertura do Parque de Atracções "Making of Harry Potter", o Jubileu da Rainha Elisabeth II e a comemoração do bicentenário do nascimento do escritor Charles Dickens…Uma viagem possível nos programas Inatel 2012.

20 EDITORIAL

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NOTÍCIAS CONCURSO DE FOTOGRAFIA

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50 52 54 79 80 82

PAIXÕES

Campeões de Taekwondo, tal mãe tal filho

MEMÓRIA

Ribeirinho OLHO VIVO A CASA NA ÁRVORE O TEMPO E AS PALAVRAS

ENTREVISTA

Mário Coluna Lenda viva do futebol português, Mário Coluna (Inhaca- Moçambique, 1935), evocou, em Maputo, para a TL, histórias da sua gloriosa carreira de bicampeão europeu, capitão do Benfica e da Selecção Nacional. Foi considerado pela FIFA um dos melhores cem jogadores de futebol do século XX.

26 TERRA NOSSA

Covilhã: dos Lanifícios à Universidade A cidade serrana começou por afirmar-se como pólo industrial dos lanifícios evoluindo, nas últimas décadas, para cidade de saber e de estudantes. Da fase industrial, que durou séculos, subsistem espaços museológicos. A segunda vai fazendo o seu caminho.

Maria Alice Vila Fabião

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OS CONTOS

PERCURSOS

DO ZAMBUJAL

Guimarães A Capital Europeia da Cultura merece bem uma visita em 2012 e a Inatel tem viagens programadas durante todo o ano

CRÓNICA António Costa Santos

36 DIÁSPORA

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BOA VIDA CLUBE TEMPO LIVRE

Passatempos, Cartaz e Novos livros

Pataniscas em Swiss Cottage Sílvia Luís-Gomes deixou Castelo Branco rumo a Londres à procura de melhor vida e os seus bons petiscos são já famosos na capital de Sua Majestade.

Revista Mensal e-mail: tl@inatel.pt | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Vítor Ramalho Vice-Presidente: Carlos Mamede Vogais: Cristina Baptista, José Moreira Marques e Rogério Fernandes Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Director: Vítor Ramalho Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho Colaboradores: António Costa Santos, António Sérgio Azenha, Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Lurdes Féria, Manuela Garcia, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria Mesquita, Pedro Barrocas, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, Vítor Ribeiro. Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Fernando Dacosta, Joaquim Letria, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Publicidade: Direcção de Marketing (DMRI) Telef. 210027189; Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA - Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Casal de Sta. Leopoldina, 2730-053 Barcarena, Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 140.191 exemplares


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Editorial

V í t o r Ra m a l h o

Resultados positivos

M

ário Coluna, capitão durante longos anos da gloriosa equipa de futebol do Benfica, onde quase todos os jogadores que então a integravam eram figuras de primeiro plano do desporto-rei, não poderia deixar de merecer a curiosidade da "Tempo Livre". Daí que mereça - e justamente - ser neste número a personalidade que é objecto da grande entrevista. Mário Coluna merece-o a vários títulos. Pelo excelente jogador de futebol profissional que foi, capitaneado uma equipa de excelência. Pelo carácter com que marcou a sua relação com colegas e adversários. Pela humildade com que, no palco das honrarias e fora dele soube sempre estar à altura do cidadão exemplar que foi e é. E é pelo exemplo que representa que o trazemos a este número, consciente que neste mundo carente de valores, Mário Coluna é uma referência com quem todos os desportistas, profissionais e amadores se devem rever. É ainda uma forma de revisitarmos a nossa memória colectiva, um pouco à semelhança da evocação de uma outra figura exemplar do espectáculo, Ribeirinho, já desaparecido do nosso convívio, e cujo talento e personalidade, também neste número, quisemos registar. A Inatel, como instituição representativa do povo português que é, não se pode dissociar dos seus grandes objectivos que integram o desporto e as actividades culturais. Estes dois nomes - Mário Coluna e Ribeirinho - são incontornáveis nestes domínios. Falar deles é, de alguma forma, falarmos da enorme dimensão da diáspora lusa, bem representada também numa nossa compatriota que, em Londres, num simples espaço de um grande mercado popular faz jus a qualidade da gastronomia

portuguesa, onde sobressaem as célebres pataniscas de bacalhau. Londres, cidade multissecular e multicultural é hoje - e também merecidamente referência da capa da nossa revista por ser - e bem - um dos destinos de Verão dos percursos internacionais do turismo da Inatel. Falar de Portugal e dos portugueses é sempre um grande e aliciante desafio. Desafio que se iniciou na cidade berço, Guimarães, referida apropriadamente neste número, tal como a bonita cidade da Covilhã, cujos beneficiários ao visitarem-nas não devem deixar de se alojar nas nossas unidades em Cerveira - esta a ser inaugurada no final deste mês de Maio - e em Manteigas, aproveitando neste caso a nova piscina termal, recentemente inaugurada.

F

iéis aos objectivos prosseguidos pela Fundação e como pode ser visto também neste número concebemos a prossecução do Programa "Sempre em Férias" em novos moldes, adequando a períodos mínimos de tempo de quinze dias a permanência nas unidades que integram a oferta do programa. Por fim e em resultado do cumprimento de obrigações estatutárias o Conselho de Administração aprovou, numa das últimas reuniões, o Relatório e as Contas de 2011 da Fundação Inatel, como também noutro local da revista se refere mais desenvolvidamente. Cumpre aqui registar que, apesar da crise e dos avultados investimentos que foram realizados, os resultados do exercício foram os mais positivos dos últimos anos, facto que se fica a dever ao esforço conjunto de todos e à preferência dos beneficiários pela Fundação Inatel. n

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Cartas A correspondência para estas secções deve ser enviada para a Redacção de “Tempo Livre”, Calçada de Sant’Ana, nº. 180, 1169-062 Lisboa, ou por e-mail: tl@inatel.pt

Inscrições Tentei fazer o meu registo de Associado individual no site da Inatel e, tendo todos os dados preenchidos apareceu a mensagem "Documento de identificação inválido. Por favor verifique os dados introduzidos.". Seja com BI, Cartão de Cidadão e até Passaporte, com os dados, claro, correctos, a mensagem foi sempre a mesma. Gostaria de reportar este erro para que possa ser corrigido a tempo de me poder inscrever na Inatel e aproveitar a promoção de oferta da taxa de inscrição. Gonçalo V. Martins, por e-mail

Concurso de Fotografia - Abril/2012 Rectificação: Na edição nº 236, de Abril último, na identificação das fotografias premiadas, onde consta nº 1 deverá ler-se nº 2 e vice-versa. Lamentamos o lapso.

50 anos na INATEL Completaram, este mês, 50 anos de ligação à Fundação Inatel os associados: Angelo Alberto Ferreira e Hélio Brás, de Carcavelos; Aníbal Costa, de Barreiro; Rui Vasco Lopes, de Queluz.

Coluna do Provedor

Kalidás Barreto provedor@inatel.pt

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NO MEIO DE VÁRIAS reclamações de associados, que os serviços procuram corrigir, o Gabinete do Provedor do Associado não pode deixar de assinalar a satisfação com que é recebida pelos utentes, a informação dos prémios que foram atribuídos à Fundação INATEL no desempenho das suas funções. Os prémios que reconhecem os bons resultados obtidos na gestão de segurança alimentar pressupõem dois níveis de certificação: - Certificado Ouro que representa 80% ou mais de conformidade; - Certificado Prata que representa 70% ou mais de conformidade; Actualmente, em Portugal, existem apenas 13 unidades com certificado Ouro atribuído pela Lusocristal, dos quais cinco pertencem a unidades hoteleiras da Fundação Inatel. "O Conselho de Administração entende que este é mais um contributo para o reforço da cre-

dibilização da Fundação INATEL e das suas Unidades Hoteleiras no mercado, razão pela qual se felicitam todos os trabalhadores envolvidos que em muito contribuíram para tais distinções." Num período em que Portugal e o resto da Europa atravessam uma crise de grandes proporções, é agradável esta informação. Primeiro, porque reflecte o profissionalismo na nossa organização, depois, porque os desabafos dos nossos associados vem dizendo que é diferente, é família! E porque há uma ligação muito forte aos trabalhadores, é bom recordar que foi no estádio 1º de Maio da INATEL que se celebrou o 25 de Abril de 1974! O estádio a cujo novo relvado - sintético - a FIFA acaba de atribuir duas estrelas, a pontuação máxima, possibilitando a prática de provas internacionais.n


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Notícias Inatel Social

“Sempre em férias” 15 dias de prazer e bem-estar Invista na saúde e no bem-estar e venha conhecer a nova modalidade do "Sempre em Férias", já disponível, com interessantes e atrativas estadias com duração de quinze dias. l Se tem mais de 55 anos, saiba que a partir de 550 euros poderá usufruir sozinho, com o cônjuge e/ou acompanhado, por exemplo de um neto, do programa "Sempre em Férias" e desfrutar de um interessante leque de atividades concebidas a pensar no seu bem-estar e que incluem tratamento de roupa, assistência médica em caso de necessidade, jantares temáticos, bailes, música ao vivo e passeios que prometem fazer esquecer as preocupações com um salutar convívio.

Convívio e animação O programa "Sempre em Férias" permite, na sua génese, a

permanência de cidadãos portugueses com idade superior a 55 anos, por um período de três meses, em cada unidade hoteleira selecionadas para o efeito, dando a possibilidade de, sem interrupção, poder transitar para outra unidade assinalada pela Fundação. Até junho do corrente ano, a Inatel Foz do Arelho acolhe, com a beleza da lagoa de Óbidos e a reconfortante paisagem do oeste, interessados em estadias prolongadas ou, em novos pacotes de quinze dias, prorrogáveis por períodos de igual duração até completar o trimestre previsto naquela unidade. Entre junho e setembro, a Inatel Manteigas e a

belíssima paisagem serrana com os encantos beirões abraçam o programa que segue, no último trimestre do ano, rumo à terra das Fogaças, em Santa Maria da Feira, local para desfrutar a região entre o Douro e o Vouga. Em qualquer das opções, um animador especializado acompanha os participantes e assegura a eficiência das atividades previstas que vão, recorde-se, desde as lúdicas às visitas para apreciar a beleza arquitetónica e paisagística das zonas envolventes, sem esquecer os bailes e outras iniciativas que contribuem para a boa condição física e elevação do ânimo dos participantes. Desde o seu lançamento em junho do ano transato, beneficiaram do programa uma média/mensal de cerca de quarenta seniores que passaram por: Inatel Luso, Albufeira e Castelo de Vide. Presentemente a Inatel Foz do Arelho acolhe todos os que queiram, até junho, apreciar a gastronomia e os encantos do oeste.

Combater a solidão "Vivia sozinho em Santa Marta de Penaguião e aqui encontrei muitos companheiros para conversar e passar bons momentos", recorda David Carvalho que já passou por Albufeira e Castelo de Vide e segue rumo à Foz do Arelho. "A minha família está em França e como sabe 8

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que estou acompanhado fica mais tranquila", confidencia o sexagenário. Também Deolinda Ribeiro, de 79 anos, soma com o marido nove meses de Sempre em Férias. "Por motivos de saúde estou impossibilitada de fazer trabalhos domésticos e a Inatel oferece uma alternativa para o meu caso, ajudando-me a ter uma vida melhor e mais autónoma", sublinha a aveirense que já está inscrita para a próxima aventura. Mas, se entre os participantes há quem acompanhe a iniciativa desde o seu lançamento em junho de 2011, outras pessoas que não tendo disponibilidade para ausências da residência tão prolongadas optam por pacotes mais curtos, com duração de quinze dias ou mesmo de um mês. " Estive 15 dias em Albufeira e por motivos pessoais

tive de regressar a Viana, agora, vou passar nova quinzena à Foz", acrescenta com alegria José Santos, de 59 anos, um amante da natureza que procura gozar de forma descontraída a sua aposentação. Os interessados poderão inscrever-se nas agências Inatel, situadas em todas as capitais de distrito do país, devendo fazer prova dos seus rendimentos através da declaração de IRS. Para a modalidade de quinze dias o valor a pagar varia entre os 550 euros (associado) e os 600 euros (não associado) em caso de rendimento mensal até 1300 euros. Para rendimentos superiores a 1300 euros, o montante a pagar é de 600 euros para associado Inatel ou 700 euros para não filiados na Fundação.n Glória Lambelho (texto) Inatel social (fotos) MAIO 2012 |

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Notícias

Relatório e as contas 2012 l Já aprovado pelo Conselho de Administração, o Relatório de Actividades e Contas de 2011 da Inatel vai ser remetido, após parecer do Conselho Fiscal, para homologação ao Senhor Ministro da Solidariedade e da Segurança Social. Em informação dada aos trabalhadores, o CA sublinha o facto de os resultados do exercício de 2011 terem sido positivos em € 1.179.682,40 (um milhão, cento e setenta e nove mil, seiscentos e oitenta e dois euros e

quarenta cêntimos) para uma receita global de 61,5 milhões de euros e uma despesa de 60,3 milhões de euros. Estes resultados - acrescenta o CA invertem pela primeira vez os resultados negativos existentes desde a transformação do ex-Inatel IP em Fundação e que foram, à data da tomada de posse do Conselho de Administração, negativos em 3,855 milhões, o que significa ainda a existência de um défice acumulado

Obras em Porto Santo e Cerveira

por efeito dos exercícios anteriores. O CA assinala, na mesma nota, que a inversão de tais resultados se deve quer à dedicação de todos os trabalhadores quer a efeitos extra operacionais, designadamente os protocolos estabelecidos com entidades terceiras, com rendimentos financeiros acompanhados de contenção geral de custos e não das actividades operacionais propriamente ditas prosseguidas pela Fundação.

Coimbra condecora João Fernandes l

A Câmara Municipal de

Coimbra atribuiu a Medalha de Mérito Cultural - grau Ouro a João Fernandes, delegado distrital da Fundação Inatel A proposta, avançada pela vereadora da Cultura e vicepresidente do município, Maria José Azevedo Santos, homenageia João Fernandes, 80 anos, natural de Coimbra, onde nasceu e onde trabalhou, mais de quatro décadas, numa farmácia local, travando conhecimento com meia cidade e uma sólida e fraterna amizade com figuras destacadas da cidade.

No âmbito dos trabalhos de requalificação das unidades hoteleiras e de outros espaços sociais da Fundação, a Inatel Cerveira reabre ainda durante o corrente mês com significativos melhoramentos tanto a nível exterior como nos quartos e noutras zonas interiores. Também a Inatel Porto Santo sofreu importantes obras de beneficiação nos quartos e espaços de lazer e convívio. 10

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TV Corporativa INATEL l Ao entrar nas unidades INATEL poderá agora desfrutar do novo canal corporativo, criado para dar a conhecer todas as actividades que a INATEL realiza e apoia de norte a sul do país. As unidades de Albufeira, Caparica, Foz do Arelho, Oeiras, Linhares, Piódão, Vila Ruiva, Castelo de Vide, Santa Maria da Feira, Entreos-rios, Luso, Manteigas e S. Pedro do Sul, bem como a sede em Lisboa já contam com este sistema. Nas unidades do Porto Santo, Flores e Cerveira, a solução será instalada nas recepções dentro dos próximos meses. Ainda ao longo dos próximos seis meses, será instalado o novo sistema de televisão Meo em todas as

unidades hoteleiras e serão iniciadas as emissões do canal INATEL em todos os quartos. A grelha de programação incluirá vários filmes nomeadamente "Fundação INATEL - uma história com futuro" um documentário de Cesário Borga e Fernanda Bizarro; "Sinfonia Imaterial", um registo das práticas musicais de tradição oral portuguesa e "Cinema de Bairro", um documentário realizado por jovens moradores de bairros sociais. Serão também exibidos filmes sobre os programas "Sempre em férias" e "Turismo Júnior", bem como as visitas que poderá usufruir quando visitar o

Piódão, o Porto Santo e a Costa da Caparica. No seguimento da remodelação das agências INATEL de Vila Real, Aveiro, Santarém e Setúbal, as montras dispõem agora de LCDs onde poderá ver todas as nossas ofertas e actividades. Está igualmente prevista a instalação deste sistema no foyer do Teatro da Trindade.


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Notícias

Ténis de Mesa em Fajã de Cima l O Colégio de São Francisco, na ilha de S. Miguel, acolheu, de 2 a 4 de Abril, um torneio de ténis de

mesa no âmbito das comemorações do 466º aniversário da cidade de Ponta Delgada, com o apoio da ANIMA - CULTURA. Participaram quinze atletas, doze dos quais em representação da Fundação Inatel. Venceu a final disputada em regime de poule, o atleta Marlon Silva, tendo-se classificado nos lugares seguintes, da 2ª à 6ª posição, António Medeiros, Celso Teixeira, Jaime Ferreira, Ruben Martins e Pedro Sousa, respetivamente.

Inatel lança manuais de teatro l

Em homenagem ao Teatro e para

assinalar o seu dia mundial, a Fundação Inatel apresentou no salão nobre do Trindade, quatro obras relacionadas com a actividade teatral. A saber: "Manual de Produção" e "Manual de Dramaturgia", de Carlos Cabral; "Manual de Figurinos de Teatro", de Ruy de Matos; e "Manual de Equipamentos e Materiais de Espectáculo", de Alberto Villar. Presente na cerimónia, Cristina Baptista, administradora da Fundação, realçou o contributo e o apoio que as obras poderão dar ao movimento associativo. Os livros


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“Como Formar Equipas de Elevado Desempenho” A FNAC Colombo foi palco, em Abril, do lançamento do livro "Como Formar Equipas de Elevado Desempenho", de Rui Lança, quadro do Departamento de Desporto da Inatel. A obra foi apresentada por Pedro Guerreiro, director do Jornal de Negócios, que focou a importância das ferramentas relacionadas com a gestão de pessoas e equipas para ultrapassar as crises económicas e sociais que o País passa e enfrentará num futuro próximo. O livro conta com a participação de presidentes e directores de empresas como a l

integram a Colecção Teatro da Inatel e podem ser adquiridos no Centro de Documentação na sede da Fundação. Mais informações em www.inatel.pt.

Delta, Accenture, Deloitte, Fundação Calouste Gulbenkian, Carris, TSF, a Maestrina Joana Carneiro e diversos treinadores das Selecções Nacionais como Paulo Bento.


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Notícias

Homenagem a Maria Archer l Por iniciativa da Associação Mulher Migrante, em parceria com a Inatel, a autarquia de Espinho e a Fundação Professor Fernando de Pádua teve lugar no Teatro da Trindade uma evocação-homenagem de Maria Archer (1899/1982), jornalista, escritora e opositora ao regime do Estado Novo, que viveu muitos anos no exílio no Brasil. Assinalando o 30º aniversário da sua morte, o evento juntou numerosos amigos, admiradores e familiares de Maria Archer, autora de mais de três dezenas de obras, nomeadamente sobre temas sociais e questões da condição feminina. A iniciativa visou fazer o

reconhecimento da importância de Maria Archer no século XX português e perspetivar a sua figura no mundo contemporâneo. Simultaneamente, foi inaugurada a exposição "Rostos Femininos da República", da responsabilidade do Museu Municipal de Espinho. Dina Botelho, professora e autora de estudos sobre a obra da escritora, lembrou que Maria Archer "foi das poucas mulheres do seu tempo a ter como profissão o jornalismo e a escrita, o que não era fácil na época".

Fernando Pádua, sobrinho da escritora, resumiu o pensamento da tia numa frase que lhe recorda: "eu sou uma mulher igual a eles". Mário Soares e a presidente da Fundação Pro Dignitate, Maria Barroso, lembraram a homenageada como alguém que "batalhou extraordinariamente pelos direitos das mulheres e chegou a sofrer politicamente por causa disso". E deixaram um elogio à Associação Mulher Migrante, por "iluminar as figuras das mulheres, que são normalmente esquecidas".


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"Acerto de Contas" l

"Acerto de Contas" (Âncora Editora) de António

de Sousa Duarte, apresentado em Abril, no Corte Inglês, por Proença de Carvalho, narra pequenas

Mistérios da Semana Santa em Idanha l

histórias, sobre vinte e quatro portugueses que o antigo profissional da Lusa e "24

O Museu Nacional de Arqueologia foi palco da apresentação

Horas" conheceu na sua vivência

do livro "Mistérios da Semana Santa em Idanha", de autoria de

quotidiana de jornalista e de cidadão

António Catana e Hélder Ferreira, com prefácio de D. Manuel

empenhado. Costa Gomes, Álvaro

Clemente. Manuel Vilas Boas (TSF) apresentou e moderou a

Cunhal, Carlos Beato, Ramalho

Mesa onde, para além dos autores, estavam o presidente da

Eanes, Salgueiro Maia, Vasco

Câmara Municipal de Idanha-a-Nova, Álvaro Cachucho Rocha,

Lourenço, Franco Nogueira, Paulo

Luís Raposo (ICOM-PT e Museu Nacional de Arqueologia),

Teixeira Pinto, Manuel Maria Carrilho,

Cristina Batista (Inatel), António Realinho (Adraces) e Armindo

Artur Jorge, Carlos do Carmo, Paulo

Jacinto (vice-presidente RT Centro e Câmara Municipal de

Futre, Sá Pinto, D. Manuel Martins e

Idanha-a-Nova). A obra - recorde-se - retrata a riqueza das

D. Januário Torgal Ferreira são

encenações, de uma enorme originalidade em termos

alguns dos notáveis protagonistas que Sousa

mundiais, que se diferenciam de freguesia para freguesia,

Duarte conheceu e dos quais registou e agora

todas elas únicas e de grande beleza, apresentando-se num

divulga momentos e depoimentos que importa

ambiente não só de fé mas também com influências de rituais

conhecer.

pagãos, judaicos ou mesmo Templários.

