Pilar del Río reúne pela primeira vez Saramago e Viegas Guerreiro na aldeia de Querença p.5-11
Isabel Castro Henriques assina texto inédito sobre o papel de MVG nos Estudos Africanos, UL p.14-15
Descrições do Algarve do século XVI por lusos e estrangeiros, num artigo de João Sabóia p.21-25
Conhece a Charaxes jasius? Fique atento/a quando for colher o próximo medronho. Ela também é fã p.33
Espólio MVG © FMVG REVISTA FMVG | N.º 32 | OUT - DEZ 2022 25 anos falecimento 110anos nascimento 2022 | VIEGAS GUERREIRO
FICHA TÉCNICA
EDIÇÃO | FMVG
TEXTOS | Fernando Santos Pessoa; Isabel Castro Henriques; João Sabóia; Joaquim Cerqueira Gonçalves; José Viriato Soromenho-Marques; Manuel da Costa Fontes; Marinela Malveiro e Teresa Rita Lopes
POSTAIS DO ALGARVE com autoria identificada sob o excerto
POSTAIS DO ALGARVE Recolha e selecção | Marinela Malveiro PAGINAÇÃO E DESIGN | Marinela Malveiro
FOTOGRAFIA | Cedida por João Sabóia; CML; Fundo FMVG; Maria José Mackaaij; Marinela Malveiro; Mário Lino; Museu Nacional de Etnologia/João André; Telma Veríssimo e Vítor Martins
IMAGENS | ESCAPARATE: cedidas pelas editoras
APOIO À PRODUÇÃO E SECRETARIADO Miriam Soares
IMPRESSÃO | Gráfica Comercial, Arnaldo Matos Pereira, Lda., Zona Industrial de Loulé Lt. 18, Loulé | T. 289 420 200
REVISTA
FMVG | N.º 32 | 2022
Os textos são da responsabilidade dos/as seus/suas autores/as e o uso do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é, por isso, uma opção dos/as mesmos/as.
REVISTA FMVG | N.º 32
CONTEÚDOS
EDITORIAL
ESTUDOS GERAIS LIVRES
Pilar del Río dá AulaLivreem Querença Combatendosombras
POSTAIS DO ALGARVE
MANUEL VIEGAS GUERREIRO 1912 - 1997
25anosapósoseufalecimento,110anosdenascimento
Testemunhos de Fernando Santos Pessoa; Isabel Castro Henriques; Joaquim Cerqueira Gonçalves; José Viriato Soromenho-Marques; Manuel da Costa Fontes e Teresa Rita Lopes
VIAGENS PELA OBRA DE MANUEL VIEGAS GUERREIRO DescriçõesdoAlgarvedoséculoXVI João Sabóia
DIÁRIO DE CAMPO
ESCAPARATE
| P. 3
NAS TRINCHEIRAS DA PAZ
A última edição de 2022 da RevistaFMVG culmina com mais um sólido conjunto de olhares sobre a figura de Manuel Viegas Guerreiro, no ano em que se assinalaram 110 de nascimento e 25 de falecimento.
Publica-se um texto inédito de Isabel Castro Henriques, voz incontornável em matéria de História da África, que ilumina o papel do Professor num campo que lhe era tão querido. A historiadora evidencia a dimensão deste como educador em África, a sua visão humanista, a entrega às pessoas, o seu sentido de justiça e a sua compreensão de todas as humanidades. Nessa plêiade de testemunhos, recuperam-se alguns daqueles que foram originalmente publicados no JornaldeLetras,ArteseIdeiasde Junho de 1997 e que integraram a homenagem póstuma a Viegas Guerreiro. Assinam, Joaquim Cerqueira Gonçalves, Manuel da Costa Fontes, Teresa Rita Lopes e Viriato Soromenho-Marques. Publica-se o excerto de uma entrevista concedida por Fernando Santos Pessoa à Fundação, no ano de 2020. Em Outubro, uma sessão dedicada aos Deveres Humanos, a partir da metáfora da cegueira, proposta por Saramago, titulou mais uma sessão dos Estudos Gerais Livres, reunindo os dois grandes nomes nacionais e do mundo, ambos obreiros da paz, da solidariedade e da tolerância. Pilar del Río, oradora convidada, manteve a plateia em suspenso durante a sua AulaLivre , também pontuada pelo humor. Abre-se, neste número, mais uma página do Caderno Viagens pelaobradeManuelViegasGuerreiro.O historiador João Sabóia convoca Joaquim Romero Magalhães e Viegas Guerreiro através de um ensaio a partir de DuasDescrições doAlgarvedoSéculoXVI Sobre esse e outros algarves escreve também um conjunto de autores cujas obras integram o CentrodeEstudosAlgarviosLuísGuerreiro, e que assim se divulgam por meio da rubrica PostaisdoAlgarve: excertos de descrições da Região, em poesia e prosa, nesta edição, com o mar em fundo.
DiáriodeCampopermite acompanhar a actividade da Fundação ao longo do trimestre: o trabalho em rede, as iniciativas junto da comunidade de Querença, nomeadamente no que concerne ao processo de desagregação das freguesias de Querença, Tôr e Benafim que a Fundação desencadeou com uma assembleia muito participada, em Setembro. Processo desde então liderado pelo Município. Fechamos entre letras, entre projectos editoriais recentes, com Escaparate , e com o profundo desejo de que o ano de 2023 nos presenteie com novas ideias, novos livros, outras leituras dos antigos, para alargar o caminho do Saber, em direcção à Paz. Lembrando Agostinho da Silva: «Escrevendo ou lendo unimo-nos para além do espaço, e os limitados braços põem-se a abraçar o mundo.» Marinela Malveiro
EDITORIAL
REVISTA FMVG | N.º 32
PILAR DEL RÍO DÁ AULA LIVRE EM QUERENÇA COMBATENDO SOMBRAS
Pilar del Río reuniu num só dia, no último sábado de Outubro e numa aldeia aquecida por 24 graus outonais, os nomes de José Saramago e de Manuel Viegas Guerreiro. Colocou a cegueira em diálogo com a distopia e as sociedades contemporâneas. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas e a Carta Universal dos Deveres Humanos. Invocou a Razão, o conhecimento, o respeito e a emergência climática.
«Está lindo... está bonito... e a tarde... hum... Diziam-me ontem: Será bom trazer um agasalho! Não é preciso. Basta estar aqui, sentir o carinho que se está a respirar, a emoção e as expectativas. Espero não defraudar muito.» Foi assim que Pilar del Río, menina entre uma irmandade de 15, de Sevilha, tradutora de José Saramago para o espanhol desde TodososNomese companheira do escritor luso, abriu a AulaLivrepara a qual foi convidada. O título DacegueiraaosDeveresHumanosprometia, com Pilar a “querer fugir” às suas anotações de oradora, mas não à chamada dos temas que a mobilizam no quotidiano. Numa alegoria a Ensaiosobreacegueira , de José Saramago, alertou: «As dificuldades são muitas na sociedade distópica onde a ética não prevalece. Nenhum bem será comum. A norma será o confronto entre indivíduos e talvez - ainda que isto não conste do
romance de Saramago - o confronto poderá ser, não só entre seres humanos mas também entre países, como estamos a ver agora.»
A civilização em que vivemos - caracteriza Pilar- pautada pela violência, distancia-se da utopia, do colectivo, da liberdade, faltando o que considera ser o essencial: «À vida faltarão as melhores dimensões conquistadas pela Humanidade: a possibilidade da generosidade, a arte, a convivência plural, pacífica. O feito de estar sempre em construção, que é como deveríamos estar. Na distopia, os mais pérfidos roubarão a comida, porque nada mais haverá para roubar. Violarão as mulheres como exercício de poder. É o que se passa no Ensaiosobreacegueira e no mundo. Demonstrarão que mandam, elevando os actos grosseiros até limites que só a Literatura consegue tornar verosímeis. No mundo de cegos que nos conta
| P. 5
Pilar del Río, presidenta da Fundação José Saramago
CML
Saramago e no que a realidade por vezes nos mostra, como tantas vezes vimos durante a pandemia, não há direitos nem deveres. É a lei da selva sem a harmonia própria da selva.»
Estudos Gerais Livres e Centenário José Saramago No auditório exterior junto ao Pólo Museológico da Água, sob o reflexo azulado da tela que protege mais do sol do que da chuva, que teima em não comparecer, Maria de Deus, frequentadora assídua das actividades da Fundação, regressa à aldeia onde cresceu com o seu falecido irmão Luís Guerreiro, primeiro presidente da Fundação Manuel Viegas Guerreiro (FMVG). Fê-lo em nome do conhecimento, da memória e da pertinência do tema: «É obrigação do cidadão conhecer os seus direitos e deveres para melhor poder intervir no desenvolvimento da sociedade que integra. Só haverá alterações sociais e políticas com cidadãos bem informados e actuantes.»
António Matias, advogado, ouve e comenta: «Por contraposição aos direitos, são na maior parte das vezes os deveres que, se não esquecidos, são colocados num nível abaixo do dos direitos humanos, porque a nossa "cegueira" teima em não ver que uma sociedade que não cumpra os seus deveres, é uma sociedade sem Justiça, ainda que se arrogue defensora dos direitos e faça muito por cumpri-los.»
Francisco Melo Ferreira, professor de Geografia na escola secundária Maria Amália, em Lisboa, discípulo de Manuel Viegas Guerreiro, rumou a Querença para mais uma sessão imbuída dos fundamentos criadores da associação Estudos Gerais Livres - Ensino Público Gratuito -, geradora de palestras e cursos. Desenhados pela mão do Professor Viegas Guerreiro, os Estudos Gerais Livres (EGL) vingaram ao longo de uma dúzia de anos, os quatro últimos sem a sua mentoria, porque viria a falecer em 1997, precisamente há 25 anos.
