Tempo Livre Janeiro 2016

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N.º 31 | Janeiro 2016

Entrevista // Eduardo Lourenço

“Humanidade que não sonha, morre...”

Destaque //

O essencial é invisível aos olhos O TL quis saber como os cegos vivem os seus tempos livres. Ouvimos também a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes

A Viagem da minha vida // Catarina Furtado O primeiro alerta para o mundo

Reportagem // Sri Lanka A herança portuguesa no Ceilão

Jardim dos títulos // Gonçalo M. Tavares Espalhar lucidez na terra


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TL Janeiro 2016 // FUNDAÇÃO INATEL // 3 // SUMÁRIO

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Notícias

6 Entrevista // Eduardo Lourenço 10

Destaque // O essencial é

invisível aos olhos

13

Viagens: Cádis e Grécia

14

Reportagem // Sri Lanka

16

A viagem da minha vida //

Catarina Furtado

17

Mesa partilhada com… //

Ljubomir Stanisic

19

Jardim dos títulos //

Gonçalo M. Tavares

20

Os Contos do Zambujal

21

Culturando

22

Em cena no Trindade-Inatel

23

Arquitetura dos Tempos

Livres

24

Língua Nossa // Tempo

Digital

25

Ecrãs // novos filmes

26

Motor // Palavras Cruzadas

// Sugestões

// TOME NOTA Visitar Museus e Teatros O ciclo de visitas guiadas a museus inicia-se com uma visita ao Teatro da Trindade Inatel, dia 23 de janeiro, pelas 11h, com entrada livre, mediante inscrição prévia. Informações e inscrições: 210027150 | cultura@inatel.pt | www.inatel.pt

// EDITORIAL

Missão cumprida

C

aras e caros Associados: Esta é a última vez que me dirijo a todos vós enquanto Presidente da Fundação INATEL e, por inerência, Diretor do TL. O meu mandato terminou em outubro passado e, nas próximas semanas, o Governo nomeará nova administração (permitindome, dessa forma, que assuma funções como Administrador da Associação Mutualista Montepio Geral, para que fui eleito no mês passado). Olhando em retrospetiva os três últimos anos, dir-vos-ei que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, é possível fazer um balanço muito positivo deste ciclo de vida da nossa instituição e do TL. Trabalhámos em condições muito difíceis visto que as transferências do Orçamento da Segurança Social foram reduzidas em 45% relativamente aos anos anteriores a 2013; os programas governamentais de turismo social orientados para as populações menos favorecidas estão suspensos desde a época 2011-12; e a lenta retoma do crescimento da economia não permitiu, por enquanto, a recuperação completa do rendimento disponível das famílias, com consequências negativas inevitáveis sobre o nível da procura dos serviços associados ao lazer. Apesar disto, pudemos reforçar a nossa atividade, de tal modo que registámos progressos assinaláveis em todas as áreas de missão. Esta evolução resultou do acerto da estratégia seguida, baseada em atuações determinadas no domínio da inovação dos produtos de lazer, em políticas eficazes de preço e promoções, na segmentação aperfeiçoada dos associados, na sua fidelização e na gestão inovadora da marca. Novos circuitos turísticos e ofertas renovadas de alojamento nas nossas unidades hoteleiras ao melhor preço, e com serviços de valor acrescentado ao associado/utilizador, constituem já uma realidade que todos reconhecem. Há avanços promissores em novos produtos e serviços para os associados, que pudemos realizar entretanto: novos espaços de restauração, propostas e vantagens na área da saúde, a formação pela Academia INATEL, o Catering e as residências seniores (reconvertendo para o efeito a unidade de Santa Maria da Feira). Por outro lado, avançámos na reorganização territorial dos serviços locais da Fundação. Desenvolvemos as Lojas INATEL que nos aproximaram

mais dos interessados nos nossos serviços de lazer. Uma rede de gestores de cultura, entretanto criada, deu renovado vigor ao apoio às práticas de cultura popular dos CCD, ao mesmo tempo que organizávamos eventos de forte impacto na comunidade. Também a nova rede de gestores de desporto tem alargado a participação nas provas competitivas, por todo o país; há mais equipas nos torneios de muitas modalidades; os trails INATEL são uma realidade confirmada; ganhámos novos praticantes no Parque de Jogos 1º de Maio com os campos de padel; e prosseguimos a transferência da gestão de equipamentos desportivos para autarquias, onde tal se justificava para melhor servir as populações. Na área da inovação social, desenvolvemos programas inclusivos já consolidados e tomámos novas iniciativas com forte impacto social (Franchising Social, Aldeia dos Sonhos, Mealheiro Solidário, Fundo de Inovação Social). As comemorações dos 80 anos da Fundação revestiram-se de inegável brilho e o seu ponto alto – o evento de 18 de julho no Terreiro do Paço, em Lisboa – foi um êxito enorme, tanto pela qualidade do espetáculo de luz e som, como pelo notável afluxo de espectadores e a excelente cobertura mediática conseguida. A aposta na renovação está em marcha em todas as áreas de missão da INATEL e é reforçada com o nosso Tempo Livre, rejuvenescido nos temas e colaborações e complementado pela nova versão digital para computador, tablet e smartphone. Apesar das incertezas que o futuro próximo comporta, estou convicto de que a Fundação INATEL está no caminho certo para continuar a ser a organização nacional de referência das atividades de lazer, apostada na qualidade e na participação dos nossos associados em experiências e atividades de ocupação dos tempos livres que promovam o desenvolvimento pessoal e a inclusão social e podemos, sem dúvida, afirmar com orgulho “Missão cumprida”. Aos que beneficiam do nosso trabalho só posso dizer: obrigado pela vossa exigência e compreensão! Com os melhores Votos de Boas Festas e um Feliz Ano Novo,

Presidente da Fundação INATEL

Jornal Mensal e-mail: tl@inatel.pt | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Fernando Ribeiro Mendes Vice-Presidente: José Manuel Soares; Vogais: Jacinta Oliveira e Álvaro Carneiro Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Diretor: Fernando Ribeiro Mendes Coordenação editorial: Teresa Joel Redatora principal: Sílvia Júliol Logótipo:Fernanda Soares Design: José Souto Fotografia: José Frade, Miguel Coelho (colaborador) Redação: Calçada de Sant’Ana,180 – 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Colaboradores: Carlos Blanco, Ernesto Martins, Eugénio Alves, Gil Montalverne, Humberto Lopes, João Cachado, José Baptista de Sousa, Joaquim Diabinho, José Lattas, Mário Zambujal, Sofia Tomaz Publicidade: E.P.S. Tel. 210027143 | inatel.promocao@inatel.pt Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA., Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Queluz de Baixo, 2730053 Barcarena. Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484 Preço: 1,00 euro Tiragem deste número: 89.915 exemplares


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4 // NOTÍCIAS // TL Janeiro 2016

// COLUNA DO PROVEDOR

Manuel Camacho provedor.inatel@inatel.pt

inda há pouco vivíamos o frenesim da passagem do século e eis-nos chegados ao décimo sexto ano do século XXI que, até há bem pouco tempo, nos parecia tão longínquo. É preocupante, no entanto, assistirmos ao crescendo alucinante de atos terroristas e criminosos que têm assolado a Humanidade desde o início deste século. E é ainda mais preocupante apercebermo-nos que a violência desses atos deixa um rasto de devastação e de surpreendente horror ao atacarem os alicerces da nossa vida em sociedade, perpetrados onde menos se espera e nas situações menos expectáveis. Isto leva-nos a pensar que todos estamos em perigo – e todos devemos estar alerta, por nós e pelos outros sete mil milhões de cidadãos deste mundo globalizado. Cada vez mais é importante lutar pela paz, neste momento em que a guerra se apoderou de demasiadas causas, povos e interesses, destruindo aos poucos este planeta maravilhoso que todos temos a obrigação e o dever de respeitar. Recentemente vimos a nossa “Arte Chocalheira” ser declarada pela UNESCO, Património Cultural Imaterial da Humanidade. Importa aqui recordar o Preâmbulo do Ato Constitutivo da UNESCO, em 16 de novembro de 1945: Nascendo as guerras no espírito dos homens, é no espírito dos homens que devem ser erguidos os baluartes da paz. É urgente que assim seja. I

A

Pluralidade de espetáculos no Trindade-Inatel

D

iversidade. Eis a palavra de ordem para a programação do Teatro da Trindade Inatel (TTI), em 2016, apresentada na conferência de imprensa, que decorreu no salão nobre, em dezembro passado. Foram selecionados 64 projetos que vão ser acolhidos nas salas Eça de Queiroz e Estúdio. “Temos uma pluralidade de propostas, desde a dança, música e diferentes géneros teatrais. É a diversidade que faz o público. Temos propostas para todos os gostos. Há histórias para todas as características. Se querem ouvir uma boa história, venham até aqui”, convida Rui Sérgio, diretor do TTI. Fernando Ribeiro Mendes, presidente da Fundação Inatel, avançou que vai ser retomada, paulatinamente, “alguma produção própria em parceria”. Rui Sérgio, sem adian-

tar pormenores, afirma que “em muitos projetos iremos entrar como co-produtores. Há a hipótese, ainda, de uma produção própria em 2017. Trata-se de um ‘aquecimento de motores’ para a celebração dos 150 anos do teatro no próximo ano”.

“A nossa ambição é fazer mais e melhor, mas o crivo é sempre dado pelos espectadores”, acrescenta. O público, esse, tem vindo a dizer presente. Em 2013, cerca de 35 mil pessoas foram ao TTI. Em 2014, o número foi duplicado. I

Natação para bebés ao domingo no 1.º Maio

Abertas as inscrições para as Olisipíadas

Estas aulas são ministradas por professores

As inscrições são gratuitas e encontram-se abertas

qualificados, experientes e atentos às

para várias modalidades desportivas que terão início

especificidades da atividade. Os bebés são

em janeiro e final em junho.

acompanhados pelas mães ou pais, que além de

Trata-se de uma iniciativa organizada

essencial é uma experiência que reforça o vínculo

pelo Município e pelas 24 freguesias

inicial entre os progenitores e os bebés.

da cidade, em parceria com os

Utilizam-se metodologias e estratégias específicas

Comités Olímpico e Paralímpico de

de forma a proporcionar um variado leque de

Portugal, Associações e Federações desportivas,

estímulos, que promovem não só a adaptação ao

clubes da cidade e agrupamentos escolares.

meio aquático mas também o desenvolvimento

Os jogos da cidade pretendem promover e dinamizar a

motor, cognitivo e social do bebé, estimulando o

prática desportiva saudável entre as crianças e jovens

apetite e o sono é mais descansado.

(6 aos 14 anos), com 12 modalidades individuais e

As classes são homogéneas, estando segmentadas,

coletivas, incluindo o desporto adaptado.

neste momento, dos 12 aos 24 meses, dos 24 aos

Como embaixadores dos jogos conta-se com a

36 e dos 36 aos 48 meses, altura em que estão

colaboração dos dois primeiros campeões olímpicos:

aptos para integrar na escolinha de Natação. Mais

Rosa Mota e Carlos Lopes. Informações e inscrições:

informações: Tel. 218 453 470| email:

www.cm-lisboa.pt/olisipiadas |

pj.1maio@inatel.pt.

www.facebook.com/olisipiadas.

