NEWSLETTER FMVG N.º 19 JUL-SET 2019 | CULTURA ALGARVE

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10 A N O S newsletter n.º 19, Jul - Set./2019

ESPECIAL

AS PALAVRAS DA MINISTRA DA JUSTIÇA NO FLIQ 2019 | 12 CAMPANHA SOLIDÁRIA REÚNE 5.000 LIVROS PARA S. TOMÉ | 15 CRÓNICAS DO FLIQ PARTE II POR MARTA DUQUE VAZ | 18

o «engenheiro das letras» no discurso inaugural da FMVG em Agosto de 2009


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A FUNDAÇÃO Luís Guerreiro fala sobre as origens e desiderato da Fundação Manuel Viegas Guerreiro, em entrevista à TV Loulé a 5 de Novembro de 2011 «… A Fundação nasceu por causa do cidadão Manuel Viegas Guerreiro, natural de Querença. Um distinto etnógrafo e que tem um percurso de vida extraordinário do ponto de vista nacional e até internacional. Era professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, foi discípulo de Leite de Vasconcelos, trabalhou com um conjunto de grandes especialistas nacionais na área da etnografia e da história, com o geógrafo Orlando Ribeiro, o antropólogo Jorge Dias, uma série de gente que se notabilizou nos anos 40 e 50. Manuel Viegas Guerreiro que não tinha filhos, vivia em Lisboa mas sempre ligado à sua terra natal. Antes de falecer, manifestou o interesse em doar o seu espólio à sua terra, desde que existisse uma estrutura que pudesse naturalmente guardar esse espólio, que o pudesse tratar e que o pudesse divulgar. Foi nesse sentido que foi criada uma Fundação, que se entendeu na altura ser a melhor forma de o fazer.

A Fundação tem utilidade pública, rege-se por princípios de serviço público e não tem outras fontes de receita que não sejam o trabalho que desenvolve, a carolice e alguns apoios de algumas entidades como a Câmara Municipal de Loulé, a Junta de Freguesia e um ou outro contributo. Quando pensámos na Fundação, pensámos também que ela não se deveria circunscrever apenas ao estudo e à obra do Professor Manuel Viegas Guerreiro, devia ter outras vertentes, no campo dos estudos das ciências sociais e na área do ambiente. Porquê? Porque há outro grande professor universitário de Querença, o Professor Manuel Gomes Guerreiro, que é digamos - o nosso segundo patrono. Foi o primeiro Reitor da Universidade do Algarve e Secretário de Estado do Ambiente. Foi ainda

Luís Guerreiro captado pela lente de Telma Veríssimo no FLIQ de 2017

um dos pioneiros dos estudos do Ambiente em Portugal e, porque também tinha uma forte ligação a Querença, nós conciliámos estas duas vertentes. (…) Temos projectos na área cultural, editámos alguns estudos, já publicámos a fotobiografia do professor Manuel Viegas Guerreiro, também do Manuel Gomes Guerreiro e estamos neste momento a tratar de outras fotobiografias e de outros estudos. Temos realizado conferências, colóquios, acções de formação… Ao fim e ao cabo é o que a Fundação faz, sendo dirigida por um conjunto de pessoas que, convém salientar, não aufere sequer um cêntimo, ninguém tem um ordenado. Não há senhas de presença, nada disso! Só os funcionários é que têm um rendimento. Pode pensar-se “Uma Fundação… isso é para ganhar dinheiro…”, mas não é. Procuramos fazer projectos que sejam sustentáveis, com alguns apoios através do mecenato e de algumas empresas, o que não é fácil hoje em dia. A Fundação tem utilidade pública, rege-se por princípios de serviço público e não tem outras fontes de receita que não sejam o trabalho que desenvolve, a carolice e alguns apoios de algumas entidades como a Câmara Municipal de Loulé, a Junta de Freguesia e um ou outro

contributo.» Sobre a responsabilidade do poder político local «Nós Municípios e organismos públicos temos o dever de preservar, de tratar, de divulgar estas coisas que nos dizem respeito, a nossa cultura própria. Porquê? Porque numa sociedade crescentemente globalizada, em que há uma tendência geral para tornar tudo igual, rotinas, hábitos, costumes… se for ao sul da Grécia, encontra o mesmo tipo de gastronomia, museus, etc, mas há coisas que nos conferem identidade e nos diferenciam dos outros. Esses aspetos devem ser valorizados, salvaguardados e tratados. É isso que nós estamos a fazer.»

A ENTREVISTA ACIMA TRANSCRITA FOI CONDUZIDA POR VÍTOR GONÇALVES. PODERÁ SER VISUALIZADA NA ÍNTEGRA BASTANDO PARA ISSO CLICAR AQUI.


NEWSLETTER N.º 19 | JUL– SET 2019 | ESPECIAL 10 ANOS

A Inauguração A Carta enviada à Presidência da República

EDIÇÕES FMVG


A Obra

MM

CML

LS

CML

CML

Do rascunho à realidade

Infografia

2008

2019

Infografia

2008

2019

EM CIMA E À DIREITA Esboço da preparação da cerimónia de inauguração da FMVG, pela mão de Luís Guerreiro, em duas páginas A4. FOTOGRAFIAS Apresentação do projecto (Mar. 2004); Lançamento da primeira pedra (Ago. 2006): presença de Eduardo Cabrita, SEC Adjunto e da Administração Local, João Guerreiro, Reitor da UAlg, Seruca Emídio, presid. CML, Manuel dos Santos Viegas, presid. Junta de Freguesia de Querença, entre outros; Maquete do projecto e vistas parciais da evolução da obra (Jul./2008) até à actualidade.