Três décadas depois da constituição da associação, a FMVG resgatou o seu último grande projecto de vida, retomando, em 2019, as AulasLivresdo Professor. Melo Ferreira compareceu à primeira lição dos EGL do século XXI, prévia à pandemia, e recorda: «A doutora Francisca Van Dunem fez exactamente aqui, neste palco, uma conferência sobre direitos humanos mas na primeira pessoa. Foi notável! Três anos depois, o tema simétrico dos direitos e dos deveres é muito interessante e permite-nos, uma vez mais, no mesmo espaço, reflectir sobre questões que são muito importantes.» No ano do centenário de nascimento de José Saramago, é Pilar del Río quem profere a Aula , perante cerca de 70 ouvintes. Em vários momentos, reporta-se às eleições presidenciais brasileiras, a poucas horas da abertura das urnas. Alerta para o perigo de forças maiores manipularem os cidadãos pouco informados, para que estes votem, ironicamente, contra os seus próprios interesses. Enuncia também a Europa: «Os ditadores de hoje, que existem na Europa, na América e na Ásia chegam ao poder não por golpes de Estado, mas por votos. Então, há que pensar, e muito. Os cidadãos votam. Por que votam assim os cidadãos? A distopia explica. Na sociedade civilizada é mais difícil de entender.», suspende Vítor Martins também escolheu beber das palavras da jornalista espanhola na tarde de sábado. É fotógrafo, vive há dois anos em Querença, depois de 35 em Los Angeles, no sul da Califórnia. Confessa a curiosidade de se “aproximar de Saramago”: «A sessão permite perceber a intensidade com que o escritor sentia as questões mundiais, algo que é inspirador e catalisador para a participação.»
Lateral à plateia, mas de olhar convergente, Salvador Santos, poeta e editor, assume que a escrita e o pensamento de Saramago são hoje primordiais para a sua leitura do mundo: «Os pontos de vista que
Auditório exterior junto ao Pólo Museológico da Água
À direita: Maria de Deus. Ao centro, Francisco Melo Ferreira. Ao fundo, de boina, o Sr. Mário
REVISTA FMVG | N.º 32
ML MM
[Saramago] defende e as propostas que propõe sobre os desígnios do homem são fundamentais para o meu exercício de compreensão do nosso tempo.» E acrescenta: «Num tempo em que a guerra se faz à nossa porta e em que vivemos com a nítida impressão de que a qualquer momento podemos entrar numa profunda convulsão económica e social a questão dos deveres humanos e da “cegueira”, no sentido da condução política dos destinos do mundo, a reflexão sobre essas questões é essencial para poder afirmar os caminhos que devemos tomar para conseguir uma sociedade mais justa e fraterna.»
Pilar del Río amplia o léxico, libertando-se da cábula e fixando os rostos de todas/os as/os que se reuniram à sua volta: «Falo de distopias mas também me refiro às sociedades contemporâneas que ridicularizam ou ignoram abordagens que são a melhor dimensão da Humanidade. Falo da solidariedade, conhecimento, abertura, respeito. É curioso porque só ouço duas pessoas utilizarem estes termos: uma está em Roma: é o Papa Francisco; a outra está nas Nações Unidas: é António Guterres. Às vezes penso que um não tem o retorno das Nações Unidas e o outro, da sua igreja!» Emergência climática Vítor Martins retoma a relevância da Aulade Pilar: «Estas iniciativas são da maior importância porque é assim que partilhamos conhecimento e convidamos a discussão de ideias. No contexto de Querença e da Fundação, é essencial que haja este tipo de eventos, para elevar a dimensão cívica da nossa comunidade.» Dália Paulo, directora municipal de Loulé, acrescenta:
«São estas iniciativas que permitem, através da Cultura, ganhar novas centralidades no território, tornando-o mais atractivo, potenciando uma cidadania implicada e criando pólos de democracia e pensamento tão necessários num mundo (a correr)!»
António Matias argumenta: «O interior necessita de temas que vão além do trivial baile e festa de aldeia, que mobilizem as pessoas e as façam reflectir sobre aspectos importantes da vida social.»
Pilar prossegue: «Estamos esta tarde numa instituição que homenageia uma pessoa que é respeitável e com um trabalho louvável Somos seres pensantes, gerados por humanos, construídos por ensinamentos e livros. Porém, agora que estamos na idade adulta, parece que renunciamos ao aprendido. É como se o mar do tempo não nos tivesse permitido navegar pela vida, só tendo servido, esse mar, para completar o trabalho de destruição do planeta. Trabalho em que nos afiguramos empenhados, juntando ondas apocalípticas ao furor da aniquilação. Ondas que se evidenciam se não enfrentarmos a emergência climática de forma radical. Repito: emergência climática.» Presidenta da Fundação José Saramago, Pilar entende-se como uma das vozes mais eloquentes e intensas da prática efectiva da cidadania. Expõe o negativo da fotografia que tira às sociedades contemporâneas: «O que querem de nós hoje? Que sejamos submissos, resignados ou indiferentes. Temos tanto medo de enfrentar um futuro plural que ocupamos as nossas vidas combatendo sombras...» - semeia entre a plateia. Aleixo colhe: «Pilar é uma mulher forte que se preocupa
| P. 7
«Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura nem utopia, é justiça.», disse Miguel de Cervantes no seu livro DomQuixotedeLaMancha. Isso também é lucidez. PdR
António Matias, de costas, segurando uma revistaFMVG
CML MM
Assistência. Carlos Albino ao centro
com os outros, comprometida em construir um mundo mais justo, mais humano e mais livre e em espalhar a palavra de Saramago para criar a semente da liberdade e irreverência em cada um de nós.»
A oradora regressa às leituras, convocando novamente Saramago em Ensaiosobreacegueira: «A dignidade dos seres humanos é insultada todos os dias pelos poderosos do nosso mundo. A mentira universal tomou o lugar das verdades plurais. O ser humano deixa de respeitar-se a si mesmo quando perde o respeito que deve ao seu semelhante.»
Leituras seguidas pelo Sr. Mário da Silva Miguel, que é do tempo em que sapatos na escola, só no exame da 4.ª classe. Com 90 anos de idade, soma muitos de construção civil em Paris, onde deixou obra feita na década de 60 do século XX. Apesar de ser pedreiro, no regresso a Querença, é a terra que herda dos pais que merece a sua atenção e cuidado. Animado, comenta: «É bom ver tanta gente. Já conversei com o Gabriel [Guerreiro Gonçalves, presidente da FMVG] e com muita gente. Conheço quase toda a gente.» O facto de a sessão decorrer em castelhano não lhe faz mossa: «Percebo tudo. Daqui a dias até vou ao sul de Espanha, à Costa Brava. Antes fui ao norte da Galiza e lá come-se bem, ao contrário do que as pessoas dizem...» Quanto ao encontro de Querença, reconhece: «É bom a gente se reunir e falar de coisas novas. Tudo o que é novo é bom.»
Viver questionando Pilar persegue a actualidade do romance de Saramago: «Parece um retrato do nosso presente. Presente que acelerou de forma inimaginável. Basta olhar para o que se está a passar ao nosso redor ou connosco: a pandemia, a guerra da Ucrânia, as desistências cívicas... Onde estão as vozes morais que dizem que esta guerra é inadmissível? Se há conflito, sentem-se a uma mesa e
negoceiem usando a Razão e a consciência!» Pilar aguça a escuta: «Onde estão as vozes morais que diziam não à guerra? As que a condenaram e que, depois de 45, disseram “nunca mais”, criando as Nações Unidas? As vozes que disseram que não pode haver conflitos porque os conflitos são o nosso fracasso? Nesta guerra entre a Rússia e a Ucrânia, voltámos ao tempo das cavernas, resolvendo à paulada o que não se consegue resolver numa mesa de negociação, sem utilizar armas. Claro que as armas estavam ali e, citando uma vez mais Saramago no último livro que escreveu, mas que não terminou - Alabardas,alabardas,Espingardas, espingardas: se se fabricam armas, há que fabricar conflitos para consumir estas armas. Quem fabrica as armas sabe que vai haver um conflito ou que fabricou um conflito. E se as armas são de alta tecnologia o conflito será de uma complexidade superior, porque as armas terão de ser experimentadas e consumidas. Ninguém produz para não partilhar ou vender.» Nãopodemosignorar Segue em discurso directo: «Que fazer? Prosseguir sendo cego que vê? Tomar as armas contra o sistema que nos quer resignados? Ou ser conscientes do nosso valor, cientes de que somos seres de Razão e de consciência? Que somos seres de dignidade e iguais? Nascemos para morrer mas antes construímos as nossas vidas, não como os outros querem, mas de acordo com os melhores valores humanos. Passámos por uma pandemia. Podem vir outras. A pandemia era global, mas deixámos África à sua sorte. Nós estávamos vacinados. Dizíamos 80-85 por cento de população vacinada e, em África, 5 por cento. Pandemia global? Algo nos está a falhar. Estamos a provocar alterações climáticas no mundo chamado civilizado e quando quem menos consegue fazer face à tragédia vem para cá, rechaçamo-los. Somos passivos e silenciosos
MM
Pilar del Río lê para a audiência. À esquerda, Andreia Fidalgo, professora na Universidade de Lisboa
Da esq. para a dir.: João Simões, Fernando Santos Pessoa, a esposa Conceição e José Maria REVISTA FMVG | N.º 32
MM
perante a grande imigração. Tal como perante a guerra. Quem é que vai beneficiar deste conflito de hoje, de agora? Não podemos dizer que são os Estados Unidos, porque há milhões de pessoas nos EUA que continuarão pobres, marginalizadas, esquecidas. Quem fabrica armas, insisto, fabricará conflitos.»
Resume: «Somos cegos que vendo não vemos.» Salvador Santos também metaforiza a cegueira do pensamento nos seus poemas. Nasceu em Chaves, mas as suas raízes trouxeram-no para o Algarve aos quatro anos de idade. Hoje fintou horários de outros eventos a decorrer no Algarve para estar presente no encontro que reuniu, numa aldeia do interior, comunidade, visitantes, e as fundações Manuel Viegas Guerreiro e José Saramago: «Levar a cultura e o pensamento às comunidades onde ele está menos presente é um dever. Um parceiro como a Fundação José Saramago é um privilégio que garante qualidade e pertinência às propostas.» - assinala.
O autarca Vítor Aleixo reconhece: «Esta parceria é mais uma ferramenta para desenvolver projectos arrojados que permitam ao Algarve e, neste caso, ao barrocal algarvio, ser palco de encontro de pensadores e de figuras nacionais e internacionais que possam contribuir para melhor pensar o mundo e para tornar as nossas populações mais exigentes e felizes. Contribui certamente para a democratização da Cultura e para uma maior coesão territorial e social do país. Salvador dilata memórias em Querença. Pedimos para destacar uma: «A memória de uma mulher com convicções profundas e de um discurso implicado e acutilante.»
