REVISTA FMVG | N.º 29 | JAN MAR 2022 Colecção de fotografias de Pitões das Júnias reúne se com outros documentos relativos à monografia etnográfica de Manuel Viegas Guerreiro p.5 10 VIAGENS PELA OBRA DE VIEGAS GUERREIRO CRUZAM HOMENAGEM A JOÃO DAVID PINTO CORREIA E LITERATURA POPULAR PORTUGUESA Ana Isabel Soares e Ana Morão assinam ensaios sobre estudos de literatura popular emViagens pelaobradeManuelViegas Guerreiro p.11 22 Dia Mundial da Poesia celebrado sem a presença física de Gastão Cruz. Em Querença: a memória da homenagem em 2018 e os seus monumentais livros. p.24FOTOGRAFIA : Marinela Malveiro
FICHA TÉCNICA
EDIÇÃO | FMVG
TEXTOS | Ana Isabel Soares, Ana Maria Paiva Morão, Manuel Viegas Guerreiro e Marinela Malveiro PostaisdoAlgarvecom autoria identificada sob o excerto
POSTAIS DO ALGARVE Recolha e selecção | Marinela Malveiro
PAGINAÇÃO E DESIGN | Marinela Malveiro
FOTOGRAFIA | Espólio MVG; cedida por Ana Morão; Marinela Malveiro e Vasco Célio
IMAGENS | Marinela Malveiro Escaparate: cedidas pelas editoras
APOIO À PRODUÇÃO E SECRETARIADO Miriam Soares
IMPRESSÃO | Gráfica Comercial, Arnaldo Matos Pereira, Lda., Zona Industrial de Loulé Lt. 18, Loulé | T. 289 420 200
REVISTA FMVG | N.º 29 | 2022
Os textos são da responsabilidade dos/as seus/suas autores/as e o uso do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é, por isso, uma opção dos/as mesmos/as.
REVISTA FMVG | N.º 29
ÍNDICE
EDITORIAL
MANUEL VIEGAS GUERREIRO 1912 1997
25 anos após o seu falecimento, 110 anos de nascimento Colecção de fotografias de Pitões das Júnias reúne se com original e 1.ª edição do livro
VIAGENS PELA OBRA DE MANUEL VIEGAS GUERREIRO MVG, para a História da Literatura Popular Portuguesa AnaMariaPaivaMorão
VIAGENS PELA OBRA DE MANUEL VIEGAS GUERREIRO
Manuel Viegas Guerreiro e João David Pinto Correia: em busca da voz popular AnaIsabelSoares
POSTAIS DO ALGARVE
DIÁRIO DE CAMPO
ESCAPARATE
| P. 3
O ERUDITO, O POPULAR E A POESIA NO MEIO
Manuel Viegas Guerreiro dedicou a sua vida a sustentar que a aprendizagem não tem fonte exclusiva nos bancos da escola. Que analfabetismo não é sinónimo de ignorância ou de obscurantismo. Percorrendo as centenas de lombadas que reuniu ao longo da vida numa biblioteca, perpassa a sua erudição e visão sobre o valor das vivências e costumes das comunidades rurais. O reconhecimento da sabedoria dos não letrados e desse manancial de informação como essência da Humanidade. Em ParaaHistóriadaLiteratura Popular Portuguesa(1978) escreve: «Não há gente culta e gente inculta. A cultura é só uma, tudo o que aprendemos do nascer ao morrer, de nossa invenção ou alheia.» E indigna se: «Acabemos de vez com esta absurda e injusta discriminação.»
É sobre o momento em que esta obra nasce, e a sua importância, que se inscreve o artigo de Ana Morão, publicado nestas páginas, em Viagenspelaobrade ManuelViegasGuerreiro . Ana Morão, coordenadora da Linha de Investigação de Tradições Populares Portuguesas, integrada há dez anos no Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras de Lisboa, realça: «V. Guerreiro parece agora sentir a necessidade de teorizar o seu conceito de “literatura popular” e de chamar a atenção para o menosprezo com que esta vinha sendo tratada por aqueles que, escritores ou estudiosos, constituíam uma “elite” divorciada por completo do “povo”. É, pois, neste momento da sua vida científica e sob o império dessa vontade, que surge a obra ParaaHistóriada LiteraturaPopularPortuguesa».
À designação de Literatura Oral Tradicional pode ler se neste ensaio o Professor viria a acrescentar a Literatura de Cordel, sobre a qual escreveria a quatro mãos com João David Pinto Correia.
A investigadora Ana Isabel Soares evidencia a importância do estudo de adivinhas, anedotas, provérbios e mezinhas para os dois académicos. Lê se no segundo ensaio de ViagenspelaobradeManuel ViegasGuerreiro : «Dizer que [os almanaques] equivalem a uma “sabedoria”, que correspondem às “tarefas” do Tempo, é identificar naquelas formas mais ou menos marginais, nada canónicas de literatura fontes preciosíssimas de informação literária.»
O pendor abnegado de registar a voz do povo levou Viegas Guerreiro a aceitar comungar do quotidiano de Pitões das Júnias, para onde viajou no início de 1978.
Foi no rigoroso Inverno de há 44 anos que diz, com
a humildade que o caracterizava, ter aprendido a lição da autenticidade.
Parte da colecção de fotografias que ilustra esta monografia integra a partir de agora o acervo da Fundação, reunindo se com outros documentos relativos à obra de Pitões das Júnias, 41 anos após a primeira edição da obra, em 1981. As fotografias chegam pela mão de Fernando Pessoa, arquitecto paisagista e fundador do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico (actual Instituto da Conservação da Natureza e Florestas). Nas palavras de MVG, foi quem «tornou praticável o projecto (...) chefe zeloso, que a tudo acudiu com inexcedível proficiência».
Fica em 2022, o profundo agradecimento desta Instituição pela confiança que Fernando Pessoa nela deposita, colocando ao seu cuidado parte do espólio fotográfico de Manuel Viegas Guerreiro, decorrente desse trabalho de registo da memória do comunalismo no Norte do país.
A sabedoria do povo que filosofa defende Viegas Guerreiro foi não raras vezes fundamentada em livros, artigos e entrevistas. Sintetiza a regularmente no poeta Aleixo: «Sirva mais uma vez de exemplo António Aleixo, algarvio de nascimento, pastor de cabras, cantor e tangedor de guitarra por feiras e romarias, e, por fim, cauteleiro, que mal sabia ler e escrever. Oiçamo lo em mais esta quadra:
Eu não tenho vistas largas, Nem grande sabedoria, Mas dão me as horas amargas Lições de Filosofia.»
Atravessam ainda esta edição, a Poesia, síntese do pensamento humano, celebrada mundialmente em Março, tal como a Árvore e a Floresta. Em Postaisdo Algarve , entroncam nos versos de, entre outros poetas, Gastão Cruz, falecido no passado dia 20 de Março, e de quem guardamos versos únicos. Permanecem em Querença, como monumentos, os seus livros. Na memória de todos/as nós, a homenagem no Festival Literário Internacional de Querença de 2018. Neste início de século, lembremos as “lições” que as “horas amargas” ensinam para ganhar vistas mais largas sobre a Europa e o mundo. Esse será sim, um salto de gigante para a Humanidade.
