REVISTA FMVG | N.º 30 ABR-JUN 2022 | CULTURA ALGARVE

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REVISTA FMVG | N.º 30 | ABR - JUN 2022

No ano em que se completam 25 anos do desaparecimento físico de Viegas Guerreiro e 110 do seu nascimento, faz-se eco do que já se escreveu sobre o Mestre p.5-11 «Gastão Cruz e a montanha», por Lídia Jorge, no ano do falecimento do poeta, ensaísta, tradutor e professor. Nos seus versos, o mundo, a linguagem e a escassez p.12-14 Alberto Melo, jurista dedicado ao ensino dentro e fora de portas, e ao desenvolvimento do interior do Algarve, assina o ensaio de

No centenário do nascimento de Gonçalo Ribeiro Telles, publica-se o artigo de António Covas sobre o

filósofo da paisagem e desenhador de cidades p.20-24

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Detalhe da capa de Pêro Vaz de Caminha - Carta a el-rei D. Manuel, de Manuel Viegas Guerreiro

Viagens pela obra de MVG p.15-20


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FICHA TÉCNICA EDIÇÃO | FMVG TEXTOS | Alberto Melo, António Covas, Lídia Jorge, Marinela Malveiro MVG 1912-1997 e Postais do Algarve com autoria identificada sob o excerto POSTAIS DO ALGARVE Recolha e selecção | Marinela Malveiro PAGINAÇÃO E DESIGN | Marinela Malveiro FOTOGRAFIA | Fundo FMVG; cedidas por Alberto Melo e António Covas; Marinela Malveiro e Vítor Pina IMAGENS | Escaparate: cedidas pelas editoras APOIO À PRODUÇÃO E SECRETARIADO Miriam Soares IMPRESSÃO | Gráfica Comercial, Arnaldo Matos Pereira, Lda., Zona Industrial de Loulé Lt. 18, Loulé | T. 289 420 200

NEWSLETTER FMVG | N.º 30 | 2022 Os textos são da responsabilidade dos/as seus/suas autores/as e o uso do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é, por isso, uma opção dos/as mesmos/as.


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CONTEÚDOS

EDITORIAL

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MANUEL VIEGAS GUERREIRO 1912 - 1997 25 anos após o seu falecimento, 110 anos de nascimento

GASTÃO CRUZ E A MONTANHA

Lídia Jorge

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VIAGENS PELA OBRA DE MANUEL VIEGAS GUERREIRO O papel da antropologia social na execução de programas de desenvolvimento rural

Alberto Melo

GONÇALO RIBEIRO TELLES 100 anos depois

António Covas

DIÁRIO DE CAMPO

ESCAPARATE

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POSTAIS DO ALGARVE

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EDITORIAL

A HUMANIDADE EM MVG E OS JARDINS DO PARAÍSO No ano em que se completam 25 anos do desaparecimento físico de Manuel Viegas Guerreiro e 110 do seu nascimento, cruzamos linhas de pensamento com os ideais do Professor: de partilha do saber universal, de compreensão da Humanidade a partir da sua marca cultural, ampla e sem restrições. Livre de preconceitos sociais, étnicos ou outros. Manuel Viegas Guerreiro profetizava: «Possui cada região sua especificidade geográfica e o homem, que nela se cria, particular cultura. [...] Nenhum projecto de desenvolvimento será viável se não se tiver em conta essa personalidade cultural.» Até ao final do ano, passamos em revista o que já se escreveu e disse sobre Viegas Guerreiro, por altura da sua morte, mas também nos dias de hoje. Nestas páginas, publicaremos testemunhos cedidos ao Jornal de Letras, Ideias e Artes num trabalho desenvolvido em 1997, sob a orientação de Viriato Soromenho-Marques e Lucinda Fonseca. Alguns dos seus autores já nos deixaram também, como Jorge Sampaio e Bráulio de Nascimento. No seu conjunto, evidenciam o espírito utópico do Professor, a sua capacidade de implementação de iniciativas intrinsecamente ligadas à educação e à cultura, e a teia de contactos em que se movimentava. Reunindo um outro leque de autores, oferece-se com a edição impressa da Revista FMVG, a versão livro do seminário promovido pela Fundação em Setembro do ano passado: Manuel Viegas Guerreiro, o percurso e a filosofia de um humanista e antropólogo . Nesta iniciativa, uma dezena de investigadores ampliam o conhecimento a partir dos estudos do Patrono. No Caderno Viagens pela obra de Manuel Viegas Guerreiro, inscrevemos a releitura de O papel da

Antropologia Social na execução de programas de desenvolvimento rural, comunicação proferida pelo Professor no primeiro seminário universitário de Évora, publicada em 1974. Alberto Melo, jurista dedicado ao ensino, dentro e fora de portas, enceta neste ensaio um diálogo imaginário com o antropólogo, fazendo suceder as convicções do último às práticas de Alberto Melo À frente da associação de desenvolvimento de base local In Loco, e não só. Destaque ainda para a Semana de Campo do mestrado da Universidade do Algarve em Gestão Sustentável dos Espaços Rurais, que colocou a Academia no terreno para tentar dar resposta ao despovoamento e desertificação. Do plano curricular fez parte o elencar das ameaças ao desenvolvimento do interior do concelho de Loulé e suas oportunidades, com vista à elaboração de teses de

mestrado neste território. As aulas decorreram na terceira semana de Abril, no auditório da Fundação. O n.º 30 da Revista FMVG inspira-nos através dos jardins do paraíso de Gonçalo Ribeiro Telles, no centenário do seu nascimento, pelo olhar e palavras de António Covas, especialista em assuntos europeus, desenvolvimento rural e professor catedrático aposentado da Universidade do Algarve. O artigo que assinala a efeméride pode ser lido na página 20. É durante esta viagem pela paisagem, pela vida, “de inspiração estético-literária”, nas palavras de Ribeiro Telles, que faremos o caminho esculpido por um dos nomes mais marcantes da Poesia: Gastão Cruz, falecido em Março, aos 80 anos. Lídia Jorge leva-nos por esse passeio em suspensão, pelas palavras que nos sublimam, que nos guiam, constroem, e pelos ecos da ordem cultural que fundam: a da Humanidade. Marinela Malveiro


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MANUEL VIEGAS GUERREIRO 1912 - 1997

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25 ANOS APÓS O SEU FALECIMENTO 110 ANOS DE NASCIMENTO | 2022

À esq.: A certidão de nascimento de Manuel Viegas Guerreiro Em cima: O menino Manuel em pose com os pais

« UMA FIGURA RARA POR JOSÉ MATTOSO1 Ninguém podia resistir ao seu olhar simples e bom. Não se sabia de onde ele lhe vinha. Se da misteriosa conjugação de heranças ancestrais, se de uma infância excepcionalmente feliz, se de uma educação cheia de benignidade e de confiança nos outros, se de uma formação de antropólogo disposto a ver o lado bom do homem e a não se assustar com as diferenças do outro. Foi, com certeza, esse olhar que o fez percorrer incólume e sem mancha os campos de combate e de intriga por onde andou – a Universidade, as Academias, o INIC – e o que o fez também atravessar com dignidade e simpatia de todos os conturbados tempos do pós-25 de Abril na Faculdade de Letras e das suas difíceis sequelas. Era, sem dúvida, esse olhar que o levava a encarar com

a mesma simpatia tanto os seus colegas mais «importantes» como as pessoas mais modestas, a descobrir talentos populares como o de António Aleixo, a entusiasmar-se com a literatura oral e os contos populares portugueses ou com a sabedoria dos Macondes, a querer transmitir a toda a gente, nos Estudos Gerais Livres, os benefícios de uma cultura universitária, e também, ao mesmo tempo, a admirar o grande talento de personalidades da envergadura de um Leite de Vasconcellos ou de um Orlando Ribeiro. Não se pode negar a sua confiança nas boas causas tivesse os seus laivos de ingenuidade. Mas conseguia conjugá-la com um efectivo sentido crítico e uma exigência de qualidade que faziam dele um bom

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director dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo

Uma figura rara é o artigo da autoria de José Mattoso publicado no Jornal de Letras, Artes e Ideias em 1997, quando o historiador era


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membro de júris de doutoramento ou um bom apreciador de candidaturas a projectos científicos. Por tudo isso, não era fácil resistir à directa simplicidade com que pedia colaboração e ajuda para os seus projectos, utópicos ou não. Os Estudos Gerais Livres foram o surpreendente resultado de uma das suas utopias. Aí estão, ainda, como um estranho ser, vindo

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de outro planeta, subsistindo por milagre neste mundo em que tudo deixou de ser gratuito, sobretudo o saber. Por tudo isto, o Professor Viegas Guerreiro era uma personalidade rara. Quando se perde uma coisa, pergunta-se como poderemos viver sem ela. É esse o mistério da morte de pessoas únicas.

ROTEIRO DA CULTURA POPULAR POR BRÁULIO DO NASCIMENTO2 Dotado de grande sensibilidade e de vasto conhecimento da cultura popular, larga experiência de campo e notável capacidade de envolvimento afectivo com os portadores da cultura, o professor Viegas Guerreiro deixou a todos os que tiveram a alegria de seu convívio, como os informantes de

seus saberes, os alunos, os amigos e colaboradores, inesquecíveis lições de vida. A extensão e profundidade de seus conhecimentos emergiram nas mais diversas situações, através de uma simplicidade, modéstia e afabilidade, que caracterizavam a sua personalidade.

