NEWSLETTER FMVG N.º 28 OUT-DEZ 2021 | CULTURA ALGARVE

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FOTOGRAFIA: MANUEL VIEGAS GUERREIRO

NEWSLETTER | N.º 28 | OUT - DEZ 2021

Relê-se «Campo e cidade; o camponês e o urbano» de Manuel Viegas Guerreiro, texto que dá mote a este número p.5-6

Investigadores Ivo Castro e João Ferrão assinam artigos da acção

Viagens pela obra de Manuel Viegas Guerreiro p.9-16

Na próxima edição, junta-se a publicação que reúne comunicações e iniciativas do seminário dedicado a MVG. Para já, a fotogaleria p.17


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FICHA TÉCNICA EDIÇÃO | FMVG TEXTOS | Ivo Castro, João Ferrão, Manuel Viegas Guerreiro, Maria José Mackaaij e Marinela Malveiro Postais do Algarve com autoria identificada sob o excerto POSTAIS DO ALGARVE Recolha e selecção | Marinela Malveiro PAGINAÇÃO E DESIGN | Marinela Malveiro FOTOGRAFIA | Espólio MVG; cedida por Ivo Castro, Filipe da Palma, Manuel Viegas Guerreiro, Maria José Mackaaij e Marinela Malveiro IMAGENS | Marinela Malveiro Escaparate: cedidas pelas editoras e/ou autores/as APOIO À PRODUÇÃO E SECRETARIADO Miriam Soares IMPRESSÃO | Gráfica Comercial, Arnaldo Matos Pereira, Lda., Zona Industrial de Loulé Lt. 18, Loulé | T. 289 420 200

NEWSLETTER FMVG | N.º 28 | 2021 Os textos são da responsabilidade dos/as seus/suas autores/as e o uso do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é, por isso, uma opção dos/as mesmos/as.


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ÍNDICE

Editorial

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Campo e cidade; o camponês e o urbano Manuel Viegas Guerreiro

Postais do Algarve

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Autonomia, integração, transição: lições de uma arguição que não existiu João Ferrão

Sobre a autoria da Etnografia Portuguesa, de Leite de Vasconcelos Ivo Castro

Diário de Campo Fotogaleria do seminário Manuel Viegas Guerreiro: o percurso e a filosofia de um humanista e antropólogo Breves Vemos, Ouvimos e Lemos...

Escaparate

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EDITORIAL

MANUEL VIEGAS GUERREIRO PARA UMA CIVILIZAÇÃO HUMANISTA «NÃO HÁ CIDADE SEM CAMPO, É PARA ESTE E PARA às várias propostas cinematográficas, repetindo a O SEU SEIO QUE ELA SE ABRE; DUAS ENTIDADES experiência ao longo de Setembro, mês que nos INTER-LIGADAS, EM PERFEITA COMPLEMENTARIDADE» ofereceu noites aprazíveis e sem vento. Tal como no texto de Viegas Guerreiro ao lado, esta iniciativa fez prova, uma vez mais, da errada percepção de «campónio rude, As palavras são de Manuel Viegas Guerreiro, humanista grosseiro, ignorante.» A noite que antecedeu ao retiro e antropólogo a quem a Fundação, portadora do seu científico em torno da Antropologia e da Etnografia ficou nome, dedicou um seminário no fim de semana de 18 assim marcada por sentar, na mesma plateia, as raízes de Setembro. de Querença e as sementes do pensamento científico. A iniciativa permitiu trazer para a actualidade e para A temática do campo e da cidade - encetada nas páginas Querença - o campo que o viu crescer – as questões do iniciais deste número com o excerto da comunicação pensamento do século XXI e a cidade, através da proferida pelo Professor, na Academia das Ciências de presença de antropólogos e outros investigadores/ras Lisboa em 1980 - prossegue nos artigos da iniciativa da esfera nacional e internacional, num encontro de Viagens pela obra de Manuel Viegas Guerreiro . carácter multidisciplinar, tão caro a Viegas Guerreiro. Primeiro, no ensaio de João Ferrão, reflectindo o A cidade veio ao campo, estabelecendo profícuo e tão antropólogo e pedagogo. Já o artigo de Ivo Castro, aguardado diálogo, presencial; neutralizando a clássica sobre a elaboração da Etnografia Portuguesa, revela o dicotomia. homem do povo ao serviço da Cultura. O seminário contou com a participação de Refere Viegas Guerreiro no texto sobre o camponês e o representantes de vários centros de investigação de urbano: «Vã opinião que cuido resultar da distância que universidades nacionais, além da Sorbonne Nouvelle, separa os eruditos, que filosofam, do povo que Paris, Instituto Frobenius, Universidade de Goethe, desconhecem. Só nascendo nele, sem lhe voltar as Frankfurt e de entidades nacionais ligadas à preservação costas, ou com ele lidando, dia a dia, se podem corrigir e salvaguarda de materiais históricos. as falsas ideias que um mal encaminhado elitismo tem Gizaram-se novos caminhos na dinamização, gerado». aprofundamento e divulgação dos estudos de Viegas O Professor constitui assim incontestável elo de ligação Guerreiro. Por outro lado, a visita à sua biblioteca entre o campo e a cidade, com a sua visão particular evidenciou o homem do Mundo que é e, ao profundamente contemporânea, universalista, acentuada longo das comunicações, confirmou-se o retrato nos valores sociais, culturais e ambientais, construtor de biográfico de “sábio e curioso incurável”, nas palavras uma civilização ecológica, tolerante, que integra as do investigador Richard Kuba, do Instituto Frobenius. «populações sertanejas de Portugal e de África» [e de No olhar de Egídia Souto, professora universitária na outros lugares do mundo] com seus «modos finos e Sorbonne Nouvelle: “Um humanista europeu. Vejo delicados, a subtiliza de seu espírito, que tanto se afirma Manuel Viegas Guerreiro como um filósofo e sobretudo na agudeza dos ditos, como na expressão artística de um homem para quem o compromisso com a pedagogia suas criações.» Com uma singeleza rara, alia este mundo e também com uma antropologia cívica e democrática foi ao das Letras, da Ciência, como verdadeiro artífice fundamental.” humanista. É sobre esse solo firme e fértil herdado que A Fundação, cumprindo-se através de uma rede de se faz o caminho da Fundação. trabalho colaborativo com outras entidades, Em Postais do Algarve, apresentam-se desta feita nomeadamente organismos de âmbito regional, alia-se descrições do povo algarvio pela voz de Lídia Jorge, de forma regular a várias associações do concelho de Orlando Ribeiro, José Bívar ou Luís Barriga (Parte II. Parte I Loulé. Assim, porque se comunga dos mesmos no n.º 26). objectivos de desenvolvimento cultural, recebeu-se na Este número é assim um fragmento do desiderato da noite prévia ao encontro científico uma das sessões do Fundação concretizado em projectos maiores. ciclo de Cinema Lençol promovido pela Figo Lampo, A todos/as se deseja um seguro regresso ao campo, se associação com sede em Querença, invocando tempos idos, mas acompanhado de um cartaz alternativo e crítico for esse o caso, para a celebração das Festas Natalícias. Votos de um Ano de 2022 justo, solidário e sobre questões actuais. A iniciativa colheu entre a verdadeiramente Novo. comunidade que assistiu de forma atenta e participada