Marinela Malveiro
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EDITORIAL
OpovodePitõesmeensinouasermaisdirecto, maisautêntico,maisoquesouemenosoque meobrigamaser.Nasualinguagemlivreestava ohomemlivrecomquecadaumdenósdevia reencontrarsenestemundodeformalidadese disfarces.Esta,umadasgrandesliçõesqueme deu.Aoutra,porventuramaior,foiaque quotidianamentedetodosrecebieconstituia própriasubstânciadolivro.Elesmoditaram,só oescrevi.
Manuel Viegas Guerreiro
COLECÇÃO DE FOTOGRAFIAS DE PITÕES DAS JÚNIAS REÚNE SE COM ORIGINAL E 1.ª EDIÇÃO DO LIVRO
| P. 5
Original dactiloscrito e primeira de três edições da obra de Manuel Viegas Guerreiro: PitõesdasJúnias,EsboçodeMonografiaEtnográfica(Colibri, 1981)Espólio MVG © FMVG MVG 1912 1997
A colecção de fotografias de Manuel Viegas Guerreiro, resultante da recolha etnográfica em Pitões das Júnias, foi entregue à Fundação pelo homem que acompanhou o estudo. Fernando Pessoa, arquitecto paisagista, era, à época, presidente do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico e escreve na 3.ª edição da obra: «Nessa altura (1975), a Cultura dizia ainda respeito, sobretudo, às grandes obras de arte, aos grandes monumentos, não sendo então ainda dado o devido relevo ao património popular, nomeadamente o inscrito nas paisagens construídas pelo homem. Com a preocupação
de inverter essa concepção da Cultura, num tempo em que se pensava que tudo ainda era possível, nasceu o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico. (…) E uma da grandes preocupações foi, sem dúvida, estudar o que restava do comunalismo de algumas regiões do Norte de Portugal, entre elas Pitões das Júnias, que Viegas Guerreiro aceitou fazer com grande entusiasmo.» O estudo fora encomendado pela secretaria de Estado do Ambiente que tinha à frente Manuel Gomes Guerreiro, académico, ecologista e filho de Querença. fotografias utilizadas em PitõesdasJúnias,EsboçodeMonografiaEtnográfica(Colibri, 1981) Albertina Tia Albertina fiando e olhando pelo rebanho.
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EàMariaLuísadotioCasarão,emdiade rigorosoInverno,queénestetempoque setece,ouvieu,enquantotecia: Amulherqueétecedeira TemnoInfernoemvida, Paunasmãosepaunospés Paunocu,paunabarriga. Texto original, correcções editadas e
Em baixo: Fotografia / estampa 19: Tia
fiando e olhando pelo rebanho, acompanhada de quadra recolhida por MVG Legenda MVG:
Espólio MVG © FMVG MVG 1912 1997
comasvacasparaomonte:«Aladronadavida nãodeixa,temosdebotarafazenda1.»Epelatarde,
Diasgrandesdefiadeiroeram,entreoutros, osdaConsoada,AnoNovoeReiseasmodas quesecantavam,o«sapatinhorebatido»,a «molinheiradePitões»,a«Ciranda»,parasó mencionaralgumas.Venhaada«Ciranda»: ÓCiranda,óCirandinha, Vamosnósacirandar, Vamosdarameiavolta, Outrameiavamosdar. Vamosdarameiavolta, Adiante,trocaopar, Adiante,trocaopar. Eomeuparjáestátrocado, Oamorquehádesermeu Jáotragoameulado. JáviandarlaCiranda Pelasportasapedir, Nãoseiseledêaesmola Secamaparadormir.
devolta,exclamava:«Eraumfriodesconforme. Asvacasestavamnegras.Paravameeutocavaas. Acendemosumlume,masumlume!Umavaca veiopôrseaofumo,aremoer,ocabelo espetado!Vimparacasaenroladinhanoavental. Vinhaagentenegracomocorvos!»Foramseis diasassim.ParaoAlfredo,chegadodosTrópicos, quenuncaviraneveeacairjuntamentecom chuvaegranizo,aquilotudoeraum deslumbramento,umdeslumbramentogelado, inclemente,jásevê,queofaziasofrer.Mastudo aguentoucomfirmeza,desenhando,como talentoqueselhereconhece,quandolheera pedido,olápisaescorregarlhe,devezem quando,dosdedosentanguidos.
1Fazenda Gado grosso e miúdo
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PITÕES DAS JÚNIAS, 1978 44 ANOS APÓS A VIAGEM DO PROFESSOR
OInvernode1978foiaquirigoroso.Poucaneve, maschuvacopiosaetrovejada,nevoeiros,granizo, temperaturasqueem10e11deFevereiro atingiramos12grausnegativos.Malsepodiasair decasa.Sopravaumventonortegeladoque pulverizavaaneveeaatiravaaosolhos. Asruas, desertas;agente,derodadofogo.Arês2,essa temdesair,quechova,quevente.Eopastorinho ouovelho,amoçapúbereecasadoiralávãocom ofato3 aofundodosvales,ondeaurze,acarqueja furamogeloedeixamqueroer.Em25de Fevereiroaáguafoitantaquearêsnãopôde passarosribeiros.Fezsetardeenãovinha. Andavanoarumprenúnciodedesgraça:«Aio meuricofilho,omeuDiogo!Eunãoqueroperder omeuricofilho!»,clamavaatiaTeresa.Erajánoite fechadaquandoosrebanhoschegaram.
Semofumo,queenegreceascasasefazchorar osmenosadaptados,nãoerapossívelconservar toucinhoeenchidos,comodissemos.Umestranho àpovoaçãoconstruiuumfogãoqueeliminaos fumos,mastemagorademandaracarnepara alareiradosvizinhos.Seacasaseabrisse amplamentepararuas,quintaisoupátios, aguentarseiammalasinclemênciasdotempo. Enãosedêemamoradasdestetipoosnomes decasebres,choupanas,cabanas,comoé frequentelerse.Umjornalistapôdemesmofalar de«...desconfortoestreme...»ede«...um comezinhoavançosobreascavernasante históricas...»
Rasgosliteráriosaqueconduzoexcessivouso urbanodosupérfluo,àsvezesemflagrante, ostensivacontradiçãocomofuncional.
Fig. 1
UmvelhoreclamavaparaPitõeso conhecidoprovérbio:«Trêsmesesde Verão,trêsdeInvernoeseisdeinferno». OcertoéqueemmeadosdeJulhodeste mesmoanode1978,nãofaltavam densosnevoeirosetemperaturasque obrigavamaabafos.
Osvizinhosgalegosdizem: Nacasadaquelehome, Quemtrabalha,come.
NãoseiseemPitõesseconhece oprovérbio.Nosuléassim: Nacasadestehome, Quemnãotrabalhanãocome.
