Título: Pensar Direito 8 CRED-DM: Centro de Reflexão, Estudo e Difusão do Direito de Macau Fundação Rui Cunha Conselho de Administração: Rui Cunha (Presidente); Rui Pedro Cunha, João Tubal Gonçalves (vice-presidentes); Isabel Cunha, Connie Kong (vogais) Director Executivo: Filipa Guadalupe (filipa@fundacao-rc.org) Colaboraram nesta Edição: Vera Lúcia Raposo, Teresa Lancry A. S. Robalo e Miguel Manero Lemos Tradução : Zhen Yishu (Teresa) Capa: Frc Global Communication Ltd Ilustração, Paginação e Tratamento de Imagem: Frc Global Communication Ltd, Carlos Canhita e João Ruivo Telefone: (853) 28923288 Email: cred-dm@fundacao-rc.org Correio: CRED-DM – Publicações, Fundação Rui Cunha, Avenida da Praia Grande, nº 749 – R/C, RAEM, RPC Sede, Administração, Publicidade e Propriedade: Avenida da Praia Grande, nº 749 – R/C, RAEM, RPC Propriedade / Editora: Fundação Rui Cunha Data: Outubro de 2015 Tiragem: 200 ISSN: 2307-9339
PESSOA COLECTIVA DE UTILIDADE PÚBLICA ADMINISTRA TIVA 行政公益法人 BOLETIM OFICIAL Nº21, II SÉRIE DE 21/05/2014
二零一四年五月二十一日澳門特別行政區公報第二組第 21期
ÍNDICE
A PROVA EM PROCESSO PENAL POR ENTRE AS ENTRELINHAS DO CPP
NOTA DE ABERTURA
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EDITORIAL
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A PROVA GENÉTICA EM PROCESSO PENAL – IS CSI FOR REAL?
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ALGUMAS REFLEXÕES EM TORNO DA TEMÁTICA DAS PROIBIÇÕES DE PROVA A UTILIZAÇÃO DE IMAGENS EM PROCESSO PENAL
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PROPORCIONALIDADE, OBTENÇÃO, VALORAÇÃO. A PROVA EM PROCESSO PENAL.
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NOTA DE ABERTURA Durante a semana de comemoração do III aniversário da Fundação Rui Cunha, o CRED-DM – Centro de Reflexão, Estudo, e Difusão do Direito de Macau realizou a segunda conferência das Jornadas de Processo Penal. Nesta segunda sessão, tivemos como oradores convidados, os Senhores Drs. Pedro Leal e Miguel Manero de Lemos. A moderação ficou a cargo da mentora destas Jornadas, a Senhora Doutora Vera Lúcia Raposo. O Senhor Dr. Pedro Leal, ilustre advogado em Macau, e profundo conhecedor do Processo Penal na RAEM, analisou os principais problemas práticos que a prova criminal suscita no sistema do Território, enquanto o Senhor Dr. Miguel Manero de Lemos, docente na Faculdade de Direito de Macau, focou a sua intervenção na análise das ideias de proporcionalidade e adequação em matéria de prova. A matéria da prova em processo penal é uma das mais importantes na prática, podendo até ditar o desfecho do caso, mas, curiosamente, uma das menos desenvolvidas nos programas académicos das universidades. Contudo, o debate na comunidade jurídica é intenso: de um lado os que clamam por medidas drásticas na mira de diminuir a criminalidade; por outro, os doutrinadores dos direitos fundamentais, atreitos a qualquer restrição, por mais elevados que sejam os valores a atingir. Será que o Código de Processo Penal já foi longe demais ou será que ainda ha espaço para ir mais além? Com uma audiência curiosa e interventiva, o debate foi vivo e esclarecedor, enriquecendo ainda mais, a temática em discussão. Uma vez mais realizámos esta conferência com tradução simultânea para chinês, procurando, desta forma, alargar e abrir o debate a toda a comunidade local. Para memória futura, fica a presente publicação, em versão blingue, com o que de essencial se abordou. Em nome do CRED-DM e da Fundação Rui Cunha, resta-me agradecer, novamente, aos ilustres oradores, Drs. Pedro Leal e Miguel Manero de Lemos, assim como à ilustrissima moderadora e mentora destas Jornadas, Doutora Vera Lúcia Raposo. Para comentários, sugestões e/ou contributos editoriais, por favor não hesite em contactar-nos. O CRED-DM está em www.creddm.org e cred-dm@fundacao-rc.org
A Coordenadora do CRED-DM
Filipa Guadalupe
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EDITORIAL Para um jurista com formação em Portugal o primeiro contacto com o
ordenamento jurídico macaense apresenta-se confortavelmente fácil. De facto, uma abordagem superficial levaria a pensar que se trata de um mero copy/paste da legislação portuguesa e dos princípios e doutrinas prevalecentes em Portugal, que aprendemos na Faculdade e com os quais trabalhámos durante anos. Contudo, trata-se de um sentimento enganador e esta falsa segurança depressa é derrubada pela crescente percepção das particularidades do sistema jurídico macaense. Mas só um olhar mais atento permitirá vislumbrar soluções jurídicas novas, as quais resultam da confluência de distintas ordens legais e de várias percepções jurídicas. Porém, e não obstante tais particularidades, certo é que boa parte da doutrina e da jurisprudência referenciadas nos cursos de direito e nas decisões judiciais continua a ser a de matriz portuguesa, como se tais particularidades não fossem suficientes para ditar uma cultura jurídica própria. É incontornável que assim seja, em função das diversas analogias existentes entre ambas as ordens legais. Mais ainda: talvez não pudesse ser de outra forma, dado que os estudos especificamente dirigidos a Macau são ainda escassos e, por outro lado, as decisões judiciais concentram-se num número restrito de temas, deixando por abordar muitas outras questões, ao passo que em Portugal abundam textos doutrinais e decisões judiciais sobre todos os temas e para todos os gostos. Contudo, seria proveitoso para todos que se delineasse uma doutrina e uma jurisprudência especificamente macaenses. Reconhece-se, desde já, que no campo do direito substantivo e processual penal o cenário é bem mais rico do que em outras áreas do direito, dado que são várias as publicações especialmente referidas ao direito macaense, em boa parte devido ao esforço e dedicação do senhor Dr. Leal-Henriques, que tanto tem feito pelo enriquecimento do direito penal e processual penal em Macau (e, já agora, em Portugal, tendo muitos de nós estudado pelos seus livros). Contudo, reconhece-se que esta é uma missão que não pode recair numa só pessoa e que é tempo das gerações mais novas assumirem essa responsabilidade. Assim nasceu esta publicação e as jornadas que lhe deram sustento. Tudo começou com a ideia de um singelo evento sobre processo penal, a qual
