Revista agrofloresta

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Fundação CEPEMA ano I - Nº 1 - Agosto 2007

LAR DA RAINHA: Apicultura e Agrofloresta no Sertão Central Cearense

Frente Cearense por uma Nova Cultura de Águas e Contra a Transposição do Rio São Francisco - entrevista com Magnólia Said

SÍTIO BOM JARDIM NA SERRA DA IBIAPABA: Dona Terezinha e a natureza de mãos dadas para recuperar a vida

Fundação CEPEMA e Ministério do Meio Ambiente/PDA contribuindo para o desenvolvimento do Maciço de Baturité Seu Gerardo e Maycon: Lições de vida (Serra da Meruoca)


Editorial Índice Ponto de Vista ............................................................................ 03 Lar da Rainha: apicultura e agrofloresta no Sertão Central do Ceará ........................................................................................... 04 Agente de Agricultura Ecológica: a terra trabalhada por outros olhos e mãos ............................................................................... 08 Parcerias em Prol da Agrofloresta ........................................... 12 Geração de Renda e Preservação Ambiental, Agrofloresta às Margens do Sitiá (Quixadá) ..................................................... 14 (Capa) Sítio Bom Jardim na Serra da Ibiapaba: Dona Terezinha e a natureza de mãos dadas para recuperar a vida .................. 16 Sempre é Tempo de Aprender ................................................. 20 Estudos com Geoprocessamento no Maciço de Baturiré ....... 23 Maciço de Baturité: duas mulheres, duas histórias de respeito e amor à natureza .......................................................................... 25 Frente Cearense por uma Nova Cultura de Águas e Contra a Transposição do Rio São Francisco (entrevista com Magnólia Said) ............................................................................................ 28

Mais do que uma revista, Agrofloresta é um registro de histórias de vida e de amor ao meio ambiente. É o reencontro da mulher Danilo Galvão no SAF de Dona Noda Rocha, comunidade Jardim e do homem do campo emi Mulungu/CE. com a natureza, através da compreensão da importância da preservação ambiental e da prática ecológica do manejo agroflorestal. Relatar o sucesso de experiências de implantação de sistemas agroflorestais pelos olhos e bocas de agricultoras como Dona Terezinha, Dona Noemi e Dona Irene, ou de agricultores como Seu Gerardo, Seu Aroldo e Tadeu foi o impulso que motivou a Fundação CEPEMA a apostar na publicação de uma revista sobre agrofloresta. Convidamos você a passear conosco pelo interior do Ceará. Tomar um suco de acerola com Dona Noemi, olhando seu quintal na comunidade Jardim, Mulungu, ou sentar, com um cafezinho da hora, na varanda do sítio de Dona Irene em Guaramiranga, cidades do Maciço de Baturité; saborear o mel do apiário Lar da Rainha em Tapuiará, distrito de Quixadá, Sertão Central ou conversar com o menino Maycon na casa de farinha do sítio do avô, Seu Gerardo, em Alcântaras na Serra da Meruoca. E quem sabe acompanhar, junto com Seu Aroldo, o reflorescer das margens do rio Sitiá ou aprender com Dona Terezinha o porquê de investir em agrofloresta. E, no meio de tantas histórias de vidas, conhecer o trabalho realizado pela Fundação CEPEMA e seus parceiros em defesa do meio ambiente, da agricultura familiar, trilhando um caminho para o desenvolvimento humano, sustentável e solidário. O convite está feito, agora cabe a você aceitá-lo! Danilo Galvão, presidente da Fundação CEPEMA

FUNDAÇÃO CEPEMA 17 anos de história

Sobral, 1989. Nasce o Centro de Educação Popular em Defesa do Meio Ambiente, CEPEMA, com apoio da organização não-governamental sueca, Framtidsjorden (Terra do Futuro). Dois anos depois, o Centro transforma-se na Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente. Inicia, assim, o caminho em direção da segurança alimentar e da educação

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em agricultura orgânica. Reuniões, cursos, conversas informais com agricultores e agricultoras começam a despertar uma consciência ecológica em mulheres e homens do campo. A semente para o desenvolvimento sustentável está, então, lançada. Com ações que vão de programas de rádio – como o “Natureza de Todos Nós”, produzido entre 1990 e 2000 – a cursos de formação, como os de agente de agricultura ecológica, ADAE, realizados sistematicamente há 14 anos, a

Fundação CEPEMA firma sua atuação em prol do fortalecimento da agricultura familiar. Dezessete anos passados, a Fundação CEPEMA assume o desafio do desenvolvimento sustentável através da agrofloresta e educação ambiental. Expande suas ações pelo interior cearense – Maciço de Baturité, Serra da Meruoca, Serra da Ibiapaba e Sertão Central – e em Fortaleza, trabalhando diretamente com agricultores e agricultoras e com a juventude do campo e da cidade.


Ponto de Vista

O Roçado é a Escola do Agricultor Quando afirmamos que o roçado é a escola do agricultor, estamos dizendo que é na pedagogia da vida do trabalho que se vai construindo, moldando os conhecimentos adquiridos, ao mesmo tempo em que se produz o alimento. Tais saberes sobre a compreensão da ecologia do sistema vêm se processando ao longo das gerações com maior ou menor complexidade. Iniciar uma agrofloresta sem partir desse princípio, ou seja, sem considerar essa sabedoria é o primeiro passo para o insucesso dos sistemas agroflorestais (SAFs). Portanto, é premissaa básica manter não somente o diálogo com a biodiversidade, mas, fundamentalmente, com quem a maneja. Sair do discurso técnico dos SAFs e mergulhar no humano que é o elemento interventor. Este é um desafio recorrente paraa que se possa desencadear um processo de retomada da harmonia entre cultura e vida. Não se trata apenas de decodificar a funcionalidade do sistema, saber interpretá-lo, reconhecer os níveis sucessórios e as espécies que devem entrar ou sair em determinado momento. Trata-se sim de como esse humano se vê no contexto, se parte integrante e interdependente ou totalmente desassociado do ecossistema.

Não podemos negar que sem o humano não há agroflorestas ou sistemas agroflorestais. E, para que esse humano possa interagir de forma positiva, gerando sinergia no ambiente circundante, é necessário desvelar-se e compreender que somente através das próprias indagações sobre si mesmo e sua realidade, na conjuntura a qual se insere, será capaz de suceder a um estado crítico e liberto.

Wilkson Gondim (ao centro) - Curso de ADAE em Quixadá 2005

Daí, a importância do roçado como instrumento pedagógico. A partir das observações no ambiente de trabalho, das tentativas, erros e acertos,

AGRICULTURA AGROFLORESTAL

o indivíduo passa a se apropriar dos conhecimentos gerados com os componentes que o integram. O roçado, portanto, é o início de todo nosso trabalho de aprendizado enquanto técnicos educadores/educandos. Com as problematizações criamse as condições necessárias para a consolidação dos SAFs, não pelo interesse puramente econômico, outrossim pela necessidade íntima do humano que, na sua condição natural, é um ser de grande funcionalidade no ecossistema planetário. Esse agora sujeito reconhecedor da importância da vida e do trabalho vivo se ergue livre e consciente de suas funções enquanto parte do todo, fazendo o que chamaremos de biocultura. Nesse processo vão se materializando novos conceitos, surgem novos v valores, ou despertam valores adormecidos, de tal modo que não mais será necessário prever recursos ou fazer investimentos, pois tudo acontecerá involuntariamente. Estaremos ecologicamente integrados. Wilkson Gondim Técnico Educador Agroflorestal da Fundação CEPEMA

Fundação CEPEMA Danillo Galvão Presidente Henrique César Paiva Barroso Vice-Presidente Francisco José Lima Dir. Adm. Financeiro Patrimonial Adalberto Alencar Coordenador Pedagógico

Escritório de Fortaleza Rua Crateús, 1250 - Parquelância, Fortaleza-Ceará Cep.: 60.455-780 - Fone: 3223-8005 e-mail: cepema@attglobal.net www.fundacaocepema.org.br Fonte: Ernst Götsch

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APIÁRIO LAR DA RAINHA:

DOCE RECANTO DA NATUREZA “Mel... eu quero mel. Quero mel de toda flor. Colorido sabor do mel de toda flor...” Dos 39 anos de vida, 20 foram dedicados, especialmente, ao trabalho com abelhas quando conheceu a apicultura em um curso que fez em 1986. É assim que resumiríamos boa parte da vida de Francisco Tadeu Barros Silveira que mora num lote da Fazenda Nova, distrito de Tapuiará em Quixadá, Sertão Central cearense. Caçula de sete irmãos e ainda solteiro, Tadeu fez da apicultura sua principal fonte de renda, mas se orgulha de ser agricultor. “Sou agricultor graças a Deus”, diz sorrindo. “Eu gosto de sertão e prefiro ficar aqui, mesmo sendo difícil muitas vezes. Mas, eu associo meu bem-estar a estar aqui”, conclui.

1995 a 2002], mas com os juros ainda de 16% ao ano. Muito alto e muito difícil de pagar. Eu paguei porque eu tenho compromisso de pagar as minhas contas”. Para Tadeu, os incentivos melhoraram depois do fim do governo do Fernando Henrique. “Os juros ficaram em torno de 2 a 4 % e, hoje, ainda tem um bônus se você paga em dia. Depois do FHC melhorou e muito”, analisa. “Hoje todo mundo quer trabalhar com abelha. Isso faz com que os bancos queiram essa linha de financiamento”, avalia com base em sua própria região que, segundo ele, há uns cinco anos atrás, tinha 3 ou 4 apicultores e só no ano passado foi formado um grupo com 200 apicultores, através de um convênio com a prefeitura de Quixadá. “Eu não sei o número, mas, aqui, já deve ter umas 400 pessoas trabalhando com abelha”, diz. É um pouco dessa experiência que Tadeu compartilha conosco.

Montando um apiário

C lid d d d reconhecida h Com a qualidade do mell que produz e com uma freguesia formada, o Lar da Rainha, nome que Tadeu deu ao seu apiário, tem uma média de 75 caixas povoadas. Só no ano passado, produziu dois mil litros de mel, equivalente a mais ou menos três mil quilos. A situação relativamente estável em que vive hoje nada lembra as dificuldades dos primeiros anos do apiário. “Eu não tinha investimento pra começar, mesmo assim, eu comprei uma caixa. Eu sofri bastante no começo”, lembra Tadeu a falta de incentivo público para o pequeno agricultor e agricultora que quer iniciar uma atividade produtiva. “Fui, várias vezes, ao banco atrás de empréstimo, mas não conseguia. Além de ser pobre, que já não é bem recebido pelo gerente, ainda falava de apicultura... Não tinha a menor possibilidade”. Relembra Tadeu os primeiros anos como apicultor em uma época quando os empréstimos bancários só eram feitos com quantias muito altas. “Você não conseguia um empréstimo pequeno. Eu vim conseguir o primeiro empréstimo no último ano da administração do FHC [Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de 4

“Mel... eu quero mel Quero mel de toda flor. Da margarida sempre viva, viva. Gira, gira, girassol. Se te dou mel pode pintar perigo e logo aqui, no meu quintal. Cuidado, pode pintar formiga, viu?” O primeiro passo para quem deseja criar abelhas é investir em sua própria formação. “Em primeiro lugar, precisa fazer um curso com os kits básicos para que se tenha noção do que está fazendo e para que você não venha ter prejuízo. Eu não aconselho ninguém ir criar abelha sem ter passado por uma formação por pequena que seja.”, diz Tadeu que


Conhecer para cuidar “Mel... eu quero mel. Quero mel de toda flor. Da rosa, rosa, rosa amarela encarnada, branca como cravo, lírio e jasmim. Eu quero mel pra mim”

f seu primeiro curso sobre fez b apicultura l em 1986. 6 O curso é necessário para se aprender a manusear a abelha, considerada um inseto agressivo. “Ela não é tão agressiva depois que você conhece. Esse espanto que as pessoas têm de abelha é por falta de conhecimento”, completa. Adquirir caixa padronizada e cera para montar casas que viram verdadeiras iscas para enxames migratórios é o passo seguinte. “A abelha sai pra passear e encontra uma caixa com cheiro de cera que você ajeitou. Se não tem inseto, aranha, nem barata. Você passou um marmeleiro, uma cidreira pra ficar com cheiro agradável. Então é comum que a abelha volte e vá buscar o enxame”. Para Tadeu essa é a melhor forma de capturar abelhas. “Você pode colocar um ferormônio [substância segregada especialmente por insetos que serve de comunicação entre indivíduos da mesma espécie], mas eu não acredito que precise. Nunca usei e sempre peguei enxame na época das migrações”, diz. A caixa padronizada custa entre 70 e 100 reais e há, também, o custo com a cera. “Para montar uma colméia, a pessoa gasta em torno de 100, 120 reais”, avalia Tadeu. A quantidade de caixas em um apiário para iniciantes deve seguir a capacidade de produção. “Pode ser de 10 até 15 colméias, mas ele tendo local e tempo disponível. Porque o primeiro e segundo ano seria um pouco de colheita, um pouco de mel e muito de aprendizagem”, completa. Outra forma interessante de começar é com uma Casa do Mel coletiva. “Juntar um grupo que está trabalhando com abelha porque aí o grupo compra a Casa do Mel e cada um pode começar com 10 colméias ou até menos”, diz Tadeu. A Casa do Mel tem lugar de destaque no apiário porque é lá que se beneficia o mel. Os cuidados com a higiene começam na construção. O piso tem que ser fácil de limpar (há preferência por azulejos); a casa deve ser totalmente forrada para evitar a entrada de insetos como as formigas. “Depois que colhe, tem que centrifugar. Aí vai ter que ter decantador inox e local higiênico para fazer o trabalho”, explica Tadeu que diz ter “uma Casa do Mel pequena, mas com bom piso, forrada e bem cuidada”. O material básico para o beneficiamento é a centrífuga, decantador inox, mesa, garfo, máscaras, luvas e toca. São esses equipamentos que elevam o custo inicial na montagem do apiário.

O manejo de um apiário requer da apicultora e do apicultor um olhar atento e freqüente às colméias. “Eu faço uma visita ao apiário e vejo se a abelha está com dificuldade de voar, se a casa tá limpa. O brilho dela, a rapidez com que ela voa”, diz Tadeu que prefere manter as caixas fechadas e acompanhar a produção, interferindo o mínimo possível no andamento natural da colméia. “Eu tento compreender a abelha. Posso passar um ano sem abrir uma colméia ou abrir mais vezes se eu perceber que a minha interferência vai ajudar”, completa. Manter as caixas lacradas evita a exposição das abelhas a vírus, fungos, lagartixas e outros animais que podem atacar a colméia. A abelha mais comum na região é a mestiça, fruto principalmente do cruzamento da abelha africanizada, que é menor e mais escura, com a abelha italiana que é maior e amarelada. De acordo com Tadeu, a abelha africana é mais agressiva, mas trabalha bastante. Enquanto a italiana é uma abelha mais dócil, mas menos trabalhadeira. “Nós temos o meio termo, nem tão agressivas, nem tão trabalhadoras. Essa abelha mestiça consegue dar uma média de mel na colheita muito boa”, diz Tadeu. “Essa regra não é prego batido de ponta virada não. Ela tem exceções, mas numa primeira vista há essas diferenças”, diz Tadeu, chamando atenção para a grande diversidade da espécie.