O livro que Pilar apresentou este ano: Aintuiçãoda ilha osdiasdeJoséSaramagoemLanzarote , também
vozes - DiálogosJoséSaramago- conduzida por Andreia Fidalgo, professora auxiliar convidada da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve, Pilar recorda os dias de Saramago na ilha. Abrem-se outros diálogos com origem nessas leituras. Adriana Nogueira, directora regional de Cultura do Algarve, reflecte a partir da primeira fila da plateia: «Quem lê, lê e muitas vezes é difícil fazer esse aumento. Sempre foi assim e sempre será. Quem está aqui é quem tem interesse. Mas é preciso haver paz, pão, habitação, saúde e educação. Só há liberdade a sério quando houver estas coisas todas...» Adriana Nogueira abre o parêntesis: «Eu acabei de inventar estas palavras,
| P. 9
MM
MM
À esquerda: Salvador Santos e o barrocal ao fundo. Gonçalo de bicicleta, mais participantes da Aulade Pilar e equipa técnica
Pilar del Río e Gabriel Guerreiro Gonçalves assinam protocolo entre as fundações que presidem com escultura de Saramago em fundo
ML
Pilar del Río durante a AulaLivre , proferida no âmbito dos Estudos Gerais Livres e do centenário de nascimento de José Saramago
MM
se quiserem cantá-las... Ou seja, sem essas condições, é muito difícil ter tempo para ler, vontade... falta muito. Qual o papel dos jornalistas? Porque efectivamente os meios de comunicação social informam mas também desinformam e há uma constante ausência de informação para a cultura.»
Toque de saída da Aula
O programa do dia pontuou ainda pela celebração de um protocolo de colaboração institucional, assinado pelos presidentes das duas fundações.
Gabriel Guerreiro Gonçalves regista que o momento constitui uma grande memória na história da instituição que preside: «É um marco de elevação para a Fundação. É muito interessante - e um privilégio - poder reunir os nomes de Viegas Guerreiro e Saramago, dois pensadores livres, defensores do respeito mútuo e da solidariedade, num contexto mundial tão particular. Acreditamos que este acto formal virá a traduzir-se em acções conjuntas que poderão ajudar a fazer a diferença na região e no país.»
Uma escultura de José Saramago, da autoria do médico pediatra louletano, Francisco José, emoldurou o momento.
Já depois de a profusão rosa na linha do horizonte ter dado lugar à noite húmida, escuta-se Valsaparaum andaluz , tema composto por Hugo Alves em 2007, quando o Nobel da literatura foi agraciado com o título de FilhoPredilectodaAndaluzia , reconhecimento do parlamento andaluz. Foi interpretado pelo quinteto da Orquestra de Jazz do Algarve, entre outras composições a que se associou a voz de Ana Rita Inácio.
Semanas antes, a Rede de Bibliotecas do Concelho de Loulé, que a FMVG integra, reunia em torno da celebração de Querença. Para receber Pilar del Río, a Fundação vestiu-se de Saramago, expondo trabalhos de alunas/os e professoras/es de Loulé na mostra escrita e de ilustração CentenárioSaramago Pilar del Río viu, ouviu, fotografou, dedicou livros e partilhou de forma pungente a sua humanidade: direitos, deveres, liberdade, amor e humor. MM
AULA LIVRE | EGL | 2022
A AulaLivrecom Pilar del Río constitui um encontro criado no âmbito dos Estudos Gerais Livres, de Manuel Viegas Guerreiro, no ano em que faria 110 anos de nascimento, 25 após a sua morte. A sua organização, pela FMVG, decorre em linha com o centenário de nascimento de Saramago, gerando a parceria com a Fundação José Saramago. Para a sua concretização, a FMVG colheu o apoio da Direção Regional de Cultura do Algarve, da Câmara Municipal de Loulé, da União de Freguesias de Querença, Tôr e Benafim e de OmbriaResort
Pilar del Río, presidenta da FJS, com Adriana Nogueira, directora da DRCultAlg e João da Silva Miguel. O pres. do Conselho Geral da FMVG abriu a sessão dos Estudos Gerais Livres. À direita, Gabriel Gonçalves, pres. do Conselho de Administração da FMVG
Pilar del Río posa junto da representação de Saramago, da autoria de Adriano Aires, presente na exposição CentenárioSaramago
Pilar del Río observa a escultura de Saramago, da autoria de Francisco José. Ao centro, João Simões, o rosto da Gráfica Comercial
Pilar del Río falou com o sexteto da Orquestra de Jazz do Algarve após o concerto Valsa paraumandaluz
MM
MM ML ML
POR PILAR DEL RÍO DA CEGUEIRA AOS DEVERES HUMANOS1
Saramago recebeu o prémio Nobel no ano em que se assinalavam os 50 anos sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pela Organização das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948. No discurso de Estocolmo, pronunciado no banquete Nobel a 7 de dezembro de 1998, Saramago declara, perante as câmaras das televisões de todo o mundo: Não vamos perder tempo fazendo uma piada mais ou menos simpática, vamos falar de um tema verdadeiramente importante, os direitos humanos. E cito: «Nestes cinquenta anos não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que, moralmente, quando não por força da lei, estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se no mundo, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade que é capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte neste tempo do que ao nosso próprio semelhante. Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, seja porque não sabem, seja porque não podem, seja porque não querem. Ou porque não lho permitem os que efetivamente governam, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a uma casca sem conteúdo o que ainda restava de ideal de democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Foi-nos proposta uma Declaração Universal de Direitos Humanos, e com isso julgámos ter tudo, sem repararmos que nenhuns direitos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem, o primeiro dos quais será exigir que esses direitos sejam não só reconhecidos, mas também respeitados e satisfeitos. Não é de esperar que os governos façam nos próximos cinquenta anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra e a iniciativa. Com a mesma veemência e a mesma força com que reivindicarmos os nossos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa começar a tornar-se um pouco melhor.»
As pessoas não sabem que são seres humanos de direitos, apesar de os seus dirigentes terem assinado a Declaração dos Direitos Humanos. Ninguém ou poucas pessoas a lêem.
A Fundação José Saramago publicou a Carta Universal de Deveres e Obrigações dos Seres Humanos em 31 de Julho de 2017. Vou resumir o Preâmbulo: Considerando que os direitos humanos são a maior conquista jurídica e social do nosso tempo para garantia da dignidade de todas as pessoas (...), considerando a necessidade de reconhecer a emergência de novos direitos (...) por exemplo, os direitos meio-ambientais que não são
reconhecidos na Declaração dos Direitos Humanos, porque não era o momento, mas agora sabemos que é um trabalho fundamental, e está na Declaração de Deveres... Sublinhando a importância de que todos os indivíduos... todos nós temos a obrigação de fazer com que se cumpram tais direitos... Atendendo às crescentes desigualdades (...) Se havia desigualdades em 1948, as desigualdades hoje são continentais, tremendas... Entendendo a responsabilidades de todos os seres humanos no cumprimento dos seus deveres jurídicos (...) assumindo que estes não esgotam a possibilidade de alcançar o desenvolvimento pleno das pessoas... Enfim, ao todo são 23 artigos que falam do cuidado que temos que ter com o mundo e connosco; políticas de igualdade de género, algo que não é descabido e que tem afectado e violentado milhões e milhões de pessoas ao longo do tempo; de respeito perante a emergência ambiental; o dever de participar na nossa sociedade, de nos instruirmos, estudarmos, informarmos. Podemos pensar que a vida já é complicada e que nos informarmos dá muito trabalho, mas não. Se não nos informarmos, pode acontecer-nos o que aconteceu no Brasil, onde as pessoas não se informaram e se deixaram convencer por mensagens nas redes sociais. Agora sim é que têm a vida complicada e milhões não vão ter futuro. Estar informado e ser activo não dá trabalho. Antes: poupa trabalho!
Na Declaração de Deveres fala-se de respeito por todas as actividades religiosas e culturais e de impedir o recrutamento de menores. Não se pense que é coisa de outros países. Desculpem, mas na Europa recrutam-se menores para a guerra e para o tráfico de drogas, inclusivamente para a prostituição. Não são situações pitorescas. Existem na vida real e podemos evitá-las. Que façam os políticos e que faça o Estado? Não. Os Estados farão aquilo que dissermos. Os Estados são a nossa representação. Se nós ficarmos indiferentes, os Estados serão bastante indiferentes em relação a nós.
A Declaração de Deveres pretende empoderar-nos frente aos poderes económicos e financeiros perante os poderes terríveis, malvados que existem no mundo.
Com pessoas informadas e conscientes, o fenómeno, repito - faltam algumas horas para que comece a votação no Brasil - com pessoas informadas e conscientes, os bolsonaros do mundo não teriam lugar.
Reivindiquemos o dever do nosso direito.
Só assim sairemos do caos.
É este trabalho que temos entre mãos na Fundação José Saramago.
Não vamos resolver os problemas do mundo, mas não faremos parte daqueles que os ignoram, como esta tarde com todos vós.
TEXTO INTEGRAL DA CARTA UNIVERSAL DOS DEVERES E OBRIGAÇÕES
DOS SERES HUMANOS EM https://www.josesaramago.org/cartauniversal-dos-deveres-e-obrigacoes-dos-seres-humanos/
| P. 11
constitui a transcrição da intervenção proferida em Querença. REPORTAGEM VÍDEO AQUI: https://rb.gy/otxeab
1 O artigo
« DEITADO NA AREIA
Horas e horas deitado na areia caído Na praia Ou por algum braço arremessado. Pouco a pouco Deixei de sentir os grãos finíssimos Colarem-se à pele. Deixei de ver O céu que os meus olhos olhavam. As primeiras ondas que me tocaram os pés Ainda as senti-bocas minúsculas Bebendo meu sangue silencioso. Mas as segundas já não eram frias nem quentes já não Eram Suaves nem ríspidas já não possuíam Lábios nem dentes E nada sei Das seguintes como nada sabia Da areia nem do sol nem dos bichos que passavam Por cima do meu corpo depois de terem passado Pelo corpo da areia.
Durante algum tempo durante a rigorosa eternidade De um momento Foi como se eu fosse também areia mar e sol E talvez eu tenha sido Areia sol e mar. O resto É vento.
A MINHA VIDA É O MAR
Quando as palavras são espelhos de mar, é assim que o meu coração canta.