O Reconhecimento As palavras iniciais do Presidente da FMVG

Luís Guerreiro no discurso inaugural da FMVG

EDIÇÕES FMVG


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As várias personalidades presentes na inauguração da FMVG


NEWSLETTER FMVG N.º 19 | JUL– SET 2019 | ESPECIAL 10 ANOS

A Actividade Cronologia 2000 - Presente

2000 – FMVG instituída por escritura em 11 de Abril no Cartório Notarial de Loulé. Reconhecida pelo Governo / Portaria n.º 1334/2004 de 23 de Dezembro. 2002-2009 – Promotora do Plano de Recuperação e Valorização do Património e da Paisagem Rural da Freguesia de Querença. 2003-2007 – Promotora e gestora do Projecto de Recuperação de habitação rural de traça tradicional 2004 – Apresentação do projecto de construção da sede da FMVG e valências 2004 – 1.as Jornadas Micológicas do Algarve, Querença. Parceria com a Associação Almargem, Min. da Cultura – Del. Reg. da Cul., Del. Provincial de Agricultura de Huelva e Ass. Micológica da Serra de Aracena. 2005 – 1.as Jornadas Micológicas do Algarve, Alte 2006 - Início da construção da sede da Fundação MVG, biblioteca, auditório e recuperação do lagar, hoje restaurante Tasquinha do Lagar 2006 – Edição de Manuel Viegas Guerreiro: Fotobiografia, de Francisco Melo Ferreira 2007 – Edição de Manuel Gomes Guerreiro: Fotobiografia, de Fernando Santos Pessoa 2009 – Inauguração da Fundação e Sala-Museu Manuel Viegas Guerreiro 2009 – Criação do Centro de Estudos Algarvios 2011 – Co-organização da “Jornada la Cadena de Valor Alimentaria da Aceituna de Mesa”, Sevilha com Junta de Andaluzia e Conselho Olícola Internacional 2011-2012 – 1.a Fase de inventariação do espólio documental do Patrono da Fundação. Parceria com o Arquivo Municipal de Loulé 2011-2015 – Co-promotora do Projecto Querença

EDIÇÕES FMVG


2013 – Jantares/debate no âmbito das comemorações do centenário do nascimento de Manuel Viegas Guerreiro subordinados ao tema “Viegas Guerreiro e o seu legado patrimonial”. 2013-2016 – Parceira no projeto “O Arquivo do Romanceiro Português da Tradição Oral/Moderna (1828-2010): sua preservação e difusão”, de que a FMVG é fiel depositária. Projecto CIAC-UAlg/FCT. Patrocínio Fundação Calouste Gulbenkian. 2015 – Exposição «O Poeta Aleixo visto por artistas plásticos» 2015 – Exposição de pintura de Alfredo da Conceição

2017 – Edição de Festival Literário Internacional de Querença: Catálogo 2016, org. Patrícia de Jesus Palma 2017 – Organização da exposição itinerante «Entre Mil Águas – Vida Literária de Casimiro de Brito». Parceria CHAM – FCSH/Universidade Nova de Lisboa 2017 – Candidatura da Colecção Povos Indígenas (espólio MVG) ao Programa Internacional ADAI 2017 – Candidatura do projecto Hemeroteca Digital do Algarve (HDA) ao 1.º Orçamento Participativo de Portugal (OPP)

2015 - 2019 - FMVG recebe visitas de estudo de alunos de todos os ciclos e de diversas escolas de Loulé e Faro 2016 – Parceira do projecto Entrearquivos 2016 – Exposição de fotografia «África Minha -Trilhos Africanos» de MVG 2016 – 1.º Festival Literário Internacional de Querença, marcado pelo

2017 – Membro da Rede Loulé Cidade Educadora/Associação Internacinal das Cidades Educadoras 2017 – Parceira no Colóquio «Pentateuco: comemoração dos 530 anos de livro impresso em Portugal», organizado por Patrícia de Jesus Palma/ CHAM – FCSH/Universidade Nova de Lisboa e Câmara Municipal de Faro 2017 – 2.º Festival Literário Internacional de Querença, sob o tema Litera-

1.º Encontro Ibérico de Poesia 2016 – Co-organização da exposição «Entre Mil Águas: Vida literária de Casimiro de Brito». Parceria CHAM – FCSH/Universidade Nova de Lisboa 2016 – Conversas ENTRE livros (sessões de divulgação cultural e científica) 2016 – Edição de Cândido Guerreiro: Fotobiografia, de Luísa Martins 2016 - Protocolo entre as Fundações Viegas Guerreiro e António Aleixo 2016 - Candidatura da Festa das Chouriças em Honra de S. Luís a Património Cultural Imaterial 2017 – Candidatura do Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro ao Programa CRESC ALGARVE 2020. Parceria UAlg e CML 2017 – Criação de newsletter da Fundação e canal de youtube

tura & Sociedade, ideia de refúgio 2017 – Edição de Manuel Viegas Guerreiro: Moçambique, 1957, de Luísa Martins/CML 2017 – Edição de Festival Literário Internacional de Querença: Catálogo 2017, org. por Patrícia de Jesus Palma 2017 – Exposição «Teresa Rita Lopes: Uma paisagem de mim», por Patrícia de Jesus Palma 2017 – Concepção, produção e realização de documentário Manuel Viegas Guerreiro: Mestre do Mundo, por Marinela Malveiro 2017 - HDA projecto vencedor no OPP


2017 - Aprovação da candidatura do Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro ao Programa CRESC ALGARVE 2020 2017 - Sessões formativas sobre vinha (Dir. Reg. de Agr. e Pescas do Algarve) e apoio à actividade económica de base local (In Loco) 2017 - Concerto «O Sul de José Afonso» por João Afonso, Luís Galrito e convidados. Parceria CML/Cine-Teatro Louletano 2017 - 2018 - Alterações estatutárias da FMVG 2017 - 2019 – Co-organização de ateliers quinzenais de artes plásticas (“Oficina dos Sentidos” junto da comunidade residente nacional e es-

2018 - Sophia, a Senhora do Mar, peça de teatro apresentada pela Universidade Sénior de Loulé. Encenação de José Teiga 2018 – 3.º Festival Literário Internacional de Querença, sob o tema

trangeira), pela formadora Dulce Margarido, docente de Educ. Visual na EB 2, 3 Padre João Coelho Cabanita, Loulé 2018 - 2019 - FMVG recebe acções de formação de parceiros como associação In Loco, Ombria Resort, DRAP Algarve e União de Freguesias de Querença, Tôr e Benafim 2018 - Após a morte do presidente da FMVG Luís Guerreiro, Gabriel Gonçalves assume a presidência e José Maria Guerreiro a vice-presidência, ao lado de Idálio Revez. 2018 – Concerto «Cantos e Lamentos» de Ricardo J. Martins. Parceria CML/Cine-Teatro Louletano 2018 - Comemoração do 44.º aniv. do 25 de Abril com Conversas Informais, dinâmica Colorir Abril e inauguração de exposição Graffitis