2Rês de Barroso é rebanho
3Fato
Fig. 1 Roca,
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Se no sentido geral significa cabeça de gado de qualquer espécie, na freguesia
de cabras e ovelhas de vários vizinhos
Rebanho
desenho do notável Alfredo da Conceição que acompanhou Manuel Viegas Guerreiro na incursão a Pitões das Júnias Espólio MVG © FMVG
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O TRABALHO E OS SEXOS
Podeseafirmarcomelasque,emPitões,«se nãoháhomens,asmulheresfazemtudo.»(...) Àpitonensequasesepodeaplicaroquede CastroLaboreiroescreveuaminhacolegaAlice Geraldes:«[A]responsabilidadedacondução dolarnãofezdelaumamulherdoméstica,com aobrigaçãosuplementardedarumaajudano campo.elafoi,antesdetudo,oelementodo trabalhoatempointeiro,imprescindívelna execuçãodetodasastarefasagrícolas...»Éum lidarconstante,demanhãànoite,deVerãoe deInverno,porissoelaenvelhececedo,
crestadadesóisedeneves,com50anos, quandolhedamos60.Minguaselheocorpo, massobralhaalma,força,energia.Quepenaeu tenhodenãopossuirtalentoliteráriobastante paraaexaltarcomomerece.SónaÁfricanegra enovizinhoMarrocostenhoencontrado mulheresassim.Éumheroísmoanónimo,de queoshomensseesquecem.Eporhomens... entendasequenãodiminuoaquiosdePitões, tambémelesgigantesdotrabalho,quenão sabemdarsossegoaocorpo;ficamlhes contudo,momentosmaisdilatadosdefolga.
De cima para baixo e da esq. para a dir. | Legendas MVG: Mulher tendendo os grandes pães de centeio em segar feno; O carro quase carregado; Com a comida para os segadores; Os bois do povo e a pastora; Maria Teresa Rodrigues, a t Ricoca; A caminho do palheiro; Socos; Uma panadae outra forma até formar a gabela
Espólio MVG © FMVG
MVG 1912 1997
REVISTA FMVG | N.º 29 MANUEL VIEGAS GUERREIRO: OcenteioestánaterradeSetembroOutubroaAgosto,de10a11meses; nenhumaculturaarvensesedemoratantonela.Daíqueomilhoeacevada semetessemcomele,levando,porém,respostapronta.Éoquenoscontam duasfábulaspopulares,numadasquaissealudemesmoaocenteiobarroso: Quandoseacabadegastaromilho,começaacolheitadocenteiobarroso, quesesemeiaemFevereiroesósemalha emJulho. Deumavezomilhodisselhe,chasqueandoo destasuademora: Gandarela,gandarela Queandasseismesesnaterra. Respondeulheocenteio: Calatelá,meureboludo, Quandoteacabas,soueuqueacudo. AoutraouvianoAlgarve: Eh!seucenteio,pernadealgrevão, Tardonaespigaetardonoceirão, Aoqueestereplica: Evocê,suacevadinhagaiteira, Aindamalnãoespiga,jáestánaeira. MVG 1912 1997
Foi com o maior prazer que aceitei o convite da Fundação Manuel Viegas Guerreiro para, no âmbito da sua acção de divulgação das obras do seu Patrono, fazer uma análise ao livro ParaaHistóriadaLiteraturaPopularPortuguesa Primeiro, porque há que reconhecer a sua importância para quem se dedica aos estudos da Literatura Oral Tradicional e, depois, porque Viegas Guerreiro foi o fundador do Centro de Tradições Populares Portuguesas (CTPP), que levou o seu nome e foi um dos Centros de Investigação da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, tendo se juntado, em 2012, ao CLEPUL (Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias), na mesma instituição universitária, do qual é hoje uma das suas Linhas de Investigação e da qual me cabe, presentemente, ser Coordenadora. O livro ParaaHistóriadaLiteraturaPopularPortuguesa, publicado em 1978 e com 2.ª edição em 1983, conta com apenas 116 páginas. No entanto, na sua pequena extensão, é obra que apresenta uma abrangente, se bem que condensada, historiografia da Literatura Popular Portuguesa, bem como a clarificação de
VIAGENS PELA OBRA DE MANUEL VIEGAS GUERREIRO
MVG, PARA A HISTÓRIA DA LITERATURA POPULAR PORTUGUESA POR ANA MARIA PAIVA MORÃO
Capa e contracapa da obra comentada por Ana Morão, actual coordenadora da Linha de Investigação criada por MVG na FLUL
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conceitos sobre esta e uma crítica, positiva ou negativa, sobre as posições tomadas por estudiosos e escritores relativamente a este ramo dos estudos literários, que na altura em que o livro foi escrito, era ainda uma espécie de parente pobre que suscitava algum menosprezo nos meios considerados eruditos.
Antes de prosseguir com a análise desta História , será conveniente que se refiram as circunstâncias do contexto do surgimento da mesma.
Uma das mais importantes modificações que se deu nas instituições universitárias após o 25 de Abril de 1974, foi a diversificação dos cursos e a introdução de disciplinas como as Literaturas Marginais e a Literatura Oral Tradicional, se bem que a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa tivesse contado, no seu passado, com investigadores nestas matérias como Adolfo Coelho, Teófilo Braga e Leite de Vasconcellos. Porém, esse processo não foi imediato e em Outubro de 1974 as universidades não abriram o 1.º ano, colocando o problema de como ocupar os milhares de candidatos.
Uma das soluções, de iniciativa estatal, foi a criação do Serviço Cívico Estudantil, em Maio de 1975, sendo uma das suas acções o chamado “Plano Trabalho e Cultura”, proposto e orientado por Michel Giacometti. Este Plano criou equipas formadas por jovens que, após um breve curso de preparação, foram enviadas de Norte a Sul de Portugal, sendo uma das suas tarefas efectuar a recolha da música regional e da literatura popular das áreas para onde foram enviados. Os registos coligidos deveriam ser integrados num Centro de Documentação Operário Camponesa e os seus duplicados enviados para a Faculdade de Letras, à responsabilidade do Professor Viegas Guerreiro, autor do GuiadeRecolhaeLiteratura Popularque devia orientar os jovens brigadistas na recolha dos espécimenes de Literatura Popular, sendo o guia do Inquérito Musical da responsabilidade de Michel Giacometti.