POSTAIS DO ALGARVE
CASIMIRO DE BRITO
«
«
FOTOGRAFIA:
REVISTA FMVG | N.º 32
IDÁLIA FARINHO
MARINELA MALVEIRO
«
PREIAMAR
Luminosas conchinhas que a maré Deitou à praia numa onda mansa, Anda nelas meu sonho de criança, Minha crença, meu riso e minha fé.
Sôbre as algas marinhas côr de esp’rança, A minha sombra desfalece... E até O Mar avulta, desce e não descansa Sem vir à praia perguntar: - quem é?
- Quem sou! - Responde a luz do meu olhar.E que sois vós, destroços de ilusão, Sombras paradas, horizonte mudo?...
Caprichosas conchinhas, que ao luar, São pedaços de um louco coração Que o tempo quebra como desfaz tudo.
O ABRIL A RUA
«
A absoluta mudez do mar, ali tão perto, inquieta.
MANUEL TEIXEIRA GOMES
«
Murmura a viração, e o mar, o mar selvagem, O monstro colossal estorce-se a uivar: E a nossa alma tremeu no frémito da aragem E solta um grito, um ai na imprecação do mar.
NITA LUPI
SOPHIA DE MELO BREYNER ANDRESEN
| P. 13
COELHO DE CARVALHO
MANUEL VIEGAS GUERREIRO 1912 - 1997 25 ANOS APÓS O SEU FALECIMENTO 110 ANOS DE NASCIMENTO | 2022
MANUEL VIEGAS GUERREIRO: UMA OBRA AFRICANA, UMA VISÃO LÍMPIDA E GENEROSA DA HUMANIDADE POR ISABEL CASTRO HENRIQUES1
O conhecimento da África foi um dos pilares da vida científica e académica do Professor Manuel Viegas Guerreiro e um dos muitos legados que nos deixou, marcados pela sua imensa sabedoria, mas também a sua generosidade rara, sempre presente nas suas relações com os outros. A sua obra antropológica africana, resultante de várias missões levadas a cabo em África, centrada em particular em duas populações de Angola (os Bosquimanes) e de Moçambique (os Macondes), é bem conhecida do público académico. Esta sua obra africana constituiu uma contribuição fundamental para o desenvolvimento da antropologia
1 Testemunho generosamente enviado em Novembro de 2022 pela historiadora e professora associada com agregação (aposentada) da
portuguesa, mas sobretudo para o conhecimento científico e cultural africano. Os seus estudos sobre África põem em evidência o seu interesse pelas sociedades e populações africanas, o seu olhar sensível, respeitador e reconhecedor das diferenças culturais dos Outros, o seu empenho em dar a conhecer com rigor e a valorizar as culturas africanas, num tempo marcado pelos olhares redutores eurocêntricos e desvalorizadores dos portugueses e dos europeus.
Conheci o meu querido Professor Viegas Guerreiro na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL),
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa no âmbito da iniciativa MVG:25anosapósoseufalecimentoe110anosdenascimento
REVISTA FMVG | N.º 32
«
Máscara angolana que pertenceu ao Professor Manuel Viegas Guerreiro. Museu Nacional de Etnologia/João André
logo que ali entrei como assistente, vinda da universidade francesa, em Novembro de 1974. Eu ensinava História de África no departamento de História, o Professor leccionava antropologia no de Geografia. Cruzámo-nos logo e nunca mais deixámos de colaborar um com o outro, ele, professor catedrático, ajudando-me e apoiando-me sempre com doçura e um gesto protector nas minhas complexas e por vezes difíceis tarefas, projectos e ensinos sobre a História da África, uma novidade institucional na FLUL de então, nem sempre bem aceite por algum obscurantismo científico e cultural presente em certos sectores dominantes da História.
Com o Professor Viegas Guerreiro, sob proposta dele, criámos ainda nesse final do ano de 1974 o Instituto de Estudos Africanos da FLUL, e iniciámos um percurso conjunto de apoio e difusão do conhecimento científico sobre África. O Instituto tornou-se rapidamente num centro dinâmico de encontros, de debates, de troca de ideias, também de estudo, reunindo alguns professores, muitos estudantes portugueses, africanos e alguns de outras nacionalidades, investigadores portugueses e estrangeiros que procuravam o nosso espaço, pioneiro na universidade portuguesa. Fomos adquirindo e reunindo livros e documentos de natureza diferente, com vários apoios de instituições nacionais, construindo uma biblioteca de coisas africanas, história, geografia, antropologia, linguística, todas as ciências sociais e também as literaturas africanas, estas últimas leccionadas então na FLUL pelo Professor Manuel Ferreira. Sempre no âmbito das actividades do Instituto, organizámos debates, conferências, encontros nacionais e internacionais, ao longo de mais de uma década, num período agitado da sociedade portuguesa em mudança, e naturalmente da universidade, que se ia adaptando de forma tão criativa quanto complexa às novas realidades do país. Estabelecemos relações com outras instituições similares estrangeiras nos domínios do intercâmbio científico e cultural e procurámos, através de diferentes acções, levar o conhecimento da África e a valorização da história e das culturas africanas para fora da universidade e sobretudo à escola. Todas estas actividades lideradas pelo Professor Viegas Guerreiro, presidente do Instituto para além da sua aposentação em 1982, substituído depois pelo Professor Manuel Ferreira e, por morte deste em 1992, pelo Professor Alberto de Carvalho também da área das literaturas
«
Nem sempre a vertente africana do trabalho do Professor Viegas Guerreiro tem sido posta em evidência
africanas, permitiram apoiar o desenvolvimento dos estudos africanos não só na FLUL, mas ultrapassando as fronteiras da Universidade de Lisboa, chegar a outras instituições nacionais de ensino e investigação, e também reforçar os laços com o mundo exterior, em particular com os países africanos de língua oficial portuguesa.
A necessidade de dar novo fôlego ao Instituto de Estudos Africanos, de o modernizar e adaptar às novas realidades do novo milénio levaram à sua reorganização em 2000, com uma figura jurídica diferente e uma nova designação: assim nasceu oficialmente em 2000 o «Centro de Estudos Africanos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa - Manuel Viegas Guerreiro» (CEA-FLUL), primeiro com uma direcção colectiva de docentes e alunos da Faculdade, depois sob a minha direcção desde 2002 até à sua extinção, cerca de dez anos depois. O espólio herdado do Instituto de Estudos Africanos e aquele que foi adquirido pelo CEA-FLUL transitaram depois para a Biblioteca da FLUL, enquanto que a máscara angolana, símbolo do CEA-FLUL, oferta do Professor Viegas Guerreiro, que a tinha recebido de um aluno, ex-militar em Angola, foi oferecida ao Museu Nacional de Etnologia, cujo património museológico africano veio a enriquecer e onde se encontra até hoje.
Nem sempre a vertente africana do trabalho do Professor Viegas Guerreiro tem sido posta em evidência, um pouco ofuscada pela grandeza dos seus estudos no campo da literatura oral e da antropologia portuguesa. Mas o seu empenho, a sua dimensão de educador, a sua visão humanista desprendida de preconceitos, a sua entrega às pessoas, a sua bondade, a sua tolerância, o seu sentido de justiça, a sua compreensão da diversidade humana, que emanam dos seus trabalhos sobre Portugal, estão igualmente presentes nos estudos realizados sobre África - onde também foi professor -, no contacto com as populações africanas, na vivência das suas missões, no reconhecimento e no respeito de todas as Humanidades.
| P. 15
MVG 1912 - 1997
UNIVERSALISMO E DIÁLOGO
POR VIRIATO SOROMENHO-MARQUES2
O que sempre me fascinou na visão do mundo que Manuel Viegas Guerreiro faz reflectir no seu diversificado trabalho foi a ligação singular entre o particular e o universal que sempre soube articular na sua visão da Etnologia e da Antropologia Cultural.
Essa característica encontra-se presente tanto nos seus trabalhos de campo, como nos seus comentários críticos aos textos fundadores da literatura de viagens dos Descobrimentos.
1. Universalismo e diálogo intercultural. Manuel Viegas
2
Universalismoediálogotitula o testemunho cedido por José Viriato Soromenho-Marques, filósofo e professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa ao JornaldeLetras,
Guerreiro não chegou à Etnologia, contrariamente a muitos outros cientistas sociais, armado daqueles preconceitos culturais com que tantos académicos europeus procuravam justificar, por um lado, a alegada superioridade da cultura europeia face aos povos colonizados, e, por outro lado, a pretensa mais-valia da identidade cultural da sua nação perante as suas congéneres e rivais no Velho Continente. Nos seus estudos, que são hoje referência obrigatória, sobre as culturas maconde ou bochimane, nas suas incursões
ArteseIdeias . O artigo foi publicado em 1997, numa homenagem póstuma do JLa Manuel Viegas Guerreiro
«
Manuel Viegas Guerreiro com Soromenho-Marques na ilha de S. Jorge, Açores, 1992
Espólio MVG © FMVG REVISTA FMVG | N.º 32 MVG 1912 - 1997
sobre o interior continental português, nas áreas protegidas de Montesinho ou Peneda-Gerês, não encontramos nunca o confrangedor espetáculo do chauvinismo europeu ou da sobranceria urbana, arvorados em categorias apriori , tratando paternalisticamente os povos subjugados ou os valores das comunidades rurais lançadas na periferia pelo frenesim crescimentista.
o diálogo intercultural, o conhecimento do Outro é um declinar do conhecimento próprio, uma narrativa diferida da grande identidade humana.
No estudo dos seus textos, mas sobretudo nas vivas e longas conversas que com ele mantive ao longo dos últimos quatro anos da sua vida, fui conhecendo melhor os princípios fundamentais que informavam o seu trabalho. Contra os positivismos de vária proveniência, Viegas Guerreiro sempre reconheceu a necessidade de uma discussão metacientífica para situar criticamente o lugar das ciências e questionar o sentido de conceitos como «rigor» ou «certeza».
Talvez por isso, alguns dos seus últimos escritos evocaram as raízes do olhar peninsular sobre a alteridade cultural. Os seus trabalhos sobre ACartadePeroVazde Caminha , ou sobre ACartadoAchamentodasAntilhas, de Cristóvão Colombo (Cosmos, Lisboa, 1992) recuperam a visão fundadora dos grandes descobridores peninsulares.