A produção do mel é relativa porque depende dos períodos de florada que nessa região é geralmente entre maio e junho. Mas, com um enxame forte, em tempo de produção, pode-se ter mel em até um mês depois do apiário pronto. “O pico da florada que é o pico de produção é um período curto. Como a gente já destruiu quase tudo de natureza, a gente não consegue ter mais produção de mel na época de algumas floradas como da aroeira, do juazeiro... A destruição foi grande demais e você não consegue”, lamenta Tadeu. “Aí sim, a minha interferência pra abelha produzir mais tempo é plantar árvore, é preservar. É não criar boi, ovelha dentro do meu lote pra eu poder ter flores”, ensina. 5


“Mel... você quer mel?” A maior parte da produção do apiário Lar da Rainha é vendida no comércio local, mas há também a venda em eventos promovidos por organizações sociais e a freguesia fiel que compra direto com o produtor. “Eles ligam pra mim e compram até uma caixa”, diz Tadeu. Quando chega às mercearias e supermercados de Quixadá, o mel do apiário de Tadeu ganha lacre e o rótulo “Lá da Rainha”. Uma jogada publicitária com o nome do apiário. “Eu penso em qualidade, mas eu também penso na segurança e no meu negócio. O que chega pro comércio vai em vasilhame com lacre que é pra, exatamente, não haver nenhum problema”, completa Tadeu. A preocupação é justificada por um passado não muito distante quando era comum a prática de adulterar o mel, misturando açúcar e outros produtos para aumentar a quantidade e o peso. “As pessoas enganavam mesmo o cliente com misturas. Mas, eu procuro levar para o meu cliente o melhor de mim. Eu procuro conversar com ele e falar sobre o mel”, diz. O diálogo que Tadeu trava com sua clientela, além de criar laços de confiança, ajuda a divulgar informações sobre o mel. “A falta de conhecimento do consumidor faz com que ele olhe e ache que o mel tem alguma mistura, mesmo com a pessoa vendendo mel de qualidade”, explica ele que também é ADAE, agente de agricultura ecológica do CEPEMA. A informação é importante porque não conhecer o produto pode prejudicar as vendas. Um caso muito simples é a desconfiança que se tem quando o mel cristaliza. “O mel que cristaliza sempre é um mel de boa qualidade e o consumidor acha que é porque tem açúcar, mas muito pelo contrário. Se houve a cristalização é porque o mel tinha um teor X de açúcar e de glicose, mas das flores e foi isso que fez esse mel cristalizar e não porque alguém adicionou alguma

mistura”, ensina Tadeu. “Todo mel cristaliza, vai depender da temperatura e de vários fatores que fazem o mel cristalizar. E muito consumidor não sabe disso”, enfatiza. Outra preocupação de Tadeu são os cuidados com a higiene. “Tem que ter as noções básicas de higiene. Cuidar da qualidade, usar tambores só pro mel; ter um decantador inox, trabalhar com luvas, máscaras, toca e num local bastante higiênico como deve ser a Casa do Mel. Tudo pra não ter problema com contaminação”, lembra. E para garantir sua autonomia no mercado, Tadeu tem mais uma regra. “Eu não vendo todo o mel pra um só negociante, um atravessador. Se eu faço isso eu não vou ter mais meu rótulo no mercantil. Eu vou vendendo à medida que vão querendo”, diz. Segundo ele, o mel se bem conservado, pode durar até dois anos. Então, “vem me dar um mel que eu quero me lambuzar. Mel... eu quero mel...”.

Tadeu com uma colméia do seu apiário Lar da Rainha.

APICULTURA: ECOLOGIA E GERAÇÃO DE RENDA “Mel. Quero mel de toda flor... Da assussena, violeta, flor de lis, flor de lótus, flor de cactos, flor do pé de buriti. Dália, papoula, crisântemo. Sonho maneiro, sereno, fulô do mandacaru. Fulô do marmeleiro, fulô de catingueira, fulô de laranjeira, fulô de jatobá. Das imburanas, baraúnas, pé de cana, xiquexique, mel da cana, cana do canavial...” 6

Tadeu Barros Silveira.


Cerca viva na área de SAF - lote de Tadeu Barros na Fazenda Nova, distrito de Tapuiará - Quixadá/CE.

“Eu vou preservando a natureza e a abelha vai fazendo a parte dela”. A simplicidade com que Tadeu resume sua lida como apicultor expressa sua compreensão da importância do equilíbrio entre o trabalho humano e o meio ambiente, já presente em seu cotidiano. “A gente aprende a viver, a trabalhar a natureza. Com o debate e a experiência, a gente abre a mente e aparecem novos horizontes”. É com esse espírito que Tadeu cuida de um lote, com 12 hectares, da Fazenda Nova em Tapuiará, distrito de Quixadá. Na área, herança de família, duas práticas predominam. Apicultura, a principal fonte de renda de Tadeu e a agrofloreta, principal fonte de vida de todo o sítio.

com mais força. Então, muitas vezes é a natureza se manifestando pra fazer o trabalho dela e a gente que muitas vezes não compreende, chama de praga e termina interferindo com inseticida. Aí, a gente vai matando tudo que a natureza estava tentando nos dar. Eu nem acho mais que esses insetos sejam praga. Já não faço isso”, conclui Tadeu.

É, nas caminhadas diárias, o momento em que Tadeu faz as podas seletivas. “Eu vou passando e selecionando aquelas árvores. No meu dia-a-dia eu faço muito isso, conduzo, ajeito uma planta que pendeu”, conta. Uma outra característica do manejo agroflorestal é retirar animais de médio e grande porte da área. “A melhor coisa que eu fiz com relação à recuperação da floresta foi ter tirado os animais de certas áreas porque num pro“A gente cesso natural as plantas sobrevivem melhor. tira os animais que eliminam as plantas trabalha de Você ainda pequenas, ainda bebês, aí elas resistem melhor”. Seguir o ritmo da natureza parece forma pra ser a principal estratégia de quem lida não matar...” mesmo com agrofloresta.

Tadeu vem reflorestando os 12 hectares do sítio onde mantém seu apiário. Em uma área específica, desenvolve a experiência de consorciar, em um sistema agroflorestal, o plantio de milho, arroz, gergelim, feijão e outras leguminosas, com o de plantas nativas e fruteiras. Essa experiência é acompanhada pela assessoria técnica da Fundação CEPEMA em visitas periódicas. “A gente trabalha de forma pra não matar... Se for uma cultura de feijão e milho a gente procura pulverizar com um defensivo feito naturalmente de nim ou do alho. Pelo menos aqui no meu terreno eu não uso mais inseticida de jeito nenhum e nem queimada”, diz.

“Eu não procuro controlar muito porque eu acredito que a natureza tem seu ciclo. É normal terem pragas no sentido que a gente fala. Esses insetos que a gente chama de praga podam uma planta de um jeito que a gente jamais iria podar... Eu já observo que muitas vezes, depois que os insetos têm feito uma poda muito drástica, elas rebrotam

Para Tadeu, a preocupação com a degradação ambiental é o principal motivo que ele tem para desenvolver esse trabalho. “O homem acha que é dono de si e que tudo que existe na natureza é voltado pra ele. Ele precisa entender que a natureza é um todo e que ele é parte da natureza, como os animais que estão ali também são. Mas, ele quer que tudo gire em torno de si. Eu procuro me desligar dessa cultura e tento ser mais um da natureza, trabalhando em harmonia”. Tadeu nos ensina ainda a ter paciência nesse longo trabalho para recuperar a vida. “Como tudo está muito destruído, eu preciso dar tempo para que essas plantas que eu estou replantando possam crescer”, conclui. 7


AGENTE DE AGRICULTURA ECOLÓGICA:

A TERRA TRABALHADA POR OUTROS OLHOS E MÃOS A natureza ganhou uma forte aliada em sua defesa. Uma juventude nascida no seio da agricultura familiar do interior cearense e que vem se tornando Agentes de Agricultura Ecológica, ADAEs.

H

á quatorze anos, a Fundação CEPEMA forma ADAEs em cursos com duração entre 400, 640 e até 1.200 horas, divididas em módulos que tratam de assuntos como ecologia, agrofloresta, economia e educação popular. “A gente aprende um pouco de tudo. Não só sobre a natureza, mas também com relação aos problemas sociais”, diz Zacarias Rocha Araújo, 23 anos, morador da comunidade Lagoa do Carnaubal em Viçosa do Ceará na Serra da Ibiapaba e participante do curso de ADAE, ministrado no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, STTR de Viçosa do Ceará, no começo de 2007. Com a média de 30 participantes por turma, a formação tem momentos de aula teórica e de prática nas aulas de campo, feitas geralmente em áreas onde o sistema agroflorestal já foi implantado, e estágio de 200 horas supervisionado pelo CEPEMA. “A gente sai pra fazer broca, capina seletiva. Numa área de mata vai fazendo as clareiras, mas não desmatando como se faz na agricultura convencional”, explica José Kildary Pimenta do Carmo, 24 anos, morador de Alto Lindo, distrito de Ibiapina na Serra da Ibiapaba, e também participante do curso de ADAE, ministrado no STTR de Viçosa do Ceará. A participação nos cursos é articulada com o apoio dos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais e de associações comunitárias de cada região ou nas visitas de assessoria técnica da Fundação CEPEMA. É feita uma seleção, através de uma entrevista quando a equipe do CE PEMA traça um perfil dos aspirantes a ADAE, levando em consideração o interesse e o contato com a agricultura dessa moçada. Nesse primeiro momento, os objetivos, metodolo8

gias carga cargga horária, horáriaa gias, como também as parcerias para a realização da formação são apresentadas. O tema principal da formação de Agentes de Agricultura Ecológica, grroofl floresta, umaa forma de de agricultura agriculturra ag os/as ADAEs, é a agrofl que tem como princípio o respeito ao meio ambiente. “A importância da agrofloresta é resgatar o que a gente já destruiu”, diz Cristiane Sousa, 24 anos, moradora do Sítio do Meio em São Benedito, Serra da Ibiapaba, e participante do curso de ADAE no STTR de Viçosa do Ceará. “Eu aprendi o manejo da terra, como devo cuidar e respeitar as plantas e conviver mais com a natureza”, completa. “A gente está aqui para aprender como cuidar do meio ambiente. A idéia é reflorestar, colocar outras plantas e evoluir”. Antônia Marta Paulino da Silva, de Umarizeiro, distrito de Cipó dos Anjos em Quixadá, reforça o objetivo do curso de que participa em Quixadá. “A gente discute desde o alimento que a gente planta usando veneno até o lixo que jogamos fora sem reciclar”, diz ela que é também tesoureira


da Associação Comunitária dos Pequenos Agricultores de Umarizeiro. Motivado pelas discussões, Zacarias é só elogios à formação. “O curso é excelente e a participação de todo mundo é muito boa”. Essa também é a opinião de Sheila Maria Gonçalves da Silva, pedagoga responsável pelos dois módulos sobre educação popular do curso de Quixadá. “Eles chegam com sede de conhecimentos e dispostos a aprender. Estamos aqui trocando conhecimentos porque ao passo que a gente ensina, a gente aprende”, diz Sheila que usa uma metodologia inspirada na concepção pedagógica de Paulo Freire. Incluir módulos sobre educação nos cursos de ADAE parte da compreensão da Fundação CEPEMA de que para trabalhar o meio ambiente é preciso uma visão universal de todos os aspectos da vida. “A gente não pode pensar a natureza sem o ser humano. Esse homem, essa mulher estão dentro de um contexto. É preciso pensar o meio ambiente em conjunto com o ser humano”, diz Sheila. No curso, discutir educação popular é importante também por causa da proposta de transformar os ADAEs em multiplicadores da idéia de se trabalhar a agricultura preservando o meio ambiente.

“Meu contato com a agricultura é desde sempre. Eu já nasci dentro da agricultura. Meu pai é agricultor, a minha mãe e toda a família. Mas, o conhecimento dele [pai] era outro e com esse curso já mudou algumas coisas. A gente tenta fazer essa mudança lá em casa”, completa Inês Maria Sousa do Nascimento, 20 anos, moradora do Sítio Buíra em Viçosa do Ceará e também participante do curso de ADAE no STTR de Viçosa. Ela e a família já trabalham com agrofloresta. “A gente planta de tudo, de árvores frutíferas, leguminosas até as plantas do futuro”, diz. “Eu nasci e me criei e estou trabalhando até hoje na agricultura, sempre acompanhando o trabalho do meu pai. Só que a gente só trabalhava com agricultura convencional, mas agora estamos abrindo essa área da agrofloresta”, conta Kildary. A forma de a família de Kildary trabalhar a terra (com desmatamento, queimadas, monocultura, uso de agrotóxicos...) não é exceção, na verdade, esse é o modelo mais comum. Essa juventude de ADAE aprende desde cedo que vai enfrentar certa resistência no trabalho de convencer agricultoras e agriag cultores a conhecer cu e trabalhar com o sistema agrofloressi tal. ta