2018 – Tertúlias poéticas em torno da poesia de Gastão Cruz, escritor homenageado no FLIQ 2018, agraciado com a Medalha de Mérito Cultural pelo MC, entregue na Fundação a 4 de Ago. de 2018. Parceria CIAC/UAlg 2018 - Anfitriã do 12.º Encontro de Genealogistas do Algarve 2018 - Anfitriã do encontro de final de ano do Curso de Formação de Professores de Loulé e palco de apresentação do projecto H2O Poupa -me! Envolveu perto de 500 alunos e 100 professores de Loulé, Quarteira, Salir, Alte e S. Brás de Alportel 2018 - Palco de Karl Valentin Kabarett, teatro musical com textos do dramaturgo alemão Karl Valentin e encenação de Ricardo Neves-Neves, na Praça da FMVG. Parceria CML/Cine-Teatro Louletano 2018 - Anfitriã da reunião do grupo Projecto Educativo Local, organizada pela Rede Municipal Loulé Cidade Educadora 2018 - FMVG/FLIQ integra programa de televisão Todas as Palavras, exibido em Setembro na RTP 2019 - Processo de restauro, conservação e digitalização dos slides da

e cartazes do PREC – Período Revolucionário em Curso de 25 Abril de 1974 a 1977 , de Diogo Margarido com organização de Dulce Margarido. Parceria com UAlg, Associação Cívica Tomaz Cabreira e Fundação António Aleixo (Loulé sem Fronteiras)

Literatura & Ilustração 2018 - Edição de Catálogo Festival Literário Internacional de Querença FLIQ 2017 / Org.: Patrícia de Jesus Palma 2018 – Co-organização da exposição «Gastão Cruz: Palavras somos nós», em parceria com a Câmara Municipal de Loulé e no âmbito do FLIQ 2018.


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Colecção MVG. Cooperação Luísa Martins/CML 2019 - FMVG assinala 30 anos da sessão inaugural dos Estudos Gerais Livres 2019 - Exposição Reminiscência em cor, Pinturas do Algarve, 1996-2009 , de Gerda Gritzka. Incluiu

2019 - Edição de Catálogo Festival Literário Internacional de Querença FLIQ 2018 / Org.: Marinela Malveiro 2019 – Co-organização da exposição «Nuno Júdice: 50 anos de vida literária», comissariada

curso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro. Parceria UAlg e CML 2019 - Fundação reforça trabalho conjunto com docentes e alunos da EB/JI de Querença no âmbito da literacia (formação e sessões Ler Cãofiante),

sessão de pintura ao vivo com alunos de Loulé e espectáculo de pantomimiC-Art , por Isabelle & Violaine Roussies 2019 - Concerto «A Era dos filmes musicais», com Lara Martins, soprano e Olga Amaro, piano. Parceria CML/Cine-Teatro Louletano 2019 - 4.º Festival Literário Internacional de Querença, sob o tema Literatura & Geografia(s)

por Ricardo Marques 2019 – Edição de A apologia do sonho ou a Infinita liberdade de ensinar , de Francisco Melo Ferreira 2019 – Produção e realização de documentário

projecto concebido e dinamizado por Maria José Mackaaij/CML 2019 - Criação de uma pequena biblioteca «A Nossa Casa Comum», vocacionada para a temática ambiental em articulação com o Percurso EcoBotânico Manuel Gomes Guerreiro 2019 - Palco para os Ensemble Trisonante, música de câmara. Parceria CML/Cine-Teatro Louletano

Estudos Gerais Livres: Um título para a História por Marinela Malveiro 2019 – Lançamento da obra de construção do Per-


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ESTUDOS GERAIS LIVRES

A «aula livre» de Francisca Van Dunem

A Fundação Manuel Viegas Guerreiro agradece sincera e profundamente a Sua Excelência, a Senhora Ministra da Justiça, Dr.ª FRANCISCA VAN DUNEM, pela manifesta generosidade com que se disponibilizou para conhecer Querença e dar uma aula livre no âmbito da comemoração dos Estudos Gerais Livres, evocando o etnógrafo e antropólogo Manuel Viegas Guerreiro. A «aula» da Sr.ª Ministra, na abertura do 4.º FLIQ - Festival Literário Internacional de Querença, a 3 de Maio, espelhou de forma inequívoca os valores da Democracia, da Justiça e dos Direitos Humanos. A sintonia entre a génese do FLIQ e as palavras ditas no palco de Querença, sob uma tarde quente de Maio de 2019, não poderia ter sido mais feliz. A transmissão das ideias, dos saberes da vida e da academia através de um discurso simultaneamente pessoal e universal homenageou de forma perfeita, na sua aldeia, o mentor dos Estudos Gerais Livres. Por fim, a forma aparentemente simples, mas de total entrega assim o reconhecemos - marcou e enlevou todos aqueles que se reuniram em torno de Francisca Van Dunem. Agradecendo a amabilidade da Sr.ª Ministra que, em Maio, “ofereceu” a sua comunicação a esta Fundação e cumprindo a premissa do seu Patrono de que o saber vale mais a pena quando partilhado, publicamos neste número da newsletter FMVG: «Estudos Gerais Livres», por Francisca Van Dunem. Em breve, o mesmo discurso será disponibilizado através de uma publicação em suporte papel. A Fundação Manuel Viegas Guerreiro reitera o seu muito obrigado. Gabriel Guerreiro Gonçalves, presidente da FMVG

SOBRE FRANCISCA VAN DUNEM Ministra da Justiça É Licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa desde julho de 1977. Foi monitora de Direito Penal e Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa entre 1977 e 1979. Foi assessora de sindicância e inquérito na Alta Autoridade contra a Corrupção, entre 1985 e 1987, em comissão de serviço. Delegada do Procurador da República no Tribunal do Trabalho, no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa. Integrou o Gabinete do Procurador-Geral da República, entre 1999 e 2001, foi diretora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, entre 2001 e 2007, e Procuradora-Geral Distrital de Lisboa, de 2007 a 2015. É juíza do Supremo Tribunal de Justiça em suspensão de funções para o exercício do cargo de ministra da Justiça do XXI Governo Constitucional. Foi membro da Rede Judiciária Europeia em matéria penal entre 2003 e 2007; representante do Conselho Superior do Ministério Público na Unidade de Missão para a Reforma Penal; membro da Comissão de Revisão do Código de Processo Penal de 2009; membro do Conselho Superior do Ministério Público; e representante do Conselho Superior do Ministério Público no Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários. Representou Portugal em várias reuniões e Comités Técnicos de Organizações Internacionais, nomeadamente o Comité Europeu para os Problemas Criminais, do Conselho da Europa e o Observatório Europeu dos Fenómenos Racistas e Xenófobos da União Europeia. O artigo que se segue constitui a transcrição da intervenção proferida em Querença.