Contra o determinismo historicista, essa espécie de profecia retrospectiva como bem sublinhou alguém, Viegas Guerreiro encontrou nessas missivas, não a fatalidade de uma vocação imperial portadora de exclusão, mas fragmentos de possibilidades insuspeitas, nomeadamente, a intuição de uma «unidade psíquica do homem», que é a base para rejeitar o «falso e perigoso conceito de culturas superiores e inferiores» (ACartadePeroVaz p. 22). É que a essência da pesquisa antropológica e etnológica implica sempre
2. Uma humanidade telúrica. Muito antes de os temas do ambiente e do seu significado civilizacional se terem tornado tão significativos como hoje ocorre, já nas obras de Viegas Guerreiro perpassava a função vital, ontológica, da vinculação das culturas à terra. Na literatura oral, na organização do trabalho, nas relações familiares, nas lendas e costumes está sempre presenta a Terra, simultaneamente, como substância e símbolo universal da experiência mundana da humanidade. Quem conheceu Manuel Viegas Guerreiro, quem teve o privilégio de o acompanhar em trabalhos de campo, de vê-lo a falar e a conviver com os habitantes dos mais recônditos e esquecidos lugares, facilmente se apercebeu dessa faculdade de se aproximar dos outros, da sua linguagem, dos seus problemas. Uma faculdade que se radicava num dom de carácter, que apenas pode ser denominado como o de uma generosa e afável grandeza. Quando uma violenta doença o surpreendeu, em pleno trabalho, todos os seus amigos e admiradores compreenderam, à medida que o fim se aproximava, que o valor e a qualidade da sua obra apenas poderiam imortalizar uma parte da sua nobreza pessoal. Um grande homem excede sempre a sua obra. Há uma parte que sobrevive, como um privilégio e um tesouro, apenas na memória daqueles que tiveram a felicidade de partilhar o seu tempo. No caso de Manuel Viegas Guerreiro, esse privilégio, que roça o que não pode ser dito, é imenso e inesquecível. «
UM HOMEM DOCE
POR FERNANDO SANTOS PESSOA3
Era uma pessoa doce, doce. Era de uma gentileza enorme. Era muito calmo. Era um homem de uma profundidade enorme, de um humanismo extraordinário. O convívio que eu tive com ele enriqueceu-me muito.
3 Excerto de entrevista concedida pelo arquitecto paisagista Fernando Santos Pessoa a propósito de um filme realizado pela FMVG em 2020
Fomos muito amigos, fiquei muito triste com a morte dele. O seu nome passa de longe o Barrocal, Querença e Lisboa.
| P. 17
MVG 1912 - 1997
DINOSSAURO LÍRICO
POR TERESA RITA LOPES4
Outros falarão sobre o professor, o investigador, o Mestre. Eu vou falar sobre o meu amigo de infância, o Blé Guerreiro, como era chamado nos nossos algarves natais. É verdade que ele já era professor no meu liceu quando nos conhecemos. Eu era caloira ou quase, ele costumava dizer que se lembrava de mim a dizer poesias nas festas do liceu com um vestidinho verde com a saia muito rodada. Eu teria esquecido esse vestidinho verde se não fosse ele lembrar-mo. E porque essa presença de mim me liga, afinal, a quem mais fundamente me sinto ser, é como se ele me dissesse, quando isso me dizia, que me tinha trazido ao colo. Vou por isso ficar a lembrar-me sempre dele como de uma pessoa muito querida da minha família. Mais um que a morte veio emoldurar.
Mas ele não fica quietinho dentro do retrato, não. Entra e sai, irrequietamente. É incapaz de estar parado, como em vida. Pertence àquela raça em vias de extinção dos dinossauros líricos. Sempre o conheci a militar por um ideal qualquer, a viver o fervor de um projecto. Já se foram também outros seus cúmplices: Luís Lindley Cintra, o nosso Luís que eu lembro ainda a fazer à mão, com a sua linda letra, os ofícios e papeladas necessárias para a ressurreição da RevistaLusitana, Agostinho da Silva, como ele uma espécie de missionário dessa coisa vaga a que chamamos cultura. Os Estudos Gerais Livres nasceram desse fervor. Lembro-me de o ouvir dizer que se sentia assim uma espécie de padre laico – um padre de aldeia como esses que Torga, apesar da sua ruptura com a Igreja Católica, nos deu a conhecer nos seus contos, tão empenhados na salvação das almas como na das sementeiras. A sua origem aldeã rescendia como pão a sair do forno. Lembro-me dele em casa da Paula Guimarães, liberto do empecilho da beca com que, horas antes, tínhamos
oficiado no seu doutoramento, a cantar e a dançar como numa eira da sua terra. Por isso ele nos conduzia ao âmago dessa cultura de que somos filhos como fruto na árvore.
Lembro-me de como, pela sua mão, entrei nesse «reino maravilhoso» de Trás-os-Montes, como diz Torga. Quando estava a preparar o seu livro sobre Pitões das Júnias, o meu amigo Blé Guerreiro convidou algumas pessoas do seu grupo para o irem visitar. Fui albergada por uma mulherzinha que tinha estado emigrada em França e cobrira as paredes de grossas pedras de granito com papel florido, colado com farinha. Mas não tinha casa de banho. Indicou-me as tábuas mal juntas da cozinha: «Faça por ali. Lá em baixo o meu porquinho aproveita tudo». Pelo caminho o meu relógio tinha-se simbolicamente avariado. De madrugada a boa mulher, que naturalmente não tinha relógio, perguntava pela janela aos condutores dos primeiros carros de boi: «Sabes que horas são?» Respondiam: «Pr’aí umas sete». Ela procurava o sol no céu, e confirmava: «Devem ser, sim».
Mas eu estava de passagem, o meu amigo Blé Guerreiro passava lá grandes períodos, nessa altura com um desenhador que lhe fazia meticulosamente à mão o retrato dessa realidade que ia revelar. Quando passeávamos por aquele chão de pedras grossas, resvaladiças, como poldras de ribeira, o desenhador confidenciou: «O pior é no Inverno. Se escorregamos e caímos só nos podemos ir lavar a Lisboa». À tarde havia baile no largo de terra batida, atapetado de bosta de vaca muito moída. Hesitei, entre repugnada e seduzida. Era uma prova. Fui dançar. E senti-me admitida nesse tal «reino maravilhoso», aureolada de poalha doirada de bosta de vaca. E o meu padrinho foi o Blé Guerreiro. Bencinha, padrinho.
MVG 1912 - 1997
«
4 Teresa Rita Lopes dedicou o testemunho ao Mestre Viegas Guerreiro em 1997. O artigo da escritora, investigadora Pessoana e professora
REVISTA FMVG | N.º 32
catedrática (aposentada) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL foi publicado no JL , em 1997.
«
ETNÓLOGO, PROFESSOR POR JOAQUIM CERQUEIRA GONÇALVES5
É esta a ordem a que deve obedecer a apresentação deste incomparável vulto, por ela traduzir a hierarquia dos valores que informaram a sua existência.
HOMEM DA TERRA – Viegas Guerreiro (VG) é, antes de tudo, um homem da terra, da sua, Querença (Loulé), e de todas as terras, que gostava de percorrer, não com sacola de adventício turista, mas com olhar profundo e curioso afecto. Se o seu amor à terra pode fazer dele um fervoroso panteísta, o amor ao povo parecia transformá-lo em protagonista social. No entanto, amava a terra porque ela é a mãe do povo, sendo este, por seu lado, para ele, mais do que uma categoria social, desfrutando, antes, duma espessura metafísica, com uma racionalidade própria, não emprestada, artificialmente, pelas construções científicas, VG estava mais próximo da natureza do que da técnica, mas fundia as duas na cultura, onde se encontravam as razões da terra e os anseios das comunidades. Um encontro, porém, que lamentava não ser sempre feliz e pacífico, porque, frequentemente, os homens destroem a terra e destroem-se. Lúcido pacifista, VG assentava a sua estratégia de promoção de paz numa reconciliação conseguida em sedimentos profundos, não apenas em epidémicos e passageiros apaziguamentos sociais.
HOMEM DE SABER – A História há-de registar o nome Manuel Viegas Guerreiro entre os funcionários públicos do seu país, na qualidade de docente, na categoria de professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa.
Os seus alunos, colegas e amigos, porém, guardam, a respeito dele, no coração e na memória, um outro molde, talhado por ele próprio, não pelos artigos do código profissional. Licenciado em Filologia Clássica e competente docente em matérias dessa área, foi na etnologia que se encontrou, melhor dito, que se encontrou com a terra e com o povo. Além da propensão quase instintiva do seu carácter, aí o conduziram mãos afectuosas, também elas aquecidas pelo amor à terra e ao povo: as do eminente mestre geógrafo Orlando Ribeiro e as do grande etnólogo José Leite de Vasconcellos, que acolheu V.G. como seu estreito colaborador, vindo a ser também fiel guardador – e difusor – da sua imensa obra. A amizade com Agostinho da Silva traduziu também imensas sintonias, embora não de filosofia de vida. Não estamos perante um intelectual. VG era um pedagogo da alfabetização. Esta preocupação, mantida, aliás, durante toda a vida e transmitida a todos os níveis de ensino, mesmo ao universitário, não consistia em impor, do exterior, conteúdos científicos artificialmente construídos, mas em exortar a que os alunos – todo o ser humano – lessem os caracteres do livro do mundo e dos costumes do povo e, nesse processo, os devolvessem. Uma das mais significativas iniciativas de VG, já do tempo da sua jubilação, foi a criação, em 1988, dos Estudos Gerais Livres, essa outra Universidade, onde o processo de alfabetização prosseguia, orientado para a sabedoria da vida, que foi sempre, afinal, a preocupação da existência de Manuel Viegas Guerreiro.
5 Testemunho cedido por Joaquim Cerqueira Gonçalves, filósofo e professor catedrático (aposentado) da FLUL ao JLno âmbito da
homenagem póstuma a MVG, em 1997.
| P. 19 MVG 1912 - 1997
« GENEROSIDADE SEM LIMITES POR MANUEL DA COSTA FONTES
Só tive o privilégio de conhecer pessoalmente Manuel Viegas Guerreiro em 1987, durante o magnífico colóquio sobre literatura popular por ele organizado na Gulbenkian, cujas actas foram publicadas sob a sua direcção (1992), mas tinha começado a aprender com ele por volta de 1970, em Berkeley, ao ler o Romanceiro póstumo de José Leite de Vasconcelos (1958-1960), cuja organização ele co-dirigia. Em 1975, já em Los Angeles, ao escrever a minha tese de doutoramento, foram-me de grande utilidade os seus ContosPopularesPortugueses(1957). Através dos anos, muito me têm servido também o seu GuiadeRecolha deLiteraturaPopularPortuguesa(1976), o esplêndido e modestamente intitulado ParaaHistóriadaLiteratura PopularPortuguesa(1978), com a sua visão panorâmica da nossa literatura oral desde a Idade Média aos nossos dias, a importante monografia sobre Pitões das Júnias (1981), e um monumento que, sem o seu espírito de abnegação, nunca teria sido posto ao serviço de todos –a póstuma EtnografiaPortuguesa , de Leite de Vasconcelos, obra fundamental à qual dedicou muitos anos da sua vida, que, em grande medida, é realmente sua.
