Fundação CEPEMA ano II - Nº 2 - Setembro 2008
A JUVENTUDE QUE FLORECE NO CAMPO
À Sombra de um Cajueiro entrevista com Adriana Carneiro de Castro, descendente dos Tremembés PRONAF: CRÉDITO EM PROL DA AGRICULRUA FAMILIAR entrevista com Porfírio Silva de Almeida do Banco do Nordeste
Viçosa do Ceará: Comercialização com toque feminino
Graf: multiplicando os saberes em defesa da agrofloresta
Índice Ponto de Vista - Que interesses há na negação da etnicidade dos índios no Ceará? ... 4
Viçosa do Ceará - Comercialização com toque feminino ... 5
TTianguá - Budega do Povo: alternativa coletiva para driblar a figura do atravessador ... 7 d
Aquasis - D A humano e h
Apoi - Olericultura orgânica, perseverança e trabalho coletivo: a receita que deu certo na Serra da Ibiapaba ... 12
Pronaf - Crédito em prol da Agriculrua Familiar entrevista com Porfírio Silva de Almeida do Banco do Nordeste ... 23
Pra falar com a gente Escritório de Fortaleza Rua Crateús, 1250 Parquelância Fortaleza - Ceará Cep. 60.455-780 (85) 3223-8005 cepema@attglobal.net www.fundacaocepema.org.br
Pólo do Sertão Central Rua Rodrigues Júnior, 1042 Centro Quixadá - Ceará Cep. 63.900-000 cepema@attglobal.net
Pólo do Maciço de Baturité CE 065 s/n - Galpão do Lameirão Distrito de Lameirão Mulungu - Ceará Cep. 62.764-000 cepema@attglobal.net
Pólo da Serra de Ibiapaba Rua Lamartine Nogueira, 393 Centro Viçosa do Ceará - Ceará Cep. 62.300-000 cepema@attglobal.net
Capa
A JUVENTUDE QUE FLORESCE NO CAMPO ... 15
Editorial A Revista Agrofloresta chega ao seu segundo número e se afirma como um espaço para troca de experiências em prol da agricultura familiar e ecologicamente sustentável. Danilo Galvão no SAF de José Maria, Sítio Tópi em Viçosa do Ceará.
Nesta edição, além dos relatos de quem aposta no desenvolvimento sustentável para os que vivem na zona rural do Ceará, trazemos experiências de outros lugares do Brasil que fizeram da preservação ambiental e da agrofloresta opções profissional e de vida.
a
s - Dos bancos universitários à pesquisa em contato com o ser o e a natureza ... 9
G Graf - Multiplicando os saberes e em defesa da agrofloresta ... 25
À Sombra de um Cajueiro - entrevista com Adriana Carneiro de Castro, descendente dos Tremembés ... 28
Pelos caminhos que percorremos em nossas visitas de assessoria técnica e também para produzir este número, descobrimos que a interação entre conhecimento científico e popular é uma fonte rica e próspera. E é isso o que queremos mostrar para você. São jovens agricultores que sonham em progredir, trabalhando e respeitando a terra ao apostar no manejo agroflorestal como prática agrícola. São professores universitários e pesquisadores que direcionam seus estudos acadêmicos para proteger o meio ambiente e as pessoas que nele vivem. Por fim, são experiências de organização coletiva – seja para melhorar a produção e a comercialização, seja para defender sua terra e etnia – que mostram a todos nós que a união faz realmente a força. A união entre mulheres e homens e destes com a natureza. Sintam-se em casa para saborear conosco essa descoberta. Danilo Galvão, presidente da Fundação Cepema.
FUNDAÇÃO CEPEMA 18 anos de história
Sobral, 1989. Nasce o Centro de Educação Popular em Defesa do Meio Ambiente, Cepema, com apoio da organização não-governamental sueca, Framtidsjorden (Terra do Futuro). Dois anos depois, o Centro transforma-se na Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente. Inicia, assim, o caminho em direção da segurança alimentar e da educação
em agricultura orgânica. Reuniões, cursos, conversas informais com agricultores e agricultoras começam a despertar uma consciência ecológica em mulheres e homens do campo. A semente para o desenvolvimento sustentável está, então, lançada. Com ações que vão de programas de rádio – como o “Natureza de Todos Nós”, produzido entre 1990 e 2000 – a cursos de formação, como os de agente de agricultura ecológica, Adae, realizados sistematicamente há 15 anos, a
Fundação Cepema firma sua atuação em prol do fortalecimento da agricultura familiar. Dezoito anos passados, a Fundação Cepema assume o desafio do desenvolvimento sustentável através da agrofloresta e educação ambiental. Expande suas ações pelo interior cearense – Maciço de Baturité, Serra da Meruoca, Serra da Ibiapaba e Sertão Central – e em Fortaleza, trabalhando diretamente com agricultores e agricultoras e com a juventude do campo e da cidade.
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Ponto de Vista
Que interesses há na negação da etnicidade dos índios no Ceará? A história dos índios no Ceará é marcada por um intenso processo de lutas e resistências. Lutas contra as invasões que já no início do século XVII tentavam expulsá-los de seus territórios e negar suas existências e culturas. No alvorecer da modernidade, discutia-se se os índios tinham alma, se eram gente, pois se não o fossem, poderiam ser escravizados e ter suas terras legitimamente apossadas pelos invasores. Hoje, a justificativa de que as populações tradicionais não são indígenas basta para tentar expulsá-las dos locais onde vivem há várias gerações. Concomitantemente à construção deste discurso, as elites locais impõem à sociedade cearense um projeto de modernização que está modificando completamente sua paisagem, com a construção de uma complexa infra-estrutura que visa à imersão efetiva do estado nas malhas do neoliberalismo. Sob a capa do velho discurso do progresso, prometem emprego e “desenvolvimento”. Na verdade, um projeto de desenvolvimento nitidamente elitista e concentrador de renda. Insustentável e explorador de recursos humanos e naturais, com fortes impactos no modo de vida das populações in-
dígenas e tradicionais, tanto do sertão quanto do litoral cearenses.
se está apto a se incorporar ao projeto de modernização capitalista.
Não é de se estranhar que o mesmo Estado que negou a existência de índios no Ceará na segunda metade do século XIX, venha hoje apoiar empreendimentos que têm na apropriação da terra e na utilização de nativos como mão de obra barata sua lógica, sob a justificativa de que trarão o famigerado “progresso” e “desenvolvimento”. Afinal, a existência de populações indígenas organizadas emperram o projeto político e econômico em curso. Pois pressupõe a existência de terras tradicionais, habitadas pelos índios, que não podem ser vendidas, uma vez que estão protegidas por lei federal desde 1988.
É imprescindível denunciarmos a falsidade do discurso ancorado em declarações infundadas, baseadas numa visão estereotipada, há tanto ultrapassada, de que não existem mais índios no Ceará, ou de que os índios que existem se travestem a partir de invenções de intelectuais e organizações não-governamentais. Pois, as comunidades indígenas organizadas no Ceará, que totalizam cerca de doze etnias e mais de 20 agrupamentos, afirmam sua etnicidade e se mobilizam pelo reconhecimento e demarcação de suas terras.
A problemática da etnicidade no Ceará coloca-se como um fator mais complexo no contexto das relações político-econômicas locais e externas. A agressiva especulação imobiliária avança Ceará adentro sem nenhuma preocupação com os impactos sócioambientais por ela ocasionada. O que importa é saber se o Estado concede meios legais e estruturais para receber os recursos internacionais tão sonhados pelas elites industriais e agrárias locais. Em outras palavras,
Os Programas da Fundação Cepema são financiados por: Governo Federal - Ministério do Meio Ambiente/ Fundo Nacional do Meio Ambiente/PDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Educação Ministério da Cultura; e Terra do Futuro/UBV - Suécia.
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Resta-nos, pois, desmascarar essas afirmações e apoiar a luta destes povos, dando visibilidade às suas ações políticas e o apoio jurídico e científico necessários à demarcação definitiva de seus territórios. Tornamos nossa a consigna dos índios no Ceará que diz: Não nos vendemos nem nos rendemos! Alexandre Gomes e João Paulo Vieira, historiadores e integrantes do Projeto Historiando* * O Projeto Historiando realiza programa de educação patrimonial em comunidades étnicas no Ceará. O projeto apóia a criação de museus indígenas, como espaços de formação, mobilização e organização comunitária.
Fundação CEPEMA Danillo Galvão - Presidente Henrique César Paiva Barroso - Vice-Presidente Heleni Lima da Rocha - Dir. Adm. Financeiro Patrimonial Adalberto Alencar - Coordenador Pedagógico e-mail: cepema@attglobal.net / www.fundacaocepema.org.br
Viçosa do Ceará
COMERCIALIZAÇÃO COM TOQUE FEMININO
Foto: Eduardo Magalhães
Viçosa do Ceará, na Serra da Ibiapaba, é palco de experiência inovadora: uma feira onde se comercializam apenas produtos feitos por mulheres. A Feira de Mulheres Produtoras Agroecológicas e Artesãs é uma novidade que fortalece a autonomia financeira de mulheres. Feira de Mulheres Produtoras Agroecológicas e Artesãs: produtos da agricultura familiar e artesanatos.
Todos os meses, desde janeiro deste ano, dezenove mulheres tomam conta da rua em frente ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará (STTR-Viçosa do Ceará). Elas armam suas barracas para comercializar produtos da agricultura familiar e do artesanato regional, caminhando em busca da autonomia financeira. A idéia surgiu em reunião entre o STTR-Viçosa do Ceará e a Fundação Cepema. “Foi a Fundação Cepema que deu essa idéia. A gente achou muito interessante e vestimos a camisa. Aqui na Serra, somos o primeiro município a implementar uma feira desse tipo, só com mulheres.”, comemora Regilene Maria Costa Silva, diretora do STTR-Viçosa do Ceará. Mais do que comercializar produtos feitos exclusivamente por mulheres, a feira traz outro diferencial: a agroecologia. Lá, apenas produtos orgânicos vindos da agricultura familiar são comercializados. “Essa feira traz autonomia e fortalece a auto-estima dessas mulheres. Além disso, dá à população de Viçosa uma nova alternativa de consumo
que são os produtos orgânicos.”, explica Regilene. Vindas das comunidades de Escorregadeira, Cacimbão, Barra, sítios Tópi e Canta Galo e das regiões do Carnaubal, Juá dos Vieiras, Lagoa do Barro e Cajueiro do Neco, as mulheres trazem seus produtos em transportes alternativos ou em motos acompanhadas dos maridos ou filhos. Mesmo vindo em transportes improvisados, é boa a variedade do que se comercializa. Bordados, artesanatos feitos de crochê, cerâmica e palha da carnaúba. Além de produtos da agricultura familiar como hortaliças orgânicas e cajuína. “Antes, eu vendia na outra feira, mas é melhor vender aqui porque a gente tem mais valor. Eu vi que tinha que estar aqui, trazendo o que a gente produz na nossa região. Essa feira ajuda mesmo a melhorar a renda.”, diz Cilene [Francisca da Costa Almeida] que começou a participar da feira, através de convite feito pelo Movimento Ibiapabano de Mulheres (Mim). Cilene – que mora a 15 km de Viçosa, na região do Cajueiro do Neco – vende artesanato feito com a palha da carnaúba, tucum e vassoura 5
Foto: Eduardo Magalhães
e, na época da safra, comercializa também hortaliças, milho verde e abóbora. A feira, que possui alvará de funcionamento cedido pela Prefeitura de Viçosa do Ceará, tem ainda duas parcerias fundamentais. A Budega do Povo de Tianguá que empresta as barracas e o Mim que ajuda na articulação das produtoras e comerciantes e tem uma barraca na feira. “Temos o Movimento Ibiapabano de Mulheres que participa da feira trazendo produtos e informações sobre o movimento. A gente incrementa a feira dando esse espaço pro movimento que também é parceiro dessa idéia.”, diz Regilene. “As mulheres vendem produtos orgânicos e nós do Mim trazemos camisetas, bolsas, folderes do movimento e o nosso bazar. Nós divulgamos nosso trabalho e também aumentamos a nossa renda porque o Mim é uma entidade não-governamental e a gente precisa se movimentar para angariar recursos.”. Antônia Viana da Silva, coordenadora regional do Mim explica a participação do Movimento na feira. Apesar de a feira ter quase um ano de existência, o começo não foi nada fácil. Era raro o contato do STTRViçosa do Ceará com as mulheres que produziam e foi preciso um grande esforço para articulá-las. “A gente fez um levantamento de onde poderia vir essas mulheres, então o Sindicato fez um convite pra elas participarem.”, relembra Regilene. A articulação deu certo e, hoje, tanto mulheres da zona rural como também da zona urbana estão envolvidas. Articulação essa que não terminou depois da feira
Feira especial no 1º de maio - Praça do Cupido em Viçosa do Ceará.