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«CAMPO E CIDADE; O CAMPONÊS E O URBANO» MANUEL VIEGAS GUERREIRO

Manuel Viegas Guerreiro numa das muitas saídas de campo que organizou e participou (central na fotografia, sentado)

// EXCERTO DA COMUNICAÇÃO APRESENTADA À ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA, EM 1980. PUBLICADA NA REVISTA LUSITANA, 1989

N

ão há cidade sem campo, é para este e para o seu seio que ela se abre; duas entidades inter-ligadas, em perfeita complementaridade. (...) E tão antiga como a cidade será a sedução que esta exerce sobre o campo. É conhecido no mundo grego e latino o deslumbramento que a visita a Atenas e a Roma, às urbes, provocava nos camponeses ou cidadãos provincianos. Atenas, a rainha dos mares, a capital do espírito, cuja excelência proclamaram Tucídedes e Platão, Eurípedes e Isócrates. Roma, a senhora do maior império até ela conhecido, tem a celebrá-la, por exemplo, Cícero e Vergílio, o primeiro que a amava com paixão, o segundo que dela diz que se tornou a maravilhosa do mundo: Rerum facta est pulcherrima Roma, e cuja grandeza exalta no canto VIII da Eneida e ambos provincianos, Cícero da cidade de Arpino,

Na verdade, esta [Roma] tanto entre as outras cidades a cabeça levantou quanto costumam ciprestes <levantar-se> entre maleáveis viburnos. 1

Tradução in Vergílio, Bucólicas. Texto latino estabelecido, traduzido e comentado por Frederico Lourenço. Lisboa, Quetzal, 2021

Vergílio de Andes, burgo rural à beira dos Alpes. Filho de um lavrador, passou a sua infância na terra natal e a ela tornava em busca de sossego. O pastor Títero de sua Écloga I, acostumado como estava a comparar os cãezinhos a suas mães, os asnos às ovelhas, as coisas pequenas às grandes, confessa sua estultícia ao ter imaginado Roma semelhante ao seu burgosinho de província. À vista de Roma todos os seus valores se confundiam, ela que ao lado das outras urbes era como um altivo cipreste que se levanta entre vimes flexíveis: Verum haec tantum alias inter caput extubit urbes, Quantum lenta solent inter viturna cupressi.1

Esta admiração provinciana pela grande cidade, pela capital, é bem conhecida entre nós. Ainda no primeiro quartel deste século [XX] o vir a Lisboa constituía privilégio de poucos, dos mais endinheirados. Ter vindo a Lisboa dava categoria, maioridade. (...) Da atracção que a cidade sempre exerceu sobre o campo


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Capa e última pág. do artigo de MVG «Campo e cidade; o camponês e o urbano»

é bom exemplo a velha fábula esópica do rato do campo e do da cidade. Quem não se lembra do afogueamento do ratinho incauto em busca da vida fácil e farta da cidade, fugido às agruras e penúria da sua aldeia? Fiquem os casais colmados, Por sempre do sol torrados, Fique a faminta da aldeia,

exclama o desprevenido ratinho, na bela versão de SÁ DE MIRANDA. (...) Em meus tempos de moço e no lugar do Barrocal, da freguesia de Querença, concelho de Loulé, ouvi contar esta facécia: Um senhor bem posto chegou-se a um lapuz, que estava junto de uma cancela, e ordenou-lhe: -Ó rapaz, abre-me lá essa cancela. -Quem é o senhor para me mandar assim? -Sou um doutor. -E que vem a ser um doutor? -É um homem que sabe muito. -Sabe muito e não sabe abrir uma cancela? E o contarelo fechava-se com o salutar riso dos ouvintes, de certo sabor a desforra. A predilecção literária não chegou, contudo, para modificar o comum juízo que se faz do camponês: rude,

grosseiro, ignorante. Ignorante e inculto, por iletrado, como se o saber viesse só dos livros e o não desse a experiência, havendo até quem admita nele uma certa incapacidade intelectual e insensibilidade congénitas: um racismo que penetra no próprio todo nacional. Daí que nem se aceite superior criação artística no homem tido por inculto. Se uma produção literária, por exemplo, é de qualidade, anda na boca do povo serrano, há-de ter origem culta. Vã opinião que cuido resultar da distância que separa os eruditos, que filosofam, do povo que desconhecem. Só nascendo nele, sem lhe voltar as costas, ou com ele lidando, dia a dia, se podem corrigir as falsas ideias que um mal encaminhado elitismo tem gerado. O campónio insensível, grotesco que não sabe que coisa sejam as boas maneiras! Como eu estou a reviver, com os olhos postos em populações sertanejas de Portugal e de África seus modos finos e delicados, a subtiliza de seu espírito, que tanto se afirma na agudeza dos ditos, como na expressão artística de suas criações. (...) Com tudo isto não quero, já se vê, diminuir o préstimo das letras; o que pretendo, sim, é pôr em evidência os erros de sua excessiva valorização.


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POSTAIS

DO ALGARVE

« DISPONHO-ME A OLHAR PARA A PAISAGEM. PARA VER AS AMENDOEIRAS, AS FIGUEIRAS, AS NOGUEIRAS. AS CASINHAS DISPERSAS PELOS CAMPOS. E PRINCIPALMENTE AS

PESSOAS.