A equipa liderada por V. Guerreiro, que dirigia já o projecto RecolhaeEstudodaLiteraturaOralPortuguesa , criado em 1973 na Faculdade de Letras, empenhou se activamente na transcrição e subsequente trabalho sobre os registos obtidos pelo “Plano Trabalho e Cultura”. Em 1993, por iniciativa de Viegas Guerreiro é criado o CTPP,
que acolheu as referidas composições tradicionais, as quais constituem as “Recolhas Históricas” deste Centro, que veria o seu espólio enriquecido com as “Novas Recolhas” provenientes dos trabalhos dos alunos de Literatura Oral Tradicional de João David Pinto Correia, seu Coordenador Científico até ao seu falecimento, em 2018. É de notar que, nestas novas recolhas, foram seguidos os critérios e métodos de V. Guerreiro, naturalmente adaptados às novas circunstâncias. O entusiasmo com que V. Guerreiro viveu o período que antecedeu e se seguiu ao 25 de Abril deu continuidade ao labor de etnógrafo que vinha desenvolvendo há anos sobre os Macondes de Moçambique e os Bochimanes do Sul de Angola e na qualidade de colaborador de Leite de Vasconcellos e, depois da morte deste, de organizador/editor de uma importante parte do seu espólio (ContosPopularesPortugueses , 1955, de Romanceiro Português, 1958 1960, Etnografia Portuguesa, a partir do 4.º volume, 1958 até ao 10.º, 1988). V. Guerreiro parece agora sentir a necessidade de teorizar o seu conceito de “literatura popular” e de chamar a atenção para o menosprezo com que esta vinha sendo tratada por aqueles que, escritores ou estudiosos, constituíam uma “elite” divorciada por completo do “povo”. É, pois, neste momento da sua vida científica e sob o império dessa vontade, que surge a obra ParaaHistóriadaLiteraturaPopular Portuguesa, em cuja Introdução analisa o que lhe parece carecer de maior esclarecimento, ou seja, definir o objecto de que se trata. Assim, começa por mencionar as designações atribuídas às “composições que o povo ouve, conta, recita ou canta”, tais como literaturaorale literaturatradicional , que rejeita a favor da designação que claramente prefere, a de literaturapopular . Note se que nem nos dias de hoje é completamente pacífica a utilização destas ou de outras designações, mas não cabe aqui que nos alonguemos sobre a questão, referindo que apenas curiosamente, veio a adoptar se uma combinação dos termos rejeitados com a expressão LiteraturaOralTradicionala qual, no entanto, obriga à menção da existência de uma Literatura Tradicional escrita, como é o caso da Literatura de Cordel (que aliás V. Guerreiro refere na obra). Segue se, porque Viegas
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Guerreiro procura sempre ser rigoroso na explicação das suas opções, uma minuciosa explanação do que entende ser, ou do que cabe no conceito de “povo”, visto que está aqui, verdadeiramente, o busílis da questão, i.e., a oposição entre a “oralidade” e a “escrita” e o fosso que separa o “povo ignorante” e os detentores do saber livresco. A tónica nesta dicotomia e a revelação do desconhecimento gerado pelo desdém que os letrados experimentam e, mais que isso, expressam, pelo povo ignorante, ingénuo e tosco e pelas suas realizações, manter se ão através desta ParaaHistóriadaLiteratura PopularPortuguesa , ainda na Introdução. Nesta, V. Guerreiro menciona os “Detractores da Arte Popular” e
admirá la, não deixam de, naturalmente em graus diversos, lhe excluir a “lucidez intelectual” e o “juízo crítico” ou de atribuir ao povo a qualidade de “entidade mítica de um mundo primitivo”, livre de artifícios, porém inapto de produzir “arte perfeita”. Desta crítica, V. Guerreiro não exclui Almeida Garrett ou Menéndez Pidal, de quem, aliás, os estudos do romanceiro vieram a adoptar o conceito e o termo “tradicional”. A Introdução fecha com uma chamada de atenção para a “Importância da Literatura Popular” direcionada sobretudo aos estudiosos que parecem indiferentes àquela matéria, em disciplinas como a Linguística (de que isenta Lindley Cintra e Paiva Boléo devido aos
Espólio
Detalhes da ficha técnica e do índice da 1.ª edição de ParaaHistóriadaLiteraturaPopularPortuguesa
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a História, a Psicologia, a Filosofia, a Sociologia ou a Antropologia. De todos, V. Guerreiro estranha e critica a desatenção aos preciosos elementos que provérbios, contos, quadras, adivinhas ou anedotas contêm e traduzem de um mundo que “foi, é e sempre há de ser”. Em suma, esta introdução constitui como que o programa de um manifesto sobre a Literatura Popular, definida como aquela que “corre entre o povo, toda a peça literária que por ele passe, com muita ou pouca demora, recente ou antiga [...] a anónima e a que tem nome, transmitida oralmente ou por escrito” e que, repete, não carece “do selo do tempo, da chancela tradicional, mas de que tenha sido ou seja autêntica, viva, funcional”, entendimento que reiterará em escritos seus posteriores1
À Introdução segue se “Subsídios para a História da Literatura Popular Portuguesa”, que o autor distribui por sete capítulos, constituindo o sétimo uma amostragem de textos que ele considera exemplificativos de um conto, uma anedota, uma lenda, um romance, uma quadra desenvolvida em décimas, duas cantigas, uma de tipo paralelístico e outra de “carácter antigo”, algumas quadras, adivinhas e provérbios, um ensalmo e uma oração.
A Parte I, dedicada à Língua Portuguesa, é breve e serve sobretudo de alerta para a coexistência de uma língua falada e outra escrita, uma realidade que reflecte a oposição entre a literatura “culta” e a “popular”. Na Parte II Época Medieval, Período Trovadoresco, o autor demonstra que a existência desta última apenas se prova em testemunhos indirectos, pelas referências que lhe são feitas em textos literários, legislativos ou eclesiásticos, quantas vezes de carácter reprovador das manifestações de divertimento popular. O que também se revela, neste capítulo e nos que se seguem, é a erudição de V. Guerreiro, que refere o surgimento no Andaluz, nos fins do séc. IX a princípios do séc. X, da moaxaha , poesia lírica de versos curtos de cunho popular e o descobrimento da existência, em 1948, das coplazinhas
de nome carjas, que não tendo propriamente a ver com a lírica que floresceria em solo português, indicaria um fundo comum de onde saíram formas divergentes de poesia popular feminina. Daí que as cantigas de amigo galaico portuguesas, sobretudo as paralelísticas, decalcariam conteúdo e forma das similares do povo, que se conservariam através dos tempos em textos recolhidos ainda nos anos 30 por Vasconcellos no Norte de Portugal. Do período trovadoresco aos fins do século XV, aponta o autor a ausência de registos escritos da “musa” de jograis e demais povo que não tem lugar, por exemplo, no grande CancioneiroGeralde Garcia de Resende; da prosa, aponta a ausência do labor dos “vilãos” nesse campo dando, porém, notícia de narrativas de histórias e lendas que corriam na boca do povo em, por exemplo, nos LivrosdeLinhagens . Sem que deles haja compilação da época, regista também V. Guerreiro a existência de provérbios inseridos em composições de trovadores. Ainda mais avessos à arte popular foram, diz o autor na Parte III, os artistas do Renascimento e não só estes; afinal, a alta sociedade, especialmente o clero, concorria para tentar abafar a “voz alegre do povo”. Tal objectivo, contudo, nem sempre era conseguido, como transparece em Gil Vicente, cujos autos documentam vilancicos, modinhas espanholas e os velhos romances. Estes serão desprezados no séc. XVIII pela elite, mas não pelo povo, que continua a transmiti los oralmente, como destaca V. Guerreiro, que refere igualmente a importância da literatura impressa panfletária e messianista, a ausência de narrativas de origem popular reunidas em volume e a fortuna da literatura de cordel, de que o séc. XVIII viu publicar centenas de obras acessíveis ao povo. A parte IV é dedicada a Garrett e ao romanceiro, que o introdutor do Romantismo em Portugal considerou a matéria que permitiria libertar e renovar a poesia portuguesa, subvertida pelos modelos greco latinos cultivados pelas gerações anteriores. V. Guerreiro, que reconhece a Garrett o facto de ter sido o primeiro na Península a ter perfeita consciência da
Cf. Bibliografia citada.