Rastreio Cardiovascular e Diabetes tipo 2 l

Nos dias 15 e 16 de Maio, os associados INATEL poderão

usufruir gratuitamente de um Rastreio Cardiovascular e Diabetes tipo 2, que permite identificar o perfil de Risco e definir a probabilidade de desenvolver a doença coronária. Esta iniciativa resulta de um protocolo assinado com o Life Beat - Centro de Diagnóstico Avançado. Nestes dias, entre as 9h00 e as 12h00, basta dirigir-se ao Life Beat na Rua Mouzinho da Silveira, 27 (perto do Marquês de Pombal), apresentar o seu cartão de associado e fazer o seu rastreio. Para mais informações ligue 211 922 040 ou vá a www.lifebeat.pt

Clube PT no 1º de Maio l

A fase final do III Torneio Nacional de Futsal do Clube PT teve

lugar no final de Março no Parque de Jogos 1º de Maio da Inatel, em Lisboa. O torneio - que decorreu com elevado nível competitivo e fair-play - contou com a participação de seis equipas masculinas, representativas das seguintes Zonas Norte, Centro Norte, Centro Sul (2 equipas), Madeira e Açores. Sagrouse campeão a equipa "Zona Centro Sul-2". O Torneio, registe-se, teve, desde a fase inicial, a participação de 39 equipas, num total de 410 atletas. O Troféu Melhor Jogador coube a João Trancoso (ZCS-2) e o de Melhor Marcador a Marcelo Carvalho (ZCN). Guardo Redes menos batido: João Pedro Morgado (ZCS-2). Troféu Disciplina: Equipa da ZCN. As novas instalações do espaço SPOT serviram o catering do Torneio de Futsal que inaugurou, assim, aquele espaço versátil e multiusos.


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Fotografia

XVI Concurso “Tempo Livre” [1]

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[ 1 ] Agostinho Monteiro, Lisboa Sócio n.º 283151 [ 2 ] Eduardo Ribeiro, Maia Sócio n.º 103583 [ 3 ] João Vasco, Massamá Sócio n.º 434109

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Regulamento 1. Concurso Nacional de Fotografia da revista Tempo Livre. Periodicidade mensal. Podem participar todos os associados da Fundação Inatel, excluindo os seus funcionários e colaboradores da revista Tempo Livre. 2. Enviar as fotos para: Revista Tempo Livre - Concurso de Fotografia, Calçada de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa. 3. A data limite para a recepção dos trabalhos é o dia 10 de cada mês. 4. O tema é livre e cada concorrente pode enviar, mensalmente, um máximo de 3 fotografias de formato mínimo de 10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em papel, cor ou preto e branco.

Menções honrosas [ a ] Sérgio Guerra, J. João do Estoril Sócio n.º 204212 [ b ] Clara Rosário, Lisboa Sócio n.º 233162 [ c ] Carlos Amendoeira, Gulpilhares Sócio n.º 519773

[a]

5. Não são aceites diapositivos e as fotos concorrentes não serão devolvidas. 6. O concurso é limitado aos associados da Inatel. Todas as fotos devem ser assinaladas no verso com o nome do autor, morada, telefone e número de associado da Inatel.

[b]

7. A «TL» publicará, em cada mês, as seis melhores fotos (três premiadas e três menções honrosas), seleccionadas entre as enviadas no prazo previsto. 8. Não serão seleccionadas, no mesmo ano, as fotos de um concorrente premiado nesse ano 9. Prémios: cada uma das três fotos seleccionadas terá como prémio duas noites para duas pessoas numa das unidades hoteleiras da Inatel, durante a época baixa, em regime APA (alojamento e pequeno almoço). O prémio tem a validade de um ano. O premiado(a) deve contactar a redacção da «TL».

[c]

10. Grande Prémio Anual: uma viagem a escolher na Brochura Inatel Turismo Social até ao montante de 1750 Euros. A este prémio, a publicar na «TL» de Setembro de 2012, concorrem todas as fotos premiadas e publicadas nos meses em que decorre o concurso. 11. O júri será composto por dois responsáveis da revista T. Livre e por um fotógrafo de reconhecido prestígio.

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Entrevista

Mário Coluna (Inhaca - Moçambique, 1935) é uma lenda viva do futebol português. Nasceu em Moçambique e expressa-se sobre a sua carreira de uma forma que é um exemplo de simplicidade e humildade para quem foi considerado pela FIFA um dos melhores cem jogadores de futebol do século XX. Fez quase setecentos jogos pelo Benfica e 57 pela selecção nacional. O "monstro sagrado" – como o apelidavam os jornais desportivos – foi bicampeão europeu (1961 e 1962), conquistou dez títulos de campeão nacional e seis Taças de Portugal. Foi capitão da equipa portuguesa no Mundial de 1966, quando a selecção nacional chegou ao terceiro lugar. Vive actualmente em Maputo.

Mário Coluna “Corri o mundo graças ao futebol” 20

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Entrevista

Como é que o Mário Coluna entrou no mundo do futebol? Os primeiros passos foram precisamente aqui, na antiga Lourenço Marques, em 1950, no Grupo Desportivo de Lourenço Marques, que era um clube filiado no Sport Lisboa e Benfica. Eu tinha 15 anos quando comecei a jogar nos juvenis. Depois, com o tempo, os treinadores viram o meu desenvolvimento e aos 17 anos passei à equipa principal. Quando eu tinha dezanove anos veio cá o Sporting Clube de Portugal, a convite do Sporting Clube de Lourenço Marques, que era uma filial do Sporting Clube de Portugal. E um dos jogos que se realizaram foi entre uma selecção dos naturais da colónia de Moçambique e o Sporting. Era o tempo do Travassos, Jesus Correia, Vasques… os cinco violinos. Nesse jogo eu joguei contra eles e parece que joguei bem, porque no fim do jogo os dirigentes do Sporting vieram ter comigo. Estive cinco anos Marcou golos nessa partida? na tropa, o que vale é Já não me lembro, mas eles perque não havia guerra guntaram-me se não queria ir nessa altura… jogar pelo Sporting em Portugal. Eu disse-lhes que era menor e que falassem com o meu pai, porque para sair daqui eu tinha que ter autorização dele. Eu não sei se eles foram falar com ele ou não, mas o meu pai, como era um benfiquista danado, um dos sócios fundadores do Desportivo, de certeza que não deve ter aceite, porque depois nunca mais vieram ter comigo. Nós tínhamos aqui no tempo colonial um major, que era o major Catela, que estava ligado ao departamento de futebol do Benfica. Ele mandou um SOS para o Benfica a dizer: "Há aqui um jogador que está a jogar no Grupo Desportivo de Lourenço Marques, que é uma nossa filial, e o Sporting está interessado nele… Como é?" Responderam: "Metam esse miúdo no primeiro avião para aqui". O major Catela falou com o meu pai por causa da autorização e combinaram tudo… Um contrato de cento e cinquenta contos por duas épocas e um ordenado de dois contos e quinhentos… Como era para o Benfica o seu pai já disse que sim, claro…. Eu acho que sim, o meu pai não pôs obstáculos,

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era preciso uma autorização, eu era menor naquela altura… Meteram-me logo no avião… Era uma família de benfiquistas… O meu pai, pelo menos. O meu pai era sócio fundador do Desportivo de Lourenço Marques. Apanhei o avião e nessa altura não havia avião a jacto, levei quase dois dias a chegar a Portugal. Quando cheguei a Lisboa estavam à minha espera os dirigentes do Benfica e o treinador Otto Glória… E um tio meu, um irmão do meu pai. O Benfica queria levar-me para a pensão onde estavam os outros jogadores, mas o meu tio disse que não, que o sobrinho tinha casa em Lisboa, que não precisava de ir para nenhuma pensão. E calhou bem porque esses meus tios não tinham filhos e era como se eu fosse o filho deles. Fiquei hospedado em casa dos meus tios. E como foram os primeiros tempos no futebol da capital? Como eu não conhecia nada de Lisboa, nos primeiros dias dos treinos a minha tia é que me levava até aos Restauradores para apanhar o eléctrico para o Campo Grande, para o campo do Benfica. Naquele tempo era um campo pelado, mesmo por detrás do campo do Sporting, em Alvalade. Comecei a treinar, a treinar, a treinar e começamos a fazer jogos particulares aqui e ali e o Otto Glória gostou de mim. Nunca joguei na reserva. E quando aconteceu a grande estreia nos relvados portugueses? Já não me lembro quando foi, sei que nunca joguei na reserva, joguei logo no primeiro team, como interior direito, porque o avançado centro nessa altura era o José Águas. A partir daí vieram jogos das selecções B e A e fui sendo convocado… Mas não foi sempre interior direito… Interior direito, avançado centro… médio… eu não tinha um lugar fixo… O treinador via que eu estava à vontade dentro do campo… A única diferença eram as camisolas, joguei com o número 8, 9, 10… Estava nessa altura na idade do serviço militar… Sim, quando fiz 20 anos fui chamado para a tropa, Lanceiros 2, na Calçada da Ajuda. Mas tinha a facilidade de treinar, de manhã era a recruta no quartel, a instrução militar, e à tarde tinha autorização para ir treinar no Benfica. E


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assim fui crescendo… estive cinco anos na tropa, o que vale é que não havia guerra nessa altura… Qual foi o treinador com quem mais gostou de trabalhar? Gostei do Otto Glória e gostei também do Bela Guttman. Eram muito diferentes? Bem, um era brasileiro e o outro era húngaro. O Bela Guttman era mais disciplinador. Quanto a regulamentos, horários... Se faltássemos éramos multados, era muito rigoroso. E foi com ele que nós ganhámos as duas taças da Europa. Perdemos três e ganhámos duas. Fomos cinco vezes finalistas. Quais foram os momentos mais importantes da sua carreira, os que lhe proporcionaram mais alegria? O primeiro foi logo o primeiro campeonato nacional em que eu joguei pelo Benfica e que nós ganhámos, com o comando do Otto Glória, em 1954/55. Outra alegria foi ter sido chamado à selecção nacional, primeiro à selecção B e depois à selecção A. E quanto aos colegas de equipa, alguma relação o marcou especialmente? Todos. Havia uma certa disciplina e havia boas relações… Nós, os solteiros, vivíamos todos no lar do Benfica, no Bairro do Benfica. Os casados só iam lá nos dias dos estágios. Foi uma carreira construída inteiramente no Benfica… Sempre no Benfica, até aos trinta e cinco anos, quando me fizeram uma festa de despedida. Tirei o curso de treinador e treinei na escola de jogadores do Benfica. Depois apareceu um senhor francês, mais um empresário, sabiam que o Benfica me tinha dispensado como jogador e achavam que eu ainda podia ser útil pelo menos mais uma época no Lyon. Eu disse-lhe que ia se o Benfica me dispensasse e dependia também do que me pagassem. Foi o melhor contrato que fiz. Porque no tempo em que eu jogava no Benfica tive convites para jogar em Itália, no Brasil, no Vasco da Gama, no Flamengo, mas o Salazar não permitia, dizia que não se podia desfalcar o desporto português, ele não deixava… Portanto, nunca saí. Só depois de ele morrer, eu já tinha 35 anos, é que saí… Fui para o Lyon e foi o melhor contrato que eu fiz.

Fez uma época apenas? Sim, foi uma boa época. Ficamos em segundo lugar no campeonato nacional e fomos finalistas na taça de França. E conheci a França de uma ponta à outra nessa altura. Íamos jogar a todos os sítios. Depois não me quiseram renovar o contrato e eu voltei para Portugal, para treinar as escolas do Benfica. Essa fase durou até decidir vir para Moçambique… Até 1975. Nessa altura tive um convite da Textáfrica, de Vila Pery, do Chimoio. Convidaram-me para treinar a equipa. Também foi um bom contrato. Ainda foi antes da independência. Depois veio a independência e organiza-se o campeonato nacional e quem ganha esse primeiro campeonato é o Textáfrica, treinado pelo Mário Coluna. Entretanto, apareceram as nacionalizações, a política… e a Textáfrica não disse mais nada. Continuou a seguir no futebol da tive convites para capital… jogar em Itália, no Tive depois um convite para vir Brasil, no Vasco da treinar o Ferroviário de Maputo. Gama, no Flamengo, O director dos Caminhos-demas o Salazar não ferro chamava-se Alcântara permitia Santos, morreu com o Samora Machel, no acidente de aviação. Foi ele que me convidou para treinar o Ferroviário. Eu disselhe que não queria um contrato como treinador de futebol, queria um emprego nos Caminhosde-ferro. Queria ter uma coisa segura. Um treinador de futebol ganha… não ganha… e depois? Ele perguntou-me "Mas onde é que a gente vai pôr o Mário Coluna aqui nos Caminhos-de-ferro?". Eu respondi que sabia ler e escrever e que os Caminhos-de-ferro tinham escritórios aqui. E além disso, antes de eu ir para Portugal era mecânico de automóveis, e os Caminhos-de-ferro também tinham oficinas. Portanto eu não me importava de sujar as mãos. Eu acabei por ficar no departamento de formação. Comecei a trabalhar de manhã nos Caminhos-de-ferro de manhã e à tarde ia treinar o Ferroviário. Até se reformar? Até fazer setenta anos. Os Caminhos-de-ferro de Moçambique e o Governo fizeram-me uma festa na Costa do Sol, estiveram lá o Marcelino dos

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Entrevista

Santos, o Chissano, o Guebuza… e assim me reformei. Mas ainda manteve responsabilidades no futebol moçambicano… Sim, eu fui um dos presidentes da Federação Moçambicana de Futebol. Agora estou a descansar, já corri o mundo graças ao futebol… Se calhar se fosse um homem rico não conheceria o mundo que eu conheço… Já andei pelos Estados Unidos, Brasil, Venezuela, Alemanha… Acha que o mundo do futebol é hoje muito diferente do que era há quarenta ou cinquenta anos? Deve haver mais profissionalismo, pelo menos mais do que havia em Portugal. No meu tempo o nosso governo não autorizava o profissionalismo. Os próprios estatutos do Benfica não permitiam que jogassem jogadores estrangeiros. Como as colónias eram consideradas território português, nós éramos considerados portugueO Benfica hoje ses e eles vinham buscar jogadoquase que não tem res a Moçambique, a Angola, nenhum jogador Cabo Verde. Agora, não. O português, são quase Benfica hoje quase que não tem todos estrangeiros. O nenhum jogador português, são clube é português, quase todos estrangeiros. O mas quem chuta a clube é português, mas quem bola são os chuta a bola são os estrangeiros. estrangeiros. Houve algum golo de que se lembre particularmente, de que nunca se tenha esquecido? Um deles foi numa das finais da taça da Europa, contra o Barcelona, o segundo golo que nos deu a vitória na primeira taça da Europa, em 1962. E naquele célebre jogo contra a Coreia? Esse foi no mundial. Eu era o capitão da equipa. Estávamos a perder na primeira parte por 3-0. Quando fomos à cabina no intervalo, o Otto Glória estava zangado e andava de um lado para o outro. E quando viu que já estava na hora largou uma bojarda: "Porra, vocês contra os meus patrícios ganharam e agora contra estes minhocas…. Vão lá para dentro do campo ganhar o jogo!". Dito e feito. Começamos a correr e, por outro lado, os coreanos já estavam cansados e deu 5-3. E o que é que fez virar dessa maneira o jogo? Bem, foi eu andar a gritar com os meus colegas dentro do campo e termos mais força do que os

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adversários. Aquilo que eles correram na primeira parte corremos nós na segunda. Se tivesse que indicar um grande jogador de futebol hoje, quem escolheria? Eu agora mal acompanho o que se passa no futebol. Parece impossível, mas até com o meu Benfica... Como não é o Benfica do meu tempo, eu só vejo o resultado no dia seguinte. E só se for favorável… Para a descansar o coração, para não andar a sofrer, já chega do meu coração andar a bater por causa do Benfica… Mas ainda bate por causa do Benfica…


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Bate, mas já não vejo os jogos directamente. Na sua carreira de desportista, o que acha que pode servir melhor como referência para os jovens desportistas ou futebolistas? A disciplina. Agora há muita liberdade com o profissionalismo. Mas esse era outro tempo. Agora é diferente, não se pode comparar. Agora são outros tempos. Como é que vê o futebol em Moçambique? Está mal. Não aparecem valores. Antigamente havia no atletismo uma Lurdes Mutola, que foi campeã olímpica. Hoje não aparece ninguém.

Antigamente havia o Matateu, o Juca, o Wilson, o Eusébio. Agora não há ninguém. E não há apoio nenhum a nível desportivo. É só uma questão de apoios? O que é eu seria necessário para mudar? Antigamente havia empresários, os empresários é que apoiavam os clubes, eram os dirigentes desportivos. Agora é gente que não tem nenhumas possibilidades. E era preciso que o Governo desse mais apoios. Mas o Governo não liga nada. Não é só no futebol, é também no atletismo, é um problema geral. n Humberto Lopes (texto e fotos) MAIO 2012 |

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Covilhã Dos Lanifícios à Universidade Primeiro afirmou-se como pólo industrial e operário, de seguida tornou-se cidade de saber e estudantes. À primeira fase, que se prolongou por séculos, ainda associamos de forma quase automática a Covilhã, a segunda, recente, vai fazendo o seu caminho. MAIO 2012 |

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Museu Arte Sacra. Nas páginas anteriores, vista do interior do Museu de Lanifícios. Página seguinte: Praça do Município e Elevador de Santo André

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oram os lanifícios que criaram a Covilhã. Fácil acesso à matéria-prima e cursos de água que permitiram o aproveitamento da força motriz necessária foram vantagens utilizadas desde a Idade Média para desenvolver actividades laneiras. Depois, a intervenção do Marquês de Pombal, com a sua política de fomento industrial, deu o impulso decisivo. Vale a pena começar por aí, pelas setecentistas Real Fábrica de Panos e Real Fábrica da Veiga. Estruturas imponentes, icónicas, de granítica solidez, atravessaram séculos, começaram como fábricas e depois disso serviram diversos fins, agora acolhem instalações da Universidade da Beira Interior e o Museu de Lanifícios. No que ao Museu diz respeito, maquinaria, utensílios e painéis explicativos são elos de uma cadeia que conduz o visitante passo a passo através do processo manufactureiro. Há espaços e equipamentos que sobressaem, como a grande caldeira DeNayer, um colosso metálico, ou a Tinturaria das Dornas, cuja recuperação avivou qualidades estéticas já existentes. Faltará aqui de forma clara a referência aos homens e mulheres que no passado operaram as máquinas, deram

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vida a estas históricas fábricas, um tempo de curto horizonte para quem aqui trabalhava, e que Ferreira de Castro conta em A Lã e a Neve. O movimento de outrora não cessou neste antigo lugar industrial e proletário, sendo o melhor sítio para verificar como a força da presença da universidade em poucas décadas transformou a Covilhã. Agora professores e estudantes, circulam, experimentam, ensinam, aprendem. E assim como os lanifícios foram determinantes no passado (e continuam a ser, embora sem a liderança que detiveram), a universidade e os estudantes marcam o carácter da cidade no presente. Adiante, voltaremos aos estudantes.