MANUEL DA FONSECA

« E ELA SEGURA, DE FOICE EM PUNHO E PASSADA LARGA, MÃOS SOB O AVENTAL EM JEITO DE FRIO E OCIOSIDADE, FAZIA DAM DAM DE CAVALO COM O TACÃO DO SAPATO CARDADO SOBRE O CHÃO NU DO CAMPO. FAZENDO CALAR AS CIGARRAS À PASSAGEM. LÍDIA JORGE

«

«

Onde quer que ele esteja o ALGARVIO leva consigo o jeito de acomodar-se, o ar aberto, acolhedor, o gosto de rir e de falar; com a vivacidade que lhe deu fama, ele é, na posição como no temperamento, o mais meridional dos portugueses.

Essa nostálgica e apreensiva tristura que o ALGARVIO traz na alma dilui-se para o forasteiro no risonho e luminoso deslumbramento da paisagem, e não é mais do que um brando esvoaçar de doce melancolia poética.

ORLANDO RIBEIRO

CÉSAR DOS SANTOS

«

«

[A população] acobreada, mexida, cruza de quando em quando gritos rápidos cantantes

Domingo. Povo. A casaria brilha. Homens com cintas, a mulher de bioco... Vendas abertas: todo o vinho é pouco Ante a sardinha estiva ao ar da Ilha.

AQUILINO RIBEIRO

EMILIANO DA COSTA


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« Cooperativas de consumos sustentáveis como os Lábios Nus [Lagos], primeiro restaurante vegetariano/espaço de cultura de vanguarda do Algarve, que difundia as medicinas e culturas alternativas, associado ao renascimento rural de Barão de S. João, ao mosteiro tibetano de Mu na serra do Caldeirão onde se educava gente para os quesitos do V império e outros projetos na área que iam pontuando pelo barrocal. JOSÉ BIVAR

«

«

O Algarve já não era a região que Siara visitara em tempos, nas viagens de negócios com Alfonse. Antes, era uma região de são convívio entre gentes diversas, uma comunidade aberta a novas ideias, persuadida pela abertura iniciada com os descobrimentos e pela atividade intelectual da vanguarda cultural aí instalada. Exemplo desse pioneirismo é a edição do primeiro livro impresso em Portugal, em Faro, o Pentateuco, em 30 de julho de 1487, por Samuel Gancon, impressor algarvio de origem judaica.

LUÍS BARRIGA

... como se sobre ele não pesasse, mais do que sobre qualquer outro, o duplo elemento trágico do Mar e da Terra. E, contudo, em nenhuma outra província portuguesa a união entre estes dois elementos geofísicos se realiza tão profunda e intimamente através da sua substância humana como no Algarve.(...) Por sua natureza comunicativo, a sua sociabilidade não prova de forma alguma superficialidade, antes um instinto da espécie que evolui das formas gregárias para as formas superiores da convivência e da solidariedade. DOMINGOS MONTEIRO


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VIAGENS PELA OBRA DE MANUEL VIEGAS GUERREIRO

AUTONOMIA, INTEGRAÇÃO, TRANSIÇÃO: LIÇÕES DE UMA ARGUIÇÃO QUE NÃO EXISTIU POR JOÃO FERRÃO

I

maginemos umas provas de doutoramento em que uma jovem antropóloga americana de 28 anos apresenta, com entusiasmo e convicção, os resultados do trabalho de campo realizado numa aldeia localizada a 40 quilómetros de Lisboa, de seu nome S. João das Lampas. Essa apresentação suscita um conjunto de comentários serenos e ponderados por parte de um dos elementos do júri, um etnógrafo português de 52 anos. O contraste entre estes dois perfis tão distintos em origem geográfica e idade - e, portanto, em referências e vivências - é o pano de fundo que permite decifrar o diálogo que se irá estabelecer entre ambos. Esse contraste é tanto mais relevante quanto o momento das provas – meados dos anos 1960 – corresponde a um período de profundas transições que afetam a etnografia, a ciência e a sociedade portuguesas: o interesse pelo estudo de populações ditas primitivas vai sendo substituído pela atenção dada a pequenas comunidades rurais nacionais, as teorias funcionalistas são alvo de fortes críticas por parte dos defensores das perspetivas estruturalistas então em emergência, e as comunidades rurais tradicionais perdem muitos dos seus traços seculares como consequência do avanço, tardio mas imparável, do processo de modernização urbano-industrial do país. É este enquadramento que torna fascinante a leitura do texto que Manuel Viegas Guerreiro dedicou à tese de doutoramento de Joyce Firstenberg Riegelhaupt sobre S. João das Lampas, publicado na revista Finisterra em 1974, isto é, 10 anos após a apresentação da referida tese. Na verdade, Manuel Viegas Guerreiro não fez parte do júri que apreciou o trabalho da jovem antropóloga americana. Mas o modo como organizou aquilo que poderemos considerar como uma recensão crítica do trabalho de Joyce Riegelhaupt sobre a aldeia saloia onde esta viveu durante quase um ano sugere a imagem inicial deste texto: às palavras da autora (em rigor, à síntese que Manuel Viegas Guerreiro vai fazendo de cada um dos capítulos da tese) responde o etnógrafo português com elogios, correções, dúvidas ou desacordos, salientando aspetos inovadores, apontando inexatidões e erros factuais, questionando o que lhe parecem ser leituras