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foi imediatamente acarinhada pelo CRED-DM (Fundação Rui Cunha). De modo que o meu primeiro agradecimento vai para esta instituição, nomeadamente ao senhor Dr. Rui Cunha e à senhora Dra. Filipa Guadalupe, que desde o inicio apoiaram este projecto. A ideia inicial era apenas discutir um par de temas controversos e relevantes em sede de processo penal, envolvendo na discussão teóricos e práticos deste ramo do direito. Foi assim que nasceu o evento “Por entre as entrelinhas do Código de Processo Penal”, no qual eu e a senhora Dra. Teresa Robalo debatemos o uso de imagens não consentidas e de material biológico do arguido como meios de prova em processo penal. O êxito deste evento levou à sua repetição alguns meses depois, desta feita com o senhor Dr. Miguel Lemos e o senhor Dr. Pedro Leal, que analisaram as ideias de proporcionalidade e adequação em matéria de prova e os principais problemas práticos que a prova criminal suscita no sistema macaense. É o resultado destas reflexões que se encontra coligido na presente publicação. Agradeço ao meus colegas, os senhores Drs. Teresa Robalo e Miguel Lemos, por terem passado a escrito as suas inquietações, ao senhor Dr. Rui Cunha, à Fundação Rui Cunha, ao CRED-DM, à senhora Dra. Filipa Guadalupe e, claro está, ao magnifico trabalho de tradução, que permite que no meio de tantas línguas, oficiais e não oficiais, todos falemos a uma só voz, ainda que em idiomas distintos.
O meu bem haja a todos. Macau, 22 de Junho de 2015.
VERA LÚCIA RAPOSO/ 黎慧華 Assistant Professor of the Faculty of Law of Macau University, China / 澳門大學法學院助理教授 Auxiliary Professor of the Faculty of Law of Coimbra University, Portugal / 葡國科英布拉大學法學 院助理教授 vraposo@umac.mo, vera@fd.uc.pt
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A PROVA GENÉTICA EM PROCESSO PENAL – IS CSI FOR REAL?1 VERA LÚCIA RAPOSO 黎慧華 Professora Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Macau 澳門大學法學院助理教授 Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal 葡國科英布拉大學法學院助理教授 vraposo@umac.mo, vera@fd.uc.pt
1. A utilização do ADN como prova no direito criminal A realidade imita a ficção televisiva e cinematográfica e cada vez mais a resolução de crimes se funda nas contribuições da genética forense, quer para incriminar os culpados, quer para exculpar os inocentes. Mediante o tratamento de vestígios biológicos deixados no local do crime2 (sangue, pêlos, esperma, urina, ossos ou restos cadavéricos, particularmente frequentes em homicídios e crimes sexuais) torna-se possível desenhar o perfil biológico da pessoa que aí terá estado – e, por conseguinte, face à qual se verifica a grande probabilidade de o ter cometido – e de seguida comparar esse perfil com o dos suspeitos. Mesmo que o perfil encontrado no local do crime não coincida totalmente com o de algum suspeito, é ainda possível determinar uma coincidência parcial, de forma a concluir que a pessoa que procuramos é seu familiar. Porém, o objectivo do direito penal não é o de descobrir a verdade material a todo o custo, mas sim o de alcançar uma verdade material que seja simultaneamente válida em termos processuais, ou seja, obtida com respeito pelos direitos fundamentais do arguido. Por conseguinte, há que analisar os benefícios deste meio de prova, confrontando-os com as suas implicações em termos de direitos fundamentais, tudo isto à luz da ideia nuclear de “due process”3.
1 O presente texto corresponde à conferência apresentada na Fundação Rui Cunha, CRED -DM, nas primeiras Jornadas do evento “Por Entre as Entrelinhas do Código de Processo Penal”. 2 O material biológico recolhido no local do crime - seja na vítima, seja em objectos - e que não se encontre previamente identificado é usualmente denominado “amostra problema”. 3
WILLIAMS et al, 2004: 11. Sobre o conceito de “due process”, RAPOSO, 2006: 3 ss.
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Não obstante todos os problemas que andam associados ao uso da prova de ADN – nomeadamente em sede de possíveis violações de direitos fundamentais – o seu uso em direito criminal encontra-se num crescendo, situação para a qual muito tem contribuído a crescente abertura a este meio de prova a que se vem assistindo nas várias legislações nacionais4.
2. Os meios proibidos de prova A matéria da prova conta com expressa regulamentação legal atendendo à sua importância na economia do processo, no desenrolar da investigação e no estatuto processual do arguido. No Código de Processo Penal de Macau (CPP5) a norma mais revelante é o artigo 113.º CPP, que nos fala dos métodos proibidos de prova6.
4 Assim sucedeu com a reforma da lei inglesa, o PACE, em 1994; com a lei francesa 2003239, de 18 de Março de 2003, cujo artigo 29.º veio alterar os artigos 706-54 a 706-56 do Código de Processo Penal francês; com o StPO alemão; e com as reformas do CP e do CPP português, aliadas à entrada em vigor da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, que aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal. Cfr. ETXEBERRIA GURIDI, 2007: p. 40 ss. 5 Doravante o Código de Processo Penal de Macau será referido pela sigla CPP, ao passo que o Código de Processo Penal português será referenciado pela sigla CPPpt. 6 Artigo 113.º (Métodos proibidos de prova) 1. São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral da pessoa. 2. São ofensivas da integridade física ou moral da pessoa as provas obtidas, mesmo que com consentimento dela, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível. 3. Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. 4. Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos no presente artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo. Sobre a correspondente norma portuguesa, o artigo 116.º do Código de Processo penal português, DIAS et al., 2009. Sobre os meios proibidos de prova em geral, GOSSEL, 1992.