Do coração da Universidade ao coração da cidade… Deixamos para trás o Pólo I, o coração da Universidade e caminhamos em direcção ao coração da cidade, a Praça do Município. Seguindo a rua marquês D`Ávila e Bolama, de início, e de seguida a rua Visconde da Coriscada, - um dos arruamentos da antiga judiaria - significa fazer uma grande curva, pois a orografia vigorosa torna as ruas retorcidas e caprichosas. Pode-se abreviar caminho e optar


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pelo elevador de Santo André, que num pulo vence a encosta acentuada. Chegando ao cimo surge uma parede de blocos cinzentos de duro granito, que é o que resta de mais significativo da medieval muralha. Não tarda estamos na Praça, mas pelo caminho surge o Patrimonivs, Museu de Arte e Cultura, instalado num edifício dos inícios do século XX, da autoria do arquitecto Ernesto Korrodi. Foi banco e como tal possui a robustez que dantes se impunha a este tipo de estabelecimentos, que tinham de inspirar confiança antes de alguém entrar portas dentro. Como é comum em certo tipo de museus, reúnem-se aqui peças de proveniência muito diversificada, desiguais no seu valor e interesse e onde dois retratos do pintor Eduardo Malta, incon-

Dois Queijos e um Museu Pela localização, repartida entre a serra da Estrela e a Cova da Beira, o fabrico de queijo no concelho da Covilhã tem uma longa tradição e peso económico. Dessa produção, os queijos mais emblemáticos são o Queijo da Serra da Estrela, produto com Denominação de Origem Protegida e o mais recente queijo kosher, fabricado segundo os preceitos da religião judaica. A importância da actividade conduziu à criação do Museu do

Casa da Ribeira: Rossio do

fundíveis no seu academismo e poder expressivo, causam efeito. Merece um momento de atenção o bem recheado expositor com vinhos da Adega Cooperativa da Covilhã, no piso térreo. É feliz este entendimento de património, que destaca um produto emblemático da Cova da Beira, para mais com raízes ancestrais na região, como comprovam documentos vários. Agora sim, a Praça. A entrada é feita sob a figura de Pêro da Covilhã, representado em volumosa estátua. Pêro da Covilhã dá corpo à figura do aventureiro. Dele sabemos que foi diplomata e grande viajante e que acabou os dias na Abissínia, a que chamamos hoje Etiópia. Se continuarmos em frente, pela Rua Ruy Faleiro, outro nome grande das viagens dos Descobrimentos, desaguamos no Jardim Público, ladeado pelo Museu de Arte Sacra, instalado num edifício projectado por Raul Lino e pela igreja de São Francisco, que tem duas capelas tumulares quinhentistas com estátuas jacentes. Se prosseguirmos até à extremidade do Jardim avistamos o fundo vale por onde corre a ribeira da Carpinteira, desde 2009 atravessado por uma elogiada ponte pedonal da autoria do arquitecto Carrilho da Graça, "uma das mais impressionantes" de entre "as novas pontes pedonais de grande altura".

Queijo, na freguesia de Peraboa, a 16 quilómetros da sede do concelho. Num edifício reconstruído "o visitante pode conhecer o

…e aos estudantes

meio ambiente que envolvem a arte e o processo de fabrico

A localização do Jardim Público é estratégica, tornando-o lugar de passagem, mas também lugar de encontro e relaxe. Iryna, Alina, Júlia e Maria são quatro polacas e estenderam uma manta no relvado do Jardim, lêem e apanham sol. Dizem algumas palavras em português, arriscam pequenas frases, mas sentem-se mais à-vontade a falar inglês. Entre elas falam polaco. Não são caso isolado, no passeio, caminhando em direcção à Praça do Município, seguem três estudantes espanhóis. E,

artesanal de Queijo da Serra", assim como ficar a par das características do queijo de ovelha kosher elaborado em Peraboa. Para além da componente mais didáctica, o Museu do Queijo pretende oferecer aos visitantes diferentes experiências capazes de impressionar os sentidos. O Museu do Queijo pode ser visitado de terça - feira a domingo das 10h30 às 12h30 e das 14h30 às 17h30. Encerra à segunda-feira e quinta-feira de tarde.

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diz a página na internet da Universidade da Beira Interior, que a maioria dos estudantes estrangeiros, que estão na Covilhã envolvidos em programas de mobilidade, são polacos e espanhóis. Deixando o jardim, uma volta mais larga leva-nos até ao novelo das ruas intra-muralhas, onde se encontram alguns edifícios para os quais os roteiros chamam a atenção. Por detrás dos Paços do Concelho, num ponto de confluência das principais ruas da Covilhã medieval, fica a Igreja de Santa Maria Maior, com a fachada azulejar, a Casa dos Magistrados, espaçoso edifício do século XVII, assim como a Casa das Morgadas, edifício solarengo, notável pela designada Sala dos Continentes, que apresenta o teto preenchido com pinturas alusivas aos continentes conheci-

dos à época. A foi obra executada em 1690 por Manuel Pereira, mestre de uma oficina da Covilhã. Prosseguindo o passeio por ruelas onde paira um certo abandono, encontramos, de repente, casas recuperadas, paredes pintadas alegremente, e assim, chegamos ao miradouro das Portas do Sol. E dali, olhando em frente, a paisagem alonga-se até ao extremo da visão, até à linha em que o planeta se dilui no nada. Lembramo-nos então que a cidade trepa a montanha até os 800 metros de altitude. E, lembramo-nos também que a Covilhã é a cidade dos lanifícios, dos estudantes, mas também é a cidade portuguesa mais próxima do ponto mais alto da serra da Estrela. n José Luís Jorge (texto e fotos)

Estudantes Polacas e, ao lado, estátua de Pêro da Covilhã

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Percursos

Guimarães A grande festa da Cultura Capital Europeia da Cultura em 2012, Guimarães acolhe, durante todo o ano, um grande encontro de criadores e criações - música, cinema, fotografia, artes plásticas, arquitectura, literatura, pensamento, teatro, dança e artes de rua, num invulgar cruzamento de produtos artísticos que bem justificam a atenção e visita dos portugueses. 32

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o caso da Footsbarn Travelling Theatre, emblemática companhia itinerante internacional de figurinos, máscaras e jogos teatrais criados para as crianças. Em Guimarães, desde o final de Fevereiro, a companhia organiza, até de Maio jogos teatrais, numa descoberta das artes performativas. Ainda em Maio, a companhia vai apresentar o espectáculo "Tempestade Indiana", inspirado na "Tempestade", de William Shakespeare. Ainda, em Abril, a cidade-mãe foi palco da estreia nacional da peça de Shakespeare "Medida por Medida", numa encenação de Nuno Cardoso e da companhia Ao Cabo Teatro. Comédia negra

É

sobre o moralismo e o poder, este texto clássico de William Shakespeare conta a história de um mau juiz que acede ao trono e abusa do poder, pecando por luxúria e pela troca de favores. Depois da estreia na Capital Europeia da Cultura, a peça passará pelos palcos do TNSJ e do São Luiz, em Lisboa.

Imagens da invasão dos Footsbarn, ou assalto ao castelo

“O Castelo em 3 Actos” O projecto "O Castelo em 3 Actos" dos Footsbarn Travelling, comissariado por Paulo Cunha e Silva, propõe uma análise aos grandes desafios que a Europa enfrenta actualmente. Os limites fronteiriços, a segurança, a emigração e as disparidades competitivas das várias regiões económiMAIO 2012 |

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Percursos

cas que a compõem são algumas das questões em evidência. A invasão dos Footsbarn, ou assalto ao castelo, tem início com um abraço, uma corrente humana que separa o berço de D. Afonso Henriques do resto do mundo. Depois do cerco, o grupo invade literalmente o Castelo para, no

Circuitos Inatel No Programa Primavera/Verão das Viagens Inatel estão previstas estadias na Guimarães Capital Europeia da Cultura, de 28 de Junho a 01 de Julho (partidas de Setúbal, Lisboa, Santarém e Coimbra; e de 12 a 15 de Julho), e de 12 a 15 de Julho (partidas de Évora, Lisboa, Leiria e Aveiro). O preço, desde 399 euros, inclui alojamento, refeições, autocarro, guia e seguro de viagem. Também a partir Inatel Cerveira -que reabre, amplamente renovada, no final deste mês - os participantes no programa "Férias em Cerveira", períodos de quatro dias, desde 285 euros, com viagem e estadia completa, têm previstas deslocações a Guimarães. A Inatel organiza ainda viagens de grupo a pedido para Guimarães. Contactos: turismo@inatel.pt ou tel. 210027000.

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final, no espaço que separa o Castelo da estátua de D. Afonso Henriques, fazer uma festa típica dos invasores, que acaba com a dispersão pela cidade. A performance termina com a projecção, numa das árvores, de uma imagem fantasmática do fundador de Portugal, concebida pelo espanhol Ibon Mainar. Ao assalto seguiu-se a inauguração de uma exposição no Paço dos Duques e na Igreja de S. Miguel, que pode ser visitada até 10 de Junho. A mostra corresponde à verdadeira instalação dos assaltantes, numa reflexão sobre a capacidade da arte contemporânea como agente hiper-simbólico. Artistas nacionais (como Fernanda Fragateiro e Julião Sarmento) e um angolano (Yonamine) ocupam o local com obras que transformam o Castelo num espaço diferente. O momento "Assalto" inclui ainda um ciclo de cinema - que se inicia a 28 de Maio - e "(re)visitas ao Castelo (de Kafka)" - em que três escritores relêem a obra e recriam a narrativa. Depois de em ruínas, o castelo tem de ser reconstruído. Os dois momentos que se seguem ao "Assalto" sugerem uma reflexão, uma discussão internacional sobre o actual estado da


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Europa, em particular da crise. O debate gira em torno da migração, da deslocação, dos refugiados, da hospitalidade. Questiona-se o que fazer, que alianças estabelecer, que mundo se quer e para onde vai a Europa. O projecto, que encerra no mês de Dezembro, inclui ainda a "Última Ceia", um jantar no castelo preparado pelo Chef José Avillez.

Robótica e tecnologia Numa organização conjunta da Universidade do Minho e da SAR - Soluções de Automação e Robótica, Guimarães acolheu, no Multiusus, 121 equipas de universidades e escolas secundárias de todo o país no que foi considerado o maior evento nacional de robótica e tecnologia, com demonstrações e competições de robots. Os vencedores de cada liga/competição (sénior ou júnior) representarão Portugal no campeonato mundial "Robocup 2012", em Junho próximo, no México.

Largo Oliveira em selo Uma colecção de selos alusiva à Capital Europeia da Cultura começou a circular em Abril último.

A emissão inclui quatro selos e um bloco filatélico, bem como os carimbos de primeiro dia nas cidades de Guimarães, Porto, Lisboa, Ponta Delgada e Funchal. A cerimónia de apresentação decorreu no Salão Nobre da Câmara Municipal de Guimarães e contou com as presenças de Fernando Maia, dos CTT, António Magalhães, presidente da autarquia, e da vereadora Francisca Abreu, também administradora da Fundação Cidade de Guimarães (FCG). Os selos têm a assinatura de design do Atelier Acácio Santos / Elizabete Fonseca. Além do logótipo de Guimarães 2012 em forma de coração - criado por João Campos - as peças juntam fotografias icónicas de Guimarães, como o Largo da Oliveira - belíssima e antiquíssima praça com agradáveis esplanadas - o Centro Cultural Vila Flor - espaço multiusos, de exposições e auditório para espectáculos -, as Festas Nicolinas e a Pousada de Santa Marinha da Costa. O bloco filatélico inclui mais três imagens míticas de Guimarães: Paço dos Duques, Castelo de Guimarães e estátua de D. Afonso Henriques. n

Da esquerda para a direita: “O Castelo em 3 Actos”, vista do Largo Oliveira e pormenor da projecção fantasmática concebida pelo espanhol Ibon Mainar

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Diáspora

Uma patanisca em Londres tem um segredo português que Jeremy Irons, entre outras celebridades, já descobriu. Tudo graças à atitude empreendedora de Sílvia Luís-Gomes, uma filha da revolução que Castelo Branco viu nascer…

m dos meus clientes habituais é o Jeremy Irons…". Sílvia Luís-Gomes não pronuncia a frase com vaidade mas com o orgulho próprio de quem oferece uma pequena partícula do país onde nasceu a alguém tão mediático. O sol estilhaça os raios sobre o bonito mercado de Cottage Swiss e apenas o nome me faz acreditar que estou em Londres. Os termómetros ultrapassam os 20 graus neste início de Abril, o formigueiro humano preenche os espaços verdes envolventes, ora escutando o chilrear dos pássaros, ora cheirando os odores primaveris; na bancada onde se pousam os meus olhos, um olhar furtivo que logo se torna mais demorado, como se fosse um turista num museu, perscruto umas dezenas de pataniscas ornamentando uma travessa e, depois, abarcando o espaço de uma forma global, vejo também croquetes, pastéis de nata, mel, chás, tudo com etiqueta portuguesa.

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“Filha da revolução” “O Jeremy Irons gosta de croquetes de espinafres com queijo fresco, uma invenção da minha mãe". Sílvia Luís-Gomes nasceu em Castelo Branco em 1974 e até aos 14 anos viveu na freguesia de Oleiros. "Sou filha da revolução." Mudou-se para um colégio, em Coimbra, estudou no Liceu José Falcão e num determinado momento decidiu empreender uma viagem até Lisboa. "Fiquei um ano mas não gostei e decidi regressar a Coimbra." Licenciada como assistente social, teve a oportunidade, em 2005, de conhecer Londres, no âmbito de um projecto comunitário. "Trabalhar em 36

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Londres era um sonho e de imediato me apaixonei pela cidade. Fiquei durante três meses e, no final desse período, resolvi permanecer aqui mais um tempo. Fui ficando, fui ficando e já lá vão sete anos." O gosto pelas viagens corre-lhe pelas veias e em Londres Sílvia Luís-Gomes sentiu que mais facilmente se poderia realizar do ponto de vista profissional. "Na minha área é muito gratificante, porque foi em Inglaterra que se criou o serviço de assistência social no sistema que conhecemos hoje em dia. Por outro lado, é complicado, sobre todos os aspectos, ser assistente social em Portugal. Em primeiro lugar, porque o empregador é estatal e, em segundo, porque não há grandes saídas no sector privado e as que há são muito mal remuneradas. Não havendo fundos, não há liberdade para exercer a profissão como deve ser." Sílvia Luís-Gomes ergue os olhos para o céu como se nele se reflectisse a sua história de vida ou como se pudesse encontrar na abóboda do mundo as suas memórias. "Eu vivia nesta zona, em Swiss Cottage, e passava por este mercadinho todos os dias, a caminho do metro, para ir trabalhar. E uma das coisas que sentia falta, além do clima, era da comida. Eu olhava as barraquinhas com um olhar curioso e tudo o que via era fastfood, tão do agrado dos ingleses." A ideia despontou-lhe no horizonte, talvez no mesmo que agora fita preguiçosamente, em 2008. "Conhecia uma portuguesa, uma senhora alentejana dos seus 50 anos, Elídia Carriço, que é assim uma espécie de minha segunda mãe. Foi uma sorte porque nesta área não há muitos portugueses. Mas


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m Swiss Cottage como fui assistente social da mãe dela travámos conhecimento. Apercebi-me então de que confeccionava uns salgadinhos e, um dia, ousei perguntar-lhe porque não o fazia para comercializar, ao que contrapôs, humildemente, que não tinha jeito e que o inglês que falava era pobre." Sílvia Luís-Gomes é uma mulher dinâmica, decidida, com grande capacidade empreendedora. Tinha consciência de que, mais do que um negócio, poderia mostrar um pouco de Portugal a uns milhares de quilómetros de distância. Desbloqueadas as questões burocráticas, sentiu, rapidamente, que carecia de mais recursos humanos. "Sinto que, ao utilizar muitos dos produtos da minha zona, das Beiras, também estou a promover as minhas origens. Começou por ser uma coisa pequenina mas a determinada altura, face ao interesse que os salgadinhos e os bolos tradicionais despertavam nas pessoas, já não podia dar conta do recado sozinha e percebi que tinha de expandir o negócio. Agora tenho cinco pessoas a trabalhar para mim, a vender, e três a cozinhar, todos de origem portuguesa. Numa fase inicial, era apenas aos sábados. Actualmente, são três vezes por semana em Swiss Cottage, aos finsde-semana no mercado de Portobello e aos domingos em Stratford, no sul de Londres. O que começou por ser um passatempo acabou por se tornar num negócio maior que também se estende a eventos. Já o fiz para a British Heart Foundation, para um total de 100 pessoas, e para a Embaixada do Iémen em Londres, sempre com comida caseira e tradicional portuguesa. Com um trabalho a tempo inteiro, em Westminster, nos serviços centrais, Sílvia LuísGomes não passa tanto tempo como desejaria nos mercados. "Sempre que tenho uma oportunidade venho à barraquinha. Adoro o contacto com as pessoas, dialogar com elas. E como aprendi a investigar sobre gastronomia, a origem dos pratos e a influência que a comida portuguesa teve ao longo dos anos, sinto-me mais capaz de lhes MAIO 2012 |

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Diáspora

explicar como e de que são feitos os produtos que temos à venda." Com presença habitual em alguns festivais gastronómicos, não apenas em Londres mas também nas cidades limítrofes, Sílvia Luís-Gomes já percebeu que se dirige a clientes muito distintos. "O mercado de Stratford é mais frequentado pela comunidade africana e brasileira. Mas é curiosa a procura que motiva entre ucranianos que trabalharam em Portugal. É interessante verificar que todas as pessoas que visitam o país acabam por se apaixonar pela gastronomia portuguesa. Em Portobello são mais os turistas, incluindo os portugueses, que não resistem a provar algo que tem um sabor que lhes é familiar, enquanto em Swiss Cottage, o mais antigo, é uma clientela elitista. Esta é uma zona onde vivem muitos actores, pessoas ligadas às artes - a Paula Rego mora aqui perto -, jornalistas da televisão, alguns deles meus clientes. Mas quem eu gostaria de ver por aqui - vive a dois passos do mercado com a Helena Carter - é o Tim Burton, de quem sou fã."

Uma cultura de mercado Sílvia Luís-Gomes recebe importante feed-back das pessoas que com ela trabalham, procurando, sempre que possível, ir ao encontro dos gostos dos clientes. "Há muitos ingleses que frequentam o mercado de Swiss Cottage e eu sei que, tendo Portugal como um dos destinos preferidos, estão

mais identificados com o Algarve e a Madeira. Por isso, também tenho queijadas da Madeira, mas feitas com requeijão, e bolos com frutas tropicais, como maracujá e manga. É tudo feito aqui, os únicos produtos que trago de Portugal, de Oleiros, são os chás e os meles orgânicos, bem como alguns doces caseiros, normalmente confeccionados pela minha família. As pataniscas, talvez pela criatividade com que são feitas, são muito apreciadas. Crio pataniscas de tudo e mais alguma coisa e todos acham piada, apesar de por vezes pensarem que se trata de omeletes. Por isso, além dos preços, incluo sempre uma descrição do que está exposto. Mas os croquetes também geram muitas paixões e, como lhe disse, sempre que o Jeremy Irons passa por aqui detémse para comprar. Existe o estigma de que, mesmo tendo um aspecto delicioso, é algo que engorda. Os meus croquetes são feitos com arroz, mais saudáveis e direccionados para uma vasta comunidade que se revê na comida vegetariana." Nem por um momento, ao longo destes quatro anos - e não obstante as sugestões para o fazer -, Sílvia Luís-Gomes ponderou a hipótese de abrir uma loja na cidade. "Os mercados são um importante veículo de divulgação da cultura e da gastronomia portuguesas. É importante perceber que, ao contrário do que acontece em Portugal, Londres tem uma cultura de mercado. Essa é uma vertente que me fascina. A outra é a mentalidade. Aqui adquiri o hábito de ir para um parque e de comer enquanto caminho, qualquer coisa de impensável em Portugal mas tão popular em Londres. Gosto de ver um executivo, com a sua gravata, a falar descontraidamente e sem preconceitos com o homem do lixo. Em 2008, com a crise económica, amigos meus, médicos, foram trabalhar aos fins-de-semana em bombas de gasolina. Consegue imaginar uma situação destas em Portugal? O que fazem é esconder que vivem numa conjuntura desfavorável. Temos tudo de bom, o clima, as pessoas, a natureza, a própria natureza das pessoas. Mas temos uma mentalidade pouco aberta, mais mesquinha, que gosta muito de avaliar, e vivemos das aparências."