A primeira tentativa em divulgar o que se aprende no curso é em casa. A turma é incentivada a conversar com seus Mas, como diz M pais sobre a idéia de experimentar o sistema agroflorestal Cristiane, eles estão C em alguma área da família. “Eu nasci agricultor, como toda se preparando pra a minha família. Mas, com o curso, eu vou trazer novas isso. “Quando eu is formas de trabacomeçar a divulgar co lhar a agricultuo que eu aprendi, ra para inovar a essas técnicas que es agricultura do eu achava que eram Curso de ADAE em Quixadá/2007. meu pai e do novas, mas que, na meu avô”. É a verdade, são antigas, muita gente não vai aceitar e vai v e expectativa de demorar um pouco. Mas, mesmo sabendo disso eu estou de Ângelo de Souquerendo fazer isso com certeza”, diz ela. Para Ângelo, a qu sa que mora em melhor forma de divulgar a agrofloresta é o diálogo para m Dom Maurício, Quixadá no Sera troca de saberes. “Essa troca de conhecimento pode tão Central, tem acontecer numa roda de conversa, na roça mesmo com ac 20 anos e parti- Cristiane Sousa, 24 anos, aluna do curso de ADAE, a gente trabalhando e conversando. E, claro, eu comecipa do curso de turma de Viçosa do Ceará/2007. çando a minha experiência pra mostrar na prática como ADAE iniciado este ano em Quixadá. seria...”, diz. A idéia é trocar experiências, apresentando na prática Mais do que ser exemplo, ter seu próprio sistema agroum outro modo de fazer agricultura, o manejo agoflorestal, florestal dá a cada ADAE a noção das dificuldades que pospara servir de referência. “Eu espero multiplicar essas idéias sam vir. “Quando eu comecei, a terra estava desgastada e com o exemplo que estou fazendo na minha área. Porque o não teve muita chuva, aí nasceu, mas não se desenvolveu”, exemplo vale mais que mil palavras, não adianta só falar se não tem modelo pra apresentar”, fala Zacarias. Ele come- lembra Zacarias os primeiros problemas que teve. “Mas, çou a trabalhar com sua vizinha, Dona Terezinha, que tem não vou desanimar. Tem outra área que eu quero fazer uma uma pequena área com agrofloresta na comunidade Lagoa broca seletiva e continuar o trabalho. O modelo de agrodo Carnaubal em Viçosa do Ceará, mas hoje já iniciou seu floresta é isso. No primeiro ano não dá muito certo porque próprio sistema, plantando milho, feijão e algumas espécies a terra tá muito degradada. A partir do segundo, aquela matéria começa a se decompor e no próximo ano começa a adubadoras. dar e prosperar”, ensina ele. 9


Como a maioria vem da agricultura convencional, são respeitadas as dinâmicas de cada família. O tamanho da área, as plantas cultivadas e o manejo seguem ritmos de acordo com as realidades e demandas de cada local. “A gente está procurando culturas que usem menos adubos químicos”, Kildary fala de sua estratégia para implantar aos poucos o sistema em casa. “Pra mudar em casa vem todo um histórico de vida... Então daqui pra frente eu vou procurar fazer o que venho aprendendo. Não é mudar de uma vez, é mudar aos poucos, usando menos defensivos agrícolas, procurando outros cultivos, pensando no futuro”, diz. Mas, uma coisa é certa. Essa moçada já percebeu que a agricultura convencional não é a melhor maneira de trabalhar a terra. “O curso é bom porque está abrindo novos horizontes pra gente. A agricultura convencional já está dando muito prejuízo. A gente vai ter que mudar. Ela não compensa mais e a gente tá vendo que o caminho é a volta para agrofloresta”, diz. Esse curso vem gerando mesmo muitas

expectativas. “Eu espero que eu saia daqui com mais informações que eu possa repassar pra mais pessoas que eu possa levar tudo que eu aprendi aqui e que eu possa ajudar as pessoas a mudar o pensamento sobre o que é agricultura”. Outra vantagem do curso de ADAE é o certificado para quem o conclui, pois a maioria são jovens que terminaram o ensino médio e que não continuaram os estudos. “É muito difícil pra gente que não tem uma renda mais alta estudar depois do ensino médio”, avalia Inês. “O curso ajuda a abrir nossa mente sobre o meio ambiente. Além disso, o certificado pode abrir outras portas de trabalho”, diz Maria de Fátima de Lima Costa, da comunidade de Valença I em Banabuiú, agricultora de 27 anos, casada e mãe de três filhos, que terminou o ensino médio e participa do curso este ano em Quixadá. Fátima tem razão, o curso de ADAE habilita esses jovens a acessar as linhas de crédito do PRONAF que exige formação e acompanhamento para os projetos do PRONAF-JOVEM.

AGENTE DE AGRICULTURA ECOLÓGICA:

UMA IDÉIA QUE DEU CERTO Há 17 anos a Fundação CEPEMA trabalha em prol do desenvolvimento sustentável, com base no fortalecimento da agricultura familiar e na preocupação com a preservação ambiental. Para isso, apostou na prática da agrofloresta como estratégia de desenvolvimento. O trabalho realizado por agentes de agricultura ecológica, ADAE, é peça chave nesse processo de divulgação e implantação de sistemas agroflorestais junto a agricultores e agricultoras cearenses. Hoje, no quadro técnico da Fundação, é constante a presença de ADAEs (hoje, 13 trabalham na Fundação) que, coordenados por um agrônomo responsável, prestam acompanhamento técnico a pequenos produtores e produtoras

das regiões do Maciço de Baturité, Serra da Meruoca, Serra da Ibiapaba e Sertão Central. Dentre as atividades de assessoria estão: realização de reuniões, cursos de manejo agroflorestal, dias de campo e visitas às áreas onde estão sendo implantados sistemas agroflorestais. As podas de condução, capina seletiva, coleta de sementes e plantio são algumas das técnicas trabalhadas no manejo agroflorestal. O contato com elas acontece tanto nos cursos, nas visitas de acompanhamento, como nos dias de campo. “No dia de campo, primeiro há os informes onde é dito o que cada um tá fazendo e o que se pensa em fazer durante o ano. Depois, vamos na área de algum deles e lá fazemos uma atividade prática de manejo agroflorestal”, explica Marcos Arruda, ADAE da Fundação CEPEMA. Socializar o que está sendo feito é importante para integrar o grupo que desenvolve, de forma individual, experiências de agrofloresta. “Eles vêem que por mais espalhados que estejam, existe a possibilidade de estar unido. Aí começam a pensar: ah, rapaz tem gente fazendo coisa parecida. A gente não diz, eles que começam a perceber e isso é importante. Essa unidade é um avanço”, diz Marcos. A parte prática é uma forma de o grupo trocar conhecimentos e se motivar a fazer o mesmo em suas áreas.

Messias e Fábio ADAEs do CEPEMA em visita ao SAF de Dona Terezinha - Lagoa do Carnaubal/Viçosa do Ceará.

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Formado na primeira turma de ADAE de Guaramiranga, Maciço de Baturité, em 1996, Marcos trabalha com agrofloresta desde então. Ao longo dos anos, prestou serviço ao CEPEMA e a outras instituições, chegando a ser secre-


tário de agricultura de Mulungu, outra cidade do Maciço, entre 2002 e 2004. Desde 2005, trabalha pelo CEPEMA no acompanhamento de famílias de pequenos agricultores de Mulungu, Baturité, Guaramiranga, Pacoti, Palmácia, Aratuba e Redenção, todas na região do Maciço de Baturité. “Quem faz o curso nunca mais é o mesmo porque o entendimento sobre a natureza muda. Você percebe que está tudo errado na forma da agricultura tradicional”. Essa é a principal lição que Marcos guardou de sua formação como ADAE. Outro veterano é o Francisco Messias Teodócio de Sousa, também da turma de 1996. Membro da equipe do CEPEMA, sua atuação é na Serra da Ibiapaba nos municípios de Viçosa do Ceará, Tianguá, Ibiapina, São Benedito e Ubajara e também em Meruoca, Massapê e Alcântaras na Serra de Meruoca. “Esse curso mudou minha vida, porque eu tive acesso às informações e às tecnologias de manejo agroflorestal e hoje trabalho com isso. É bom poder colocar no campo tudo aquilo que a gente aprendeu, sem falar que tem essa troca de experiência entre ADAEs e agricultores”, diz Messias. Dentre as atividades que acompanha, estão as visitas técnicas, articulação de novos cursos de ADAEs e assessoria na elaboração de projetos para o acesso às linhas de crédito do PRONAF. Formado em 2005, José Ivan Praciano é um dos ADAEs que acompanha as famílias na Serra da Meruoca. Ivan diz que o curso de ADAE trouxe noções diferentes de como trabalhar a terra, respeitando o meio ambiente. Essa é a grande diferença entre a agrofloresta e agricultura convencional usada pela maioria dos pequenos agricultores e agricultoras. Por serem manejos muito distintos, a abordagem para divulgar o sistema agroflorestal precisa de certa atenção. “A gente vai na casa do agricultor, apresenta o CE PEMA e marca reuniões. Nas reuniões, a gente apresenta a proposta pros agricultores e os que se interessam a gente visita uma segunda vez, depois faz o cadastro e a partir daí ele entra no projeto e começa a receber as visitas periódi-

Dona Irene recebe Danilo e Marcos (CEPEMA) na sua área de SAF Sítio Monte Rei/Guaramiranga.

cas”, explica Francisco Fábio Costa Martins, ADAE desde 1996 e que atua nas regiões da Ibiapaba e Meruoca. “É um namoro, uma conquista desses agricultores que só vêm trabalhando tradicionalmente”, completa Marcos. “Nossa relação é muito boa e a gente fala praticamente os mesmos termos aí não tem dificuldade”, diz Ivan sobre a metodologia do CEPEMA que procura falar no linguajar do agricultor. Essas preocupações são discutidas nas formações de ADAEs, mas é no dia-a-dia de assessoria técnica que elas se concretizam. “Sair do manejo monocultivo, de culturas anuais e introduzir a agrofloresta é uma radicalização que o agricultor faz. Mas, com as experiências que a gente tem é uma coisa muito boa”, diz Fábio. Apesar das dificuldades, há uma convicção, entre os ADAEs, de estarem no caminho certo. “Tenho certeza que o manejo agroflorestal será a agricultura do futuro porque a agricultura convencional, de monocultura, não está dando mais certo. Hoje não se produz mais como se produzia antes. O manejo agroflorestal é diferente, porque além de produzir, gerar economia dentro da família contribui para a biodiversidade da fauna e da flora”, conclui Messias.

Pra falar com a gente Escritório de Fortaleza Rua Crateús, 1250 - Parquelância Fortaleza-Ceará Cep.: 60.455-780 - Fone: 3223-8005 cepema@attglobal.net www.fundacaocepema.org.br Pólo do Sertão Central Rua Basílio Pinto, 362, Centro Quixadá-Ceará Cep.: 63.900-000 cepema@attglobal.net

Pólo do Maciço de Baturité Rua: Padre Benedito 316, AP 316 A Centro Mulungu-Ceará Cep.: 62.764-000 cepema@attglobal.net Pólo da Serra de Ibiapaba Rua: Salustiano de Pinho, s/n, Centro Viçosa do Ceará-CE Cep.: 62.300-000 cepema@attglobal.net

Os Programas da Fundação CEPEMA são financiados por: Governo Federal - Ministério do Meio Ambiente/Fundo Nacional do Meio Ambiente/PDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Educação e Ministério da Cultura; e Terra do Futuro/UBV - Suécia.

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PARCERIAS EM PROL DA

AGROFLORESTA Poder Público Em Quixadá, o trabalho com sistemas agroflorestais para o desenvolvimento da agricultura familiar conta com um aliado importante: o poder público municipal. Prefeitura, Secretaria de Agricultura e a Câmara dos Vereadores assumiram a responsabilidade de ser parceiras da Fundação CEPEMA na divulgação da agrofloresta. Atualmente, a Prefeitura de Quixadá faz parte da Rede de Discussão do projeto “Assistência Técnica e Consórcio Agroecológico da Cadeia Produtiva do Caju para Agricultores e Agricultoras Familiares do Sertão Central-Ceará”, financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e

desenvolvido pelo CEPEMA. Além de contribuir na mobilização, a Prefeitura apóia alguns aspectos da infraestrutura (como a sede do projeto cujo espaço foi cedido). Essa parceria é o exemplo de que sociedade civil e governo podem sim andar juntas, trilhando o mesmo caminho em prol de um desenvolvimento sustentável, humano e solidário. Prefeitura Municipal de Quixadá: Rua Tabelião Enéas, 649 - Centro - Quixadá/CE Cep.: 63.900-000 - Fone: (88)3412.3864 E-mail: prefeitura@quixada.ce.gov.br - www.quixada.ce.gov.br

Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Ao longo de sua caminhada a Fundação CEPEMA encontrou importantes parceiros no trabalho de fortalecer a agricultura familiar, através da prática do manejo agroflorestal. Dentre as parcerias, os sindicatos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais são apoios fundamentais na articulação e mobilização da agricultora e do agricultor para conhecerem e participarem dos cursos e projetos da Fundação em prol da agrofloresta. Por todas as regiões onde trabalha o CEPEMA encontrou nessa face do movimento sindical um braço direi-

Viçosa do Ceará A formação de Agente de Agricultura Ecológica, ADAE, promovida pela Fundação CEPEMA na região da Ibiapaba conta com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará. O STTR, além de ajudar na mobilização e articulação da juventude, empresta sua sede para a realização das aulas. Para Regilene Maria Costa Silva, 24 anos, secretária geral do Sindicato, o curso de ADAE é importante porque ajudará na mobilização. “Não vai ser só o sindicato falando que agrofloresta dá certo, mas todo um conjunto de pessoas, principalmente a juventude que vai acreditar e realizar essa nova forma de agricultura”. Regilene diz ainda que o sistema agroflorestal é uma idéia nova, mas que já vem sendo experimentada. “A agrofloresta é uma agricultura nova porque todos os agricultores estão adaptados à agricultura convencional de desmatar e queimar. Aqui no sindicato, temos três membros da diretoria já experimentando a agrofloresta”, completa.

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to. São nossos parceiros: os STTRs de Aratuba, Baturité, Guaramiranga, Mulungu, Pacoti, Palmácia e Redenção na região do Maciço de Baturité; os STTRs de Ibiapina, São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará na Serra da Ibiapaba; os STTRs de Alcântaras, Coreaú, Massapê e Meruoca na região da Serra da Meruoca; e os STTRs de Banabuiú, Canindé, Choró, Ibaretama, Irauçuba e Quixadá no Sertão Central cearense. Nosso muito obrigado!