50

na Anos EL INAT

Completam, este mês, 50 anos de ligação à Fundação Inatel os associados: Alberto Barreto Figueiredo, de Coimbra; Álvaro Pinto Abranches, de Queluz; Amadeu Neves Cruz, de Almada; João Maria Galvão, de Benavente; Maria Celina Figueiredo, de Coimbra; Sidónio Ferreira Crespo, de Viana do Castelo.


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TL Janeiro 2016 // NOTÍCIAS // 5

Inatel promove educação musical

A

Inatel organiza este ano a 3.ª edição do Curso de Formação de Professores de Educação Musical, no Espaço Mouraria. Terá dois módulos independentes onde serão abordados conteúdos no domínio da audição, interpretação, criação e experimentação, numa abordagem prática, permitindo aos formandos um contacto com pedagogias de referência. Em parceria com a Associação Portuguesa de Educação Musical, esta formação visa proporcionar experiências musicais auditivas, interpretativas e de criação; desenvolver competências pedagógicodidáticas no domínio da educação e da expressão musical para ini-

ciação musical; sensibilizar para as necessidades de articulação e adequação global ao desenvolvimento dos alunos. A edição anterior realizou-se entre novembro e dezembro de 2015. O curso foi ministrado pelo maestro Henrique Piloto e professora Cristina Brito Cruz, formadores creditados pelo Conselho Científico-Pedagógico de Formação Contínua, e contou com a participação de alunos provenientes de Bandas Filarmónicas, professores do ensino oficial, oriundos dos distritos de Lisboa e Setúbal, com idades compreendidas entre os 20 e os 53 anos. Mais informações: cultura@inatel.pt e Tel. 210027150/4 I

App o Tempe Livr

tel.pt re.ina v li o p em http://t

Este mês, veja o vídeo da entrevista a Eduardo Lourenço. Saiba o que faz Ana Sofia Antunes, Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, durante os seus momentos de lazer. E leia, ainda, outras notícias sobre as Candidaturas do Mealheiro Solidário e o lançamento do livro “Os Reformados e os Tempos Livres”. Através do seu tablet ou smartphone, acompanhe a versão on line do TL e aceda a outras informações de turismo, lazer, cultura e desporto para toda a família.

1º Torneio de Padel

O

primeiro Torneio de Padel da Inatel, em parceria com o Racketspro, realiza-se durante o fim de semana de 15 de Janeiro, no Parque de Jogos 1.º de Maio. O evento será distribuído em diversos níveis e segmentado por género: em masculinos, haverá quadros para nível II, III e IV, e em femininos, níveis III e IV. Em paralelo ao torneio vão decorrer diversas ações. Uma Clínica de iniciação com professores credenciados e um jogo de exibição da Seleção Nacional, para ver os melhores em ação. Mais em informações: Tel. 218 453 473 | pj1maio@inatel.pt. I


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6 // ENTREVISTA // TL Janeiro 2016

Eduardo Lourenço

“Humanidade que não sonha, morre…” Recebe-nos na Gulbenkian, no seu gabinete. Entre os livros, os jornais amontoam-se, ali, junto à secretária, no parapeito da janela. “Devia deitar-lhes fogo”, graceja. O filósofo e ensaísta, que tem sempre a mala preparada para viajar, abre-nos para leituras diversas sobre o país e os portugueses. Por Sílvia Júlio e Teresa Joel (texto) e José Frade (fotos) este momento temos um presente que nos interroga de uma maneira diferente quer como portugueses, quer como europeus, quer como gente do mesmo planeta.” Ecos de uma entrevista ao mais respeitado intelectual português. Pensamentos e palavras que falam de nós. De um povo antigo que, já não podendo ir para a Índia, e confinado à sua faixa estreita, aposta no continente europeu. Eduardo Lourenço, a dias de regressar a Vence, sul de França, para logo depois voltar, olha para o país com “admiração”. “Portugal tem uma criatividade enorme, onde as mulheres têm um papel muito importante. De resto, uma das coisas mais nobres na maneira de ser dos portugueses é o papel novo que as mulheres têm até na política…” Entrámos num tempo novo, não apenas no calendário... Para onde iremos agora? Pessoa escreveu na Mensagem que ainda “falta cumprir Portugal”. É hora? Esses belos versos de Pessoa abrem para o infinito, para o futuro. As pessoas pensam que vêm do passado, mas vêm também do futuro. Futuro que nunca alcançamos. Pascoaes escreveu uma frase muito bonita:

“N

“O futuro é a aurora do passado”... É como se precisássemos desse futuro para descobrir efetivamente o que fomos, o que fizemos e quem somos. O futuro é como a linha do horizonte. Quando ali chegamos já está noutro sítio. Na verdade, não queremos perceber que a única realidade é o presente. Parece-me que Sto. Agostinho dizia: só há presentes. O presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro. Não temos imaginação para nos posicionarmos fora do tempo. Somos temporalidade pura. Fernando Pessoa tinha outra fórmula um pouco mais sinistra: “O futuro é o nada nulo onde estamos.” Neste momento temos um presente que nos interroga de uma maneira diferente quer como portugueses, quer como europeus, quer como gente do mesmo planeta. No caso português terminou uma pequena crise provocada pelas últimas eleições. De algum modo terminam os 40 anos pós 25 de Abril. Poderia ter sido uma grande crise e, afinal de contas, a crise foi solucionada, aparentemente sem grandes consequências dramáticas. Podemos discutir as condições em que a esquerda chegou ao poder, mas ela está no poder. Enquanto lá estiver é o nosso presente.

“Sempre vivemos acima das nossas posses”, escreveu no Labirinto da Saudade. É uma característica do povo que nós somos? É uma frase que me podem censurar... Penso que o povo português aguentou este país há séculos. Um país pequeno, que em princípio não tinha grandes condições para se afirmar entre outras nações vizinhas mais importantes e, de facto, conseguiu ao longo deste século manter-se independente. E isso é um milagre propriamente português. Camões percebeu tudo quando pensou que o nosso milagre é ser uma pequena casa portuguesa que saiu dela própria e construiu um reino. Um pouco como Saul, da Bíblia, que foi guardar os gados e encontrou um reino. Os portugueses saíram de casa e encontraram um império que durou até abril de 1974. Agora já não vamos a caminho da Índia, para onde podemos ir? Depois do 25 de Abril, uma vez perdido, ou largado, o império ficámos confinados à mesma faixa estreita de onde partimos desde a conquista de Ceuta. Só tínhamos um espaço para sair. O espaço era a Europa. Portanto, apostámos e ainda apostamos na Europa. Não toda a gente. Nunca percebi para onde é que as pessoas querem ir

se não forem para a Europa. Para os antigos espaços de língua portuguesa, podem ir se nos quiserem lá. Por acaso, temos a sorte de ter um relacionamento particularmente interessante com as antigas colónias. Ficar com boas relações como as nossas, não há exemplo. Raros países colonizadores têm esta sorte. Como define o papel de Portugal na Europa? Portugal é um dos países mais intrinsecamente europeus. Hoje está numa situação de normalidade entre uma Europa que esteve afastada do nosso Ocidente durante quase um século quando esteve dividida em duas: a Europa de leste e a Europa ocidental. Ele tem o papel que é o papel do seu passado e de um país não muito povoado. Nós somos os europeus mais antigos que


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ninguém e estamos aqui neste cantinho preservado pela existência da Europa. Por enquanto. Mesmo se não é satisfatório. Muitos portugueses querem sair da Europa, mas para onde? Nós não temos saída nenhuma senão aquela que a História nos deu. Temos de olhar mais para a nossa História? Eu já olho um pouco para este país como um estrangeirado. Venho aqui e fico pasmado porque as pessoas pensam que é um país muito atrasado, como pensávamos que era no século XIX. De facto, o país estava atrasado em relação à revolução industrial, mas o atraso era muito relativo. Os caminhos de ferro ao fim de três décadas já estavam em Portugal. E agora o TGV ainda cá não chegou. Portanto, não há assim uma desfasagem tão grande… Portugal

nunca esteve mais alinhado nos seus direitos, na sua maneira de ser, nos seus comportamentos políticos, económicos, modas… O que é novo é uma espécie de nova modernidade portuguesa. O que me admira muito, por exemplo, algum dia imaginámos que este país pequenino se tornasse também uma referência na área da moda? Desfiles em Paris, Itália, em todo o sítio. Portugal tem uma criatividade enorme, onde as mulheres têm um papel muito importante. De resto, uma das coisas mais nobres na maneira de ser dos portugueses é o papel novo que as mulheres têm até na política. Essas meninas que encantaram, nas últimas eleições, de facto demonstraram que não ficam a dever nada à classe dominante imemorial. Está orgulhoso deste caminho? É um país novo. Esse lado chorão,

“Temos a sorte de ter um relacionamento particularmente interessante com as antigas colónias” “O que é novo é uma espécie de nova modernidade portuguesa” “Como realidade, sou muito sensível àquilo que é a essência da condição humana – estar no tempo, viver no tempo, como se o tempo não existisse”

rezingão e um pouco miserabilista está a desaparecer em relação a uma gente que sabe ser europeia. E quando os portugueses entram em competição com outros lá fora, são iguais, ou melhores. Já não temos a ideia de que quem pensa, quem sabe, quem triunfa, são os de fora. Nunca tivemos tantos ícones exportáveis como neste momento. São os Ronaldos, os grandes criadores de moda, bailarinos, atores, etc. E ao nível literário a mesma coisa. Portugal atravessou um período extraordinário de autores famosos, não apenas o prémio Nobel, temos grandes autores que são europeus conhecidos, Lobo Antunes, Lídia Jorge… Acho que estamos a atravessar um período brilhante, embora isso não seja tão percetível por estarmos em cima. O perigo é termos tendência para a vaidade e que nos sintamos os melhores do mundo. Basta sermos o que somos. Chega e sobra. Os portugueses são hoje europeus à part entière. Observando todos os jornais que o rodeiam, no seu gabinete, lembramos que afirmou: “Hegel tinha razão em supor que a mitologia essencial de uma época se lê no jornal da manhã”. Na sua opinião, o que leem hoje os portugueses? Tenho impressão de que não leem muito. Frequentam mais a Internet. Agora as pessoas estão sempre a ser informadas, mas no sentido tradicional há um certo deficit de leitura. Ler é um hábito relativamente arcaico do século XIX, o livro continua a ser realmente importante, o jornal também. A leitura é mais interessante, porque é meditada, repousada. Esta que é instantânea desaparece no momento em que é dada, porque as pessoas não têm uma memória infinita. Acho que as pessoas estão muito informadas pela rádio e televisão. Estamos a viver uma civilização em que a tv é o espaço público por definição, e praticamente o espaço político. Algum dia virá outro meio ainda mais extraordinário.