« SÍMBOLO DE UMA GERAÇÃO DE ETNÓLOGOS POR JORGE FREITAS BRANCO3 Manuel Viegas Guerreiro era dos últimos representantes de uma geração de etnólogos portugueses. Nela se definiu e perfilhou pelo paciente labor que conduziu à publicação do espólio do seu mestre José Leite de Vasconcelos. Facultou para a posteridade a edição póstuma da

Etnografia Portuguesa. Tantame de Sistematização

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de falecimento de Manuel Viegas Guerreiro. Era, na altura, vice – Pres. da Comissão Nacional de Folclore/IBECC/UNESCO, Rio de Janeiro, Brasil

Bráulio do Nascimento (1924 - 2016) professor, jornalista, crítico literário e folclorista, especialista em romances e contos populares, com trabalhos reconhecidos no Brasil e em diversos países do mundo deu este testemunho ao Jornal de Letras, Artes e Ideias em 1997, ano

(volumes IV, 1958, e X, 1989). Executar a tarefa foi cumprir uma missão assumida. Fez parte duma geração de obreiros do que se designará a construção aturada de um Portugal pelas suas etnografias.

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Testemunho de Jorge Freitas Branco, professor catedrático de Antropologia Social no ISCTE, no Jornal de Letras, Artes e Ideias, 1997.


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« AMIGO DO POVO POR BORGES COELHO4 Um trio de peso: Viegas Guerreiro ladeado por Cláudio Torres e António Borges Coelho

Invoco-o como um amigo voltado para o povo, para as suas tradições, fraterno. Um homem bom.

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CHEIRINHO A ESTEVAS POR CLÁUDIO TORRES5 Ele marcou profundamente aquela casa, aquela Universidade, toda uma geração, precisamente pela forma, não só doce, como inteligente como olhava o mundo e principalmente o mundo camponês. Foi um ar fresco que entrou naquela casa e naquela altura: um ar e um cheirinho a estevas. Uma casa

ligada ao mundo livresco, ao mundo académico, cheio de pó. E foi fundamental.(...) O mundo camponês entrou naquelas salas de aula pela primeira vez pelas mãos, pelos olhos e pelo sorriso do Viegas Guerreiro. E isso ficou. Ele criou uma escola e um conjunto de jovens que ficaram a

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Livres: um título para a História. Foi recolhido em Mértola, residência do

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arqueólogo, fundador e director do Campo Arqueológico de Mértola. Cláudio Torres é membro do Conselho Geral da Fundação Manuel Viegas Guerreiro

Depoimento do historiador Borges Coelho recolhido por telefone para o documentário realizado em 2019 pela Fundação Manuel Viegas Guerreiro: Estudos Gerais Livres: um título para a História Testemunho de Cláudio Torres para o documentário Estudos Gerais


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sonhar, olhar, ir, participar e entrar no mundo camponês. (...) E foi essa discussão filosóficohistórica sobre aquela região, a sua terra, que ele tinha um carinho imenso. Era um amor aos seus montinhos redondos, ao arredondado da serra, àquele sítio onde as hortas não se viam, só se via secura completa, um abandono e uma pobreza e, de repente, um paraisozinho metido no fundo do vale. Foi esse mundo que a gente hoje pode agradecer e ligar à memória do Viegas Guerreiro. Fundamental para entendermos não só aquelas famílias estranhas

na África, os bochimanes; as confusões e a complexidade fantástica do mundo na fronteira com a Galiza; as complexidades académicas, ligadas a uma população que estava já muito envelhecida por um lado, mas cheia de saberes muito agarrados a uma tradição milenar. Isso tudo nos foi transmitido também através dos saberes do Viegas Guerreiro.

« O PROFESSOR E O «MUSEU DE BELÉM» POR LUÍS RAPOSO6 Sempre me impressionou o seu olhar sincero e simples, a sua humildade e grande bonomia. Afinal, que outra pessoa poderia, em tempos tão belos quanto agitados, dirigir em santa e fecunda paz, uma instituição cheia de tensões acumuladas? Que outra pessoa teria ousado assumir então o conservadorismo de dar prioridade a um programa de inventariação das antigas colecções do museu, pondo ordem em anomalias de décadas? Que outra pessoa resistiria nesse desiderato durante mais de um ano, até Junho de 1975, em regime de total graciosidade e sem mesmo receber da

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Luís Raposo tem mais de 40 anos de Museu Nacional de Arqueologia. Era seu director quando escreveu o testemunho de que se extraiu este excerto, publicado em 1997 no Jornal de Letras, Artes e Ideias

tutela os meios mínimos necessários ao pagamento de consumos eléctricos? Se nesses anos o Antigo Museu Etnológico do Doutor Leite de Vasconcelos pôde sobreviver em erosão, deve-o à pessoa do prof. Viegas Guerreiro, que teve a grandeza de, nos «anos da brasa» e quando também se mobilizava em «serviço cívico», pôr a bom recato a herança dos mestres, mobilizando para o efeito um abnegado conjunto de jovens estudantes e recém-licenciados, actuais arqueólogos profissionais na maior parte.


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UM MESTRE DE HUMANIDADE POR JOSÉ BARATA-MOURA7

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Manuel Viegas Guerreiro deixa-nos uma obra serena e informada, palpitante de vivências reflectidas, atento a um leque vasto e despreconceituoso de interpelações que nos obrigam a rever a estreiteza cómoda de cânones habitualmente aceites e inquestionados. Trata-se de um património a revisitar, sempre rico de sugestões que se estendem muito para além da mera rememoração de homenagem. No plano pessoal, Manuel Viegas Guerreiro era uma inteligência afectiva e operante – perspicaz, generosa, inquieta, alegre e entusiástica. Com o povo que tão bem conheceu, em diferentes contextos e latitudes, e que tanto amou, com uma calorosa verdade chã que dispensava a afectação retórica – foi sempre um contagiante e fecundo Mestre de humanidade.

« O UNIVERSALISMO EM MVG POR EGÍDIA SOUTO8 Na obra de Manuel Viegas Guerreiro, o «dom de amor» a que se refere Agostinho da Silva, o humanismo e, dir-se-ia mesmo, o universalismo que procurou encontrar, são pontos fundamentais. (...) Ora Manuel Viegas Guerreiro, etnólogo e antropólogo, estudou como poucos a tradição popular portuguesa no sentido mais universal e legou uma obra profícua e variada, sempre submetida a rigor metodológico. (...) Ao longo da sua existência Manuel Viegas Guerreiro cruza geografias e aproxima latitudes, cartografa maneiras de ver o mundo, recria informações

e deixa testemunhos. Fala-se do homem que «defendia o estudo da cultura expurgado de qualquer tipo de juízo valorativo, entendido como um vício do etnocentrismo europeu» como refere Rita Mendonça Leite. A historiadora Isabel Castro Henriques também reforça a tese que o etnólogo criticou «a utilização do conceito de raça, contrapondo o modelo etnocêntrico.» Como referi, grande parte da obra de MVG assenta no humano, na sua história e compreensão. Para comprová-lo basta consultar a erudição da sua biblioteca.

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na Sorbonne Nouvelle e investigadora em Portugal, Paris, França e Frankfurt, Alemanha, por ocasião do seminário Manuel Viegas Guerreiro: o percurso e a filosofia de um humanista e antropólogo, realizado em Querença, 2021. Artigo completo na brochura oferecida com esta edição

Excerto do depoimento de José Barata-Moura, filósofo, professor catedrático da Faculdade de Letras, Reitor da Universidade de Lisboa entre 1998 e 2006 , in Jornal de Letras Artes e Ideias, 1997 8

Excerto da comunicação de Egídia Souto, professora universitária


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« MESTRE DO ENSINO POR NUNO JÚDICE9 Uma das pessoas que marcou bastante o meu início na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, e o da própria Faculdade, foi o Professor Manuel Viegas Guerreiro – amigo da Teresa Rita Lopes – que também participava nesses encontros. Foi nas conversas com o Professor que surgiu algo que, de certo modo, distinguiu a nossa Faculdade: a criação do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional. Devo dizer que a minha própria carreira foi determinada por esse interesse pela Literatura Tradicional, que me veio dessas conversas com ele. Não para estudar o Romanceiro, o que já tinha sido feito por outros grandes nomes da cultura portuguesa, mas uma

área que não estava muito desenvolvida que era a do Conto Popular. Criei essa cadeira de seminário de Conto Popular, no Mestrado, e ao longo de bastantes anos fui desenvolvendo e orientei muitas teses e estive em muitos júris dessa área. É de certo modo um agradecimento ao Professor Manuel Viegas Guerreiro que eu queria dar aqui, mostrando a importância que esses Mestres tiveram na formação da minha geração, no modo de olhar para o Ensino e para as nossas disciplinas. Não como uma simples aplicação mecânica de um programa, mas como uma criação, uma invenção permanente. Foi isso que eu tentei muitas vezes fazer nas aulas.

« « O MESTRE AFECTUOSO HUMANISMO EM MVG 10 POR MARIA ALZIRA SEIXO11 POR JOÃO DA SILVA MIGUEL Conhecia-o do Livro A Nossa Pátria, de que foi coordenador. Era o assim chamado «livro de leitura» do então 1.º ano do 1.º ciclo do curso geral dos liceus, como a memória recorda esse tempo, porventura sem o rigor das designações, e em cujas páginas constava a lenda do Gil da Pena, da Rocha da Pena, ali entre Salir e Alte, de que não mais me esqueci. Conhecia-o, também, dos Estudos Gerais Livres, ideia sua que espelha bem o perfil e a dimensão de intervenção cívica de Manuel Viegas Guerreiro. Humanista, dedicado ao seu povo, que queria ver dignificado e reconhecido.

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Excerto do discurso de Nuno Júdice no 4.º Festival Literário Internacional de Querença, no dia da sua homenagem, em 2019 10

Excerto do discurso de encerramento do seminário de Setembro de 2021, proferido por João da Silva Miguel, director do Centro de

O fundo vazio que a sua ausência provoca na Faculdade de Letras de Lisboa não é só devido à perda do eminente cientista, do insubstituível amigo, do incomparável dinamizador de estudos e trabalhos em Humanidades. (...) Entre todas as perdas que a FLUL conheceu recentemente, esta é, porventura, a que nos deixa em orfandade maior: orfandade de tolerância, de compreensão, de generosidade, de bondade, de bonomia lúcida mas sempre humanamente transigente.