Foi também ele que, juntamente com Luís Filipe Lindley Cintra, depois do afrouxamento de um período de grande actividade no século XIX e princípios deste século, manteve vivo o interesse pela nossa literatura popular, estimulando várias recolhas através do País
na sua capacidade de director da Linha de Acção para a Recolha e Estudos da Literatura Popular Portuguesa. Como director do Centro de Tradições Populares, da Universidade de Lisboa, dirigiu também a nova série da imprescindível RevistaLusitana, e estimulou uma série de projectos que muito têm beneficiado investigadores nacionais e estrangeiros. Além da sua grande contribuição para o estudo das línguas e etnografia dos povos de Angola e de Moçambique, devemos-lhe tudo isso e muito mais. Quando finalmente tive a oportunidade de o conhecer pessoalmente em 1987, surpreenderam-me a modéstia e a simplicidade que descobri num professor catedrático tão sábio e de tão grande prestígio. Como demonstra a abnegação com que se dedicou à obra póstuma de Leite de Vasconcelos, outra importante característica da sua personalidade era uma generosidade sem limites. Via-se logo que Manuel Viegas Guerreiro era verdadeiramente bom. Todos os especialistas nacionais e estrangeiros contraíram como ele uma grande dívida de gratidão. A sua morte foi uma grande perda para todos nós, mas a sua memória perdurará. Será lembrado através dos anos, cada vez que voltar a ajudar os estudantes, professores e investigadores que, sem qualquer sombra de dúvida, continuarão a ler e a aprender com a obra que nos deixou.
«
doCanada , reeditado este ano em inglês pela Peter Lang Publishing Inc, integrou o Conselho Consultivo do Centro de Tradições Populares Manuel Viegas Guerreiro, da UL.
REVISTA FMVG | N.º 32
MVG 1912 - 1997
6
6 Manuel da Costa Fontes cedeu este testemunho ao JL , em 1997 Professor de Português e Espanhol na Kent State University, Ohio, EUA e autor, entre outros títulos, de ContosPopularesPortugueses
1
VIAGENS PELA OBRA DE MANUEL VIEGAS GUERREIRO
POR JOÃO SABÓIA DESCRIÇÕES
DO ALGARVE DO SÉCULO XVI
Foi com agrado que acolhi o convite para uma releitura de DuasDescriçõesdoAlgarvedo SéculoXVI1 , já que se trata de um trabalho desenvolvido por dois Professores que muito prezo e que muito me honraram com a sua amizade, Joaquim Romero Magalhães e Manuel Viegas Guerreiro. O Professor Doutor Joaquim Romero Magalhães, entre outras colaborações, também convidou-me a participar em diversos trabalhos, publicados desde 2004 até ao ano de 20182
Relativamente ao Professor Doutor Manuel Viegas
Guerreiro pude sempre contar com o seu apoio e colaboração, como foi o caso, em 1990, como presidente da AssociaçãodeEstudosGeraisLivres , assinou conjuntamente com o Presidente da Câmara, Joaquim Vairinhos, o protocolo de cooperação entre a autarquia louletana e a associação. O primeiro resultado deste protocolo foi o apoio ao projeto cultural LoulénaRota dosDescobrimentos , de 18 de maio a 17 de junho de 1990, principalmente na parte das conferências, ajudando a trazer a Loulé os Professores Joaquim Romero Magalhães e Borges Coelho. O Professor Manuel Viegas
DuasdescriçõesdoAlgarvedoSéculoXVI.Apresentação, leitura, notas e glossário de Manuel Viegas Guerreiro e Joaquim Romero Magalhães. Colecção Cadernos da Revista de História Económica e Social, 3. Lisboa: Sá da Costa, 1983. 182 p.
2 Ano do seu falecimento. SABÓIA, João – Cooperando com Joaquim Romero. al’ ulyà . N.º 21 (2019), p. 81-89.
| P. 21
Capa e frontispício da revista DuasDescriçõesdoAlgarvedoSéculoXVI(Sá da Costa, 1983)
3
Guerreiro apresentou a conferência Colombo ePortugal , no dia 18 de maio de 1990, na Galeria de Arte do Convento do Espírito Santo. Quando da sua morte em maio de 1997, o Arquivo Distrital de Faro, de que eu era Diretor, fez uma homenagem ao Professor através de uma exposição sobre a sua vida e obra e uma palestra pelo Professor Doutor João David Correia, de 14 a 31 de outubro de 1997, no edifício do Arquivo Distrital.
A obra DuasDescriçõesdoAlgarvedoSéculoXVI , publicada em 1983, compreende, essencialmente, uma Apresentaçãoe as transcrições da Corografia doReinodoAlgarve,1577 , de Frei João de S. José, e a HistóriadoReinodoAlgarve,circa1600 , de Henrique Fernandes Sarrão.
A Apresentaçãocorresponde a um estudo sobre a evolução da corografia desde o renascimento sob a influência dos clássicos, designados por «Os Antigos , os exemplares antepassados gregos e romanos (...)?3», até à sua emancipação.
A corografia, na época, de acordo com a distinção ptolomaica e na tradução de Pedro Nunes separava esta da geografia «O proprio da Geographia he mostrar que a terra conhecida he hũa e continua (…)»4, ao contrário «(…) o fim do Corographo consiste em representar bem hũa parte (…)»5 Deste modo, a corografia que inicialmente se desenvolveu sob a influência dos Antigos, vai a partir do século XVI, com a pressão dos Estados que querem mais rigor, mais números e menos citações de clássicos, abraçar, crescentemente, oNovo , como os autores denominam a este progressivo caminho para a objetividade do que se vê e do que se conta, respondendo, desta forma, à necessidade dos Estados em conhecer o seu território físico e humano.
Assim, as corografias, na tentativa de responder «(…) às necessidades de informação, ou de propaganda»6 , progrediram no sentido de um modelo com as seguintes questões – nome da terra, número de vizinhos ou fogos, defesas do casco urbano, produções mais importantes,
DuasdescriçõesdoAlgarvedoSéculoXVI, p. 3.
4 Ibidem, p. 3.
5 Ibidem, p. 3.
6 Ibidem, p. 5.
7 Ibidem, p. 5.
8 Ibidem, p. 5. Expressão utilizada por Pedro Nunes, p. 3.
as igrejas, conventos, os senhores da terra, curiosidades7 Segundo os autores a descrição corográfica «no exacto sentido – pintura de lugares –» 8 é a de Frei João de S. José, em 1577, na sua CorografiadoReinodoAlgarve dividida em quatro livros, de acordo com os seguintes assuntos:
1.º DescriçãogeraldoreinodoAlgarveedetodasas cidades,vilas,fortalezaseoutroslugaresemparticular.
2.º De,poreemtempofoiconquistadooreinodo Algarvedaquém-mar,havendomaisdequinhentos anosqueerapossuídodosMouros.
3.º QuetratadecomooreinodoAlgarveveoempoder dosreisdePortugalefoiacabadodeconquistarda maneiraqueoraestá.
4.º DasparticularidadesdoreinodoAlgarvedaquém-mar 9
O 1.º livro é o mais representativo do modelo já descrito, os autores destacam «O que nele sobretudo mais importa é a tão minuciosa quanto possível notícia que dá de todas as povoações e fortalezas»10, salientando que «(…) é a mais notável corografia do Renascimento em Portugal, afastando as patranhas dos Antigos, (…)»11 No 4.º livro Frei João informa o leitor: «Há neste reino do Algarve muitas cousas notáveis e maravilhosas e tão particulares dele só, que não se acham em outro algum, assi na própria natureza da terra como também nos costumes de que usam os moradores dela.»
«Porque quem em Portugal ou em outra qualquer parte do mundo ouve dizer que no Algarve se vareja o figo e não a azeitona e num só figueiral, andando continuamente quinze, vinte pessoas, não podem tanto apanhar que mais não madureça té se acabar, (…).»12
Relativamente à HistóriadoReinodoAlgarvedo licenciado Henrique Fernandes Sarrão, circa 1600, os autores referem que não possui a mesma qualidade do 4.º livro da Corografia de Frei João de São José, no entanto é mais completo no que respeita à minúcia como «descreve as terras do Algarve – das cidades às
9 Ibidem, p. 181.
10 Ibidem, p. 5. 11 Ibidem, p. 6. 12 Ibidem, p. 109. 13 Ibidem, p. 12.
REVISTA FMVG | N.º 32
aldeias de uma dezena de fogos, (…)»13
Os autores fazem, no entanto, distinção entre Sarrão e Frei João «(…) o frade agostinho discute opiniões de eruditos e apura factos da história da conquista do Algarve, o advogado na Casa da Suplicação limita-se a situar igrejas e conventos, fortalezas e torres de vigia, a dizer onde fica este ou aquele acidente orográfico, a descrever uma ou outra curiosidade. Não tem o seu modo de contar o delicioso pinturesco do de Frei João. Não se desvia, um momento, do objectivo que se propõe; por outras palavras: vai direito ao fim sem rodeios (…)»14
Como exemplo do pormenor de descrição de Sarrão
os autores mencionam o Almargem de Loulé que este autor explica claramente como sendo reserva de pastagens, «de que os arquivos permitiam nebulosa aproximação (…)»15
Vejamos o texto: «Junto desta lagoa está um sítio de terra, a que chamam o Almargem, muito abundante d`ervas e fermoso bosque de arvoredos e espessos matos, com suas fontes, onde andam a pascer os cavalos dos moradores da vila e não entram outros d’outra parte, e tem um homem posto pela Câmara que os guarda, e são muito fermosos e gordos. Neste sítio de Quarteira há grande criação de cavalos e os milhores e mais afamados do reino.»16
Páginas 161 e 162 da obra analisada, com referência a Loulé
14 Ibidem, p. 12.
15 Ibidem, p. 13.
16 Ibidem, p. 162.
| P. 23
Também, descreveu catástrofes naturais.