implantada. Todos os meses, são feitas uma reunião de preparação onde se decide qual o melhor dia do mês para realizar a feira e outra de avaliação dos resultados. “Eu gosto de pelejar e estou aqui por ser uma feira das mulheres. A gente se diverte e isso aqui ainda é um meio de vida.”. Diz Ilda Alves Pereira (moradora do Sítio Canta Galo a 11 km de Viçosa) seus motivos que a mantêm no grupo. Mas, a feira não agrada apenas as feirantes, a população de Viçosa recebeu muito bem a idéia. “Apesar de a gente viver num município onde reina uma política partidária e muitas pessoas ter medo de valorizar atitudes como essa do STTR, a população gostou e muitas pessoas já perguntam por que não acontece todo sábado.”, diz Regilene. “A gente sente que a população está abraçando essa idéia e que essas mulheres têm o compromisso de trazer a produção delas.”, comemora. Foto: Eduardo Magalhães
O que é o Mim? “Somos mulheres guerreiras que buscamos sempre o melhor para a mulher e lutamos por uma sociedade igualitária.” (Antônia Viana, coordenadora regional do Mim). O Mim – Movimento Ibiapabano de Mulheres – é um movimento em defesa dos direitos das mulheres e contra todas as formas de preconceito. Presente em oito municípios da Serra da Ibiapaba (Viçosa do Ceará, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Tianguá e Croatá), o Mim congrega 35 mulheres filiadas. Número esse que aumenta nos dias das reuniões mensais. Quem faz parte do Mim são mulheres autônomas, agricultoras, donas de casa e estudantes. “Toda mulher que se sentir à vontade para participar do movimento feminista, o Mim estará de portas abertas.”, diz Antônia 6
Barraca com bazar do Mim. (dest.) Antônia Viana, coordenadora regional.
Viana da Silva, coordenadora regional do Mim. Das reivindicações mais atuais está a criação de uma delegacia especializada para o atendimento de mulheres na Serra da Ibiapaba. Após a entrega de um abaixo-assinado ao Governo do Estado veio a promessa de que a delegacia será construída em 2009.
Tianguá
BUDEGA DO POVO: ALTERNATIVA COLETIVA PARA DRIBLAR A FIGURA DO ATRAVESSADOR Foto: Eduardo Magalhães
Um dos principais problemas sentidos pelo pequeno produtor e produtora é a dificuldade em escoar a produção. São poucos os recursos e espaços de comercialização utilizados pela agricultura familiar. O que força a maioria a vender o excedente de sua produção para os atravessadores – pessoas que compram a baixo custos os produtos, agrícolas ou artesanais, para vender a preços mais elevados ao consumidor comum. Foi diante dessa realidade que surgiu a idéia de construir um espaço coletivo de comercialização, a partir da Pastoral Social e da Cáritas Diocesana de Tianguá na Serra da Ibiapaba. A Budega do Povo funciona de segunda à sexta no horário comercial e nas manhãs de sábado.
“A Pastoral Social era muito preocupada com os produtores que tinham o que vender mas só vendia para atravessador. Aí, a gente tentou arranjar uma maneira de mudar isso. Criamos a Budega do Povo, juntando os agricultores.”, relembra Raimundo Cordeiro de Sá, agricultor de Tianguá e um dos sócios da cooperativa. Com quatro anos de existência, a Budega do Povo já reúne cerca de 60 produtores que comercializam seus produtos num espaço alugado no Centro de Tianguá. “A gente vende direto ao consumidor, não dá mais lucro a atravessador e nem deixa o atravessador explorar os nossos consumidores.”, explica Raimundo.
Ibiapina e Carnaubal, municípios da região Norte do estado. Um pouco de tudo é comercializado nessa mercearia popular. De verdura orgânica, como tomate, alface, cheiro verde e chuchu, passando pela galinha caipira e mel, até chegar à cachaça orgânica, licor e artesanatos diversos. “Tudo que a agricultura familiar está produzindo a gente abre espaço para que possa comercializar.”, diz Cleidiane Santos de Araújo, filha de agricultor e responsável pelas vendas na Budega do Povo.
Melhor dizendo, vende quase tudo que a agricultura familiar produz. “A gente não vende nada com agrotóxico aqui.”, alerta Raimundo. Em formato de cooperativa, a Esse é um dos princípios para entrar Budega do Povo aglutina comunida- na cooperativa: trabalhar com agroedes de Camocim, Granja, Irauçuba, cologia ou com agricultura orgânica. Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Outro critério é participar de algu-
ma associação comunitária ou grupo organizado. “Quando um produtor daqui indica alguém, a gente vai conhecer. Ver se o produtor participa de associação, de algum grupo, porque a gente só aceita pessoas que tenham alguma participação em comunidade. Depois, ver a necessidade do produtor de ter um lugar pra colocar os produtos dele pra vender... E os produtos têm que ser orgânicos!”, ressalta Raimundo. “A partir do momento que a gente valoriza a produção familiar, a agricultura orgânica, a gente está potencializando não só a venda ou lucro dos produtores, mas a gente está garantindo uma alimentação saudável. Hoje em dia quase todas as frutas, as verduras têm um processo químico, têm agrotóxico. E aqui não. Você sabe que está comprando 7
frutas e verduras de qualidade.”, diz Cleidiane, confirmando a ressalva de Seu Raimundo. “Desde que a Budega abriu, minha feira é aqui. Se não tem, deixo pra quando tiver.”, completa lembrando a importância de valorizar essa iniciativa. “Cabe a consciência de cada um, não somente dos consumidores, mas dos produtores também, para que eles mesmos valorizem tudo isso.”, conclui. Mesmo trabalhando com produtos orgânicos que em geral são mais caros, a Budega do Povo oferece preços de acordo com o mercado de Tianguá. O preço mais baixo foi para atrair o consumidor que não tem o costume e a consciência da importância de se consumir produtos sem agrotóxicos. E a estratégia deu certo, a população da região aprovou a idéia. “Todo mundo chega, procura. Tem gente de outros municípios que vem direto pra cá atrás dos produtos da gente.”, comemora Raimundo.
Duas funcionárias são responsáveis pelas vendas. (dest.) Fachada da Budega do Povo.
de produtos permanente. A gente tivo praa aum mentar a minha mi a produção prod dução aumentar ainda não consegue manter uma pro- pra não ficar produzindo só na época dução diversificada e permanente.”, do inverno e não deixar faltar produexplica Cleidiane. to.”, completa Raimundo. Essa instabilidade no estoque Apesar das dificuldades, a Buacaba afastando alguns consumido- dega do Povo continua firme e meres. “Muitos clientes vêm procurar lhorando a vida de muitas pessoas. “No começo, a gente dizia: te- um produto que tinha e que hoje “Apesar dessa questão com os promos o produto, mas vamos vender não tem mais. Isso complica porque dutos, a gente tem clientes fixos. pra quem? E hoje se percebe que se a gente perde alguns clientes. Mas, a Tem pessoas que passam aqui e só a Budega mantivesse todos os produ- gente está tentando uma maneira de compram fora o que não tem aqui. tos constantemente, a clientela seria potencializar a produção.”, diz Clei- São pessoas fiéis à idéia do projeto.”, muito maior.”, diz Chico Antônio, diane. Uma das soluções é organizar diz Chico Antônio. “Com certeza da Pastoral Social, lembrando a prin- a produção. Solução e desafio, pois a melhorou muito depois da Budecipal dificuldade que eles enfrentam maioria da produção é feita na quadra ga, porque a gente tem um espaço hoje. “O pessoal de Tianguá valori- chuvosa e, no período de estiagem, garantido pra botar os produtos da za a Budega. A cada dia que passa, faltam produtos. “Os produtores da- gente. A gente pode produzir sem a gente percebe o interesse por es- qui já têm a consciência de ajudar, de medo, porque tem onde vender e ses produtos. O que a gente aponta se preocupar em trazer a produção.”, tem o consumidor também que vem como desafio é exatamente a falta diz Cleidiane. “Eu recebi um incen- atrás.”, diz Raimundo.
O nome é Budega mesmo! Sem perder de vista as lembranças do passado – quando nas comunidades existiam aquelas bodeguinhas que vendiam de tudo: do café, arroz, ao fumo e à lamparina – a Budega do Povo vive o presente com os olhos no futuro. O nome Budega do Povo veio como homenagem a um velho hábito sertanejo: o de comprar em bodegas, pequenas mercearias cuja variedade de produtos era infinita.
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“A gente ia trabalhar com pequenos agricultores das comunidades e quis resgatar o nome: bodega. Mas, um artista da região disse: não vamos colocar bodega, não. A gente vai colocar é Budega porque o povo chama é budega. E pra não chamar só budega veio Budega do Povo porque seria no centro de uma cidade, mas congregando as pessoas da zona rural, com sua produção agrícola e artesanal.”, relembra Chico Antônio, da Pastoral Social de Tianguá.
O nome pegou e os produtos também. Mas, A Budega do Povo traz mais do que produtos da agricultura familiar, ela expressa a cultura de um povo. “A gente procura trazer não só a produção, mas a sabedoria que esse povo tem.”, diz Cleidiane Santos de Araújo que trabalha na Budega do Povo. Contato Budega do Povo Rua Alair Félix Nunes, s/n - Centro Tianguá - Ceará
Aquasis
DOS BANCOS UNIVERSITÁRIOS À PESQUISA EM CONTATO COM O SER HUMANO E A NATUREZA Foto: Ciro Albano
Há 14 anos, professores, estudantes ntes e pesquisadores das universidades es federal e estadual do Ceará – UFC e Uece, respectivamente – em conjunto com profissionais liberais fundaram a Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos, Aquasis. É a trajetória dessa Ong que noss relata Weber Girão, biólogo e vicecepresidente da Aquasis. Soldadinho do Araripe (antilophia bokermanni): espécie ameaçada de extinção, encontrada apenas na Chapada do Araripe, Ceará.
Pesquisar e preservar os ecossistemas aquáticos. São estes os primeiros objetivos da organização não-governamental Aquasis quando da sua fundação em 1994. Não demorou muito e a O estende seu campo de atuação. O passo seguinte é trabalhar também para a conservação dos ecossistemas terrestres, onde se encontra a maior parte da biodiversidade ameaçada de extinção no Ceará. Com os novos desafios, é preciso unir mais forças. Força esta retirada, especialmente, do conhecimento e da vontade de cuidar da natureza. A Aquasis começa, então, a reunir pesquisadores das áreas de botânica e zoologia. Os novatos já chegam com uma missão: ajudar a desenvolver uma proposta de sistema de unidades de conservação municipal para Icapuí, cidade do litoral leste cearense.