Estudos Judiciários e presidente do Conselho Geral da Fundação 11 Maria Alzira Seixo, ensaísta e professora catedrática da Universidade de Lisboa, tinha 56 anos quando escreveu o depoimento que aqui se transcreve um excerto a partir do Jornal de Letras, Artes e Ideias de 1997


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1912 - 1997

UMA GRANDE PERSONALIDADE POR JORGE SAMPAIO12 Manuel Viegas Guerreiro é e permanecerá uma das grandes personalidades da vida intelectual portuguesa do século XX. No seu diversificado percurso intelectual, que vai do estudo das línguas e culturas clássicas à investigação no domínio da Etnografia e da Geografia Humana, no sentido amplo e original que soube imprimir a estas disciplinas, Manuel Viegas Guerreiro soube sempre manter uma viva perspectiva universalista. Contrariando tendências epocais eurocentristas, Manuel Viegas Guerreiro soube interpretar sempre a diversidade das produções culturais, sobretudo na esfera da cultura oral e popular, como variações

específicas da grande narrativa unificadora, que é constituída pela construção de diversas faces desse rosto comum, que é o da família humana. Nos seus estudos sobre o Norte do continente português, nas suas investigações mais recentes em terras açorianas, ou nos seus clássicos ensaios sobre as culturas maconde e bochimane, Manuel Viegas guerreiro elevou-se à altura desses outros grandes portugueses, Leite de Vasconcellos, Orlando Ribeiro, Agostinho da Silva, mantendo acesa a chama, mesmo em tempos de repressão e censura, de uma identidade aberta ao diálogo, com e no mundo, talvez o traço mais forte do espírito e das obras dos Portugueses.

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«

Homenagem a Leite Vasconcellos, nos 50 anos da sua morte e a Manuel Viegas Guerreiro, na mesa de conferência com Carlos Alberto Medeiros, Lindley Cintra, João David Pinto Correia e Maria Aliete Galhoz. Sessão organizada pela Faculdade de Letras de Lisboa e pela Câmara Municipal de Tarouca, 1991.

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Jorge Sampaio (1939 - 2021) escreveu o testemunho sobre Manuel Viegas Guerreiro na qualidade de Presidente da República Portuguesa. Publicado em 1997 no Jornal de Letras, Artes e Ideias


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GASTÃO CRUZ E A MONTANHA POR LÍDIA JORGE

Vem a poesia da meia claridade do princípio da vida quando as sombras tornam ainda obscuro o texto e pouco a pouco uma água começa a percorrê-lo sem o levar Aqui, a imagem da génese da escrita é perfeita, esse pensamento breve sobre a parte de uma Arte Poética, que procura desvendar a sombra de onde o poema surge, é sugerido em poucas palavras e na perfeição. A matéria que o preenche a pouco e pouco também Lembranças da terra, pessoas, vozes, árvores, pensamentos à luz e à sombra, ou mais descritivamente, a história de um país que viveu em sufoco e de cuja

FOTOGRAFIA: Vítor Pina © FMVG

É comum apresentar Gastão Cruz como um dos poetas que inauguraram um caminho novo sob a égide do surgimento Poesia 61, e logo acrescentar que de entre todos foi um dos mais evidentes participantes. Ao lado do campo magnético desencadeado por Pessoa e seus vários rostos, que parecia impedir a chegada de outras originalidades, aquele grupo de jovens abriu horizontes diferentes e desencadeou uma energia própria que ainda hoje move montanhas. O Autor que se revelou nos anos sessenta aos leitores de poesia, tendo publicado Aves em 1969, a que se seguiria Teoria da Fala já em 1972, iria ilustrar as características próprias do movimento renovador até ao fim. Pode-se dizer mesmo que, de entre todos, a montanha movida por Gastão Cruz é de interpretação única e inesgotável. Afirmo-o, embora eu não seja uma pessoa de interpretação, nem de hierarquização, sou antes e apenas uma pessoa de leitura primeira. Leitura primeira, aquela que se faz por gosto e sem recuo, tomando por princípio que os poemas vêm ao encontro de imagens primordiais que trazemos guardadas e para as quais ainda não encontrámos as palavras que outros, os poetas, dirão por nós. Por isso posso dizer que Gastão tem falado por mim e eu agradeço-lhe a bandeja delicada em que me tem oferecido a sua fala. Leio de A Moeda do Tempo de 2006 o poema A Sombra Nascente e acho que passámos a vida a pensar na mesma penumbra e a procurar desvendar o mesmo mistério da aparição dos versos. Por outras palavras, Gastão diz aquilo que eu queria dizer. Começa assim esse poema -

aflição ainda restam pedaços escondidos que trazemos na sola dos sapatos, tudo isso encontro na poesia de Gastão, ainda que seja necessário atravessar as portas ínvias que ele abre para se fazer entender de revés, elaborado de propósito para que o sentido seja árduo


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GASTÃO CRUZ, 1941—2022

de alcançar. Gastão colocou pedrinhas na montanha do sentido, mas elas só dificultam o entendimento se não aceitarmos que a sua linguagem, mais ou menos cifrada, traz o recado de que a metáfora é mais fácil do que a elipse, e Gastão quer que o não dito funcione

como sentido não escancarado mas prometido. Eu gosto de escalar essa montanha que existe na poesia de Gastão. A jubilação que nos faculta provém da síntese que se faz sobre uma outra síntese, como se Gastão quisesse levar-nos consigo para um local sem


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desperdício. Em seu livro Óxido de 2015, encontro aquele local onde a imagem do sonho é tão intensa que dispensa as palavras principais. Leio o poema Uma Voz –

Acordo com um sonho Do telefone sobe uma voz de criança que, longínqua, pergunta como pude dormir; eu esquecera pensavas, que já antes chamaras; não esquecera: porém como pude dormir, como pude Dormir Um poema, um filme completo de que se expurgou toda a narrativa até só ficar um traço no écran. Como explicar, então, a poesia de Gastão? Dar-lhe nomes? Introduzi-lo em correntes? Cindir versos, contar rimas? Enumerar anacolutos e oxímoros? – Nenhuma dessas chaves interessa quando a penumbra de onde nascem os seus versos faz surgir em nós a inquietação doce da chamada de uma criança e, perante ela, a repetição da certeza de que não deveríamos ter dormido. Esta é a proeza da poesia, conseguir juntar-nos em redor de um sentimento único, tão forte e tão primordial que se faz colectivo. Por mim, gosto de escalar esta montanha e ficar suspensa da corda, balouçando sobre o abismo que o poema elíptico abre ao entendimento. Cada palavra de Gastão foi colocada em cada verso como um desafio para um lugar no alto. Por alguma razão, Gastão, como os da sua geração, meditou sobre o signo das palavras e nessa demanda gastou muitos dos seus lumes. Os próprios títulos dos primeiros livros o referem como tema. Sobre esse assunto ainda chegámos a dialogar. Uma noite, em São Paulo, eu disse que sentia a linguagem como um vestido curto, e que a frase de Wittgenstein «Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo» continha uma falácia porque se a linguagem constrói o nosso mundo, o próprio mundo dentro de nós é sempre mais vasto do que a linguagem, sua parente. Defendi que se trata de duas realidades, o nosso mundo e a nossa linguagem, dois círculos concêntricos cujos perímetros não coincidem necessariamente, sobejando sempre o primeiro da

segunda. E atrevi-me ainda a dizer que a poesia resulta da desinteligência entre a linguagem e o mundo. Gastão não gostou de ouvir, defendeu que poesia era pura linguagem, defendeu com ímpeto como se eu lhe tivesse invadido um campo sagrado, procedendo a uma profanação do seu templo. Foi difícil explicar o que significava o meu “vestido curto”. Mas eu não me importei, gostei de o ouvir discorrer sobre a sua crença absoluta de que a linguagem é a matéria prima absoluta que preside à Criação. É uma posição filosófica e estética defensável. E maravilhosa quando alguém faz dela a sua crença maior e a base absoluta da sua arte poética. Talvez longe da Bíblia, Gastão tomasse à letra as palavras de São João, «No início era o verbo.» Talvez Gastão tomasse para si que a cada poema se inicia um início, um verbo, uma explosão de matéria e espírito, isto é, a matéria irmã gémea do espírito. Talvez. Foi nisso que pensei nessa noite brasileira, tomando em conta a sua oficina tão crente na pureza do poema sobre a folha branca. Cada folha um génesis, cada verso uma revelação sobre as criaturas. O milagre da fala que se prioriza a todos os outros milagres. Assim, quer parecer-me que para Gastão Cruz, quando a fala poética surge, inaugura a Criação, e quando ela finda, ainda para Gastão, surge a imobilidade parente da morte. Palavra e vida, duas realidades que coincidem por completo em Gastão. Leio o último poema do seu último livro, Existência, de 2017, as suas últimas linhas publicadas em livro, e é nesse vínculo absoluto entre existência e poesia que penso. Escreve ele no poema que tem por título O voo imóvel -

Paraste já no mundo Por fim desconhecendo se vigias ou dormes Não te moves ignoras O código brutal do movimento Sem análise, sem contagem de versos e de sílabas, sem a evocação dos seus poetas, Camões, Blake, Keats, Baudelaire, Pessanha, sem dívidas nem linhagens, só as palavras que ele embala numa melodia muito sua, enquanto elas, as palavras, sobem, sobem, até um lugar muito alto. A poesia de Gastão não tem descidas.