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O artigo 113.º/1 do CPP começa logo por considerar nulas7 e sem nenhum efeito as provas obtidas contra o estabelecido na lei, dando a entender que nem mesmo com o consentimento do titular será possível admitir a sua valoração no processo. De facto, desde há muito que se entende que os métodos proibidos de prova mantêm o seu carácter interdito mesmo que o sujeito consinta, segundo a ideia de que o Estado nunca se deve degradar ao nível do criminoso, dado que, se assim não fosse, o arguido sentir-se-ia sempre pressionado a consentir, o que poderia obnubilar a sua liberdade de actuação e a suposta igualdade de armas. Para auxiliar o intérprete a densificar esta proibição genérica, o n.º 2 da norma enumera alguns (ou todos, permanecem dúvidas sobre a interpretação desta norma) desses meios proibidos de prova, cuja proibição radica no facto de atentarem contra direitos fundamentais do arguido. Assim, ao estabelecer as condições de validade processual da prova, esta norma determina igualmente as suas condições de validade material8. A esta proibição acresce a do n.º 3, que considera ainda nulas as provas obtidas com desrespeito pela privacidade do arguido (i.e., intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações), a não ser que este dê o seu consentimento ou que exista uma norma expressa a autorizar aquele meio de prova. Note-se que estas duas proibições não são equivalentes no seu sentido e alcance. Enquanto o n.º 1 da norma consagra uma proibição absoluta, uma vez que não se compadece com a sua realização em nenhuma situação, nem mesmo com o consentimento do arguido; já o n.º 3 estipula uma mera proibição relativa, o que significa que o meio de prova pode ser aceite caso o arguido nisso consinta ou exista
7 A nulidade da prova não limita os seus efeitos àquela específica prova em si mesma. De acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada (que os anglo-saxónicos designam de Fruit of the Poisonous Tree), a nulidade daquela prova contaminará as provas subsequentes obtidas por meio dela, por via de um chamado efeito à distância (fernwirkung). Suponha-se, por exemplo, que a partir de uma coincidência entre a amostra problema e o ADN do arguido a investigação consegue chegar a outros meios de prova (por exemplo, obtém um mandato de busca para a casa do arguido, onde a polícia acaba por descobrir a arma do crime), porém, por força da nulidade que marca a prova que deu azo a estas diligências subsequentes, essas outras provas tão-pouco poderão ser valoradas pelo juiz, dado que estão inquinadas pela nulidade inicial. 8
DIAS, 2004: 133.
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fundamento legal para tal9. Ora, a prova de ADN poderia ser remetida para o n.º 1 do artigo 113.º CPP caso se concluísse que consubstancia uma “ofensa à integridade física ou moral do arguido” (e apenas nessa hipótese, dado que as demais situações aí descritas em nada se relacionam com a prova de ADN). Contudo, a prova de ADN não aparece expressamente mencionada no n.º 2. É certo que a sua omissão deste elenco poderá não ser decisiva, dado que parte da doutrina entende não estarmos perante um enunciado taxativo, mas meramente exemplificativo10. Não é o mero facto de a prova de ADN não vir expressamente referida na proibição que, sem mais, legitima o seu uso, sob pena de desvirtuar os princípios que norteiam o processo penal11. Mas o que efectivamente releva para afastar a prova de ADN da sombra da proibição absoluta é o facto de este meio de prova não se poder considerar violador da integridade física ou moral da pessoa. Como exporemos neste estudo, a prova de ADN representa, quando muito, uma restrição aos direitos fundamentais do arguido, que não toca o seu núcleo duro e que, além do mais, se apresenta justificada (proporcional, necessária e adequada) face às circunstâncias envolventes e aos propósitos que se visam atingir. Resta analisar se a prova de ADN poderá ser remetida para a proibição relativa constante do n.º 3. De facto, a prova de ADN é susceptível de violar a privacidade da pessoa, nomeadamente, nas suas dimensões genética e corporal. Porém, faremos as seguintes salvaguardas a esta hipótese: i) não se violará a integridade corporal se a recolha se processar na mucosa bocal (como advogamos); ii) não se violará a intimidade genética se for utilizado exclusivamente ADN não codificante (como advogamos); iii) a prova será admissível se o arguido der o seu consentimento; iv) ou se existir uma lei que expressamente o preveja (como advogamos). De facto, alguns autores entendem que a forma de evitar que a recolha de
9 ALBUQUERQUE, 2009: 319. A distinção entre nulidade absoluta e relativa tem consequências determinantes, pois enquanto a primeira é insanável, já a segunda é sanável. Isto é, existindo uma prova absolutamente proibida pode tal nulidade ser de conhecimento oficioso do juiz, ao passo que tratando-se de uma mera proibição relativa o juiz só pode conhecer da mesma por via da sua arguição por parte dos sujeitos processuais (ALBUQUERQUE, 2009: 320). 10 Neste sentido, MONIZ, 2002: 254. Em sentido contrário, afirmando ser o elenco taxativo, GONÇALVES, 2009: 347. 11 Até porque, como refere Mário Ferreira Monte a propósito da correspondente norma do CPPpt, “nunca poderia ser interpretado no sentido de que em processo penal, para efeitos de provas, o que não for proibido será permitido. Desde logo não poderia ser assim pela própria Constituição” (MONTE, 2006: 255).