Antônio José Sousa de Moraes, 28 anos, vice-presidente do STTR, trabalha com agrofloresta. Ele diz que a expectativa de bons resultados no curso e na parceria com a Fundação CEPEMA é boa. “Começamos o namoro com o CEPEMA e hoje a gente realiza o primeiro curso de ADAE no sindicato e já estamos pensando no próximo”, diz. Além de despertar a consciência, essa juventude de ADAEs terá mais condições para acessar as linhas de crédito do governo. “Esse jovem participando, tendo uma conscientização do que é agrofloresta e agroecologia poderá também acessar o PRONAFJOVEM que hoje poucos acessam”, espera Regilene. O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará, fundado em 29 de setembro de 1969, tem atualmente, cerca de seis mil filiados. Sua diretoria é formada por 20 pessoas e o sindicato é filiado à Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Ceará, FETRAECE, e à Central Única dos Trabalhadores, CUT. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará - Rua Lamartini Nogueira, 393 - Viçosa do Ceará, Cep. 62.300-000


Quixadá Outro parceiro importante na articulação para a formação das turmas de ADAE é o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Quixadá, STTR. A gente conversa com Eronilton Buriti, presidente do STTR de Quixadá e ADAE, formado pelo CEPEMA. O STTR de Quixadá foi fundado em 3 de agosto de 1963. Hoje são cerca de 6,5 mil filiados. A diretoria é formada por oito pessoas e mais seis do conselho fiscal. Há ainda 36 coordenações sindicais que atuam em diversas localidades do município. CEPEMA: Quais as principais linhas de ação do Sindicato de Quixadá? Eronilton: Nós nos preocupamos em deixar o sindicato mais voltado para a agricultura familiar para desenvolver um modelo de produção. Nós entendemos que o sindicato precisa desenvolver políticas de segurança alimentar que vai da produção ao mercado. Se preocupar com o desenvolvimento auto-sustentável para que as famílias tenham condições de sobreviver do campo. Nossa linha de atuação está basicamente direcionada para isso. Claro que prestamos também as outras políticas de assistência, como a previdência social que é importante porque o agricultor precisa desse recurso, mas é uma política de assistência. A linha do sindicato está focada na agricultura familiar. CEPEMA: Quais são as principais parcerias do Sindicato?

na recuperação de solos, de preservação ambiental, de conscientização do trabalhador para uma agricultura muito mais sustentável. São as duas parceiras que nós temos nesse campo daa agricultura familiar.

ria das vezes, transformar as pessoas porque elas já estão aclimatadas a um modelo velho e muito perverso. Você chegar pro agricultor V que costuma passar o trator na terra, destruir todas as árvores que estão dentro da sua área, deixar limpa como se fosse um terreiro e dizer que agora ele vai ter que replantar sua área, encher de plantas junto com isso você vai ter que plantar tuas culturas, aí não vai dar pra passar o trator, o cultivador... Você chegar pro agricultor e dizer isso, muitas vezes, você causa um conflito. É como se fosse um embate que você está tendo com ele.

“O sindicato precisa desenvolver políticas de segurança alimentar que vai da produção ao mercado.”

CEPEMA: Como é a parceria com a Fundação CEPEMA? Eronilton: A parceria com o CEPEMA começou em 2004 quando fizemos um planejamento e começamos a executar em 2005. Esse planejamento foi feito com Quixadá, Banabuiú, Choró, Ibaretama e Canindé, numa atuação muito mais regional que visa toda uma sensibilização dessa região para a discussão mais qualificada do modelo de produção agrícola. O sindicato é responsável por organizar, politizar os trabalhadores para as atividades e eventos e o CEPEMA é responsável para repassar os conteúdos dessa sensibilização.

Eronilton Buriti, presidente do STTR de Quixadá.

CEPEMA: Um dos carros chefes da Fundação CEPEMA é o trabalho com agrofloresta. Como você avalia a implantação de sistemas agroflorestais no Sertão Central?

Eronilton: Nós trabalhamos com o Esplar desde Eronilton: O modelo de “Trabalhar 2003, discutindo e improdução tido nessa região é agrofl oresta no plementando viveiro de de uma forma muito agressemi-árido é um siva; se faz qualquer coisa consórcio agroecológico – algodão, milho, feijão, desafio muito alto, para seguir a produtividade, gergelim e demais culturas no entanto não é mas sem se preocupar com que possam ser plantadas o impacto disso. Trabalhar impossível.” todas juntas. E trabalhaa agrofloresta, dentro dessa mos com a Fundação CEPEMA de- concepção é uma coisa muito dificultosenvolvendo um trabalho muito mais sa. Você vai ter que, inclusive na maio-

CEPEMA: E vale a pena insistir com a agrofloresta? Eronilton: Trabalhar agrofloresta no semi-árido é um desafio muito alto, no entanto não é impossível. É um desafio porque você precisa transformar as pessoas, mas vamos chegando a um estágio que as pessoas não têm mais pra onde correr. Em Quixadá, por exemplo, o uso inadequado das matas nos últimos 15 anos tem causado uma alta degradação ambiental. As terras não estão mais produzindo nem sequer 50% do que elas produziam. Antes era assim, se a minha área não estava mais produzindo então eu aumentava a minha área aí a produtividade aumentava, mas não porque a produção tenha melhorado, mas sim por ter aumentado o tamanho da área plantada. Todo ano o agricultor ia aumentando a sua área, só que nós chegamos num estágio que quanto mais se aumenta a área, maior é a despesa e agora também é menor a produtividade porque o solo não está mais agüentando. Aí não tem mais como discutir produção e agricultura familiar sem estar ligado à conscientização. Falar de agrofloresta no semi-árido é um grande desafio, mas temos um fator que nos ajuda que é o grande prejuízo, o grande desgaste ambiental que já está inclusive fazendo o agricultor repensar suas ações. 13


GERAÇÃO DE RENDA E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL, AGROFLORESTA ÀS MARGENS DO SITIÁ Sítio Santa Clotilde na comunidade Cedro Novo, município de Quixadá, Ceará. Um dos caminhos por onde passa o rio Sitiá e onde moram José Aroldo Martins e sua família... Na pequena propriedade, Seu Aroldo iniciou esse ano um sistema agroflorestal (SAF), introduzindo espécies agrícolas e de recuperação de solo, consorciadas com espécies nativas já existentes. A recuperação do solo é feita juntamente com a introdução de espécies agrícolas que servirão para a economia da família e outras que vão recuperar o solo, como adição de matéria orgânica, fixação e reciclagem de nutrientes. Tudo começou depois de um Encontro de Avaliação da Fundação CE PEMA. Em parceria com o Instituto de Convivência com o Semi-Árido e com a consultoria do Agrônomo Jorge Luiz Vivan, estudioso dos sistemas agrofolorestais, a Fundação aplicou os Indicadores de Sustentabilidade em Sistemas Agroflorestais e iniciou um plantio consorciado denso no meio

de uma área com plantio de mudas. A idéia era provar que se pode recuperar uma área de mata ciliar, garantindo a produção de espécies, como feijão, milho, mamona, girassol, gergelim e plantas que vão fazer o trabalho de recuperação do solo, como feijão guandu e a mucuna, e também de plantas nativas. A experiência vem dando certo.

Seu Aroldo sentiu a primeira diferença ao ver como os efeitos da estiagem do começo do ano foram menores no seu sistema agroflorestal do que nas áreas de alguns vizinhos. De acordo com ele, os vizinhos plantaram na mesma época, mas não conseguiram obter sucesso, porque as plantas não resistiram à falta de chuva. Por estar protegida pela biodiversidade, o sistema agroflorestal fica mais resistente às intempéries da região. Para Seu Aroldo, outra vantagem do SAF é poder consumir alimentos produzidos por ele e que antes eram comprados. Seu Aroldo aponta como primeiros resultados a ótima produção de feijão. Ele já colheu mais de dez quilos da leguminosa e espera produzir ainda duas sacas de feijão de corda. A vagem, que não sofreu grandes ataques de insetos ao contrário do que aconteceu em terrenos vizinhos ao seu, desenvolveuse bem e Seu Aroldo já está colhendo feijão maduro. Ele também obteve uma boa colheita de milho, quatro sacas. Segundo Seu Aroldo, o plantio

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chama muita atenção e por ser próximo à rodovia que vai paraa o açude Cedro atraiu a atenção de ladrões que levaram duas das sacas de milho colhidas. Na área, foram também plantados, em consórcio, o gergelim, girassol, feijão guandu, mucuna, mamona, mandioca, melancia, jerimum e pepino, além do cajá. Junto com esses cultivos, estão crescendo espécies nativas, como angico, cedro e sabiá. Na área, podemos encontrar ainda: plantas arbóreas, como aroeira, juazeiro, arapiraca, carnaúba, jucá, canafístula, mofumbo; arbustivas, como velame,

barba de bode, anil; plantas trepadeiras: cipós, viúva alegre, mata fome, feijão brabo, malícia, ritirana; e herbáceas, como o bamburral, mariana, malva e beldroega. Por estar localizado na beira do rio Sitiá, o sítio é legalmente conside-

rado uma APP, Área de Proteção Permanente, e o SAF de Seu Aroldo está tornando a proteção uma realidade. É a Fundação CEPEMA que presta acompanhamento técnico na área, com o agrônomo Luis Eduardo e com recursos para o plantio de mudas e diárias de agricultor para a implantação do SAF. Com 45 anos de vida, casado e pai de seis filhos, Seu Aroldo nasceu e se criou na agricultura e considera que o lugar dele é mesmo no campo. Apesar disso, passou 17 anos longe da agricultura e somente há cinco anos retomou seu trabalho como agricultor. A natureza agradece esse retorno.

PRONAF-FLORESTA:

NOVOS INCENTIVOS AOS SISTEMAS AGROFLORESTAIS A Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, MDA, abre linha de crédito no PRONAF, chamada PRONAFFLORESTA. A Linha de Crédito de Investimento para Silvicultura e Sistemas Agroflorestais (PRONAFFLORESTA) ampara investimentos em projetos de silvicultura e sistemas agroflorestais, incluindo os custos relativos à implantação e manutenção do empreendimento.

Para Francisco Fábio Costa Martins, agente de agricultura ecológica, ADAE, da Fundação CEPEMA, é necessário ter uma boa interação entre os vários órgãos e entidades envolvidas no processo. “É preciso uma parceria mais firme, por exemplo, com a EMATERCE, sindicatos e BNB que estão envolvidos diretamente para agilizar a elaboração dos projetos do PRONAF e nós da Fundação estamos conseguindo”, diz.

Com juros de 4% ao ano a serem pagos em até 12 anos, o PRONAFFLORESTA oferece ainda bônus de adimplência de 25% na taxa de juros, para cada parcela paga até o vencimento. Os financiamentos variam de 4 até 6 mil reais, independentes dos limites definidos para outros investimentos do PRONAF. O PRONAF é um programa do MDA que apóia o desenvolvimento rural, fortalecendo a agricultura familiar.

É ainda obrigatório apresentar um projeto técnico para financiamento de investimento e receber assistência técnica para sua implantação. Além disso, as propriedades não podem ultrapassar os quatro módulos fiscais e a atividade agropecuária e não-agropecuária do beneficiário deve ser responsável por, no mínimo, 80% da renda bruta familiar anual.

O PRONAF atende, de forma individual ou coletiva, agricultores familiares, pescadores, aqüicultores e extrativistas ou organizações que se enquadram em seus critérios. Para acessar o crédito não é necessário ser dono da terra. Posseiros, arrendatários, parceiros ou meeiros também estão incluídos no programa. Mas, é necessário ter uma declaração de aptidão. A declaração de aptidão comprova a condição de agricultor familiar, pescador, aqüicultor ou extrativista. Ela é fornecida pela entidade de extensão rural pública estadual e por um sindicato, credenciados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. No Ceará, ela é dada pela EMATERCE (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará) e pelos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, STTRs.

Mesmo com essas exigências, o PRONAF é uma linha de crédito com menos burocracia se comparada a outras formas de financiamento. “O PRONAF é uma política muito interessante para a agricultura familiar porque ele desburocratiza o acesso ao crédito e não tem aqueles juros muito altos, como se tinha anteriormente”, diz Eronilton Buriti, presidente do STTR de Quixadá. Para Eronilton, é preciso manter constante a discussão sobre as linhas de crédito do programa, com vistas no desenvolvimento de uma agricultura familiar contextualizada. “É preciso avançar no questionamento não só sobre o agricultor, mas sobre as linhas que estão ligadas ao programa, para se ter uma contingência de financiamento que entre em contexto com a região”, diz. PRONAF - SAF/MDA pronaf@mda.gov.br - www.pronaf.gov.br

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SÍTIO BOM JARDIM:

DONA TEREZINHA E A NATUREZA DE MÃOS DADAS PARA RECUPERAR A VIDA

Terezinha Cândida de Sousa Araújo.

Os arredores de Viçosa do Ceará, cidade localizada na Serra da Ibiapaba no noroeste do estado cearense, abrigam uma localidade chamada Lagoa do Carnaubal que se destoa do imaginário popular da paisagem verde de uma região serrana. Uma terra seca e arenosa, popularmente conhecida como carrasco. São 36 quilômetros que separam a sede do município da comunidade e do Sítio Jardim, onde mora dona Terezinha Cândida de Sousa Araújo. Com 56 anos, casada, mãe e avó, Dona Terezinha abre as portas da sua casa para falar sobre sua vida e a experiência com o manejo agroflorestal.

“Minha mãe ia capinar e como não tinha com quem me deixar, ela me levava. Armava uma rede na roça e me botava lá, deitadinha. Aí eu ficava lá e ela ia capinando...”, relembra Dona Terezinha os seus primeiros contatos com a terra. Como na maioria das famílias do interior cearense, ela começou a trabalhar com agricultura ainda criança, ajudando seus pais. “Na agricultura convencional eu comecei desde criança. Aqui no interior a gente trabalha com os pais da gente e desde muito cedo eu participo da agricultura”, diz. Filha de uma família com oito irmãos, dos sete ainda vivos, apenas ela permanece como agricultora. Hoje, cuida da herança familiar – um sítio com cerca de 90 hectares – dedicando-se ao hectare que elegeu para implantar o sistema agroflorestal. Iniciada em novembro de 2005, a 16

área de agrofloresta é trabalhada por Dona Terezinha, com as ajudas esporádicas do genro e do marido. “Eu me sinto na obrigação de resgatar e preservar a natureza. Reconstruir aquilo que eu ajudei a destruir, sem consciência, junto com meu pai”, diz, explicando porque optou pelo manejo agroflorestal. O primeiro contato com a agrofloresta foi em 2004 no início do trabalho da Fundação CEPEMA em Viçosa do Ceará. “Eu sempre tive tendência pra preservar a natureza, não queimar, não desmatar. Mas, a questão da agrofloresta eu não sabia de fato como fazer”, diz. A dificuldade de comunicação em Lagoa do Carnaubal levou Dona Terezinha a participar somente na terceira reunião promovida pelo CEPEMA. Foi por isso que ficou de fora do grupo que tra-


A biodiversidade do sistema agroflorestal que pode gerar várias fontes de renda é sentida em um rápido passeio pela área de Dona Terezinha. Entre as culturas, sorgo, soja, gergelim, milho, mandioca, feijão guandu e o de porco e leguminosas em geral; fruteiras como as de caju, melancia, serigüela, azeitona preta, pitomba, melão, acerola, jerimum; e árvores madeireiras e nativas como sabiá, carnaúba, aroeira, moringa, sucupira, catingueira, leucena, mororó, marmeleiro, ingazeira, guabiraba, grão-de-bode, paraíba, gonçalo alves, pau d’arco e sucupira...

balharia a agrofloresta, com assessoria técnica da Fundação. “Mas aí eu pelejei, procurei até que eu consegui entrar no grupo”, conta ela. Já no grupo, Dona Terezinha foi a todas as reuniões para discutir assuntos ligados ao meio ambiente, como os danos causados pelo desmatamento e pela degradação ambiental e a importância do manejo agroflorestal e também assuntos relacionados aos problemas sociais. Até que, em 2005, participa de um curso sobre agrofloresta, realizado com alguns agricultores e agricultoras da região. “Com esse curso, eu comecei a abrir a mente e já vim pra prática. Quando eu cheguei do curso eu já vim pra cá e já comecei a fazer”, relembra. O trabalho com agrofloresta causou e ainda causa estranheza entre a vizinhança, acostumada com as queimadas e desmatamentos para a prática da agricultura. Dona Terezinha fala, com um sorriso nos lábios, sobre a reação dos vizinhos. “Tem uns que perguntam se eu estou doida, porque no lugar de eu tá plantando só o milho e o feijão eu fico plantando pé de pau. Ficam perguntando pra que eu quero”. Mas ela insiste com o novo modelo de agricultura e já inspira a juventude, como é o caso de João Filho, seu vizinho, que recentemente começou a trabalhar o sistema agroflorestal.