1Como “Litterature populaire. Autour d’um concept”, “Poesia Popular: Conceito, a Redondilha, a Décima; Décimas em Poetas do Alentejo e do Algarve” e “Literatura e Literatura Popular? Casos Exemplares”, este publicado já após o seu falecimento.
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importância histórico literária do “romance tradicional”, analisa com acuidade o aproveitamento que este faz dos romances em cada um dos dois volumes do seu Romanceiro . Enquanto que a Adozindaé uma construção literária a partir do romance Silvana , os romances publicados no segundo volume não são transformados tanto “como se tem dito” embora os “retoque”, como aliás fez Menéndez Pidal. V. Guerreiro, contudo, não isenta Garrett de crítica, pois se este teve o mérito de se inspirar no mundo poético popular, só foi, diz, “verdadeiramente grande” nas FolhasCaídas Na Parte V, dedicada aos Continuadores de Garrett, V. Guerreiro destaca os nomes de Teófilo Braga, Adolfo Coelho e Leite de Vasconcellos, dos quais sumariza as respectivas obras e observa que estes são os primeiros a dar “rigoroso tratamento científico” à matéria etnográfica de que se ocuparam, observação tanto mais importante visto que é esta postura que ele próprio adopta no seu trabalho. Não deixará, porém, de endereçar algumas críticas aos dois primeiros e recomenda alguma cautela a ter na apreciação da obra de Teófilo, de quem valoriza as ideias mas não as explicações e teorias, realçando contudo ser ele o autor da única História da poesia popular portuguesa até então escrita. Sobre a obra de Adolfo Coelho, se bem que a apelide de notável, V. Guerreiro também não deixa de apontar que a mesma padece do rigor científico que tanto o preocupava, bem como o facto de este não ter abandonado por completo o conceito romântico do povo incultoe atrasado , que o leva à falsa dicotomia “literaturas propiamente ditas” e “literaturas populares”. De Vasconcellos, menciona os conceitos que este tem de “poesia popular”, aquela que o povo “cria ou adopta, anónima, velha, tradicional” e de “poesia popular individual”, aquela que é de autor popular e “assinada”. Destaca, sobretudo, a importância do trabalho de campo do Mestre e o seu extremo cuidado em registar sem nada alterar, tal como ele próprio, afinal, fazia e ensinava a fazer. Na parte VI, sobre a Época Actual, alerta para a extrema necessidade de salvaguardar e estudar o que ainda existe e lamenta o desinteresse universitário relativamente à literatura popular, com as excepções de
Lindley Cintra, Jacinto do Prado Coelho, João David Pinto Correia, Michel Giacometti e outros. Denuncia a falta de um plano de recolha sistemática que se pretendeu colmatar com a criação da Linha de Acção para a RecolhaeEstudodeLiteraturaPopular Portuguesado Centro de Estudos Geográficos do Instituto Nacional de Investigação Científica e finaliza com o alerta da necessidade da criação de uma entidade coordenadora das actividades levadas a cabo por este e outros organismos que então se ocupavam de trabalho semelhante, sendo tempo de acabar com “amadorismos e improvisações”.
ParaaHistóriadaLiteraturaPopularPortuguesaé, pois, ainda hoje em dia e malgrado muito do que contém ter sido ultrapassado, um livro de inegável importância para os estudos da Literatura, mormente na sua vertente “popular”, para utilizar ainda as palavras de Manuel Viegas Guerreiro.
Detalhe da pág. 16 da obra analisada
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ANA MARIA PAIVA MORÃ
Doutorada em Estudos Literários (especialização Literatura Oral e Tradicional) pela Universidade de Lisboa, Investigadora integrada do CLEPUL (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), onde é Coordenadora da Linha de Investigação de Tradições Populares Portuguesas e Colaboradora do CIAC, Centro de Investigação em Ciências da Comunicação e Artes, Universidade do Algarve. Docente do módulo Literatura Oral Tradicional no Curso de Pós Imaterial da Universidade Lusófona e Formadora acreditada pelo Conselho Científico Formação Contínua nas áreas e domínios de A151 Literatura Oral Tradicional e de A156 Português. Membro da International Ballad Commission (Kommission für Volksdichtung) e da Direcção da Associação para a Salvaguarda do Património Imaterial Cultural. Autora de artigos de temática relacionada com a Literatura Oral Tradicional e com o Património Imaterial.
GUERREIRO, Manuel Viegas, GuiadeRecolhaeLiteratura Popular , Lisboa, Instituto Português do Património Cultural, 1976.
, Para aHistóriadaLiteratura PopularPortuguesa , Colecção Biblioteca Breve, Vol. 19, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa,1978.
, “Litterature populaire. Autour d’un concept”, inAAVV, LitteratureOraleTradittionnelle Populaire.ActesduColloque,Paris,2022Novembre1986 , Paris, Fondation Calouste Gulbenkian, 1987, pp. 11 19.
, “Poesia Popular: Conceito, a Redondilha, a Décima; Décimas em Poetas do Alentejo e do Algarve” inManuel Viegas Guerreiro (Coordenador), LiteraturaPopularPortuguesa.TeoriadaLiteraturaOral/ Tradicional/Popular , Acarte, Fundação Calouste Gulbenkian, 1992, pp. 191 237.
, “Literatura e Literatura Popular? Casos Exemplares” inJorge Freitas Branco, Paulo Lima (orgs), ArtesdaFala , Celta Editora, 1997, pp. 7 17.
Espólio MVG © FMVG
MANUEL VIEGAS GUERREIRO E JOÃO DAVID
PINTO CORREIA: EM BUSCA DA VOZ POPULAR POR ANA ISABEL SOARES
uantas vezes lemos um artigo informativo, recheado de dados, datas, lógicas, no qual o importante é o tópico estudado, mas se acaba por suspeitar, nele e por ele, tanto ou tanto mais sobre quem o escreve, os seus autores, quanto sobre a matéria de que pretende informar. Em 1986, Manuel Viegas Guerreiro e João David Pinto Correia davam a publicar, no volume 6 da revista do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, uma peça breve acerca dos almanaques. Traziam para aquelas 10 páginas, além de reproduções de capas e algumas
páginas interiores dessas publicações periódicas ao longo dos tempos, notas sobre a sua origem (desde antes da idade da imprensa), a etimologia da designação, exemplos e história de almanaques europeus e indicações (pistas, na verdade, a seguir posteriormente pelos leitores) relacionadas com os seus conteúdos. Uma leitura rápida oferece a quem lê o núcleo do que deve saber se sobre os almanaques. Mas, desde o título, propõe também o conhecimento acerca de quem o assina: dizer que equivalem a uma “sabedoria”, que correspondem às “tarefas” do Tempo, é identificar
Q
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« Que interesse terão os almanaques para quem, em 1986, se embrenhava na organização de colóquios sobre literatura popular, oral e tradicional, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian?