ESTUDOS GERAIS LIVRES Aula Livre no 4.º FLIQ, por Francisca Van Dunem

Agradeço ao senhor Presidente da Fundação Manuel Viegas Guerreiro – Eng.º Gabriel Guerreiro Gonçalves, o convite amável para participar nesta edição do FLIQ – Festival Literário Internacional de Querença, cuja realização simboliza a diferenciação e o empenhamento das mulheres e dos homens desta terra no cultivo do espírito: das letras, da música, das artes… Aceitei o convite com muito gosto e alguma preocupação. Preocupou-me, desde o início, saber o que é que do meu percurso de vida sobrevive ao escrutínio da banalidade que gera sonolência, sobretudo numa tarde solarenga de meio de Primavera. Resolvi, por isso contar-lhes tudo, ou quase tudo. Começando pelo meu início. E decidi assim porque muitas vezes as decisões tomadas e as acções praticadas num dado tempo só são explicáveis à luz de acontecimentos que as precederam. Nasci em Luanda no seio de uma família grande. Sou a última dos seis filhos dos meus pais. As memórias que tenho da minha primeira infância, passada numa cidadezinha capital do

Kuanza Sul - então novo Redondo, agora Sumbe, reposto o nome tradicional -, são impregnadas de sinais de grande felicidade, desenhados num quadro de suave tranquilidade, onde identifico a ternura serena dos meus pais, a unidade cúmplice dos meus 5 irmãos e a languidez doce dos muitos dias límpidos e quentes. Mas, um dia, esse quadro de tranquilidade quebrou-se. Os meus pais começaram a parecer-me tensos. Falavam num tom abafado, entre eles e com amigos que iam entrando e saindo também estes com a tensão no semblante e ar apressado. Os convívios de fim de tarde - tão frequentes em nossa casa - foram-se tornando mais rápidos, mais espaçados e a surdina tomou conta dos diálogos. Ao fim de algum tempo saímos do Kuanza Sul. Partimos para Luanda. Primeiro a minha mãe, com cinco de nós. Pouco depois o meu pai. O ambiente em Luanda era pesado. Pesado como um Verão abafado e com nuvens baixas. A cidade cheirava a medo. Recolhia-se cedo a casa e havia muitas precauções a tomar. Brincava-se mais dentro de casa e menos no jardim, ao ar livre. A minha mãe olhava disfarçadamente

para o relógio várias vezes, à hora em que os meus irmãos deveriam regressar das aulas e o meu pai do trabalho. Estávamos em 1961. Tinha eclodido a revolta armada, no dia 4 de Fevereiro. A resposta não se fizera esperar. E vinha inspirada nas melhores lições de Talião. A rádio falava diária e detalhadamente de atrocidades que atribuía aos “terroristas”. Com cinco anos e meio percebi que iam desaparecendo do circuito familiares e amigos dos meus pais; que o simples andar na rua legitimava epítetos como: “negros, terroristas, deviam ser todos mortos”; ou podia dar origem a cenas de súbita “identificação” de alguém como participante ou mentor do ataque a uma fazenda ou a uma família no Norte de Angola! Identificava-se um “terrorista”. A partir daí tudo era válido: primeiro eram os gritos descontrolados do acusador; depois a vozearia da multidão que se formava, de súbito, e investia contra o suposto “terrorista”. E eram tantos, tantos, não a bater mas a torturar - porque muitas destas cenas envolviam estratégias de prolongamento racionalizado da dor - que no fim, onde antes se via um homem, pairava apenas uma alma sem figura de gente. Uma milícia designada por Defesa Civil - formada por homens armados que patrulhavam diariamente as ruas, sobretudo a partir do crepúsculo - alimentava o ódio e funcionalizava o exercício de uma violência bárbara e indiscriminada contra a população. Andar na rua tornou-se, para o segmento masculino da população autóctone um ritual de encontro com o risco, porque podia significar um passaporte para a morte. Era crime olhar nos olhos; andar de cabeça erguida, era considerado sintomático da ingratidão e arrogância que tinham gerado o “terro-rismo”. Andar de olhos postos no chão e de cabeça baixa, também constituía crime: tinha a leitura da cumplicidade, de tentativa de passar desapercebido, o que significava participação em acções, ou cumplicidade com os “terro-


ristas”. Percebi precocemente como os sentimentos individuais de justiça podiam desaguar na mais pura vingança. E esse foi um período de anulação do Direito. Foi um tempo em que justiça se tornou sinónimo de vingança. Em que a reacção se prefigurava sempre em linha de superação da gravidade da ofensa. E o olhar institucional sobre isso era totalmente parcial. As instâncias formais de controlo, o Governo, as polícias, os tribunais apenas conheceram o sentido de “justiça” inspirado por um dos lados ofendidos. E foi nesse processo que identifiquei a imparcialidade e a igualdade como atributos centrais do conceito de justiça. Entre 1965 e 1971 sucessivas vagas de prisões retiraram da circulação e da nossa vida conjunta, familiares, pais de amigos, amigos, conhecidos… Não havia garantias de defesa, nem julgamentos em tribunal. E quando havia tribunais e julgamentos, faltava a coragem. A coragem capaz de gerar defensores que enfrentassem os dias de ira, a cólera e a fúria dos homens maus! Eram muito poucos os advogados que o faziam. Foi assim que aos dez, onze anos, a minha vida estava inteira numa certeza: seria advogada. Identificava a advocacia como a vocação das mulheres e dos homens justos, como o lugar da integridade e da coragem. A minha convicção era alimentada por um mundo de ficção fecunda e inspiradora, em que personagens como Atticus Finch, o intrépido advogado que é personagem central de uma das mais importantes obras da literatura norte americana, Não matem a cotovia da autoria de Harper Lee - enfrenta sozinho uma comunidade possuída pelo ódio racial, em defesa dos deserdados da terra. E, no mundo real, a minha certeza foi grandemente alimentada pela coragem da auto-defesa de homens como Fidel Castro jovem - preso na sequência do assalto ao quartel de Moncada