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ADN caia no âmbito de proibição do artigo 113.º CPP será obtendo o consentimento12, que aqui teria poder legitimante, dado não se tratar de um meio absolutamente proibido de prova. Ou, acrescentamos nós, se tal possibilidade estiver prevista na lei, desde que a respectiva recolha e análise sejam processadas com respeito pelos direitos e garantias do arguido. Nesta segunda hipótese poder-se-á prescindir do consentimento. Em suma, a recolha de ADN e a sua utilização no processo penal são susceptíveis de gerar dois grandes problemas13 à luz do artigo 113.º CPP: por um lado, a possível ofensa à integridade física; por outro, a intromissão na vida privada sem consentimento do titular. Contudo, e como demonstraremos no presente estudo, a prova de ADN não é reconduzível a nenhuma das proibições constantes do artigo 113.º do CPP. Ainda assim, algumas cautelas devem ser observadas para que de facto se possa considerar um meio de prova legitimo, matéria que trataremos igualmente de explorar neste ensejo.
II Jornadas PROVA EM PROCESSO PENAL - IS CSI FOR REAL? - Imagem 1
12
MONIZ, 2002: 254.
13 Sem prejuízo de outras questões que desenvolvemos previamente em RAPOSO, 2008 e RAPOSO, 2010.
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II Jornadas PROVA EM PROCESSO PENAL - IS CSI FOR REAL? - Imagem 2
3. O acórdão n.º 155/2007 do Tribunal Constitucional Em Março de 2007 o Tribunal Constitucional português (TC) brindou-nos com a sua primeira decisão relativamente à compatibilidade constitucional da extracção de material biológico numa investigação criminal, com o objectivo de posteriormente a utilizar para efeitos de uma análise de ADN. De facto, o acórdão n.º 155/200714 representa a primeira tomada de posição do Tribunal Constitucional português (TC) sobre esta matéria15, seguido pelo acórdão n.º 228/200716, ainda sobre o mesmo caso concreto e no qual se afirmaram, basicamente, as mesmas ideias. As normas cuja constitucionalidade estava sob avaliação eram o n.º 1 do artigo
14 100.
Acórdão do TC n.º 155/2007, de 2 de Março de 2007, comentado em RAPOSO, 2008: 99-
15 Note-se que nos referimos apenas à recolha e uso do ADN como meio de prova em processo penal, e não a outros possíveis usos de material genético, como por exemplo para efeitos de investigação da paternidade, os quais são alvo de um distinto enquadramento legal e judicial. 16
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Acórdão do TC n.º 228/2007, de 28 de Março de 2007.
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172.º e o artigo 126.º, ambos do CPPpt. A primeira das referidas normas versa sobre a sujeição a exame e coincide com o n.º 1 do artigo 157.º do CPP, segundo o qual, “[s]e alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido [...] pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”. Em contrapartida, o artigo 126.º do CPPpt, correspectivo do já referido artigo 113.º do CPP, refere-se aos métodos proibidos de prova. Ambas as normas arriscavam-se a ser julgadas inconstitucionais quando interpretadas no sentido de admitir a recolha e utilização de material genético como meio de prova em processo penal. Caso se concluísse pela violação de direitos constitucionalmente consagrados, e porque se tratava de direitos, liberdade e garantias, urgia verificar se haviam sido respeitados os pressupostos que legitimam interferências nos referidos direitos, de forma a poder falar-se de uma limitação de direitos constitucionalmente fundada, ao invés de uma violação inconstitucional de direitos. O TC entendeu que alguns direitos fundamentais do arguido - nomeadamente, e para o que aqui nos interessa, o direito à integridade física e o direito à privacidade - haviam de facto sofrido restrições, mas que as mesmas se revelavam proporcionais, adequadas e necessárias face aos fins em presença. Contudo, e não obstante a aparente legitimidade da análise de ADN efectuada no caso concreto, no final o TC declarou a inadmissibilidade da valoração da prova de ADN por ausência de um mandato judicial prévio à recolha do material biológico. Embora a decisão final – rejeição da valoração da prova de ADN entretanto obtida do sujeito, mas mediante a sua oposição - mereça o nosso aplauso, o mesmo não sucede com o raciocínio do TC para chegar até ela. Queremos ainda observar que em termos de opinião pessoal somos inteiramente favoráveis às análises de ADN e à criação de bancos de dados genéticos e de bases de perfis de ADN para fins criminais. Simplesmente, no caso concreto, não estavam preenchidos todos os pressupostos para a sua admissibilidade jurídico-constitucional, como passaremos a demonstrar.
4. A prova genética como uma violação do direito à integridade física? Para efeito deste direito a norma mais pertinente em discussão no acórdão era o artigo 172.º do CPPpt (artigo 157.º CPP)
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A jurisprudência constitucional portuguesa nunca se debruçara até ao momento sob exames de ADN para efeitos criminais, mas já se pronunciara sobre a realização de exames de sangue no âmbito de uma investigação da paternidade, tendo aí concluído que se trata de intervenções banais, na linha da tendência marcada pela jurisprudência do Comissão Europeia dos Direitos do Homem (ComEDH) e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), sendo que as apreciações feitas nesse ensejo não podem deixar de ser tidas em conta na presente análise. De facto, a jurisprudência de Estrasburgo tem entendido que os exames de sangue não se encontram abrangidos pela proibição decorrente do artigo 2.º/1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), que consagra o direito à integridade física e pessoal17. Seguindo o argumento a maiore ad minus a mesma conclusão deverá valer para a raspagem da mucosa bocal. O curioso é como a jurisprudência portuguesa tem oscilado de opinião a este respeito. Assim, o Tribunal da Relação do Porto (TRP)18 - que se pronunciou em recurso a favor da condenação deste arguido, tendo como base os resultados da análise do ADN obtida sem a sua anuência por meio de zaragatoa bocal - entendeu que a referida recolha não viola a integridade física da pessoa. Em contrapartida, o TC concluiu existir aqui uma restrição do direito à integridade física, porém, no caso legitima por dispor de fundamento legal. Esta é uma solução à qual não podemos aderir, não apenas porque desconforme com as anteriores decisões do TC no que respeita à recolha de material biológico do sujeito sem o seu consentimento, mas também porque o fundamento legal que o TC aponta na realidade não existe. O mais curioso é que existem decisões do TC em sentido contrário, isto é, onde se entende que a recolha de ADN não viola o direito à integridade física. De facto, em 1998 afirmava o TC num outro acórdão, este relativo a exames de ADN para determinação da paternidade: “Sabido que as ofensas corporais se podem revestir de gravidade 17
Caso X v. Áustria, processo n.º 8278/1978, 13 de Dezembro de 1979, ComEDH.