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VIAGENS PELA OBRA DE MANUEL VIEGAS GUERREIRO

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O PAPEL DA ANTROPOLOGIA SOCIAL NA EXECUÇÃO DE PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL POR ALBERTO MELO

Capa e contracapa da obra comentada por Alberto Melo, jurista e ex-dirigente da In Loco, associação de desenvolvimento local

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oi com muito gosto que acedi ao gentil convite da Fundação Manuel Viegas Guerreiro para comentar um dos trabalhos do seu patrono. Trata-se de um documento com o título acima enunciado, que ele escreveu a instâncias do amigo e colega Gomes Guerreiro e foi publicado, em Dezembro de 1974, pelo Instituto Universitário de Évora, no livro

Primeiro Seminário Universitário de Évora, Extensão Rural. Aqui, MVG manifesta uma vez mais a sua modéstia de sábio, ao alegar que pouco neste texto «vem exclusivamente de mim (se a alguma coisa podemos chamar nosso)», afirmando que traz ao trabalho juízos de outros, que generosamente cita, e sobretudo de George Foster. Num texto que se destinava a futuros

extensionistas rurais, para trabalharem no nosso país, MVG chama a atenção para o facto de se ter ocupado sobretudo de sociedades africanas, referindo no entanto que sempre «encontrou analogias culturais entre pequenas comunidades rurais em África e Europa» . E, com efeito, não será por acaso que, nos tempos de Portugal país colonizador, aqui existia, em paralelo com as administrações coloniais, uma Junta de Colonização Interna. Tendo em conta o seu público, MVG apresenta neste sucinto documento (de sete páginas) aquilo a que chama

«princípios gerais e cautelas de que depende o êxito da execução de um plano de desenvolvimento rural» . Tendo eu próprio coordenado projectos de desenvolvimento


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em meio rural, entre 1985 e 1998, decidi na presente resenha “fazer-me aluno” do Mestre Viegas Guerreiro e reconstituir um diálogo, que nunca existiu (hélas!), entre as suas sábias e oportunas prescrições e algumas (muito poucas, dada a brevidade recomendada para este comentário) reminiscências do trabalho de terreno que então dirigi. Teremos, assim, em negrito e itálico as suas palavras, seguidas de breves referências minhas ao trabalho então realizado.

O extensionista terá de conhecer a cultura em que vai actuar. É necessário conhecer as condições socioculturais, e também as ecológicas, da comunidade onde se pretende trabalhar. Vai, em suma, actuar em uma pequena comunidade e há-de levar consigo prévio conhecimento das principais características deste tipo de sociedades. Inicialmente no âmbito do Projecto RADIAL (Rede de Apoio ao Desenvolvimento Integrado no Algarve, em quatro freguesias do interior rural) e, em seguida, do ARRISCA (Acção de Revitalização Rural Integrada da Serra do Caldeirão – Alentejo, Algarve, que cobriu 31 freguesias), a intervenção da Associação In Loco (criada em 1988 e ainda hoje activa) adoptou desde sempre uma abordagem participativa. Primeiro, na análise das situações e na definição de eixos prioritários e, seguidamente, na execução das iniciativas decididas em comum, entre residentes e equipa técnica. A descoberta das principais características da cultura local não foi objecto de um estudo prévio sobre as comunidades locais, mas decorreu de uma comunicação intensa com as próprias comunidades. Através de reuniões conjuntas, dos contactos quotidianos e de recolhas de história local, inventários de recursos endógenos e das mais relevantes expressões do património cultural (material e imaterial) decorreu a tomada mútua de conhecimento, frequentemente, no âmbito das múltiplas acções de formação então organizadas. Pode dizer-se que toda esta dinâmica representou um eficaz e enriquecedor processo educativo, em prol não só dos participantes locais como também de todos os membros da equipa. MVG cita Possinger: «O homem do campo deve ser

considerado sujeito e não objecto de uma política de

desenvolvimento». Devemos ir ter com ele, ouvi-lo, saber o que quer, como quer e para que quer, e não tomá-lo como coisa que vamos modelar à nossa vontade. O trabalho iniciou-se no Outono de 1985 com reuniões nas quatro freguesias seleccionadas (Alte, Cachopo, Martinlongo e Azinhal), para as quais toda a população foi convidada. Estas reuniões foram muito concorridas, atraindo entre 50 e 80 pessoas, que definiram os principais problemas locais, nomeadamente, a falta de apoio às crianças e a inexistência de empregos. A partir daqui, foram escolhidas três áreas de acção: criação de Centros de Animação Infantil, lançamento de cursos para o auto-emprego (com base em actividades artesanais e produtos locais) e constituição de associações de residentes. Em todas estas iniciativas, foram sempre as mulheres as mais interventivas e criativas, estando na origem das primeiras unidades produtivas então instaladas.

Outros preceitos gerais deverá o extensionista ter em conta. A noção, o elemento ou complexo cultural a transmitir hão-de ajustar-se aos ideais básicos da cultura receptora, hão-de poder tornar-se seus, estar de acordo com os seus valores. Nem sempre se recebe o que é útil, objectivamente vantajoso, e isto tem deixado em perplexidade, quando não em desespero, os trabalhadores impacientes de projectos de desenvolvimento. E vá de atribuírem a rejeição, a estupidez ou preguiça ou generalizada incapacidade mental. A resistência é um mecanismo de defesa cultural contra as influências vindas do exterior (…) Por irracional que pareça determinada prática ou técnica, ela é, muitas vezes, o fruto de longa experiência e tem a idade de séculos ou milénios. Há que a estudar, analisar, com cuidado e respeito, antes de emitir juízos definitivos. A escolha de artesanatos, presentes na tradição local, responde fielmente a este preceito. Não se tratava então de inovar a 100% mas antes de aperfeiçoar actividades conhecidas e pertencentes à cultura local: tecelagem, malhas, confecção de roupa, doces e bolos, plantas aromáticas, construção de brinquedos e jogos de madeira. E, mais tarde, de melhorar a qualidade em restaurantes locais, alojamento rural, animação turística…


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Perguntava-nos um Presidente de Junta, no início da intervenção, porque não procurávamos construir ali uma fábrica, que desse emprego a umas 50 pessoas, em vez desse nosso “trabalho miudinho”. Uns anos mais tarde, disse-nos que realmente reconhecia que já havia 50 ou mais pessoas empregadas na área serrana, graças ao tal “trabalho miudinho” assente em saberes e em produtos do território.

Não se há-de mudar tudo de repente, mas aos poucos para garantir assimilação sem distúrbios nem angústias. Haverá, naturalmente, que modificar valores tradicionais, substituir uns objectos por outros, mas proceda-se com o máximo cuidado, para evitar angústias excessivas.

Espólio MVG © FMVG

Há que reconhecer que o tempo na intervenção em meio rural, tal como em todo o processo de natureza

educativa, não é um custo, mas acima de tudo um investimento. Quanto mais tempo houver, mais duradouras e eficazes serão as aprendizagens realizadas e mais facilmente será possível gerir a transição entre os conhecimentos e competências já em posse dos participantes e as novas aquisições e necessárias inovações. Assim, no curso de tecelagem, recorreu-se a uma formadora local e trabalhou-se de início com os toscos e pesados teares tradicionais. Mais tarde, e com as devidas explicações, se recorreu também a formadoras externas (incluindo designers) e se comprou teares modernos, muito mais leves e produtivos. Deste modo, as mulheres em formação receberam elementos de teoria da cor ou de debuxo, que lhes permitiram passar

Págs. 2 e 3 da comunicação de Manuel Viegas Guerreiro no seminário de Évora, publicada há quase meio século.


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de uma condição de meras executoras, reproduzindo os padrões tradicionais, à de reais criadoras. Também os cursos de doces tradicionais ou de plantas aromáticas, foram sempre precedidos de uma recolha exaustiva dos saberes e saber-fazer tradicionais, mas igualmente enriquecidos com contributos exteriores, numa busca constante de sínteses criativas entre a tradição e a inovação. Também projectos de investigação colocados ao serviço do desenvolvimento do território serrano, como os referentes à aguardente de medronho, à utilização da energia solar ou à raça caprina algarvia, souberam combinar conhecimentos locais e científicos, souberam alternar a investigação on farm e on station, de modo a produzir resultados rigorosos e enquadrados com as reais necessidades dos produtores locais.

É importante buscar colaboração nos próprios habitantes da região em que se trabalha (evitando, quando possível, consequentes conflitos internos). Duas prioridades se definiram desde os primeiros dias: o apoio às crianças e a criação de emprego. Logicamente, a combinação de ambas levou a que jovens locais fossem mobilizados para trabalhar nos quatro recém-criados Centros de Animação Infantil. Estes jovens, em maioria do sexo feminino, foram recomendados pelos Presidentes de Junta e bem aceites pelas famílias envolvidas. Para não estarem apenas a “cuidar das crianças” mas poderem prosseguir um trabalho educativo, definiu-se um plano de formação em serviço: um elemento da equipa acompanhava a actividade dos animadores no Centro, um dia por semana, analisando com eles no final as ocorrências mais salientes. Dois dias por mês, todos os animadores eram reunidos, em Faro, na Escola Superior de Educação, para sessões mais estruturadas de formação, asseguradas por docentes desta instituição. A mesma metodologia foi mais tarde adoptada relativamente ao recrutamento e formação dos chamados “animadores locais”, jovens normalmente já implicados em actividades locais e que tiveram um papel essencial na implementação, em cada freguesia, de importantes programas e projectos de desenvolvimento local, como os Programas europeus

LEADER e EQUAL. No LEADER I, trabalharam 27 animadores locais para 31 freguesias do Algarve e do Alentejo. A Animação Territorial procurava fomentar uma cultura de desenvolvimento e um ambiente favorável à emergência de iniciativas e projectos, colectivos ou individuais, assim como à circulação de informação, à abertura a ideias novas… Como afirmava um animador: «Nós temos de ter a humildade e a coragem de pertencer verdadeiramente à comunidade na qual se trabalha». Estes jovens animadores tinham, em regra, uma escolaridade limitada. A vontade de aprender mais e a confiança que este processo lhes despertou, levou vários a retomar estudos, quer atingindo o 12.º ano por via do Ensino Recorrente ou dos Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, quer mesmo completando cursos de Ensino Superior. Em Novembro de 1994, no Encontro A Mulher e a Serra, com 61 participantes, uma delas, bastante jovem, explicava a sua inscrição numa acção de formação pelo “desejo de ser mais”.