Dos métodos da agricultura convencional, apenas a capina com a enxada é utilizada por Dona Terezinha. “A matéria orgânica ainda tá pouca por isso eu capino, mas na questão de queimadas, de veneno aí não existe mais não. É tudo só o natural”, diz. A produção dos primeiros anos foi basicamente para o consumo da família, mas a diversidade de culturas, na área, garante diferentes níveis de produção. “Ano passado, eu tirei milho e feijão, aí ficou a maniva que eu vou colher este ano pra fazer a farinha e vender a mandioca. Mas, fica ainda a sabiá que daqui a 5 ou 6 anos eu estou colhendo a estaca”.

Percebida a olho nu, a variedade de culturas é a primeira diferença que Dona Terezinha destaca entre a agrofloresta e a agricultura convencional. “Na convencional, a gente planta milho, feijão e maniva; é só isso que a gente planta. E nessa área, tem maniva, feijão e milho, mas tem também as plantas do futuro”. Ela se refere a madeireiras como o sabiá, o pau d’arco e a aroeira que ela replantou e cuja produção será entre seis e dez anos. “E nessa diversidade, quando a gente tira o de curto prazo, o de médio prazo fica e o de longo também. É bom porque a gente tem sempre uma renda”, finaliza. Outra diferença entre agricultura convencional e agrofloresta é como se

Nos SAFs, o cultivo de culturas como milho é feito em conjunto com plantas madeireiras e arbustivas.

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planta. A primeira abusa do machado e do fogo para desmatar e queimar e usa agrotóxico no controle dos insetos. No sistema agroflorestal, a interação equilibrada com a natureza é o objetivo. “A gente vai tirando as plantas aos poucos, classificando e deixando algumas pra florir e as abelhas vir fazer o mel”. Dona Terezinha fala da poda de condução e da capina seletiva, técnicas do manejo agroflorestal. “A gente deixa essas plantas também pra que o inseto, no lugar de ir pra nossa cultura, ir pra essas outras plantas”, ensina. Mas, é ao falar do bem que o manejo agroflorestal faz à natureza que Dona Terezinha se anima. “A grande diferença e que é o bom dessa agricultura é que a gente não agride a natureza”, diz orgulhosa. Com a inteligência da mulher do campo, ela fala de um dos temas em pauta no mundo: o aquecimento global. “Tem o aquecimento global que tá acabando com tudo. Nossas criancinhas, daqui mais um tempo, podem nem resistir à quentura. Infelizmente, são poucos que estão entendendo que o desmata-

mento prejudica a saúde da humanidade, a saúde dos seres vivos como um todo”, avalia. A preocupação com o meio ambiente motivou Dona Terezinha a iniciar um trabalho de recuperação da mata ciliar do riacho que corta seu terreno. Com o apoio da assessoria técnica da Fundação CEPEMA e com a doação de mudas feita pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), através da Área de Proteção Ambiental, APA de Ibiapaba, Dona Terezinha plantou 900 mudas em torno do riacho. “O objetivo é ver se resgata essa questão do meio ambiente. Preservar pra no futuro a gente ter uma vida mais digna, uma saúde melhor”, explica. Enquanto Dona Terezinha trabalha com a natureza sem agredi-la, a natureza retribui fazendo seu trabalho, recuperando o solo e toda a área em questão. E a terra, tão chamada de carrasco, mostra que se preservada pode ser uma terra fértil e cheia de vida. “A terra conserva mais o molhado. Na área que meu esposo planta, ninguém

encontra mais molhado porque está com muitos dias que não chove. Aqui, a gente ainda encontra, porque tem uma camada de proteção”, ela compara seu sistema agroflorestal com a área do marido que ainda trabalha com a agricultura convencional. Essa proteção que Dona Terezinha fala são os restos de plantas que ficam no chão, cobrindo a terra e que normalmente são associados a lixo, a sujo e a desleixo. Mas, é exatamente essa matéria orgânica que protege o solo e deixa a terra mais fértil e propícia para o plantio. “Na agricultura convencional, é queimado tudo e fica só o solo limpo, sem nada. Aí, ele fica descoberto e seca mais rápido. É ruim de plantar. Já no meu terreno, como não é mais queimada, a matéria orgânica fica no chão e protege a terra”, ensina Dona Terezinha. Na caminhada pelo terreno de Dona Terezinha e pelas cercanias, é fácil notar a diferença que “o molhado” já provoca, apesar do pouco tempo de implantação do sistema agroflorestal, menos de dois anos. Enquanto na ter-

A diversidade de culturas no SAF de Dona Terezinha garante diferentes níveis de produção, aumento e diversificação da geração de renda.

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ra vizinha, o solo parece sem vida e as poucas plantas que resistem estão chamuscadas, no hectare de agrofloresta, há sombras e plantas crescendo mesmo com a chuva escassa. Um visitante mais curioso perguntaria se não seria lógico que todo mundo adotasse o sistema agroflorestal. E é essa a pergunta lançada para Dona Terezinha. Sem culpar ninguém, nem mesmo o pai que a introduziu na agricultura convencional, “porque ninguém tinha orientação”, Dona Terezinha analisa o motivo de a maioria ainda não querer trabalhar com o manejo agroflorestal. “É porque primeiramente não têm consciência do que estão fazendo. E é difícil ter consciência. Eu também já participei fazendo esse tipo de trabalho junto com meu pai, sem nenhuma consciência”, diz. “Ninguém se preocupa em plantar, mas sim em devorar, em desmatar, em queimar e o

plantio tá sendo muito pouco”, completa preocupada. Ela aponta ainda dois outros aspectos que dificultam a aceitação da agricultura ecológica. O trabalho que, no início, parece maior no sistema de agrofloresta. “Ora, se roçou e botou fogo fica tudo limpo, o trabalho Plantas madureiras e arbustivas dividem o mesmo espaço com fruteiras e leguminosas. é menor. Já aqui não”, “No primeiro ano, a agrofloresta diz. O segundo ponto não dá muito boa, mas ninguém pode é que na agricultura convencional a desanimar. Tem que ter paciência. produção é mais rápida. “Quem quer um lucro imediato vai pra agricultura Porque, no segundo ano, já tem uma convencional que chega mais rápido. matéria orgânica mais equilibrada que O da agrofloresta é mais demorado”, fortalece o solo e aí já dá uma produção dix . Mas, Dona Terezinha fala que se melhor e assim por diante”, diz Dona tem que pensar no futuro também e Terezinha, pensando no seu futuro e no futuro do Planeta Terra. ensina a ter paciência.

UM GOSTO POPULAR DE CAJUÍNA Cajuína Natural. É assim que se chama a cajuína feita por Dona Terezinha e mais onze pessoas, entre mulheres e jovens, da comunidade de Lagoa do Carnaubal. Com o caju colhido da quinta de Dona Terezinha, o grupo divide o trabalho e os resultados da produção realizada durante a safra. A Unidade de Cajuína Popular fica na sede da Associação Comunitária Lagoa do Carnaubal, fundada em 1982, e é uma das vitórias da associação. “A gente começou com as roças comunitárias, aí depois conseguimos uma casa de farinha e depois essa unidade de cajuína”, conta Dona Terezinha, sóciafundadora. Com equipamentos básicos – motor a diesel, despopadeira de madeira e caldeirão para o banho-maria das garrafas – a produção ainda é pequena, embora organizada. “A gente faz uma avaliação das nossas diárias pra poder receber. O que sobra fica na fábrica pra comprar o material pro ano que vem”, explica Dona Terezinha. A comercialização também é feita pelo grupo que vende para famílias de Viçosa do Ceará e na Bodega do Povo, cooperativa de Tianguá, cidade vizinha. A cajuína já é conhecida e bem aceita no mercado local. “Este ano foi mais fácil porque ela já está mais conhecida e o estoque que ficou foi bem pouquinho”, diz Dona Terezinha. O trabalho coletivo de mulheres e jovens é o diferencial da Unidade que enfrenta dificuldades com a maioria da comunidade que prefere criticar a contribuir. “Como é difícil. Um grupo bem pequenininho fica lutando pra conquistar alguma

coisa pro bem da própria comunidade e a maioria fica de fora, criticando”, fala Dona Terezinha. Mesmo com dificuldades, a Unidade de Cajuína Popular é importante para que essas mulheres e jjovens p possam conquistar seu espaço. “A gente já ficou muito atrás e os homens na frente. Hoje, a gente tem que crescer junto com eles, andar ombro a ombro, de braços dados pra que essa luta continue e que a gente seja vencedora”. Dona Terezinha fala com a autoridade de quem é a atual Secretária de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará. “Meu marido me apóia, se ele não me apoiasse eu jamais conseguiria”, completa, reconhecendo a importância do apoio Dona Terezinha com estoque e equipamentos da Unidade de Cajuína Popular. do companheiro.

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SEMPRE É TEMPO DE APRENDER por Klycia Fontenele

“Não vá conversar muito comigo, senão você não vai embora nunca. História de mata eu sei; e muita”. Foi o aviso que Seu Gerardo me deu. Confesso que eu teria ficado o dia inteiro em sua varanda, ouvindo suas histórias... Foi com a avó que Seu Gerardo aprendeu a observar a natureza. Com o pai, aprendeu as primeiras lidas na terra. Mais velho, nas reuniões, começou a compreender o porquê de preservar o meio ambiente. Depois dos 60, resolveu aprender a ler e a escrever; hoje cursa a quarta série. E é escutando o neto de cinco anos que Seu Gerardo aprende também. Aprende e ensina. Nossa conversa foi um grande aprendizado que eu retrato aqui. “Há poucos dias, o pessoal ficou dizendo: não vai mais chover não. Mas eu sabia que ia chover aí eu fui plantar meu roçado com tranqüilidade. Comecei numa segundafeira, cavando no seco. Segunda, terça, quarta e quinta eu terminei. E o povo me chamando de maluco, de doido. Quando foi sábado, choveu.”, Seu Gerardo sorri me contando essa história. “Ah! O feijão brabo, a cajá e o juá, estão tudo preparado pra cair agora esse mês [abril] e é quando vai chover mesmo”, ele completa, respondendo à minha pergunta sobre como sabia que ia chover. O agricultor Gerardo Pedro Marques, morador do Sítio Espírito Santo em Alcântaras município localizado na Serra da Meruoca, Noroeste do Ceará, fala sobre os sinais da chegada de chuva com a autoridade dos seus 67 anos de convívio com a natureza. Observar os avisos que a natureza deixa para anunciar a chuva, Seu Gerardo aprendeu com a avó que morreu aos 102 anos. “Ela me dizia e eu fui prestar atenção e vi que isso é uma verdade. Pode ficar na certeza que vai chover”, relembra como aprendeu a prever a chuva. São muitos os sinais que Seu Gerardo me ensina. A flora do feijão brabo. A cebola braba cuja coroa ao nascer indica proximidade da chuva. O canto da cigarra. “A boeira quando vem cantar nas árvores e em todo lugar dessa região, pode botar o pote na goteira que vai chover”, diz. Ele explica ainda que o milho-de-cobra – planta semelhante ao milho que nasce junto às pedras – avisa se o milharal vai vingar. “Assim que chove ele nasce. Se a espiga tiver caroço, ela tá indicando que o milho vai segurar, se não tiver, com certeza não vai segurar a espiga de milho também”, fala. Se foi a avó que lhe ensinou a conhecer as artimanhas da natureza, foi com o pai que deu seus primeiros passos na agricultura. “Eu nasci dentro da agricultura. Assim que eu pude com a enxada, eu já estava treinando. Hoje, quan20

Gerardo Pedro Marques e o neto Maycon.

do eu cheguei esse meninozinho aí tava capinando com a enxada. Nós somos assim, sem dúvida nenhuma”. Seu Gerardo lembra sua infância e o início precoce na roça e se refere ao neto de cinco anos, Maycon. “Com a continuação do tempo, a gente cria idéia e vai fazer o roçado. Arruma força no cisqueiro e começa”, finaliza. Mesmo tirando o sustento da terra, durante muitos anos, Seu Gerardo – seguindo a agricultura convencional aprendida na família – tratou o meio ambiente de forma severa. “Eu estraguei muito. Eu fiz muito fogo no mundo”, diz com a consciência de que nunca é tarde para mudar. “E vem essa questão de destruir a natureza, o que o homem faz. Aí eu já fiquei me tocando que eu ajudava a fazer isso. Queimada? Eu não gosto mais nem de ver”. Apesar de, no passado, trabalhar a terra de forma predatória, Seu Gerardo já sentia que devia agir diferente. “Tem um mato aqui de nome babão, a marianinha, que quanto mais a gente arranca, mais ele acha bom tá arrancado; é mato que atrapalha o legume. Eu via um agricultor, até de grande porte, rico; ele capinava o legume, a roça. Era muitas pessoa capinando, arrancando de enxada, tirando, balançando a raiz pra matar aquele mato e outros juntando e jogando numa grota onde passava água pra carregar o mato. Eu via aquela arrumação e dizia: se eu possuísse terra eu não jogava aquele mato fora...”, relembra como resolveu plantar diferente ao se tornar dono de um pedaço de chão.