18 TRP, processo n.º 0546541, de 03/05/2006. Afirmou o tribunal que esta posição decorre do entendimento do legislador ordinário “ao estabelecer, como já consignado ficou, restrições ao direito à integridade corporal e à integridade de autodeterminação corporal, mediante a imposição de certas condutas e comportamentos, tendo em vista a salvaguarda de direitos, valores e interesses preponderantes, designadamente nas áreas da saúde pública, da defesa nacional e da justiça (...) Ora, a colheita de cabelos ou sangue, caso não consentidas, consubstanciam intervenções no corpo que, realizadas por perito médico com rigorosa observância das regras das leges artis, se podem e devem graduar como ofensas insignificantes (mínimas) do direito à integridade corporal e do direito à autodeterminação corporal, posto que afectam, transitória e momentaneamente, de forma muito reduzida, o corpo físico e o sistema volitivo do interveniente. Quanto à recolha de saliva ou de urina afigura-se-nos que nem sequer se pode considerar susceptível de ofensa o direito à integridade corporal do recorrente, mas tão só o direito à autodeterminação corporal, e em grau ou medida desprezível, isto é, irrelevante”.
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muito diversa, admite-se que se questione, desde logo, se o direito consagrado na da CRP abriga o seu titular de todas as ofensas, qualquer que seja a sua gravidade, tendo em conta a natureza, particularmente gravosa, das que o nº 2 do mesmo artigo 25º enuncia (…). Vem isto ao caso, pela circunstância de a situação em causa se traduzir num mero exame de sangue (análise), ou seja aquilo que, nos dias de hoje, se pode considerar, na linguagem da Decisão de 4 de Dezembro de 1978 da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, uma “intervenção banal (…). Ora, neste confronto de direitos e interesses, a normação ordinária pertinente não se afiguraria arbitrária ou gratuita se se entendesse limitado o direito do R. à sua integridade física, tendo muito especialmente em conta, por um lado, o objectivo da norma que admitiu o exame de sangue como meio probatório na acção de investigação de paternidade e os efeitos, em sede probatória, da recusa em efectuá-lo e, por outro, o grau mínimo de ofensa corporal em que se traduz esse mesmo exame. Violado não é, assim, o art. 25.º da CRP pelos arts. 1801.º do Código Civil e 519.º/2 do CPC [o TC refere-se às normas do ordenamento português]”. Embora esta decisão tenha sido proferida a respeito da recolha de ADN para efeitos de investigação da paternidade, certamente que a mesma valoração se aplica à investigação criminal, até porque nem se pode dizer que o estabelecimento da filiação biológica seja objectivo mais relevante do que a descoberta da verdade material em processo penal. A isto acresce a incongruência de considerar a raspagem da mucosa bocal violadora do direito à integridade física, mas não a recolha de sangue, o que não pode deixar de causar perplexidade. Em Macau não há notícia de alguma tomada de posição judicial sobre este assunto. A decisão que mais se aproxima ao nosso cenário é a proferida pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI), no recurso n.º 630/2012, de 09/01/2013, onde se lê: “A colheita da amostra de sangue, lato sensu, poderia eventualmente consubstanciar-se uma ofensa à integridade física, portanto, o acto de colheita da amostra de sangue cujo procedimento não satisfaz os requisitos legais poderia provocar a nulidade da prova, nos termos do 113.º do CPP”. Contudo, nem a raspagem de mucosa bocal coincide com a colheita de sangue (de resto, nem se percebe a utilização de um método tão intrusivo quando outros estão já disponíveis), nem o tribunal assumiu uma posição cabal sobre o assunto, pelo que a questão permanece em aberto. Concluindo, entendemos que a recolha de ADN por meio de raspagem da mucosa bocal não viola o direito à integridade física do sujeito19. Esta opinião não é absolutamente consensual, na medida em que alguma 19
RAPOSO, 2010: 935-945.
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doutrina entende que o direito à integridade física não protege apenas contra um determinado grau de ofensa, nem apenas contra aquelas que causem lesões corporais. Segundo esta tese, qualquer extracção de amostras biológicas - independentemente da forma como é executada e do tipo de amostra que se extraia – viola o direito em causa e integra o tipo de ilícito de agressão à integridade física, excepto quando se verifique uma causa de exclusão da ilicitude, como seja o consentimento20. Vejamos o que a este respeito diz a doutrina mais credenciada em direito criminal. Figueiredo Dias21 defende que nem todas as actuações que, em abstracto e por via de uma linha de causalidade, nos remetam para a esfera de protecção de determinado tipo legal, efectivamente nele se inserem, já que é ainda necessário ter em consideração a valoração social da conduta. Ou seja, nem todas as intervenções corporais lesam a integridade física, pois algumas delas, devido à sua insignificância, não poderão produzir tal efeito. Na mesma linha, afirma Roxin, que “[o] arguido não tem que colaborar com as autoridades encarregues da investigação mediante um comportamento activo; contudo, - para além da descrita investigação sobre o seu âmbito privado – deve efectivamente suportar ingerências corporais, que podem contribuir definitivamente para o reconhecimento da sua culpa” (tradução livre nossa)22. Posição semelhante se encontra presente na doutrina constitucional. Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentam a ideia de que o direito à integridade física não prejudica a consagração, para os cidadãos, de deveres legais de colaboração com o Estado na tarefa de realização da justiça. Afirmam os autores que o direito à integridade física não impede a consagração legal de deveres dos cidadãos suportarem intervenções no próprio corpo, no âmbito de uma actividade de colaboração com a justiça, “desde que a obrigação não comporte a sua execução forçada (sem prejuízo da previsão de uma pena em caso de recusa)”23.