"A vida é feita de ciclos…" A despeito da paixão que sente por Londres e do magnetismo que a cidade exerce sobre Sílvia 38

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Luís-Gomes, a perspectiva de um dia regressar a Portugal é real. "A vida é feita de ciclos e temos de aprender a gostar de cada um deles. Vivi a fase de estudante de Coimbra, filha única, por quem os pais faziam tudo. Fechei esse ciclo e cresci em Londres, amadureci, aprendi a fazer as coisas por mim própria, a acreditar mais em mim. Nas primeiras semanas, sempre que falava de Portugal, diziam-me que tinham uma empregada de limpeza portuguesa. Acho que, seja em que trabalho for, o emigrante português é perfeccionista - e ganha o mesmo e trabalha o dobro. Felizmente, há cada vez mais portugueses que, vivendo fora do país, se destacam noutras áreas, contribuindo para alterar a imagem de que Portugal é muito bom para o turismo, para comprar e vender jogadores e treinadores, que exporta excelentes empregadas de limpeza. Sou muito feliz em

Londres, no meu trabalho e nas horas que passo nos mercados mas um dia, não sei quando, quero voltar a Portugal, para viver no interior, no meio de nada." Ao fim da tarde, quando a noite se prepara para substituir o dia e, por vezes, a lua o sol, Sílvia Luís-Gomes pousa os olhos, já cansados, no seu website (www.silmartaste.com), escreve no blog e contempla os comentários, com o orgulho de estar a contribuir, ainda que modestamente, para divulgar a cultura de um país a quem tece críticas sem deixar de amar. O sol já desce no céu quando caminho para a estação de metro de Swiss Cottage, com uma patanisca na mão. Olho à minha volta, à espera de ver Jeremy Irons deliciando-se com um croquete de espinafres e queijo fresco. n Sousa Ribeiro (texto e fotos) MAIO 2012 |

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Todos os caminhos vão dar a Londres Um ano muito especial para a capital do império, com a organização dos Jogos Olímpicos, a abertura do Parque de Atracções "Making of Harry Potter", o Jubileu da Rainha Elisabeth II e a comemoração do bicentenário do nascimento do escritor Charles Dickens…

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nevoeiro desprende-se sinuosamente e, como se saísse das brumas envolto num mistério, desponta o "Shard", erguendo-se nos céus àquela hora cinzentos a uma altura de 310 metros. A torre, concebida pelo arquitecto italiano Renzo Piano, deverá estar concluída este mês e será a mais alta da Europa, fazendo corar de vergonha e roer de inveja o edifício, construído em forma de bolbo, da edilidade local, da autoria de Norman Foster. Como dois irmãos tão diferentes, estão lado a lado, na margem sul do Rio Tamisa, que corre docilmente, emitindo um murmúrio não mais audível do que um sussurro. Estas duas jóias da coroa são a nova face de uma cidade que, com natural orgulho, sempre revelou especial apetência para expor a sua grandeza, um sentimento que agora exacerba por força de viver um ano muito especial. A organização dos Jogos Olímpicos, no Verão, é apenas o acontecimento mais mediático, prometendo atrair milhões de visitantes a uma capital já saturada de turistas. A crise económica, sentida especialmente em 2008, parece ultrapassada e, ainda que de forma gradual, Londres recupera a sua pujança, cabendo aos cidadãos pagar a factura da revitalização urbana, grande parte dela direcionada para as grandes obras impostas pela realização das Olimpíadas. Desde que, em 2005, o governo apresentou o dossier ao Comité Olímpico Internacional, o orçamento mais do que duplicou, passando de 4,8 mil milhões a 11,2 mil milhões de euros, financiados pelo sector público. Preocupado com a segurança, o governo aumentou de 10 mil para 23700 o número de agentes, elevando para 642 milhões de euros a despesa nesta área - cifra que também duplicou face à estimativa inicial. Mas o estado pretende apresentar espectáculos à medida do evento e só para as cerimónias de abertura e de encerramento têm previstos 98 milhões de euros, um investimento que espera ver rentabilizado quando o pano cair sobre os Jogos Olímpicos. Para esse efeito foi criado um projecto, baptizado Plano de Herança, que prevê a reutilização das instalações erguidas no bairro de Stratford, na zona leste da cidade - e seis dos oito novos equipamentos já têm garantidos investidores, como é o caso da companhia Qatari Diar, uma joint-venture com a promotora imobiliária britânica

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Delancey, que irá transformar a aldeia olímpica num complexo de cerca de 1500 casas.

O ano do Jubileu O sol começa a mostrar-se e a lançar madeixas sobre a imponente Tower Bridge, inaugurada em 1894 e ainda hoje um exemplo demonstrativo do triunfo da engenharia inglesa e de distinção arquitectónica. Entre 2 e 5 de Junho, ainda antes dos Jogos, este será um dos cenários percorridos com o olhar pela Rainha Elisabeth II, quando encabeçar uma grande armada para festejar o Jubileu, marcando os seus 60 anos de reinado. Enquanto os seus súbditos gozarão de uma ponte de quatro dias, Elisabeth II desfrutará, no segundo dia das celebrações, dos prazeres de um passeio pelo Tamisa que irá reunir mais de mil barcos, o maior desfile nas águas do rio desde a liderança de Charles II, há 350 anos. A família real irá embarcar no "Spirit of Chartell", um barco-restaurante que efectua cruzeiros de luxo sobre o Tamisa mas que para o efeito será transformado em navio do século XVI, decorado com estátuas em ouro, tapetes de cor púrpura, lençóis de cetim e dois tronos dossel, bem como um grande número de ramos de flores, um trabalho tão importante que exige a presença do director artístico Joseph Bennett e da decoradora de jardins e também famosa pelos seus programas na BBC, Rachel De Thame. Esta é uma oportunidade a não perder para quem estiver de visita à cidade, podendo admirar o "Spirit of Chartwell" a conduzir uma frota tão variada e composta por canoas, navios a vapor, barcos à vela e até gôndolas. No total, serão percorridos 22 quilómetros, estimando-se uma assistência na ordem do milhão e meio de pessoas ao longo das margens do Tamisa.

Diversão e leitura Uma criança brinca na escadaria da Catedral de São Paulo perante o olhar atento dos pais e também para ela e para os mais jovens Londres promete novas atracções neste Verão repleto de acontecimentos. Inaugurado no último dia de Março, em Watford, nos subúrbios de Londres, o parque consagrado a Harry Potter - o segundo da sociedade Warner Bros, depois da abertura na Florida, nos Estados Unidos - é um espaço (14000 m2) que seguramente fará as delícias dos fãs da saga. Designado "The Making of Harry


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Viagens

Potter", implicou um investimento de 120 milhões de euros (são esperados cinco mil visitantes por dia e os preços de entrada variam entre os 25 e os 33 euros) e enfatiza, graças a uma reconstituição com uma minúcia extrema, os décors dos filmes, como o Beco Diagonal, uma rua imaginária de Londres onde se desenrolam alguns dos episódios dos filmes, o armazém do senhor Ollivander, fabricante de varinhas mágicas onde Harry Potter se abastece, ou o Ministério da Magia e o escritório de Dumbledore. Deposito um último olhar, mais demorado, na cúpula da Catedral de São Paulo (apenas a de S. Pedro, em Roma, a supera em tamanho) que

Viagens Inatel No programa "Circuitos - Outros Destinos Europeus" da Fundação Inatel, estão previstas viagens para a Escócia e Inglaterra com partidas de Lisboa e Porto, de 10 a 17 de Junho, de 01 a 08 de Julho e a 9 de Setembro. Com preços desde 1355 euros, cada viagem inclui passagem aérea, circuitos em autocarro de turismo, guia, sete noites de alojamento, quatro refeições e estadias em Edimburgo e Londres.

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agora se recorta no céu azulado e imagino, por breves instantes, como era a cidade nos tempos de Copperfield, o livro que mais prazer deu a escrever a Charles Dickens e que faz várias referências à catedral construída, entre 1675 e 1710, depois do Grande Incêndio. Os apaixonados da leitura e especialmente do grande escritor inglês, tão crítico em relação à sociedade da época victoriana e à miséria em que viviam as classes populares, têm fortes razões para se deslocar a Londres este ano, quando se comemora o bicentenário do seu nascimento - a 7 de Fevereiro de 1812, em Portsmouth. Para assinalar o facto, o Museu de Charles Dickens, na Doughtly Street, no Bairro de Bloomsbury, acaba de reabrir as suas portas ao público para mostrar um pouco da vida do escritor e aquela que foi, durante anos, a sua residência (todas as outras, na capital, já foram demolidas) em Londres, entre 1837 e 1839, um período em que escreveu Nicholas Nickleby, uma parte das Aventuras de Mr. Pickwick (o museu contém um dos raros manuscritos) e também Oliver Twist. Percorro agora este espaço tão acolhedor, tão íntimo, onde o sol penetra, observando preguiçosamente alguns dos móveis que pertenceram a


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Charles Dickens, como a poltrona de couro onde posou para o ilustrador George Cruikshank, ilustrador da colecção das suas primeiras histórias "Esboços de Boz", a sua cadeira de trabalho e o seu escritório, onde contemplo, com admiração, alguns dos seus escritos originais e raras edições que tão bem retratam a conjuntura de Londres em meados do século XIX. O Museu de Londres, consagrado à história da capital, também valoriza a obra de Charles Dickens (apenas até 10 de Junho), através da recriação da atmosfera da cidade durante a época victoriana, com particular ênfase nas observações do novelista falecido em 1870. Com o Cântico de Natal, obra do mesmo autor, nas minhas mãos, caminho, a meio da tarde, junto ao Tamisa, lanço um olhar ao Big Ben sustendo as suas quase 14 toneladas, sento-me depois num jardim e permito que os meus olhos se cravem no Palácio de Westminster, impressionado com a sua beleza e com os seus números: 1100 salas, 100 escadarias e quase cinco quilómetros de corredores. Um autocarro passa por mim e parece tingir de vermelho aquelas paredes que o tempo se foi encarregando de alisar. O vermelho vai tornar-se

verde, posso ler, na parte lateral, uma referência às preocupações de ordem ambiental numa cidade com um trânsito por vezes caótico. Também os táxis, tradicionalmente pretos, 22 mil no total e responsáveis por 20 por cento da poluição do ar da cidade, se preparam para uma mudança de cor - não na pintura ou no design, praticamente inalterado desde a saída do modelo FX4, em 1958, mas porque passarão a utilizar hidrogénio em vez de gasóleo. Com o verde na memória, estendo-me no relvado deixando que a luz do sol que desce no céu me ilumine a face, ao mesmo tempo que ouço o murmúrio indecifrável de homens e mulheres que gozam dos prazeres oferecidos pelo disco redondo que não tardará a adquirir tonalidades alaranjadas. O dia termina em Hyde Park, em tempos uma área de caça (como tantos outros espaços verdes na cidade) da família real, meditando em tudo o que Londres oferece ao turista, que tanto pode ser um mundo revolto, de gente apressada, como o recanto onde agora me encontro, como se estivesse, neste espaço maior do que o Principado do Mónaco, a uma grande distância do mundo.n Sousa Ribeiro (texto e fotos) MAIO 2012 |

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Campeões de Taekwondo

Tal mãe tal filho Sara Vizinho e Pedro Vizinho Lourenço são mãe e filho. Ela tem 35 anos, ele nove. Em comum, para além da parecença física notória, têm o amor ao Taekwondo Songahm e sagraram-se campeões europeus em 2011.

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Taekwondo Songahm é uma arte marcial coreana que se distingue do Taekwondo "tradicional" - para pontuar basta tocar no adversário sem que seja preciso derrubá-lo, entre outras regras. O Pedro pratica a modalidade há dois anos, Sara seguiu os passos do filho seis meses depois e entrou para a Songahm Taekwondo Academy Tânger (STAT), em Campo de Ourique, o bairro

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onde moram. "No início, o espaço era um estúdio de dança e, de um dia para o outro, transformouse num espaço com quatro sacos de boxe. Foram os sacos que chamaram a atenção do Pedro. Decidimos entrar e incentivei o Pedro a praticar", afirma Sara. A timidez do Pedro fê-lo ficar sentado no banco apenas a assistir durante as primeiras três aulas. Pedro Tânger, o professor, teve paciência e não insistiu, até que à quarta aula o Pedro decidiu-se. "Ao princípio quis desistir, senti-me nervoso, mas depois comecei a gostar, fui passando de cinto em cinto e agora adoro", conta. A academia incentiva os pais a experimentar e Sara não resistiu. Um ano depois tornou-se campeã europeia. "No início pensei que ela não tivesse muito jeito mas, com a flexibilidade que ganhou no ballet, conseguiu adaptar-se muito bem, até consegue encostar uma perna esticada na parede", diz Pedro com orgulho. Ciente que entrava para "o mundo do Pedro", a mãe percebeu que a ideia não agradou muito ao filho e que este tivesse medo de que ela o superasse. Prometeu-lhe que tal nunca iria acontecer e tal nunca aconteceu. "Hoje ele já tem outro entendimento, a questão não se coloca, até porque a diferença de cintos que nos separa é grande. Há uma hierarquia a respeitar, ali ele é meu superior, uma vez que eu sou cinto azul e ele castanho", afirma Sara para quem o Taekwondo, mais do que ser uma actividade física revitalizante, dá-lhe "garra e confiança para enfrentar o dia-a-dia, especialmente nos dias em que se está mais em baixo". A partilha da modalidade trouxe mais cumplicidade e mais motivo de conversa entre ambos. Pedro reclama até que a mãe é demasiado exigente: "Vai o caminho todo a dizer que podia ter feito isto e aquilo melhor... até chegar a casa onde pergunto: E agora podemos mudar de assunto?". O Pedro é um coleccionador de medalhas, a lista é enorme: aos oito anos ganhou a primeira ficando em terceiro lugar, sagrou-se campeão no Campeonato Europeu de Taekwondo Songahm do ano passado, em Barcelona, está no top five nacional, e na STAT deram-lhe ex aqueo a medalha de "Melhor Competidor" por, em conjunto com a colega, ter participado em mais campeonatos e adquirido mais medalhas, entre todos os MAIO 2012 |

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Paixões

cintos. No dia que fez a festa do seu oitavo aniversário partiu a sua primeira tábua, um ritual que significa a superação de um obstáculo. Em 2011, rumaram os dois para Roterdão, na Holanda, para participar no campeonato europeu. Pedro estreou-se a andar de avião e adorou "o grande hotel com quartos que eram cubos". "Foi um bocado puxado e na fórmula (sequência de movimentos contra um inimigo imaginário) houve um pontapé que me saiu mal e fiquei em segundo lugar. Mas ainda conquistei o terceiro lugar no sparring (luta entre dois atletas). Não soube a pouco, trouxe duas medalhas, desde que traga medalhas, fico sempre satisfeito". Para Sara esse torneio foi muito especial. Tornou-se campeã europeia, teve de deixar de ser tão protectora com o filho e acompanhar mais à distância as provas dele. "Confesso que sou uma mãe-galinha: sou eu que lhe coloco as protecções, estou sempre lá a dar-lhe força. Na Holanda, depois de ser chamada à atenção pelo professor que o Pedro já não era tão pequenino (risos), deixei as protecções e o equipamento prontos e fui para o meu torneio. Mas estive sempre de costas para as minhas pontuações, estava antes atenta à prova dele. Quando o vi perder o primeiro lugar aquilo mexeu muito comigo, e fui buscar uma garra que normal48

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mente não tenho e ganhei o primeiro lugar para os dois. Saímos de lá com três medalhas!", afirma satisfeita. Mas o melhor estava ainda para vir. "Fomos três dias para Amesterdão e corremos todos os museus da cidade. Foram férias autênticas, em família, e nem pensámos muito no torneio. Só quando cheguei a Portugal é que realizei que era campeã europeia". Seguiu-se o Torneio Europeu de Barcelona onde o Pedro conquistou outra medalha de ouro e Sara a do terceiro lugar em sparring. A seguir foram conhecer a cidade. "Vemos cada torneio no estrangeiro não apenas como uma competição mas também como uma oportunidade para fazermos férias juntos e conhecermos sítios novos". Disciplina, autocontrolo, respeito, cortesia, perseverança e lealdade são os princípios desta modalidade que tem como objectivo o crescimento espiritual do atleta para além do ginásio. "O meu filho cresceu, graças ao Taekwondo, perdeu a timidez, ganhou autoconfiança, é mais responsável e tem um espírito maior de entreajuda. Lá dentro somos uma família, e ele, já ajuda o professor nas aulas dos mais pequenos". Segundo Pedro, o Taekwondo está-lhe no seu coração e remata: "Lá dentro não sou tímido, quando passo a porta do ginásio entro noutra vida". n Sónia Andrade (texto e fotos)


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Memória

Ribeirinho, o conservatório dos actores Foi o actor Curado Ribeiro quem, na hora da morte de Ribeirinho, disse que ele tinha sido "o conservatório da maioria dos actores da sua geração". Na verdade, ele foi decisivo na formação de actores, na revelação de grandes dramaturgos, na qualidade dos espectáculos que dirigiu. Francisco Carlos Lopes Ribeiro, o Ribeirinho da nossa saudade, pode dizer-se, foi o grande renovador do teatro português. ibeirinho, no entanto, não foi só um homem do teatro. Ele foi também actor, realizador, autor de diálogos do cinema português dos anos 40 e 50. O público talvez não o conheça bem do teatro, onde foi rei e senhor, mas conhece-o sobretudo do cinema. Basta lembrar o Chico, aquele caixeiro humilde do "Pai Tirano" (1941), apaixonado pela Tatão (Leonor Maia), ou o Rufino Fino Filho, dono de uma leitaria, tutor de um Vasco Santana sempre bêbado com quem fazia a famosa "ginástica cueca" no êxito de bilheteira que foi "O Pátio das Cantigas" (1942). Curiosamente, Ribeirinho foi também o realizador do filme e autor, com seu irmão António Lopes Ribeiro, dos diálogos engraçadíssimos que hoje se ouvem na Televisão quando a RTP resolve exibir a comédia. Ao tempo, a crítica elogiou o trabalho de Ribeirinho no filme "O Pai Tirano". No "Diário de Lisboa", Tavares da Silva escreveu: "Não se pode representar melhor nem com mais perfeição. Para nós, ele é a grande figura do filme."

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Um alfacinha da Estrela Francisco Carlos Lopes Ribeiro nasceu em Lisboa, no terceiro andar de um prédio da Calçada da Estrela. Era o dia 21 de Setembro de 1911 e viera juntar-se a outro rapaz de 3 anos chamado António Lopes Ribeiro. Os dois irmãos, nascidos numa família dada às artes, logo mostraram ser verdadeiro o ditado popular "filho és, pai serás, assim como fizeres, assim acharás". Francisco e António aprenderam línguas ainda 50

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Em cima, os dois irmãos Ribeiro, Francisco e António. Em baixo, Ribeirinho e Beatriz Costa na revista “Água Vai” em 1937

muito pequenos, familiarizaram-se desde cedo com escritores, jornalistas, pintores e muita da intelectualidade que frequentava a casa dos pais. António conta na sua biografia que para os dois irmãos foi muito importante um presente chamado "Teatro de los Niños" que permitia "armar um palco de meio metro, com pano de boca, proscénio e urdimento, de onde se suspendiam lindíssimos cenários". Nesse "Teatro de los Niños", conta António Lopes Ribeiro, puderam montar duas peças de Shakespeare, "O Mercador de Veneza" e "A Fera Amansada". Não se estranhe, portanto, que o grande sonho de Francisco tivesse sido, desde muito pequeno, ser actor. Para isso muito contribuiu o actor Chaby Pinheiro, amigo do pai, tendo sido até na sua Companhia que Francisco Ribeiro (ainda não o Ribeirinho) se estreou na peça "A Maluquinha de Arroios", onde interpretava o galã cómico da peça de André Brun. Tinha 18 anos e era o início de uma carreira de mais de cinquenta anos no teatro e no cinema português.

Teatro do Povo Convidado por António Ferro aceitou dirigir o Teatro do Povo, nome que, por ordem de Salazar, foi mudado para Teatro Nacional Popular…E é


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assim que o público português conhece dramaturgos como Tchekov, Tolstoi, Bernard Shaw, Giraudoux e outros. Ribeirinho não fazia por menos. Nos Comediantes de Lisboa, companhia de que o irmão era empresário, conseguiu reunir um grupo de actores dos mais prestigiados Alves da Cunha, João Villaret, António Silva, Lucília Simões, Maria Lalande, (que viria a ser sua mulher) e outros. Como encenador ou como actor, foi sempre o melhor dando razão aos críticos e historiadores que o consideram "uma personalidade decisiva na evolução do Teatro português". A propósito vale a pena lembrar a teimosia do encenador que, no final dos anos cinquenta, quis levar à cena a peça "O Lodo", de Alfredo Cortez, proibida pela Censura. E uma vez mais foi proibida. Quando aceitou dirigir o D. Maria II,

À esquerda, actor de “O Grande Elias”, filme de Arthur Duarte (1950) e, á direita, em frente do cartaz que anunciava a estreia da peça “O Pai Tirano” Em baixo, o caixeiro dos armazéns Grandela apaixonado pela Tatão (Leonor Maia) numa cena do mesmo filme

na época 79/80, foi precisamente "O Lodo" a abrir a temporada. Era desta fibra o nosso Ribeirinho. No cinema, já vimos atrás, Ribeirinho ficou conhecido principalmente pelos personagens criados em "O Pai Tirano" e "O Pátio das Cantigas".

“À espera de Godot” Quem em 1961 viu, no Trindade, "À espera de Godot", de Samuel Beckett, nunca mais esqueceu a fabulosa encenação de Ribeirinho. Teatro moderno, interventivo, chamado teatro do absurdo, ficará bem aqui uma frase da crítica quando escreveu que Ribeirinho pegou no Samuel Beckett e deu ao nosso telúrico provincianismo um ar de capital do espírito. Homem de antes quebrar que torcer, Ribeirinho, em certa altura da vida prometeu que nunca mais falaria à Imprensa e cumpriu a promessa. Quando faleceu, em 7 de Fevereiro de 1984, há 22 anos que não dava entrevistas nem falava com jornalistas, mas nem por isso a sua morte foi menos sentida e falada em toda a Imprensa. Ao funeral de Ribeirinho compareceram centenas de pessoas, artistas, gente do teatro, do cinema e da televisão. Com a morte de Ribeirinho findavam também 55 anos de trabalho que talvez tivessem começado quando, criança, representava com o irmão no "Teatro de los Niños" as peças de Skakespeare. Uma grande figura este Ribeirinho. n Maria João Duarte MAIO 2012 |

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Olho Vivo

O Veado Vermelho

Porta-bactérias

O Povo do Veado Vermelho é uma nova espécie humana, que terá vivido na China há 11 mil anos. Cientistas australianos estudaram vários fósseis destes homens primitivos, incluindo quatro crânios, que cruzam características arcaicas e modernas e não os inserem em nenhuma genealogia conhecida. Este povo da Idade da Pedra caçava veados vermelhos, hoje extintos.