Antes de começar a experiência com agrofloresta, Seu Gerardo já deixava o solo coberto por folhas, prática comum no manejo agroflorestal. “Eu fazia porque achava bonito. Não sei quem me ensinou, foi bem coisa da natureza”. Mas foi nas reuniões e encontros dos quais participou que Seu Gerardo entendeu que ele não estava apenas deixando bonito o lugar, mas estava preservando o meio ambiente. “Eu não sabia pra que danado servia aquilo. E lá estava eu fazendo uma coisa muito importante que era fazer o meu solo ficar coberto”, diz. As reuniões realizadas foram articuladas pela Fundação CEPEMA com parcerias como a do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântaras. “Eles foram entrando devagarzim, devagarzim, dando informação. A gente foi se reunindo, o sindicato indicando quem era agricultor. Eu fui conhecendo outras pessoas que trabalhavam com agrofloresta...”. Seu Gerardo relata a maneira como a equipe do CEPEMA iniciou o trabalho na região e a preocupação em respeitar as dinâmicas de vida de cada um. O contato de Seu Gerardo com o CEPEMA lançoulhe um desafio: experimentar o sistema agroflorestal. Há cinco anos ele topou a idéia em um hectare de sua propriedade. A terra escolhida vinha em processo de degradação, mesmo sendo menos desmatada e queimada se comparada com sítios vizinhos. Era preciso extinguir de vez as queimadas e o desmatamento e foi o que ele fez. “Eu queimava os espinho pra não entrar no pé da gente. Depois que eu aprendi, nem os espinhos eu queimo mais. Eu separo eles pra acolá e a gente não pisa mais, a gente pisa nos vazios da capoeira”. Uma das primeiras ações no manejo agroflorestal é o replantio de plantas nativas. “A idéia é que a gente deve formar a floresta, deixando aquelas árvores crescer”, explica Seu Gerardo. Mesmo incentivando o reflorestamento, o sistema agroflorestal não pretende reconstruir a mata original porque inclui plantas de interesse econômico, permitindo colheitas sucessivas de produtos diferentes ao longo do tempo, através do que chamamos de sucessão ecológica. Respeitando o ciclo natural das espécies, o agricultor e a agricultora manejam o sistema e dele tiram sua produção. A assessoria técnica do CEPEMA estimulou Seu Gerardo a práticas de manejo distintas para serem comparadas. “Os meninos me arrumaram bastante saquinho pra eu fazer muda de café e eu fiz um teste. Fiz um cercadim com as mudas que eu aguava e plantei outras debaixo dos cajueiros. Não escapou dez mudas eu aguando, mas as mudinhas, embaixo das frieiras dos cajueiros, enterrada no meio das folhas, escapou”, relata Seu Gerardo. Comparar culturas e formas de manejo permite que o agricultor e a agricultora tirem suas próprias conclusões sobre a melhor maneira de lidar com a terra. O milagre das mudas que “sobreviveram sem água” tem explicação na própria natureza e é Seu Gerardo quem explica. “Lá na minha área, não escorre água porque é tudo coberto de folha e quando chove, a água fica. Eu não uso irrigação não”. Quanto mais o sistema de agrofloresta se desenvolve, menos ele depende das técnicas de irrigação, pois o solo fica úmido com a água que é retida pela maté-

ria orgânica acumulada. Além disso, a sombra dos cajueiros protegeu as mudas de café das fortes agressões do sol e do vento tão comuns no clima cearense. Além do replantio e da manutenção do que já está plantado, evitando o desmatamento e recuperando a mata nativa, existem outras técnicas utilizadas no manejo da agrofloresta. Estimular a criação de matéria orgânica – feita com os restos de plantas antes queimadas – para fertilizar o solo; não usar agrotóxico e procurar alternativas naturais para evitar “a praga” na lavoura; primar pela diversidade de culturas que ajuda na diversidade de produção e de fontes de renda. Seu Gerardo ao apresentar o sistema agroflorestal foi nos ensinando como é sua lida diária. “Hoje, eu não queimo minhas folhas e nem queimo o bagulho que eu tiro de cima. Eu deixo aqueles matos, eu roço e atulho e lá fica e vai decompondo. O do ano passado vai pegando chuva esse ano e aí vai virando Seu Gerardo no hectare de agrofloresta, diversimaterial orgânico e dade de culturas e a casa de farinha do SAF. outros que haverá de vir vai ficando ali. Meu chão é forrado”, Seu Gerardo explica como faz para cobrir o solo. Na sua área, são encontrados milho, feijão, mandioca, jerimum; além de fruteiras: bananeira, mangueira, cajueiro, mamoeiro e serigüela; e plantas nativas: camunzé, frei-jorge, jatobá, milho-de-cobra, quebrapedra, sabiá, jurubeba branca e vermelha e outras. A diversidade no hectare de agrofloresta não é só da flora, a fauna também é bem rica. “Tem as cobras que eu quero lembrar porque se alguém ver uma cobra é pra saber que é cobra. E eu aviso porque lá tem toda espécie de coisa que imaginar”, diz Seu Gerardo antes de entrarmos em seu terreno. Ele fala ainda com orgulho de como o manejo agroflorestal mudou sua terra. “Você sabe que a terra criou mais sustança. Falta fazer muita coisa, mas já tá bonito lá. Tá bem encorpadinho, a terra coberta, formado aquele baô...”, diz abrindo a porteira. Ele nos conta ainda como combate os insetos que comem a plantação. “Às vezes aparece uma lagarta, mas não é todo ano. A gente tem dificuldade mesmo é com o fungo do caju. Dá uma lêndea na maturi [caju antes de amadu21


recer] que fica pregada na tava pra quebrar o milho, castanha. Eu uso a maniapanhar o feijão. Essa é a pueira porque eu fiz um comandante da situação”. teste com ela”. A maniÉ assim que seu Gerardo pueira é a água que fica da apresenta a mulher, comlavagem da mandioca para panheira de longas datas, fazer farinha. “Nós não usa enquanto nos conta sobre veneno. Vai fazer farinha, os anos difíceis para criar então quando imprenos filhos. sa a mandioca e lava e sai Casado com Dona aquela água, a gente apara. Maria do Socorro MarAquilo ali mata tudo, mata SAF de Seu Gerardo em Alcântaras - - Serra da Meruoca. ques, 65 anos, Seu Gerardo piluca, lagarta, mata tudo”, completa. teve onze filhos, dos quais nove estão vivos, mas nenhum A maior parte da produção é para o consumo fami- seguiu o caminho da agricultura. “Quando eles moravam liar, mas Seu Gerardo já comercializa alguns produtos. “Nós aqui, eles eram agricultor, faziam as mesmas coisas que eu. vende castanha, deixa só um pouquinho pra assar quando Só que eles cresceram e saíram pra cidade”, diz ele. “Eu dá vontade. Nós vende o milho. Quando tem muito, nós conhecia como é que era lá, a dificuldade de moradia e de vende o feijão...”. Mas, Seu Gerardo quer falar mesmo é da lutar com menino pequeno. Aí eu não me interessei. Talvez dificuldade em vender ele próprio sua produção. Ele, como tivesse melhor de vida, ou não. Mas, eu me sinto tão bem a maioria, vende para um atravessador que compra mais sentindo o cheiro desse mato aí”, avalia sua antiga decisão barato que o preço de mercado. “Nós produz uma coisa e de continuar no campo e não morar na cidade. o valor é pouco pra nós. Nós gasta mais do que apura. É Diante das dificuldades e das vitórias que a vida de porque a gente vende pro atravessador”. agricultor lhe trouxe, pergunto ao Seu Gerardo sobre o fuA feira mais próxima é em Coreaú onde se pode apurar turo e ele me diz. “Pro futuro eu penso que eu já tenho essa um pouco melhor do que com os atravessadores. Mas, para idade que eu posso morrer. Eu não sei como vai ser. Tenho ir a Coreaú, surge um outro problema que é o transporte muita saúde ainda graças a Deus, mas eu não sei. Eu queria da produção até a cidade. “Aí tem o transporte que come o que as coisas fosse pra frente”. Se a princípio, fala olhando dinheiro e fica na mesma coisa. Nós sofre com essa dificul- apenas para sua propriedade, em seguida Seu Gerardo amdade”, desabafa. Mas, as dificuldades em sobreviver com a plia sua visão. “Tem que se educar os pequenos. Hoje têm agricultura não são novidades para Seu Gerardo. “Eu passa- que fazer, cada vez mais, que os conhecimentos vá até as va de 5 meses na cidade. Mandava o dinheiro e ela empelei- pessoas. Aí as coisas melhoram”, conclui.

Essa história continua... A caminho do hectare onde Seu Gerardo desenvolve o sistema agroflorestal – uma área a poucos metros de sua casa – fui conversando com o Maycon que me explicou como ele ia pra escola todos os dias. “Tem vez que é a mamãe que me leva, tem vez que é o papai. Tem um carro dos alunos que passa aqui, é um caminhão. Um carro grande e o pessoal vão em cima”, diz. Francisco Maycon Marques Freire tem cinco anos e já sabe escrever “sozinho” o seu nome. E faz questão de dizer, realçando o “sozinho”. Mas, seu aprendizado extrapola os muros da escola. Mais nova geração de uma família que vive da agricultura há várias décadas é no contato diário com a natureza que Maycon aprende, talvez, a sua maior lição de vida: respeitar o meio ambiente. Já na área do avô, Gerardo Pedro Marques, Maycon e eu ficamos conversando na casa de farinha. Lá, ele me

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explicou como a mandioca é prensada, lavada e secada. A simplicidade com que ensinava me fez imaginar aquela casa em funcionamento. Foi lá também que me falou de suas brincadeiras e de alguns animais que conhecia e foi ainda na casa de farinha que ele me protegeu ‘dos perigos da mata’. “Você já ficou em cima de uma pedra no açude? Eu já”, pergunta Maycon fazendo uma pausa na história sobre um dos passeios que fez com seu pai e me fazendo lembrar que o mais próximo que eu cheguei de um açude foi da sua margem. “Eu brinco de carro também. E no dia que não tem escola eu vou lá pra minha avó”, diz deixando, aos poucos, a timidez de lado. “A lacraia tem um ferrão que parece uma uninha. Tem a jubinha que é um calanguinho... Gavião, você já viu? E o cavalo-do-cão? Ele é preto. Feio! Aqui tem”, pergunta para logo em seguida me contar uma história sobre o bem-tevi, “Você sabe qual é o bem-te-vi, num

sabe?”. Antes de eu responder, Maycon já imita o pássaro e fala “se você faz algo errado, o bem-te-vi canta: eu te vi, eu te vi, eu te vi”, diz sorrindo. Enquanto eu tentava acompanhar tantos relatos e perguntas, Maycon aponta pro alto e me mostra “um ninho de marimbondo”. Minha reação de gente da cidade foi ter medo e recuar, mas meu protetor foi logo falando. “Ele sabe quem mexeu com ele. Aí, eles ficam com raiva e vão atrás. Se a gente não fizer nada, ele não faz nada com a gente”. E de repente, eu me vi protegida e aprendendo com uma criança de cinco anos. Maycon e a familiaridade com a natureza que demonstrava em tão terna idade fizeram-me pensar sobre o futuro e as preocupações de Seu Gerardo sobre educar os pequenos... Mas, vendo aquele menino, voltei para casa com uma esperança. Talvez, aquela criança continue essa história e de alguma forma faça seu caminho seguindo a trilha iniciada por seu avô.


FUNDAÇÃO CEPEMA REALIZA ESTUDOS COM GEOPROCESSAMENTO NO MACIÇO DE BATURITÉ A Fundação CEPEMA mapeia comunidades rurais e microbacias hidrográficas de Aratuba, Baturité, Mulungu, Pacoti, Guaramiranga, Palmácia e Redenção no Maciço de Baturité, Ceará. Usando o geoprocessamento, o objetivo foi realizar um estudo integrado do ambiente e monitorar as transformações espaço-temporais decorrentes da dinâmica da natureza e de sua relação com a ação humana. “O geoprocessamento é uma importante ferramenta de análise ambiental, porque subsidia a tomada de decisão e planejamento de áreas urbanas e rurais, uso dos solos, recursos hídricos, dentre outros”, diz Luana Cândida Macêdo de Araújo, geógrafa responsável pelo estudo.

A base cartográfica utilizada foi a produzida, em 1990, pelo IDACE (Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará). A digitalização das ortofotocartas (curvas de nível, estradas e rede hidrográfica) de Aratuba, Mulungu, Pacoti e Guaramiranga foi concluída. Já as de Palmácia, Redenção e Baturité estão sendo finalizadas. Também foram localizadas e digitalizadas as propriedades das agricultoras e agricultores envolvidos nas atividades do CEPEMA. “O mais interessante disso é que esse trabalho está sendo realizado em uma escala grande (1:10.000), ou seja, uma escala local que reflete bem a necessidade dos agricultores”, explica Luana. A fase atual do trabalho são os estudos, em campo, para verificar os componentes geoambientais. O objetivo dessa etapa é reconhecer as áreas para comparação com o mapeamento já realizado. “Cruzar esses dados permitirá fazer uma análise geoambiental da área, ou seja, uma análise do tipo de solo, cobertura vegetal, relevo, declividade e tipo de uso do solo que ocorre em cada área e fazer um diagnós-

Arquivo Fundação CEPEMA

O diagnóstico dos recursos ambientais disponíveis nas comunidades, principalmente do potencial hídrico, da situação da cobertura vegetal e dos solos, ajudará no planejamento das atividades que a Fundação desenvolve com pequenos agricultores e agricultoras da região. “Esse estudo representa um passo importantíssimo para o planejamento dos recursos hídricos da área e o uso do geoprocessamento possibilita uma visão integrada de todos os elementos que atuam no ambiente e ainda permite o monitoramento desses estudos”, diz Luana. O estudo gerou informações digitais para banco de dados temporais e análise das modificações nos elementos componentes da paisagem.

Ter a tecnologia como aliada do desenvolvimento da agricultura familiar já é uma prática do CEPEMA. Na Fundação, a coleta de dados para o geoprocessamento é feita pelos agentes de agricultura ecológica, ADAEs (supervisionados por Luana e já familiarizados com câmeras digitais, GPS, planílhas de Excel, Internet e Skype).

Mapa da comunidade Jardim, município de Mulungu, mostrando a digitalização das curvas de nível do relevo, com eqüidistância de 10 metros, a rede de drenagem ou hidrográfica, as estradas, as cotas (altitude do relevo) e a localização das propriedades dos agricultores envolvidos no Projeto.

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Arquivo Fundação CEPEMA

Mapa da comunidade de Jardim dos Meninos - município de Guaramiranga/CE.

tico ambiental para ajudar no planejamento do uso das propriedades pelos agricultores”, diz Luana. Coletados os resultados do mapeamento e reconhecimento de campo, a pesquisa continuará com o monitoramento das áreas.

“Esses produtos cartográficos representam uma base para outros estudos que envolvam mapeamento da cobertura vegetal, uso do solo, relevo, classes de solos etc”, diz Luana. “O geoprocessamento permite o cruzamento de variáveis ambientais, possibilitando diagnósticos presentes, monitoramento e até modelos previsionais”, completa ela. Esses mapas, importantes na análise ambiental, serão utilizados em campo pela equipe técnica da Fundação CEPEMA nos trabalhos de monitoramento nas áreas de agricultura familiar. Participam também do estudo Leiliane Azevedo e Íris Pereira Gomes, alunas do Curso de Mestrado em Geologia da Universidade Federal do Ceará, UFC.