20 MONIZ, 2002: 250 (“a recolha de amostras do corpo do delinquente constituiu um comportamento que integra o tipo legal de crime de violação da integridade física, a não ser que ocorra uma causa de exclusão da ilicitude como o consentimento”); FIDALGO, 2002: 122 ss. Contudo, e apesar do teor literal de ambos os textos, resta a dúvida sobre a que tipo de amostra biológica as autoras se referiam, dado o momento em que os textos foram escritos e a forma usual de recolher ADN à data: será que apenas se referiam à extracção de sangue ou também à raspagem da mucosa bucal? 21
DIAS, 2007: 291.
22
ROXIN, 2000: 120.
23
CANOTILHO & MOREIRA, 2007: 456.
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De facto, não obstante as normas consagradoras do direito à integridade física não conterem nenhum limite expresso a este direito, ele não pode (como de resto nenhum outro) ser entendido como inderrogável, sobretudo quando, como neste caso, o objectivo seja a manutenção da ordem pública e do bem-estar geral. Esta conclusão é particularmente acertada quando se trate de lesões ténues e reversíveis. Nesta linha, também nós entendemos que, na perspectiva dos direitos fundamentais, o direito à integridade corporal tem por efeito somente a proibição de intervenções que afectem a integridade física de forma não insignificante. Em contrapartida, as intervenções insignificantes – classificadas estas desde um ponto de vista objectivo e não do ponto de vista subjectivo da própria vítima – não afectam o direito fundamental, já que caem notoriamente dentro da ordenação ético-social da comunidade, pois mais do que a acção em si mesma o que releva é a percepção que a comunidade tem desta acção. Por outras palavras, conquanto o direito à integridade física nos forneça a garantia de não ser agredido no próprio corpo, não proíbe, ao invés, actuações distintas da agressão, mas com ela tão conexionadas que por vezes se confundem: as intervenções que tenham lugar no contexto de uma investigação criminal e que não ultrapassem o limite da necessidade, proporcionalidade e adequação. Esta expressão “intervenção corporal” - pretende exprimir as acções de investigação que tenham lugar sobre o corpo do arguido, destinadas a descobrir circunstâncias fácticas relevantes num processo criminal, cuja legitimidade está condicionada pelo referido princípio da necessidade em sentido amplo e, sempre que tal se justifique, sejam realizadas por um médico de acordo com as leges artis (uma cautela que, todavia, pode ser dispensada no quadro dos actuais métodos não intrusivos de recolha de ADN). A conclusão semelhante se chega por via de uma perspectiva que parta do direito criminal. Ou seja, apesar de o bem jurídico “integridade física” gozar da protecção dispensada pelo tipo de ilícito de ofensas corporais (artigo 138.º do Código Penal de Macau, CP), não se verificará qualquer ilícito-típico quando se trate de agressões praticadas com o consentimento do seu titular24, ou quando sejam tão insignificantes e gozem de tal aceitação social que o consentimento não seja exigível. De facto, o tipo de ilícito de ofensa corporal refere-se apenas a agressões que assumam determinado grau de relevância, nomeadamente por implicarem uma diminuição da substância corporal (perda de órgãos, membros ou pele) ou por não 24 O qual não pode atentar contra os bons costumes, sendo esta cláusula referida ao carácter irreversível da lesão e à respectiva gravidade. Cfr. ANDRADE, 1991: 159-160.
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se enquadrarem na cláusula de adequação social. A relevância da agressão haverá de ser valorada em termos objectivos (ou seja, imune à eventual maior sensibilidade de quem a sofre), embora atendendo às circunstâncias concretas do caso. A adequação social, por sua vez, prende-se com a necessidade e adequação da conduta para o bom funcionamento da comunidade25. Ora, a recolha de ADN por meio de raspagem de mucosa bocal não só se traduz numa intervenção corporal irrelevante atendendo ao seu grau de intromissão física, como, além do mais, considerando os fins que visa atingir (instrumento de descoberta da verdade num processo penal) goza igualmente de aceitação social26, pelo que não consubstancia o tipo de crime de ofensas corporais27. Certamente que se a recolha de ADN contar com o consentimento do arguido, ou for inclusivamente recolhida a seu pedido, nenhuma destas exigências se aplica. Mas tão-pouco está absolutamente impedida a recolha na ausência de consentimento. Porém, em tal caso sempre será de exigir uma disposição legal que preveja tal hipótese, o que, em nosso entender, não existia no ordenamento português antes de 2007, nem existe actualmente em Macau. Contudo, mesmo em presença de um justificativo legal poderão ainda assim surgir problemas caso o arguido se recuse (inclusivamente fisicamente) à recolha de ADN e as autoridades policiais se vejam na iminência de usar a força física para o forçar a tal, pois que também aqui podemos deparar-nos com problemas do ponto de vista constitucional e criminal. Perante tal cenário não será legítimo proceder à recolha de ADN, mas tão-só aplicar o tipo legal de desobediência (artigo 312.º CP). A partir daqui o juiz pode apenas valorar a recusa do sujeito, segundo a margem de livre apreciação da prova que lhe é legalmente garantida (artigo 114.º do CPP28) e retirar daí as devidas consequências em sede de condenação ou absolvição.
5. A prova genética como violação do direito à integridade moral? A violação da integridade moral do arguido envolve o atentado a bens não físicos da
25
DIAS, 1975: 153-154.
26 Seguimos de perto os critérios de FARIA, 2005: 315 ss. e de MORA SÁNCHEZ, 2001: 103104 sobre a cláusula de aceitação social. 27 Em sentido contrário, defendendo a ilegitimidade criminal da recolha de ADN (embora não seja claro se esta proibição incluirá também a mera raspagem da mucosa bocal) FERNÁNDEZ GARCÍA 2002: 152; FIDALGO, 2006: 122 ss. e MONIZ 2002: 250. 28
26
MENDES, 2010: 997 e ss.