- que termina em tribunal o seu libelo contra o regime de Fulgêncio Batista enfrentando os julgadores com a tirada que correu mundo: «Podeis condenar-me. Isso pouco me importa. A História me absolverá!» E, mais ainda, pela dignidade heroica de Nelson Mandela, nas suas poderosas palavras finais no julgamento de Rivonia, dirigindo-se ao juiz que o julga e que o pode condenar à pena capital. E cito: «Sobretudo, Meritíssimo, queremos direitos

políticos iguais, porque sem esses direitos as nossas insuficiências serão permanentes. Sei que isso soa a revolucionário aos brancos deste país, porque a maioria dos eleitores será formada por negros. Esse facto faz o homem branco temer a democracia. Mas não se pode permitir que esse temor seja um obstáculo à única solução que vai garantir harmonia racial e liberdade para todos. Não é verdade que a extensão do direito de voto a todos resultará em dominação racial. A divisão política baseada na cor é inteiramente artificial e, quando desaparecer, desaparecerá também o domínio de um grupo de cor por outro. A nossa luta é uma luta verdadeiramente nacional. É uma luta do povo sul-africano, inspirada por nosso próprio sofrimento e nossa própria experiência. É uma luta pelo direito de viver. Dediquei toda a minha vida a esta luta do povo sul-africano. Lutei contra o domínio branco e lutei contra o domínio negro. Defendi e prezo a ideia de uma sociedade democrática e livre, em que todas as pessoas convivam em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual eu espero viver e que espero ver realizado. Mas, Meritíssimo, se preciso for, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer.» Ainda hoje, o eco destas palavras me causa um estremecimento interior. E os meus sonhos eram totalmente povoados

pela sedução da força que emanava destes homens, que davam a sua vida pela defesa da igual dignidade de todos os seres humanos. Cresci muito depressa. Cresci a conspirar para que acontecesse um dia límpido em que a justiça de todos fosse julgada de um modo igual. A permanente impressão de ausência de justiça tornava-se intolerável. Platão, um dos primeiros pensadores sobre a justiça, reconhece, na República, que o sentimento de injustiça opera como um revelador. A experiência da injustiça inspira-nos um ideal de justiça e a exigência de uma norma universal. Foi assim que passou a habitar em mim a ideia de que só no Direito encontraria um quadro satisfatório de resposta para a realidade desigual e injusta em que vivia. Em 1973 atravessei teimosamente o oceano e vim para Lisboa, estudar Direito, contra a opinião da minha família. Tinha 17 anos. Deixei os meus pais, a minha casa e o meu mundo. Creio que o mesmo aconteceu com muitos jovens, nesse tempo. Decidiam sair de casa e vir estudar Direito porque queriam concretizar um ideal de justiça; porque o Direito lhes parecia a primeira vocação dos justos; a primeira tentação dos que acreditam e querem ver vividas liberdades iguais. O meu marido, que lecciona Direito há mais de 40 anos, diz-me por vezes, com amargura, no início do ano, que não são já as razões altruístas e de compromisso com a realização de justiça que motivam as novas gerações… Creio que a decepção se prende com o facto de acreditarmos que a virtude, o altruísmo e a grandeza de espírito tinham outra expressão quando éramos jovens… Não haverá, provavelmente, evidência científica que sustente essa convicção. Mas ela reconcilia-nos com o nosso passado e reconforta-nos face à incompreensão do presente e à incerteza do futuro. Em Abril de 1974, sete meses volvidos sobre a minha chegada a Lisboa, eclodiu a revolução de


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Abril e entrou-se num período de grande efervescência social e política. A minha família continuava em Angola. Eu fui de férias mas voltei a Lisboa e concluí o segundo ano de Direito. Quando regressei a Angola, em Julho de 1975, tinha a firme determinação de prosseguir os estudos do outro lado do Equador. Tinha vivido a transição e a exaltação da independência e ainda fiz uma tentativa de estudar em Moçambique - onde já tinha sido criada uma Faculdade de Direito. Mas em Moçambique percebi que tinha de voltar ao primeiro ano e de recomeçar tudo, de novo. E naquele específico período histórico, e com 20 anos acabados de fazer, a urgência de realização ditava todas as minhas decisões. Assim, regressei a Lisboa, com a missão de concluir a licenciatura no mais curto espaço de tempo. Em Maio de 1977, preparava-me eu para concluir a licenciatura e regressar a Angola, quando um verdadeiro terramoto eclodiu na minha vida. De novo, a emergência de um espaço de Direito nulo. Na Angola já independente, o passado que eu julgava enterrado voltou. De repente, milhares de jovens da minha geração foram presos e assassinados, sem defesa e sem julgamento. Não pude advogar naquela que teria sido a causa da minha vida. Faltei a esse encontro. Não estava ainda licenciada e nunca cheguei a advogar. De repente, quebrou-se o espelho em que eu tinha visto projetado o meu futuro, estilhaçando-se em mil pedaços em que se reflectiam múltiplos caminhos todos distantes do futuro que eu tinha como meu, inteiro. Durante 2 anos fui monitora de Direito e Processo Penal na FDUL. Iniciei em 1979 uma carreira na magistratura do Ministério Público. Não me tornei advogada. Tornei-me magistrada por contingências de um destino a todos os títulos imprevisível e incongruente com todas as propostas de vida que a minha imaginação pudesse ter antecipado… Diria que fui apanhada por um futuro que nenhum presente me poderia ter feito conceber. Como magistrada do Ministério Público defendi incapazes, dei voz a menores, representei

na jurisdição laboral trabalhadores e seus familiares, dirigi inquéritos criminais nos tribunais; exerci funções hierárquicas como diretora do DIAP de Lisboa e como Procuradora Geral Distrital de Lisboa... Fiz um percurso de mais de dois anos na Alta Autoridade Contra a Corrupção; participei em comissões encarregues de reformas legislativas. Procurei sempre ver nos processos não apenas o maço de papel que intermediava uma dada realidade, mas, sobretudo, concentrar-me nas controvérsias, nos dilemas, nos dramas de vida subjacentes àqueles conjuntos de folhas. E incuti isso a todos os magistrados e funcionários que dirigi. Trabalhei tão empenhadamente como magistrada como teria trabalhado se me tivesse tornado advogada. Ao longo dos meus cerca de 36 anos de profissão vivi sempre a justiça com imparcialidade e preservei uma atitude de respeito activo pelos justiciáveis. Convivo com todas as imperfeições do sistema de justiça com a convicção de que, pior do que a justiça imperfeita, é a ausência de justiça. Fiz toda a minha carreira no MP mas, a um momento dado, percebi que tinha já percorrido todas as etapas que a evolução na carreira com base apenas no critério do mérito permitia. Hoje tenho a condição de juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Mudei de magistratura ao fim de 36 anos e a concretização da mudança deixou-me em carne viva. Foi como se tivesse arrancado a própria pele. Mas estou convicta de que mais importante do que a profissão jurídica que se abrace é a integridade com que se vive essa mesma profissão. Em 2015, no final do ano, aceitei o convite que me foi dirigido para integrar o XXI Governo Constitucional. Aceitei o convite com honra e sentido de dever, porque confio na dedicação à causa pública, na capacidade de realização e na absoluta integridade de quem me formulou o convite. Fi-lo no pressuposto de que 36 anos de vida profissional inteiramente dedicada à justiça me habilitavam a uma participação positiva, contribuindo para a melhoria do sistema de justiça, tornando-o mais célere, mais compreensível e mais próximo dos cidadãos. Aceitei também porque a formação de um Governo com este suporte no Parlamento quebrava uma lógica de exclusão de uma parte do es-