Procurar a verdadeira autoridade dentro da comunidade, que nem sempre é a formalmente institucionalizada. Uns meses antes do início formal das intervenções no terreno, organizou-se uma reunião em Altura, para que foram convidados, por um lado, representantes das instituições regionais e, por outro, três pessoas de cada uma das freguesias do chamado Nordeste Algarvio: o Presidente da Junta, um empresário e um jovem desempregado. Após dois dias de comunicações e diálogos, a conclusão geral e final foi a de que havia apoios adequados para responder a muitos dos problemas daqueles territórios e havia pessoas em cada um deles com vontade e capacidade de avançarem com iniciativas, mas faltava um elo de ligação entre as necessidades locais e as medidas em vigor. Daí a rápida criação de uma estrutura de intervenção, a partir do Instituto Politécnico de Faro. Já no decurso da intervenção vieram a constituir-se Comissões de Famílias e, depois, associações locais, para a gestão dos Centros de Animação Infantil. Vários participantes activos neste processo vieram mais tarde a assumir funções oficiais nas respectivas freguesias, em


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diversas capacidades. Inclusivamente, uma animadora local e uma formanda de um curso para o auto-emprego foram mais tarde eleitas como Presidentes de Junta.

É importante ver técnicos extensionistas e antropólogos a trabalhar de mãos dadas. Não se pode dispensar a participação do antropólogo. Só assim «a lavoura será uma variedade de trabalho industrial». E acabe-se de vez com o mito de uma pobreza agrícola sem remédio. Embora sem dar prioridade a uma profissão específica, como a de antropólogo, é possível afirmar que se seguiu uma abordagem antropológica, que contou com uma equipa multidisciplinar e também com a colaboração intensa e regular de muitos residentes. A primeira grande preocupação foi a de apagar o estigma do “serrenho”, como epíteto depreciativo. Dando a “volta por cima”: em tudo o que se fazia e escrevia, a imagem de marca era a “Serra”, pondo em evidência as qualidades e virtualidades das suas pessoas e dos seus demais recursos. Assim se lançaram iniciativas, como a Feira da Serra ou o Jornal da Serra. Neste, escrevia uma leitora, em Junho de 1995: «…eu sou uma “filha da Serra”, pormenor que nunca ocultei mas do qual, é preciso ser honesta, nunca me orgulhei. Visto significar ignorância, atraso. Agora, após conhecer e ler o vosso jornal, começo a valorizar a minha origem serrenha e a correspondente cultura própria que adquiri na minha infância…» É essencial, aqui, a humildade de assumir uma posição, não de formador, não de mestre, não de professor, mas fundamentalmente de facilitador de algumas respostas parciais, face às solicitações que vão sendo expressas, de forma efectiva e rigorosa, nos próprios locais e momentos de uma intervenção que se quer capacitadora ou geradora de empowerment. Os projectos desenvolvidos corresponderam, em geral, a situações e dinâmicas educativas em que cada pessoa, pelo simples facto de nelas se encontrar envolvida, acaba por sentir que melhora, que se aperfeiçoa, que se vai (auto) formando. Como afirmava uma animadora local, hoje Presidente de uma União de Freguesias: «Muitas pessoas tinham vergonha de dizer que viviam no interior rural. Agora é diferente, as pessoas têm orgulho em fazer saber que

vivem na Serra. Isso acontece porque temos uma qualidade de vida diferente, para melhor. Eu acredito no interior algarvio e também acredito que é possível fazer alguma coisa, mesmo coisas pequenas, que, quando unidas e articuladas, podem proporcionar melhores condições de vida às populações locais e fazê-las apreciar devidamente o território onde vivem. Esta estrutura de animadores implementada pela In Loco permitiu que todo um conjunto de projectos surgisse e se desenvolvesse. Inicialmente era bastante frustrante. Hoje eu vejo instalações turísticas, unidades produtivas e restaurantes novos ou melhorados, muito mais actividades de associações locais e uma imensidão de novas actividades e iniciativas de toda a espécie. Há alguns anos, as pessoas diziam que o Algarve era só mar e praia. Hoje, até a comunicação social descobriu o outro Algarve.»

ALBERTO MELO Nasceu em Lisboa, em 1941. Licenciou-se em Direito (1963), na Universidade de Lisboa, e concluiu, em 1971,


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na Universidade de Manchester, uma Pós-graduação em Educação de Adultos. Integrou a Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação de Faro, em Dezembro de 1983, ficando desde então ligado ao Instituto Politécnico de Faro, mais tarde à Universidade do Algarve, onde leccionou e, entre 2000 e 2007, coordenou o Gabinete dos Programas Europeus (incluindo ERASMUS). Entre 1986 e 1998, dirigiu uma associação de desenvolvimento local In Loco - com intervenção no interior rural do Algarve. Antes disso, tinha trabalhado em França: primeiro, como Consultor na OCDE, em seguida, como Conselheiro na Delegação Permanente de Portugal junto da UNESCO e, por fim, como Professor na Universidade de Paris IX. Também residiu em Inglaterra, onde foi docente na Open University e na Universidade de Southampton. Foi responsável por diversas missões, nacionais e internacionais, em áreas como desenvolvimento local integrado, cidadania activa, democracia participativa, educação e formação de adultos. Relativamente a este último sector, foi por duas vezes responsável pela elaboração e implementação da política pública, no interior do Ministério da Educação, primeiro como Director Geral de Educação Permanente (1975-76) e, mais tarde, como Encarregado de Missão do Grupo responsável pela implementação do Projecto de Sociedade SABER+ (199799), que esteve na origem de medidas como os Cursos de Educação e Formação de Adultos e os Centros Novas Oportunidades, entre outras. Em finais de Junho de 2007, foi nomeado, em comissão de serviço, Delegado Regional do IEFP, I.P., no Algarve, cargo que ocupou até Setembro de 2010, tendo em seguida regressado à Universidade, como Assessor do Reitor, passando à aposentação por limite de idade em finais de Janeiro de 2011. Entre 2012 e 2015, foi Presidente da Direcção da Associação Amigos do Alentejo, onde se integra a Univ. Sénior de Loulé. Desde 2014, integra a Direcção do Conselho Executivo da APCEP, Associação Portuguesa para a Cultura e Educação Permanente, e também a Mesa da Assembleia Geral da Associação In Loco. Em 2003, foi agraciado como Grande Oficial da Ordem de Mérito pelo Presidente da República e, em 2019, integrou o Hall of Fame Internacional da Educação Permanente e de Adultos.

Fotografia: Marinela Malveiro

GONÇALO RIBEIRO TELLES 100 ANOS DEPOIS POR ANTÓNIO COVAS*

Gonçalo Ribeiro Telles (GRT) teria feito no dia 25 de maio 100 anos. Conheci GRT na Universidade de Évora, era eu um jovem assistente do departamento de economia, chefiado na altura pelo Professor Cruz de Carvalho, um engenheiro agrónomo e ecologista, muito amigo de GRT. Foi assim a minha introdução, como jovem economista, à agricultura, ecologia, planeamento biofísico e arquitetura paisagista. Nunca mais deixei de seguir, de perto, as palestras, os projetos e as publicações nessas áreas, onde a noção de paisagem António Covas - Professor aposentado da Universidade do Algarve Este artigo foi originalmente publicado no jornal online Observador, a 25 de Maio de 2022


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global funcionou sempre como uma espécie de berço e caldo de cultura transdisciplinar. Nos últimos meses publiquei no Observador dez pequenos ensaios sobre temas que eram muito caros a GRT. No dia do seu centenário faço aqui um pequeno roteiro do seu pensamento e ideário em cinco tópicos essenciais. A maioria dessas referências pode ser lida no livro A utopia e os pés na terra de 2003 e, ainda, numa entrevista dada à revista Visão no mesmo ano de 2003. Sobre o carácter da paisagem global e multifuncional É a ligação à terra que faz uma cultura. Ninguém diz, é o nosso urbano, toda a gente diz, é a nossa terra. A paisagem é bela porque está humanizada, é uma

construção humana feita com materiais vivos. Se a artificializamos fica um objeto decorativo, um adorno, um acessório de um produto, um cenário arranjado. Há 50 anos, o que era contínuo na paisagem era o sistema natural. As cidades eram pontos. Hoje é o contrário. O contínuo na paisagem é o construído, o pontual é o que resta da agricultura, de espaço livre, que passou a ser descontínuo. Temos que estabelecer corredores. Não há plano de desenvolvimento sustentável sem agricultura. Ao mesmo tempo que se transforma, vai aumentando o interesse e a procura de paisagem rural por outros utilizadores que não os que nela vivem. É neste contexto que se fala de multifuncionalidade da paisagem rural, porque dela se