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8 // ENTREVISTA // TL Janeiro 2016 N’O Canto do Signo escreveu: “Há duas maneiras de conviver com o tempo: tomá-lo como realidade ou como ficção.” Qual tem sido a sua preferência ao longo da vida? Acho que vivi dessas duas expressões ao mesmo tempo. Como realidade, sou muito sensível àquilo que é a essência da condição humana – estar no tempo, viver no tempo, como se o tempo não existisse. A minha mulher dizia que por causa dessa atitude que eu me comportava como se fosse eterno. Mas não sou só eu – é toda a gente. Sem essa perspetiva de eternidade no coração do tempo, ninguém resistia a esse confronto com o seu próprio nada. A nossa ficção é que somos virtualmente imortais. E quando alguém nos morre é que percebemos que não somos imortais. Então, entramos na realidade do tempo humano. Vivemos nessa dicotomia constante… Sim, mas o importante é ter perspetiva que a gente sabe sempre como acaba. Com a convicção de que isso tenha sentido, de que há algum sentido na nossa vida, naquilo que nós somos, naquilo que é o tempo. O seu pai desejava que fosse médico. Disse, um dia, que talvez se lhe tivesse feito a vontade teria sido mais fácil encontrar o sentido da vida… Esse sonho era do meu pai. Ele gostaria que eu tivesse sido médico. Acho que as mais antigas profissões ao serviço dos outros são muito compensatórias. Os médicos são uns deuses para nós todos. Não pelo sentido narcísico, mas por ser útil aos outros... Aos 92 anos já encontrou um sentido para a vida? Não, as minhas questões são sempre as mesmas. Acho que os homens não são capazes de responder... Preocupar-se com o sentido da vida é o máximo que o homem, a consciência humana, atinge. É a autoconsciência de que é aí que tudo se inscreve. Ser consciente de que vivemos, de que essa vida é limitada e que o seu

sentido se inclui nessa consciência. Nós não somos os deuses de nós mesmos. Isso é a única coisa que eu sei. O filósofo José Gil disse que “em Eduardo Lourenço há um pessimismo profundo, um pensamento trágico…”. Concorda com esta visão? Sem dúvida nenhuma, com estes ares assim muito sorridentes [risos]... A minha mulher, que me conhecia bem, dizia que eu era sinistro. Penso que não sou, pelo menos disfarço. Mas não é uma opção minha, não foi uma coisa que tivesse criado, a vida é assim. Devíamos contentar-nos em perceber que o maior dom que recebemos foi o de existir, ler este mundo para contemplar o sol e as estrelas. Fora disto, tudo é desilusão. Alguns momentos da nossa existência, sobretudo, certos encontros que fazemos, que outros propiciam ou nós criámos, valem a pena. Vale a pena estar cá um

“Devíamos contentar-nos em perceber que o maior dom que recebemos foi o de existir, ler este mundo para contemplar o sol e as estrelas” “O que queremos é ser voadores à nossa maneira. Só temos uma maneira de voar: é sonhar”

segundo para contemplar o esplendor não do caos, mas o esplendor da vida. Que paisagem portuguesa guarda dentro de si para revigorar o espírito? A paisagem do meu distrito [Guarda]. É uma espécie de planalto. Almeida é a meseta que se estende até Madrid. A minha aldeia tem a mesma altitude, mais de 700 metros. Perto de Almeida há a serra da Marofa, onde se tem um horizonte enorme. Nesse planalto, o vento e as nuvens têm muita presença. Nestes dois jogos, entre uma coisa e outra, há movimento. São coisas que falam. A fala primitiva que os homens se habituaram a escutar, como se fosse uma palavra de Deus. A minha infância – até aos 10 anos – encheu-me com uma espécie de música da natureza. Paisagens com uma certa desolação, mas com um céu magnífico. Essa é a paisagem da minha aldeia, da minha terra, que eu guardei até hoje, ou tento preservar. Como costuma descansar o olhar para depois pensar melhor o mundo? Descanso quando observo as pombas, sempre a debicar, nunca estão quietas, e têm aquele coração tão grande que pulsa. Os homens se tivessem um coração assim não aguentavam. Quando vejo as pombas, digo: “Olha, é isto que eu faço, pico aqui, pico ali”… E qual é o sentido delas? É fazerem aquilo. Elas não têm consciência daquilo que fazem, mas são aquilo. Quando queremos figurar os anjos, em que é que pensamos? Nas aves, nos pássaros… O que queremos é ser voadores à nossa maneira. Só temos uma maneira de voar: é sonhar. Humanidade que não sonha, morre. Um dos nossos poetas escreveu “pelo sonho é que vamos” [Sebastião da Gama]. A chaqu’un son rêve (cada um com o seu sonho). Eu não sonho, deixo-me sonhar. Deixo que a vida me sonhe e aceito, mais ou menos, os sonhos que a vida me propicia. I


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10 // DESTAQUE // TL Janeiro 2016

O essencial é in A 4 de janeiro celebra-se o Dia Mundial do Braille, um sistema de leitura e escrita criado por Louis Braille para as pessoas com deficiência visual. A propósito da efeméride, o TL quis saber como os cegos vivem os seus tempos livres. Há ainda muitos passos a dar na área do lazer, como nos lembra Ana Sofia Antunes, secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, mas há testemunhos que mostram que é possível ir para a rua, ser ousado e experimentar coisas novas

D

e acordo com os últimos censos, há cerca de 160 mil pessoas com deficiência visual em Portugal. Para além das dificuldades que sentem no dia a dia, na escola ou no trabalho, ou nos percursos até esses lugares, o acesso ao lazer não é feito em linha reta. Há obstáculos no caminho que não facilitam a inclusão nas atividades de tempos livres. O TL falou com a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência para saber onde é que os cegos se sentem excluídos na área do lazer. Ela sabe do que fala. O cinema é um desses casos. Ou o espectador domina a língua inglesa para compreender o que se passa nos filmes – que maioritariamente são norte-americanos – ou não pode ir ao cinema, que “é o que acontece a 90 por cento das pessoas com deficiência visual”, refere a governante. “Sabemos que as tecnologias colocam ao nosso alcance uma série de recursos que não estão a ser explorados para chegar a mercados adicionais, como é o caso das pessoas com deficiência visual ou das que vão perdendo a visão ao longo da vida. Existem softwares que permitem a utilização de auscultadores, com a audiolegendagem e a audiodescrição das imagens, para não incomodar a sala inteira de cinema”, acrescenta Ana Sofia Antunes, a primeira governante cega. Outro exemplo onde a vida não está facilitada para os cegos é a leitura de livros. Fala-se na necessidade de as editoras estarem mais atentas a este

mercado: “Uma vez editado o livro, poderia também ser vendido em formato digital com um preço associado. As editoras sabem que isso seria possível, só não o disponibilizam porque acham que no dia em que o fizerem vão perder o controlo sobre os seus títulos e sobre o conteúdo que têm protegido em termos legais. Cabe-lhes a responsabilidade de encontrar uma forma de proteger esse mesmo conteúdo, de forma a que ele possa ser utilizado pelo comprador.”

facto de terem introduzido uma linha guia e algumas anotações em braille já nos permite ter uma experiência completamente diferente do espaço, e de forma autónoma. Há espaços que já criaram percursos sensoriais acessíveis, como o Pia do Urso, em Leiria com audiodescrição. Há também um espaço acessível numa das aldeias de xisto da Lousã. Coisas pequenas que, no universo da grande falta que temos, ganha grande importância pelo simples facto de existirem”, realça.

Sentir sem ver A visita à maioria dos museus também não é acessível a estas pessoas. O caminho da inclusão precisa de ir mais longe. Na primeira pessoa, a governante sente na pele esses problemas: “Há sítios onde as pessoas não gostam que se toque – e isso é muito aborrecido, mas eu mexo em tudo”, conta, divertida. Quem não vê com os olhos, precisa de ‘ver’ pelo tato. “Eu gosto de tocar. Nos objetos. Nas pedras. É muito importante sentir as coisas. E isso dá-me mais informação.” A secretária de Estado reconhece que ainda há passos a dar para os cegos conseguirem fazer visitas em museus, mas prefere destacar os exemplos positivos: “O Grupo para a Acessibilidade nos Museus desenvolveu algumas iniciativas interessantes, nomeadamente no Museu do Azulejo. Foram criados percursos com alguma adaptação. Há também experiências mais pequenas, onde se conseguiu criar coisas muito interessantes. Recentemente estive no Museu da Casa Pia. O

Fazer mais pela inclusão Quem tem deficiência visual quer fazer mais. ‘Ver’ mais. Sentir mais. É sempre possível ir mais além. Identificar os problemas é meio caminho andado. Exigir mais, para que se faça melhor é outra metade. E há tanto para fazer: “Temos de exigir à sociedade que apoie as entidades privadas a desenvolverem atividades turísticas adaptadas, temos de pedir às entidades públicas que trabalham no setor do turismo que preparem conteúdos, em braille ou em língua gestual portuguesa, e espaços para receber melhor as pessoas com determinadas características, para que possam usufruir devidamente dessa oferta. Precisamos de pedir à sociedade que se deixe de reticências e que exija a cada um as suas responsabilidades”, afirmou ao TL a secretária de Estado. Sem quaisquer hesitações, e com a determinação própria de quem anda há vários anos a defender a causa das pessoas com deficiência visual, acrescenta: “Precisamos

também de pedir às televisões que deixem de agarrar em argumentos puramente economicistas, e que nem tão pouco são muito verdadeiros, para continuarem a recusar a fazer audiolegendagem dos seus conteúdos. Precisamos de assumir que temos nós próprios, Estado, que exigir a estas entidades que cumpram as suas responsabilidades, que adotem comportamentos inclusivos, sejam elas televisões que continuam a não garantir horas mínimas de transmissões com inclusão, sejam elas editoras que continuam a escudar-se em leis de direitos de autor muito fechadas para recusarem às pessoas com deficiência acesso aos conteúdos. Aí a culpa não é do Estado português – é da União Europeia que continua em guerras internas para perceber quem é que vai ou não ratificar o Tratado de Marraquexe que vai permitir às pessoas com deficiência visual trocarem livros entre países de forma legal. Temos diversas situações que podemos reivindicar aos nossos parceiros sociais para nos ajudarem efetivamente a fazer mais em nome da inclusão.” Arriscar com audácia O TL perguntou à secretária de Estado o que vai fazer para melhorar a qualidade do lazer das pessoas com esta deficiência. Ana Sofia Antunes responde: “Aquilo que posso garantir é que, para além do que é a competência do ministério em que estou inserida – do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social –, procurarei soluções mais imediatas, em conjunto com entidades de


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visível aos olhos

outros ministérios, com outros colegas do governo que têm estas áreas específicas, nomeadamente o Turismo, a Cultura e a tutela dos Audiovisuais, podendo contribuir na exposição dos assuntos de uma forma mais clara”, afiança. Enquanto não chegam essas soluções é importante relevar que, apesar das dificuldades sentidas pelos cegos no acesso ao lazer, muitos ultrapassam os obstáculos na prática de atividades de tempos livres. O que se faz e o que não se faz também depende do grau de envolvimento de cada pessoa que se predispõe a experimentar coisas novas, criando mecanismos alternativos para usufruir total ou par-

// App Tempo Livre Também acessível para deficientes visuais A App TL cumpre as regras do W3C que garantem a acessibilidade mínima nível A. Leia ainda em http://tempolivre.inatel.pt o que a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência gosta de fazer nos tempos livres.

cialmente dessas atividades. “Uma pessoa que trabalhe pela sua inclusão está habituada a ter que dar passos, a cada dia, no sen-

tido de se autonomizar em todas as áreas da sua vida, e isso também acontece na área cultural e na área do lazer. Eu não fico à espera que todas as estruturas se adaptem, criem percursos adaptados para mim para fazer turismo, por exemplo. Eu faço porque gosto de o fazer e porque decido arriscar. Para mim, é um desafio e um gosto.” Onde quer que vá, cá dentro ou lá fora, a governante sabe que é preciso ser audaciosa para não ter medo de ir para a rua, dar algumas cabeçadas e cair algumas vezes. “Dei muitos pontapés, muitos tombos, caí em buracos, faz parte do processo de quem se desloca com uma condicionante na sua mobili-

dade”, afirma, sem complexos. É sem pudor que diz aos que estão na sua condição de deficiência visual: “Não têm que ter vergonha por não verem. Ninguém vos vai julgar por não verem, e, se julgarem, sejam superiores a isso. Ninguém vai viver a vossa vida. Façam o máximo por vocês. Arrisquem. Não tenham medo de sair de casa, não tenham medo de se se perderem e ter de pedir ajuda a alguém. Riam de vocês próprios. Façam coisas. A sociedade pode fazer muito mais, mas quando exigimos dos outros sem pensarmos se nós próprios estamos a dar tudo por nós e pela nossa vida, se calhar estamos a perder tempo.”