O ano é 2003. Nasce, então, o projeto “Esse Mar é Meu” que marca o início do Programa de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade, carro-chefe da ONG. Com o objetivo de conservar a biodiversidade, sobretudo, espécies ameaçadas de extinção, esse Programa conta com o apoio de entidades locais e internacionais. Entre elas, Sistema Fecomércio do Ceará, Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, Fundo Nacional do Meio Ambiente, Conservação Internacional, Disney Wildlife Conservation Fund, Conservation Leadership Programme e Loro Parque Fundación. Porém, mais do que conhecer a biologia das espécies quanto à sua distribuição, sistemática e ecologia e desenvolver iniciativas que conservem as paisagens naturais e preser-
vem os processos ecológicos, a Aquasis quer modificar as consciências e ações humanas. É desse pensamento que surge o Programa de Bioeducação cujo objetivo é estimular mudanças de atitudes para a construção de uma sociedade sustentável. O Bioeducação tem relação estreita com o Programa de Biodiversidade, facilitando o diálogo entre pesquisadores e população. “Nosso trabalho passa necessariamente pela interação com o público que, dependendo do caso, envolve do lavrador às lideranças políticas”, diz Weber que já coordenou o Programa de Biodiversidade. Entre os resultados mais empolgantes desta integração, está a campanha de erradicação da matança de gaivotas, realizada por pescadores da comunidade da Praia de Quixaba, em Aracati, Ceará.
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terior cearense, finalizou sua primeira fase com a ajuda das comunidades locais. “Sem os agricultores não teria sido possível concluir a pesquisa”, diz
dos recursos naturais no Nordeste, como tentativa de construir uma sociedade sustentável é realmente a principal missão da Aquasis. Mis-
Apesar de o Programa de Biodiversidade ter sua área de atuação concentrada, principalmente, no Ceará, a Aquasis já expande sua atuação para outras regiões do Nordeste. De acordo com Weber, existem ações desenvolvidas em outros estados. “No caso do periquito cara-suja, por exemplo, estão sendo percorridos o Rio Gran- Projeto prevê implantação de ninhos artificiais para estimular a reprodução do periquito Cara-suja, de do Norte, Pernambuco e Alagoas espécie de periquito mais ameaçada de extinção no Brasil. em busca de alguma área que ainda Weber. Na etapa atual, iniciada em são esta que já rendeu importantes abrigue esta espécie.”, diz. junho desse ano, a Aquasis pretende conquistas, como o levantamento e Weber se refere à espécie de pe- contar novamente com o apoio dos divulgação da biodiversidade de verriquito mais ameaçada de extinção agricultores para instalar ninhos ar- tebrados do Ceará. Outro avanço foi do Brasil e do projeto para coletar tificiais que estimulem a reprodução o Plano de Conservação do Soldadiinformações e construir um plano da espécie. nho-do-Araripe (única ave restrita ao de manejo que vise à conservação do Atualmente, a preservação da Ceará e que está ameaçada de extinperiquito cara-suja. O projeto que ção) bem como, a promoção de seu começou no Maciço de Baturité, in- biodiversidade e o uso responsável reconhecimento como espécie símbolo para a conservação da Chapada do Araripe.
Periquito Cara-suja (pyrrhura griseipectus): mapeamento de áreas em estados do Nordeste que abriguem essa espécie.
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Hoje, a UFC é parceira em um projeto para monitorar aves migratórias, ameaçadas de extinção pela destruição dos manguezais. Recémaprovado, esse projeto conta com o apoio do Fish and Wildlife Service, dos Estados Unidos. Em sua equipe, os pesquisadores de aves, Caio Carlos, Ciro Albano e Weber Girão. Além de Igor Roberto, especialista em répteis e anfíbios, e Thieres Pinto, pesquisador de mamíferos e atual coordenador do Programa de Biodiversidade.
Foto: Arquivo Aquasis
A campanha fez parte do Projeto Gaivotas, apoiado pelo American Museum of Natural History (de Nova Iorque, Estados Unidos). “A comunidade foi consultada e envolvida em um processo participativo e democrático, onde a idéia de abolir esta matança foi construída paulatinamente, com todo o respeito ao conhecimento tradicional e às lideranças locais”, relembra Weber. “Este projeto propiciou um grande aprendizado para o Programa de Biodiversidade, moldando a nossa forma de nos relacionar com a população local”, avalia.
Natureza: um laboratório vivo “A natureza é realmente uma fonte de sabedoria.”. É assim que o biólogo e vice-presidente da Aquasis, Weber Girão, define sua relação com o meio ambiente. Para ele, a observação das alterações no comportamento de certos animais podem levar às mesmas conclusões obtidas nos maiores laboratórios do mundo. E é essa faceta – o trabalho direto que reúne estudos e intervenções para a conservação ambiental – que diferencia o tipo de pesquisa desenvolvida pela Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos, Aquasis. “O mais impressionante é perceber os efeitos de uma mudança climática, através da natureza.”, ressalta Weber. Dessa relação direta com a natureza, Weber coloca em xeque o discurso que contrapõe a produção agrícola ao cuidado ambiental. “Essa suposta oposição entre sistema de produção rural/agrícola e manutenção da biodiversidade é uma idéia falsa.”, diz. Para ele, esse pensamento “é resultante de
modelos insustentáveis de produção Nesse contexto, o pesquisador que objetivam somente o lucro rápi- destaca os sistemas agroflorestais – do.”, avalia. que têm como princípio trabalhar a Nessa corrida desenfreada pelo produção agrícola em harmonia com a biodiversidade de cada local – como lucro, os padrões que predominam experiências importantes para provar para o trato entre natureza e produção que produção agrícola e conservação ambiental podem andar em equilíbrio. “Agroflorestas são modelos excelentes de integração.”, diz.
Weber Girão, vice-presidente da Aquasis, com o Soldadinho do Araripe: reconhecimento como espécie símbolo de conservação.
cometeram um equívoco importante: tratar o meio ambiente como algo homogêneo. “Por mais que existam modelos a serem seguidos, cada área apresenta suas particularidades e deve ser estudada com atenção”, diz Weber.
Weber chama atenção, porém, para o grande desafio de quem aposta nos sistemas agroflorestais. “O fator limitante de sucesso das agroflorestas é apenas a falta de experiência e capacidade de adaptação do agricultor. Nada que não possa ser superado com paciência e dedicação.”, diz. “A observação cuidadosa da natureza é a melhor forma de encontrar este equilíbrio.”, ensina. Contato Aquasis Praia de Iparana, s/n. Caucaia - Ceará. Cep. 61.600-000. (85) 3318-4911 ou 3318-4902.
Dicas na Cartilha Muitos animais são predadores ativos e podem ser grandes aliados em uma agricultura ecologicamente saudável.
Pássaros: predadores úteis se alimentam de pernilongos, lagartas, lesmas e pulgões. Deixe-os transitar livremente entre suas plantas. Joaninha: tanto as adultas como suas larvas se alimentam de pragas, principalmente de pulgões e cochonilhas. Aranha: alimentam-se de muitos insetos e pragas que se prendem em suas teias.
Centopéias: alimentam-se de várias pragas do solo.
Fonte: Cartilha de Defensivos Agrícolas Naturais é uma publicação da Fundação Cepema - Expressão Gráfica, Fortaleza, 2007. 11
Apoi
OLERICULTURA ORGÂNICA, PERSEVERANÇA E TRABALHO COLETIVO: A RECEITA QUE DEU CERTO NA SERRA DA IBIAPABA Foto: Arquivo Apoi
Dois D ois de fevereiro de 2001, 24 agricultores agric fundam a Associação dos Produtores Pro Orgânicos da Ibiapaba, Apoi. Ap São Benedito – cidade da Serra Se da Ibiapaba no Noroeste do Ceará Ce – é escolhida como sede, mas a Apoi reúne também os sonhos de A agr agricultores vindo de outras cidades serranas: Carnaubal, Guaraciaba do serr Norte, Ibiapina e Ubajara, também Nor Ibiapaba. na Ib F
Plantações consorciadas – prática nas propriedades dos sócios da Apoi.
O sonho é ousar. E aquele grupo de produtores resolve investir em olericultura orgânica. Ramo da horticultura, a olericultura orgânica abrange a produção de um grande número de espécies de plantas sem o uso de herbicidas, agrotóxicos ou resíduos químicos, preservando o ambiente de origem.
Do primeiro presidente – Antônio Alves Moreno – até a eleição, dois anos depois, do seu primeiro ConFoto: Arquivo Apoi
A olericultura orgânica é uma atividade agroeconômica altamente intensiva, contrastando, inclusive, com outras atividades agrícolas extensivas. É preciso um bom investimento na área a ser trabalhada, tanto em termos físicos como econômicos. E a falta de condições financeiras dos agricultores foi a principal dificuldade enfrentada nos primeiros anos da Apoi. Para a Secretária Executiva da Apoi, Diana Pereira Gomes, porém, mais do que a falta de recursos financeiros, o problema principal foi o imediatismo de alguns produtores. “Muitos não compreendiam que os resultados econômicos não seriam imediatos. Pois dependiam da recuperação do solo que é um processo gradual.”, explica. 12
Consórcio de beterraba e cenoura (à frente). Acelga, alho-poró, berinjela listrada, chicória, tomate-cereja, espinafre, couve-manteiga e melancia são outros produtos da Apoi.
Foto: Fot FFo ot oto: oto: o Arquivo AArrrqquuiv ivvo AApoi poi ppo ooii
selho Diretor (estrutura que, segundo os sócios, é mais democrática), com João Costa Gomes como Diretor Coordenador, a Apoi passou por dificuldades. Mas, manteve-se firme no propósito de fazer da olericultura orgânica uma fonte de geração de renda. A aposta deu certo. Passados sete anos, a Apoi é referência no Ceará com mais de 20 tipos de hortaliças e frutas produzidas. Entre elas, abobrinha, banana, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cebolinha, cenoura, chuchu, coentro, couve-flor, feijão verde, jerimum-de-leite, jiló, limão, macaxeira, maracujá, maxixe, milho verde, nabo comprido, nabo redondo, pepino, quiabo verde, rabanete, repolhos roxo e verde, rúcula, salsão, salsinha, tomate e vagem trepadeira.
A maior parte da produção é vendida para a Rede de Supermercados Pão de Açúcar em Pimentões verde, amarelo e vermelho são produzidos pela Apoi. Fortaleza, Ceará, e para o Grupo Carvalho em Técnico). Além disso, nessa caminhada, importantes parTeresina, Piauí. Mas, a Associação também vende para a ceiros foram conquistados, como a Secretaria do DesenCompanhia Nacional de Abastecimento, Conab e para volvimento Agrário, Banco do Nordeste, Empresa de AsPrefeitura Municipal de São Benedito que utiliza os prosistência Técnica e Extensão Rural do Ceará, Ematerce, e dutos na merenda escolar da Rede Municipal de Ensino. Instituto Biodinâmico, IBD. Cada produtor recebe pela produção que entrega, deixanCom um trabalho de importância econômica e sodo 10% para as despesas administrativas da Associação. cial – por demonstrar a viabilidade econômica das peFoto: Fot Fo otto: o:: Arquivo Arrqquuiv AArq uiiv ivo AApoi ppoi oi quenas propriedades, junto com o respeito ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores rurais – a Apoi deixa seu reflexo na região da Ibiapaba. “Trabalhamos para atender os requisitos do desenvolvimento sustentável: viabilidade técnicoeconômica, respeito ao meio ambiente e responsabilidade social.”, ressalta Diana.
Três tipos de alface (americana, crespa e lisa) e de pimenta (de cheiro, chapéu-de-bispo e dedo-de-moça) são produzidos pela Apoi.
a,
Hoje, são doze guerreiros que mantém a Apoi cujo Conselho Diretor está formado por José Alves Moreno (Diretor Coordenador), Raimunda Costa Gomes (Diretora Administrativa) e João de Freitas Lopes (Diretor
Todo esse trabalho tem reconhecimento em nível estadual e fora do Ceará. O grupo recebe, com freqüência, estagiários de escolas agrotécnicas e universidades do Ceará e do Piauí, como também, produtores de diversas regiões do Estado, interessados em conhecer o modelo orgânico de produção. É ainda constante a participação da Associação para apresentar sua experiência em diversos fóruns ligados ao setor agropecuário. Reconhecimento de um exemplo que deve ser seguido.