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esperam várias funções: produção, conservação, recreação. O carácter da paisagem não depende já da agricultura, mas de muitos outros atores. Se as pessoas a nível local não foram envolvidas na discussão sobre o que é a paisagem harmoniosa e bela, o carácter da paisagem, não conseguiremos evitar essa tendência de perda de carácter da paisagem e, nessa altura, não serão suficientes as convenções internacionais criadas para a salvaguarda dos valores cénicos de certas paisagens ou de determinada componente do sistema agrícola ou habitat. O futuro da paisagem está comprometido pela agricultura, pela floresta, pelo urbanismo, soluções temporárias de riqueza. Continuamos a viver do quotidiano e com uma imagem errada do país. Aumentaram-se as necessidades, forjadas pelo capitalismo, não se aumentou a cultura. Sobre a chamada modernização da agricultura Os romanos dividiam o território em três áreas, além da urbe: o ager, que era o campo cultivado intensamente, o saltus, a pastagem, a agricultura menos intensiva e a silva, a mata de produção de madeira e de proteção. Todo este ordenamento foi transformado, acabou-se com a silvicultura e começou o culto da floresta, que não temos. Se formos ao campo perguntar onde fica a floresta, eles só conhecem a do Capuchinho Vermelho, porque o que têm na sua terra são matas e matos. No século XIX o pinheiro bravo veio para responder às necessidades do caminho-de-ferro que estava em lançamento. Mais tarde é que vem a resina, a indústria da madeira e a celulose. O pior é que se transformou o país num território despovoado o que, dadas as características mediterrânicas, arde com as trovoadas secas. A diminuição da população ativa na agricultura, como um objetivo de política de desenvolvimento, é um logro. A sequência é conhecida: a fileira, a agroindústria, a monocultura extensiva, a uniformização do espaço, o despovoamento, o incêndio. É fazer crescer os problemas no litoral, o congestionamento, e no interior, o abandono e a desertificação. Onde há monocultura, não há população, porque a monocultura não precisa de gente, precisa de máquinas; a monocultura rebenta com os solos, a fileira causa predação vertical e desertifica. A monocultura não é

cultura. O erro foi considerar a agricultura uma indústria, com a criação de monoculturas, trigo e floresta, que quebraram o mosaico mediterrânico e impediram a circulação da água e da matéria orgânica. Mas esta floresta monocultural de resinosas e eucaliptos, limpa ou não limpa, não serve para mais nada senão para arder. É uma floresta que vive para não ter gente. Se houvesse lá mais gente aquilo não ardia assim. Pelo contrário, o carvalho, por exemplo, é acompanhado por toda uma panóplia de rendimentos como a cortiça, a pecuária, a produção de mel, as aromáticas e a caça. A chamada modernização da agricultura é um escândalo de incompetência. As universidades de agronomia em Portugal tiveram um período de grande pujança intelectual no fim do século XIX e no princípio do século XX. Agora, parece terem-se rendido ao economicismo. Estamos numa cultura mediterrânica e não se pode traduzir o desenvolvimento em unidades economicistas de produção de grande volume de dois ou três produtos. É da polivalência, da multiplicidade de produtos e da harmonia da paisagem que resulta a possibilidade de ter uma população instalada em condições de dignidade. Sobre o estigma social do mundo rural O mundo rural foi considerado obsoleto, como qualquer coisa que vai desaparecer. Veja-se o disparate que foi a política de diminuição dos ativos na agricultura. Contribuiu para o aumento dos subúrbios, dos bairros de lata e da emigração. Trouxe alguma coisa melhor para a província? Não. Apenas um grande negócio para as celuloses e para os madeireiros. Os agricultores foram convencidos de que eram uns labregos. Houve toda uma política de desprestígio do mundo rural tendo por base a ideia de que era inferior ao mundo urbano. Esqueceram-se de que o homem do futuro vai ser cada vez mais o homem das duas culturas, da urbana e da rural. Hoje, 30% das pessoas que praticam a agricultura económica na Europa não são agricultores. É gente que vive na cidade, tem lá o seu escritório e tem uma herdade no campo onde vai ao fim de semana. A terceira geração de emigrantes vai morar para as casas velhas, vai recuperá-las, não vai viver ao estilo maison. Na casa nova mora uma tia velha a apodrecer de reumático


ou está pura e simplesmente fechada. Sobre a cidade, o urbanismo e o ordenamento do território A cidade monolítica, que cresce à custa da destruição de recursos naturais e de valores culturais, avançando no território sem olhar ao necessário equilíbrio energético e à sustentabilidade ecológica, está condenada. O desenho da cidade não se pode circunscrever a traçar zonas que definam as transformações do espaço edificado ou a edificar, mas, pelo contrário, deve comportar todo um sistema espacial definido por circunstâncias geográficas, ecológicas e culturais inter-relacionadas. O desenho de uma estrutura verde limitada à distribuição na cidade de parques e jardins públicos e ao embelezamento com plantas ou aos arranjos paisagísticos e outros ornamentos, deve ser substituído por um desenho global que se inspire na natureza, na cultura e na paisagem, desenvolvendo forças que permitam a vida e respondam à inquietação estética e às necessidades sociais e culturais da atualidade. O Plano Verde é um elemento fundamental na conceção dos espaços exteriores da cidade cuja autonomia de desenho é exigida pela natureza biofísica e cultural que lhe é própria e pela prática das artes que desde há muito servem a construção da paisagem viva. É, no entanto, necessário estender a todo o território urna política de ordenamento que possibilite a biodiversidade, o equilíbrio ecológico e a polivalência dos espaços. É necessário realçar que as cidades e vilas, ordenadas como conjuntos orgânicos a que corresponde sempre um certo princípio de organização social, nasceram integradas na paisagem rural. Os espaços verdes da cidade do século XXI, mais do que áreas residenciais implantadas como ilhas no interior do edificado, deverão, pelo contrário, organizar-se em corredores que, percorrendo a cidade, permitirão a existência de percursos e espaços de lazer, recreio e desporto livre, até se integrarem nas paisagens tradicionais dos campos limítrofes, constituindo com elas uma estrutura contínua que garantirá a sustentabilidade ecológica e física de toda a região.

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O novo conceito de espaço verde, para além de continuar a apoiar-se numa conceção estética que exalta o génio do lugar deverá ser polivalente no que diz respeito a proteção, recreio e produção. Trata-se da concretização da ideia de continuum naturale e sua interpenetração com o contínuo edificado numa conceção global de paisagem. A criação desta paisagem global exige uma política urbanística onde o espaço natural e o espaço edificado tenham valor idêntico. Por esse facto, a estrutura verde

não deverá ser concebida à posteriori, concretizada num mero “decorativismo vegetal”, em “arranjos paisagísticos”, na “vegetalização” e “enquadramento” de infraestruturas ou em “paisagismos pictóricos”, mas sim concebida como uma obra de arquitetura paisagista que se apoia numa participação interdisciplinar. Sobre os jardins do paraíso Quando se fala de distinção paisagística, amenidades e recursos da memória e do imaginário é quase obrigatória uma referência aos princípios éticos e estéticos enunciados pelo GRT a propósito dos seus jardins do paraíso que são uma espécie de poesia da natureza, um passeio romântico através de uma paisagem de inspiração estético-literária. Passemos em revista esses princípios e apreciemos a sua elegância. Em primeiro lugar, aposte na “sublimação do lugar” tornando-o ameno e feliz. Em segundo lugar, invista na presença da água, na sua


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conceitos de paisagem global e unidade de paisagem presidem à sua conceção do ordenamento e dos sistemas de produção. Ou seja, com GRT o fator ecológico, o fator produção e o fator cultura não estão compartimentados em silos administrativos e reclamam, por isso, uma outra conceção da política administrativa e da administração da política. Tão simples como isso.

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Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro, Querença

serenidade estética que confere um movimento ritmado e uma dinâmica musical ao jardim. Em terceiro lugar, invista em espécies que sublinhem a pujança da natureza e a sua diversidade biológica e que enaltecem o ritmo da vida. Em quarto lugar, tire partido da luminosidade natural dos espaços, o esplendor da luz é conseguido através do contraste sombra-claridade e da harmonia das cores. Em quinto lugar, deixe-se influenciar pela geometria e a profundidade das perspetivas, o recorte dos sucessivos planos valoriza distâncias e formas. Em sexto lugar, promova a integração do jardim na paisagem envolvente sempre que esta seja ordenada e bela. Em sétimo lugar, aceite a ordem natural como base da conceção do jardim, ou seja, deixe-se inspirar pela ordem da natureza. Em oitavo lugar, valorize os aspetos culturais da paisagem, pois a ordem cultural é a ordem da humanidade. Em nono lugar, evite os excessos e exalte a simplicidade no ordenamento das coisas, não faça decoração pela decoração, ou seja, decorativismo. Em décimo lugar, um jardim e uma paisagem são fruto de conceções e projetos e nunca de arranjos ou decorações, pelo que a sua grandeza e beleza decorre do que lhes é essencial na medida certa . A eloquência e a elegância destes princípios falam por si. Percebe-se agora melhor a razão pela qual os

Notas Finais Os sinais distintivos paisagísticos, patrimoniais e culturais são a imagem de marca de um território. Um desses sinais é a distinção paisagística. Ora, num tempo de turismo total não é apenas a gentrificação das vilas e cidades que nos deve preocupar, é, também, a ludificação excessiva e, sobretudo, o critério e o modo como dispomos e usamos recursos escassos como a água, o solo e a vegetação, no fundo a paisagem global que nos acolhe. Não simplifiquemos, pois. Todos nós somos, cada um à sua maneira, cuidadores da paisagem. Mas não nos iludamos. Há uma literacia própria da paisagem, que necessita de ser convenientemente abordada, sob pena de a nossa perceção da paisagem ser um crime de lesa-pátria e um mau serviço prestado ao país. Talvez seja o tempo de voltar ao unitarismo de outros tempos, regressando à política e às causas públicas, reabilitando o discurso ideológico sobre a ocupação do nosso território antes que o tenhamos de recuperar num qualquer leilão de ocasião aqui ou no estrangeiro. Recordemos GRT a esse respeito: O desenho de uma

estrutura verde limitada à distribuição na cidade de parques e jardins públicos e ao embelezamento com plantas ou aos arranjos paisagísticos e outros ornamentos deve ser substituído por um desenho global que se inspire na natureza, na cultura e na paisagem e responda à inquietação estética e às necessidades sociais e culturais da atualidade. O que une todas estas referências e citações? Julgamos que o humanismo integral, talhado na forma-conteúdo da ecologia humana, à medida de um homem único, onde tudo converge, a ciência e a técnica, a arte e a cultura, a estética e a ética, o todo numa mesma pessoa singular, o Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles.