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12 // DESTAQUE // TL Janeiro 2016 Experimentar sem medo Quem não perdeu tempo a procurar viver a sua vida foi Nuno Oliveira, de 44 anos. Nada o impediu de ser um bem-sucedido jurista. Ao TL, partilha que gosta de ler, ouvir e tocar música, fazer exercício físico diariamente e estar com os amigos. É isto que o relaxa e lhe dá bem-estar físico e emocional. Mas, na sua opinião, nem tudo são rosas no campo do lazer. “Existem dificuldades no acesso à informação, como aos livros e internet, instalações de acesso público, no geral pouco preparadas fisicamente para receberem pessoas com deficiência, e pouca preparação de quem trabalha nesses locais.” Nuno gostaria de poder ter mais autonomia e condições para viajar com outra segurança, quando o faz sozinho. Conta que “adora viajar, sentir os cheiros dos locais” para onde vai e entrar “na cultura ou nos costumes de quem vive nesses lugares”. Considera que a sociedade portuguesa tem evoluído na atenção dada aos cegos, mas de forma lenta. “Muitas vezes por medo, por desconhecimento, ou por mero desleixo, as coisas e as mentalidades não caminham com a rapidez que os deficientes desejariam. Uma sociedade inclusiva tem que, e para ser sustentável, ser mais humana, mais responsável e informada, e estes comportamentos estão com um défice tremendo em Portugal.” Rogério Rosa, 51 anos, é ator, amblíope, com uma incapacidade visual de 76%, e nota que a sociedade ainda tem “o estigma do coitadinho, porque não está ainda habituada a ver os deficientes a vencer, a progredir na vida, quer como artistas, quer como músicos, quer como professores”. Rogério é juiz social do Tribunal de Família e Menores e tem uma carreira de ator há 38 anos. Foi selecionado para integrar o elenco da peça "As Bodas de Sangue" de García Lorca, no Teatr’Alma em Alcântara, e participa numa longa-metragem que estreia este mês, “O Esquema”. Nos tempos livres aproveita para ler e fazer desporto. Gosta de fazer caminhadas e, em breve, vai praticar uma modalidade

Nuno Oliveira e, em baixo, Miguel Vieira e Rogério Rosa

de arte marcial. Tudo o que faz dá-lhe a “energia necessária para poder continuar a vida de luta.” Viajar é também outro ponto de interesse: “Estreei-me no Inatel, em 1993. Consegui fazer o meu batismo de voo quando fui à Madeira, integrado numa excursão. O que mais aprecio são as paisagens, a gastronomia e a cultura”, conta. Miguel Vieira, 30 anos, também gosta muito de fazer viagens: “É uma experiência agradável respirar outro ar, ver outras culturas e ambientes diferentes do nosso. Gosto de visitar centros históricos.” Ir à Coreia do Sul foi a viagem que mais gostou. “Fui muito bem acolhido, as pessoas são muito simpáticas. Lá experimentei um desporto muito praticado sobretudo por pessoas com deficiência motora em que tinha de acertar com uma bola oval noutra bola do outro lado do campo.” O Miguel viaja sobretudo enquanto atleta. É judoca e preparase agora para os Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro. Em jeito de brincadeira, perguntamos-lhe se nos vai trazer uma medalha de ouro. Pragmático, responde assim: “Como qualquer atleta, quero medalhas. Não posso prometer a medalha de ouro, mas prometo o melhor resultado possível em representação do meu país.” Este judoca está neste momento desempregado, mas aproveita o seu tempo para fazer outras coisas de que gosta. Anda acompanhado pelos seus “olhos”, que é o seu cão-guia de nome Vespa. Toca também vários instrumentos e é vocalista da banda Miguel Vieira Afro Godspell. Faz natação, anda de bicicleta com um amigo (um vai à frente outro atrás, mas ambos pedalam): “Não consigo estar parado”, diz. Lê “livros em suporte digital, em especial contos, poesia e a Bíblia”. Segue o seu caminho com esperança. Acalenta ainda um sonho, entre outros, de experimentar saltar de paraquedas: “Ser cego não me vai limitar de fazer as coisas que quero.” Cego é quem não vê as oportunidades da vida. I Sílvia Júlio (texto) José Frade (fotos)


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Festejar a Páscoa na Grécia

Cádis: um carnaval com história O mais procurado carnaval, de toda a Espanha, terá mais de seiscentos anos mas continua com uma juventude contagiante

F

renético, cómico, tradicional e gastronómico, é difícil definir este carnaval que dura mais dias que os habituais e que leva a sério os concursos de letras, músicas e performances. Tal é a importância destes concursos cuja final decorre no Gran Teatro Falla, o mais emblemático da cidade. Ninguém escapa ao humor e ironia dos letristas do carnaval de Cádis. Multidões invadem a cidade considerada a mais antiga da Península. Orgulhosamente popular e sem o glamour de outros carnavais europeus, em Cádis as únicas regras são: estar mascarado, ter vontade de dançar e gostar de diversão. As origens do carnaval de Cádis remontarão à segunda metade do século XV, com a chegada de mercadores genoveses, e consolidou-se nos séculos posteriores, provavelmente como resultado da cidade ser o principal porto do império Espanhol para a América. Naquela época, a cidade era um caldeirão de culturas, devido à passagem de marinheiros de todo o mundo e aos escravos africanos que contribuíram com os seus ritmos e músi-

ca próprios. Foi esta miscelânea de culturas que transformou o carnaval na festa popular e anárquica que ainda hoje existe. Durante o século XVI a festa foi consolidada, existindo documentos que confirmam as raízes do "entrudo" na cidade. A Igreja nunca viu com bons olhos esta festa de tantos excessos tão perto da Quaresma por isso sempre que pode pressionou para que este fosse eliminado, esforço inglório por os habitantes da cidade nunca terem abdicado da sua folia. Nem o cerco da cidade no início do século XIX por parte Napoleão, quando Cádis foi a única cidade

// Viagens INATEL Carnaval em Cádis Partida: Lisboa Data: 7 a 10 de fevereiro Preço por pessoa desde: 373€ Mais informações: Tel. 211155779/ Lojas INATEL/ turismo@inatel.pt/www.inatel.pt

que resistiu às forças francesas, impediu Cádis de ter o seu carnaval. Durante a ditadura do General Franco, entre 1939 e 1975, os carnavais foram proibidos devido ao seu caráter festivo e pouco religioso, mas o povo de Cádis, mais de uma vez, ignorou as indicações oficiais, invadindo as ruas de mascarado mesmo correndo o risco de acabar na cadeia. Naqueles negros anos, o festival mudou-se para pequenos bares e tabernas onde as pessoas se reuniam para cantar escondendo-se das autoridades. Franco ainda tentou enquadrar o carnaval na sua ditadura chamando-lhe Festival Típico e mudando a sua data para Maio. No entanto, nada fez morrer o amor do povo de Cádis pelo seu carnaval. Com o advento da democracia no final dos anos 70, o carnaval de rua reapareceu com toda a força e recuperou todo o seu esplendor. Hoje este carnaval já não pertence a Cádis, mas a toda a Europa recebendo turistas atraídos principalmente pela festa de rua, gastronomia, autenticidade e folia sem fim. I

A Grécia, um dos mais míticos países europeus, pode ser visitada de 22 a 27 de março com programas de seis dias. Este país banhado por mares europeus e asiáticos, e composto por ilhas surpreendentes, tem belezas naturais e históricas cuja origem se perde nos tempos. Atenas é uma cidade onde há mais de quatro mil anos se falava em democracia, artes e mitos que ainda hoje enriquecem o nosso imaginário. Neste percurso, entre outros locais, podemos admirar o Pártenon, templo erguido no século V a.C. na Acrópole, a célebre colina localizada no centro da cidade, ou o magistral Teatro de Dionísio que nos lembra a origem da tragédia grega. Visitar a Grécia é também descobrir os sabores de uma gastronomia deliciosa que fica na memória dos apreciadores de boa comida. Há três programas de cinco dias, com preços desde 935 euros. A estadia, em hotéis de 4 estrelas, tem acompanhamento Inatel e guia local nos dias de visita. Mais informações: Tel. 211 155 779/ turismo@inatel.pt.