simplistas ou generalizações exageradas, complementando dados ou sugerindo reformulações e reinterpretações. A autora parte de um pressuposto claro, decorrente do modelo teórico do antropólogo, também americano, Robert Redfield: a modernização das comunidades camponesas depende da maior ou menor proximidade a um centro urbano e dos consequentes contactos que se estabelecem entre ambas as realidades. A partir deste pressuposto, é formulada a questão de investigação: até que ponto a proximidade de S. João das Lampas a Lisboa influenciou a integração desta comunidade camponesa na sociedade em geral? Os resultados das análises efetuadas pela autora levam-na a rejeitar o pressuposto de partida e a defender que a modernização da comunidade de S. João das Lampas se deve sobretudo à crescente influência exercida por instituições económicas, políticas e religiosas de âmbito nacional através de processos que não exigem a proximidade de um centro urbano, neste caso, Lisboa. Esta conclusão é particularmente interessante para a área em estudo, na medida em que S. João das Lampas constituiria, à partida, um exemplo favorável à validação da tese inicial, dada a forma duradoura como esta comunidade abasteceu a capital de produtos agrícolas (pão, ovos, manteiga, pequenas aves, batatas, cebolas, etc.), sugerindo uma exposição significativa a influências “de aculturação” modernizadora urbana com base nos contactos estabelecidos. Para sustentar as suas conclusões, Joyce Riegelhaupt salienta como a vida da pequena comunidade rural vai sendo sucessivamente dominada por instituições (entidades, legislação, procedimentos de controlo, fiscalização e policiamento) que implicam a sujeição a poderes e regras nacionais ao nível económico (p.e., obrigatoriedade de inscrição no Grémio da Lavoura ou de venda da produção de trigo à Federação Nacional dos Produtores e Trigo), político (dependência do Regedor e da Junta de Paróquia de representantes do Governo e do partido único, a União Nacional) e religioso (intervenções do pároco a favor da aplicação das orientações sociopolíticas da Igreja em detrimento


Espólio MVG © FMVG

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Capa e pág. 104 da revista Finisterra onde foi publicado, em 1974, o artigo de Manuel Viegas Guerreiro «S. João das Lampas, freguesia saloia do concelho de Sintra», que deu o mote ao ensaio de João Ferrão

de práticas coletivas locais). Em suma, e segundo a autora, a modernização da comunidade rural de S. João das Lampas deve-se mais à influência das instituições nacionais, em particular à organização corporativa do Estado, num contexto de transição de uma sociedade pré-industrial para uma sociedade industrial, do que aos contactos físicos estabelecidos regularmente com a principal cidade do país como área agrícola abastecedora deste importante centro de consumo urbano. Poderemos então afirmar, recorrendo a outras palavras, que, segundo a autora, a modernização e a

crescente “urbanização” de um meio rural como S. João das Lampas se fizeram sobretudo por imposição e absorção (integração pela sociedade nacional), e não tanto através do reforço de interações cidade-campo de natureza assimétrica (integração por contaminação ou contágio urbano). Manuel Viegas Guerreiro subscreve mais as análises desenvolvidas pela autora do que as suas conclusões. Afirma, aliás, que seria conveniente “atenuar a excessiva força que [Joyce Riegelhaupt] imprimiu às premissas de que parte” (p. 159) e sugere, até, que a autora aplicou


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Notas introdutórias de Manuel Viegas Guerreiro e fotografias publicadas juntamente com o artigo de MVG «S. João das Lampas, freguesia saloia do concelho de Sintra»

um “modelo pré-definido”. Parece depreender-se das suas observações que, por razões teóricas ou outras, a antropóloga empola e simplifica o processo de modernização da comunidade rural estudada. Por isso, Manuel Viegas Guerreiro salienta que a autora desvaloriza a persistência de traços tradicionais; que o desenvolvimento de circuitos de produção informais à margem das instituições e suas regras permite a manutenção de uma certa autonomia à comunidade local; que a proximidade de Lisboa e os contactos que com ela são estabelecidos não só se mantêm como se

reforçam indiretamente (por exemplo, trabalho dos homens da aldeia na construção de casas de veraneio de proprietários urbanos), pelo que a cidade permanece um importante foco de transformação cultural; que o papel das instituições formais (políticas, económicas e religiosas), sendo relevante, não eliminou as diferenças entre a sociedade local e a sociedade nacional. Antes de redigir este artigo publicado em 1974 na revista Finisterra, Manuel Viegas Guerreiro deslocou-se a S. João das Lampas para confrontar a comunidade rural descrita pela antropóloga americana dez anos antes com o que


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as populações locais lhe diziam e o que as paisagens observadas lhe sugeriam. Se fizermos o mesmo hoje, quase cinco décadas mais tarde, o que encontramos? E que aprendemos com este diálogo que Manuel Viegas Guerreiro estabelece com Joyce Riegelhaupt através dos seus comentários à tese de doutoramento da jovem antropóloga? As mudanças entretanto ocorridas em S. João das Lampas foram tantas que não as podemos entender sem recorrer a expressões que à época nem existiam: metropolização, globalização, financeirização, governança territorial e governança multinível, etc. Mas há três aspetos presentes no texto em análise que, pela sua intemporalidade, importa identificar e salientar. Por um lado, a centralidade analítica da tensão entre autonomia (que não autarcia) e integração (que não subordinação). Por outro, o conceito de transição, de transformação que inevitavelmente acarreta ganhadores e perdedores. Finalmente, a importância da pluralidade analítica e da controvérsia científica.

Lido quase 50 anos mais tarde, este texto de Manuel Viegas Guerreiro permite que lhe devolvamos o elogio que então fez a Joyce Riegelhaupt: “A autora observou com rigor, descreveu com minúcia, refletiu com finura” (p. 159). Tinha, por isso, razão nas suas conclusões? Talvez não seja essa a questão que importa formular. Contribuiu para um melhor conhecimento dos processos de modernização e transformação de uma comunidade (rural) crescentemente exposta a fatores externos? Esta sim, é a pergunta que devemos colocar e que se manterá em aberto e pertinente em qualquer período e para qualquer comunidade. É esta mensagem de abertura dialógica que Manuel Viegas Guerreiro, com as suas observações e sugestões, nos transmite permanentemente ao longo das cerca de 20 páginas que nos deixou a propósito da tese de doutoramento de uma jovem antropóloga americana que durante um ano veio até Portugal para estudar uma sossegada pequena comunidade rural saloia “à sombra da cidade”.

JOÃO FERRÃO GEÓGRAFO, INVESTIGADOR DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE

FOTOGRAFIA: FILIPE DA PALMA

LISBOA. FOI PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL, CONSULTOR DA OCDE, SECRETÁRIO DE ESTADO DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E DAS CIDADES E PRÓ-REITOR DA UNIVERSIDADE DE LISBOA PARA A SOCIEDADE E COMUNIDADES LOCAIS. É MEMBRO DO CONSELHO NACIONAL DO AMBIENTE E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.