Contato Apoi Rua Noeme Amaral,123, Cidade Nova. São Benedito-Ceará. Cep. 62.370-000 (88) 3626-2498 E-mail: apoiorganicos@hotmail.com
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A dinâmica de uma Associação que respeita o ser humano e a natureza Foto: Arquivo Apoi
Rejeição ao uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos sintéticos. Adoção de práticas agrícolas voltadas para a preservação dos recursos naturais. Uso de insumos que não deixam resíduos químicos prejudiciais no solo e nos alimentos. Práticas agrícolas que fazem parte do dia-a-dia dos doze agricultores que compõem a Associação dos Produtores Orgânicos da Ibiapaba, Apoi. Esse respeito para com a natureza trouxe significativos avanços. “Um exemplo é o controle eficiente de pragas das culturas de tomate e repolho que no sistema convencional são as que utilizam maior carga de agrotóxicos, o que aumenta os custos de produção, mas nem sempre consegue evitar as expressivas perdas de safra.”, comemora Diana Pereira Gomes, Secretária Executiva da Apoi.
Grupo de pequenos produtores que hoje são sócios da Apoi.
membros da Apoi”, conta Diana. Além disso, organização e coesão do grupo. Planejamento coletivo da produção. Capacitação constante nos métodos e técnicas orgânicas para os sócios. Diretrizes de conduta que dão à Apoi bases efetivamente sustentáveis e que trazem melhorias nos rendimentos dos produtores da Associação.
A acentuada melhoria da fertilidade do solo e o conseqüente aumento da produtividade ano a ano, também são avanços visíveis nas propriedades dos sócios da Apoi. “Alguns produtores convencionais já estão adotando práticas agroecológicas, espelhando-se em
Apesar de o plantio ser individual, são levados em conta os diversos fatores de produção, inclusive questões de sazonalidade e de localização das propriedades. “Cada associado trabalha em sua
Dicas na Cartilha
área, mas é preciso seguir uma rigorosa programação de plantio previamente discutida em grupo.”, explica Diana. São esses os principais pilares que mantêm a Apoi dentro de uma metodologia de como gerir tanto a produção como a organização do grupo, relacionando preocupação agroecológica com associativismo. São também esses cuidados que permitem à Apoi atender a uma demanda, crescente na sociedade, por alimentos que assegurem qualidade de vida.
Alfavaca: o cheiro forte afasta moscas e mosquitos. Mas, não deve ser plantada perto de arruda.
Conhecidas também como Alho: eficiente como repelente de Urtiga: repele o percevejo plantas companheiras, pragas do tomate. do tomate. algumas culturas ajudam Sálvia: repele a mariposa do repolho. a repelir insetos predadores Fonte: Cartilha de Defensivos Agrícolas Naturais é uma publicação da Fundaçãoo do plantio principal. Cepema - Expressão Gráfica, Fortaleza, 2007.
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A JUVENTUDE QUE FLORECE NO CAMPO
Foto: Eduardo Magalhães
Enquanto boa parte dos jovens que moram no meio rural migra para as grandes cidades por causa das dificuldades com a lida na agricultura, alguns jovens rumam em direção contrária, apostando na agrofloresta. A aposta vem da combinação entre o acesso ao conhecimento sobre manejo agroflorestal, através de assessorias técnicas, e os incentivos das linhas de crédito do Pronaf (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar), acessadas através do Banco do Nordeste. As histórias de vida dessa juventude e da relação que ela tem com a terra nos mostram importantes mudanças que vêm ocorrendo por todo o interior do Ceará. Mudanças essas que deixam mais bela a paisagem cearense e nos fazem acreditar que é possível viver bem, em harmonia com a natureza.
Najara Ruth Silva Alves Em três hectares da Fazenda Boca Preta na Serra do Catolé em Custódio, distrito de Quixadá, Sertão Central cearense, uma garota de 19 anos apostou na agrofloresta como a técnica para trabalhar a agricultura e cuidar do meio ambiente. Com a ajuda do pai, Najara Ruth Silva Alves acessou o Pronaf Jovem e vem revitalizando uma área devastada pelo fogo. “Eu sempre estava no meio da agricultura, desde pequena que eu ajudo o meu pai a plantar. Aí, eu achei interessante acionar o Pronaf.”, diz Ruth. Ela conta, junto com o pai, o agricultor Expedito Ornélio Ribeiro Alves, que a terra foi atingida por um fogo feito no pé da serra. “O fogo foi me atingir lá em cima, por isso agora eu quero cobrir o solo. Quero que volte a ser floresta de novo porque é bonita a área lá”, explica. E a terra já dá mostra de que está renascendo. “Temos algaroba, sabiá, mororó, pau branco, graviola, cajá, goiaba... A terra é muito boa e eu acho que daqui a uns três anos está tudo do mesmo jeito.”, completa Seu Expedito.
Ruth com o pai Expedito no quintal de sua casa.
lá na frente a gente vai precisar.”, comenta Ruth os motivos pelos quais aceitou esse desafio. “Eu conservo o meio ambiente, vejo também se tem lixo na área.”, completa. Essa preocupação e carinho com o meio ambiente vêm de família. “Meu pai passou isso pra mim e eu estou passando pra ela e ela vai passar pros filhos “O meio ambiente é muito importante. Muita dela futuramente.”, diz Seu Expedito, com a certeza da gente acaba com as plantas. Parece que não sabe que continuidade. 15
Foto: Eduardo Magalhães
João Paulo Vieira Cercado de serras que encantam por sua beleza, o assentamento Passagem das Pedras abriga 30 famílias numa área de quase 1.400 hectares. Esse assentamento, localizado a 18 km de Viçosa do Ceará, na Serra da Ibiapaba, resguarda pequena área com um hectare, de João Paulo Vieira, 24 anos, que, há cinco, apostou no manejo agroflorestal. A área de João parece desafiar o olhar conservador de seus vizinhos agricultores. “Eles acham que não dá certo. João Paulo no sistema agroflorestal - Assentamento Passagem das Pedras em Viçosa do Ceará. Não acreditam que é possível plantar milho junto com sabiá.”, diz João. À primeira vista olhan- floresta, através do Cepema que me deu orientação.”, do aquele campo fechado pelo sabiá que se apinha em relembra João. boa parte da área, dá para fazer coro com os vizinhos de Foi com a assessoria técnica da Fundação, que João, mas ao entrar no terreno percebemos o engano. João acionou o Pronaf Floresta em novembro de 2006. Logo aparecem espécies como cedro, pau d’arco, aroeira, urucum, azeitona, além da roça com milho e feijão que se misturam aos pés de sabiá. Além disso, o solo coberto de matéria orgânica é úmido e mostra que é possível ter fertilidade em um terreno onde as pedras dominam. “Eu já percebo diferença no solo porque é uma área coberta. Mesmo na pedra é tudo coberto.”, vai mostrando João.
“Pra mim foi uma chance porque eu tenho como trabalhar melhor a minha área, sem ficar apertado. Com esse dinheiro, trabalho pra mim mesmo, sem precisar trabalhar pra fora.”, diz João. Mas, a expectativa é que daqui a dois anos ele já possa colher as primeiras estacas. “Quando for na época de pagar o Pronaf eu vou ter como pagar. Eu espero que dê um bom rendimento para melhorar a minha situação.”, diz João que é casado ep pai de dois filhos.
Foto: Eduardo Magalhães
“Terreno com pedra é difícil porque pra roçar é ruim, mas eu tenho coragem, fé e estou aqui.”. Diz ele, reforçando o seu empenho em trabalhar com agricultura, respeitando a terra. Esforço que conta com o apoio da Fundação Cepema. “Comecei a trabalhar com agro-
Com os recursos – que começará a repor ao banco de 2013 até 2020 – João investiu em sua área, melhorando a cerca e comprando mudas de outras madeiras de lei. E enquanto a madeira de lei cresce, João se mantém com a renda do feijão e milho.
Mas, além da preocupação justa de melhorar sua condição financeira, a prática da agrofloresta deixou em João outras preocupações. “A pessoa deve se preocupar é em não desmatar. Não fazer queimada porque é uma coisa que está destruindo a natureza.”, diz. “A agrofloresta é muito boa porque protege a natureza e o solo fica coberto.”, completa.
Pés de sabiá e outras culturas dividem o mesmo espaço em um hectare de área.
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E, mesmo sob os olhares descrentes de alguns vizinhos, João segue cultivando sua terra com respeito. “Alguns assentados acham que eu estou na ilusão. Eles não acreditam que vai dar certo, mas eu vou mostrar que dá.”, lança o desafio.
Foto: Eduardo Magalhães
Antônio de Lima Sales Antônio de Lima Sales, 28 anos, é solteiro, oltteiiro ro, o, m ma mas as ssee de família: fam famí fa míília: liaa:: seu li seu eu pode dizer que ele já é pai de uma grande oss. Entre Enttrre muEnt En mu m uuviveiro de mudas que cultiva há cinco anos. rrn namen ameen am nta taiiss das de árvores frutíferas, plantas nativas e oornamentais to e co on nttrriibu bui como as roseiras, Antônio tira seu sustento contribui no reflorestamento da região. Por ano, sua produção chega a 50 m mil mudas il m ud daass qque uee u vende para agricultores e entidades, comoo a Fu Fundação F unda ndaç nd açããoo Cepema. É também do seu viveiro que Antônio Anttôôn An niio tira ttiira ra as plantas para implantar no seu sistema aagrofl grofl gro gr ofloorestal. rest re stal al. Uma área com um hectare de onde também bém ém ssee or oorigiriggiinam muitas de suas mudas, formando um m ciclo ciccllo harci harr-ha monioso.
Antônio Lima no seu sistema agrofloresta, Sítio do Meio em Tianguá.
Em sua área de agrofloresta – iniciada depois de conhecer esse tipo de manejo, através de alguns cursos que fez com o apoio da Budega do Povo, Pastoral Social, Cáritas Regional e Fundação Cepema – ele consorcia plantas madeireiras, nativas, frutíferas, herbáceas e leguminosas. “É diferente e muito quando se cuida da natureza... Antigamente eu queria queimar tudo. Era uma coisa horrível.”, diz Antônio lembrando o tempo em que trabalhava com agricultura convencional.
As frutas plantadas já completam o orçamento de Antônio e são usadas, junto com o milho e o feijão, para o consumo dele e de seus pais. Trabalhando sozinho em sua área, ele espera a carência de cinco anos para começar a pagar o empréstimo do Pronaf. “Quando chegar a época de pagar eu já vou estar colhendo o sabiá que plantei e aí vai dá pra pagar direito. O Pronaf é uma idéia boa, mas eu acho que precisa ser mais divulgado entre os jovens.”, diz.
Foi no final de 2007 que recebeu os recursos do Pronaf Jovem. Apesar da facilidade para acessar a linha de crédito, Antônio lembra que precisou de ajuda, encontrada na assessoria técnica do Cepema. “Não foi muito difícil, mas também não foi tão fácil acessar porque precisava organizar algumas coisas.”, explica se referindo à documentação e ao projeto de implantação do sistema, exigidos pelo banco para se pleitear o crédito.
Experiente no trato ecologicamente sustentável da terra, Antônio lança uma outra preocupação com o futuro. “O desmatamento é familiar, vem do pai, do avô, da falta de conhecimento. Muita gente não muda por não ter conhecimento desse tipo de agricultura e pelo costume da família de trabalhar queimando e desmatando.”, alerta.
Já com os recursos, comprou estrumo para fazer mais mudas, cultivadas no quintal de sua casa e cercou a área onde implantou o sistema agroflorestal, localizada no Sítio do Meio em Tianguá, Serra da Ibiapaba. “Lá em cima, conservo o resto de Mata Atlântica que tenho e já plantei mais frutas como graviola, caju, laranja, tangerina, limão e banana.”, diz Antônio. Viveiro no quintal de Antônio que chega a produzir 50 mil mudas por ano.