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14 // REPORTAGEM // TL Janeiro 2016

Sri Lanka A herança portuguesa no Ceilão Os portugueses chegaram ao Sri Lanka há cinco séculos e ainda hoje persistem no território do antigo Ceilão inúmeros sinais desse encontro de povos e culturas. Entre o legado português na velha Taprobana encontramos centenas de palavras de origem lusitana no cingalês, estruturas de fortalezas de norte a sul da ilha e uma comunidade de luso-descendentes, católica e ciosa da cultura que herdaram e desejam preservar

E

m Valaichchennai, alguns quilómetros a norte de Batticaloa, na costa leste do Sri Lanka, a comunidade de portuguese burghers, como são designados no país os descendentes dos primeiros portugueses que ali aportaram, viu-se envolvida nas últimas décadas num conflito a que era alheia. A localização do bairro, entre dois fogos, fez com que os luso-cingaleses fossem também afectados pela guerra civil, que se prolongou por cerca de trinta anos e manteve a região isolada do resto do país até recentemente. Em 2004, a tragédia do tsunami fez, também, vítimas entre a população de Valaichchennai, e de outras zonas da costa oriental do país, causando perda de vidas humanas e muitos prejuízos materiais. Se recuarmos ainda mais no tempo, até às colonizações holandesa e inglesa, podemos constatar a discriminação e a repressão que se abateu sobre a comunidade – durante o domínio holandês, por exemplo, o catolicismo e os casamentos católicos foram interditos na ilha. O viajante que desembarca em Batticaloa, Trincomalee e Ampara, os distritos que acolhem a maioria dos portuguese burghers, começa por se espantar com a resiliência secular desta comunidade perante tanta desventura e, simultaneamente, com a sobrevivência de um importante legado cultural de origem portuguesa na região. Apesar da ocorrência de casamentos mistos entre as comunidades de descendentes de portugueses e de holandeses, gente bastante mais próspe-

ra, foram os elementos culturais introduzidos pelos portugueses que subsistiram com mais pujança – o catolicismo, a língua, alguns costumes familiares e certas influências sobre a dança e a música tradicionais. O prodígio é tanto mais de espantar quanto, afinal, a presença portuguesa no Ceilão durou apenas 150 anos, uma centelha brevíssima na escala da História. Aspirações: do museu ao futebol Batticaloa é uma agradável cidade edificada sobre uma série de ilhas, numa área cercada de bosques e lagunas. Foi um dos locais que os portugueses escolheram para a construção de uma fortaleza, no século XVII, ainda de pé, mas com transfigurações introduzidas posteriormente pelos holandeses. Quase cinco séculos depois, a Catholic Burgher Union, uma instituição criada em 1927 com o propósito, entre outros, de contribuir para a preservação da identidade cultural da comunidade luso-descendente, está a desenvolver um projecto de instalação no interior da fortaleza de um museu de divul-

// Viagens INATEL Sri Lanka Data: 20 de outubro a 1 de novembro Partida: Lisboa Mais informações: Tel. 211 155 779/ Lojas INATEL/ turismo@inatel.pt/ www.inatel.pt

gação da História e da cultura dos portuguese burghers. No programa da Catholic Burgher Union para a preservação da memória histórica e cultural da comunidade estão também iniciativas como o ensino do velho crioulo português às gerações mais novas da comunidade. O ensino da língua portuguesa é outro objectivo, visando, como sublinha Earl Barthelot, dirigente da associação, “um estreitamento das relações culturais com o Portugal contemporâneo”. A educação constitui, aliás, uma das principais preocupações da comunidade, tanto pelo seu potencial de preservação da cultura, como de contribuição para a elevação dos níveis socioprofissionais e dos rendimentos das famílias de portuguese burghers. O futebol é, curiosamente, outro elemento da cultura luso-cingalesa, uma atividade desportiva imensamente popular entre a comunidade, num país onde o cricket arrebata multidões. Batticaloa "exporta" bons jogadores, mas não dispõe atualmente de um campo de futebol e esse é outro dos objetivos que tem mobilizado a Catholic Burgher Union, inclusive na busca de apoios em Portugal para a aquisição do indispensável terreno. Para Earl Barthelot, o desenvolvimento de uma equipa de futebol em Batticaloa (a perda de recursos após o tsunami paralisou a anterior equipa) seria “mais um factor de extrema importância para a coesão cultural e social da comunidade”. Uma outra aspiração tem também a ver com a afirmação da iden-

tidade cultural destes "portugueses" do outro lado do mundo. A divulgação das danças e da música tradicional, que inclui muitas canções cantadas em crioulo, assim como da gastronomia, constitui uma preocupação da Catholic Burgher Union, que organiza periodicamente apresentações públicas dos seus músicos e dançarinos dentro e fora da comunidade – e que aspira, mesmo, trazer a Portugal esses espetáculos. Existe, ainda, a perspectiva de que a divulgação da cultura luso-cingalesa possa tomar a forma, também, uma atração para o turismo cultural, proporcionando, adicionalmente, receitas para a comunidade. A rota das fortalezas “Te canta o galu já cunsa novo dia / Dormi tudus para corda canta bom dia / A luz de sol ilumina…”. Ao ouvirmos Rachel Outschoorn cantar velhas canções em crioulo podemos imaginar um tempo – até aos anos 1960 – em que uma boa parte da população se exprimia em crioulo português, a linguagem franca na administração da ilha mesmo durante período de colonização holandesa. Até há quatro ou cinco décadas atrás, as reuniões na Catholic Burgher Union ainda eram conduzidas em crioulo português (substituído entretanto pelo tâmil e o inglês), reservado agora para a esfera doméstica (e apenas falado pelas gerações mais velhas e por uma minoria de crianças) e para a liturgia católica. A língua portuguesa mantém, no entanto, uma significativa pre-


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Outras imagens do Sri Lanka País multicultural e com uma posição invejável no quadro dos índices de desenvolvimento humano dos países do sul da Ásia, o Sri Lanka, que conservou o nome de Ceilão até 1972, é uma nação muito antiga, com uma história e uma cultura riquíssimas. Quando o capitão Lourenço de Almeida assentou os pés na ilha, em 1505, já o território averbava prestigiados registos históricos e culturais, como atestam as referências nos textos do Ramayana, ainda antes da era cristã. O atual Sri Lanka reserva para os visitantes um impressivo número de atrações, tanto do ponto de vista cultural como do ecoturismo. Uma jornada aos principais vestígios históricos é simultaneamente uma peregrinação a lugares de grande significado religioso. É o caso do roteiro por templos e cidades antigas – Anuradhapura, Polonnaruwa, Dambulla e Sigiriya –, a que se acrescenta Kandy, a capital do reino que tanto resistiu aos portugueses e onde os cingaleses levantaram o famoso Templo da Relíquia. Fundamentais são, também, os safaris no Yala National Park, povoado por elefantes e outras espécies tropicais e, ainda, uma excursão às terras altas e frias do interior, o chamado Hill

sença no cingalês, que inclui centenas de vocábulos de origem portuguesa: almaryia (armário), almosa (almoço), dosi (doce), iskolaya (escola), janelaya (janela), kussiya (cozinha), natala (Natal), notisiya (notícia), portaya (porto), sapattuva (sapato), saban (sabão), sidadiya (cidade), etc. Também os nomes e apelidos de origem portuguesa são frequentes no Sri Lanka e é muito comum sermos apresentados a alguém com nomes que soam familiares: Fernando, Perera, Silva,

Alwis, Dias. Até alguns topónimos ostentam nomes de origem lusa, como o de Milagiriya, em Colombo, onde os portugueses fundaram a Igreja de Nossa Senhora dos Milagres. Música, religião e vocabulário são a expressão imaterial do legado cultural português no Sri Lanka. Mas a herança tem também uma dimensão física, as fortalezas edificadas de norte a sul: Batticaloa, Trincomalee, Jaffna, Mannar, Galle, Negombo. Umas desapareceram

ou foram substituídas, de outras não há mais do que ruínas. A de Galle, no sul, está classificada pela UNESCO. É verdade que os holandeses introduziram alterações nas suas estruturas, mas quase todas conservam nas suas novas vidas elementos portugueses. Fatalidades da História: afinal, e como nos lembrava um poeta luso que por lá passou, “todo o mundo é composto de mudanças, tomando sempre novas qualidades”. I Humberto Lopes (texto e fotos)

Country, onde é cultivado o prestigiado chá do Ceilão.


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16 // MEMÓRIAS // TL Janeiro 2016

// A VIAGEM DA MINHA VIDA

Catarina Furtado O primeiro alerta para o mundo No princípio era o verbo. Conjugações do verbo ir. Fui, vou e irei. Para o outro lado da rua ou o outro lado do mundo. Perto ou longe. O que importa é caminhar. Conhecer. Olhar. Conversar. Trocar. Tocar. Absorver. Sentir. Infinitos os infinitivos quando se fala em viagens. A fundadora da Associação Corações com Coroa fala de destinos improváveis que fizeram soar as campainhas que a despertaram para a vida

N

um parque de campismo, perto de Barcelona, Catarina Furtado descobriu os outros. Os estrangeiros. Que viviam outras realidades. E lhe mostraram mundos diferentes. Ela já tinha estado lá fora outras vezes, mas foi ali que aprendeu a questionar-se sobre o que nos une e nos separa. Ia a caminho de Espanha com a família. Uma tempestade impediu que prosseguissem a viagem. A estrada estava perigosa. Foram obrigados a parar. “Dormimos no carro. Os meus pais à frente, eu e a minha irmã atrás. Achei muito divertido”, conta. No dia seguinte, quando chegaram ao parque de campismo, numas férias também acompanhadas pela família do jornalista Adelino Gomes, Catarina descobriu que as palavras que se trocam são uma fonte inesgotável de aprendizagem. Teria quinze anos, a idade em que muitas interrogações inquietam os espíritos mais ávidos: “Foi muito interessante porque era a primeira vez que confraternizava com jovens de outros países. À noite, no parque, podíamos divertir-nos na sala de convívio, onde conheci alguns espanhóis, italianos… Foi o primeiro alerta para o mundo. Quis saber como viviam, se tinham pais mais ou menos permissivos, mais conservadores ou mais liberais… Lembro-me de pensar que seria maravilhoso, no mundo idílico, que retirássemos o melhor de cada país, para encontrar o país ideal com uma coleção de coisas boas.” Seguiram-se muitas outras via-

gens pelo mundo. “Banhos de realidade – diz – que abalaram estruturalmente a confiança e o otimismo num mundo melhor”. Mas, logo no passo seguinte, surgiram pessoas no caminho – por norma, mulheres – com percursos de vida inspiradores e que desenvolvem um trabalho excecional em prol da humanidade. E depois volta a

“carregar as baterias de otimismo”. Enquanto embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), e documentarista dos Príncipes do Nada, tem percorrido muitos lugares “com realidades que atormentam”. Porém, esse desassossego pode levar à conjugação do verbo agir. “O conjunto das viagens que Carlos Ramos

fiz em serviço levou-me a fundar, com duas amigas, a Associação Corações com Coroa e a querer fazer mais pelo mundo que nos rodeia. Todos podemos contribuir para isso.” Nós, vós, eles, elas, somos pessoas que podemos deixar o mundo melhor. “Todos com diferenças, mas todos príncipes e princesas” – é a mensagem de um quadro colorido, exposto na sala de decoração minimalista, na sede da associação, onde decorreu a conversa. O que coroa o mundo são as pessoas. Como as que encontra na Guiné-Bissau, onde aterra regularmente, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Indonésia, e muitas outras viagens. Realça ainda a visita ao Sudão do Sul, onde viu nascer um país e sentiu uma grande emoção. “Considero que viajar é a maior universidade da vida.” Com brilho no olhar, Catarina recorda também a sua “viagem de amor”. A Malásia foi o destino da lua de mel. Viagem exótica. Viagem romântica. Viagem memorável. De lá trouxe dois frascos, um de areia, outro com água de Langkawi. Gosta de os ter por perto para se lembrar das pessoas que conheceu nas comunidades. Mais do que as viagens são as pessoas que importam. Precisa de sentir a real vivência dos que habitam os lugares. A viagem da sua vida “é sempre a próxima”. Onde? Ainda não sabemos. Seguiremos o verso de Antonio Machado (“se hace camino al andar”), o caminho faz-se caminhando. I Sílvia Júlio


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TL Janeiro 2016 // SABORES // 17

// MESA PARTILHADA COM...