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SOBRE A AUTORIA DA ETNOGRAFIA PORTUGUESA, DE LEITE DE VASCONCELOS POR IVO CASTRO

Q

uem contemplar de fora os dez grossos volumes da Etnografia Portuguesa, ou examinar a sua referência nos catálogos ou na internet, pode facilmente acreditar nos dizeres da capa: que se trata de uma obra da autoria de José Leite de Vasconcelos, por isto se entendendo uma obra que o grande sábio concebeu, pesquisou, redigiu e publicou. Mas quem abrir qualquer dos seus volumes e ler as Prefações que todos trazem notará que, a partir do volume IV, quem assina esses textos é Orlando Ribeiro e que esses volumes não foram publicados pelo Dr. Leite, sendo posteriores à sua morte (1941), nem foram por ele redigidos, salvo em algumas passagens, nem resultam de pesquisas por ele exclusivamente conduzidas, nem, finalmente, cumprem à risca o plano geral por ele concebido. Feitas as contas, verificará que dois terços dessa obra de coroamento de carreira foram realizados postumamente ao longo de décadas, com abnegado esforço, por um colectivo de discípulos do Dr. Leite, que culminaram a homenagem assim prestada ao mestre deixando que o nome deste permanecesse no lugar do autor. Foram eles Orlando Ribeiro, Manuel Viegas Guerreiro, Alda e Paulo Soromenho: Ribeiro superintendeu e prefaciou, Guerreiro organizou as tarefas, seleccionou para inclusão os materiais reunidos pelo Dr. Leite, investigou por sua conta e risco o que faltava e redigiu volumes inteiros ou grandes partes deles, sendo assistido nestas tarefas criativas pelo casal Soromenho, cuja mão mais se faz sentir nos últimos volumes. Não seria despropositado, portanto, tratá-los de acordo com os seus vários graus de responsabilidade como co-autores da Etnografia Portuguesa. Não quer isto dizer que seja impróprio concentrar no Dr. Leite a autoria da obra. Abundam exemplos históricos da prática de atribuir ao criador inicial, sobretudo quando é um grande vulto cultural, a autoria de uma obra que não acabou e teve de ser completada por continuadores discretos e quase anónimos. Quem sabe o nome do finalizador do Requiem de Mozart? Não é impróprio, mas é decerto insuficiente e convida a que mais detidamente se aprecie o grau e a qualidade da intervenção que os

continuadores tiveram e se proceda a uma mais equitativa redistribuição dos seus méritos. No caso da Etnografia Portuguesa, isso terá como consequência principal a revalorização do papel desempenhado por Manuel Viegas Guerreiro. Os dados disponíveis para tal reapreciação pertencem a duas categorias: a) informações dos próprios continuadores (prefações de Orlando Ribeiro, textos evocativos dos restantes participantes, testemunhos orais); b) materiais de espólio que revelam quem escreveu o quê, e a partir de que materiais. Vejamos o que nos ensinam estas fontes, tomando como objecto de análise os vols. IV e V da Etnografia. O vol. IV, publicado em 1958, contém alguns capítulos ainda escritos pelo Dr. Leite, que inclusive reviu provas tipográficas: após a sua morte em 1941, o volume estacionou durante muitos anos até que, por feliz impulsão de O. Ribeiro, se reuniram condições para a equipa de continuadores iniciar os trabalhos. Foi Manuel Viegas Guerreiro quem redigiu o resto do vol. IV, como explica O. Ribeiro: «O volume que ora se publica devese, pela maior parte, ao cuidado de Manuel Viegas Guerreiro. As partes I («Origem do Povo Português») e III («Resenha da População no Decurso do Tempo») ficaram inteiramente acabadas em tempo do Mestre...» (EP, IV, p. xxiii). Este vol. IV tem, portanto, um estatuto duplo quanto a autoria: em parte é do Dr. Leite (71 pgs.), mas na sua maior parte não o é (as restantes 560 pgs.). Assim, o vol. V, publicado em 1967, é o primeiro inteiramente póstumo. Como conta O. Ribeiro (EP, V, p. ix-x), Viegas Guerreiro encarregou-se da «organização geral da obra» e especialmente da parte I, «Nascimento e infância» (p. 7-107), e na parte II do cap. «Vida Rural» (p. 525-675). Viegas Guerreiro descreve estes seus esforços em termos coincidentes: para que não ficasse «por aproveitar a fabulosa documentação» deixada pelo Dr. Leite, ele, Guerreiro, ocupou-se «da organização e publicação do referido espólio», trabalhando sob «vigilância e conselho» de O. Ribeiro. «Saiu assim o 4º volume». E prossegue: «Para comigo trabalharem em tão pesada tarefa chamei outros discípulos do Mestre, Paulo


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A imagem, cedida por Ivo Castro, ilustra o exemplo b) abaixo comentado: à esquerda a página impressa redigida por Viegas Guerreiro, à direita o manuscrito do Dr. Leite que lhe serviu de fonte

Soromenho (†) e sua mulher Alda Soromenho. Desta oficina e sob minha orientação saíram do 5º ao 9º volume e está a sair do prelo o 10º e último. O trabalho maior com a preparação dos volumes do 5º ao 9º deve-se aos mencionados colaboradores, à sua dedicação, zelo e competência; no 10º foi mais activa minha intervenção» (Viegas Guerreiro, Finisterra, XXIV, 1989, p. 135-6). Conservam-se na Biblioteca da Faculdade de Letras de Lisboa os materiais leitianos que foram utilizados na preparação dos volumes 4º a 10ª da Etnografia, bem como aqueles que os continuadores da obra geraram. O exame desses materiais permite não só confirmar as descrições de Orlando Ribeiro e

de Viegas Guerreiro, como perceber com algum detalhe o modo como o trabalho foi realizado e como se acha distribuída a responsabilidade autoral. Sirva de exemplo o longo capítulo da Vida Rural (vol. V, p. 525-675), que vimos ser atribuído a Viegas Guerreiro. A caixa A17 do espólio da FLUL é ocupada totalmente por um conjunto de folhas de papel de várias dimensões, mas organizadas em série e numeradas continuamente de 1 a 270, integralmente escritas pela mão de Viegas Guerreiro. Como o texto deste conjunto coincide exactamente com o capítulo publicado no vol. V, e como abundam indicações de natureza tipográfica ao longo dele, pode ser classificado como o original de imprensa dessa parte do volume, saído das mãos de Guerreiro