“No ano do Senhor mil e quinhentos e outenta e sete deu a água da chuva com muito ímpeto no arrabalde da vila, da parte do norte, e pôs por terra cento e dez casas, e morreram quarenta pessoas, pouco mais ou menos, e, morrendo vestidos, foram achados nus, foi como furacão, a que vulgarmente chamam dilúvio de Loulé.”17
Estas corografias tiveram destinos diferentes, a do Frei João de S. José pela sua modernidade foi praticamente ignorada no seu tempo, vindo posteriormente a ampliar a sua divulgação, ao contrário da do Henrique Fernandes Sarrão, que com uma descrição mais simples, foi usada imediatamente, no entanto poucos a citaram.
“Século e meio levaram a servir-se dela como se de corografia contemporânea se tratasse.”18
Para além das descrições nacionais agora relidas, também, os textos que diversos estrangeiros nos deixaram sobre o nosso país reproduzem visões únicas, filtradas na experiência e cultura desses viajantes, sobre a forma como olhavam a nossa sociedade, as pessoas, as terras, os costumes e até acontecimentos que se desenrolavam.
Deste modo, estes textos descritivos, tanto nacionais como estrangeiros são indispensáveis à construção da história local e nacional.
Parece-nos, neste contexto, interessante fornecer alguns exemplos retirados da obra: Viajesdeextranjerospor EspañaePortugalenlossiglosXV,XVI,yXVII19
O viajante Nicolas de Popielovo, de Breslau, chegou a Portugal no mês de junho de 148420. Citações: «La ciudad de Lisboa será tan grande como la de Colonia ó Lóndres de Inglaterra.»21
“Los portugueses son entre si, y con su rey, excepto los señores, mucho más fieles que los ingleses; no son tan crueles é insensatos como éstos; en sus comidas y bebidas son más moderados, pero más feos de fisonomía; son de color moreno y pelo negro, (...).»22
«El rey de Portugal, con el nombre de Juan (2), es de mediana estatura, un poco más alto que yo. No cabe duda que entre todos los suyos él sólo es más sabio y
17 Ibidem, p. 162.
18 Ibidem, p. 17.
19 Cópia Facsímil: ViajesdeextranjerosporEspañaePortugalenlos siglosXV,XVI,yXVII.Traducidos del original y anotados por F. R. Coleccion de Javier Liske, Madrid: Casa Editorial de Medida, 1878. Valencia: Librerías Paris-Valencia S.L., D.L. 1996. ISBN:84-89725-02-0.
Título: «Bisnetos d’ El Rey Dom João o segundo», da obra Duas DescriçõesdoAlgarvedoSéculoXVI (Sá da Bandeira, 1983, p. 137)
virtuoso; no pasa de veintinueve años de edad, y en mi tiempo tenía un heredero suyo de nueve años, de cara inglesa, que se sentaba siempre en la mesa á su lado.»23
«De Farao seguí á Tavilla (Tavira) cinco millas. A uma distancia de dos millas ántes de llegar á esta ciudad, no se vem más que higueras y olivos, y en su mayor parte higueras tan espesas como uma selva, de modo que hasta venir á las puertas no se presenta á la vista del viajero. En aquella plaza encontré á muchos negociantes de Flandes haciendo compras de uvas é higos.»24
Diário de Erich Lassota de Steblovo, alemão, que esteve de 1580 a 1584, como militar, ao serviço de Espanha, tendo participado na ocupação de Filipe II a Portugal. 25 Citações:
20 Ibidem, p. 11.
21 Ibidem, p. 17-18.
22 Ibidem, p. 26.
23 Ibidem, p. 27.
24 Ibidem, p. 40-41.
REVISTA FMVG | N.º 32
«El 16 de Julio [1580] llegó la armada al cabo San Vicente, cuyas plazas fuertes se entregaron voluntariamente al marquês, y por este motivo las dejó á cargo de sus jefes antiguos.
El 17 de Julio llegamos á una hermosa, grande y cerrada villa, llamada Setuval, situada á tres millas sobre o mar; al principio nos resistió con un castillo Palmella, á una milla distante, y construido en una alta montaña. El dia seguinte la ciudad se rindió, y sua barrios han sido saqueados.»26
«El dia 30 de Julio pasamos delante de la plaza fuerte de San Juan, que está á la entrada del puerto de Lisboa, y más arriba de una villa, y del castillo llamado Cascais, llegamos al continente; los portugueses que defendian el paso para impedir nuestros desembarcos, fueron rechazados por nuestros tiros de galeras; descendimos con fuerza, y les cogimos algunas piezas, marchando en órden de batalla adelante.
El 31 de Julio los portugueses se retiran, la pequeña ciudad de Cascais se rinde, y sufre sin demora un saqueo.»27
«El 25 de Julio [1581] salió otra vez nuestra armada del puerto [Lisboa] con 1500 hombres, (...).
El mismo dia, D. Pedro de Baldes, queriendo sorprender y conquistar la isla Tercera, desembarcó la mayor parte de su gente, unos 400 hombres, en un lugar, <Porto Judeos> llamado; mas su gente, al venir á la tierra, se dispersó al instante dedicándose al pillaje, y los portugueses, aprovechando este desórden, los atacaron; despues de haberse reunido, quiseron hacer resistencia al enemigo, pero éste lanzó contra ellos muchos bueyes, rompió sus filas, cayó encima, exterminó á todos, (...).»28
“El 26 [Setembro 1583] (...) pasamos adelante del Cabo San Vicente, en Algarbez (...). En la extremidad de este cabo hay un monasterio, tambien San Vicente llamado, que pertenece á la órden de San Francisco. Más adelante, y en otra extremidad, se halla un fuerto llamado Sagras, y en sus cercanías varios otros, entre los cuales los más notables son: Aboliera y la Torre Althina. El motivo de tantos fuertos en aquella costa es la venida de numerosos atunes en cierta estacion del año, que proporciona una abundante pesca, y los moros que la disputan á los españoles.”29
25 Ibidem, p. 93.
26 Ibidem, p. 110.
27 Ibidem, p. 111.
28 Ibidem, p. 149.
29 Ibidem, p. 216.
JOÃO MANUEL MARTINS SABÓIA
Nascido em 1956 em Évora, licenciado em História e especializado em Ciências Documentais (Arquivo), pela UL. Foi Chefe de Divisão do Património Histórico (1990-1994) e de Bibliotecas e Arquivo Municipal, Loulé (2006-2008); Diretor do Arquivo Distrital de Faro (1994-2004, 2008-2013).
Entre outras atividades fez parte da direção do Curso de Especialização em Ciências Documentais, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve (2003–2005). Cientificamente integrou diversos grupos de trabalho tanto em Espanha como em Portugal, exemplo: Laimagendelosextranjeros yenemigosdurantelosconflictosbélicosdelsiglo XVIIIenEspañayAmérica, apoio do Ministerio deEducaciónyCiênciade Espanha, HUM200760178/HIST. 2007.
Para além de formador, também apresentou comunicações em seminários e congressos nacionais e internacionais e tem diversa obra publicada em Portugal e no estrangeiro.
| P. 25
« ANÓNIMO
Amo o Mar com loucura, com delírio, com um grande amôr! Nasci ao pé don Mar, e meu pae e minha mãe são duma aldeia ao pé do Mar. Meus humildes avós eram marítimos e foram cavadores.
Desde pequeno, o Mar espantou meus olhos, encheu minha alma, inda não me fartei de o ver!
Gosto de estar ao pé d’Elle, mas só, como se gosta de estar com a mulher amada – e sinto-me embalado com as suas trovas, e deixo-me escravizar pela sua grandeza infinita!»
JULIÃO QUINTINHA
FOTOGRAFIA: MARINELA MALVEIRO POSTAIS DO ALGARVE
«
Nau Cathrineta, tão linda, Que anda nas voltas do mar?
« VERÃO
Eis o mar as longas linhas de espuma as areias brancas que são a nossa origem a nossa casa sem tempo a cama sagrada em que sonhámos filhos e futuros de promessas sem nexo Eis o mar que já tínhamos esquecido que tem a cor de todas as cores o sol sem manchas maiores do que a nossa própria alegria
Eis a saudade das coisas que idade temos? em que barco naufragámos? que pássaros são estes que se aconchegam no calor dos nossos corpos, viajantes irreais?
Eis o mar, nosso eterno irmão
« num instante tudo muda e pinta-se o mar de luar mergulham gaivotas a pique trazendo no bico a fartura... - quanta exúvia cintila no rasto da traineira -
A MINHA RUA TEM O MAR AO FUNDO ANTÓNIO PEREIRA
FERNANDO CABRITA «
JOSEFA DE LIMA
| P. 27
FALECIMENTO
MANUELVIEGAS GUERREIRO (1941-2022) MEMBRO DO CONSELHO FISCAL FMVG
Faleceu em Outubro passado, Manuel Viegas Guerreiro. Homónimo do patrono da Fundação, era seu primo por parte do pai, Manuel Joaquim Guerreiro. Manuel Viegas Guerreiro nasceu no sítio dos Corcitos, em Querença, no ano de 1941. Construtor civil de profissão, sempre apoiou a Fundação, tendo ocupado o lugar de membro do Conselho Fiscal da FMVG desde a sua instituição. Assumiu o papel de conselheiro em diversas situações que dependiam da sua especialidade profissional. Por onde passou, deixou amigos. A FMVG despede-se de Manuel Viegas Guerreiro com profundo pesar e com uma palavra dirigida em especial à família enlutada, ficando eternamente grata pela dedicada colaboração deste filho da terra.
Livros doados por José Luís da Silva
Manuel Viegas Guerreiro, primo do patrono da Fundação
MM
REVISTA FMVG | N.º 32 30 NOVEMBRO | DIA INTERNACIONAL DAS CIDADES EDUCADORAS CML
DIÁRIO DE CAMPO
FLORESTA MEDITERRÂNICA VERSUS FALTA DE ÁGUA
Alterações climáticas reúnem investigadores e alunos/as da Universidade do Algarve. Duas conferências realizadas na tarde de 22 de Novembro, na FMVG, consolidam espécies mais resilientes em períodos de seca: o sobreiro, a azinheira, a alfarrobeira e o pinheiro manso. Debate promovido pela FMVG e pela Câmara Municipal de Loulé em parceria com a UAlg.