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Evanildo Pereira Buriti Foto: Eduardo Magalhães
dar no reflorestamento da minha área.”. Explica Evanildo as razões que o fizeram procurar essa linha de crédito. “Já tem gliricídea, mandioca, sabiá, cajá e pau branco. E eu vou implantar sabiá, umas graviolas, atas...”. Continua ele, fazendo planos com os recursos que recebeu e que, finalizada a carência de oito anos, pagará em um prazo de cinco. Mas, Evanildo sabe que é preciso ter paciência para se trabalhar com agrofloresta. “No começo, a gente tem que trabalhar mais, pra no futuro ter sucesso.”, diz. Paciência e também perEvanildo Buriti: açude que abastece as 42 famílias do assentamento Boa Vista em Quixadá. severança. “Ano passado, antes de ter o Evanildo Pereira Buriti tem 23 anos é solteiro e Pronaf, a gente começou o sistema, mas não deu certo mora com os pais no assentamento Boa Esperança, co- porque o inverno foi fraco e as mudas não resistiram.”, munidade Lagoa do Mato a 45 km de Quixadá, Sertão conta Evanildo, lembrando os 32 dias de estiagem no Central cearense. Conhecido pelo nome de Boa Vis- período de plantação em 2007. ta, o assentamento parece se perder na vista de quem Mesmo com as intempéries que prejudicaram o o olha da varanda na casa dos pais de Evanildo. Logo início da implantação do sistema, Evanildo já percebe do lado esquerdo, avista-se o açude que abastece as 42 alterações interessantes na sua área desde quando mufamílias do assentamento. Do lado direito, a área com dou sua forma de trabalhar a terra. “Primeiro, a gente 1,5 hectares, reservada para a experiência com o mane- parou de usar agrotóxico e, hoje, a gente não usa nem jo agroflorestal. o defensivo natural. A gente está apenas plantando, faMas, antes de apostar na agrofloresta, Evanildo se aventurou indo morar em Potiretama, cidade no leste do Ceará, divisa com o Rio Grande do Norte. Um tempo depois, a saudade o trouxe de volta. “Nasci e me criei dentro da agricultura. Passei um tempo fora, fazendo praça, mas não gostei não... O que me fez voltar foi a saudade de casa. Fui, mas voltei pra agricultura de novo.”, relembra. Já em 2007, Evanildo fez o curso, de 400 h/a, para Agente de Agricultura Ecológica (Adae), através da Fundação Cepema. No ano seguinte, acessou o Pronaf Jovem. “O Pronaf Jovem é uma linha de crédito com juros baixo e achei importante acessar pra aju-
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zendo o manejo e a praga não está atacando. A gente já tem um controle, né?”, conta Evanildo. Animado com os primeiros resultados na sua terra e convencido de que o campo é o seu lugar, Evanildo chama atenção para a necessidade de se ter mais incentivo e informação para a juventude rural. “O jovem do campo já tem muita informação. Mas, muitos deles precisam de quase uma escola para reaprender a forma de trabalhar.”, avalia. “Eu, por exemplo, passei pra esse tipo de agricultura porque a Fundação Cepema dava uns cursos. Aí eu, mais o pai, fui testando e vi que realmente tem futuro.”, completa. Evanildo no meio dos abacaxi que começam a brotar.
Foto: Eduardo Magalhães
Alboreto Barbosa dos Reis No Alto das Gamelas, comunidade de Custódio, distrito a 22 km de Quixadá no Sertão Central cearense, vive o agricultor Alboreto Barbosa dos Reis, de 22 anos, que este ano resolveu implantar um sistema agroflorestal em um hectare de sua área, após acessar o Pronaf Floresta. “Eu soube da agrofloresta pelo Cepema, mas eu não fiz nenhum curso.”. Conta Alboreto que nos explica os motivos por ter optado por essa linhaa de crédito. “Foi tanto pela facilidade de acionar o projeto como pelo melhoramento da área.”, diz. Projeto de longo prazo, o Pronaf Florestaa tem como meta principal restaurar terras degradadas, criando formas de sustentabilidade financeira para o agricultor. “Vou melhorar a minha terra que está muito degradada e, com o tempo, ela vai estar melhor, inclusive na sua produtividade.”, explica Juarez que começará a pagar o crédito apenas em 2016. “Eu espero que, a cada passagem de ano, vá melhorando a conservação do solo. E daqui a uns 7 ou 10 anos, vamos ter uma área de preservação tanto de mata nativa como de bicho, de pássaros que vão vir pras fruteiras e pra mata conservada.”, sonha Alboreto. E enquanto sonha, ele também trabalha.
Foto: Eduardo Magalhães
Com os recursos do Pronaf Floresta, Alboreto cercou a área e demarcou as covas, podando algumas árvores e conservando outras. “Fiz a marcação pra quando receber a segunda parcela saber quanto e o que plantar.”, diz. A palma, o milho, o feijão, o sabiá, entre outras já
Canteiro suspenso de cebolinha de sua horta orgânica.
Alboreto: investimento em mudas para reflorestar sua área.
estão na lista para serem implantadas em consórcio com o cajueiro, mangueira, pau-branco, leucema, tamarindo, mandioca que já existiam na área. Alboreto faz seu trabalho sob o olhar atento do pai que a princípio estava desconfiado. “No começo, meu pai reclamou que não era pra plantar sabiá porque ia prejudicar a produção dos cajueiros. Agora, ele deixou pra ver no que vai dar.”, relata, explicando o motivo da resistência paterna. “Essa área era do meu avô que passou pro meu pai e agora está passando pra mim. Eles trabalhavam diferente, arrancavam a mata pra plantar cajueiro. Agora eu estou conservando os cajueiros junto com a mata nativa.”, diz. Mas, outra preocupação do pai de Alboreto é com o pagamento do empréstimo feito. “Teve aquela coisa de como é que vai pagar um projeto com sabiá que isso não dá certo. Mas, a gente acredita no trabalho e espera a prosperidade do projeto.”, afirma. Sua confiança é justificada quando ele mesmo nos explica a lógica do sistema agroflorestal. “Eu tenho o que planto de longo prazo, como o sabiá, e também o de um ano ou menos, como milho e feijão. Aí, eu continuo preservando a área com as algarobas que daqui a três ou quatro anos começa a produzir. Uma cultura vai ajudando a outra e dá pra esperar até a sabiá dar estaca e o pau branco dar o mourão, a madeira pra serraria.”, ensina o jovem.
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Foto: Eduardo Magalhães
José Maria Costa Silva Em 2006, José Maria Costa Silva, 32 anos, começou a trabalhar com Agrofloresta em um hectare do Sítio Tópi, a 2 km de Viçosa do Ceará, na Serra da Ibiapaba. Morando há três anos no terreno cedido pelo pai de sua esposa, a lida de José atrai a curiosidade da vizinhança. “Essa área tem chamado atenção de muita gente porque é um plantio diferente. A gente não queimou mais a terra. Aí o pessoal pergunta que tipo de plantação a gente faz.”, diz orgulhoso. A área que começa no quintal de sua casa enche mesmo os olhos de quem a visita. Espécies remanescentes de Mata Atlântica se misturam a outras culturas plantadas por José. “A gente trouxe plantas nativas que não tinha mais, como a aroeira, imburana de cheiro, pau d’arco, cedro e o ipê. A gente botou também acerola, mamão, graviola, açaí, manga, coqueiro e plantas rasteiras como feijão guandu, gergelim e capim-elefante.”, explica. A prática com o manejo agroflorestal que se destoa da maioria dos seus vizinhos, José aprendeu no curso de Agente de Agricultura Ecológica (Adae), formação de 444 horas que fez junto à Fundação Cepema em 2006. “Com esse curso, a gente foi desenvolvendo outras técnicas de agricultura. Por exemplo, a gente achava que queimar era uma boa técnica, mas não é.”, relembra.
Foto: Eduardo Magalhães
Nascido em uma família de agricultores, José lembra o tempo em que queimava para plantar e como, a cada ano, a terra produzia menos. “Mas, agora, o tipo de plantio é diferente. A gente trata a terra, não queima mais. Só trabalha com produto orgânico, adubação verde, poda, capina e broca seletiva.”, diz aliviado.
José Maria no sistema agroflorestal - Sítio Tópi, em Viçosa do Ceará.
Mesmo com a admiração de alguns e a constatação dos benefícios da agrofloresta, ele diz que encontra críticas entre os agricultores da região. “Tem sempre alguém que passa e fala: Como é que o cara que sempre trabalhou na agricultura, que o pai é agricultor, está plantando espinho? Tá plantando dentro do mato?”, conta. O “espinho” que os vizinhos falam é do sabiá que José começou a cultivar depois que acionou o Pronaf Floresta em março de 2008. “Investi no sabiá porque é uma planta favorável que chega rápido. Mas, investi também na tangerina, laranja, acerola, graviola, jambo, tamarindo e outras.”. Diz José que associa o cuidado ambiental à sustentabilidade financeira de sua família. Mesmo com a preocupação de manter a família, formada pela mulher e duas filhas, José sabe que precisa de mais tempo para tirar todo o sustento de seu sistema. “A área era uma capoeira antes de começar. O sistema ainda é novo, mas eu espero tirar o sustento daqui.”. Também é apostando na produção futura que José se planeja para pagar o empréstimo do Pronaf de 2014 até 2020. “Essa linha de crédito é excelente porque é uma oportunidade tanto pra contribuir com a natureza como pro sustento da família. São uns prazos e juros bons, é uma oportunidade excelente.” José se refere ao longo tempo de carência e de pagamento do Pronaf Floresta. Mas, a aposta maior é mesmo nos benefícios que o cuidado com a natureza traz para a vida humana. “Eu digo pro pessoal que plante um pezinho de árvore, porque ele está contribuindo para a natureza, mas também pra nossa sobrevivência. A terra praticamente é a nossa
Antes da implantação do sistema agroflorestal a área era de capoeira.
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Foto: Eduardo Magalhães
mãe, tudo que nós temos é através da terra.”, diz. Quem faz coro com José é a esposa Luzia Brito da Silva. “Eu acho muito bom pra gente e pra natureza. Se a gente compra na feira, maior parte vem com veneno.”, diz. José ressalta que o apoio da esposa é muito importante porque a “agrofloresta é uma plantação diferente”. Mas, é nessa cultura diferente que ele pretende criar as filhas. “Eu espero que, quando elas crescerem e verem o trabalho que a gente teve de reflorestar, de contribuir com a natureza e de tirar o sustento pra elas daqui de dentro, elas cheguem a trabalhar também nesse reflorestamento para contribuir com a natureza.”, sonha José. Danilo Galvão e Juarez Sá (Fundação Cepema) em visita técnica à área de José Maria.
Juarez Fernandes Sá Juarez Fernandes Sá, 23 anos, é um pequeno agricultor diferente da maioria dos que ele conhece. Não só pela formação universitária em Recursos Hídricos e Irrigação pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, mas pela aposta que fez em trabalhar com sistemas ecologicamente sustentáveis, como a agrofloresta que conheceu através do curso de Agente de Agricultura Ecológica (Adae), ministrado pela Fundação Cepema. “Muita gente durante a minha faculdade perguntava se eu ia ficar no agronegócio, na irrigação ou partir pra agrofloresta. Até que eu amadureci e vi que, aqui, eu posso fazer irrigação com agricultura orgânica sem agredir o meio ambiente. E posso fazer a agrofloresta que é uma atividade que não inclui irrigação.”, diz Juarez. Com essa visão, ele vem investindo na agricultura familiar para alegria de dona Olindina Maria de Jesus Moraes, sua mãe adotiva. “Desde criança, ele gosta de mexer com terra. Eu acho que é muita coragem dele, porque o jovem quando sai da faculdade quer logo um emprego fora. Mas, eu acho bonito porque eu também
amo a natureza e ela anda tão sofrida.”, diz. Juarez quer e investe em três linhas de produção que considera auto-sustentáveis: sistema agroflorestal, quintal produtivo e mandala. “Hoje, eu tenho uma área de agrofloresta, estou implantando um quintal produtivo e faço parte de um projeto do Governo do Estado com a Ematerce [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará], feito através da associação comunitária do Bom Jesus, para a construção de mandalas.”, diz. 21
agroflorestal em um hectare do Sítio Bom Jesus II, a 12 km de Tianguá na Serra da Ibiapaba. “Quero daqui a cinco anos, colher siriguela e caju maduro do meu terreno”, completa.
Sistema agroflorestal no Sítio Bom Jesus II em Tianguá.
O quintal produtivo é uma pequena área que reúne plantas de todo tipo, principalmente fruteiras, mas não tem necessariamente plantas nativas, o que o diferencia dos sistemas agroflorestais. Nele, reaproveita-se boa parte da água usada para fins domésticos e não se usa agrotóxicos. É uma forma de preservar o solo e ter produção.