A mera presença de uma pessoa numa sala pode acrescentar 37 milhões de bactérias por hora ao ar que os outros respiram. Esta conclusão consta de uma investigação de engenheiros do ambiente da Universidade de Yale. Os investigadores mostram que vivemos numa sopa de bactérias e micróbios, da qual o ingrediente mais comum são os nossos próprios micro-organismos e recordam que, assim sendo, não admira que 90 por cento das doenças contagiosas sejam contraídas em ambientes fechados.

Menos um lagarto A crise das espécies no Havai registou mais uma vítima: o lagarto de listas cobre com cauda azul (Emoia impar) foi declarado extinto pelas autoridades dos Estados Unidos. Outrora muito vulgar, o último espécimen fora avistado nos anos 60. Pensa-se que a invasão das formigas de cabeça gigante da espécie Pheidole seja responsável pela extinção, que só agora foi reconhecida, uma vez que outros lagartos parecidos confundiram os cientistas ao longo das décadas. Há exemplares do Emoia Impar noutras ilhas do Pacífico.

Tomilho vence o acne O tomilho pode ser mais eficaz na cura do acne juvenil do que muitos cremes vendidos nas farmácias, concluiu um estudo apresentado em Dublin na conferência da primavera da Associação de Microbiologia. Os cientistas da Universidade de Leeds testaram o efeito de tinturas de tomilho no combate à batéria Propionibacterium acnes e constataram que são mais eficazes que as pomadas e os líquidos de limpeza da pele mais usados na Europa. 52

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O rim da mosca Uma equipa da Universidade de Glasgow estuda a formação de pedras nos rins da mosca da fruta, com o objetivo de encontrar um tratamento eficaz para o problema de saúde em muitos humanos. Os resultados da investigação foram apresentados no encontro anual da Sociedade de genética americana. Os cientistas julgam ter identificado um gene ligado a uma proteína que transporta o cálcio para o rim da mosca. Quando esse gene é modificado, as moscas da fruta têm menos cálculos renais.


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A n t ó n i o C o s t a S a n t o s ( t ex t o s )

Ratos vikings Os ratos domésticos colonizaram a Europa a partir da Noruega, segundo um estudo agora divulgado numa revista britânica de biologia. Foi a invasão viking das ilhas britânicas que trouxe o rato (Mus musculus) para sul, entre os séculos VIII e X da nossa era. Os cientistas regrediram no tempo, através do estudo do ADN de ratos modernos e do primeiro milénio e concluíram que a espécie veio de dakkar por esses mares abaixo.

Muda o pio dos pardais Os pardais das cidades mudaram de pio para se fazerem ouvir acima do barulho do trânsito e do rugir dos motores, concluiu um estudo feito em San Francisco pela revista Animal behaviour. O estudo comparou trinados dos pássaros registados em 1969 com o canto de hoje, e cruzou as diferenças com o aumento do nível geral de ruído entre 1974 e 2008. Para se fazerem ouvir, os pardais mudaram de frequência nos pios.

O temperamento das vacas Um zootécnico alemão, Kees van Reenen, estudou a evolução do comportamento das vacas leiteiras da espécie HolsteinFriesian, na passagem da fase de vitela para a vida adulta, e provou que cada animal tem o seu temperamento e reage à sua maneira a situações de stress. No futuro, este estudo poderá conduzir à criação de animais mais adaptados, robustos e felizes. Van Reenen estudou traços como a timidez, a curiosidade, a necessidade de companhia ou o medo do desconhecido e mediu o pulso aos animais, bem como as descargas hormonais nos seus cérebros face a determinados estímulos.

Polícias-chimpanzés Um estudo antropológico revela que os chimpanzés intervêm de forma imparcial em conflitos entre membros de um grupo, de forma a preservar a ordem e a tranquilidade geral. A gestão dos conflitos é crucial para a coesão do grupo. Especialistas em primatas da Universidade de Zurique identificaram no grupo de chimpanzés do zoo de Gossau indivíduos "encarregados" de afastar macacos que brigam, pondo fim às disputas. Quanto mais partes envolvidas no confronto, mais "agentes" entram em ação. Os "polícias" são normalmente animais de posição elevada na hierarquia, machos ou fêmeas respeitados pela comunidade. MAIO 2012 |

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A Casa na árvore Susana Neves

A vinha azul A primeira glicínia chegou à Europa há 196 anos.

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epois de ter sobrevivido aos longos seis meses de viagem de barco, do porto de Cantão, na China, até à Inglaterra, a primeira glicínia (Wisteria Sinensis) a chegar à Europa, no dia 4 de Maio de 1816, ia morrendo com "o calor e a bondade" dos britânicos. No livro, "Gifts from the Gardens of China", 2007, Jane Kilpatrick conta como a relutância em florir (só floresce a partir dos 7 anos de idade), ao ser interpretada como uma aversão ao frio, levou o coleccionador de plantas exóticas Charles H. Turner, a quem o espécime fora oferecido, a encerrá-la numa estufa, subindo a temperatura até aos 28º C. Depois deste tratamento de choque, a pequena trepadeira perdeu as folhas, quase sucumbiu a uma praga de aranhas vermelhas,

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resistiu ao gelo do Inverno, até que, em Março de 1819, conseguiu finalmente produzir longos cachos de flores azul-lilás, muitíssimo perfumados, fazendo assim justiça ao seu nome chinês Zi Teng ("Vinha Azul") e à designação ocidental que se reporta ao aroma das flores: glicínia, provém do grego glykys que significa "doce". Confirmada a notável aptidão desta Fagaceae (o fruto é uma vagem aveludada) em sobreviver no exterior, e sendo lento o processo de crescimento por semente, a propagação da espécie fez-se por estaca e com um tal entusiasmo que em 1833, excedendo o sonho de alguns representantes da Horticultural Society, era possível encontrá-la não só nos jardins e cottages de todos os gentlemen mas avistava-se também da rua, ornamentando a casa do cidadão comum. Como se poderá concluir da descrição de Jane Kilpatrick, se os ingleses não tivessem podado sistematicamente as suas glicínias, não só elas tinham "forrado a Inglaterra" de alto a baixo como estas "Titânicas" pioneiras, através de vasta descendência, plantada em vários países da Europa no século XIX e início do século XX, teriam por certo, feito desaparecer ou reaparecer alguns dos nossos maiores monumentos. Essa vocação para "guarnecer muros" foi, desde cedo, reconhecida em Portugal. Num artigo de 1870, publicado no "Jornal de Horticultura Prática", o articulista A. J. de Oliveira e Silva, referindo a existência de cinco variedades de glicínias no nosso país, destaca a espécie chinesa: "é a que geralmente se encontra nos nossos jardins; e na verdade, de todas ellas é a mais bella, e a que melhor vegeta no nosso clima, servindo magnificamente para guarnecer muros e cobrir casas de fresco". Em vez de retirar escala à glicínia, houve quem no século XIX, soubesse ajudá-la a crescer, obtendo dividendos da sua espectacularidade. Plantada em 1894, a glicínia de Sierra Madre, Califórnia, é neste momento considerada pelo "Guinness Book of Records", como a maior planta do mundo que dá flor: com 250 toneladas de peso, atingiu cerca de meio hectare, e produz anualmente 1,5 milhões de flores. Também no Japão, o aparato da floração das glicínias ("Fuji"), em particular da espécie nativa (Wisteria Floribunda) constitui uma espécie de culto, levando milhares de nipónicos a visitarem o Ashikaga Flower Park, em Tochigi, onde se encon-


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Fotos: Susana Neves

tra o único túnel de glicínias brancas do mundo ou a revisitarem religiosamente o túnel gigante bicolor do Kawashi Fuji Gardens, em Kitakyusha, cuja floração ocorre de meados de Abril a meados de Maio. Representadas pelos maiores mestres da arte da estampa japonesa, personagem de uma coregrafia dançada no Teatro Kabuki ("Fuji Musume"), as glicínias desempenharam ainda um papel decisivo na obra de Claude Monet. De facto, o pintor impressionista francês não se limitou a plantá-las no seu jardim em Giverny, mas segundo alguns estudiosos, a observação do "colorido suspenso" das flores modificou a sua maneira de pintar, tornando-a ainda mais onírica. Árvore dos pintores, a glicínia chega à Europa no início do século XIX, porque John Reeves, funcionário da Companhia Britânica das Índias Orientais, não era um simples inspector do comércio do chá mas um coleccionador apaixonado de plantas exóticas, que reuniu mais de 2000 desenhos de flora e fauna asiática. É John Reeves quem incentiva Consequa, "o homem mais simpático da China" a vender glicínias ao ocidente. O comerciante chinês, porém, oferece, ao

Latada de glicínias no Jardim do Palácio do Marquês de Pombal, Câmara Municipal de Oeiras e, em baixo, vagem aberta já sem sementes

Comandante Robert Welbank a primeira glicínia que chegou à Europa há 196 anos. Transportada num vaso chinês, a planta é oferecida pelo comandante do navio ao seu cunhado, Charles H. Turner, por quem iniciámos esta crónica. Como alguns comerciantes chineses da época, Consequa morreu pobre, mas o futuro da glicínia parece promissor na arquitectura paisagista e numa nova definição do planeamento estético das cidades, sobretudo para transformar a fealdade e obsolescência de muita da arquitectura dos últimos 50 anos. n MAIO 2012 |

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CONSUMO Lembrar, no Ano Europeu do Envelhecimento Activo e Solidariedade entre Gerações, o importante papel dos seniores em matéria de consumo Pág. 58 l LIVRO ABERTO Livro de estreia de Steve SemSandber, "O Imperador das Mentiras" foi já comparado ao notável "As Benevolentes", de J.Littell, mas vai mais longe e mais fundo. Pág. 60 l ARTES Nikias Skapinakis. Presente e Passado, 2012-1950, no Museu Colecção Berardo, é a mais ampla e significativa antologia dedicada à obra deste artista. Pág. 62 l MÚSICAS Um conselho: ouvir, em Maio, "O que Você Quer Saber de Verdade", de Marisa Monte, e "Black Radio", de Robert Glasper Experiment. Pág. 64 l NO PALCO "Onde estavas quando criei o Mundo?", com Manuela Couto, no TNDMII, fala sobre vida e morte, sobre escolhas, sobre as mudanças que sofremos. Pág. 66 l CINEMA EM CASA Evocação e homenagem, com "A Poeira do Tempo", do grande cineasta grego Theo Angelopoulos, falecido em Janeiro ultimo. Pág.68 l GRANDE ECRÃ Destaques para "Cosmopolis" de D. Cronenberg e "On the Road", de Walter Salles, presentes este ano na competição de Cannes. Pág.69 l TEMPO INFORMÁTICO No mundo da Informática também aparecem de repente as grandes estrelas… os tablets são a coqueluche do momento. Pág. 70 l AO VOLANTE O novo Peugeot 3008HYbrid4 conquista o prémio "Automóvel mais verde do ano"…e o seu "irmão" 508 é eleito "Carro do ano 2012 em Portugal". Pág. 71 l SAÚDE O período que antecede a reforma é um período crítico na vida das pessoas, mas pode ser minorado com uma gestão positiva e inteligente do quotidiano. Pág. 72 l PALAVRAS DA LEI Que peso tem o lado emocional de um Juiz, se tiver que avaliar a maneira como uma testemunha faz as suas declarações em Tribunal? Pág. 73 l

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Boavida|Consumo

Os direitos dos consumidores seniores Assinala-se, em 2012, o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e Solidariedade entre Gerações. Uma boa oportunidade para reequacionar o papel do idoso nas sociedades contemporâneas, onde assume um papel preponderante em matéria de consumo

Carlos Barbosa de Oliveira

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hamar a atenção para a importância do contributo dos idosos para a sociedade e incentivar os responsáveis políticos a tomarem medidas para criar as condições necessárias ao envelhecimento activo e ao reforço da solidariedade entre as gerações", foi um dos propósitos da UE ao declarar 2012 Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade Entre Gerações. Entenda-se por envelhecimento activo a possibilidade de envelhecer com saúde e autonomia, continuando a participar plenamente na sociedade enquanto cidadão, independentemente da idade. Trata-se, enfim, de aproveitar o potencial de cada um até ao fim da vida e consciencializar a sociedade de que as capacidades dos cidadãos idosos podem ser geradoras de movimentos sociais dinâmicos. Neste contexto, há três domínios fundamentais de promoção do envelhecimento activo: emprego, cidadania e saúde. No âmbito do emprego, à medida que aumenta a esperança de vida e a idade da reforma, aumenta também o número de desempregados que, em virtude da idade, têm reduzidas expectativas de voltar ao mercado de trabalho, pelo que a CE reconhece a necessidade de dar melhores perspectivas de emprego aos trabalhadores mais idosos. Cidadania: sair do mercado de trabalho não significa ficar inactivo. O contributo dos mais velhos para a sociedade é muitas vezes ignorado. De facto, esquecemos que são eles que cuidam frequentemente dos netos e até dos próprios pais ou do cônjuge, além de fazerem muitas 58

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vezes um trabalho de voluntariado. Saúde: envelhecimento activo significa desenvolver a capacidade dos idosos para manter a autonomia o máximo de tempo possível. A saúde deteriora-se com a idade, mas as consequências podem ser atenuadas de muitas maneiras, melhorando significativamente a vida das pessoas. Mas se o envelhecimento activo é fundamental para a qualidade de vida dos idoso, não se pode descurar a importância de estabelecer direitos dos consumidores aliados à cidadania, específicos para este grupo de cidadãos que nas duas décadas finais do século XX se alcandorou a target group bem referenciado pelas empresas de marketing. Nada surpreendente, se pensarmos que é um segmento em crescimento que abrange, actualmente, cerca de 30 por cento dos consumidores. O consumidor sénior encara actualmente a idade da reforma numa perspectiva completamente diferente de há uns anos. O reformado deixou de ser visto como um velho que constitui um fardo, para emergir como consumidor autónomo, que tem os seus gostos, prazeres e consumos próprios. Seja na área dos lazeres (com especial incidência no turismo) na cultura, na cosmética, ou mesmo nas clínicas especializadas para manter a forma, o marketing orientado para os consumidores idosos desenvolveu-se nos últimos anos de forma muito significativa. OS DIREITOS DOS CONSUMIDORES SENIORES

Quais são os aspectos a que é preciso dar atenção, numa perspectiva dos direitos dos consumidores seniores? Sendo um grupo com diversas fragilidades que deveremos incluir no grupo de consumidores vulneráveis por JOSÉ ALVES


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razões diversas, é pertinente destacar a dificuldade de acesso à informação, um direito fundamental dos consumidores. Hoje em dia, quase toda a informação destinada aos consumidores é disponibilizada apenas em suporte digital, o que constitui um obstáculo inultrapassável para a maioria dos idosos, que não está familiarizada com as novas tecnologias (só um em cada três tem acesso à Internet). Este facto torna os consumidores idosos mais vulneráveis aos ardis da publicidade e às técnicas sofisticadas de um marketing progressivamente mais agressivo. Por outro lado, vão sendo notícia na comunicação social, casos de novos "contos do vigário", potenciados pela situação que o país atravessa, tendo por principal alvo os consumidores idosos. Acresce que estes consumidores preenchem uma larga percentagem dos analfabetos funcionais. Se prestam pouca atenção aos rótulos dos produtos é, também, porque na generalidade não os compreendem. Extrapole-se a questão para outras situações do quotidiano e logo se conclui, sem dificuldade, ser necessário dar mais atenção, por exemplo, à publicidade a produtos que lhe são especialmente destinados, como é o caso de uma vasta gama de "produtos milagre", autênticas promessas de elixires de juventude capazes de operar transformações miraculosas, ou panaceias para curas de todas as doenças. O mercado para seniores mudou radicalmente na natureza dos serviços (saúde, reparações, acompanhamento, ensino, lazer e entretenimento, turismo, etc.). Esta proliferação de serviços deve-se, em parte, ao alargamento do conceito de cidadão sénior que, de acordo com um estudo do Eurobarómetro, oscila nos diferentes países europeus entre os 55 e os mais de 85 anos. É cada vez mais estreita a faixa de consumidores seniores com uma vida tranquila, podendo usar a seu bel-prazer os activos financeiros. Em contrapartida, os seniores vivem responsabilidades intergeracionais mas não se desobrigam dos seus consumos específicos (capital - saúde, cosméticos e bem-estar, vida associativa...). O consumidor idoso é um sujeito passivo no ciclo de produção, na medida em que não determina nem conhece os modos de produção, os meios de distribuição e nem sequer decide pela produção deste ou aquele produto ou serviço. Não raras vezes, o sector privado a faz uma discriminação positiva, atribuindo regalias de diversa índole. Na esfera pública, pelo contrário, esses direitos têm vindo a ser restringidos. É certo que nos transportes públicos há lugares reservados a idosos mas, ironicamente, esses lugares (quatro em cada carruagem de metro) são

igualmente destinados a deficientes e adultos com crianças de colo… Nos serviços públicos deveria estar consagrada, de forma generalizada, a prioridade de atendimento aos idosos como acontece, por exemplo, no Brasil. Obrigar os idosos (muitas vezes com mais de 70 ou 80 anos) a ficarem horas debaixo de sol e chuva, para serem atendidos em repartições públicas, não abona muito em favor do tratamento dos mais velhos. O Ano Europeu do Envelhecimento Activo e Solidariedade entre Gerações pretende encorajar todos os decisores políticos e outras partes interessadas a definirem compromissos específicos em matéria de envelhecimento activo e a agir no sentido de os concretizarem. Uma diferenciação dos horários de trabalho e períodos de férias mais alargados, por exemplo, seriam medidas que dignificariam o estatuto do idoso e contribuiriam como incentivo ao prolongamento da sua vida activa. Iludir a questão da discriminação positiva do consumidor/cidadão idoso, contribui apenas para acelerar a vontade de pedir a reforma.n


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Boavida|Livro Aberto

História, ficção e teatro com a guerra e a crise em fundo Num mundo que evidencia crescentes sinais de crise, de uma crise que é financeira, social, moral, política e também de valores estruturais, não cessa de aumentar o interesse das editoras e dos leitores pela II Guerra Mundial, enquanto momento trágico, de ruptura e mudança na história da humanidade.

José Jorge Letria

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essa abordagem destacam-se acontecimentos como o Holocausto, que custou a vida a mais de seis milhões de judeus, e o desembarque triunfante dos Aliados na Normandia. Por isso aqui se põem em evidência duas edições muito recentes, que se impõem pela qualidade, pelo rigor, pela actualidade e pelas janelas que abrem sobre factos que nunca chegámos a conhecer na sua complexa totalidade. Um deles é o extenso e fascinante romance "O Imperador das Mentiras" (D. Quixote), de Steve SemSandberg. Esta obra de quase 700 páginas é um romance sobre o gueto judaico de Lódz, que se lê como emoção e gosto, por revelar, além dos factos, um profundo conhecimento da condição e da natureza humanas. O autor teve como base de trabalho o arquivo daquele gueto, no qual encontrou muitos factos oficiais e outros até há pouco desconhecidos e, por isso mesmo, de grande

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relevância e valor para a construção da narrativa. É também um livro sobre a memória e sobre as grandezas e misérias do ser humano, construído com fluência, talento e uma invulgar capacidade de prender a atenção do leitor. Livro de estreia de Steve Sem-Sandber, "O Imperador das Mentiras", foi já comparado ao notável "As Benevolentes", de Jonathan Littell, mas vai mais longe e mais fundo. O autor nasceu em 1958, em Oslo. A segunda obra em destaque que tem a II Guerra Mundial em fundo é "O Dia Mais Longo-um Relato Verídico" (Casa das Letras), de Cornelius Ryan, autor de livros como "A Última Batalha". Estamos em presença de uma narrativa factual poderosa e cativante que nos relata a forma como cerca de três milhões de homens, 11 mil aviões e quatro mil navios ajudaram a liberdade a triunfar sobre o terror e opressão. Um livro que deverá ser lido atentamente também na Alemanha, sobretudo por aqueles que, mesmo sem recurso à guerra, querem mandar na Europa, através da imposição das regras que tanto satisfazem os interesses dos mercados financeiros.