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DIÁRIO DE CAMPO MESTRADO EM GESTÃO SUSTENTÁVEL DOS ESPAÇOS RURAIS

UALG CARTOGRAFA OPORTUNIDADES EM QUERENÇA

FONTE: Universidade do Algarve

A análise SWOT - que identifica forças, fraquezas, oportunidades e ameaças de uma ideia aplicada ao interior do país, repete o diagnóstico: falta de pessoas, de oportunidades, desertificação. A ciência não fornece para já a cura. Até lá, a Universidade do Algarve responde com o mestrado em Gestão Sustentável dos Espaços Rurais. «Vai ser um problema nosso nas próximas gerações. Somos de uma geração em que tínhamos seis irmãos e agora temos um filho. Portanto, o envelhecimento vai estar presente em Portugal e na Europa. Na minha faculdade, os mais novos têm 50 anos, e somos os mais novos, portanto, imagine os outros.» Há mais de 20 anos que Carla Antunes escolheu o Algarve para viver. É professora de Ordenamento do Território no curso de Arquitectura Paisagística da Universidade do Algarve (UAlg). Na penúltima semana de Abril, dividiu-se entre a sala de aula em Gambelas e a Fundação Manuel Viegas Guerreiro, que acolheu a Semana de Campo do mestrado em Gestão Sustentável dos Espaços Rurais. Maria Morão, 42 anos, é uma das cinco alunas deste mestrado. Está inscrita nas disciplinas de Ordenamento de Território e de PAC – Política Agrícola Comum, de

que são docentes Carla Antunes e Maria de Belém. Veio de Castelo Branco até Querença para colher mais conhecimento, trocar experiências com os colegas de mestrado e ouvir os oradores externos convidados para a Semana de Campo. Tem formação de base em Engenharia de Recursos Naturais e Ambiente e uma exploração agrícola em modo de produção biológica na zona de Castelo Branco: «Para mim nada disto é novo. Demos os mercados e comercialização, agricultura sustentável, mas o que mais me interessa é o ordenamento do território, que faz parte do nosso dia-a-dia. E esta parte da PAC, também. No meu caso, que estou na parte dos agricultores e, no caso deles, que vão trabalhar com essas pessoas, é super importante. Estamos a estudar a nova PAC e a perceber como é que podemos tirar mais-valias dos fundos comunitários.


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Aula de OT por Carla Antunes

Apresentação do aluno Miguel Teixeira

Mestrado à distância num mundo em mudança O mestrado foi desenhado em regime de e-learning há mais de dez anos pela equipa liderada por João Guerreiro, professor catedrático e, à data, reitor da UAlg. A formação coloca a tónica na sustentabilidade e na inevitabilidade da mudança. Carla Antunes concretiza: «Formatámos o mestrado para que quem tem esta formação consiga agir de uma forma mais consciente e sustentável do que agiria se não a tivesse, mas a aprendizagem não pára. O mundo está em mudança e a evolução é tão rápida que o que ontem era válido, daqui a dois dias se calhar já não é. Portanto, eles não podem tirar este mestrado e parar. Têm de acompanhar as evoluções e os paradigmas. A própria PAC, que gere o mundo rural em termos de plantações e gestão dos solos, está sempre a mudar. A faculdade e a universidade dão as bases para procurar, mas a procura tem que ser deles e contínua. Miguel Teixeira, 30 anos, reconhece-lhe as vantagens: «Tem-me indicado um caminho para atingir um futuro melhor, mais sustentável a longo prazo, através dos instrumentos de gestão que existem.» Miguel é de Loulé e decidiu inscrever-se neste mestrado para complementar os conhecimentos adquiridos na licenciatura de Agronomia. Conta-nos que é bolseiro no projecto Bridge: «Tem a ver com o risco de incêndio na serra de Monchique e a ideia é criar pontes entre as diversas instituições de gestão e as associações de produtores e moradores. Nota-se que há muita falta de comunicação entre essas entidades. Por exemplo,

há pessoas que estão a criar cisternas em certos locais, mas que os bombeiros desconhecem a sua localização.» Reunir para potenciar a aprendizagem «Esta também é uma semana para os alunos reflectirem. Fornecemos alguns artigos para lerem à noite. Por isso é que estão cá todos. Podem jantar juntos e falar sobre estas questões. Também vamos promover sessões de debate.» - acrescenta Carla Antunes. Rute Marques dá uma achega: «Estava a ver aqui com um colega - porque na minha área protejo pessoas e bens, ajudo-as em termos de defesa da floresta contra incêndios - estava a aconselhar o colega a dizer ao vizinho para fazer a limpeza da parte arbustiva e herbácea e a fazer uma poda nas árvores que lá tem. O vizinho tem uma pequena produção numa zona habitacional com laranjeiras e alfarrobeiras e comentava que tinha de abater as árvores para respeitar os 50 metros até à casa. Eu estive a medir e é residual. Se houver ali três ou quatro metros para limpar é muito. De qualquer forma, o que é importante é não haver continuidade horizontal em termos de herbáceas e arbustivas, portanto, ervas e matos, de maneira que se consiga ter uma redução de combustível grande, para haver oportunidades de combate. E também não haver continuidade vertical, de forma a que não cheguem chamas às copas e que não haja um incêndio de copas.» Rute tem 42 anos e trabalha no Gabinete Técnico-Florestal da Protecção Civil de Ourique. É bacharel em Engenharia Florestal e licenciada em Economia. Veio à Semana de Campo à boleia de Ordenamento


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Miguel Freitas com os alunos

Apresentação de Júlio Sousa

do Território, disciplina de opção no mestrado que está a frequentar em Geomática, na UAlg: «Inscrevi-me neste mestrado porque, na minha formação de base, tinha a lacuna em SIG - Sistemas de Informação Geográfica. Hoje em dia, toda a gente que trabalha em Ordenamento do Território, Protecção Civil, tem que ter SIG para produzir cartografia. É a base de tudo. Daí este mestrado.» - E Querença já existia no seu mapa? «Foi a primeira vez que vim a Querença. No início andei aqui um bocadinho perdida, para ser sincera, mas gostei muito de visitar a parte histórica. Achei pitoresco. O tempo não é muito e eu daqui a pouco vou ter de me ir embora, que o meu trabalho não me permite ficar mais dias.» Segundo a Rute, a frente de trabalho em Ourique excede o número de pessoas afectas ao território, mas diz-se dedicada de corpo e alma à Protecção Civil e, nos dias de hoje, com a matriz na sustentabilidade: «Hoje em dia tudo assenta na sustentabilidade. Com a industrialização e o aumento da população, todos os recursos que existiam foram sendo consumidos sem qualquer ordenamento. Verificámos com o tempo que há espécies que têm tendência para desaparecer e que estão muito reduzidas, daí a gestão sustentável, seja ela de que espécie for, flora ou fauna. Daí também a importância do ordenamento do território e a gestão sustentável: verificar o que é que podemos fazer, o que se pode retirar da terra que não se esgote e que crie riqueza. Não é fácil num concelho como o de

Ourique, mas esse estudo e esse esforço estão a ser feitos. Por exemplo, nestes últimos anos, demarcou-se o porco preto, registou-se a marca, apostou-se na produção de qualidade, ganhando em reconhecimento e escoamento do produto.» Tal como nas zonas rurais do Algarve e de Castelo Branco, Ourique também foi palco da saída de muitos jovens que, no regresso a casa, não encontraram emprego nas suas áreas de estudo. «Temos um grande núcleo de jovens em várias áreas, mas infelizmente não são em número suficiente. É uma câmara pequena, com poucos habitantes que não tem capacidade para ir buscar muitos mais, mas tem geógrafos, topógrafos, arquitectos paisagistas. O que é importante é que têm conseguido ir buscá-los.» Desenham-se novos projectos na paisagem rural. Maria é disso um bom exemplo. Dedicada à produção biológica, mantém na linha do horizonte o crescimento do interesse dos consumidores por produtos mais saudáveis. É um caminho longo e que não tem sido fácil, mas um olhar além-fronteiras pode trazer um novo alento: «Tenho uma exploração de olival e de ovelhas e as vendas são mais difíceis. Começámos a ir para o mercado na altura em que veio a covid-19, por isso foi mais complicado. Por outro lado, o biológico é muito ingrato porque o mercado é muito fechado. Quase toda a gente gosta do biológico mas a maioria não entende o que é que isso significa, que o seu valor é mais elevado. As pessoas comuns, com ordenados normais, nem sempre conseguem comprá-los. Por isso, quem compra


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Sessão com Raul Jorge, UL

representa um nicho muito pequeno, daí estarmos a tentar outros mercados. Com dez hectares de olival não posso, nem quero, competir com olivais super intensivos com 100, 200 ou 300 hectares. É impossível, nem tem nada a ver. É um produto completamente diferente.» sistematiza a Maria. O campo e a economia Conhecer o valor do produto é a grande lição do dia 20, com Miguel Freitas a dar uma aula para cerca de dez alunos no auditório da Fundação. O professor apresenta o retrato do sector no intervalo 2010-2020, com a floresta a registar um volume de negócio que ascende aos 7,5 mil milhões de euros. O antigo secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural defende: «A floresta tem uma importância vital para a economia do país e para o espaço rural. O valor da exportação atinge os 4,9 mil milhões com uma balança comercial muito positiva, ou seja, exportamos mais do que importamos, 2,5 mil milhões de euros.» A sessão continuou participada e a proximidade orador/alunos foi uma constante. Semana de Campo UAlg, as origens Regressemos às origens deste mestrado “à distância”. Carla Antunes “relê” esse capítulo: «Às tantas começámos a pensar que não tínhamos proximidade com os alunos e que não os conhecíamos até ao dia em que querem fazer a tese e vêm falar connosco. Foi aí que surgiu a ideia de criar uma semana de campo. Tentámos que os municípios do Algarve,