pectro partidário com representação parlamentar; e o meu ADN é totalmente incompatível com discriminações. Exerço esta função com total envolvimento e dedicação integral. E continuo a esforçar-me, consistentemente, para que os serviços integrados na minha área governativa transmitam, na sua acção, um sentido de justiça e de envolvimento na realização do bem comum. Celebrámos há pouco tempo os 45 anos do 25 de Abril. Vivemos tempos de transição e de perda de memória. De paulatina “normalização” de um passado maculado pela demonização e pela utilização arbitrária dos meios coercitivos estaduais contra os que divergiam de um pensamento único limitado e condicionador. Vamos assistindo, um pouco por todo o lado, a um discurso e a uma prática de menosprezo e ostensivo desrespeito pela igual humanidade de quem é diferente e/ou está desamparado, em nome de proteccionismos nacionais e de concepções identitárias tão vazias e irracionais quanto perigosas. Como referi em Caxias, no dia 26 de Abril, na cerimónia evocativa da libertação dos presos políticos, o persistente discurso deslegitimador das instituições em que se estrutura o Estado de Direito Democrático, apontadas como inúteis, como lugares em que se refugiam os que buscam privilégios, como espaços em que está ausente a ideia do bem comum, tem um enorme potencial erosivo da confiança dos cidadãos no modelo democrático. É ilusório pensarmos que erradicamos o autoritarismo das nossas vidas, porque ele não morre. Apenas se finge adormecido e move-se ao menor sinal do baixar da guarda das democracias. Não é, por isso, uma atitude virtuosa fingirmos que não vemos o que se vai passando no mundo e o que já se vive entre nós. Como dizia Martin Luther King, «Mais do que

com o ruído das vozes dos homens maus devemos preocupar-nos com o silêncio dos homens bons». E é a esta assembleia de mulheres e homens bons que me dirijo insistindo que nada está adquirido. Por isso, estamos todos vinculados a um compromisso de empenhamento activo, que recuse desviar o olhar ou baixar os braços, para não nos vermos subitamente expropriados das liberdades que Abril nos devolveu. Muito obrigada.


NEWSLETTER FMVG N.º 19 | JUL– SET 2019 | ESPECIAL 10 ANOS

Campanha Literária Luís Guerreiro FLIQ 2019 Destino: crianças e jovens de S. Tomé e Príncipe

A FMVG conseguiu reunir 5.000 livros para doar a S. Tomé e Príncipe. A colecção resulta da generosidade de centenas de jovens e adultos de todo o Algarve. Se ainda não contribuiu, pode fazê-lo até ao final do ano, entregando os livros de literatura infanto-juvenil na Fundação Manuel Viegas Guerreiro, em Querença.

A Campanha Literária Luís Guerreiro - FLIQ 2019, lançada em Abril, um mês antes da realização do 4.º Festival Literário Internacional de Querença, já angariou cerca de 5 mil livros para bebés, crianças e jovens. Além de pretender abrir uma Sala de Leitura em S. Tomé e Príncipe, a campanha tinha como objectivo envolver a comunidade escolar. Várias bibliotecas escolares aceitaram o desafio e divulgaram a recolha de livros junto dos alunos. Estes geraram a colecção que irá ser enviada para a comunidade são-tomense. Nesta tabela solidária, distinguiram-se os alunos de Loulé e Olhão, com maior número de livros recolhidos. As bibliotecas municipais também responderam ao repto. Além de doações do próprio acervo, também foram pontos de recolha para os cidadãos que iam sabendo da existência da campanha através da divulgação que a Fundação Manuel Viegas Guerreiro (FMVG) efectuou junto da imprensa regional e redes sociais. Juntaram-se à campanha: Albufeira, Faro, Lagos, Lagoa, Loulé, Olhão, Portimão, S. Brás de Alportel, Silves, Tavira e Vila Real de St.º António. Efectuada a colecta de livros pelo Algarve, assegurada pela FMVG, iniciou-se o processo de higienização, triagem e organização dos livros.

Devidamente acondicionados em cerca de 90 caixas, farão escala em Lisboa para seguirem viagem até Neves, S. Tomé e Príncipe, onde serão confiados à Missão das Irmãs Franciscanas. Entrega de livros em mão Constituindo também a Biblioteca da FMVG um ponto de entrega, um grupo de 27 crianças do 1.º ao 6.º anos visitou a Fundação de Querença e ofereceu várias caixas de livros. O grupo ouviu a leitura do conto Zeezucht (“Maremania”) de Marlies van der Wel, pela bibliotecária Maria José Mackaaij e assistiram à projecção de um filme, sempre em diálogo com a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen. Neste contexto, foram também convidados a escrever um sonho numa "Onda de Sophia", uma pequena tira de papel onde está inscrito um verso de Sophia. Os versos impressos em pequenas tiras de papel integram as comemorações do centenário de nascimento da poetisa. Recorde-se que durante o FLIQ, realizado em Maio, a aldeia de Querença foi inundada por esta instalação artística. No passado dia 1 de Julho, fez-se novamente poesia através da generosidade das crianças inscritas no Centro de Actividades de Tempos Livres/Centro de Acção Social, Cult. e Desp. dos Trabalhadores da Saúde e Seg. Social do Distrito de Faro.

A FUNDAÇÃO AGRADECE BIBLIOTECAS MUNICIPAIS Biblioteca Municipal de Albufeira - Lídia Jorge Biblioteca Municipal de Faro - António Ramos Rosa Biblioteca Municipal de Lagos - Dr. Júlio Dantas Biblioteca Municipal de Lagoa Biblioteca Municipal de Loulé - Sophia de Mello Breyner Andresen Biblioteca Municipal de Olhão - José Mariano Gago Biblioteca Municipal Portimão - Manuel Teixeira Gomes Biblioteca Municipal de São Brás de Alportel - Dr. Manuel Francisco do Estanco Louro Biblioteca Municipal de Silves Biblioteca Municipal de Tavira - Álvaro de Campos Biblioteca Municipal de Vila Real de St.º António Vicente Campinas BIBLIOTECAS ESCOLARES FARO Centro de Actividades de Tempos Livres/Centro de Acção Social, Cultura e Desporto dos Trabalhadores da Saúde e Segurança Social do Distrito de Faro LOULÉ Agrupamento de Escolas de Almancil: EB 2, 3 Dr. António de Sousa Agostinho EB1 Cónego Dr. Clementino de Brito Pinto Agrupamento de Escolas Padre João Coelho Cabanita (S. Clemente): EB 2, 3 Padre João Coelho Cabanita EB1/JI Professor Manuel Martins Alves Escola Profissional de Alte Cândido Guerreiro Escola Secundária Dr.ª Laura Ayres (Quarteira) OLHÃO Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Fernandes Lopes: EB 2, 3 Dr. António João Eusébio (Moncarapacho) EB 2, 3 Dr. João Lúcio (Fuseta) Escola Secundária Dr. Francisco Fernandes Lopes (Olhão) Agrupamento de Escolas Professor Paula Nogueira (Olhão): EB 2,3 Professor Paula Nogueira EB1/JI José Carlos da Maia . … e a todas as bibliotecas escolares que, à semelhança das de Lagos, entregaram os seus livros à biblioteca municipal e que, por essa razão, não conseguimos aqui distinguir.