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pessoa29, isto é, à sua personalidade, pelo que ocorre sempre que estejamos perante “quaisquer formas de denegrir a imagem ou o nome da pessoa ou de intromissão na sua intimidade”30. No fundo, consubstancia a violação de vários outros direitos fundamentais, porquanto traduz o direito geral ao bem-estar corporal e psíquico31. É difícil ver em que medida a recolha de ADN pode eventualmente configurar uma violação deste tipo. Tal só seria possível se a recolha de ADN se processasse por alguma forma de tortura, de resto proibida em vários documentos de direito internacional, ou se privasse o agente de algum órgão ou membro, o submetesse a doenças que diminuíssem o seu estado de saúde, lhe impusesse medidas causadoras de dor e sofrimento ou lhe provocasse prejuízo na sua aparência externa32. Ou então, numa outra dimensão do direito, se a recolha do material biológico fosse levada a cabo com total desrespeito pela autodeterminação do arguido em termos de participação processual. A informação ao arguido é uma peça fundamental para fundamentar a sua liberdade de participação processual e, por conseguinte, a sua integridade moral. “Ainda assim, sempre será de exigir que a pessoa esteja consciente do acto e do mesmo seja informada, quer da operação em si quer das suas repercussões, requisito este que se impõe, não por via do direito à integridade física, mas sim do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e do direito à intimidade corporal e genética”33. O dever de informação deve incluir as seguintes dimensões: i) a que processo se refere a investigação em curso; ii) quais os dados que serão obtidos a partir da sua amostra biológica; iii) qual o propósito dos dados recolhidos (ou seja, investigação criminal ou outro); iv) com que amostra problema será o seu ADN cruzado (se e na medida em que esta última informação não prejudique o desenrolar da investigação). O âmbito do dever de informação ao arguido deve ser especialmente amplo quando a respectiva informação genética venha a ser inserida numa base de dados de perfis de ADN
29
CANOTILHO & MOREIRA, 2007: 454.
30
MEDEIROS & MARQUES, 2005: 269.
31
MORA SÁNCHEZ, 2001:100-101.
32
RAPOSO, 2010:936.
33
RAPOSO, 2010:940.
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27
para efeitos criminais34. Quando assim seja, o dever de informação abrangerá ainda os seguintes elementos: i) informar o arguido de que o seu perfil genético será incluído numa base de dados; ii) de que, por conseguinte, vai ser cruzado com amostras-problema; iii) de que o seu material biológico será (eventualmente) criopreservado num biobanco.
6. A prova genética como violação do direito à reserva da intimidade da vida privada? 6.1. A intimidade genética Os dados genéticos são dados pessoais e, mais do que isso, pessoalíssimos (artigo 14.º da Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos da UNESCO, de 16 de Outubro de 2003), por isso merecedores de especial tutela a título de dados sensíveis (artigo 7.º/1 da Lei n.º 8/2005, Lei de Protecção dos Dados Pessoais). Por conseguinte, a recolha de ADN representa uma restrição do direito à reserva da vida privada, mais propriamente, na sua vertente de intimidade genética35 e, eventualmente (dependendo do local da recolha), também do direito à intimidade corporal. A posição do TC português a este respeito é mais dúbia. Na verdade, a jurisprudência portuguesa nunca elaborou em detalhe sobre as várias dimensões daprivacidade genética36. No acórdão em análise, o TC limita-se a citar brevemente alguma doutrina portuguesa e as (escassas) tomadas de posição anteriores deste mesmo tribunal (mas que não se referem especificamente a esta questão). Conclui afirmando que “[a] já referida realização coactiva de um exame destinado à recolha de saliva para posterior análise genética, contra a vontade do arguido e sob ameaça do recurso à força física, consubstanciaria uma intromissão não autorizada na esfera privada do arguido”. Convenhamos que a análise do TC neste particular é demasiado superficial face à profundidade do assunto, nem sequer se percebendo ao certo se o 34 No presente texto não iremos analisar detalhadamente a questão da conservação do ADN em bases de dados de perfis de ADN para efeitos criminais, dado que a especificidade do tema clama por um local próprio. Remetemos, para este efeito, para o estudo que publicámos no Livro de Homenagem ao Prof. Figueiredo Dias, A Vida num Código de Barras, e bibliografia aí indicada. Porém, sempre teremos que referir no presente estudo, en passant, alguns aspectos da conservação de amostras biológicas e do armazenamento de dados, sob pena de não analisar o tema da recolha e análise de material biológico com a profundidade necessária. 35
RAPOSO, 2010: 946-954.
36 Ao invés do que sucede, por exemplo, com a jurisprudência espanhola. Sobre o direito à intimidade genética, vejam-se as sentenças do Tribunal Constitucional espanhol n.º 53/1985, de 11 de Abril de 1985; n.º 261/1998, de 24 de Novembro de 1998; n.º 55/2001, de 26 de Fevereiro de 2001; n.º 160/2003, de 15 de Setembro de 2003.
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TC considera efectivamente violado o direito à privacidade ou se se limita a fazer eco da argumentação do recorrente. Reconhece-se que os perigos em sede de intimidade genética são vários. Desde logo, a possibilidade de devassa dos aspectos mais íntimos da vida privada, transformando a pessoa humana naquilo que já foi chamado “cidadão transparente ou de cristal” 37. Mas também o perigo de eventuais discriminações genéticas em vários aspectos da vida, desde o mundo laboral aos seguros de saúde38. Todavia, sempre terão que se considerar legítimas algumas restrições ao direito à privacidade genética em face das finalidade em vista, sejam elas a recolha de sangue para efeitos de testes de alcoolemia39, ou para efeitos de exames médicos aos trabalhadores40, sendo que a mesma conclusão parece valer para a descoberta da verdade material em processo criminal. É certo que a analogia entre os dois exemplos supra citados e a recolha de ADN em sede de investigação criminal não é perfeita. Quer os testes de alcoolemia quer os exames laborais se apresentam menos intrusivos em termos de privacidade genética. Efectivamente, a investigação criminal apresenta particularidades neste ensejo, já que o tipo de exame realizado permite aceder a um maior e mais intimo leque de informações sobre a pessoa, para além de que, em muitos casos, tais informações permanecerão armazenadas durante um largo período de tempo nas bases de perfis genéticos. 37
ETXEBERRIA GURIDI, 2007: 48.