De oferendas sábias aos reis ainda antes do século IX, os almanaques passam a ser a “folhinha,endimião, camião,calendário,lunário,prognóstico,sarrabal oumesmodiário” (p. 3, itálicos no original) para os ofícios e os quotidianos de anónimos pescadores, amanhadores de terras, gente comum. O formato coincide com o que é utilizado na literatura de cordel, outra forma periférica da literatura (outro foco do interesse de Manuel Viegas Guerreiro e de João David Pinto Correia). Será no facto de serem o repositório de discurso relativo a “efemérides”, “curiosidades, conselhos
naquelas formas mais ou menos marginais, nada canónicas de literatura fontes preciosíssimas de informação literária; revela se o olhar de quem assim as considera. A oferta deste ensaio breve não se limita, portanto, à leitura das suas páginas: confirma também a grande cumplicidade entre os dois autores, que ali (como noutras ocasiões, até mais notórias) unem autorias e interesse. Precisamente, que interesse terão os almanaques para quem, em 1986, se embrenhava na organização de colóquios sobre literatura popular, oral e tradicional, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian? Nas palavras de João David Pinto Correia, este olhar que a contemporaneidade lançava na direção da matéria medieval (nomeadamente, no que respeitava às origens ou às fontes dos romanceiros), sobretudo, popular, constituía um “Novo Romantismo” à semelhança do movimento artístico que, na dobra do século XVIII para o XIX, fez com que por toda a Europa vários intelectuais dessem atenção às vozes mais presentes e mais silenciadas, as vozes que, não atingindo os pináculos das mais sublimes criações, pertenciam às mãos que faziam erguer as catedrais. Recrudescia, no final do século XX, a vontade de redescobrir aquilo que fora deixado nas margens dos estudos canónicos: a literatura pouco considerada como literatura, as pistas daquelas vozes que, apesar de tudo, continuavam continuam silenciadas.
Referência à natureza dos conteúdos dos almanaques
REVISTA FMVG | N.º 29
práticos, mezinhas, pequenas notas sobre acontecimentos, fenómenos ou personagens”, “notas astrológicas”, “anedotas, adivinhas, provérbios, quadras e mesmo algumas poesias” (p. 4) que os dois estudiosos entendem os almanaques como publicações de grande valor para o conhecimento que buscam.
Manuel Viegas Guerreiro foi sempre considerado uma referência incontornável nos estudos de Literatura Oral e Tradicional tendo sido o criador, em 1993, do Centro de Tradições Populares Portuguesas (CTPP), que posteriormente deu origem ao Grupo de Investigação
de Tradições Populares Portuguesas ‘Manuel Viegas Guerreiro’ do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da FLUL (CLEPUL). João David Pinto Correia, por seu lado, dirigiu o CTPP da Universidade de Lisboa (polo do CLEPUL), além de ter tido a seu cargo a responsabilidade pelo Arquivo Digital de Literatura Oral e Tradicional (ADLOT), projeto conjunto da Fundação para a Ciência e Tecnologia e da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ele próprio se assumiu inúmeras vezes como alguém que continuava o trabalho de Lindley Cintra, Viegas Guerreiro, Maria Aliete Galhoz, Michel Giacometti, ou Aida e Paulo Soromenho. Não surpreende, pois, que Pinto Correia e Manuel Viegas Guerreiro tenham pretendido deixar uma nota o mais rigorosa possível, próxima mesmo do que poderia constituir uma entrada enciclopédica, sobre um dos lugares textuais mais preciosos, verdadeiro portal de acesso a formas de cultura que, no século XIX, abrangiam desde a “população rural, e dos arredores das cidades” até “um público geral, mais burguês e citadino” (p. 6), feito de indivíduos “completamente distanciados do avanço científico e técnico” (idem) que poderia mascarar o discurso do homem comum com que procuram contactar. É a mescla de “jogos, enigmas, palavras cruzadas, passatempos”, numa “muito abundante e sobretudo heteróclita «Secção Literária, Científica, Artística e
«É a mescla de “jogos, enigmas, palavras cruzadas, passatempos”»
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O que não diriam hoje, perante o infinito caudal de publicações populares, disseminadas e permanentemente replicadas em postseretweets…
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ANA ISABEL SOARES é doutorada em Teoria da Literatura pela Universidade de Lisboa e Professora Auxiliar na Universidade do Algarve, onde tem tido a cargo aulas nas áreas de Literatura Inglesa, Teoria da Literatura, Literatura e Cinema, História do Cinema, Teoria da Imagem, e Estudos Culturais. Fez pós doutoramento sobre Poesia e Cinema Documental Português (Faculdade de Letras de Lisboa, 2009 2010). É membro integrado do CIAC Centro de Investigação em Artes e Comunicação. Tem publicado artigos e orientado seminários em várias universidades sobre literatura portuguesa (especialmente, poesia contemporânea) e sobre cinema português.
FOTOGRAFIA:
Detalhe da p. 9 do artigo objecto de ensaio
Vasco Célio
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Para que serve a poesia?, perguntas. Uma das respostas está na forma como o destino do humano se projecta na necessidade de absoluto que surge num rosto, para além das circunstâncias, quando a palidez imprime o vazio do tempo. A dúvida transforma se na única certeza possível, envolvendo os olhos marcados pela dor; e o corpo que se abandona ao fim ganha raízes no chão efémero de uma substância de palavras, como se lhe pudéssemos oferecer o sacrifício da alma que nenhum deus aceitou. No entanto, esta árvore cresce; e os seus ramos estéreis bebem o ar da memória que alimenta uma seiva de silêncio, entregando à noite as suas flores de sombra.
INTERROGAÇÃO Júdice
Nuno
POSTAIS DO ALGARVEFotografia: Marinela Malveiro
POSTAIS DO ALGARVE
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Para além das casas, a estrada. Para além da estrada, o mato. Para além do mato, os figueirais, e as outras terras, e as outras ainda. Para além de todas as terras, o mar. Para além do mar o Sul, e no caminho do Sul mais extremo, o bojo da terra, e para além do bojo da terra. No fundo dos escuros, das noites e dos dias. Muito para além de tudo isso. Ainda para além do Sul tão extremo, que já passa a ser Norte em relação ao que ainda resta, nessa direcção. Dormirá o soldado se ainda por essas bandas for hora de dormir.
ALGUÉM PODERÁ DIZER ME O QUE É O POEMA?
RAIZ OU FLOR?
CASIMIRO DE BRITO
LÍDIA JORGE
O poema é A liberdade
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
POESIA JOSÉ RÉGIO
Limitar me ei aqui a dizer que é o que há de mais íntimo, secreto, misterioso, em todas as coisas ou o sentimento que nós temos de isso. Pelo que há de mais íntimo, misterioso em todas as coisas, se estabelecem entre elas relações que os Poetas captam, e procuram exprimir por meio da palavra.