Daqui a alguns anos, esse sonho terá chances de se realizar, pois foram plantadas mais de 20 espécies entre fruteiras, leguminosas e plantas adubadoras. “Fiz uma área para adubação. Nesse primeiro ano, eu não quis plantar muita coisa pra tirar porque a terra precisar se recuperar. Ela está incorporando matéria orgânica. Estou deixando a vegetação crescer pra depois fazer cobertura. Não dá pra tirar muita lucratividade agora.”, diz. “Tem que ter paciência. Eu também pensava no imediatismo, mas, conhecendo a agroecologia, a agricultura orgânica e a agrofloresta eu vi que se a gente não cuidar da terra é o fim. Quem produz pra cidade são os agricultores e se a gente não priorizar isso, ainda mais com a alta de alimentos que a gente vê todo dia nos jornais... É preciso produzir de forma sustentável, preservando o meio ambiente.”, avalia Juarez.
O investimento em agrofloresta, JJuarez fez com os recursos adquiridos a p partir do Pronaf Floresta, linha de créditto que optou por achar menos burocráticca. “Primeiro eu pensei no Pronaf Jovem p porque eu fiz curso de Adae, mas aí eu fiz o Floresta que é menos burocrático.”, d diz. Menos burocrático e com um prazo Quintal produtivo: reutilização da água e produção uçãão orgâ orgânica. âniica. (d (dest.)) JJuarez uarez no viveiro viiveiro i de d mudas. mud das. m mais extenso para pagamento. Juarez que Já a mandala imita o sistema solar. O sol é a pis- acessou o crédito no final de 2007 só começará a pagar cina que fica cercada por nove canteiros plantados em de 2013 até 2021. forma circular. Nesse sistema, criam-se galinha, pato e Enquanto a terra se recupera, com destaque para peixe dentro da piscina e se produz hortaliças, fruteiras o sabiá que já ultrapassa um metro de altura, Juarez ao redor. Os insumos são recicláveis e usados dentro do encontra outras formas de se sustentar e permanecer próprio sistema que tem boa produção, usando pouca próximo da agricultura. Recentemente, foi contrataágua. do pelo Cepema para compor a equipe de Adaes da “Quando eu tiver com os meus sistemas implan- Fundação. “Estou iniciando como Adae nas regiões de tados eu não quero ser empregado de ninguém.”. Diz Tianguá e Ubajara. Mas, onde puder ir dar essa força, a Juarez que, em 2007, começou a trabalhar com sistema gente vai.”, diz confiante.
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PRONAF: CRÉDITO EM PROL DA AGRICULTURA FAMILIAR Entrevista O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf – é um programa do Governo Federal que tem a função primordial de atender e beneficiar a agricultura familiar. O Banco do Nordeste é o principal responsável pela operacionalização do Pronaf na região nordestina e nos nortes do Espírito Santo e Minas Gerais (área de abrangência do banco). Atualmente, das 184 agências do Banco do Nordeste, 170 trabalham com o Pronaf, atendendo pequenos agricultores e agricultoras. Conversamos com o Dr. Porfírio Silva de Almeida, gerente do Ambiente de Gerenciamento do Pronaf e Programas de Crédito Fundiário do Banco do Nordeste, que nos fala sobre as linhas de crédito do Pronaf. Contato Banco do Nordeste
www.bnb.gov.br / 0800-728-3030
Cepema: O Pronaf é dividido em vários subprogramas, como os Pronafs A e B, o Pronaf Jovem ou o Pronaf Floresta. Por que existe essa divisão?
Porfírio: A cada ano, criam-se novas modalidades de se trabalhar o Pronaf e novas formas de atender o cliente. O Pronaf Mulher, por exemplo, é uma maneira de fazer uma distinção. A mulher trabalhava na atividade rural com o marido, mas não tinha o benefício do crédito próprio para ela. O crédito sempre vinha para o marido, então foi uma forma de conseguir um crédito próprio para a mulher. Outro exemplo é o Pronaf Semi-Árido que é voltado basicamente para formação de estrutura hídrica nos empreendimentos rurais do semi-árido nordestino... A definição da estrutura do Pronaf e do seu modus operanti é feita a partir das ações do MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário]. O banco até participa desse processo, inclusive sugerindo propostas, mas não é ele quem cria, ele só segue a metodologia.
produtivo a melhorar a estrutura dos seus empreendimentos rurais, com formação de florestas e áreas verdes que possam trazer beneficiamento para as suas áreas. A partir dessa metodologia, eles podem gerar receita, produzindo culturas ou empreendimentos florestais, dentro de um manejo racional. Cepema: O acesso ao Pronaf aumenta com essas divisões?
Porfírio: Esses programas – Pronaf Semi-Árido, Floresta, Pronaf Mulher ou o Jovem – são programas que agregam tanto do ponto de vista do financiamento de crédito como do ponto de vista de possibilitar mais negócios para o agente produtivo. O cliente antigamente contratava uma operação do Pronaf B, C ou D e não podia contratar outra. Com a agregação do Pronaf Semi-Árido, por exemplo, ele pode fazer mais outra contratação. O Pronaf Floresta é uma outra operação que ele pode fazer também... Hoje, existem grupos familiares que tem duas ou três operações quando antigamente só podia Cepema: E o Pronaf Floresta? ter uma. Então, com certeza essas Porfírio: O Pronaf Floresta é um pro- divisões vieram agregar e beneficiar grama relativamente novo que tem cada vez mais o agente produtivo e a como finalidade estimular o agente agricultura familiar.
Cepema: Então, o número de acesso a essas linhas de crédito é maior ou está dentro da média?
Porfírio: Não, ainda é pequeno. A nossa expectativa quando se cria um programa desses é trabalhar volumes bem mais expressivos. Mas, existem alguns programas que a demanda ainda tem sido muito pequena, como o Pronaf Floresta e o Pronaf Jovem. Esses programas deveriam ter uma demanda muito maior, mas tem sido pequena. Agora, existem uns programas que surpreendentemente a demanda é acima da esperada pelo banco, como é o caso do Pronaf Semi-Árido. Cepema: Por que isso? É burocrático acessar a linha de crédito do Pronaf?
Porfírio: Existe um ritual a ser seguido no atendimento das operações do Pronaf, mas já foi feito todo um trabalho, envolvendo os organismos sociais, para simplificar os procedimentos operacionais do Pronaf. Claro que ainda tem um processo burocrático porque se trata de um crédito de longo prazo. São exigidas algumas documentações para o cadastro, como os documentos de identificação do cliente e o DAP [Documento 23
de Aptidão ao Pronaf] que é um documento substancial para se fazer a operacionalização do Pronaf. Então, existe um rigor normativo e legal a ser cumprido. Mas, já foi bastante simplificado todo esse processo e as operações têm fluído normalmente. Não é um processo demorado. Tanto que o Banco hoje tem números expressivos no âmbito do Pronaf. No ano passado, por exemplo, contratamos R$ 1,6 bilhão no Pronaf, beneficiando um número significativo de famílias. Eu não vejo como um entrave a formalização dos negócios do Pronaf.
Cepema: Como assim?
Porfírio: Todo ano, o banco programa as aplicações dos Pronafs e a gente tem conseguido atingir essas metas. Ano passado, a meta era de R$ 1,5 bilhão e a gente aplicou 1,6. Nós estabelecemos metas, tanto em nível de programa como em níveis de município e estado. Cada uma das 170 agências do banco que trabalham com Pronaf tem suas metas específicas e definem metas por município. Todo município tem um quinhão de verbas para aplicar dentro de cada programa de crédito e assim, cada estado também tem. Mas, nem todo estado atinge a meta. Aí, no ano seguinte, o banco redefine as metas dentro das potencialidades e dentro daquilo que a gente acha que é racional e desejável até do ponto de vista de estimular que aconteçam mais negócios.
O advogado e administrador de empresas, Porfírio Almeida trabalha há 19 anos no Banco do Nordeste.
Foto: Eduardo Magalhães
concreta via parcerias, tanto com enPorfírio: Por exemplo, em Jaguaribe, tidades públicas como com entidaonde eu fui gerente, a gente percebia des privadas. Dentro desse trabalho que não existia potencialidade para é feita, em cada estado e município, se trabalhar o Pronaf Floresta, então, a divulgação das ações do Programa. não tinha uma meta para trabalhar Nós desenvolvemos, inclusive, a cada esse Pronaf. Aí, os recursos que eram Plano Safra, o Dia da Agricultura destinados ao Pronaf Floresta eram Familiar em cada município. Nesse dia, é mostrado tanto o Pronaf e o seu conteúdo como as alterações ocorridas para o Plano Safra vigente. O banco tem ainda as agências itinerantes. Nas localidades onde não há agência, os funcionários do banco se deslocam para aquela localidade e prestam todo tipo de atendimento, tanto de informações como coleta de Cepema: Quando uma linha de crédito cadastro. do Pronaf não atinge a previsão orçamentária daquele ano, existe algum ônus Cepema: Com relação aos créditos já para o banco ou a linha de crédito tem liberados, como é a questão da inadimseu valor diminuído no ano seguinte? plência dos agricultores no Pronaf?
Cepema: Existe alguma estratégia do Banco do Nordeste para divulgar as linhas de crédito do Pronaf ou é o Governo Federal que faz esse tipo de ação?
Porfírio: Para a execução do Pronaf, o banco tem um trabalho de ação Agência Tianguá
De janeiro a junho de 2008, foram realizadas 148 operações do Pronaf Floresta no Nordeste e nortes de Minas Gerais e Espírito Santo. Desse número, 50 operações foram feitas no Ceará. Confira o quadro com as cidades cearenses que acessaram o Pronaf Floresta.
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São Benedito Canindé Baturité Total Geral
Município
Quantidade de Operações
Tianguá Viçosa do Ceará Frecheirinha
17 14 01
São Benedito
05
Carnaubal Ibiapina Canindé Palmácia Mulungu Redenção
01 01 05 03 02 01 50
Valores Contratados (em reais) 133.303,62 90.580,07 11.996,32 19.436,71 5.872,14 7.996,56 24.015,90 17.911,20 15.934,16 4.998,00 332.044,68
Fonte: Banco do Nordeste
distribuídos para outras agências ou outros municípios que apresentavam potencialidade para essa atividade. Outra estratégia que usamos é desenvolver ações que possam estimular o agente produtivo. Como levar mais informações ou criar mais incentivos para alguns programas que a gente vê que podem gerar um valor agregado aos empreendimentos rurais.
Porfírio: A inadimplência do Pronaf é elevada, mas dentro de um perfil que tem sido controlado pelo banco. Ela varia de subprograma para subprograma, de estado para estado, de localidade para localidade. A inadimplência de Minas Gerais é baixa. A do estado do Ceará é relativamente baixa. Já a inadimplência do Maranhão está elevada... Mas, atualmente, saiu uma medida provisória que possibilita as negociações de todas as operações de crédito rural contratadas até 30 de abril de 2008, inclusive as operações do Pronaf. Então, toda operação que porventura esteja inadimplente, hoje, pode ser negociada e colocada em situação de normalidade.
Graf - Sergipe
GRAF: MULTIPLICANDO OS SABERES EM DEFESA DA AGROFLORESTA Foto: Arquivo Internet/Graf
Agregar valor à terra, combater o desmatamento e melhorar a qualidade da vida de quem mora no campo, através de agentes multiplicadores dos Sistemas Agroflorestais (SAFs). Missão assumida pelo Graf, Grupo Agroflorestal, que desde 2005 vem tornando mais verde a zona rural de Sergipe. Nas próximas páginas, um retrato da experiência que reúne pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e pequenos produtores rurais, em prol de uma agricultura que respeita a natureza e as necessidades humanas. Produção de banana em sistema agroflorestal, acompanhado pelo Graf.