Ljubomir Stanisic Conceituado chef de cozinha, natural de Belgrado, a trabalhar em Portugal desde 1997, recorda uma receita típica da ex-Jugoslávia

“T

raz-me muitas memórias da infância, quando comíamos o burek em várias versões. Basicamente é um pastel com uma massa muito leve que pode ser recheado com diversos ingredientes – atualmente, no Bistro, é servido com queijo e acelga biológica, sendo um dos pratos mais pedidos do restaurante e um dos poucos que nunca saem do menu, é um clássico. Para mim, é comida de conforto no seu melhor, ótima para comer a qualquer hora do dia e em qualquer lugar – também se leva muito bem para um piquenique e os miúdos adoram.” I

Bistro 100 Maneiras – Largo da Trindade, 9 – Lisboa – Tel. 910307575 – www.restaurante100maneiras.com

Receita // ROLO DE BATATA E BACON (BUREK JUGOSLAVO) Ingredientes para 4 pessoas:

pincelar com um pouco de azeite.

250g Folhas de massa filo; 600g

Rechear com o preparado de

Batata nova; 100g Barriga de

batata apenas numa das

porco fumada ou cozida; 1dl

extremidades da massa. Enrolar

Azeite; Pimenta preta e sal q.b.

como se fosse um cilindro. Repetir

Descascar as batatas. Ralar com

este processo com as folhas e

a ajuda de um ralador (nos

recheio restantes. Num tabuleiro,

orifícios mais largos). Temperar

previamente untado com azeite,

com um pouco de sal e muita

colocar os cilindros em fileira, ao

pimenta. Repousar durante cerca

lado uns dos outros. Levar o burek ao forno previamente

de 5 minutos. Escorrer a água que a batata vai acumular.

gordura. Misturar com as batatas

aquecido a 180º durante 25

Adicionar tiras de barriga de

escorridas. Esticar uma folha de

minutos. Cortar em pedaços e

porco previamente salteadas

massa filo, pincelar com azeite.

servir quente. De preferência,

numa frigideira anti-aderente sem

Colocar outra folha por cima e

acompanhar com iogurte natural.


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TL Janeiro 2016 // AUTORES // 19

// JARDIM DOS TÍTULOS

Gonçalo M. Tavares “Espalhar lucidez na terra…” em mapa, nem bússola, nem estrela. Errância. Não sabemos para onde vamos. Atravessamos caminhos. Persistência, convicção, vontade. Ir ao encontro de Gonçalo M. Tavares é também compreender que se escreve “porque se está perdido, desorientado”. Autor amplamente premiado, em diferentes géneros literários, para quem a escrita é “uma forma de se orientar, encontrar um percurso”. Publica desde 2001. Existem edições e traduções em cerca de quarenta e cinco países. Os seus livros deram origem a peças de teatro, curtasmetragens, objetos de artes plásticas, dança, vídeos de arte, ópera, performances. “O Torcicologologista, Excelência” é o seu mais recente livro de ficção, mas não o trazemos agora... Flanamos por outros jardins. Onde se encontra o seu jardim? Na Gulbenkian. É um jardim onde me sinto muito bem. É a sensação de se estar fora de Lisboa, porque se consegue não se sentir a cidade. Estamos quase numa bolha. Imagine que se encontra num espaço verde desconhecido. Optaria por fazer “Uma Viagem à Índia” (um dos seus títulos) ou um circuito de exploração? O livro “Uma Viagem à Índia” é uma viagem mental, e, de alguma maneira, os jardins permitem isso. Viagens, por exemplo, através da leitura, viagens intelectuais, viagens muitas vezes de afastamento em relação à própria cidade. Nele teria um esconderijo que as aves saberiam encontrar… Seria o seu esconderijo ou poderia ser partilhado? Pensando na Gulbenkian... É

Steve Stoer

S

“A caminhada deixa um conjunto de traços que no meu trabalho é como se fosse uma espécie de pré-escrita”

uma espécie de esconderijo que, no meu caso, permite fazer um tipo de leitura que não sei explicar porquê. É como que se tivesse uma magia diferente da leitura que se faz em casa ou no café. Nesse sentido, para mim é um micro esconderijo de leitura e de escrita. Acho que é um espaço que pode ser partilhado. No meio de uma alameda há uma esplanada. Instala-se, confortável. Alguém lhe propõe um jogo: escrever sete palavras numa carta que vai plantar… Uma palavra de que gosto

muito é lucidez. É uma palavra que vem de luz, que tem uma série de interpretações. Lucidez seria uma palavra que estaria nesse papel… O que poderia germinar a partir dessa palavra? Uma maneira de espalhar lucidez na terra... A consequência disso será, talvez, uma diminuição da ingenuidade maligna, da ingenuidade que é violenta sem se saber. Eu diria que a lucidez espalhada no solo conseguiria, com o tempo, diminuir a indiferença e a ingenuidade que muitas vezes são causadoras de uma certa violência que se gera. O vento transporta partículas de sonhos, signos e sentidos, para fazermos coisas que ainda não fizemos. Este ano quais serão as suas viagens? A viagem planeada, para este mês, é a Bogotá, capital da Colômbia. Será uma viagem importante, onde nunca estive, mas que me atrai. Há algo nestes países que tem a ver com uma espécie de alegria inspirativa. Acha que um escritor deve conseguir carregar o peso das palavras e deixar traços atrás de si? Gosto muito de caminhar, tanto na cidade como em jardins. Caminhar deixa um conjunto de traços quase sempre invisíveis, que tem a ver com traços às vezes mentais. Para mim, a caminhada é um ato de escrita e de reflexão. A caminhada deixa um conjunto de traços que no meu trabalho é como se fosse uma espécie de pré-escrita. Tenho muita dificuldade em pensar a escrita sem essa caminhada... I Teresa Joel


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20 // FICÇÕES // TL Janeiro 2016 // OS CONTOS DO ZAMBUJAL

Correspondência

Á

lvaro Juvenal de Almeida Matias relê com atenção as duas cartas que acabou de escrever em esmerada caligrafia. As cartas e os envelopes, correio azul. Medita um pouco sobre se terá usado as palavras e as frases certas. Então lá vai. Já em descontracção, comete o erro: a carta para Roseta irá parar às mãos de Vanda, a missiva destinada a Vanda terá Roseta leitora. Assim seguiram, assim chegaram. Vanda leu: Querida futura esposa Os meus costumes, respeitadores das mais nobres e românticas tradições, levam-me a escolher esta via – a carta escrita em alvo papel – como o modo apropriado para confirmar o meu intenso afecto por si. Fiz mais, Roseta, ganhei coragem para pedir o prévio acordo do senhor Ivanegildo – seu extremoso Pai e meu estimado Patrão – e o que ouvi foram palavras de aprovação e a garantia de que já fui aprovado por si. Regozijei. Nada disto será novidade. Já antes lhe sussurrara, timidamente, como admirava a sua inteligência, as feições perfeitas, as ancas e o par de pernas. O sorriso que recebi em troca correspondeu ao sim que o senhor seu Pai agora declara como ponto assente. Honra-me que eu, modesto servidor da TAV – Tecnologias Avançadas seja aceite como membro da família e, principalmente, partilhar a vida consigo, debaixo do mesmo tecto. Confesso, Roseta, que tive um receio. Aludo ao facto de ser pública e notória a minha relação dita sentimental com a funcionária Vanda Vasques. É para esquecer, Roseta. Aliás, já esqueci. Não passou de ligação transitória com uma criatura sem os requisitos mínimos para uma união consistente. Teimosa, senhora do seu nariz, seu, dela. Junta estes inconvenientes à

pobreza de encantos físicos. Que também contam, digam o que disserem. Note a diferença, querida Roseta: você, com dezassete anos mais que ela, atingiu a maturidade sublime, de corpo e alma, faz-me sentir como um pajem fascinado pela Rainha. Sou todo seu. Dou por certo que lerá esta carta com uma felicidade paralela à minha quando a escrevo. Receba os primeiros beijos do Álvaro Juvenal de Almeida Matias

S

e Vanda estranhou encontrar no cacifo do correio uma carta de Álvaro Juvenal de Almeida Matias, porquanto coabitavam, já Roseta acolheu com naturalidade e satisfação o envelope que lhe foi dirigido. Abriu, sorrindo, e começou a ler: Amor da minha vida Não é fácil dizer-te adeus. Num

primeiro impulso pensarás que encontrei outra mulher que te suplanta em virtudes e encantos anatómicos. Mas como poderás tu, Vanda, admitir tal ideia? Ao longo dos três anos de vida em comum, fiquei certo de que jamais encontraria alguém como tu. Permanecerás no meu pensamento, mesmo que noutro sofá me sente e noutra cama me deite. És única, incomparável. Todavia, a crueldade da vida real obriga-me a ser pragmático. Tantas vezes assistimos, lado a lado, de mãozinhas dadas, a repetitivos debates na televisão acerca da economia. Compreenderás tudo se eu te lembrar que o meu PIB é baixo e a Dívida engordou com os seus próprios juros e as maravilhosas viagens que fizemos por esse mundo. Guardo as fotos, sempre lembrarei esses dias contigo. Pratiquei, no entanto, a austeridade. Sabes como José Frade

sou fã de carros de alta cilindrada e limitei-me ao meu chasso em terceira mão; sabes como aprecio casas grandes, com salão, vários quartos, cozinha tecnológica, jardim, piscina. Mas vou perder-te, Vanda, minha amada, e todos esses luxos e comodidades não passam de prémios de consolação. Faço questão de seres a primeira pessoa a tomar conhecimento: vou casar-me com a Roseta, filha do senhor Ivanegildo, esse bronco nosso patrão. Certo, ela é feiota e quatorze anos mais velha que eu, mas fecho os olhos às contrariedades. Há vantagens: o calhordas do Ivanegildo já me acenou com a promoção a director e, mais importante, herdeiro. Deves poder felicitar-me, Vanda. O comprovado amor que tens por mim, Vanda, fará que compreendas e aproves. Também eu continuarei a amar-te loucamente e ocorre-me uma sugestão: porque não havemos de encontrar-nos, Vanda, seja uma vez por semana, para recordar o melhor daqueles que passam a ser nos nossos velhos tempos? Pensa nisso. Que não seja o último beijo que hoje te mando. Teu Álvaro Juvenal da Almeida Matias

N

o dia seguinte, recebeu o subscritor telefonemas de Vanda e Roseta, curiosamente ambas aos gritos e inesperados insultos, canalha, traste, sacanóide, filho da mãe, digamos assim, patife, ordinário, velhaco e outros. Sobre a secretária, encontrou uma carta do senhor Ivanegildo, na sua qualidade de presidente da administração da TAV, transferindo-o para o escritório da empresa em Malabo, ilha de Bioko, Guiné Equatorial. Lá está. I


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TL Janeiro 2016 // HORIZONTES // 21