VIVA O FLIQ, VIVA O LIVRO!


Novos livros de TÓSSAN integram

CENTRO DE ESTUDOS ALGARVIOS O volume de livros que tem chegado à Fundação Manuel Viegas Guerreiro tem revelado alguns pequenos grandes tesouros. Entre eles, dois exemplares da 2.ª edição (1981) de Bichos de trazer por casa e de O soldadinho e a pomba , livros da dupla de profissionais e amigos Tóssan/Leonel Santos.

Dois livros da autoria de Leonel Neves e Tóssan, entre as doações que chegaram à FMVG

Os livros da autoria de Tóssan e Leonel Neves passam a integrar o Centro de Estudos Algarvios Luís Guerreiro, ao lado dos já “residentes” Cão Pêndio e O leão vegetariano, também ilustrado por Tóssan mas, este último, escrito por Madalena Gomes. As duas aquisições ficarão assim entre outros nomes com raízes no Algarve. Outra descoberta entre as obras doadas: As plantas carnívoras têm dentes? O livro com textos de Carla Maia de Almeida figura entre aqueles que levarão outros mundos ao universo da comunidade de S. Tomé e Príncipe. A jornalista e escritora participou na 4.ª edição do Festival Literário Internacional de Querença, na sessão dedicada à “literatura para os mais pequenos”, como animadamente lhe chamou na altura. Histórias intemporais Maria-dos-olhos-grandes e Zé Pimpão

(personagens de Histórias da Maria-dos-olhos-grandes e do Zé Pimpão, livro da autoria de Canuto Jorge Glória, datado de 1972) passam a habitar “A Nossa Casa Comum”, um novo espaço que a FMVG se prepara para abrir com concepção e coordenação de Maria José Mackaaij, bibliotecária da Câmara Municipal de Loulé mas a desempenhar funções na FMVG. «“A Nossa Casa Comum” compreende uma colecção de livros para a infância organizada dentro daquilo que é a grande área de intervenção da Fundação Manuel Viegas Guerreiro: o património cultural e o livro na sua relação com o ambiente e com a tradição oral. É um fundo organizado de acordo com uma mensagem de compromisso com os valores da cidadania, da responsabilidade e respeito pela salvaguarda da biodiversidade.» Maria José Mackaaij complementa: «“A Nossa Casa Comum” é um recurso

para a mediação de públicos do Percurso EcoBotânico Manuel Gomes Guerreiro, em diálogo com a visão do patrono da Fundação.» Esta valência da Fundação Manuel Viegas Guerreiro será apresentada em breve, altura em que a 1.ª edição do livro Histórias da Maria-dos-olhos-grandes e do Zé Pimpão poderá ser mostrada ao público. A história expõe a clivagem entre o mundo de Maria, com prédios altos, jardins e família e o mundo de Zé, composto por barracas, pobreza e onde as crianças não olham para o céu porque vêem o sol reflectido no chão, nas poças de água. Ao conhecer o mundo de Zé pimpão, Maria-dos-olhos-grandes propõe a construção utópica de um mundo com um só lado, onde os jardins sejam comuns e se partilhem os canteiros, caso existam, senão estes, as flores, as pétalas, o cheiro.


Histórias da Maria-dos-olhos-grandes e do Zé pimpão, p. 7 e p. 18 (1972), de Canuto Jorge Glória

O texto foi lido pela primeira vez por Raul Solnado na Rádio Renascença, no Dia Mundial da Criança de 1972. Impresso pela ITAU, foi censurado pela Ditadura, pela carga cultural e política. Canuto Jorge Glória nasceu em Lisboa, em 1939 e vive actualmente em São Paulo, Brasil. Este ano, o escritor e ilustrador de Histórias

da Maria-dos-olhos-grandes e do Zé pimpão viu o livro ser reeditado pela editora The Poets and Dragons Society, desta vez com ilustrações de Rita Correia. No blogue Deus me livro, o autor escreveu em 2013: «É bom ser lembrado sobretudo depois do nascimento conturbado deste livro numa editora pouco séria – a ITAU – que não pagou os direitos contratuais e… pior, perdeu os originais ou deixou-os abandonados numa tipografia credora que não conheço. Às vezes me pergun-

to se tomei a melhor decisão exigindo uma edição modesta que não custasse mais de dez escudos para ser muito acessível. Tinha a promessa do editor de fazer mais tarde uma edição mais cuidada e enriquecida assim como a publicação de outras histórias da Maria-dos-olhosgrandes.» Canuto desvenda: «O livrinho foi também ilustrado por mim com a ajuda do meu filho Ricardo

Glória que tinha seis anos.» Os livros e os seus donos Além das histórias de ficção e de não ficção, de banda desenhada, aventura, literatura para público infantil e juvenil, chegaram também outras histórias: as dos donos dos livros doados. Exemplo disso, é um bilhete esquecido dentro de um deles. Compreende uma lista de brinquedos e respectivos preços, em escudos: Berlindes 5$00; um Snoopy - 150$00. Também neste capítulo, a Fundação MVG será guardiã de uma carta assinada onde, em determinado momento, se pode ler: «A mãe parece uma pétala de uma flor. Ela é tão linda como a água que corre num rio.» Salvaguardando o nome do seu autor, fazemos notar que o bilhete estará em Querença, caso mãe ou filho o queiram resgatar. Data de 7 de Maio de 2017.