O verso como o búzio: breve perfeito e múrmuro
TERESA RITA LOPES
« O poema é esta casa abandonada, o rosto belíssimo de imagens mortas. NUNO JÚDICE
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OFÍCIO
OS POEMAS QUE NÃO FIZ NÃO OS FIZ PORQUE ESTAVA
DANDO AO MEU CORPO AQUELA ESPÉCIE DE ALMA
QUE NÃO PÔDE A POESIA NUNCA DAR LHE
OS POEMAS QUE FIZ SÓ OS FIZ PORQUE ESTAVA PEDINDO AO CORPO AQUELA ESPÉCIE DE ALMA
QUE SOMENTE A POESIA PODE DAR LHE
ASSIM DEVOLVE O CORPO A POESIA
QUE SE CONFUNDE COM O DURO SOPRO DE QUEM ESTÁ VIVO E ÀS VEZES NÃO RESPIRA
GASTÃO CRUZ 1941 2022
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O POETA é abelha: «ponto negro a voar, risco de lápis traçado no guacho azul do céu...
EMILIANO DA COSTA
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Um POETA de verdade, Se souber compreender, Não deve de ter vaidade De o ser, porque é sem querer
ANTÓNIO ALEIXO
É como se escavássemos a face de uma pedra de modo a anularmos a matéria que impossibilita a leitura da imagem que ela nos quer transmitir.
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FERNANDO CABRITA
Pois os versos que ditou Porque escrever mal sabia, Eu juro à fé de quem sou, São da mais séria POESIA Que em português se cantou.
JOAQUIM MAGALHÃES sobre ANTÓNIO ALEIXO
« MICHEL GIACOMETTI
A POESIA é a forma mais directa e, ao mesmo tempo, mais natural de um povo contabilizar a sua história.
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DIÁRIO DE CAMPO
Projecto L.E.R. Cãofiante, dinamizado em Querença junto da EB1/JI de Querença disse presente no final do ano passado, na EB 2, 3 D. Dinis de Quarteira. A sessão de animação da leitura, com a presença da mediadora Maria José Mackaaij e do MoMo, cão ouvinte e ajudante, decorreu enquanto passava a comitiva do primeiro ministro António Costa, a pretexto da inauguração da reabilitação deste equipamento escolar. A iniciativa integrou a mostra de um conjunto mais alargado de projectos inovadores que a escola desenvolve. Os/as alunos/as beneficiam, por exemplo, de terapias assistidas por animais, dinamizadas por uma associação algarvia.
Universidade de Lisboa (FLUL), a Fundação recebeu no dia 18 de Dezembro o encerramento das Jornadas Internacionais de Literatura de Cordel e Xilogravura. Antes disso, estas decorreram de 14 a 16 na FLUL. Apesar de presenciais, as sessões tiveram transmissão online À data da sessão em Querença, a FMVG libertou o artigoManuelViegasGuerreiroe JoãoDavidPintoCorreia:embuscadavozpopular , da autoria de Ana Isabel Soares, contextualizando a homenagem a Pinto Correia. Ensaio publicado na pág. 19 desta revista.
do prémio Originalidade Simbólica ao Presépio Naturalista de Querença é partilhada com a Câmara Municipal de Loulé (CML), já que o conceito é da autoria da técnica bibliotecária da CML, Maria Mackaaij, em permanência em Querença. Entre os 35 presépios a concurso, a EB1/JI de Querença arrecadou o 1.º lugar na categoria de presépios de interior e a D. Antónia, de Benafim, na de exterior. A Ass. Social para o Progresso e Bem Estar da Freguesia de Benafim e a União de Freguesias organizaram o concurso.
MIL PÁSSAROS NA FMVG
PaPiOpus8, música e dança na Fundação a 7 de Dezembro do ano passado.
A FMVG acolheu o projecto desenvolvido em parceria com o serviço educativo do Cineteatro Louletano/Câmara Municipal de Loulé e a escola de Querença.
As crianças foram público da performanceda Inês, acompanhada pelo Gustavo, mas antes, haviam criado com as professoras os pássaros de papel que simbolizam a paz e a felicidade na tradição japonesa os orizuros através da técnica de origami. A instalação MilPássaros foi dinamizada pela Companhia de Música Teatral.
L.E.R. CÃOFIANTE: DO BARROCAL AO LITORAL
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FUNDAÇÃO SALVAGUARDA ACERVOS
A Fundação Manuel Viegas Guerreiro tem vindo a desenvolver várias acções de tratamento, higienização, digitalização, organização e salvaguarda do seu património. A mais recente prende se com a digitalização das bobines gravadas por Manuel Viegas Guerreiro (MVG) em África e Querença. Algumas dessas recolhas poderão vir a ser escutadas no siteoficial da Instituição. No mesmo sentido, a BibliotecaMuseuMVG foi alvo de desinfestação, para posterior organização das obras que a integram. A Fundação prepara se ainda para apresentar o siterenovado.
actualidade os estudos e a visão do autor através do olhar de investigadores de várias áreas do conhecimento. Com esta vertente transdisciplinar, a Fundação tem divulgado livros, comunicações e ensaios do Professor em suporte digital e papel. Pode consultar em http://www.fundacao mvg.pt/o patrono/viagens pela obra de manuel viegas guerreiro Os artigos encontram se disponíveis na coluna da esquerda.
escola de Querença a 18 de Dezembro de 2021. O conto original da ASMAL Associação de Saúde Mental do Algarve, foi dito pela Olga. A animação esteve a cargo da Cristiana, da Elsa e da Fernanda. A Elsa deu vida aos animais e a Fernanda vestiu a pele de nuvem e de pinheiro.
As crianças de Querença trouxeram um olhar curioso e os utentes da ASMAL receberam a sua atenção e participação.
para OsPequenosNaturalistasdeQuerença Humbertino Afonso Semião, da Sociedade Columbófila Louletana, falou sobre comportamentos e anatomia dos pombos correio. Ao final da manhã, as crianças do pré escolar e 1.º ciclo libertaram as aves que voaram com uma mensagem na pata. O filme aqui: https:// www.youtube.com/watch?v=GRvDhmtcF9U&t=4s
O grupo OsPequenosNaturalistasdeQuerençaresulta de uma parceria FMVG, Câmara Municipal de Loulé e agrupamento de escolas Pde João Coelho Cabanita.
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INSECTOS INVADEM O IMAGINÁRIO DAS CRIANÇAS
Em Março, as sessões de OsPequenosNaturalistasde Querençareceberam um fotógrafo como convidado especial. Vítor Martins revelou o seu trabalho em macro, permitindo observar a anatomia dos insectos com grande detalhe. Antes de saírem para o exterior, de lupa em riste, os pequenos naturalistas assistiram a uma breve explicação do trabalho do fotógrafo e das estratégias para conseguir fotografar minhocas, louva a deus e aranhas. Na tela do auditório, admiraram os pormenores dos pequenos invertebrados que tentaram encontrar no Percurso Eco Botânico Manuel Gomes Guerreiro.