// CULTURANDO

O futuro próximo da Cultura

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Jano, deus romano das transições e das passagens, se consagra o primeiro mês do ano (Janeiro, Janua, Januarius: a porta do ano) e se atribui a intervenção no início de cada empreendimento, assinalando a evolução do passado para o futuro, de um estado a outro, de uma visão a outra. Para o sector público da Cultura, o ano de 2016 constitui um verdadeiro repositório de expectativas, expresso num Programa de Governo que, mediante o restabelecimento de um Ministério, afirma a centralidade do conhecimento e da cultura como estratégia política e reforça o seu potencial criativo, social e económico como recurso para o desenvolvimento do país. Como compromissos eleitorais que são, traduzidos em dez páginas programáticas que declaram o desígnio fundamental de educar para uma cultura mais participada e de imprimir uma política cultural transversal a todas as áreas de governação, importa pois, também em jeito de lista de desejos, atentar à sua concretização. De entre as várias medidas concretas propostas, merecem especial acolhimento: o reforço dos conteúdos de artes e humanidades nos programas curriculares; a instituição da gratuitidade de acesso aos museus e monumentos nacionais para jovens até aos 30 anos, durante fins-de-semana e feriados; a criação do cartão cidadão +Cultura, do Banco Solidário do Livro e do Arquivo Sonoro Nacional; a revitalização das redes

de equipamentos culturais, nomeadamente da Rede Portuguesa de Museus; a promoção do inventário do património cultural imaterial em Portugal e do património imaterial português existente no mundo; a retoma do projeto INOVArtes de apoio a estágios internacionais e nacionais para profissionais da

cultura; o incentivo a formas de cooperação entre os sectores da cultura, do turismo e da educação. Por fim, assumindo o Ministério da Cultura como interlocutor privilegiado com as demais tutelas e promotor de um trabalho em rede com os centros de decisão locais e regionais, destacam-se duas grandes novidades: a integração do audiovisual, imprensa, rádio e novos média na esfera da Cultura, valorizando a dimensão educativa e cultural da RTP enquanto instrumento de serviço público; e o reforço de pólos de decisão regionais num fomento de políticas culturais de proximidade, incluindo a transferência para o nível regional de competências de tutela patrimonial e de apoio à criação de âmbito territorial local. Sob o auspício da dualidade de Jano, reservemos então os aspectos positivos da possibilidade de construir para diante sem descurar as experiências da história passada. I Sofia Tomaz [A autora escreve de acordo com a antiga ortografia]


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22 // PALCOS // TL Janeiro 2016

// EM CENA NO TRINDADE-INATEL

Ano novo, riso renovado Começamos o ano a rir com Salvador Martinha na sala Eça de Queirós. Na sala Estúdio, Ricardo Cabaço traz-nos um espetáculo multimédia co-produzido com o festival Temps d´Images. A seguir, no início de fevereiro, na mais experimental sala de teatro, é a vez de Brian Friel, importante dramaturgo irlandês DR

S

alvador Martinha é um humorista bem conhecido do público, faz parte de uma nova geração de atores que popularizaram o género stand-up entre nós, género que tem tido grande expansão, até por causa da simplicidade de recursos que implica. Muitas vezes basta um pequeno palco, um microfone, e depois tudo o resto é interação com o público. Salvador Martinha traznos na Ponta da Língua, com o qual pensa percorrer o país de norte a sul. O humorista, usando sempre a sua linguagem muito própria, fala sobre temas da realidade quotidiana, como tecnologias, tendências e relação homem-mulher. Neste espetáculo a plateia não é esquecida e a qualquer momento uma pessoa do público passa a ser o sidekik da noite (termo que designa um companheiro próximo de um personagem importante. Na ficção encontramos figuras como Sancho Pança de D. Quixote, Dr. Watson do Sherlock Holmes ou Robin do Batman). Dias 7, 8, 9, 14, 15 e 16 de janeiro (de quinta-feira a sábado), às 21h30.

Imagem em movimento inspira espetáculo Eadweard Muybridge inventou o zoopraxiscópio, instrumento que deu movimento às imagens, provando que o cavalo corre com as quatro patas no ar. É um dos mais influentes fotógrafos ingleses do séc. XIX. O seu estudo sobre os atletas inspirou Meyerhold na introdução da biomecânica no trabalho do ator. Stop Motion para Eadweard cruza a linguagem do cinema com o teatro, a obra do artista é relem-

17h. Conversa com o público, após o espetáculo, 21 de janeiro. Faith Healer O texto de Brian Friel cruza quatro monólogos sobre uma mesma realidade, vista por três pessoas que viveram de forma intensa os mesmos acontecimentos. Cada uma delas relata a sua versão dos anos de itinerância e existência precária passados dentro de uma carrinha e em clubes, centros paroquiais e igrejas de aldeia percorrendo os recantos mais remotos e rurais de Inglaterra, País de Gales e Escócia. O espetáculo, em inglês, legendado em português, das Produções Próspero, é representado por Mick Greer, Norman MacCallum, Duncan Fox (piano) e Valerie Braddell, que também encena. A tradução é de Paulo Eduardo de Carvalho, ensaísta, investigador e crítico de teatro, cuja morte prematura não impediu ter deixado um trabalho fundamental de divulgação da literatura dramática de autores de língua inglesa. Estreia a 10 até 28 de fevereiro, quinta a sábado, 21h45, domingo às17h, quarta às16h (sessões para escolas).

brada em simultâneo com notas da sua biografia. Um espetáculo para conhecer uma figura complexa onde a par do seu contributo para o desenvolvimento da imagem em movimento, surgem aspetos de ordem pessoal mais difíceis. É uma homenagem ao cinema, à fotografia e à vontade inóspita de um homem provar a sua arte e o seu nome. Dirigido e encenado por Ri-

cardo Cabaça, com Daniela Rosado, Elisabete Pedreira, Zé Bernardino. Desenho de luz de Alexandre Costa. Paisagem sonora e vídeo de Rui Geada, figurinos de Marco Moreira. Produção de Pedro Azevedo e 33 Ânimos, co-produtores: Temps d’Images Lisboa/DuplaCena e Teatro Nacional D. Maria II. De 14 a 31 de janeiro, de quinta a sábado, às 21h45, domingo às

Conferências do Trindade 2016 A terceira edição do ciclo de Conferências alarga novamente os horizontes temáticos com propostas nas áreas da estética, ciência, religião, literatura, teatro, design e edição literária, com a participação de Alexandre Quintanilha, Bárbara Bulhosa, Gonçalo M. Tavares, Luis Miguel Cintra e Maria Filomena Molder. Conferências à terça, no Salão Nobre. I


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TL Janeiro 2016 // OLHARES // 23

// ARQUITETURA DOS TEMPOS LIVRES

Cultura e lazer em Serralves

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Museu de Serralves é um importante museu de arte contemporânea no Porto, que conjuntamente com o Parque e a Casa constituem a Fundação de Serralves. O conjunto patrimonial paisagístico e arquitetónico foi declarado Monumento Nacional em 2012. O museu, projetado pelo arquiteto Álvaro Sisa Vieira em 1991 e inaugurado oito anos depois, foi integrado de modo a não criar impacto na pré-existência formada pelo bairro de habitações com dois pisos e pelo frondoso coberto vegetal do Parque de Serralves. Harmoniosamente enroscado entre a vegetação em forma de “U”, o edifício permite que a natureza possa entrar, através de grandes janelas estrategicamente colocadas, nas salas do museu. Ao atravessar os portões em ferro forjado, o visitante acede a um caminho coberto que, qual ponte entre exterior-interior, conduz a uma exposição distribuída por 14 salas proporcionando múltiplos percursos e perspetivas. O projeto do edifício combina a iluminação natural e artificial, a

estrutura é composta de aço e betão revestido no exterior por granito e reboco pintado. No interior o pavimento é coberto com carvalho e mármore, as paredes e os tetos, com alturas que variam entre os 2,90 e os 9,50 m, são revestidos a gesso e estuque pintado. O Museu de Serralves promove a fruição e a compreensão da arte e da cultura contemporâneas através de exposições temáticas e monográficas de artistas consagrados ou emergentes por entre as particularidades de cada um dos espaços exteriores e interiores, na sua estrutura organizativa e flexível. Serralves promove os laços com a comunidade e a reflexão em torno das relações entre a arte e o ambiente. I Ernesto Martins


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24 // SABERES // TL Janeiro 2016

// TEMPO DIGITAL

// LÍNGUA NOSSA

Smartphones: capacidades e riscos

Algumas confusões...

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ada vez mais utilizamos smartphones em tarefas que anteriormente apenas eram possíveis em computadores. E os smartphones actuais têm capacidade para fazer muito mais do que os telemóveis de há uns anos. Sem dúvida que é bastante útil uma caneta que acaba de aparecer e que serve para escrever no papel mas também para trabalhar num ecrã táctil, possuindo ainda outras duas funções suplementares: inclui uma tira de limpeza para ecrãs e a tampa pode servir de suporte para o smartphone. É a caneta Stylus 4-em-1 distribuída pela Hama e que custa menos de seis euros. Claro que aconselhamos a que a usem mas este é apenas um exemplo de como usamos cada vez mais e melhor os smartphones. O facto da gama de capacidades ser cada vez mais alargada também trouxe alguns riscos de segurança novos, e para podermos usar os smartphones, num maior número de tarefas, é necessário passar a ter com eles os cuidados de maior segurança como já temos nos PC. Os utilizadores guardam informação importante, confidencial e, muitas vezes, insubstituível nos seus smartphones, incluindo passwords, mensagens, fotografias, contactos, ficheiros, etc. Um quarto dos utilizadores afirma que guarda informação nos seus dispositivos que não

gostaria que fosse vista por mais ninguém. Enfrentam assim riscos potenciais, tais como danos físicos, perda ou roubo mas também estão sujeitos a ciberataques para roubarem os dados ou inclusive, espiar o utilizador. Agora que começamos um Novo Ano, resolvemos deixar aqui uma série de conselhos que devem ser seguidos para evitar surpresas desagradáveis. Manter o dispositivo bloqueado para que haja menos risco no caso de o telefone cair nas mãos de um cibercriminoso. Encriptar as informações sensíveis, sempre que o seu telefone incluir funcionalidades de encriptação de dados. Monitorizar o comportamento das aplicações ou App no telefone estando atento a pedidos de acessos permitidos de aplicações que instalamos e utilizamos. Proteger o telefone e os dados, utilizando um programa anti-vírus com boa reputação e actualizando com regularidade as suas bases de dados. Estar atento aos riscos de acesso indevido e portanto para ajudar a manter a segurança, não desbloqueie nem aceda indevidamente ao seu telefone. Desactivar o Bluetooth sempre que puder, pois se não utilizar esta ligação, é preferível desactivá-la. O telefone ficará menos vulnerável a ciberataques e consumirá menos bateria. I Gil Montalverne [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]

e facto, determinadas palavras são tão próximas, de sentido diferente mas de forma tão semelhante, que geram a maior confusão. Enfim, confusão, provocarão naqueles que, muito naturalmente, têm dúvidas. Contudo, como bem sabemos, através dos erros com que somos confrontados amiúde, também há muita gente que, não senhor, vive cheia de certezas, não se confunde e, por isso, nem sequer se apercebe das faltas que comete… Palavras traiçoeiras? Ah, não! Não há palavras traiçoeiras. Todas são fiáveis, todas as palavras são queridas, nossas amigas. E, afinal, tanto de nós dependem para que não façam tristes figuras nos textos que com elas concebemos, que, através dos gramáticos, seus naturais defensores, chegam ao ponto de implorar que mantenhamos um domínio férreo e assertivo da morfologia e da sintaxe. Há, isso sim, palavras parónimas, ou seja, que apresentam grafia e pronúncia parecida, muito parecida, mas com significados diferentes. É, aliás, para esse efeito que aqui estou, a partilhar convosco a fragilidade das dúvidas e a mais-valia das certezas, do sossego das certezas, sustentadas em doutos saberes dos quais apenas sou o veículo. Ora bem, sem mais delongas, a propósito de certezas, consideremos o caso do advérbio decerto, uma só palavra, formada pela preposição de mais o adjectivo certo, cujo significado é ‘com certeza’, ‘certamente’. [Ex: Com tanta experiência acumulada, vai decerto fazer um bom lugar].