Espólio MVG © FMVG

FOTOGRAFIA: MARINELA MALVEIRO

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A monumental Etnografia Portuguesa e a capa do volume IV, da mesma obra, a propósito do qual Ivo Castro cita Orlando Ribeiro: «O volume que ora se publica deve-se, pela maior parte, ao cuidado de Manuel Viegas Guerreiro.»

para as de um tipógrafo da Imprensa Nacional, que o converteu em folhas de livro. Esperar-se-ia que este original destinado à imprensa fosse uma cópia limpa, mesmo que se destinasse a tipógrafos que estavam habituados a decifrar os manuscritos labirínticos do Dr. Leite. Mas numerosas emendas de redacção e de informação mostram que Viegas Guerreiro ainda nesta fase estava a compor e construir o seu texto; é frequente colar abaixo da folha, ou ao lado, tiras de papel em que acrescenta nova informação. Esta técnica de expandir o texto, que aprendeu com o Dr. Leite, reforça o papel de Viegas Guerreiro como responsável indiscutível pelas fases finais da redacção.

Adivinha-se, no entanto, que ele tinha à sua frente outros textos, que em parte copiava, em parte reformulava, em parte mesmo reciclava. Reciclagem ocorre no caso dos poemas que se podem ler nas p. 629-631 do vol. V: Viegas Guerreiro, em vez de os copiar pela sua letra, limitou-se a colar nas suas folhas uma série de manuscritos do Dr. Leite, assim abreviando a tarefa e evitando erros de cópia. Esta técnica de inserir na redacção final papéis redigidos ou escolhidos por Leite sugere, logicamente, que esses materiais autógrafos não se prestavam a uma organização textual contínua, pois eram dispersos e raros. Não havia um original leitiano anterior e eles precisavam de ser afixados na redacção final saída das mãos de Guerreiro, ou de um


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dos Soromenhos. Ao passo que estes afloramentos de texto leitiano são fáceis de identificar, bastando folhear as folhas em que Guerreiro os colou, outros existem de detecção mais subtil, mas igualmente reveladores do cuidado de Viegas Guerreiro em aproveitar ao máximo os materiais do Dr. Leite. A caixa C01, envelope 04, do espólio da FLUL contém materiais leitianos autógrafos, geralmente pedaços de papel com anotações rápidas, facilmente negligenciáveis. Mas chamam a atenção porque se acham reunidos em pequenos maços, que foram organizados por Viegas Guerreiro e por sua mão intitulados com letreiros como «Nomenclatura. Para consultar se fizer falta», ou como «Sugestões várias para o plano». Um desses maços contém uma ou duas dezenas de papéis, todos rotulados por Leite «Viver primitivo», que se verifica terem sido aproveitados por Guerreiro para a redacção da p. 158 («Alimentação primitiva com animais»). Nessa página se reconhecem, integrados numa redacção contínua (de Guerreiro), ecos desses pequenos segmentos soltos de Leite. Exs.: a) «Os pobres em Cabanas da Conceição (Tavira) comem amêijoas cruas. A rapazes as vi eu comer em

1894 apanhadas da agoa.» b) «Abrir as ameijoas. Fazem um circulo de ameijoas, com 0,50m ou mais de ameijoas, conforme o nº d’elas: fica o chão calcetado de ameijoas vivas. Fazem uma fogueira em cima com xaramuga (no povo xeramusga), arbusto que seca e serve para arder. Depois comem-nas à roda, bebendo vinho. Pela Pascoa e S. João. Olhão». Exemplos como estes poderiam multiplicar-se, mas bastam para sugerir que mesmo os volumes póstumos da Etnografia Portuguesa conservam informações, documentos e iconografia, cuja recolha e classificação se devem ao Dr. Leite. Esses pedaços do real foram vistos, escolhidos e tidos em conta (ou não) por Viegas Guerreiro e seus colaboradores, a quem pertence ainda a responsabilidade pela angariação de muita informação complementar, pelos planos global e de pormenor (que se afastam do plano inicial de Leite) e, como vimos, pela redacção final da obra. Sim, tendo em conta estas responsabilidades directas e também a supervisão dos outros colaboradores, a Manuel Viegas Guerreiro cabe a co-autoria da Etnografia

Portuguesa.

IVO CASTRO Professor Emérito da Universidade de Lisboa, em cuja Faculdade de Letras ensinou História da Língua Portuguesa e Crítica Textual (1969-2018). Trabalhos sobre o espólio de Leite de Vasconcelos: - José Leite de Vasconcelos, Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos, ed. I. Castro e JP Silvestre, Lisboa, Centro de Linguística, U. Lisboa, 2017: http://teitok.clul.ul.pt/dra/ - I. Castro, “Os de Vasconcelos”, Gallaecia. Estudos de linguistica portuguesa e galega. Santiago de Compostela, 2017, p. 61-93: http:// dx.doi.org/10.15304/cc.2017.1080.37 - I. Castro, O Legado de Leite de Vasconcelos na Universidade de Lisboa, Lisboa, Imprensa Nacional, 2019. - I. Castro, “A obra póstuma de Leite de Vasconcelos”, O

Sentimento da Língua. Homenagem a Evanildo Bechara 90 anos, ed. D. Santos, F. Barbosa, Sh. Hue, Rio de Janeiro, Nau Editora, 2020, p. 101-116.


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DIÁRIO DE CAMPO

FOTOGALERIA: SEMINÁRIO DEDICADO A MVG


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EXPOSIÇÕES FMVG

SÓ ATÉ AO FINAL DO ANO

FOTOGRAFIA: MARINELA MALVEIRO

O REGISTO DO OUTRO, MVG é a pequena exposição de equipamentos de captação de som e imagem utilizados por Manuel Viegas Guerreiro em trabalho de campo. Suportes de arquivo e alguma da bibliografia produzida também figuram na mostra, de visita livre de 2.ª a 6.ª feira entre as 9h30 e as 17h00.