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Arquivo Fundação CEPEMA

O mapeamento já registra mudanças percebidas na agricultura ainda responsável por 88% da economia, mas que vem cedendo lugar ao turismo. O café, a banana, cana-de-açúcar, árvores frutíferas e hortaliças são as culturas mais desenvolvidas; com a banana substituindo os cafezais, antes a principal atividade agrícola. Foram ainda identificados problemas como o desmatamento indiscriminado que altera a biomassa e acelera os processos erosivos, intensificando o assoreamento dos fundos dos vales e o desaparecimento de fontes perenes e sazonais. “Isso compromete a capacidade produtiva e a sobrevivência das comunidades rurais na região”, diz Luana.

Ortofotocarta utilizada como base cartográfica para a produção do mapa da comunidade Couros, município de Aratuba.


MACIÇO DE BATURITÉ:

DUAS MULHERES, DUAS HISTÓRIAS DE RESPEITO E AMOR À NATUREZA

A

s curvas do Maciço de Baturité abrigam vestígios de uma Mata Atlântica que ainda resiste à ação predatória do ser humano que, em nome do “progresso”, desmatou, queimou e destruiu indiscriminadamente a mata da região. Nessa resistência silenciosa, a natureza tem aliados que, como ela, trabalham silenciosamente. Dona Noemi e Dona Irene são exemplos de quem optou por tirar o sustento da terra, respeitando e conservando o meio ambiente.

Comunidade Jardim, cidade de Mulungu. Na quebrada da serra, estão a casa de Dona Maria Noemi da Rocha dos Santos e o seu quintal: um hectare dedicado à agrofloresta, sistema que resolveu implantar a quatro anos atrás. “Eu comecei a plantar os pés de caju, mangueira, acerola,

goiabeira, abacate, maracujá, urucum, milho, feijão de corda e a fava, feijão mulatinho, mamona, sabiá, ingazeira... até uva tem plantado! De um tudo eu tenho aí”. É assim que Dona Noemi descreve o seu quintal. Numa rápida olhada, um pé de acerola apinhado e um de sabiá ainda crescendo confirmam o que ela diz. Em uma família de seis irmãos, Dona Noemi tinha oito anos quando começou sua peleja com a agricultura. Hoje, aos 62 anos, viúva, avó e dona da terra onde mora e trabalha – uma parte herança de família e outra parte que comprou dos irmãos – ela ainda encontra prazer na lida com a terra. “Eu acho bom demais. Eu não paro aqui em casa não. Saio de manhã, já deixo o meu comer pronto e chego na hora do almoço. Aí descanso um pedacim, depois começo de novo e só paro 4 horas. Chego, tomo banho me arrumo e vou pra aula. Minha vida é assim”, diz com a tranqüilidade de quem fez a escolha certa. Em Guaramiranga no sítio Monte Rei, moram Maria Irene Mendonça, 64 anos, e seu marido, José Maria Rocha, 74. Lá, o cheiro de floresta é bem presente por causa do cinturão de Mata Atlântica conservado que cerca a casa. “Aqui não se queima nada, as casca de frutas e os talos a gente bota num canto e deixa pra virar adubo. Quando a gente quer plantar vai lá e tira. Não se tem queimada, não se joga vidro quebrado, nem lixo no sítio, não”, Dona Irene fala com orgulho do trabalho, iniciado em 1978 quando se mudou com a família, de Fortaleza, para morar no Maciço de Baturité. 25


Todo esse cuidado resultou em uma área rica em biodiversidade. São cerca de quatro hectares com várias culturas: açaí, jambo, goiaba, murici, limão, serigüela, coco, uva, café, jaca, carambola, abacate, manga, banana, acerola, tangerina, jabuticaba, jenipapo, laranja, caju; canela, ingazeira, pau-d’arco, bálsamo, cedro, nim, gua-

Aí fui melhorando. Cada reunião que a gente vai, explicam alguma coisa e eu vou descobrindo, plantando mais... Eu converso muito com esse menino”, diz Dona Noemi, apontado para Marcos Arruda, agente de agricultura ecológica, ADAE do CEPEMA e um dos responsáveis pela assessoria técnica às famílias no Maciço de Baturité. Foi nessa troca que Dona Noemi começou a fazer a cobertura do solo. “Sempre teve muito capim, mas eu arrancava e jogava fora, agora, eu deixo e a terra fica molhada”, diz. “Foi uma amiga, que fez um curso do CEPEMA, que me apresentou os meninos; daí eles foram me visitar.

biraba, sabiá, frei-jorge, maçaranduba, papiro; favinha, cereja, erva-doce, capim cheiroso; papoula, espada-de-sãojorge, cravo, dedal-de-dama, orquídea... Flores, frutas, arbustos e árvores que embelezam e dão vida ao lugar. Tanto Dona Noemi como Dona Irene trabalham com o sistema agroflorestal e são acompanhadas pela Fundação CEPEMA que, em visitas regulares, presta assessoria técnica. Nesses momentos, a troca de saberes é a base para as conversas de acompanhamento. Das técnicas, como cobertura orgânica para o solo, uso de defensivos naturais, poda seletiva, até as variedades de sementes e mudas de plantas nativas e de valor comercial; das discussões sobre o meio ambiente a formas de comercialização dos produtos agrícolas; tudo é motivo de intercâmbio nas visitas e reuniões.

Um dos quereres de Dona Irene é o orquidário que montou há oito anos atrás. “Meu filho me deu uma flor e perguntou por que eu não produzia. Aí eu comecei e hoje eu já tenho orquídea de várias cores”, relembra. Feito com casca de coco e sabiá velho que seguram as mudas, o orquidário é cuidado com técnicas naturais. O adubo vem da matéria orgânica do próprio sítio e, no controle dos insetos, Dona Irene

Eles vinham conversando, trazendo mudas e depois eu comecei a acompanhar as feira”, Dona Irene conta como foi sua aproximação da Fundação CEPEMA. “Mas, foi ele [o marido] quem nunca deixou queimar, nem desmatar. O que a gente encontrou de floresta tá preservada e onde há café é usa defensivos feitos à base de fumo e nim. “Não boto veneno. Eu uso fumo e quando elas estão com a cochonilha, eu passo uma escova e vou limpando as orquídeas”, diz.

“O que eu fazia antes eu descobri, com os menino, que já era agrofloresta.

porque já era café. Dentro do café a gente plantou bananeira, mas nada de desmatar”, diz Dona Irene sobre o trabalho com o marido. “A gente deixa a natureza fazer seu trabalho”, completa Seu José Maria. 26

A troca de conhecimentos só enriqueceu a sabedoria dessas mulheres. “Meu pai dizia que era melhor deixar o terreno limpo. Mas, eu perguntava por que ele não deixava o bascuio no terreno...”, lembra Dona Noemi que desde cedo pensava em uma agricultura longe de queimadas e desmatamentos. “Eu não boto mais fogo de jeito nenhum. Deixo tudo aqui, não tiro nada. No canto que a gente tem aquela forrajona nem mato cria, só sobra o legume. Eu faço isso todos os anos”, ela explica como trabalha a terra desde que começou a receber as visitas técnicas da Fundação CEPEMA.

O cuidado com a natureza além de preservar o meio ambiente traz um benefício importante para essas agricultoras: uma produção variada e culturas mais resistentes às intempéries da região. “Aqui dá mais café que no dos outros porque tem mais mata. E daqui a pouco, eu vou é colher laranja na minha varanda”, sorri Dona Irene, apontando para a laranjeira carregada


de flores. “Meu milho, mesmo com pouca chuva, tá bonecando. Coisa que não tá acontecendo em terreno aqui vizinho”, diz Dona Noemi.

Emanuel, que também mora, com a esposa e os filhos, no sítio e segue os passos da mãe e do pai.

Se na produção muita coisa Dona Noemi já fez, ainda não se pode dizer o mesmo sobre o beneficiamento e a comercialização do que ela produz. “Todos os anos eu tenho produção de alguma coisa. Uma parte do milho eu vendo, já o feijão eu guardo pra quando não for o inverno, eu não ter que comprar feijão. Mas, aqui estraga muita fruta porque não tem como fazer doce e não tem onde vender. Eu até faço e tomo suco da acerola, da goiaba, mas é muita fruta pra uma família só”, diz Dona Noemi cuja única filha mora com o marido numa casa ao lado da sua.

São duas mulheres, com histórias e ritmos de vida diferentes, mas que estão unidas pelo amor à terra e por tirar da agricultura seu sustento, sem maltratar a natureza. Ambas utilizam técnicas de manejo da agrofloresta e produzem de acordo com o estágio em que se encontra o sistema agroflorestal em suas áreas. “Cada uma escolhe o que vai plantar e o jeito que quer plantar. A gente não interfere nisso, a gente vai só discutir de que forma se pode melhorar o sistema em que se está trabalhando. Então o avanço se dá a partir desses pequenos momentos”, explica Marcos, ADAE do CEPEMA.

Dona Irene, ao contrário de Dona Noemi, beneficia boa parte de sua produção e já comercializa muitos produtos. Da banana, vêm a mariola, o doce cristalizado, a banana passa; tem também rapaduras de jaca e de abacaxi. Ela vende ainda cachaça, vinagre; molho de pimenta; castanha de caju, doce de leite, além do café que tem uma boa produção. Mas, o carro-chefe das vendas são os licores de vários sabores. Para o beneficiamento e venda ela conta com a ajuda do filho caçula, Danilo

Da mesma forma que a natureza, tão degradada, precisa de tempo e ajuda para se recuperar e produzir, a agricultura familiar precisa de apoio e tempo para se fortalecer e prosperar. O fim das queimadas, dos desmatamentos e do uso de agrotóxicos em prol de

um manejo em harmonia com o meio ambiente, primando pela biodiversidade. A divulgação de tecnologias sociais e de técnicas de beneficiamento das produções e ainda o apoio financeiro às comunidades rurais. Tudo isso pode fazer a diferença e mudar os rumos de nossas vidas em direção a um desenvolvimento humano e sustentável. No Maciço de Baturité, esse caminho vem sendo traçado e alguns passos foram dados. Mas, há muito que fazer. Fica, então, o desafio de uma caminhada, que mesmo longa, é também muito bonita.

GUARAMIRANGA, UM CARNAVAL DE AGRI - CULTURA “Quem passou a vida trabalhando/E no trabalho esgotouse e nada fez/Quem não sentiu o vento da bonanza/Quem na vida nunca teve altivez/Foi uma mula de carga, um jumento/Uma égua castanha ou pedrez”. (Samuel Queiroz Farias agricultor, 1911 - 2004) O jazz e o blues que invadem, há vários anos, os carnavais da pacata cidade de Guaramiranga no Maciço de Baturité ganharam novas companhias no último carnaval. A I Feira de Agri - Cultura Ecológica do Maciço de Baturité, realizada de 17 a 20 de fevereiro no campo de futebol da cidade. Sob uma lona de circo, artis-

tas das letras, das músicas e da agricultura trocaram suas experiências e saberes. Com a idéia de associar trabalho, natureza, economia e cultura, a programação contou com apresentações artísticas de poetas populares e repentistas; grupos de flauta e de tambores; banda de música; corais infantil e infanto-juvenil, peças teatrais, além de muita música popular brasileira ao som de sax e violão e do forró de pé de serra. No meio de tudo isso, foram distribuídas mudas e montada a feira de agricultura ecológica. Durante os quatro dias, foram ministradas ainda oficinas de pintura para crianças; de hip hop; de grafite, produção musical e DJ; e de trançados afri-

canos e estética negra. Como também, oficinas sobre relações de gênero, ecologia e sexualidade. Na feira, também foi prestada homenagem póstuma ao poeta, agricultor e ecologista, Samuel Queiroz Farias, filho de Mulungu, falecido em dezembro de 2004, aos 93 anos. A I Feira de Agri - Cultura do Maciço de Baturité foi organizada pela Fundação CEPEMA e Central Única das Favelas (CUFA). A iniciativa contou com o apoio do Banco do Nordeste, SEBRAE, Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, Ministério do Meio Ambiente - Projetos Demonstrativos (PDA) e as prefeituras municipais de Guaramiranga, Baturité, Mulungu, Aratuba e Pacoti.

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ENTREVISTA

À SOMBRA DE UM CAJUEIRO CEPEMA: O que é a Frente Cearense por Uma Nova Cultura de Águas e Contra a Transposição do Rio São Francisco?

Magnólia: A água aqui ainda é vinculada à indústria da seca, aos carros pipa, à venda de água... Nós temos o Canal da Integração, o Castanhão. Esses canais têm água e no entorno deles habitam famílias de pequenos agricultores e agricultoras, mas essas famílias não têm acesso à água porque ela é cercada. CEPEMA: O governo diz que a transÉ proibido o acesso desposição levará água para sas populações. Então, o estados do Nordeste ca“A rota da fato de passar próximo rentes de recursos hídricos, ou nas imediações não transposição qual o problema nisso? significa que aquelas poMagnólia: Primeiro se a não é a rota pulações vão ter água. A gente observar, inclusive gente constatou, durande quem de com estudos técnicos, te o trabalho da Frente, vamos ver que essa refato precisa que essas populações são gião tem água. A quesimpedidas de ter acesso de água.” tão é a forma como essa à água. Elas continuam água é distribuída. O comprando água mesdebate sobre a transposição é maior do mo com uma barragem, um rio ou um que trazer ou não água para dois mi- açude perto. lhões de pessoas. Porque esse projeto CEPEMA: Então, qual o propósito de o está vinculado a uma política de distri- governo investir em um projeto assim? buição de águas que, historicamente, tem beneficiado um setor do Nordeste Magnólia: O governo diz que a obra e do país vinculados ao agronegócio, à do São Francisco vai resolver o problecarcinicultura, e à fruticultura irrigada ma da água, mas o próprio governo, para exportação. Uma política vincu- através da Agência Nacional de Águas, lada a grandes empreendimentos em ANA, fala da possibilidade de realizar detrimento da agricultura familiar e 530 obras descentralizadas a um cusdas populações que de fato precisam to menor que o custo da transposição de água. A rota da transposição não é que é de R$ 6,6 bilhões, enquanto o a rota de quem de fato precisa de água. das pequenas obras é R$ 3,3 bilhões Ela vai passar por onde estão localiza- de reais. A obra da transposição vai dos os grandes empreendimentos de beneficiar supostamente, segundo o Tribunal de Contas da União, sete micarcinicultura, de fruticultura irrigalhões de pessoas e, segundo o governo, da, os grandes projetos de irrigação. 12 milhões de pessoas. ObjetivamenEla vem atender à siderúrgica que vem te, as obras da ANA vão beneficiar sendo negociada pelo governo do esta34 milhões de pessoas. A obra do São do e vem beneficiar a produção que vai Francisco beneficiaria em tese quatro passar pelo Porto do Pecém. estados, as propostas pela ANA nove CEPEMA: Mas, próximos a essas gran- estados e mais o norte do rio São Frandes áreas de produção há sempre famílias cisco. As obras da ANA beneficiariam Magnólia: A Frente nasceu em 2003, é um movimento que tem a função de trazer para o estado a discussão sobre uma nova cultura de águas, usando a obra da transposição do rio São Francisco como mote para o debate.