Outro, no entanto, é o caso de expressões como de certo modo em que as duas palavras são separadas. [Ex: A prisão do director foi de certo modo tão inquietante como natural]. Quantas e quantas vezes, confessem os leitores, não terão hesitado entre escrever descriminar ou discriminar. Santa hesitação! De significado completamente diferente, o seu uso incorrecto compromete totalmente a interpretação da mensagem. O verbo descriminar, que significa ‘absolver de um crime’, é derivado de criminar, conferindo-lhe o prefixo des uma conotação de afastamento. [Ex: A segunda instância acabou por descriminar o suspeito]. Pois bem, nem na grafia nem na pronúncia convém confundir com discriminar, um perfeito parónimo, que significa ‘diferenciar’, ‘especificar’ [Ex: Faça o favor de me passar uma factura discriminada, indicando cada uma das despesas]. Outra confusão algo frequente regista-se entre deferir, que significa ‘conceder’, ‘autorizar [Ex: a petição não foi deferida] e diferir, isto é, ‘diferenciar’, ‘dilatar’ um prazo. [Ex: A transmissão televisiva do evento foi diferida para a próxima terça-feira]. Finalmente, neste início de Novo Ano, imponha a si próprio distinguir-se dos outros, fazendo o possível por se demarcar, sempre pelas mais positivas atitudes. E não caia na prática de desmarcar compromissos, por exemplo, este que tem comigo da leitura mensal da rubrica Língua Nossa…I João Cachado [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]


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TL Janeiro 2016 // CARTAZ // 25

// ECRÃS

Amor e raiva Um início de ano prometedor: Charlotte Rampling regressa ao grande ecrã, DiCaprio veste a pele de um sobrevivente e o cineasta gaulês Jacques Audiard volta a surpreender tudo e todos vemente por um urso e que é traído e abandonado por um dos seus companheiros de expedição. O filme, que traz à memória um outro – o interessante “The Man in Wilderness”/“Um Homem na Solidão”, de Richard C. Sarafian (1971) – é uma adaptação do romance homónimo de Michael Punke.

45 Anos, de Andrew Haigh | GB, 2015, 1h33 Com: Charlotte Rampling, Tom Courtenay, Dolly Wells. Em cartaz.

Nas vésperas do quadragésimo quinto aniversário do seu casamento um idoso recebe uma carta a darlhe conta que o corpo de sua namorada anterior fora encontrado, perfeitamente preservado no gelo dos Alpes. Filme sobre o peso do passado e a frágil tranquilidade do presente. O par Rampling-Courtenay é memorável.

Regressão, de Alejandro Amenábar | Espanha / Canadá, 2015, Com: Ethan Hawke, Emma Watson, David Thewlis. Estreia a 28.

Um “thriller”, de ambiência “série B”, sobre os perigos e os meandros da manipulação psicológica e o poder de sugestão. Pelo realizador de “Mar Adentro” e “Os Outros”.

Raposas de Fogo, de Laurent Cantet | França/Canadá, 2012, 2h24. Com: Raven Adamson, Katie Coseni, Madeleine Bisson. Estreia a 7.

Na década de 50, um grupo de raparigas de um bairro operário do Estado de New York organiza-se contra a descriminação e humilhação de que são alvo. Do realizador de “Recursos Humanos” e “A Turma”. Premiado no Festival de S. Sebastian. The Big Short, de Adam McKay | EUA, 2015, 2h10 Com: Brad Pitt, Christian Bale, Ryan Gosling. Estreia a 14.

Uma comédia de humor negro sobre as origens da crise financeira a partir da história de quatro amigos –personagens visionários

Jogo de Damas, de Patrícia Sequeira | Portugal, 2015, 1h29 Com: Ana Nave, Ana Padrão, Fátima Belo, Maria João Luís, Rita

e fora do vulgar – que anteviram a explosão da “bolha” imobiliária e dos grandes bancos nos finais dos anos 2000. Filmado em jeito de documentário (faz uso de imagens de arquivo), o filme apresenta-se “inspirado numa história verdadeira”, adaptada do “bestseller” de Michael Lewis “The Big Short: Inside the Doomsday Machine”.

Blanco. Estreia a 28.

Renascido, de Alejandro González Iñárritu | EUA, 2015, 2h31 Com: Leonardo DiCaprio, Tom

“Novíssimo” cinema português: cinco mulheres juntam-se após o velório de uma amiga comum e passam a noite em deambulações amargas e ternas à volta da amizade, a nostalgia, a vida e morte.

Hardy, Domhnall Gleeson. Estreia a 21.

Joaquim Diabinho

A luta de sobrevivência (e de vingança) de um explorador ferido gra-

[O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]


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26 // A FECHAR // TL Janeiro 2016

// MOTOR

// SUGESTÕES

Toyota Aygo – leve e ágil

Ana Tapadinhas Diretora Geral da Deco

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om o design inovador do Aygo, os estilistas da Toyota marcaram a diferença, desenvolvendo uma frente nova em X, com linhas divertidas e ainda um tejadilho de bolha dupla, para facilitar uma escolha entre seis personalidades diferentes. O Aygo pode ser compacto no exterior, mas o design inteligente traduz-se num interior muito amplo, com espaço para quatro pessoas e muita bagagem. A nova suspensão do Aygo oferece uma condução ainda mais suave e com um grau de viragem de apenas 4,8 metros. Não há estradas demasiado estreitas, nem curvas demasiado apertadas. O interior do novo Aygo, com um painel de instrumentos individual, alongado e de aspecto futurista, inúmeras funcionalidades avançadas, como o sistema multimédia x-touch, e um contraste de cor, caso assim se pretenda, é diferente de tudo o resto que circula nas ruas. Os engenheiros da marca nipónica levaram o já eficiente motor de três cilindros a ultrapassar todos os limites. Com um aumento da sensibilidade na direção, uma redução na fricção interna e ainda nas emissões de CO2, a performance do novo Aygo traduz-se em menor consumo de combustível. Com um motor de 69 cavalos, o novo Aygo torna-se leve, ágil e ideal para o trânsito urbano e para uma maior estabilidade em autoestrada.

www.deco.pt

Novas tendências de consumo Consumidores mais informados, esclarecidos, conscientes, confiantes e “empoderados”, capazes de ser um motor de uma economia inovadora e competitiva, tornam-se cidadãos preparados para enfrentar as novas tendências do consumo. O consumo sustentável e saudável e a economia colaborativa são duas novas

Possui caixa manual de cinco velocidades, ou caixa de velocidades robotizada (multimode) opcional, com controlo adicional do condutor, através de patilhas de mudança de velocidade. Está equipado com a opção Toyota Safety Sense que integra duas tecnologias de segurança activa: Sistema de Pré-colisão e o Alerta de Mudança de Faixa de Rodagem – proporcionando uma tranquilidade adicional na condução. No que respeita à segurança, o novo Aygo está equipado com com seis airbags. Entre eles, encontram-se os airbags SRS, para o condutor e passageiro da frente, os airbags laterais, para os bancos dianteiros, e os airbags de cortina SRS para os passageiros da frente e de trás. O ABS evita que as rodas bloqueiem durante a travagem, ajudando-o a manter a aderência à estrada, a reduzir o risco de derrapagem e a manter o controlo da direcção em travagens a fundo. I Carlos Blanco

tendências do consumo global e que se vivem já em Portugal. Embora possa parecer ficção, alguns consumidores partilham o automóvel, emprestam a casa, trocam diretamente produtos e serviços ou conseguem capital para iniciar um negócio com pequenas doações da comunidade. O consumo colaborativo configura um estilo de vida diferente que permite mais poder de compra, competitividade e negócios eficientes, interligação de cidadãos de várias origens e mais ativos, mais eficiência nos transportes, menos produção global, entre outras consequências socioeconómicas. A gestão eficiente dos recursos naturais, as compras justas e a responsabilidade social das empresas têm de fazer parte da agenda diária dos consumidores. Saber que o gesto mais rotineiro, como fechar a torneira enquanto escova os dentes ou

// PALAVRAS CRUZADAS // Por José Lattas HORIZONTAIS: 1-Roupões; Demorar. 2-Grupo de recifes de coral, mais ou menos redondos; Cabo. 3-Contracção da preposição em e o numeral cardinal e pronome indefinido uma; Limpem. 4-Sulcaram; Um dos cinco continentes. 5-Galfarras; Arsénio (s.q.). 6-Espécie de sapo das regiões amazónicas. 7-Nobélio (s.q.); Molestara. 8Qualquer (inv.); Rasparam. 9-Copa (pl.); Tártaro. 10Essências; De cada dia. 11-Planta americana, de fibra têxtil, originária do México; Peso. VERTICAIS: 1-Corriqueiro; Escol (pl.). 2-Sofre; Azedo (inv.). 3-Bebera; Gumes. 4-Elevara; Adoece. 5-Minam; Chiste. 6-Enxergar. 7-Governanta; Famas. 8-Abonaras; Branquinha. 9-Alegris; Trilhos. 10-Patetice; Divinas. 11Folhagens; Incomoda.

preferir os equipamentos elétricos de 1

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classes A, A+ e A++, pode ser multiplicado por milhões de consumidores, é fundamental para o futuro de todos ao nível da qualidade de vida, ambiente, economia e segurança.

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A teoria do consumo sustentável passa por

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estas noções, sendo necessário que se

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materialize em medidas sérias e

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comportamentos reais, com reflexos no

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planeta e na carteira de todos. Aprender a gerir e reduzir as despesas com os consumos domésticos, fazer

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escolhas alimentares acertadas e cumprir a

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lista de compras é o primeiro passo para ser um consumidor mais preparado,

Soluções

abandonando o papel de elo mais fraco da cadeia socioeconómica global.

1-BATAS; ADIAR. 2-ATOL; AMARRA. 3-NUMAS; ARIEM. 4-ARARAM; ÁSIA. 5-LARÁPIAS; AS. 6-A; ARU; C. 7-NO; AMARGARA. 8-ADAC; RAERAM. 9-TAÇAS; SARRO. 10-AROMAS; DIAL. 11-SISAL; MASSA.


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