Foto: Arquivo Internet/Graf
Pequenas áreas de floresta costeira, matas de restinga e ciliar, cerrados arbustivos e caatinga resistem às pastagens e ao plantio intensivo da cana-de-açúcar cujas áreas ocupam cerca de 90% da zona rural de Sergipe, estado do Nordeste brasileiro. Junto a este cenário ambiental, muitas deficiências nos âmbitos social e econômico compõem a realidade do povo sergipano. Nesse contexto, tornou-se imperativo encontrar ferramentas alternativas de
Foto: Arquivo Internet/Graf
agricultura para os pequenos produtores da região. Foi assim que, há três anos, nasceu, no Núcleo de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Sergipe (NEF-UFS), o Grupo Agrofloretal – Graf – um grupo de ação e pesquisa envolvendo SAFs. “A idéia do Graf é recrutar alunos e professoSistema Agroflorestal na borda da Floresta res de áreas correlatas para oferecer Amazônica. treinamento a pequenos produtores SAFs.”, explica Mário Jorge Campos e formá-los em multiplicadores agrodos Santos, doutor em Ciências Floflorestais para assim implantar os restais e coordenador do grupo.
Reunião de avaliação das atividades do VI Encontro Microrregional da Associação Mão no Arado de Sergipe, Tobias Barreto, setembro 2007.
O primeiro passo, no contato com os pequenos produtores, é apresentar o manejo agroflorestal. Reunidos com as comunidades, os voluntários do Graf explicam como se dá a implantação dos SAFs. Quando dispostos a investir numa agricultura bem diferente da convencional, os agricultores passam, então, pela formação dos agentes multiplicadores agroflorestais, realizada por professores do NEF-UFS e de outros órgãos governamentais e não-governamentais. “Os agricultores são realmente 25
Foto: Arquivo Graf
os atores principais nesse processo. Sem eles não poderíamos desenvolver os SAFs.”, Mário nos explica o porquê de investir na formação de pequenos agricultores. A opção por implantar o manejo agroflorestal se deu por esse sistema ser uma modalidade onde é possível, em uma mesma área, consorciar de forma manejada várias culturas (temporárias, anuais, semiperenes e perenes), juntamente com o componente animal. “O SAF pode proporcionar, de forma harmônica, uma produção continuada ao longo do tempo.”, diz Mário. Não poderia haver, portanto, escolha melhor para o nosso sertão.
Atualmente, o Graf se firma como um centro de referência em sistemas agroflorestais e de formação de educadores agroflorestais. Ampliou seu quadro efetivo – já são 66 alunos envolvidos, além de professores e pequenos produtores – e expandiu sua atuação para além das fronteiras de Sergipe. Hoje, o grupo já desenvolve trabalhos nas zonas rurais de Jeremoabo (Bahia), Serra Talhada (Pernambuco) e Novo Progresso (Pará). E o futuro promete ainda mais. “As perspectivas são promissoras. A cada dia surgem mais adeptos querendo adotar o SAF em suas áreas.”, comemora Mário. 26
Atividade teórico-pratica do primeiro módulo do Curso Agroflorestal com alunos da Unidade Avançada de Serra Talhada, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Foto: Arquivo Graf
Logo no primeiro ano, o Graf recrutou 39 voluntários, entre alunos e professores da UFS e agricultores de assentamentos do Movimento dos Sem Terra, MST. A idéia era promover e apoiar o desenvolvimento de atividades agroflorestais como uma alternativa efetiva de agricultura sustentável, adaptada à realidade local. Em Sergipe, a pesquisa vem sendo aplicada e monitorada principalmente no Bioma Caatinga. “Escolhemos a caatinga por ser uma área onde os problemas de produtividade de monoculturas e pecuária são bastante expressivos.”, conta-nos Mário.
Alunos do Graf em atividade de campo no município N. Sa. das Dores, Sergipe.
Acta Florestalis – produzida pelo Graf, em parceria com o Instituto Socioambiental Árvore, a revista eletrônica sobre ciências florestais e SAFs recebe trabalhos inéditos em vários seguimentos. Para acessar www.ufs.br/actaforestalis
Foto: Arquivo Graf
Agentes Multiplicadores Agroflorestais: o reconhecimento que chega devagar
Apesar de contribuir para mudanças significativas na vida desses pequenos agricultores, o Graf conta com pouquíssimos apoios financeiros e o trabalho, em grande parte, é mesmo voluntário. “Infelizmente o Grag não tem apoio institucional. Todas as ações geridas e conquistadas são graças àqueles que acreditam que é possível mudar o paradigma de que a pobreza e a ‘miséria’ no sertão não têm solução.”, diz Mário. “Um dos poucos apoios que o Graf recebe é da universidade ao solicitar bolsas de pesquisa, através do Departamento do Programa de Extensão.”, completa. Mesmo sem apoio, o reconhecimento das ações do Graf já começa a chegar a partir das parcerias que
tomam o trabalho do Graf como referência. Em Pernambuco, o Graf firmou parceria com a Universidade de Serra Talhada (UAST) que criou o Graf Caatinga e já trabalha com SAFs no município de Itabira. Já na Bahia, a parceria é com o Banco Interame-
ações em defesa do meio ambiente, atuando em parceria com outras instituições e/ou indivíduos, é outro exemplo de que o reconhecimento pode demorar, mas ele chega. Promovido pela comunidade religiosa Bahá’í, esse prêmio é uma homenagem inspirada Foto: Arquivo Graf
“É com ousadia e perseverança que se conquistam os objetivos.”, ensina Mário Jorge Campos dos Santos, doutor em Ciências Florestais e coordenador do Graf, Grupo Agroflorestal do Núcleo de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Sergipe (NEF-UFS). Essa é a força de espírito que move os voluntários do Graf. Apostar nos SAFs como alternativa para melhorar a qualidade de vida de quem sobrevive da agricultura familiar. Aposta essa que se funda na troca de conhecimentos, ao aproximar pesquisadores, acadêmicos e técnicos de pequenos produtores e associações comunitárias.
Alunos do Graf em visita a um Sistema Agroflorestal, município N.Sa. das Dores, Sergipe.
Mário Jorge, coordenador do GRAF, na entrega do X Premio Cidadão Mundial.
ricano de Desenvolvimento (Bid), Banco Mundial e Governo do Estado para desenvolver um projeto onde o SAF é o vetor principal. “Em novembro, queremos realizar o primeiro Workshop para reunir famílias rurais, Ongs, Universidades e o Governo para discutirmos o SAF e fortalecer ainda mais nosso efetivo na construção de novos desafios.”, informa Mário. O X Prêmio Cidadão Mundial, que contemplou instituições e indivíduos que, em 2007, promoveram
nas palavras de Bahá’u’lláh – fundador da religião – que diz: “a mais amada entre todas as coisas é a justiça.”. Façamos, então, justiça com aqueles que lutam para viver bem e em harmonia com a natureza. Contato Graf Universidade Federal de Sergipe Departamento de Engenharia Agronômica Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n - Jardim Rosa Elze São Cristóvão - Sergipe Email: graf@ufs.br
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ENTREVISTA
À SOMBRA DE UM CAJUEIRO
Adriana Carneiro de Castro – 37 anos, casada e mãe de dois filhos – é descendente dos Índios Tremembés de Almofala, Ceará. Ela é uma das lideranças do seu povo na defesa de sua terra e contra o maior projeto turístico da atualidade no País: o empreendimento imobiliário, orçado em US$ 15 bilhões, do grupo espanhol Nova Atlântida. Esse grupo (que está sob a mira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda, por suspeita de movimentação financeira incompatível de seus sócios) quer construir uma cidade turística com 13 hotéis cinco estrelas, 14 resorts, seis condomínios residenciais e três campos de golfe de tamanho oficial, na Praia da Baleia a 200 km de Fortaleza. A área de 3,1 mil hectares é uma Reserva Indígena Tremembé onde moram 200 famílias das comunidades São José e Buriti. 28
Cepema: Você se considera índia? Adriana: Sim. A gente é da etnia Tremembé. Os Tremembés vem de Almofala [comunidade pesqueira a 242 km de Itarema, município cearense]. Vieram pra cá pela Praia do Mundaú. Aqui é tudo familiar, não só por ser irmãos índios, mas por ter o mesmo sangue. Cepema: Como a comunidade se sustenta? Adriana: Da agricultura e da pesca. Planta roça, feijão, milho, bananeira, batata, melancia... A gente vem com essa cultura. É da terra que nós sobrevive. Mas, hoje, a gente tem apoio do Governo Federal, tem o benefício da aposentadoria e o Bolsa Família que vêm ajudando o nosso povo. Cepema: Para o Governo reconhecer como indígena é preciso que a comunidade se reconheça primeiro. Faz tempo que vocês se reconhecem como índios? Adriana: Faz muitos anos que o nosso povo sabia que era um povo indígena, mas não tinha coragem de falar. Foi em 2002 que a gente realmente levantou essa bandeira de defender a nossa terra e dizer a nossa própria etnia. Já tem 107 famílias que se cadastraram na Funasa [Fundação Nacional de Saúde] se reconhecendo como indígena. Cepema: Mas, a Funai [Fundação Nacional do Índio] já veio aqui? Adriana: Já, já. A gente tem apoio da Funai. E a gente já está cadastrado pela Funasa que é para o saneamento básico. Cepema: Aqui há casas de tijolos. Tem, também, água encanada e energia? Adriana: Não temos energia elétrica, nem encanação de água. A gente tem essas casas porque os nossos antepassados sofreram muito porque não tinham como fazer uma casa. Com essas melhorias que o Governo tem dado, a gente quer ter um espaço melhor.
Cepema: E isso não tira de vocês o status de serem índios? Adriana: Em nenhum momento. Não é isso que vai tirar de nós o nosso direito de ser índio e de lutar pelos nossos direitos. Ter uma casa de tijolo não vai tirar o nosso direito. Cepema: Essa região é muito cobiçada pelo turismo. Como a comunidade vê essa disputa para se construir a cidade turística do grupo Nova Atlântida? Adriana: O nosso território é um território saudável e a ganância do homem branco quer destruir tudo que o Criador nos deu. Tudo aqui é natural e a gente ver esse empreendimento querendo instalar uma cidade... Não é nem um projeto pequeno, mas é uma cidade. Transformar tudo que é nosso em cidade. E a gente ainda sente que eles têm o apoio do governo do estado, do município... Nós que moramos aqui e vivemos no dia-a-dia sentimos uma tristeza com esse empreendimento. Cepema: Na proposta do Grupo Nova Atlântida, vocês sairiam daqui para onde? Adriana: Eles chegaram com a proposta que o empreendimento iria abranger toda a nossa moradia e que era um projeto de tirar nossas casas e fazer casas populares em outro canto. Só que a gente não aceita, porque onde a gente está é a nossa raiz, é um bem da gente. A gente tem uma vida e não aceita essa retirada para outro local que a gente nem sabe onde vai ser. A visão da Nova Atlântida é tirar as famílias pra residir em outro local e nós nem sabemos onde é que fica. Cepema: O Ministério Público embargou a construção. Mas, no caminho, eu percebi algumas obras, com desmatamento e queimada. O que está acontecendo ali? Adriana: Ali é exatamente obra da Nova Atlântida. A gente já denunciou por duas vezes e até agora nada foi feito. O
próprio Ibama veio verificar, mas achou natural essa queimada do pessoal da Nova Atlântida. A gente vê com muita tristeza até agora não ter sido tomada nenhuma posição com relação a isso.