preferencialmente com espaço rural, nos acolhessem e nós, professores e alunos, estaríamos todos juntos nessa semana. A primeira edição aconteceu no concelho de Alcoutim e foi um sucesso. Conseguimos que cerca de sete alunos fizessem as suas teses de mestrado a partir de problemas detectados nesse território. A ideia é que apresentem trabalhos que vão ao encontro das necessidades dos concelhos onde se realizam as Semanas de Campo. «No caso de Querença ainda é cedo para falar, mas pareceu-me que a sessão sobre “Problemas e potencialidades do espaço rural – concelho de Loulé” foi muito valorizadora para o conhecimento da região. O Dr. Júlio Sousa é muito conhecedor dos problemas e das oportunidades. E é por isso que convidamos as pessoas do concelho, os técnicos das câmaras para dar estas palestras, porque são quem melhor conhece este território e pode despertar interesse nos nossos alunos.» As Semanas de Campo da UAlg configuram-se assim como uma ponte entre os estudiosos e a realidade do interior da região. «Para o espaço rural penso que tem todo o interesse que a Academia se aproxime do território e para a Academia também é interessante ter problemas reais, deixar de estar na sua cápsula e virar-se para os problemas que existem e que têm de ter uma solução. Não é de hoje para amanhã que vamos resolver os problemas, mas o caminho faz-se caminhando. Se estivermos de costas voltadas é que a situação se agravará cada vez mais.», conclui Carla Antunes. No final da semana, as aulas continuarão à distância para estes alunos de mestrado que, no início totalizavam 15 inscritos. «Tudo está em mudança» - ratifica - «e a Academia tem de continuar a monitorizar o território e suas gentes.» Lembremos uma das lições de Manuel Viegas Guerreiro a respeito do desenvolvimento rural, sustentável: «Possui cada região sua especificidade geográfica e o homem que nela se cria, particular cultura. (…) Nenhum projecto de desenvolvimento será viável se não se tiver em conta essa personalidade cultural.» Num olhar SWOT final, esse conhecimento será uma força e uma oportunidade.


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LIVROS USADOS DE QUERENÇA GANHAM NOVA VIDA «Temo o homem de um só livro» é a frase de Tomás de Aquino que dá mote à campanha de circulação de livros de Querença até à Casa do Meio-Dia, espaço da editora Sul, Sol e Sal em Loulé. A iniciativa teve início a 16 de Maio e uniu esforços dos dois agentes culturais que pretendem promover a leitura e reforçar a missão dos livros: a de serem lidos. É também uma forma de a Fundação dar um

destino útil às obras que não se enquadram na especialidade das suas bibliotecas. No espírito da tipografia e para assinalar a campanha, foram desenhados dois carimbos artesanais, um vermelho e outro negro, com as insígnias das entidades parceiras. A Fundação e a Sul, Sol e Sal preparam outros projectos para, a partir do livro e em conjunto, construírem novos diálogos entre culturas. Para escrever certo, mesmo que por linhas tortas. A PARTIR DO INTERIOR: DAQUI, SENTE O QUE VÊS Casa cheia na apresentação do mais recente projecto da associação Figo Lampo, Daqui, Sente o que Vês, a 19 de Março no auditório da FMVG. Três filmes, três pontos do barrocal e serra de Loulé, três peças culturais para sentir. Entre elas, o Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro (PEB-MGG) em Querença. Os três espaços pioneiros surpreendem o caminhante com uma peça artística disponível através de um código QR. O projecto permite vivenciar - fora de portas - uma criação artística de cariz site specific, ou seja, concebida unicamente para aquele local. A que pode ser visionada no PEB-MGG, na vertente Sul da Fundação teve a colaboração d@s alun@s da escola de Querença.


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ENCONTROS DA MENTE ENCHE AUDITÓRIO Problemática das demências e da memória reúne cerca de 80 pessoas, a convite da UAlg e da União de Freguesias de Querença, Tôr e Benafim. O encontro de dia 2 de Abril, em Querença, resultou do 3.º ano da licenciatura de Ciências da Educação e da Formação - Práticas Profissionais em Educação. Marcaram presença, entre outras entidades, a Alzheimer Portugal e a Cruz Vermelha. Metade dos participantes eram de Querença. A conferência antecedeu uma accão de formação, para cuidadores formais e profissionais das instituições sociais locais.

RENTRÉE DAS SESSÕES DO CLAS EM QUERENÇA Leonarda Guerreiro, a três meses de completar 99 anos, veio de Benafim a Querença para abrir, com uma lengalenga, a sessão do Conselho Local de Acção Social de Loulé. Participaram cerca de 70 representantes no encontro de 7 de Junho. Os trabalhos foram orientados por Ana Machado, vice-Presidente da CML. Além do Plano de Actividades para 2022, foi apresentada a Prova de Aptidão Profissional do aluno Tiago, finalista da Esc. Sec. de Loulé. Os artistas Ti Maria e Ti Manuel foram mobilizados para trazer animação ao encontro.

WORKSHOP DA UALG EM DOSE DUPLA NA FMVG Gonçalo Alves, consultor na área da floresta, território e energia, e Pedro Curto, da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais foram os oradores convidados para dois workshops realizados na FMVG no dia 27 de Junho. A formação decorre do projecto Valorização e

ENCERRAMENTO DO ANO ESCOLAR EM QUERENÇA Não há como ignorar. O Verão chegou e Querença perde um dos sons que mais a caracteriza: o das crianças da escola de 1.º ciclo e Jardim de Infância. A Fundação, casa de inúmeras actividades desenvolvidas em conjunto ao longo do ano lectivo, no âmbito da literacia emergente, da promoção da leitura e do ambiente recebeu também em 2022 as aulas de inglês e teatro, complementares ao ensino regular. No encerramento, voltou a ser palco de celebração: cinema, entrega de diplomas, mostra de projectos e retrospectiva dos melhores momentos.

Aproveitamento da Floresta Mediterrânica, o caso do Concelho de Loulé, desenvolvido em parceria com a UAlg e a autarquia local. Estiveram presentes entidades ligadas ao território, ambiente, agricultura e floresta, entre associações e órgãos do poder local.


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ESCAPARATE

Nos versos que escreve, Ana Sofia Brito procura dar voz a quem não a tem, uma ligação entre os invisíveis e o resto do mundo. «É como se tivesse o poder de eternizar algo que sem isso seria esquecido», partilha. «É esse o poder do contador de histórias: trazer o invisível para o campo de visão de quem lê».

Vencedor do Prémio LeYa 2021, o romance percorre episódios da vida portuguesa ao longo de cinco décadas – das movimentações na raia transmontana durante a Guerra Civil de Espanha à morte de Sá Carneiro. Revisita também o massacre de um grande número de nativos forros.

Praga, 1895. Franz, um rapaz de 12 anos, brinca numa praça. Corre com uma corda, fazendo-a serpentear por entre os transeuntes. O jogo atinge o seu ponto crítico quando alguém pisa a corda inadvertidamente. Franz sente a tensão, suspende a corrida e concentra-se para o último nível do jogo: a força única.

O livro faz uma abordagem sistémica ao sistema lagunar da Ria Formosa. Ferramenta de consulta para as questões ambientais costeiras, transmite conteúdos com uma linguagem simples, mas cientificamente correta. Cada capítulo contém a explicação de conceitos menos comuns e um glossário.

Concerto literário, musicado ao vivo, com leituras de textos pelos seus autores, Tapa-Esteiros é livro físico e contém 13 poemas em prosa. Garante acesso digital às músicas originais compostas para cada texto, reproduzidas através de um vídeo que reúne imagem, música e texto. Resulta da vontade dos autores, da CanalSonora, do In Tento Trio e da editora audiovisual Adela Sevilla/Edita Marketing.

Ninguém quer saber dos esqueletos que dançam nos cantos da casa: alfinetes, vozes de crianças, flores de compaixão que sabem a chamas. O melhor será varrer os despojos para debaixo do tapete. Ninguém os verá, mas tu sabes que os fantasmas estão ali, cobertos por fatiotas de ironia. É preciso preservar o manuscrito ainda inédito.


POSTAIS

DO ALGARVE

« O barrocal algarvio, o famoso território árido e doce onde habitam as alfarrobeiras, as amendoeiras e as figueiras do sul, conhecidas em todo o país. (...) Eu fazia como nosso cicerone abalizado e esmagava entre as minhas mãos, saboreando o perfume exalado, as flores, as folhas, alguns frutos e bagas dos arbustos que nos ia indicando, a aroeira, a avenca, a erva-cavalinha, e erva-moura, o

funcho, a esteva, que eu conhecia do Alentejo, a erva-de-São João, a erva-prata, a macela, a arruda, o rosmaninho, a murta, inúmeras outras, algumas venenosas, como a folha de loendro ou o trovisco. Muitas delas tinham composto o cardápio de unguentos, chás e pomadas com que as famílias da serra confeccionavam os seus remédios tradicionais, para si e para os animais. MIGUEL REAL

O Algarve, que vive como nenhuma [província] a poesia de um doce mar – e que, desde que o Sol se levanta e o céu se transforma numa abóbada dourada a descer a Terra, em todos os tons de rosa e comoção até que o Sol se põe numa tranquila morte de lilás, entre os perfumes do mar e dos vegetais que o calor torna doces e cariciosos -, o Algarve é um «país» diferente. Ao Algarve se chamará, mais com propriedade, não a província do Algarve mas o reino NATÉRCIA FREIRE dos Algarves.

Venham ver! Venham ver! Nestes caminhos chove oiro, chove azul: a terra abrolha!... Para quem ouve, tantos borborinhos! E que deslumbramento p’ra quem olha! Azul, onde mergulham passarinhos, tão azul! que o olhar se lustra e molha, o sol se banha, e as nuvens abrem lindos panejamentos brancos de Sorolla. Tudo inefável, húmido a escorrer… Dá-se beijos no ar, beijos nos filhos, e os olhos estão líquidos de ver… Senhor! da lama vil das estrumeiras, até os vermes feitos amentilhos, vieram pendurar-se às aveleiras! EMILIANO DA COSTA


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