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Destaque, por outro lado, para o excelente trabalho antológico "Uma Sociedade Funcional" (D. Quixote), que reúne alguns dos textos e reflexões mais marcantes de Peter Drucker, um dos gurus da gestão contemporânea. Um livro de leitura obrigatória para quem quiser perceber como está organizada e funciona a sociedade contemporânea, seja no plano económico, seja no político e no cultural. JONATHAN FRANZEN, classificado pela "Time" como "o

grande romancista americano", tem em "Zona de Desconforto"(D. Quixote) um brilhante livro de memórias que nos ajuda a compreender o seu fascinante universo ficcional e também o tempo americano a que este texto autobiográfico se refere. Franzen, que é autor de alguns dos livros mais lidos nos Estados Unidos e no mundo na actualidade, nasceu no Illinois em 1959 e vive e escreve em Nova Iorque. Um livro de um grande escritor, em qualquer época ou em qualquer lugar. No que toca à ficção narrativa recentemente lançada,

já em tempo de restrições evidentes na quantidade de obras publicadas, o destaque vai para "A Vida Privada de Maxwell Sim" (D. Quixote), do britânico Jonathan Coe, e para o surpreendente "Ribamar" (D.Quixote), do brasileiro José Castello, distinguido com Prémio Jabuti 2011 e que se impõe como uma poderosa narrativa sobre a relação de um filho com um pai. Baseado na série homónima apresentada pela RTP 2 em 2011, "Endereço Desconhecido" (Oficina do Livro), de Tiago Salazar, é um guia singular de um viajante cosmopolita sobre os últimos países que aderiram à União Europeia. Uma obra que confirma e reforça a popularidade da literatura de viagens. Autor fundamental da literatura para os mais novos, mas também dramaturgo de produção intensa e muito representativa, António Torrado acaba de lançar "Atirem-se ao Ar!"(Caminho), peça de teatro sobre a história travessia do Atlântico Sul feita por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, em 1922. A peça agora publicada em livro foi levada à cena em Maio de 2003, pelo Teatro Experimental do Funchal.n


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Boavida|Artes

Nikias Skapinakis no CCB

Uma singular capacidade de síntese

A exposição Nikias Skapinakis. Presente e Passado, 2012-1950, que o Museu Coleção Berardo, CCB, Lisboa, está a apresentar até ao próximo dia 19, constitui a mais ampla e significativa antologia dedicada à obra deste criador artístico, reconhecido como um dos nomes mais relevantes da arte portuguesa na segunda metade do século XX. Rodrigues Vaz

A

exposição, comissariada por Raquel Henriques da Silva, organiza-se em sete núcleos reveladores da extraordinária amplitude e diversidade, bem como das inúmeras possibilidades formais e expressivas do trabalho de Nikias Skapinakis, desenvolvido durante mais de sessenta anos. A singular capacidade de síntese na abordagem da imagem e o permanente diálogo com a cultura ocidental, que as suas pinturas definem, torna claro o sentido e o valor do seu contributo. De ascendência grega, Nikias Skapinakis nasceu em Lisboa, onde vive. Frequentou o curso de Arquitectura, que abandonou para se dedicar à pintura. Tendo iniciado a sua carreira com a participação, em 1948, nas Exposições Gerais de Artes Plásticas, foram os seus trabalhos como retratista de personalidades da vida cultural portuguesa (Almada Negreiros, Manuel Baptista, Maria João Pires, Natália Correia, entre muitos outros), evidenciando influência da arte pop, que começaram a dar-lhe notoriedade. ARTE URBANA NA GALERIA ANTÓNIO PRATES

Entretanto, a Galeria António Prates, Lisboa, concretizando o 62

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Nikias Skapinakis, Retrato dos Criticos

seu objectivo de apoiar a arte nacional e os artistas jovens, apresenta no seu espaço da rua Alexandre Herculano uma exposição muito sui-generis, intitulada "Além Paredes", que segue uma das mais importantes correntes artísticas da atualidade, a Street Art ou Arte Urbana. A exposição engloba obras de 10 artistas nacionais já com um extenso trabalho nesta vertente artística, Costah, Dalaiama, EL ST, ± , MAR, Maria Imaginário, Pantónio, RAM, Target, e YUP- Paulo Arraiano, e conta ainda com a presença especial de um artista estrangeiro, renomado no meio da Street Art, Robert Proch. Os artistas foram convidados a trazer a rua para dentro da Galeria, e pintar a totalidade da exposição dentro da Galeria, nas suas paredes, pelo que o espaço está dinamizado pelas pinturas e instalações dos artistas, às quais não foram impostos limites de escala ou de ocupação de espaço,


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resultando num projecto de cariz instalativo e inovador. Segundo os responsáveis da Galeria, com esta atitude, pretendem esbater os limites entre o que estes artistas fazem na rua e o que fazem num espaço interior como uma Galeria, dando a provar ao público a verdadeira vida própria de que está imbuída esta forma de criação artística. TIAGO BAPTISTA E KIKI LIMA

Por sua vez, Tiago Baptista mostra na Galeria 3+1 ARTE CONTEMPORÂNEA, igualmente em Lisboa, em pleno Chiado, os seus últimos trabalhos, "O que fazer com isto", um conjunto de pinturas onde a ideia de "crise ou cataclismo" está presente funcionando como premissa para a representação do fim de algo e ao mesmo tempo um desejo de recomeço. Segundo o artista, "Esta ideia de crise é acentuada pela utilização de espaços arruinados, não lugares, outrora concebidos para determinada função, entretanto ultrapassados e tornados inúteis face ao processo civilizacional. Esta falha ou interrupção do processo é explorada também ao nível da construção da personalidade. A falha do projecto social, político, cultural, religioso enquanto potenciadores da falha individual e da necessidade da sistemática autoavaliação." Por último, vale a pena assinalar o regresso do pintor cabo-verdiano Kiki Lima a Portugal, desta vez para apresentar a exposição Plástic-ô-Musical, a fazer jus às suas outras capacidades além da pintura: poeta, compositor e intérprete da música tradicional caboverdiana, com dois discos editados. Dono de uma fluidez cromática rara, Kiki Lima, que alcançou merecido sucesso com exposições realizadas em vários países, mostra, através das suas telas, marcadas por um expressionismo encantatório e por uma acertada luminosidade, as tradições do seu povo, em cenas quotidianas de trabalho e festa, tudo com grande acento nostálgico.n

Pintura de Kiki Lima


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Boavida|Músicas

Da “Verdade” de Marisa Monte à música de vanguarda de Glasper Aqui se aconselha, para este mês de Maio, a audição atenta dos álbuns "O que Você Quer Saber de Verdade", da brasileira Marisa Monte, e "Black Radio", do norte-americano Robert Glasper Experiment.

Dora Jobim

hoje um singular elo de ligação entre várias gerações de melómanos. "O que Você Quer Saber de Verdade" é um álbum amável, de uma compositora e intérprete amadurecida. ROBERT GLASPER EXPERIMENT

Vítor Ribeiro

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cantora e compositora Marisa Monte apresentanos 14 canções em que aborda o tradicional tema do amor, nas modalidades da infidelidade, do desencontro, da procura, da desilusão, da felicidade quase nunca atingida, ou momentaneamente alcançada… Responsável também pela produção do CD, Marisa contou com a cumplicidade dos "velhos" companheiros de jornada Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, que nos ido de 2002 se constituíram em "Tribalistas" e lançaram um álbum de referência da Música Popular Brasileira. Marisa Monte integra a geração de músicos, compositores e cantores brasileiros surgidos no final da década de 80 e durante a década de 90 do século XX, em que se destacaram, para lá dos nomes já referidos, Adriana Calcanhoto, Seu Jorge e Daniela Mercury entre outros. Com pouco mais de 14 anos, Marisa, agora com 45, começou por estudar canto lírico, descobrindo e praticando em seguida estilos tão diversos como o rock, o blues, o samba, o jazz, a bossa nova… De todo este ecletismo nasceu um estilo próprio, que faz com que a cantora seja 64

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"Black Radio" é o título genérico do mais recente álbum do músico e compositor norte-americano Robert Glasper. Nascido em Houston, Texas, 1978, Glasper é um pianista formado na escola do jazz, cujo trabalho de pesquisa faz convergir aquele género musical com o hip-hop e o R&B (rythm and blues), para dar lugar a uma sonoridade de vanguarda. A opção experimentalista do músico reflete-se, de resto, no nome do grupo - "Robert Glasper Experiment" - e que no CD agora chegado até nós conta com a participação de Erykah Badu, yasin bey, Lupe Fiasco and Bilal, Ledisi, King, Lalah Hathaway, Stokley e Hindi Zahra, entre outros. Um total de 13 temas integra o álbum "Black Radio", cuja produção é igualmente assinada por Robert Glasper. Glasper fez-se acompanhar neste trabalho pelos músicos Casey Benjamin (saxofone), Derrick Hodge (baixo eléctrico) e Chris Dave (bateria). n CONCERTOS MARTA HUGON EM GUIMARÃES

Marta Hugo efectua um concerto dia 11 de Maio, no Centro Cultural Vila Flor, Guimarães, pelas 21h30. A cantora interpretará temas do novo álbum "A Different Time". BETHÂNIA NO PORTO E EM LISBOA

A cantora brasileira Maria Bethânia actuará no Coliseu do Porto, dia 8 de Maio e no Coliseu de Lisboa dia 12 de Maio. Às 20h30. A artista dedicará especial atenção ao repertório de Chico Buarque.


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Boavida|No Palco

Da vida e da morte A Vida e a Moral humanas são postas em discussão numa peça feita para uma actriz, Manuela Couto. "Onde estavas quando criei o Mundo?" fala sobre vida e morte, sobre escolhas, sobre as mudanças que sofremos. Para ver até 13 Maio na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II.

minados casos, não poderemos fazer de Deus (deuses) e tratarmos nós mesmos do que nos parece um castigo imoral imposto por alguém ou algo, que não é de todo Justo? Durante as alegações finais, esta Mãe/Mulher vai contando ao público, que também é confessor, juiz e jurado, a evolução da sua vida. O que é a Maternidade, o que representa o Casamento, com várias alusões aos textos religiosos do Livro de Jó e da história de Isaac. Aqui serão várias as questões colocadas, não para responder, mas acima de tudo, reflectir. FICHA TÉCNICA: de Artur Ribeiro; Versão cénica e

encenação: João Mota; Figurinos: Carlos Paulo; Desenho de luz: José Carlos Nascimento; Sonoplastia: Hugo Franco; Interpretação: Manuela Couto; Produção TNDM II

"MEDIDA POR MEDIDA"

Maria Mesquita

M

anuela Couto é a única actriz nesta peça criada especialmente para ela, por Artur Ribeiro. O autor começa logo por dizer que não gosta de escrever textos sobre as suas próprias criações, uma vez que a biografia e análise das personagens acabam por pertencer a cada espectador. As ideias vão surgindo e fluindo, e isso é o essencial. Neste enredo, encenado por João Mota, amigo antigo da actriz, temos uma mulher que, em tribunal, se auto defende após ter despedido o advogado. O crime, aos olhos da sociedade é hediondo. Uma mãe que mata um filho. Mas antes de haver uma condenação, tem de se conhecer o porquê. O que pode levar um pai/mãe a um desespero tão grande para cometer tal acto de violência? A resposta é estranhamente mais simples e, ao mesmo tempo, tão mais complexa. O que pode levar alguém a cometer este crime, poderá simplesmente ser a defesa da integridade humana. Quando vemos alguém que amamos sofrer, não nos caberá o direito de colocarmos um ponto final ao seu sofrimento, sabendo que essa pessoa nunca poderá recuperar? O que é a eutanásia? Será que em deter66

TempoLivre

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Numa co-produção entre o Teatro Nacional de São João e o Teatro Municipal de S. Luiz, pode-se ver, de 5 a 13 de Maio no Porto, e de 17 a 20 Maio em Lisboa, a peça "Medida por Medida", de Shakespeare. "Algo está podre no Reino de Viena". Pelo menos é assim que este texto poderia começar. Para os estudiosos e críticos literários, a peça marca o fim das comédias "Shakespearianas", e abre caminho aos dramas que caracterizam de forma tão brutal, grande parte da obra do genial autor inglês. Nesta "Medida por Medida", temos uma comédia sombria, onde o Poder e o sexo se misturam, no antro de corrupção e favores políticos. O Duque de Viena sai de cidade com ideia de descanso. Para continuar a sua acção contra a corrupção moral, pede a Ângelo que o substitua. Contudo, este juiz, que aceita o cargo, depressa percebe como é fácil utilizar o Poder em proveito próprio, acabando por gerar situações graves. Acima de tudo, este texto serve para demonstrar até que ponto é que podemos abdicar da nossa responsabilidade cívica, colocando nas mãos de pseudo-ditadores, as vidas daqueles por quem somos responsáveis. FICHA TÉCNICA: de William Shakespeare; Tradução:

Fernando Villas-Boas; Encenação: Nuno Cardoso; Cenografia: Fernando Ribeiro; Música original: Rui Lima, Sérgio Martins:


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Interpretação: Afonso Santos, Catarina Lacerda, Cláudio da Silva, Daniel Pinto, João Melo, Luís Araújo, Paulo Calatré, Pedro Frias, Romeu Costa e Sara Carinhas; Co-produção Ao Cabo Teatro / Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura / Teatro Nacional São João / São Luiz Teatro Municipal "O ABAJUR LILÁS"

De 16 a 27 de Maio, A Escola da Noite e o Centro Dramático de Évora (Cendrev) apresentam, em Coimbra, no Teatro da Cerca de São Bernardo, "O Abajur Lilás", de Plínio Marcos (1935-1999). Escrito num português amplo, o texto é uma poderosa metáfora das diferentes formas de reagir em contextos de opressão. Dilma, Célia e Leninha são três prostitutas que partilham o quarto onde vivem e trabalham. Giro, o proprietário, acha que elas são pouco produtivas e exerce sobre elas as formas

de pressão e de motivação que conhece, com a ajuda de Osvaldo, uma espécie de secretário musculado. As relações entre as cinco personagens evoluem tragicamente a partir do momento em que se quebra o abajur que iluminava o quarto…. A linguagem utilizada (o calão da cidade de Santos, São Paulo, de onde Plínio é natural) e a alegada obscenidade do texto foram os argumentos avançados pela censura brasileira para, por duas vezes, proibir a estreia do espectáculo. Numa sociedade em que a violência física e verbal está difundida e banalizada até ao ponto da indiferença, é essa profundidade da obra de Plínio que mais toca, quase 40 anos depois da sua escrita. Nenhuma censura consegue pôr cobro a essa reflexão; nenhuma forma de opressão - política, social ou económica, mais assumida ou mais nebulosa - lhe escapa. FICHA TÉCNICA: O Abajur Lilás, de Plínio Marcos;

encenação: António Augusto Barros; interpretação: Ana Meira, José Russo e Rosário Gonzaga (Cendrev) e Maria João Robalo e Miguel Lança (A Escola da Noite)


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Boavida|Cinema em Casa

Angelopoulos e outras fitas Aqui se evoca e homenageia o grande cineasta grego Theo Angelopoulos, falecido em Janeiro último, com um dos seus derradeiros filmes "A Poeira do Tempo". Seguem-se três outras interessantes sugestões; o surpreendente thriller de Almodôvar, A Pele onde eu vivo; o notável e dramático, As Serviçais, de Tate Taylor; e a divertida comédia, O Regresso de Johnny English, de Oliver Park. Sérgio Alves Título original: I Skoni Tou

Banderas, Elena Anaya,

O REGRESSO

Um cineasta norte-americano

A POEIRA DO TEMPO

Hronou; Realização:

Marisa Paredes, Jan Cornet;

DE JOHNNY ENGLISH

de origem grega dirige um

Theodoros Angelopoulos;

Espanha, 117m, Cor,

Johnny English está de volta!

filme autobiográfico que se

Com: Willem Dafoe, Bruno

2011;Edição: Pris

Nesta aventura, o mais perigoso

passa em Itália, Alemanha,

Ganz, Michel Piccoli, Iréne

Rússia, Canadá e EUA. Uma

Jacob; Grécia, 125m, Cor,

AS SERVIÇAIS

Majestade vai enfrentar um gang

2008; Edição: Leopardo Filmes

Anos 60: no Sul dos EUA

internacional de assassinos para

ainda impera a segregação

evitar que um líder mundial seja

história sobre a sua vida e a dos

agente ao serviço de Sua

seus pais, atenta,

A PELE ONDE EU VIVO

racial. Skeeter, uma jovem

eliminado e que o caos se

paralelamente,

Em Toledo, o cientista e

branca que quer ser escritora,

instale. Depois de um longo

aos acontecimen-

cirurgião Dr.Robert Ledgard

rejeita a sociedade em que

treino numa região remota da

tos decisivos do

procura, após a morte trágica

vive e os preconceitos domi-

Àsia ele está de

século passado.

da sua mulher (que morreu

nantes. Ela vai tentar romper

volta para tentar

carbonizada depois de um aci-

com a situação quando decide

salvar o mundo

Os protagonistas do filme movem-se como num sonho e

dente de

entrevistar as mulheres negras

com as mais

"a poeira do tempo" baralha as

viação), criar

que trabalham nas casas das

avançadas técnicas

recordações. As memórias que

uma pele sin-

famílias sulistas. Apoiando-se

o realizador busca e que acaba

tética capaz de

em Aibileen, a primeira criada

combate. O Regresso de Johnny

por viver no presente. Falecido

resistir ao fogo

negra a querer contar a sua

English assinala o reencontro do

em Janeiro passado, quando

e a outras

história, a jovem vai iniciar

comediante britânico Rowan

rodava mais uma filme,

ameaças. Ele

de espionagem e

uma luta emo-

Atkinson com o seu púbico

Angelopoulos era o mais co-

vive isolado na sua mansão na

cionante que

numa divertida comédia, ideal

nhecido cineasta grego da

companhia da sua criada

terá um final

para um serão bem passado em

actualidade. Autor de uma fil-

Marilia e de Vera Cruz, a coba-

feliz. Adaptado

família. Numa sátira deliciosa ao

mografia notável - com

ia humana que está a testar a

do best-seller

universo da espionagem, o filme

inesquecíveis bandas sonoras

sua experiência. Mas a

de Kathryn

combina um humor único com

de Eleni Karaindrou - o rea-

aparente tranquilidade tem os

Stockett, As Serviçais foi um

um ritmo alucinante e sequên-

lizador helénico conquistou a

dias contados quando um

dos grandes êxitos do cinema

cias de acção inolvidáveis lide-

Palma de Ouro de Cannes "A

assaltante entra dentro de casa

norte-americano em 2011,

radas pelo inspirado humorista

Eternidade e um Dia" (1998).

e viola Vera Cruz…O regresso

nomeado, com inteira justiça,

britânico, vulgarmente conheci-

Foi um dos grandes rea-

de Almodôvar - com um elen-

para os Óscares (incluindo o

do por "Mr. Bean". Uma comédia

lizadores europeus da sua ge-

co de bons actores, liderado

de melhor filme). Obteve o

Divertidíssima rodada em vários

ração, com um olhar único

por António Banderas - foi um

Óscar de Melhor Actriz

países e cidades mundiais numa

sobre as questões fundamen-

dos momentos marcantes da

Secundária para Octavia

clara homenagem ao espião

tais da humanidade e da

edição de 2011 do festival de

Spencer.

mais famoso do mundo: 007!

sociedade grega e europeias

Cannes com mais um filme

Título original: The Help;

Título original: Johnny English

em particular, patente em ou-

"negro" carregado de drama e

Realização: Tate Taylor; Com:

Reborn; Realização: Oliver Parker;

tras obras marcantes como "A

emoção, premiado em diver-

Emma Stone, Viola Davis,

Com: Rowan Atkinson, Gilian

Viagem dos Comediantes"

sos festivais.

Octavia Spencer, Jessica

Anderson, Rosamund Pike,

(1975, "O Olhar de Ulisses"

Título original: La Piel Que

Chastain; EUA/Índia/ EAU,

Dominic West; EUA/França/GB,

(1995) e "O Passo Suspenso da

Habito; Realizador: Pedro

146m, cor, 2011; Edição: Zon

101m, cor, 2011; Edição: Zon

Cegonha" (1991).

Almodôvar; Com: Antonio

Lusomundo

Lusomundo

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Boavida|Grande Ecrã

Representar o vivido Como não poderia deixar de ser, as atenções em Maio recaem nos mais aguardados: "Cosmopolis" de David Cronenberg e "On the Road", de Walter Salles, presentes este ano na competição de Cannes. Noutra latitude, assinalamos a estreia de "Nana" (retrato terno e doce sobre a infância),de Valerie Massadian e "Rafa" -a curta portuguesa premiada com Urso de Ouro na Berlinale deste ano -, de João Salaviza.