Ter uma casa de tijolo não vai tirar o nosso direito. Cepema: Há quanto tempo vocês lutam para manter a terra de vocês? Adriana: Desde os nossos ancestrais que eles vêm lutando para ter a terra que era deles e que deixou de herança pra nós. Mas, nossos antepassados não tinham como lutar pelos seus direitos, pelos seus territórios, então, muitos saíram por não aceitar a chegada dos portugueses. Eles não tinham como recorrer. Hoje, nós somos uma raiz e nós brotamos. Nós já temos os nossos direitos pela Constituição. Mesmo assim, a gente ainda tem muito medo de falar por causa do preconceito. Nós sofremos muitos preconceitos, mas a gente vem lutando contra isso. Nosso grito tá ecoando no mundo inteiro e nós continuamos aqui pra defender a nossa terra e nossos direitos. Cepema: Que preconceitos vocês sofrem? Adriana: Ficam dizendo que não somos índios, que não adianta lutar contra esse empreendimento. Que não adianta peixe pequeno lutar contra peixe grande. Vem com esses preconceitos pra gente continuar calado, mas a gente não fica calado diante disso não. Cepema: Existe perseguição a lideranças por defender a permanência de vocês? Adriana: A gente é muito perseguido, eu, minha irmã. Outros parentes foram alvos de processos por conta do nosso movimento. Por não ter medo de dizer o que somos. Eles vêm querendo nos intimidar levando nós até os tribunais de justiça do município de Itapipoca. Cepema: Então, já houve embates entre vocês e o grupo da Nova Atlântida? Adriana: Houve policiais que vieram contratados pela Nova Atlântida, tanto
de Itapipoca como de Trairi. Perseguição muito forte. Teve parentes presos. Mulheres que apanharam de policiais. Até crianças que foram corridas com medo da perseguição da Nova Atlântida. Cepema: Isso intimida vocês? Adriana: Pelo contrário. Quanto mais eles tentam, mais a gente se sente fortalecido porque é um direito nosso. Nós nascemos e fomos criados aqui. Vivemos a nossa cultura, a nossa vida. O nosso trabalho é aqui e não tem como a gente se intimidar diante disso. A gente não tem medo de que a Nova Atlântida vai tirar a gente daqui porque se realmente isso acontecer, aí não é pra existir justiça no mundo... Porque ninguém vai fazer uma barbaridade dessa com o povo Tremembé de São José e Buriti. Cepema: Vocês têm apoio nessa luta? Adriana: Temos apoio de movimentos sociais, de outras comunidades, assentamentos. Até da Funai, Funasa, Missão Tremembé. De outros povos [indígenas] que vêm nos ajudando pra gente não se sentir tão abandonado. Até porque está na Constituição os direitos dos povos indígenas. E a gente se mobiliza pra lutar juntos pela nossa terra. Cepema: Saiu na mídia que vocês seriam
Nosso grito tá ecoando no mundo inteiro e nós continuamos aqui pra defender a nossa terra e nossos direitos. aliciados por uma Ong para dizer que são índios. O que você me diz disso? Adriana: A empresa usa isso pra nos intimidar. Mas, a única coisa que está sendo paga aqui é os nossos parentes. A Nova Atlântida está pagando os nossos parentes para não se identificar como índio. A única que está pagando é ela. Eu não conheço nem outro povo que está sendo pago aqui. Cepema: Como assim pagos?
Adriana: Antes de a Nova Atlântida chegar, nós lutava juntos. Com a Nova Atlântida, começou esses empregos, então, o nosso povo não se identificou mais como índio. Porque se eles se identificarem eles não vão ter mais os empregos da Nova Atlântida. Há esse conflito entre se identificar e não se identificar. Se identificar, é claro, que a Nova Atlântida não vai dar o emprego. O jeito é ficar caladinho. Cepema: Que empregos eles têm? Adriana: Como vocês viram, desmatando... Outros são vigias dentro das nossas terras. Cepema: Vigia? Então, existem obras da Nova Atlântida aqui? Adriana: Existe. Ela está como um câncer na nossa terra. Ela não está em um lugar só. Está se espalhando no corpo da nossa terra. Está focada no Buriti; tá lá na Barra do Mundaú e tem outro pertinho daqui, em um sítio. Ela está se espalhando não com os hotéis, mas tá fazendo tomada de parte das nossas terras. Cepema: Se o Ministério Público proibiu as obras, por que eles permanecem aqui? Adriana: Aí é uma pergunta que a gente mesmo se faz. Porque se o Ministério Público deu uma liminar pra impedir essas construções e a Nova Atlântida não respeita e continua com esses trabalhos na nossa terra... Até agora nós não sabemos o porquê disso. Cepema: Nunca veio nenhuma ação para tirá-los daqui? Adriana: Até agora não houve. A única coisa que pode nos ajudar é o estudo da nossa terra, mas que ainda não foi feito. A gente vem cobrando da Funai que eles possam encaminhar o mais breve possível esse grupo de trabalho pra fazer o estudo e o laudo. A gente tem cinco sítios arqueológicos dos nossos antepassados. Esses sítios estão, exatamente, onde o empreendimento quer instalar o seu projeto de hotéis e de campo de golfe. É em cima desses sítios arqueológicos... Cepema: Foi pedido o grupo de trabalho? Adriana: A gente vem cobrando desde o início. Em 2006, numa reunião com
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o Ministério Público, ficou tudo certo que o grupo de trabalho viria. Mas, até hoje nada foi concretizado. Cepema: A Funai diz o porquê de eles não terem começado? Adriana: Nem a Funai daqui, nem a de Fortaleza. Só diz que está no sistema, mas não tem data de se realizar. Cepema: E em que pé está o conflito com a Nova Atlântida? Adriana: Esse momento é tenso. A gente continua na espera do Ministério Público, da Funai. Porque só eles podem nos ajudar a resolver essa situação. A gente está esperando que isso venha acontecer pra gente realmente ter paz. Cepema: O atual governador já se envolveu nesse conflito? Adriana: Bom, o governador está envolvido. Quando o governador esteve aqui, exatamente como nós estamos aqui sentados... O governador esteve aqui com o interesse de defender a Nova Atlântida. Ele querendo que nós negociasse, deixasse esse empreendimento acontecer. Que é pra trazer riqueza, trabalho para a população. O governador disse pra nós que terra pra ele tem que ser produtiva. Se não for, não vale nada. Ele estava dizendo aquilo pra nos intimidar e que nós não teria outra opção. Mas, nós mostramos que ele é que vá fazer esse empreendimento em outro canto porque nós não vamos sair daqui. Nós temos que ficar aqui nas nossas terras. Se tem que vir turismo. Se quer haver desenvolvimento, que seja um desenvolvimento legal, estável para todos nós. Não um desenvolvimento que vai acabar com a maioria da nossa terra e deixar muito do nosso povo sem contato com os nossos manguezais, nossas matas e rios. Cepema: O governador falou em ajudar vocês, trazer, por exemplo, saneamento básico? Adriana: Em nenhum momento. A gente até reivindicou energia elétrica, então, ele disse que do jeito que estava, em conflito, ele não poderia fazer nada. Então, eu disse que ele poderia fazer muita coisa se ele tivesse mesmo interesse em nos ajudar. Que ele se aliasse ao governo federal e pudesse fazer o estu-
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do que isso tudo se resolveria. Mas, em nenhum momento ele se disponibilizou em ajudar a gente com saneamento básico ou energia elétrica. Cepema: Você é uma das lideranças da comunidade. Como é ter uma mulher à frente? Adriana: Pois é, as mulheres estão mesmo na frente pra defender a nossa Mãe Terra. (risos) Nós temos também muitos homens que nos apóiam nessa luta. Mas a maioria é mesmo mulher que são ca-
Se tem que vir turismo. Se quer haver desenvolvimento, que seja um desenvolvimento legal, estável para todos nós. pazes de liderar o nosso povo. Cepema: Por que as mulheres tomaram à frente? Adriana: É porque não dá pra esperar pelos homens. A gente tem coragem, a gente enfrenta logo e faz as coisas acontecerem. Ninguém vai esperar que eles tomem a iniciativa. Cepema: Como vocês se organizam? Adriana: No fim de semana, a gente tá reunido pra discutir o que aconteceu na semana e pra dançar o torém. Cepema: Vocês dançam o torém? Adriana: Dançamos. Essa é a nossa força maior. A resistência que nós temos. O resgate dos nossos antepassados. A dança do torém é onde nós encontramos forças pra dar continuidade a essa luta. Naquele momento, a gente se encontra com o Criador, eleva nossos pensamentos a ele, aos nossos ancestrais. Pedimos ajuda, força e discernimento na nossa caminhada. Pra dar saúde, paz, alegria e nós resistir a tudo isso. Cepema: E você sabe dançar? Adriana: Eu sei (risos). O torém é um ritual que todos nós sabemos. Ninguém ensinou. A gente já nasce sabendo como é que faz. As crianças na escola já sabem
dançar o torém. Cada um sabe como pegar o seu maracazim, sabe fazer o ritual. É uma coisa que vem de cada um. A gente nasce com esse dom. Cepema: Além do torém, há outras coisas que vêm dos seus antepassados? Adriana: As raízes que são remédios que os nossos antepassados deixaram. A nossa mata é composta de medicina. Às vezes, a pessoa tem problema de coluna, inflamação, então, a gente usa essas medicinas das nossas matas pra se curar. A gente ainda vive uma vida dos nossos antepassados porque a gente não deixou de usar as tradições. E a conservação da nossa terra, do meio ambiente. Querer continuar com tudo que é sagrado pra nós. A nossa Mãe Terra, a natureza. Tudo isso pra nós é sagrado. É o que os nossos antepassados passaram pra nós. Cepema: Mas, a entrada do homem branco acabou misturando muita coisa... Adriana: A gente não pode dizer que não tem essa mistura, ela tem desde a invasão do Brasil e está aí entre os povos indígenas. O Ceará está todo misturado com as raízes brancas. Mas, a raiz indígena é mais forte que a branca. E estamos comprovando que somos mais fortes do que o branco. Cepema: Você tem orgulho de ser índia? Adriana: Muito orgulho. Eu agradeço a Deus ter nos dado coragem de nos identificar. Os nossos parentes que ainda não se identificam com certeza vão se identificar, porque é um sangue que corre nas veias de cada um de nós que moramos aqui na comunidade. Cepema: Então, deixa uma mensagem para aquele descendente de índio que tem vergonha de se assumir como tal. Adriana: A mensagem que eu quero dizer para esse povo que é nosso povo também, mas que não se identifica até hoje é que eles possam ter a mesma coragem que nós tivemos de lutar pelo objetivo maior que é a nossa Mãe Terra, porque sem a terra nós não somos nada. Nós somos filhos dessa terra, então, nós temos que defender a nossa mãe. Ainda é tempo de cada um, de cada uma, lutar pelos seus direitos e defender o que Deus nos deu de beleza que é a nossa terra.
“... picar as folhas de arruda; colocar na água e aguardar 24 horas. Depois de pronto, coar e misturar a 20 litros de água. Pulverizar sobre as plantas e nos locais onde aparecem as formigas...”
Dicas Agroecológicas. Receitas simples de defensivos naturais.
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DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Expediente é uma revista publicada pela Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente Cepemma
Entrevistas e reportagens: Klycia Fontenele (jornalista responsável - Reg. 1978-CE) Fotos da capa: Eduardo Magalhães Fotografias: Eduardo Magalhães, Ciro Albano e arquivos da Aquasis, Graf e Apoi. Projeto Gráfico e Diagramação: Adimilson de Andrade. Edição e Impressão: Expressão Gráfica Ltda. Tiragem: 2.000 (papel reciclato). Fortaleza, ano2 nº 2 - setembro de 2008.
FUNDAÇÃO CEPEMA Conselho Diretor Danillo Galvão Peixoto Filho Presidente Henrique César Paiva Barroso Vice-Presidente Maria Heleni Lima da Rocha Dir. Adm. Financeiro Patrimonial Adalberto Alencar Coordenador Pedagógico Colaboradoras e Colaboradores Antônio Eronilton Pereira Buriti Antônio Eurismar C. de Oliveira Aurinete Santos de Oliveira Auristela de Oliveira Lemos Eduardo Lima Magalhães Elianísia Alves Mendes
Francisca da Conceição de Sousa Francisco Edson da Silva Francisco Fábio Costa Martins Francisco José de Lima Francisco Messias Teodósio Francisco Tadeu Silveira José Weldmar de Oliveira Lúcia Alencar Luis Carlos dos Santos Luis Eduardo Sobral Fernandes Marcos José Arruda Garcia Maria Betânia Soares Ferreira Maria Deusilane F. Silva Maria Erivânia Buriti Maria Helenilda A. da Silva Alves Maria Zelma de Araújo Madeira Valgeane Marreiro Silva Wilkson W. Gondim
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