Nuno de Almeida Ribeiro, investigador do Instituto de Ciências da Terra e professor na Universidade de Évora, falou sobre Osdesafiosdagestãoadaptativados ecossistemasflorestaisesilvopastorismediterrânicos numcontextodealteraçõesclimáticas. Evidenciou: «Temos de criar sinergias entre academia, organismos públicos, associações de produtores regionais e actores no terreno, e olhar para cada parcela do território em particular, encontrando soluções com base na peritagem. Actualmente, conseguimos peritar muito mais rapidamente do que antes, com a ajuda de satélites e drones . Se aliarmos a tecnologia à investigação conseguimos implementar, com certeza, soluções mais eficazes e adequadas a cada perfil de solo e antecipar situações futuras.»
Teresa Soares David, investigadora no Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, afina pelo mesmo diapasão: «Se queremos gerir a floresta temos de saber planear, implementar medidas, monitorizá-las e avaliá-las. Mas a nossa gestão tem de ser sempre encarada como um processo contínuo e de aprendizagem conjunta.» A
investigadora apresentou a comunicação Adaptaçãodas florestasàseca.Opapeldossistemasradicularesna captaçãodeáguaemprofundidade
Os dois workshopsdecorreram no âmbito do projecto ValorizaçãoeAproveitamentodaFlorestaMediterrânicaocasodoconcelhodeLoulé , que decorre da candidatura da Fundação FMVG e da Câmara de Loulé ao Plano de Acção de Desenvolvimento de Recursos Endógenos. A sessão ainda está disponível no canal de YouTubeda Fundação.
| P. 29
FOTOGRAFIA: TELMA VERÍSSIMO
TV TV
RESULTADOS DE CAFÉINTERIOR RBCL REÚNE EM QUERENÇA
CaféInterior é o projecto itinerante da Cruz Vermelha que tem circulado pelo interior do concelho de Loulé. Através de um esforço de proximidade, a equipa coordenada por Cátia Montes tem levado apoio psicológico à comunidade mais idosa e isolada. O projecto apresentou os resultados em Outubro, num seminário que decorreu no auditório da Fundação.
VEMOS,OUVIMOSELEMOSNO PORTO
A cerca de 10 dias da AulaLivrede Pilar del Rio, os membros da Rede de Bibliotecas do Concelho de Loulé reuniram em Querença. Um dos temas foi a antestreia da exposição CentenárioSaramago , com muitos dos trabalhos produzidos por alunos/as e professores/as ao longo de 2022 a serem afixados em vários espaços do edifício-sede da Fundação.
SECRETÁRIA DE MVG EM EXPOSIÇÃO
convite da Associação Ânimas, através da comunicação Versatilidadeepotencialidadesdeumcãodeajuda socialcomacomunidadeeducativadaaldeiade Querença,Loulé . O II Congresso Internacional de Animais de Ajuda Social teve lugar na cidade do Porto
A secretária utilizada por Manuel Viegas Guerreiro nos tempos de Professor da Faculdade de Letras de Lisboa integra a exposição Umaviagempermanente, do artista plástico e criativo José Loureiro. A secretária e seus módulos de apoio, integrados na exposição, podem ser vistos no EspaçoArtedo átrio de entrada do IGOT-UL até ao Dia de Reis. A entrada é livre.
REVISTA FMVG | N.º 32
CAMINHOS MOSTRA ESTRELAS CELEBRA-SE O ANIVERSÁRIO DE MVG
O menino Blé faria 110 anos em 2022, se ainda fosse vivo. As crianças de Querença cantaram-lhe os parabéns e iniciaram um processo de descoberta do pensamento e da obra de MVG para conceber e realizar recursos educativos que irão dar a conhecer esta figura singular do século XX a outras crianças, numa parceria da FMVG com o Município, Ao Luar Teatro e União de Freguesias.
CASAL BRASILEIRO DESCOBRE PORTUGAL EM AUTOCARAVANA
percorrerem, no Algarve, Lagos, Portimão e Albufeira, acontece a descoberta de Loulé, a começar por Querença.
Na colecção de Fundo Geral da Biblioteca da Fundação fizeram outras descobertas: o "Achamentooficialdo Brasil , assinado por Joaquim Veríssimo Serrão. «Aprendemos na escola que Pedro Álvares Cabral tinha tentado descobrir o caminho marítimo para a Índia, mas que se perdeu e encontrou o Brasil. E isso é muito estranho, olha o tamanho do erro!» - comenta Greice ao lado de Douglas, que lê em voz alta várias passagens de HistóriadePortugal . «Agora sim, faz sentido. Essa é outra História», conclui.
Estamos em Setembro, na Fundação, quando recebemos a visita de Greice Paes de Almeida e Douglas Costa, que cumprem o 97.º dia em Portugal, o 4.º no Algarve. Vêm do interior de S. Paulo com planos para residir, em regime de itinerância, em Portugal. Em Ovar, tornaram-se proprietários de uma autocaravana. Transformaram o Brasil no país de visita ocasional e depois de
Dentista pediátrica, Greice divertiu-se a consultar uma publicação de 1945 que recomendava leite condensado açucarado para as crianças, pelo alto valor nutritivo e vitamínico.
De acordo com o casal brasileiro, só a autocaravana lhes permite viver estes pequenos grandes momentos: «Antes não teríamos tempo de abrir um livro, como estamos a fazer agora», compara Douglas. Para Greice e Douglas, Querença e outras pequenas aldeias portuguesas deixaram de ficar fora de rota.
| P. 31
MM
MELTINGPOT N’ A NOSSA CASA COMUM
MM
Estudam em Loulé mas vieram dos Estados Unidos, da África do Sul, da Índia, Dinamarca, Lituânia e França. O grupo de cerca de dez alunos/as visitou Querença em Novembro.
Uma pequena representação do mundo passeou-se pelo Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro, numa imersão pela paisagem e pelos valores culturais do barrocal e da serra. Descobriu o pomar de sequeiro e um tanque com nascente. Colheu medronhos, ouviu falar de bolotas e figos, frescos e de conserva.
Os alunos/as do 1.º ao 6.º ano do nível Primary , correram, saltaram muros e recuperaram o fôlego na biblioteca da Fundação, ANossaCasaComum, que comunica com os grandes temas do planeta
As professoras Didia Guerschman, Christine Cruz e o professor Nuno Rebelo garantiram a tradução necessária para que todos/as percebessem as missões da biblioteca infanto-juvenil e da Fundação
Mais tarde, já no Pólo Museológico da Água, no centro da aldeia, ouviram a estória da MouradeQuerença , contada pela técnica municipal Ricardina Inácio, que acompanhou a visita desde a sede do concelho.
20-30 do século XVI abriga cinco retábulos em talha barroca de meados do século XVIII.
Sessão de cinema ao ar livre na FMVG
Também fez parte do toura visita à igreja da Nossa Senhora da Assunção com o seu característico portal manuelino. O templo tardo-gótico datado dos anos
As crianças ficaram a conhecer Querença para regressar ao final do dia às suas residências, em Faro, Albufeira, Vilamoura e Loulé, onde se localiza a EducanAlgarve Centre , que lecciona do 1.º ao 10.º ano desde 2020.
REVISTA FMVG | N.º 32
Parte do grupo do 1.º ao 6.º ano do nível Primarye docentes na biblioteca da Fundação ANossaCasaComum
LAGARTA DA BORBOLETA DO MEDRONHEIRO
Charaxesjasius Linnaeus, 1767
A LAGARTA-DO-MEDRONHEIRO pertence à ordem Lepidóptera, da família Nymphlidae. É monófaga, ou seja, alimenta-se apenas de uma planta: o medronheiro (Arbutusunedo). Por essa razão, são comuns na bacia do Mediterrâneo e no Norte de África.
De origem africana, a borboleta-do-medronheiro é uma
Borboleta-do-medronheiro ou imperador: dorso e ventre Espécime morto (FMVG)
das borboletas diurnas com maior envergadura da Europa, atingindo entre 65 a 80 milímetros. Neste momento vestem a pele de lagartas, como as da imagem (fotografias captadas em Dezembro). São borboletas entre Março e Outubro.
Fonte: Revista Wildere Wikipédia.org
| P. 33
FOTOGRAFIA ARTÍSTICA: VÍTOR MARTINS
MARIA JOSÉ MACKAAIJ
MM
ESCAPARATE
Recente descoberta das Pranchetas Chorographico-Agricolas’ , fruto de levantamentos de campo realizados entre as décadas de 1880 e 1900 e desenhadas à escala de 1:50.000, permite antecipar em cinco décadas a história da ocupação e usos do solo no concelho de Loulé, datada, até aqui, em 1950. A cartografia regista um Algarve bastante desflorestado, prévio à Campanha do Trigo.
No centenário de nascimento de Gonçalo Ribeiro Telles, superando a edição esgotada, TextosEscolhidos reúne entrevistas, apontamentos de trabalho e artigos de opinião ao longo de décadas de actividade profissional, de intervenção cultural, cívica e profissional do arquitecto paisagista, ecologista e político.
Estaçãoreúne o essencial dos poemas publicados por José Carlos Barros entre 1984 e 1989 no suplemento do Diáriode Notícias, o DNJovem . O autor escreveu os poemas entre os 16 e os 25 anos de idade. Foi o mais destacado e premiado colaborador do suplemento na área de poesia. Em 2021, o autor recebeu o Prémio LeYa com o título AsPessoasInvisíveis
Chegou às bancas o segundo projecto do jornal digital SulInformação
A directora Elisabete Rodrigues defende que a qualidade e os temas de fundo da Doiscontribuem para que o Algarve se afirme como região inovadora, cosmopolita, dinâmica e de vanguarda. Anual, com uma tiragem de 5 mil exemplares, pode ser adquirida também em Lisboa.
Marco Mackaaij coloca em poesia os absurdos entre Ciência e História, quotidiano e memória e, em particular, o tempo que viveu no norte da Europa lado a lado com os seus dias portugueses.
Um livro de poesia «que comunica», nas palavras de João Luís Barreto.
Um desafio literário lançado em 2021 pela associação cultural Mákina de Cena, apresenta-se agora em livro. A sessão decorreu em Dezembro na Sul, Sol e Sal. Um júri composto por Adriana Nogueira, Lídia Jorge e Patrícia Amaral seleccionou 23 textos de todo o país que reflectem os confinamentos. Os participantes foram convidados a dialogar com o seu eu futuro.
| P. 35