Joaquim Diabinho

A

Kerouac, "On The Road" cuja dimensão intemporal e universal perpassou todas as épocas e todos os países, influenciou gerações de escritores e o próprio cinema (p.ex., "Easy Rider","Paris Texas","Thelma e Louise", entre outros) e foi, ao mesmo tempo, um apelo vibrante à liberdade. Conhecendo o trabalho anterior de Salles não será surpresa se a epopeia de Jack Kerouac /Sal e Neal/DeanCassady tiver o efeito "mágico" de provocar no espectador um desejo forte de aceder ao livro. A ver vamos se sim... .

daptando "Cosmópolis, um dos famosíssimos e perturbantes romances de culto da autoria do escritor e dramaturgo norte-americano de ascendência transalpina, Don DeLillo, Cronenberg, parece (a Cenas de “Cosmópolis” e “Nana” ajuizar pelas imagens em movimento que circulam na net...) ter sabido apropriar-se com eficácia do universo perturbante e sarcástico - emprestando-lhe uma carga surrealista poucas vezes vista –, não apenas no tratamento da atmosfera urbana caótica e humanamente bizarra das ruas de OLHARES SOBRE A INFÃNCIA E New York mas sobretudo na fiJUVENTUDE. A frase é dejá vú e ligrana psicológica do protagonista. A história de Eric simplista mas cumpre na perfeição para o que aqui a Packer (excelentemente interpretado por Robert Pattinson), seguir interessa:"Nana", primeira longa-metragem da um milionário especulador, em crise de consciência francesa Valérie Massadian que obteve o prémio de me("porque não constrói nada, porque não tem uma activilhor primeira obra em Cannes o ano passado, é a história dade produtiva"...), que enriqueceu à custa das flutuações de uma menina de quatro anos que vive com a mãe numa dos preços e das oscilações da bolsa e do iene que um dia casa na floresta. Um dia fica sózinha e Nana (excelente sai da sua mansão para a limousine para ir cortar o cabelo. Kalyna Lecomte!) põe-se a realizar as tarefas caseiras Mais uma fábula de evidentes ressonâncias morais pelo como a mãe fazia. A grande força do filme é a relação que autor do poderoso "Naked Lunch". a câmara estabelece com a criança e que se manifesta na liberdade de movimentos que é dada à personagem deixaA pertinência de "Cosmópolis" (obra literária) é ter em da à solta no filme. Em jeito de crónica documental – fic2002 ficcionado uma realidade próxima daquela que vivecionada, Massadian dá um retrato estimulante, pleno de mos na actualidade. Para mais, a odisseia (tragicómica) de respeito e encanto pela criança como raras vezes se viu no Packer não lhe apazigua os tormentos, eleva-os é a uma cinema. O mesmo se poderá dizer de "Rafa", curtaoutra dimensão. De resto, Salman Rushdie disse de metragem com que João Salaviza arreebatou o grande DeLillo que é "o poeta da nossa desumanização". Não prémio em Berlim. Para além do "fait-divers" - um jovem podia ser mais certeiro. de treze anos descobre que a sua mãe está detida numa esquadra de policia e resolve ir visitá-la e esperar a sua DO BRASILEIRO WALTER SALLES, (lembram-se do emociolibertação.Excelente fluídez narrativa, capacidade de nante,"Central do Brasil"?!) chega-nos -a partir de quinta, observação de comportamentos e, sobretudo, um talento 31- uma inesperada mas... previsível visita aos anos do invulgar de testemunhar sobre questões existenciais e movimento da geração beat através da adaptação inspisociais.n radíssima da obra mítica e de culto do escritor Jack MAIO 2012 |

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Boavida|Tempo Informático

As estrelas da informática No mundo da Informática também aparecem de repente as grandes estrelas. Em qualquer loja da especialidade ou nos centros comerciais, os dispositivos à volta dos quais as pessoas se passeiam, os observam e experimentam, são sem sombra de dúvida os tablets. São a coqueluche do momento.

Gil Montalverne

T

ajuda@gil.com.pt

oda a gente, apesar da crise, deseja um tablet. Vêem os apresentadores e jornalistas da TV, comentadores, artistas e até membros do governo, com um deles nas mãos. Muito práticos de facto, está lá tudo, ou quase, o que pretendemos, desde consulta da Internet ao email, escrever textos, ler jornais e revistas, GPS, fotografia e vídeo, logo visíveis naqueles ecrãs e muito mais. O problema é a escolha. Desde que Steve Jobs apresentou na Apple o primeiro iPad, há cerca de 2 anos, não tardou que as restantes marcas, usando o sistema aberto Android, apresentassem também os seus próprios tablets com idênticas aplicações ou Apps. E o mercado foi inundado pelos tablets. Com ecrãs de iguais dimensões ou quase, possuem funcionalidades comuns e até novas que existem apenas em alguns onde lhes faltam por sua vez terceiras, etc. O nosso conselho é escolher em função do que pretende fazer com o tablet e também do preço que igualmente varia. Eis alguns exemplos, além da última versão Apple iPad 3 que tem o essencial, sem portas USB e apenas slot micro SIM e saída de 3,5mm, uma das estrelas, sobretudo para os adeptos dos MAC. Se pretende aplicações ou Apps muito semelhantes, actuando como os diver-

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sos programas ou aplicações de um PC, no sistema aberto Android, tem muitas hipóteses. Com portas USB para uma Pen, mini USB para outros dispositivos, HDMI para televisor, Internet 3G, cartão SD, câmara de foto e vídeo posterior de 5 Megapixeis e frontal para utilizar em chat ou video conferência, pode escolher o Toshiba AT1003G. Mas se De cima para baixo: Asus Prime ou EE já usa Smartphone com cartão Pad; Ipad3; Samsung Internet, pode criar um HotSpot que galaxy tablet;Acer capta no tablet por WiFi (todos os Iconia A700 (esq.) e Toshiba AT200 tablets têm WiFi) e escolhe o mode(dir.) lo igual da Toshiba, sem 3G, que é mais barato. Os tablets possuem teclado virtual por toque e podem rodar na vertical ou horizontal mas outro aspecto que pode ser importante é a existência em alguns modelos de teclado extra onde se coloca o tablet e se escreve comodamente, usando o tablet como monitor. É o caso, por exemplo, do Asus Prime ou EE Pad ou dos Toshiba (entre outros). Mas também pode considerar a hipótese de ter no tablet um sistema operativo tal como num portátil e opta por exemplo por um Samsung, anunciado para breve já com o Windows 8. Para ter a melhor qualidade em Full HD nos seus vídeos escolhe o Acer Iconia A700. O peso é importante? Tem o AT200 da Toshiba que é neste momento o mais fininho. Em contrapartida é o mais caro, não tem porta USB nem para cartão SD. Analise sempre a memória de armazenamento interna (mais memória são mais caros) e a autonomia. Pense no que é mais importante para si no tablet, compare preços e só depois tome a decisão. n


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Boavida|Ao volante

Modelos Peugeot ganham prémios O novo Peugeot 3008HYbrid4, acaba de ser galardoado com o prémio "Automóvel mais verde do ano", enquanto que o seu "irmão" 508 foi eleito "Carro do ano 2012 em Portugal".

Carlos Blanco

A

o lançar o primeiro veículo Full Hybrid diesel no mundo - o 3008 HYbrid4 - a Peugeot propõe uma oferta inédita em matéria de liberdade e de sensações de condução. A denominação HYbrid4 designa a hibridação de um motor térmico (um 2,0 HDI de 163 cavalos) com um motor eléctrico com com uma capacidade máxima de 27 KW (27 cavalos). Os motores diesel consomem menos que os motores a gasolina, pelo que logicamente este foi o tipo de energia escolhida para a hidridação. No Crossover 3008 a associação virtuosa do diesel e da electricidade permite propor: 4 rodas motrizes; 200 cavalos de potência; 3,8 litros/100 km, a partir de 99 g/km de CO2; e modo ZEV (Zero Emission Vehicle). O 3008 HYbrid4 foi concebido para seduzir clientes orientados para a tecnologia exigente, em busca de uma viatura valorizante e original. O seus trunfos residem na capacidade de cruzar os géneros pela sua arquitectura exterior, com uma corroçaria portadora de genes do SUV, do monovolume ou da berlina. Pelos seus elementos de estilo específicos, comparativamente com o conjunto da gama 3008, conjugando potência e protecção, força e elegância, lazer e estatuto. Pelo seu interior inesperado e tecnológico, que alia o ambiente de um coupé dotado de um equipamentos high-tech com uma modularidade pática e eficaz. E pelas suas prestações dinâmicas, já que, graças aos conhecimentos da marca do leão e às tecnologias empregues, este veículo "monocorpo sobreelevado" oferece qualidades dinâmicas que nada ficam a dever às de uma berlina. Ao adoptar a tecnologia HYbrid4, o Peugeot 3008 é o primeiro automóvel de série "Full Hybrid" diesel comercializado em todo o mundo e, agora, distinguido com o

troféu internacional "Volante Verde/Carro Ecológico de 2012". PEUGEOT 508 "CARRO DO ANO" EM PORTUGAL

O Peugeot 508 foi o vencedor do Carro do Ano/Troféu Essilor Volante de Cristal 2012. O concurso que é o mais antigo em Portugal, visa distinguir o melhor automóvel comercializado no nosso País e é atribuído por 18 jurados, representantes de outros tantos órgãos de comunicação social. Para a Peugeot Portugal, este prémio representa o reconhecimento da qualidade superior do 508 que, desde a sua comercialização, tem gozado de uma grande aceitação no mercado português, quer entre clientes particulares, quer entre as empresas. Para obter o tão desejado título de Carro do Ano de 2012, o Peugeot 508 superiorizou-se aos restantes 21 modelos candidatos (Chevrolet Volt/Opel Ampera. Citroen DS4, Ford Focus, Hyundia i40, Kia Rio, entre outros) numa análise apurada de 31 items, que vão desde a estética, a qualidade de construção, o comportamento e a segurança, as performances e o conforto, até à ecologia/ambiente, consumos e preços, entre outro. n MAIO 2012 |

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Boavida|Saúde

Preparar a reforma 2012 é o ano escolhido pela Comunidade Europeia para promover o envelhecimento activo da população e para incentivar a solidariedade entre gerações.

M. Augusta Drago

E

medicofamília@clix.pt

ste ano, no grande "fórum europeu", debatem-se os problemas do envelhecimento da população e estudam-se meios para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos mais idosos Ao longo dos últimos anos tenho partilhado convosco preferencialmente informações sobre as doenças deste grupo etário, no sentido de fazer a sua prevenção sempre que possível e, quando já não é possível prevenir, dar orientações terapêuticas atempadas. Hoje, o que vos proponho tem tudo a ver com saúde: desafiovos a pensar e a preparar a vida para depois da reforma. Conheço muitas pessoas que vivem atemorizadas com a perspectiva de envelhecer, dão-se conta de que a diminuição da acuidade em alguns dos sentidos afecta o seu desempenho global e confundem as limitações normais da idade com doença. É necessário fazer uma abordagem positiva e não confundir. Saúde não é só a ausência de doenças, mas, sobretudo, um bem-estar físico e psíquico para o qual temos que trabalhar. Muitas outras pessoas, na meia-idade, consideram que se encontram ainda longe desta situação e acham que, quando chegar a sua vez, será tudo diferente. Será de facto diferente se, enquanto tiverem força e capacidade, fizerem alguma coisa para preparar esse futuro. Nos 27 países da União Europeia as taxas de emprego dos trabalhadores com idades entre os 55 e os 64 anos são de cerca de 50% e mais de metade destes trabalhadores mais velhos, pelas mais diversas razões, deixa de trabalhar antes da idade obrigatória para a reforma. Perante uma população envelhecida e sem ocupação regular, estudam-se cenários de melhorar e prolongar as carreiras profissionais para as adequar à maior esperança de vida de que hoje usufruímos.

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Enquanto estas e outras medidas não forem tomadas, é urgente que cada um se interrogue seriamente sobre o que desejaria fazer e como gostaria de ser tratado no dia em que não tiver de se levantar cedo para ir trabalhar, mas em que ainda se sente útil à sociedade. Ao longo dos anos em que trabalharam, dentro e fora de casa, todos adiaram muita coisa que gostariam de fazer e não fizeram, porque na altura não dispunham de tempo livre. Alguns, mais acautelados, defenderam um quinhão desse tempo para o seu lazer ou para um empreendimento e, afortunados, já possuem um ponto de partida para a ocupação do seu tempo. Costumo perguntar aos meus doentes se têm alguma actividade preferida para os períodos de lazer e, frequentemente, a resposta é afirmativa. Se depois dos cinquenta anos alguém me diz que não faz nada de especial e não tem em mente qualquer iniciativa, fico preocupada, incito-o a pensar no assunto e volto a questioná-lo mais tarde. Existem diferenças entre as pessoas que preenchem os seus tempos de repouso com ocupações em que se divertem - estas podem ser as mais diversas como ler, praticar desporto ou… criar pombos - e os outros que não têm nada. Os que praticam qualquer actividade que lhe dê prazer são, em regra, mais saudáveis, não referem com tanta frequência perturbações do sono, gerem melhor o stress e parecem mais preparados para enfrentar as adversidades da vida. O período que antecede a reforma é um período crítico na vida das pessoas. Chegados aos cinquentas, começam a surgir sinais inequívocos da idade. Todos os que já por lá passaram sabem a que me refiro. Esses sinais podem ser minorados se aprendermos a fazer uma gestão positiva e inteligente da vida. Chamo gestão positiva e inteligente da vida quando cada um, à sua medida, identifica as suas prioridades, acautela a sua saúde e doseia o seu esforço de acordo com ela, sem se esquecer de reservar tempo para si próprio, para as coisas que gosta de fazer. É nesta fase da vida que se prepara a reforma. Conheço exemplos de pessoas que organizam caminhadas, outras que se juntam para ir ao ginásio, as que frequentam cursos que não tiveram oportunidade de fazer quando eram mais novas e outras ainda que optaram por actividades que geram rendimento. Não é só uma questão de idade, porque nos grupos pode haver gente de todas as idades. É uma questão de circunstância. Vivemos tempos incertos, temos necessidade de nos juntarmos, de reforçar a nossa rede social de apoio estreitando laços e afinidades, partilhando momentos de lazer e assim prevenir a solidão e o isolamento. n


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Boavida|Palavras da Lei

Apreciação lógica e emocional de factos e de testemunhas em sede de processo ?

Quando um Juiz faz a avaliação dos factos e das provas, tem que ficar restringido ao que as partes carrearam

para o processo? Por outro lado, que peso tem o lado emocional de um Juiz, se tiver que avaliar a maneira como uma testemunha faz as suas declarações em Tribunal? Sócia devidamente identificada - Bragança

Pedro Baptista -Bastos

E

stas duas interessantes questões remetem para as questões lógicas e de apreciação probatória da actividade do Juiz enquanto intérprete e aplicador de normas jurídicas para a resolução de um caso em Tribunal, e do modo como este se relaciona com as partes no processo. Regra geral do chamado Princípio do Dispositivo em processo civil é que sejam as partes a iniciar um processo e a carrear para os autos os factos e matéria de prova que pretendam que o Juiz aprecie, não obstante este ter o poder de ampliar factos, de modo a poder fazer o bom julgamento da causa. São as partes que "desenham", por assim dizer, a sua pretensão processual, aquilo que pretendem que o Juiz aprecie, avalie e interrogue, e concluem, em sede de alegações, esse "desenho" inicial, que é desenvolvido de acordo com a maior capacidade que o advogado tenha em se exprimir e convencer o Juiz da pretensão do seu cliente. No entanto, de acordo com o artigo 664º do Código de Processo Civil, o Juiz não está sujeito a essas mesmas alegações, para aplicar uma norma jurídica. Ele cinge-se ao que a parte apresentou para o processo, os factos e provas, e nada mais do que isso. Porém, a actividade jurisdicional não é mecânica e, por isso, o Juiz pode e deve usar a sua experiência, sensatez, intuição e bom senso na decisão final; no modo como intuiu o que ouviu das testemunhas, como ficou mais ou menos impressionado com a exposição oral de factos. Como corolário destas ideias, temos não só a possibilidade que o artigo 349º do Código Civil permite ao Juiz, para tirar ilações lógicas da matéria de facto provada, através das chamadas presunções judiciais, bem como através da total JOSÉ ALVES

consideração que o Juiz efectua sobre toda a prova, nos termos do artigo 515º do Código de Processo Civil, consideração essa que não limita a apreciação emocional que um Juiz faça de um testemunho. Um Juiz usa a lógica formal para extrair conclusões de factos que, por vezes, podem escapar à actividade das partes, e fá-lo em nome da verdade que pretende descobrir. Daí o peso que uma testemunha que se expresse bem e de modo convincente tem, na decisão final do Juiz. O impacto subjectivo de uma excelente testemunha é enorme, sendo também função de um Advogado experiente saber escolher as melhores testemunhas que se adequem à verdade que se pretende ver decidida em Tribunal. Nas sentenças, quando um Juiz escreve que atendeu toda a prova, também pretende dizer que a considerou de modo subjectivo, pela sua sensatez e experiência e bom senso. Se o não fizer de modo claro e enquadrado nas normas jurídicas, deve haver lugar ao imediato recurso. n MAIO 2012 |

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ClubeTempoLivre > Passatempos Palavras Cruzadas | por José Lattas

1

Horizontais: 1-Acudira; Óxido de ferro que tem a propriedade de

1

atrair o ferro e outros metais; Clemência. 2-Roubaras; Nome feminino. 3-Pronome possessivo feminino; Baças; Aplicas. 4Crómio (s.q.); Já; Artigo indefinido; Imposto sobre o valor acrescentado. 5-Grupo de recifes de coral; Carimbasse. 6Alagadiços; Pronome pessoal reflexo; Tântalo (s.q.). 7-Hólmio (s.q.); Honra; Tio americano. 8-Pedaço; Moderno (abrev.); Miro. 9-Sobrado; Função. 10-Gavinha; Reservada; Sufixo nominativo, de sentido diminutivo. 11-Mulher acusada de um crime; Nota musical; Ambiente; Interjeição; Ósmio (s.q.). 12Trabalhos realizados durante um período de doze meses; Pederneira; Acolá. 13-Amuo; Abandonar; Aceitável.

2

Cidade da Caldeia; Berço; Cabal. 3-Período; Aliança Democrática (sigla); Vício; Articulação (invertido). 4-Goza; Partículas. 5-Angústias; Aceitas. 6-Parábola; Sufixo, que designa colectividade. 7-Agastar; Estão em sinal; Grande lago salgado da Ásia. 8-Padiolas; Pedra de amolar (invertido); Acreditas. 9-Pega; Um dos cinco continentes; Título do soberano da Pérsia. 10-Meridião; Velhice. 11-Arvoredo; Cobrir de pão ralado. 12-Embato; Conjunção condicional; Nome de letra; Alumínio (s.q.). 13-Alívio; Tulha para conservação de forragens verdes, para alimento de animais; Estibordo (abrev.). 14Quilhas; Volume. 15-Agência norte-americana, para exploração espacial; Derriço.

3

4

5

6

7

8

9 10 11 12 13 14 15

3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 SOLUÇÕES (Horizontais): 1-VIERA; IMAN; DO; N. 2-A; RIFARAS; JOANA. 3-SUA; OPACAS; USAS. 4-CR; AGORA; UM; IVA. 5-U; ATOL; SELASSE. 6LODOSOS; U; TE; TA. 7-HO; M; GLÓRIA; SAM. 8-O; COTO; MOD; VISO. 9-PISO; A; PAPEL; R. 10-ELO; MARCADA; OTE. 11-RE; LA; AR; ENA; OS. 12-ANO; SILEX; ALÉM. 13-MONA; SAIR; BOM.

Verticais:1-Vassoura feita de ramos de arbustos; Aconteciam. 2-

2

Ginástica mental| por Jorge Barata dos Santos

N.º 37

Preencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado

N.º 37

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TempoLivre

| MAIO 2012

SOLUÇÕES


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ClubeTempoLivre > Cartaz 2012, subirá ao palco para interpretar o primeiro dos dois concertos para violino que Chostakovich dedicou a David Oistrakh.

Teatro: Dia 12 às 21h30 - "Médico à força" pela Associação Instrução e Recreio 1º de Maio Alfarelense em Vila Nova de Anços; dia 19 às 21h30 - "Os

Coimbra

vizinhos do rés-do-chão" pela Troupe Recreativa Brenhense

Sinfonia Italiana na UN lA

Orquestra Académica de Lisboa (OAM) dá nos dias 26 (21h00, Auditório da Universidade Nova, Campus de Campolide) e 27 de Maio (17h00, Grande Auditório do Centro Cultural e de Congressos de Caldas da Rainha) concertos com obras de Webern, Chostakovich -

Concerto para Violino e Orquestra n.º 1 em Lá menor, Op. 77- e Mendelssohn - Sinfonia n.º 4, Op. 90. A jovem violinista Ravena Mendonça (na foto), aluna da Academia Superior de Orquestra, galardoada no Concurso Solistas com OAM - Prémio INATEL

Música:

em Arzila; dia 20 às 17h -

dia 18 às 21h30 - Combo Jazz,

Amor fatal", "A burra D.