Março, no auditório da FMVG, na apresentação do primeiro
Casa,AtravessandoDesertos . Antes da sessão evocou se a guerra na Ucrânia, cumprindo um minuto de silêncio pela Paz. Da palavra escrita para a palavra dita, Carlos Aquino contextualizou a origem do livro e falou sobre poetas e poesia: «Assim como canta o mar nos búzios, nos poetas cantam as almas, o universo em expectativa no desejo que o canto reúna, eleve e revele. Um dia dirão se sou poeta!» O livro está à venda na Fundação, por 15 euros.
SARAMAGO NA SEMANA DA LEITURA DE LOULÉ
Bibliotecas escolares reúnem leituras da obra de José Saramago em cartaz digital. Cada escola seleccionou e gravou um excerto à escolha, com duração máxima de um minuto. Os/as alunos/as tiveram ainda a possibilidade de apresentar um cartaz dedicado ao autor no centenário do seu nascimento. A Rede de Bibliotecas do Concelho de Loulé disponibilizou os áudios através de um cartaz colectivo alojado em https://view.genial.ly/62273ee 64bd7010018198a69/interactive image imagem interativa. A colaboradora da FMVG, Miriam Soares, participou com um excerto de ObjectoQuase(contos)
FUNDAÇÃO ALIA SE A RECOLHA DE BENS
Fruto do trabalho desenvolvido com a comunidade escolar local, a Fundação Manuel Viegas Guerreiro associa se à recolha de bens alimentares, de saúde e higiene dinamizada pela União de Freguesias de Querença, Tôr e Benafim.
As sessões coordenadas pela técnica bibliotecária Maria Mackaaij, da Câmara Municipal de Loulé, junto das crianças, têm vindo a abordar a temática da guerra através dos valores da paz, despertando para a solidariedade com os povos que sofrem, criando um espaço de reflexão e diálogo.
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se dizer que é um percurso do
diferenciados de uma sala de espectáculo ou galeria, onde o património material e imaterial dos locais intervém na criação artística.
A associação cultural Figo Lampo coloca assim a arte no terreno, em territórios de baixa densidade. Para já em Alte, Ameixial e Querença, tem uma linha de horizonte mais vasta nesse mapa cultural do interior algarvio. Pretende continuar a desafiar artistas a se inspirarem no barrocal e na serra para produzirem novas peças culturais. Para traçarem linhas paralelas com a comunidade e outras, transversais, com o património e as questões ambientais.
Maria Adelaide Fonseca, coordenadora artística do projecto, fala nos das várias paisagens que este percurso vislumbra: «Queremos proporcionar a quem visita o barrocal e a serra do concelho de Loulé vivências onde as paisagens interiores de cada um se mesclam com os conteúdos artísticos que visionam no telemóvel e o estarem insituno património, levando a que o imaterial
O projecto, com apresentação pública no dia 19 de Março, na Fundação Manuel Viegas Guerreiro, teve anteriormente o auditório como palco de ensaios para o filme Cosmos
Micro , realizado por Ana Medeira: «Trabalha se os conceitos de conexão e desconexão com o todo, com a natureza.
Isso em constante diálogo com a coreografia de Inês Mestrinho que ensaiou os nossos pequenos bailarinos, criando momentos e sequências que contam uma história entre o ligar e o desligar entre nós e a natureza.»
Os/as aluno/as da EB1/JI de Querença deram corpo à peça cultural filmada no Percurso Eco Botânico Manuel Gomes Guerreiro (PEB MGG) que alia também sons ambiente recolhidos e trabalhados pelo sounddesigner Miguel Neto.
O auditório esgotou no dia da apresentação oficial, entre artistas, público e imprensa. Os filmes estão acessíveis através de código QR junto da Igreja Matriz de Alte, na anta do Beringel e no PEB MGG. Teasersem http:// figolampo.pt/daqui sente o que ves/
DAQUI, SENTE O QUE VÊS NOVA FORMA DE FRUIR CULTURA
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FOTOGRAFIA: MM
UMA
ESCAPARATE
O primeiro livro do Padre Carlos Aquino convida a contemplar e a revisitar a casa, espaço luminoso onde se germina a existência, onde se edifica a vida, onde se cuida dela. Em silêncio, na intimidade. Feridos e alegres. Vigilantes e decididos. Meia centena de poemas iniciais desafiam a habitar, protegendo.
O livro recupera os percursos de vida dos protagonistas do fluxo migratório na Carreira das Índias Ocidentais e ressitua o Algarve na dinâmica económica do espaço atlântico. A gente do mar fornecia barcos, apetrechos, mão de obra qualificada e abrigo para as armadas da Guarda.
A nova revista de estudos do Mediterrâneo, dirigida por Maria da Graça Ventura, estreia se com um dossiê sobre Manuel Teixeira Gomes. Recupera alguns textos e soma dois inéditos, de Carlos Osório e de António Jorge Afonso. Publica ainda um estudo sobre a pneumónica de 1918 e a COVID 19.
Elaborado como dissertação de mestrado em História do Algarve, na Universidade do Algarve, Jorge Palma, licenciado na área das ciências exactas, trata a evolução urbana de Loulé até à Época Moderna. O texto evidencia um conjunto de pistas para compreender a cidade de hoje.
O livro propõe uma viagem ao passado islâmico de Salir, questionando verdades históricas. É uma revisitação de mais de cinco séculos da presença árabe, em que a escrita de Adalberto Alves e as imagens de Jorge Graça entram em sintonia num olhar diferente de reconhecimento da história, da cultura e das vivências das gentes de Salir. É mais uma obra ligada à valorização do legado histórico cultural do concelho que a Câmara Municipal de Loulé apoiou, integrando o projecto aspirante GeoparqueAlgarvensisLoulé, Silves e Albufeira.
A obra caracteriza os territórios de pesca a Sul através das dimensões humana das comunidades aos cultos das espécies, artes, construção naval, comercialização e do ouro branco, o sal. Resulta de uma tese de mestrado em História e Patrimónios, variante História do Algarve.
À SOMBRA DE UMA ÁRVORE TEMPO TEMPO SOMBRA DE UMA ÁRVORE
À SOMBRA DE UMA ÁRVORE TEMPO JÁ NÃO O TEMPO
À SOMBRA DE UMA ÁRVORE TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO
À SOMBRA DE UMA ÁRVORE
O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO
À SOMBRA DE UMA ÁRVORE TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO
À SOMBRA DE UMA ÁRVORE
O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO
À SOMBRA DE UMA ÁRVORE
O TEMPO JÁ NÃO TEMPO
À SOMBRA DE UMA ÁRVORE
O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO
À SOMBRA DE UMA ÁRVORE TEMPO JÁ
ANTÓNIO RAMOS ROSA À SOMBRA DE UMA ÁRVORE O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO POSTAIS DO ALGARVE À SOMBRA DE UMA ÁRVORE O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO
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NÃO É O TEMPO À SOMBRA DE UMA ÁRVORE À SOMBRA DE UMA ÁRVORE O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO
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O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO À SOMBRA DE UMA ÁRVORE O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO À SOMBRA DE UMA ÁRVORE O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO À SOMBRA DE UMA ÁRVORE O TEMPO JÁ NÃO É O TEMPO