MANUEL VIEGAS GUERREIRO: BOERS DE ANGOLA, 1957 Excerto de manuscrito do Professor Viegas Guerreiro e conjunto de 27 fotografias compõem a exposição itinerante, patente em Querença, só até ao final do ano. Tem curadoria de Luísa Martins, investigadora do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora, técnica superior da Câmara Municipal de Loulé. Em 2022 a exposição viaja até à Universidade de Évora, que apoiou a exposição organizada pela FMVG. Poderá requisitar a sua mostra itinerante através do email fundação.mvg@gmail.com.


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PASSEIO EXCLUSIVO PARA A COMUNIDADE Um grupo de residentes de Querença colheu em primeira mão a intenção e a arte de Milita Doré ao conceber a instalação Colheitas. O passeio interpretativo decorreu no dia 17 de Agosto, na Fonte da Benémola, com a presença da artista. A instalação artística foi concebida para o Geopalcos, programa cultural do Geoparque algarvensis. O percurso aberto à comunidade de Querença, Tôr e Benafim resultou de uma parceria entre a Câmara Municipal de Loulé, serviços educativos, o Museu Municipal de Loulé e a Fundação Manuel Viegas Guerreiro.

REGRESSO À FMVG Após as merecidas férias de Verão, @s alun@s de Querença regressaram, em Setembro, às actividades desenvolvidas em complementaridade com o ensino regular: o projecto L.E.R. Cãofiante, os Pequenos Leitores e os Pequenos Naturalistas de Querença. As iniciativas desenvolvem-se, sempre que possível, em ambiente exterior ou na pequena biblioteca da FMVG: A Nossa Casa Comum, que interpela várias literacias. As actividades desenvolvem-se em parceria com a Câmara Municipal de Loulé e o agrupamento de escolas Padre João Coelho Cabanita.

FMVG E ASMAL NO DIA MUNDIAL DA SAÚDE MENTAL 10 de Outubro foi dia de lembrar que, em Portugal, mais de 2 milhões de pessoas sofrem de algum tipo de distúrbio mental, ou seja, mais de um quinto dos portugueses. Somos o segundo país europeu com maior taxa de incidência de doenças psiquiátricas, representando perto de 12% das doenças, ultrapassando a prevalência das oncológicas. A Federação Nacional de Entidades de Reabilitação de Doentes Mentais desafiou - por cá através da Associação de Saúde Mental do Algarve - a caminhadas utilizando t-shirts alusivas. A FMVG fez eco da acção.

FMVG RECEBE AFONSO DIAS EM ACÇÃO ESCOLAR A Fundação Manuel Viegas Guerreiro recebeu, no passado dia 14 de Outubro, uma das acções que têm vindo a ser dinamizadas pelos serviços educativos da Câmara Municipal de Loulé junto dos vários agrupamentos do concelho. O cantautor Afonso Dias subiu ao palco e falou de poesia, de rimas e trocadilhos. Contou estórias e entoou músicas para as crianças do Pré-escolar e do 1.º Ciclo da escola de Querença para uma sessão de cantigas, poemas, rimas e contos.


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VEMOS, OUVIMOS E LEMOS…

FOTOGRAFIA: MARINELA MALVEIRO

NATUREZA, LIVROS E CRIANÇAS

Pequenos Naturalistas de Querença: Dia da Espiga assinalado com as crianças da escola da aldeia

A Fundação iniciou em 2019-2020, um novo ciclo de intervenção junto da comunidade educativa de Querença, fruto da parceria com a Câmara Municipal de Loulé, que destacou uma técnica dos seus quadros. Integrada na constelação de escolas do Agrupamento Padre João Coelho Cabanita (parceiro desta intervenção), a Escola EB1/JI de Querença, desde logo aderiu à proposta e assim nasceu o projeto Vemos, ouvimos e lemos…, inspirado nas firmes palavras de Sophia, que guiam toda uma atitude perante a vida, a começar deste logo pelos mais novos.

Com as crianças do jardim de infância e os alunos do 1º ciclo de Querença partimos numa aventura ambiental e cultural multissensorial, que tem na Natureza, no Livro e na Leitura a sua base. Para conduzir este relacionamento organizámos o projeto em torno de dois eixos principais - os Pequenos Naturalistas de Querença e os Leitores de Bem-Querença - que dão o mote aos nossos encontros, sempre repletos do espanto que alimenta a curiosidade, das histórias que estimulam a imaginação, do diálogo que acorda a reflexão e a partilha, das raízes que nos dão um lugar de


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Assim, com as nove crianças de cinco anos do JI de Querença foi dada continuidade ao programa para estimulação das competências facilitadoras da futura aprendizagem da leitura e da escrita iniciado no ano anterior. Estas sessões foram realizadas pela técnica da autarquia, na Fundação e pela educadora Maria João, em sala de aula. Contudo, face às vicissitudes relacionadas com o encerramento da escola devido ao confinamento, tivemos de recorrer à realização de sessões síncronas à distância, o que só foi possível graças à extraordinária colaboração das famílias. De modo a compensar as crianças com maior necessidade de estimulação da linguagem, no 3.º período foram realizadas também sessões individuais, com a colaboração da jovem estagiária do JI. Todas as crianças revelaram ganhos de competências, ao ritmo das suas possibilidades. Com o 1.º ciclo, e tendo por objetivo colaborar com a professora Fernanda e as famílias para que as crianças se sintam leitores mais competentes e felizes, trabalhámos com resultados positivos a fluência da leitura com os alunos do 2º ano através de uma estratégia que recorre à Leitura Assistida por Animais – o L.E.R. Cãofiante, que tem no MoMo um cão ouvinte – e com o 3.º ano participámos no estudo “Desempenho em leitura