Magnólia Said, advogada e diretora da ONG cearense, Esplar, Centro de Pesquisa e Assessoria, é uma das fundadoras da Frente Cearense por Uma Nova Cultura de Águas e Contra a Transposição do Rio São Francisco. A Frente nasceu em 2003, a partir da luta contra o projeto de transposição do rio São Francisco. Hoje, ela está presente nos espaços de debate sobre os impactos dos empreendimentos que afetam o meio ambiente no Ceará, como a questão da carcinicultura na zona Costeira, os grandes empreendimentos na Chapada do Apodi e a proteção do manguezal do rio Cocó. Esplar Rua Princesa Isabel, 1968 - Benfica Fortaleza-Ceará Cep.: 60.015-061 E-mail: esplar@esplar.org.br Fone: 85-3252.2410

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carentes. Essas famílias não serão beneficiadas?


1.356 municípios, enquanto a do São Francisco 391 municípios... Só isso já dá pra gente ter uma dimensão de qual é o significado e que interesses orientam a construção da obra de transposição do rio São Francisco.

CEPEMA:: Quem são os aliados da Frente nesse processo?

subsistência, da sobrevivência da unidade familiar... Existem vários moviMagnólia: Existem movimentos com mentos sociais e ONGs em torno de os mais diversos nomes contrários à uma rede que se chama Articulação no obra da transposição do rio São Fran- Semi-Árido Brasileiro que é a ASA. A cisco nos estados do semi-árido. Hoje ASA já vem discutindo e executando CEPEMA: E que interesses seriam es- nós temos um aliado fundamental nes- várias propostas de convivência com o ses? se debate que é o ministério público semi-árido e uma dessas propostas está desses estados, principalmente o do vinculada ao acesso à água. Por outro Magnólia: São os mesmos interesses lado, o governo insiste em desconheestado da Bahia e de Minas. que orientam, por exemplo, a conscer essas propostas e investe apenas em trução de uma outra mega-obra que CEPEMA: Por que a uma única proposta “Queremos o se chama Complexo do rio Madeira. Frente dá tanta atenção que são as cisternas, a Pois são, praticamente, as mesmas ao projeto de transposição utilização da água da reverso de um empreiteiras e os valores da obra do do rio São Francisco? As propostas modelo orientado chuva. São Francisco e do rio Madeira são Magnólia: O elemento da ASA já resolveriam hoje para um cres- o problema daquelas os maiores recursos para projetos de aglutinador da Frente infra-estrutura que estão no PAC, Pro- foi a transposição por- cimento que desor- famílias que não têm grama de Aceleração do Crescimento. que ela exigia uma ação à água. Mas, dena o meio am- acesso Esse programa ao invés de acelerar o local, mas que mostrasprecisa ter investimenbiente e fragmenta to e destinação orçacrescimento, vai acelerar as desigualda- se que a transposição é des sociais. a sociabilidade.” mentária. uma questão nacional. CEPEMA: Como está essa discussão Hoje, a questão do rio CEPEMA: Para uma São Francisco é nacional. Ela está na decisão política, os comitês de bacias são com o governo? agenda do Fórum Social Nordestino, espaços onde poderia haver essa discusMagnólia: O governo iniciou o diálogo no PAD (Processo de Articulação e Di- são? com as organizações, só que o diálogo álogo) que é um grupo internacional se encerrou no próprio diálogo. Ele não de igrejas ecumênicas. É também pon- Magnólia: Seria um sujeito no debate foi para além, no sentido de escutar, to de pauta do encontro binacional de sobre uma nova cultura de águas ou reconhecer a fala dos movimentos e orGuajará Mirim em Rondônia que tem sobre uma outra gestão de águas. Os ganizações e operar mudanças ou suscomo foco a discussão sobre o rio Ma- comitês de bacias são espaços paritápender o projeto que é o que nós quedeira, mas que dentro dessa discussão rios de diálogo ou de discussão sobre a ríamos. Ele rompe o diálogo na medida está incluído o debate sobre o rio São questão da água entre sociedade e goem que coloca como responsável para Francisco. Isso foi uma conquista da verno. Mas, eles têm, digamos, vários falar sobre as obras da transposição uma vícios em função da relação de poder Frente. pessoa como a ministra Dilma, [Dilma nas regiões onde eles são formados. E Rousseff, ministra da Casa Civil] que CEPEMA: Qual seria, então, a solu- quanto maior a relação de poder entre ção para democratizar o governo e sociedade civil, mais desvannão negocia os projetos “Existem moviacesso à água para que a tajoso é o desequilíbrio do processo já definidos pelo governo. Quando ele coloca a mentos com os mais população carente tivesse de discussão e decisão nesses comitês. Então, precisaria haver um envolviministra, ele se abstém e diversos nomes con- realmente acesso? se afasta da possibilidaMagnólia: São várias as mento maior das organizações e movitrários à obra da de do diálogo. Ela não soluções. Primeiro uma mentos sociais. Primeiro, dos afetados está aí à toa. Ela está aí transposição do rio política que redefina a por essas obras, segundo, apoiadores e para não dialogar com São Francisco nos gestão e o acesso a essas pensadores dessa política de gestão de os movimentos contra a águas, aí tem que ser água. Essas pessoas que deveriam ter a estados do semitransposição ou contra uma decisão política. possibilidade de influenciar na discusárido.” as obras do rio MadeiOs governos deveriam são sobre uma nova política de águas ra, nem para dialogar considerar quem de porque são essas pessoas que vão ser com os outros movimentos que estão fato precisa de água pra beber, pra agri- direta ou indiretamente afetadas. criticando esses tipos de obras de infra- cultura familiar, quem precisa de água CEPEMA: Onde é que a cultura entra estrutura. O diálogo hoje foi rompido. para o trato de animais, pra cuidar da nessa discussão? O que se quer dizer com 29


uma nova cultura de águas?

ajuda no processo de construir essa consciência crítica. Quando você vê Magnólia: Como diz o nosso manium depoimento de um festo, é a expressão de valores éticos CEPEMA: Como a Fren“Discutir uma agricultor contando o que orientam ou que orientaram uma te vem sendo recebida pela discussão sobre a água; a expressão da população cearense? nova cultura que acontece no real e compara com o que você igualdade entre as pessoas, da aceita- Magnólia: Nós estamos de águas tamriedade, da justiça social, da sustenta- conseguindo, apesar das viu na televisão que é tobilidade ambiental e da gestão demo- limitações de pessoas debém pressupõe talmente diferente. Encrática. Nós queremos o reverso de dicadas a isso e de limivocê ouvir essas pesum debate na tão, um modelo orientado hoje para um tações financeiras, dessoas, desperta de alguma crescimento que desordena o meio pertar nas pessoas de um sociedade so- forma o sentimento de ambiente e fragmenta a sociabilidade. modo geral a sensação bre a cultura, que tem alguma coisa Um modelo orientado para beneficiar de que tem alguma coierrada. Porque as pessoas empreiteiros, consultores de realização sa errada com esse tipo aliás, sobre a têm uma idéia de como de obras, políticos, toda uma elite que de obra e com o procesmulticulturali- isso acontece, mas elas é fundamentalmente branca e hierár- so decisório que temos nunca ouvem de quem quica. dade.” de desenvolvimento do é afetado, de quem é CEPEMA: Em que momento a Frente semi-árido. Nós estamos impactado. Aí quando pensa no envolvimento de pessoas que conseguindo construir uma consciênouve, percebe que o contexto que está não estão nem nessa elite nem envolvidas cia crítica com relação ao modelo de colocado hoje não é um contexto real. desenvolvimento que nos leva a uma diretamente nos movimentos sociais? cultura estabelecida na sociedade que CEPEMA: O que mudaria no cotidiaMagnólia: Esse é o desafio da Frente. é fragmentadora, desconhecedora dos no das pessoas se essa cultura que envolve A Frente pegou a questão da obra de processos sociais e extremamente mi- a relação com as águas mudasse e se retransposição do rio São Francisco e está diática e espetacularizada. almente fosse criada uma nova cultura fazendo rodas de conversas não apenas com as pessoas que estariam afetadas CEPEMA: Que mecanismos vocês usam de águas? por essas obras. Nós compreendemos para levar essa discussão? Magnólia: As mudanças só ocorrem se que se não houver o enMagnólia: Nós estamos houver articulação e pressão. Pra eu me volvimento das popula“As mudanças fazendo seminários, par- mobilizar e pressionar, eu tenho que ções urbanas, das pessoticipando de programas conhecimento e informação. Um as que estão em espaços só ocorrem se de rádio. Estamos pro- ter governo que queira as pessoas como de discussão política, das duzindo material para houver articucidadãs, que as pessoas sejam parte populações que em tese os sites das organizações não teriam nada a ver lação e pressão. e para a imprensa. Nós – independente da cor, da condição com essa questão nós fizemos um documentá- social – do processo democrático na Pra eu me nunca poderemos estario sobre a transposição sociedade e, portanto, sejam partes do belecer um outro patamobilizar e que, por sinal, é a única desenvolvimento, ele tem que investir mar de entendimento peça comprobatória do na educação. A educação passa por vápressionar, eu do que a gente está chaestado da obra da trans- rias questões, como ambiental, social, mando de uma nova cultenho que ter posição que foi apensada econômica, passa por todas as dimentura. Entendimento de à ação que está no Su- sões do desenvolvimento. Então, se valores, de educação no conhecimento e premo Tribunal Federal. eu tenho informação e conhecimento sentido mais amplo, de informação.” Nós vamos agora passar e tenho educação eu vou reivindicar educação para a vida, no para uma fase de estudos participação. Não aquela participação sentido de direitos humanos. Porque a específicos sobre os problemas decorconsentida, mas uma participação no questão da água também passa pelos rentes da transposição e a partir desse direitos humanos e de justiça, no sen- estudo nós vamos continuar o debate campo do real onde eu possa de fato expressar o que eu penso, ser escutada tido amplo, de justiça ambiental, jus- sobre uma nova cultura de águas. e participar do processo de decisão. Aí tiça econômica, justiça social e justiça CEPEMA: Que documentário foi esse? nós poderíamos ter uma outra cultura cultural. Discutir uma nova cultura de águas também pressupõe um debate na Magnólia: Nós fizemos um vídeo que de água no estado do Ceará e no país. 3 30

sociedade sobre a cultura, aliás, sobre a multiculturalidade.


Rede Brasileira Agroflorestal UM MANUAL ESCRITO A VÁRIAS MÃOS

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organizações não-governamentais brasileiras que trabalham com a visão agroecológica e de sistemas agroflorestais toparam o desafio de elaborar o Manual Agroflorestal para Mata Atlântica. O desafio começou em dezembro de 2006 e o conteúdo do manual vem surgindo a partir de discussões interativas e participativas, promovidas pela REBRAF, Rede Brasileira Agroflorestal, que aglutina as dezoito ONGs.

O primeiro encontro ocorreu de 28 a 30 de março de 2007, em Nazaré Paulista/SP, no Centro Brasileiro de Biologia da Conservação, CBBC, da entidade parceira IPÊ. Na ocasião, foi feita capacitação com os técnicos representantes de cada entidade. No próximo mês de outubro, será realizado um encontro final com o lançamento dos produtos finais das oficinas regionais, em versão de CD/ROM e WEB.

Do Ceará ao Rio Grande do Sul, capacitações técnicas com produtores rurais e técnicos das regiões estão sendo realizadas. O trabalho é apoiado pelo projeto de “Capacitação Participativa de Agricultores Familiares e Formação de Agentes de Desenvolvimento Agroflorestal para Difusão de Experiências com Práticas Agroflorestais no Bioma da Mata Atlântica”, financiado pelo MDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário.

A Fundação CEPEMA é uma das ONGs envolvidas na elaboração do manual. Após participar do encontro de março, o CEPEMA realizou oficina de capacitação com agricultoras, agricultores e parceiros do Ceará. Foram dois dias, 21 e 22 de junho, estudando quatro manuais sobre agrofloresta que serviram de base no encontro de março. A oficina aconteceu em Viçosa do Ceará, com a participação de 20 pessoas.

Missão da Rede Brasileira Agroflorestal - REBRAF “Promover a difusão de sistemas agroflorestais no território brasileiro ou ainda a recuperação de terras degradadas.” Contato: www.rebraf.org.Br / info@rebraf.org.br

Expediente é uma revista publicada pela Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente CEPEMA Entrevistas e reportagens: Klycia Fontenele (jornalista responsável - Reg. 1978-CE) Capa: Foto de D. Terezinha no SAF Lagoa do Carnaubal/Viçosa do Ceará (Eduardo Magalhães) Fotografias: Eduardo Magalhães e arquivos do CEPEMA e Esplar. Mapas: Arquivo CEPEMA. Projeto Gráfico e Diagramação: Adimilson de Andrade. Edição e Impressão: Expressão Gráfica Ltda. Tiragem: 2.000 (papel reciclato). Fortaleza, ano1 nº 1 - agosto de 2007.

FUNDAÇÃO CEPEMA Conselho Diretor Danillo Galvão Peixoto Filho Presidente Henrique César Paiva Barroso Vice-Presidente Fco. José de Lima Dir. Adm. Financeiro Patrimonial Adalberto Alencar Coordenador Pedagógico Colaboradoras e Colaboradores Antônio Eronilton Pereira Buriti Antônio Eurismar C. de Oliveira Aurinete Santos de Oliveira Auristela de Oliveira Lemos Eduardo Lima Magalhães Elianísia Alves Mendes

Francisca da Conceição de Sousa Francisco Edson da Silva Francisco Fábio Costa Martins Francisco Messias Teodósio Francisco Tadeu Silveira José Weldmar de Oliveira Lúcia Alencar Luis Carlos dos Santos Luis Eduardo Sobral Fernandes Marcos José Arruda Garcia Maria Betânia Soares Ferreira Maria Deusilane F. Silva Maria Erivânia Buriti Maria Helenilda A. da Silva Alves Maria Heleni Lima Rocha Maria Zelma de Araújo Madeira Valgeane Marreiro Silva Wilkson W. Gondim



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