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CRÓNICAS DO FLIQ Por Marta Duque Vaz Parte II*

* Crónica redigida com Acordo Ortográfico de 1990

Luísa, como sempre. Singular e maior. Acompanhada pelas «Women in Black» no palco ou em volta, na terra onde pousa o Festival Internacional de Querença. E onde voa, também. Aconteceu assim, de súbito, parte da vida num ápice. E em acordes. De jazz e não só. Quarteto Solaris na alma improvisada. Tão bom. União de harmonias que trouxeram também a guitarra portuguesa de Custódio Castelo. E o violino, inesquecível, nos «Acordes de Sophia». Noites a desaguarem assim, estrelas de um céu tão próximo e antigo. Escuro e macio. Tela imensurável, recetora de tanto sentir, antes de adormecer.

E depois mais um despertar de três dias inesquecíveis. Manhã de Maio, sol morno e claro a clarear conversas do dia anterior, ao café, no monte onde árvores sábias e perfumadas estão sempre à espera. Saibamos ou não o seu nome. «Colóquio de Geografias da Poesia» onde a Egídia deu conta, com paixão. Leituras e investigações, enfim, a academia a dar-nos conta do seu conhecimento com tantos mestres de referência. E, ainda, «Leituras de Primavera» porque a sintonia visual tem voz e encanto. «Livros, Leituras & Leitores», no último dia, trouxeram, depois da música,


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a paisagem essencial do Plano Nacional de Leitura. Do tanto que está feito; da continuidade; da ação como bússola; da abertura para mais e melhor; da leitura como privilégio infinito. Finalmente a Maria José e o espanto. Para mim, o espanto e a aprendizagem. Também a ternura. E não era só do seu sorriso. A leitura assistida. A criança a ler e o cão, muito atento e quieto, a dar alento, a participar como nunca imaginei. Foi uma nova leitura, a criar hábitos. Um caminho diferente. E, ainda, a Carla e o Sérgio e novamente a Luísa, numa conversa solta

e animada. De seguida, ao lusco-fusco acontece «Mákina de Cena», profundíssima humanidade e talento. Sophia, vento e voz, numa performance arrepiante, a ecoar ao sul de cada sentir. D. Quixote e Sancho Pança continuavam lá dentro, no traço inigualável do imenso José Carlos Fernandes e na sua acutilante visão do mundo. O fiel escudeiro de livro afincado nas mãos - que ousadia - quase a trocar o realismo pelo idealismo, o real pelo ideal. Voltar a Querença é imperativo. FLIQ é onomatopeia de criatividade. Bem-haja quem o faz acontecer.

«Crónicas do FLIQ» constitui uma inspiradora oferta à Fundação Manuel Viegas Guerreiro, pela genuína e espontânea boa vontade de Marta Vaz. A jornalista e escritora foi convidada para falar de «Livros, Leituras e Leitores» no último dia do FLIQ mas participou activamente ao longo dos três dias do Encontro. Estas crónicas reflectem o sinal inequívoco de que o FLIQ é um Festival que reúne a Academia, muitas sensibilidades e afectos. Desta forma, fica registado mais um olhar sobre Querença e a leitura do Festival Literário Internacional de Querença por Marta Vaz. Muito obrigado. Até à próxima! Poderá aceder Crónicas do FLIQ - Parte I, AQUI

Fotografia: FP


Alunos de Loulé terminam ano lectivo em Querença

Estudos Gerais Livres: 30 anos da sessão inaugural

Concerto de câmara na FMVG

Uma turma de 7.º ano da Escola Básica 2,3 Padre João Coelho Cabanita, Loulé, escolheu Querença para apresentar os trabalhos finais de ano (2018-2019) no dia 11 de Junho. O encontro, organizado pelos pais e encarregados de educação, em articulação com a directora de turma, professora Dulce Margarido, cumpriu-se com a visita às instalações da Fundação Manuel Viegas Guerreiro e à exposição «A Imagem do Poema: 50 anos de vida literária de Nuno Júdice». Esta

constituiu também uma oportunidade para os pais conhecerem um dos locais onde os filhos têm vindo a realizar projectos fora do contexto de sala de aula. Mostraram-se surpreendidos com a paisagem e as valências de Querença. Após a apresentação dos trabalhos no auditório da Fundação, jovens e adultos encerraram a jornada no restaurante Tasquinha do Lagar, localizado na propriedade da FMVG e onde se saboreiam lentamente os saberes e sabores da serra.

A FMVG recordou o último projecto do seu patrono: os Estudos Gerais Livres, modelo de ensino não formal e de livre acesso, independentemente da idade e do grau académico do público interessado. A mostra documental «Estudos Gerais Livres: documentos da colecção de Manuel Viegas Guerreiro» é reveladora do fascínio do Mestre pelo saber multidisciplinar e pela sua partilha. A exposição, organizada pela historiadora Luísa Martins, em colaboração com a Câma-

ra Municipal de Loulé, trouxe à luz do dia documentos, manuscritos, correspondência e fotografias do espólio de Manuel Viegas Guerreiro, guardados na Fundação. A iniciativa, a par da conferência da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, na abertura do 4.º FLIQ, em Maio, marcou o assinalar dos 30 anos da sessão inaugural dos Estudos Gerais Livres, no Museu de Arte Antiga em Lisboa, proferida pelo filósofo e amigo, Agostinho da Silva.

O trio de músicos austríacos Ensemble Trisonante trouxe a Querença os repertórios de Ludwig Van Beethoven, Franz Shubert e Dmitri Shostakovitch. Luís Morais, no violino, Cecilia Sipos, no violoncelo e Christina Leeb-Grill, no piano, subiram ao palco da FMVG no passado dia 28 de Setembro. Com experiência em orquestra sinfónica e quarteto de cordas, a base para este conjunto foi criada na Universidade de Música e Arte

Dramática de Viena. Ali se cruzaram as ideias musicais e as exímias capacidades técnicas dos intérpretes que viriam a maravilhar o público presente. Antes de regressar a Viena, os Ensemble Trisonante cumpriram mais dois concertos em Lisboa, um no Palácio da Ajuda e outro no Salão Nobre do Palácio do Marquês de Pombal (Oeiras). O concerto em Querença decorreu da parceria entre a Câmara Municipal de Loulé, através do Cine-Teatro Louletano, e a FMVG.

FICHA TÉCNICA: Edição FMVG Textos Francisca Van Dunem, Marinela Malveiro e Marta Vaz Documentos Espólio FMVG Paginação Marinela Malveiro Fotografia CML, Filipe da Palma, Maria Mackaaij, Marinela Malveiro e Telma Veríssimo Infografia Luís Santos Secretariado Fátima Marques Impressão Gráfica Comercial Arnaldo Matos Pereira, Lda., Zona Industrial de Loulé Lt. 18, Loulé | T. 289 420 200

www.fundacao-mvg.pt


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