Grupo de Jazz do Conservatório

Apolinária" e "A loja do Sr.

de Música de Coimbra, em Côja;

Francisco" pelo Grupo Cénico

dia 13 às 16h - Choral Poliphonico

de Ourentã em Vinha de

de Coimbra e ForuMúsica na

Rainha; dia 27 às 16h - "Farsa

Igreja de Santa Cruz em Coimbra;

de Inês Pereira" pelo grupo

dia 20 às 17h - Choral Poliphonico

Trai-la-Ró na Fundação ADFP

de Coimbra e Coro da Capela da

de Miranda do Corvo.

Univ. de Coimbra, na Igreja de Cantanhede; dia 26 às 21h30 -

Etnografia:

Choral Poliphonico de Coimbra,

Dia 26 às 10h - 16ª

Coral Stellarum e Grupo Coral de

reconstituição das "Maias,

Mafra, na Igreja de S. José em

doces e cantares" no Arco de

Coimbra.

Almedina em Coimbra.


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ClubeTempoLivre > Novos livros

ASA

CASA DAS LETRAS

EDIÇÕES COLIBRI

VIDA ROUBADA

INGREDIENTE SECRETO 2

DA RIVIERA PORTUGUESA

insurreições.

Jaycee Dugard "No verão de

Henrique Sá Pessoa Receitas e sugestões das

À COSTA DO SOL

No momento

João Miguel Henriques A história de Cascais entre

do

celeste sofre terríveis

1991 eu era

mais requintadas às

Apocalipse,

uma criança

económicas,

1850 e 1930 e a afirmação da

Absalon é desafiado pelo

normal. Num

partilhadas

estância de praia. O

anjo mau. Uma viagem pela

segundo, tudo

por um dos

enquadramento privilegiado

história da humanidade

mudou.

mais

da Costa do

Durante 18 anos fui

prestigiados

Estoril atraiu

prisioneira. Fui mãe. Fui

Chefs de

repleta de suspense.

elites e realeza,

O ÚLTIMO TEMPLÁRIO

escrava… Sobrevivi. Esta é a

cozinha do país. Uma

graças ao sol,

minha história". Um dos

aventura de aromas para

hotéis de luxo,

Raymond Khoury Dois acontecimentos

raptos mais longos da

vencer a rotina e dar asas à

casino e ao

separados no tempo

história!

imaginação.

BERTAND EDITORA

Sud Express (em Sta

escondem

Apolónia).

um mistério

CONTRAPONTO

comum, num O NASCIMENTO DA

thriller histórico e

AS FERAS DE JAMRACH

AS COISAS QUE TE CAEM

MARGEM SUL

Carol Birch

DOS OLHOS

Francisco José dos Santos Mendes Uma análise à fundação de

entretece com

arrancado das

Gabriele Picco Ennio é um jovem tímido e

garras de um

sonhador e, para fugir ao

paróquias, concelhos e

universo dos Templários.

Jaffy é

religioso que magistralidade as lendas do

tigre por

passado,

comendas da margem sul do

Jamrach, um

parte para

Tejo, atual área da diocese de

O PODER DE SEIS

explorador de

Nova Iorque.

Setúbal, no período de 1147

criaturas estranhas, de quem

Certo dia

a 1385.

Pittacus Lore Os seis Garde sobreviventes

fica amigo. Ambos

encontra o

embarcam numa missão

diário de

OS MUSEUS E O

para capturar um certo

uma

PATRIMÓNIO CULTURAL

os humanos,

da destruição do planeta Lorien irão misturar-se com

dragão marinho. Só que uma

japonesa que o surpreende

IMATERIAL

só que os olhos

catástrofe transforma a

com os seus fabulosos

dos

aventura em história de

desenhos. Empenhado em

Ana Carvalho Uma reflexão sobre os

sobrevivência.

devolver o diário à dona,

instrumentos que os museus

enceta um períplo que cruza

dispõem para dar visibilidade

a parte e escapar-lhes parece

A IMPERFEIÇÃO DO

personagens tão excêntricas

ao seu património, que

ser missão impossível. Terá a

PRESÉPIO

quanto cativantes.

adverte, também, para a

número Seis força para

António Manuel Marques A história do

preservação do património

proteger o grupo?

EDIÇÃO DE AUTOR

imaterial.

XX contada

PORTUGAL NAÇÃO

EDITORIAL PRESENÇA

através da

PEREGRINA

vida de uma

Memórias de Moçambique

A BATALHA DO

PESSOAS QUE NUNCA

família rural

APOCALIPSE

FICAM DOENTES

que migra para Lisboa,

Carlos Figueiredo Lopes Um livro de memórias sobre

Da Queda dos Anjos ao

revelando as dificuldades e

Moçambique, local onde o

Crepúsculo do Mundo

Gene Stone Segredos de 25 pessoas com

os laços estabelecidos nos

autor colaborou ativamente, apesar dos riscos de guerra,

Eduardo Spohr Javé adormece num sono

uma excelente saúde.

diferentes domínios.

na "batalha da educação".

milenar enquanto o paraíso

hábitos e as pesquisas que

TempoLivre

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estão por toda

LIVROS D'HOJE

país no século

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Mogadorianos

OS SEGREDOS DAS

Conheça os casos reais,


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atestam a sua veracidade na

que percorre

dominar o

cultural das rotas

preservação da saúde.

as dez ilhas

metabolismo

escolhidas.

do

com as

O MESTRE DO AMOR

arquipélago,

sugestões

Augusto Cury O autor analisa

revelando o

alimentares da guru do

que de melhor

a mensagem de

existe a nível de hotéis,

Jesus antes da

praias, gastronomia e

sua morte e

património histórico e

revela o quanto

cultural.

as atitudes podem ser

VOGAIS FILOSOFIA POLÍTICA PARA

"Biggest Loser".

PRINCIPIANTES

PACTOR, grupo Lidel

David Orrell / Borin Van Loon De forma sucinta

ROTA DO PEREGRINO DE

apresentam-

superficiais e egoístas. Uma

DOMINE O SEU

FÁTIMA

se as

história de amor: amor pela

METABOLISMO

principais

vida e pela humanidade.

Jillian Michaels Se quiser perder peso, ter

Rota do peregrino Um guia rigoroso sobre os principais caminhos

conceitos dos pensadores

LUA DE PAPEL

pele luminosa e barriga lisa

utilizados pelos peregrinos

que mais nos influenciaram,

saiba que o segredo está

a Fátima. Inclui mapas,

casos de Platão, Aristóteles,

CABO VERDE

nas suas hormonas.

fotos e informação

Kant, Marx, Foucault ou

Tânia Sarmento e Helena

Remova as toxinas que

detalhada sobre locais onde

Habermas.

Ramos Um guia sobre Cabo Verde

provocam descontrolo

pode comer, dormir e visitar

hormonal e aprenda a

o património histórico-

ideias e

Glória Lambelho


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O Tempo e as palavras M a r i a A l i c e Vi l a Fa b i ã o

De um gato chamado epicuro […] Não há unidade /como ele, /não tem a lua nem a flor / tal contextura: / é uma coisa só, / como o Sol ou o topázio, / e a elástica linha do seu contorno / firme e subtil é como /a linha de proa de uma nave. /Os seus olhos amarelos / deixaram uma única / ranhura / para neles lançarem as moedas da noite. […] Pablo Neruda1, “Oda al gato”, in: Navegaciones y Regresos, Ed. Losada, Buenos Aires, 1959. Trad. MAVF

C

omo que esquecido do corpo, dorme voluptuosamente abandonado à macieza florida das almofadas do sofá mais distante daquele em que, nos tempos livres, tem andado a transformar numa escultura modernista, na qual a abundância de cavidades revela uma notória influência de Henry Moore2. Nada lhe perturba a placidez do sono: nem as sirenes das ambulâncias, nem a conversa pouco discreta dos donos da casa com os visitantes, cujo tema principal é ele próprio, evidentemente; nem a voz de Pasquale Arnato na área do Toureador, da Carmen, com um coro capaz de ressuscitar defuntos. Não gosta de toureiros e tem horror a touradas. A possibilidade de cair nas garras daqueles bárbaros faz-lhe eriçar cada um dos pelos da bela mancha castanha que lhe veste o dorso e sentir uma profunda empatia com o touro. Vez alguma uma imagem de tourada se mantém inadvertidamente cinco minutos no ecrã da TV sem que, por mais ocupado que esteja, a esculpir o sofá, a fazer companhia aos donos da casa, a fazer jogging pelos corredores ou a repousar, vá mostrar o seu apoio ao touro ferido, acariciando-o mesmo através do vidro da caixa negra. Uma réstia de sol coada pelo cortinado inunda-o daquele calorzinho que tanto aprecia, fá-lo rolar de prazer sobre si mesmo, distender os membros e assumir a pose sensual das “Majas” de Goya. Não querendo dar mostras de subserviência, só à terceira chamada da dona da casa muda de posição, semi-descerrando os olhos oblíquos, de um profundo azul-cobalto, com que fica a mirá-la, a uma distância prudente. Sabe-se adoptado, mas nem por isso gosta menos deles. Quando o adoptaram – cabia-lhes nas palmas das mãos –, tinham-lhe posto um nome ridículo, de cantora lírica: Kiri (te Kanawa). O dono da casa, porém, que a si próprio se considera um epicurista confesso, na actual acepção do termo, de alguém com um amor imoderado pelo luxo e pelos prazeres da mesa (e não só!) e com aquela voluptuosa indolência natural que ainda o mantém a ele entre as almofadas, reconhece existir entre ambos uma espantosa identidade de caracteres e,

consciente desse facto, muda-lhe oficialmente o nome para Epicuro. Não é muito eufónico, mas sempre é nome de filósofo grego, o que está mais em consonância com a sua ascendência divina. Melhor Epicuro do que Sibarita, pensa, apesar de ambos os termos significarem quase o mesmo. Não obstante, os Sibaritas, habitantes da antiga cidade grega de Sibari, no Sul de Itália, são de tal forma ricos, preguiçosos e excessivos na procura do prazer físico que o seu nome se torna sinónimo de “depravado”. Segundo a lenda, um dia, um dos governantes proibiu mesmo que se cavasse na sua presença, já que o simples facto de assistir ao trabalho o deixava fatigado. Pelo menos, Epicurus tinha criado, em 306 aC, uma escola de filosofia, a que dera o nome de Ho Kepos (O Jardim), e em que, com os seus discípulos, levava uma vida de tranquila simplicidade. Embora lhes fosse permitido beber um quarto de litro de vinho por dia, a sua bebida habitual era a água e a alimentação consistia em pão de cevada. Durante uma época de fome, tinham, inclusive, sobrevivido com uma ração diária de alguns feijões. (Uma breve náusea mental acomete-o à ideia de um almoço de feijão, fígado ou peixe.) No fundo, a filosofia ética de Epicuro era a procura do prazer, mas equacionado com a tranquilidade de espírito e a ausência de dor, e não como o seu hospedeiro a compreendia. É verdade que a admissão de mulheres viera adulterar, mais tarde, esta filosofia, reduzindo essa noção de prazer e felicidade a mera gratificação material e dos sentidos. Num esforço ditado pelo pavor de se ver abraçado e afagado pela visita desconhecida, abandona as almofadas e a sala, ondulando voluptuosamente o dorso como só um gato e a bela Monroe saberiam fazer, e vai repousar na cama do quarto principal. Afinal de contas, como diz Jacques Roubaud3, “quando se é gato, é-se gato.” n 1 Prémio Nobel da Poesia, 1971, Chile 2 Escultor britânico 3 Matemático e escritor francês. MAIO 2012 |

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Os contos do

Sem palavras

O

corte de comunicação resultou do excesso das palavras. Uma banal conversa de fim de tarde, dando-se conta de como se passara o dia nos respectivos empregos, tornou-se discussãozinha quando ele gabou a competência da colega que trabalhava ao seu lado. Ela disse qualquer coisa sobre os reconhecidos dotes físicos da senhora e insinuou não ser pela competência que ele a apreciava tanto. A discussãozinha cresceu para discussão rija quando ele respondeu que também louvava a colega por ser pessoa educada, ao contrário da estúpida que tinha em casa. Ao que ela reagiu incitando-o a ir chamar estúpida à irmã dele, acabadinha de chumbar no sexto exame de condução. Incapaz de se conter, ele gritou que à irmã só faltava jeito para conduzir, de resto deixava-a a um canto em inteligência, cultura, graciosidade, energia e mesmo elegância de pernas. O que ela menos suportou ouvir foi a desconsideração às pernas. Sempre as tinha elogiado, centímetro a centímetro, dos pés às virilhas. Aliás, acrescentou, bem ouvia na rua entusiásticas saudações aos seus membros inferiores e o próprio chefe lhe dissera que devia andar sempre de minissaia. Alarve é termo demasiado insultuoso para que ele o pudesse engolir, uivou que todos os conhecidos o consideravam homem de fino trato e fluência, difícil era manter o nível com gente retorcida, asneirenta, teimosa, pedante, obtusa, bronca e tosca - como era o caso dela. Fula, a visada ainda procurou resposta equitativa a tal enfiada de ofensas, mas nada lhe ocorrendo de suficientemente feroz, optou pela destruição à bomba: - Não falas mais comigo. - Podes estar descansada - garantiu ele. Andaram desencontrados e sem palavras, de um para outro lado da casa. Dela, nem um "boa noite" quando se retirou para dormir no quarto reservado ao filho ou filha que esperavam vir a 80

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ter, quando Deus quisesse e eles caprichassem nisso. Dele, nem um "até amanhã" quando lhe percebeu o rumo. Ela não estranhou o colchão do divã, nem ele a ausência dela do quarto partilhado desde o mês anterior à jornada de núpcias. Dormiram bem. Um problema ocorreu de manhã. Ela levara o despertador comum para o quarto suplente, ele não tomara a previdência para acordar à hora do costume. Bem poderia ela ter a atenção de o desmergulhar do sono mas saiu sem uma palavra e, pela primeira vez, ele chegou tarde ao trabalho. Regressaram ao doce lar quase ao mesmo tempo mas não se saudaram nem quiseram saber como tinha corrido o dia, para ele e para ela. Já passava um bom bocado da hora habitual do jantar quando ele foi espreitar à cozinha e viua a terminar a refeição dela, retirando-se, desta. Sem um queixume, ele procurou nos tachos e panelas a sua parte, nem migalha. Então, silenciosamente, saiu de casa e foi à pizaria confortar o estômago. Quando voltou, já ela se tinha refugiado no quarto número dois. Enquanto lavava os dentes, ele pensou que ela iria desistir da caturrice, regressando ao quarto que lhe cumpria, decerto pedindo desculpa e enroscando-se nele. Não aconteceu. Ideia semelhante teve ela no seu retiro, a diferença foi que ele a viria tomar ao colo e levá-la para o devido lugar, entre beijos e pedidos de desculpa. Também não aconteceu. Na tarde da véspera, ele pedira à colega que o ensinasse a usar o telemóvel como despertador. Mas funcionou meia hora antes do desejado e ao chegar à casa de banho ouviu o chuveiro a despejar água sobre o corpo dela. Calculou mais vinte minutos para se vestir e maquilhagem, regressou ao quarto e só de lá saiu com o ruído da porta do apartamento a fechar-se. Correu a duchar-se e a barbear-se mas nem estas ocupações o impediam de pensar. Era sextafeira e abeiravam-se de dois dias diferentes.


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Sábado e domingo, sem trabalho, permitiam mais tempo juntos, pequenos-almoços, almoços, jantares. Decerto ela não pretenderia que ele fosse comer fora, sozinho, e devia aproveitar tão boas oportunidades para pedir desculpa e tudo acabar em bem.

U

m engano, qualquer tem. Na verdade, ele não podia adivinhar que ela programara um fim-de-semana diferente. Mal regressou do emprego, pelo lusco-fusco, arrumou num saco trapos e estojo de tualete e saiu sem explicações. Como ela já vinha manifestando a vontade de visitar os pais, no Alentejo, ele entendeu ser esse o destino. Lamentariam os sogros a ausência do genro, mas paciência. Salvo um salto ao supermercado para se abastecer de alimentos, ele bocejou o fim-de-semana em casa. Pelas dez da noite do domingo, agitouse ao ouvir uma chave rodando na Fechadura. Olhando de soslaio, confirmou que era ela de volta, de certeza agora mais sensata e disposta a JOSÉ ALVES

pedir desculpa. Não. Sem uma palavra, ela dirigiu-se para o quarto onde se isolara nas noites anteriores. Ele resistiu à tentação de ir ao encontro dela e pedir explicações. Para mais, ela apareceu na sala e sentou-se no sofá preferido, estendendo as pernas descobertas pela generosidade da minissaia. Mas teimosamente calada. Exasperado, incapaz de suportar mais a agressão dos silêncios dela, ele ergueu-se de rompante no intuito de fazer a mala e partir definitivamente. Sem um adeus. No ímpeto, encalhou na mesinha da sala e estatelou-se ao comprido. Ela riu-se. Ainda quis tapar a boca mas não susteve o riso que cresceu para gargalhadas. E de tanto se rir do percalço dele, disse, rindo-se: - Desculpa. Ele sorriu enquanto esfregava uma nádega dorida e pediu: - Ajuda-me. Ela apressou-se a auxiliá-lo, nesse momento deram mãos, braços, o abraço. Nessa noite já se deitaram na mesma cama e adormeceram tarde. n MAIO 2012 |

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Crónica

António Costa Santos

O ensino está frito

H

á umas semanas, um encarregado de educação anónimo conquistou as páginas dos jornais, quando decidiu erguer a sua voz contra as máculas cada vez mais extensas no pano do sistema de ensino em Portugal. Especificamente, o cidadão criticou os conteúdos ensinados às nossas crianças e teve eco. Não é normal, num país em que os pais faltam às reuniões nas escolas, os professores exigem a colaboração dos pais, mas marcam encontros com os directores de turma para as 11h15 dos dias de trabalho, e os ministérios, se já não querem saber da opinião dos professores, quanto mais dos encarregados de educação. Mas, bem, o senhor insurgiu-se e a comunicação social fez notícia. Sem dinheiro para quase nada e com outras opções estratégicas, o país tem estado a cortar na Educação. Não é arte nova, a dos cortes. Já o governo a.T. (antes da Troika) se dedicava ao desinvestimento na área, de forma alguma compensado com algumas políticas meritórias como as novas oportunidades dadas a quem, por questões económicas ou sociais, na idade própria "não deu para os estudos", ou o incentivo magalhânico à info-alfabetização. Não se pode dizer que o governo a.T. se tenha dado muito bem com os professores, ministra após ministra, que os despedimentos consecutivos de docentes contratados a prazo tenham contribuído para a melhoria do ensino, enfim, temos hoje a sensação geral de que as coisas não correram nada bem nas escolas, mesmo antes de os bancos virem dizer que andamos há muito tempo a estudar acima das nossas possibilidades. As coisas entre o governo a.T. e a educação não correram lá muito bem... Bom, se calhar nunca correram. Depois de um salto colossal na primeira década da democracia, em que a instrução se massificou, o analfabetismo praticamente desapareceu (em 1972, era

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comum uma vizinha da minha mãe interromperme as futeboladas de rua para eu lhe ler uma carta do marido que estava na guerra - e era uma mulher nova. E eu não vivia numa aldeia alentejana ou transmontana, vivia na Baixa de Lisboa) e o povo foi chamado às aulas, depois desses primeiros anos, o ritmo abrandou e Portugal foi-se aproximando, com o motor sempre em segunda, a ranger, das médias europeias. Depois, quando se pensava que íamos acelerar, travámos e os números provam que permanecemos, em muitos índices de formação, abaixo da zona de conforto, como agora se diz. Portanto, se calhar, o ensino em Portugal tem sido golpeado com regularidade pela faca dos orçamentos e não é só agora, com o governo a.T., ou, de há uns meses a esta parte, com o GT (Governo com Troika), que aumenta o número de alunos nas turmas, corta nos horários, altera currículos para dispensar professores e o mais que se há de ver. É por isso uma exigência que os pais e encarregados de educação se levantem em defesa do futuro dos seus educandos e façam ouvir a sua voz junto das autoridades escolares. Não vale tudo, meus senhores! Foi isso o que fez o notável pai de uma menina que frequenta um infantário da Ericeira. Queixou-se ao Ministério da educadora da filha, que deturpou a letra da cantiguinha "Atirou com o Pau ao Gato", pondo os infantes a cantar "Dona Chica assustou-se, batata frita, vivó Benfica", em vez de "com o berro que o gato deu", como canta a tradição. O Futebol Clube do Porto também se manifestou, em comunicado, contra esta prática "fascista" de lavagem cerebral dos inocentes postos à guarda da educadora benfiquista. A sério. À hora em que escrevo esta crónica, as associações de defesa dos animais ainda não se tinham pronunciado sobre a parte em que o gato leva uma paulada. Tanta desatenção, meu Deus. n


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