JOSÉ FORJAZ
Octávio Lixa Filgueiras (1922-1996) – Mestre “Fil” Naqueles anos 50 e 60 todos nos conhecíamos. Todos conheciam todos: arquitectos, pintores, escultores, professores e alunos, o Tino e o maquetista do gesso, mesmo ali ao lado no Rodrigues de Freitas. Naturalmente que havia afinidades electivas, por fortuitas razões ideológicas ou políticas, sociais ou mesmo sentimentais. O Fil, assim todos o chamávamos, era mais reservado, com mais responsabilidades exteriores ao nosso círculo mais restrito, mas com o mesmo grau de participação nas ferozes e permanentes controvérsias que se alimentavam nos dias e noites de discussão com epicentro no Majestic. Por razões para mim pouco claras, um dia convidou-me ele, era eu ainda estudante, para o ajudar, dentro das suas responsabilidades como arquitecto das Caixas de Previdência, e foi-me passando pequenos projectos de residências económicas para zonas peri-urbanas na região norte do país. Aprendi muito nas conversas com ele sobre uma arquitectura válida aos níveis mais baixos da economia portuguesa e o problema da habitação foi, talvez com essas razões um interesse constante e permanente que definiu muito da minha vida como arquitecto. Já professor de Arquitectura Analítica, convidou-me ele algumas vezes para o apoiar nas suas aulas reconhecendo-me um interesse particular pelas tecnologias construtivas da arquitectura grega e romana. Talvez venha, sobretudo daí, uma proximidade que arriscaria chamar de camaraderie, que mantivemos depois durante muitos anos, mesmo quando, tendo eu já voltado para África, o visitava quer em sua casa quer na York House em lisboa, onde se hospedava quando tinha de cumprir com as suas responsabilidades como zelador do património nacional construído. Como interesses comuns juntava-se, também, a minha paixão pela arquitectura naval e em geral por barcos com a sua expertise em etnografia, história e tecnologia de construção das embarcações tradicionais da costa e das águas interiores portuguesas. Mas foi como pensador da função social do arquitecto que a profundidade da sua reflexão mais clara e fortemente me influenciou e ajudou a formar, numa altura em que as escapadas para um esteticismo menos socialmente preocupado encontrava justificação na brutalidade provinciana do regime. Hoje, mais do que então, essa responsabilidade encontra razões mais vastas e universais pois se tornou evidente que ao arquitecto se impõem dimensões novas e menos explícitas há 40 anos: a sua parte de responsabilidade pelo equilíbrio ecológico e, em última análise, pelo habitat humano em toda a sua extensão funcional e geográfica. E, porque a arte da arquitectura é aquela que, em todas as suas dimensões mais influencia a sociedade e afecta o ambiente, o problema é agora tão vasto que obrigada a que cada decisão técnica ou artística seja considerada na sua consequência social e ecológica. Foi isto que aprendi com o Mestre Fil. José Forjaz Porto, 26 de Junho de 2017
Testemunho proferido na segunda sessão de encontros programados no âmbito da exposição Octávio Lixa Filgueiras: o Habitat da Modernidade Casa-Atelier José Marques da Silva 26 de junho de 2017