FOTOGRAFIA: MJM

pertença, da perseverança e resiliência para nos contruirmos melhores seres humanos em harmonia com a Natureza, disponíveis para aprender e criar. No último ano letivo, e apesar dos vários confinamentos impostos devido à pandemia Covid-19, persistimos nos nossos encontros presenciais sempre que a escola retomou as suas atividades e nas sessões síncronas à distância, quando tal não foi possível. Quinzenalmente, os Pequenos Naturalistas de Querença calcorrearam as ruas e caminhos em novas aventuras pela paisagem de Querença, ao encontro da sua biodiversidade e das marcas culturais dos seus habitantes humanos. Apresentaram à nova educadora o Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro, aprenderam sobre ervas aromáticas com o experiente jardineiro Jorge Ramos, observaram as flores e os frutos das estações, descobriram a multiplicidade de verdes nas árvores da sua escola, aprenderam a distinguir barrocal e serra pela observação das rochas e que com estas construímos caminhos antigos (como o caminho medieval da aldeia) e erguemos valados. Com a colaboração do Serviço Educativo do Museu Municipal de Loulé/GeoParque Algarvensis transformaram-se em detetives de fósseis, descobriram que as rochas também contam histórias da Terra e que são museus na paisagem, pois guardam tesouros de épocas muito remotas. Ainda houve oportunidade para celebrar o Maio, colhendo as flores e compondo o seu próprio ramo de espiga e com o Sr. Toni, apicultor de Querença criador da marca DaSerra, ficaram fascinadas com o mundo das abelhas, sensibilizadas para a sua relevância para a biodiversidade do planeta e saborearam o seu doce labor: o mel. Terminámos a ano com uma visita à Fonte Benémola onde, conduzidos pela mão criativa de Milita Doré e pela sua instalação artística Colheitas, fomos sensibilizados para um mundo rural em extinção: é que já não há viçosos hortejos na Benémola e, por isso, o trabalho comum de vizinhos no tempo das colheitas também já não acontece. Através da vertente Leitores de Bem-Querença trabalhámos com vários objetivos e para diferentes grupos-alvo.

Pequenos Naturalistas de Querença: Dia da Espiga assinalado com as crianças da escola da aldeia


FOTOGRAFIA: MARIA JOSÉ MACKAAIJ

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Dia Mundial do Livro na biblioteca científica do patrono da Fundação

após o contexto de confinamento”, colaborando assim na investigação da Universidade Lusíada Norte-Porto, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e Agrupamento de Escolas Gaia Nascente. Através da biblioteca infantil de carácter ambiental A Nossa Casa Comum - existente na Fundação, emprestámos livros às crianças da escola, que foram multiplicados em muitas leituras, estimuladas pelas suas docentes e pelas famílias: de mão em mão e de casa em casa, os 204 livros emprestados resultaram em 1009 leituras realizadas. Nas oito sessões mensais em que nos reunimos na biblioteca A Nossa Casa Comum refletimos coletivamente sobre diversos temas, desde alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (a fome, a erradicação da pobreza, as cidades sustentáveis…), celebrámos dias especiais e fascinámo-nos com as mais diversas propostas estéticas que os livros para a infância nos proporcionam. Mas sem dúvida, a sessão que mais surpreendeu as crianças foi a do Dia Mundial do Livro, quando foram convidados a visitar a

biblioteca pessoal de um senhor de que já tinham ouvido falar muitas vezes: Manuel Viegas Guerreiro. Este ano letivo vai lançar-nos em novos desafios e descobertas. Os Pequenos Naturalistas irão mergulhar em voo picado no mundo das aves, através das suas observações e pesquisas e com a colaboração da Divisão de Ambiente da Câmara de Loulé, do Sr. António Marques e da Sociedade Columbófila Louletana. Com a colaboração das bibliotecas municipais de Loulé e Lagoa chegarão novos livros para os nossos sedentos Leitores de Bem-Querença. Os encontros regulares com as crianças do pré-escolar e com os alunos do 3.º ano do L.E.R. Cãofiante serão a oportunidade para partilhar poesia e histórias da tradição oral, recolhidas por Manuel Viegas Guerreiro e de autores do Centro de Estudos Algarvios Luís Guerreiro, como António Aleixo, Tóssan, Leonel Neves, Idália Farinho Custódio, entre outros. E com otimismo, aguardamos que a pandemia passe, pois gostaríamos muito de aprender também com os mais idosos, os avós e os utentes do Lar de Querença. Pomos esperança no futuro. Maria José Mackaaij


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ESCAPARATE

Com Gonçalo Ribeiro Telles a Arquitectura Paisagista chegou ao conhecimento do público como a actividade indispensável à concretização do ordenamento do território e da paisagem, e como suporte fundamental de uma Política de Ambiente e de Qualidade de Vida. O livro inclui 74 imagens, projectos e pinturas por ele realizadas que dão uma imagem da dimensão da criatividade e qualidade da obra imensa que nos deixou.

A reedição dos livros de literatura infantojuvenil insere-se na homenagem, realizada na Univ. do Algarve, a Leonel Neves, letrista, escritor e poeta algarvio. São ambos ilustrados por Tóssan. O elefante e a pulga é um livro de poemas. Um cavalo da cor do arco-íris é um pequeno romance onde se evidencia a expressividade do conto e a elegância do traço a preto dos desenhos.

Em Poesia Espanhola

Contemporânea: Notas Breves de Apreciação Literária o poeta e

advogado Fernando Cabrita (Olhão, 1954) reuniu apenas alguns dos textos de análise que ao longo de anos foi escrevendo sobre algumas das muitas leituras que teve o ensejo de fazer nesse campo fértil e formidável, de extrema fecundidade literária, que é a poesia contemporânea espanhola.

A edição fac-similada é uma homenagem a Casimiro de Brito, poeta louletano, que ousou criar num jornal local um suplemento literário intemporal dedicado essencialmente à poesia.

Originalmente publicado no Vol. 19 da Academia de Marinha, o estudo é agora lançado como separata pela editora Guadiana de Vila Real de Sto António. A investigação incide sobre a primeira metade do séc. XVI e, utilizando uma metodologia de trabalho baseada no confronto entre as fontes cronísticas e a epistolografia coeva, reflecte a actividade do corso e da pirataria no entorno da desembocadura do Guadiana.

Constitui o mais recente projecto artístico de João Mariano e provavelmente aquele em que levou mais longe a sua relação umbilical com o território que o rodeia. Durante meses a fio calcorreou aquela que é conhecida como ribeira de Aljezur — pouco antes de encontrar o mar —, mas que assume muitos outros nomes ao longo do percurso sinuoso que percorre desde o ponto mais alto da serra de Monchique. O resultado é um registo autoral de total dedicação à paisagem, como num poema.



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