38
Cfr. GAULDING, 1995: 1646 ss.; HELLMAN, 2003: 77 ss.; KIM, 2002: 1497 ss.
39 “O direito à reserva da intimidade da vida privada – que é o direito de cada um ver protegido o espaço interior da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias; o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular (cf., sobre isto, o citado acórdão nº 128/92) – acaba, naturalmente, por ser atingido pelo exame em causa. No entanto, a norma sub judicio não viola o artigo 26º nº 1 da Constituição, que o consagra. De facto, não se trata, com o teste da pesquisa de álcool, de devassar os hábitos da pessoa do condutor no tocante à ingestão de bebidas alcoólicas, mas sim e tão-só (recorda-se) de recolher prova perecível e de prevenir a violação de bens jurídicos valiosos (entre outros, a vida e a integridade física), que uma condução sob a influência do álcool pode causar – o que, há-de convir-se, tem relevo bastante para justificar, constitucionalmente, esta constrição do direito à intimidade do condutor” (acórdão do TC n.º 319/95, de 20 de Junho de 1995). 40 “Mas o aludido direito não é absoluto em todos os casos e relativamente a todos os domínios e mesmo à submissão juridicamente obrigatória a exames ou testes clínicos – constituindo uma intromissão na vida privada, na medida em que aqueles se destinam a recolher dados relativos à saúde, os quais integram necessariamente dados relativos à vida privada – pode, em certos casos e condições, ser tida como admissível, tendo em conta a necessidade de harmonização do direito à intimidade da vida privada com outros direitos ou interesses legítimos constitucionalmente reconhecidos (v. g., a protecção da saúde pública ou a realização da justiça), desde que respeitado o princípio da proporcionalidade” (acórdão do TC n.º 306/2003, de 25 de Junho de 2003).
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Daí que especiais cautelas devam ser tomadas em consideração. Primeiro, apenas ADN não codificante deverá ser utilizado41. Segundo, as informações resultantes do material genético devem ser dissociadas da identificação do dito material e da própria identificação pessoal do sujeito42. Finalmente, há que garantir que os dados recolhidos somente serão utilizados em investigação criminal (resta saber se apenas naquela em curso ou igualmente em investigações futuras) e especialmente preservados da curiosidade das entidades patronais e das companhias de seguros. Estas cautelas foram, de resto, tidas em consideração pela Lei portuguesa n.º 5/2008, que estipula o seguinte: i) delimita o número e tipo de marcadores a utilizar, de forma a garantir que apenas se utiliza ADN não codificante; ii) assegura a dissociação dos dados resultantes desse ADN; iii) garante que tais dados apenas se destinam à investigação criminal. Se o uso de ADN em processo criminal respeitar os referidos requisitos cremos que, conquanto se verifique uma restrição do direito à identidade genética, será a mesma necessária, proporcional, adequada e justificada pelas finalidades em presença.
6.2. A intimidade corporal O direito à intimidade corporal traduz uma outra vertente do direito à privacidade, que pretende expressar o controlo individual de acesso ao próprio corpo, especialmente a zonas mais íntimas do mesmo43. Daqui decorre um direito à privacidade da informação relativa ao corpo, um direito de controlo físico de acesso ao corpo, e, embora mais contestados, um direito de exercer um poder pessoal e discricionário sobre o uso dos respectivos recursos genéticos e um direito de propriedade sobre os genes. Em Portugal existe escassa jurisprudência sobre este direito, que em Espanha conhece já amplo desenvolvimento. A principal ideia aí desenvolvida é a seguinte: a 41 Cfr. ETXEBERRIA GURIDI, 1998: 176 ss. Esta cautela tem sido especialmente afirmada pela jurisprudência alemã: decisão do Tribunal Supremo alemão de 21 de Agosto de 1990 e decisões do Tribunal Constitucional alemão 14 de Dezembro de 2000 e de 13 de Dezembro de 2005. 42 Sobre o procedimento de dissociação utilizado em Inglaterra e no País de Gales,WILLIAMS et al., 2004: 67- 68. 43
30
FIGUEROA YAÑEZ, 1999: 59-60; MORA SÁNCHEZ, 2001: 119.
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descontinuidade entre o espaço protegido por este direito e as fronteiras físicas do corpo. Ou seja, nem tudo se encontrará a coberto da privacidade, mas tão só aquelas zonas susceptíveis de afectar o pudor e o recato das pessoas44. Logo, se a recolha de ADN por via de pêlos da zona púbica afectaria este direito, já o mesmo não sucederá quando se processe por raspagens da mucosa bocal, sem prejuízo de nesta segunda hipótese se poder ainda afectar o direito à intimidade pessoal45.
7. A prova genética como violação do princípio nemo tenetur se ipsum
accusare? O princípio nemo tenetur se ipsum accusare46 materializa parte substancial da tutela providenciada ao arguido, tal como decorre dos artigos 49.º e 50.º/1 do CPP47, enquanto imposição de o arguido ser tratado como sujeito e não como objecto, e de qualquer contribuição sua para a investigação criminal dever necessariamente resultar de uma afirmação livre e esclarecida da sua auto-responsabilidade. Com base nesta proibição tem-se discutido se a utilização de ADN obtido a 44 Tribunal Constitucional espanhol, sentença n.º 37/1989, de 15 de Fevereiro de 1989. A mesma ideia em FERNÁNDEZ GARCÍA, 2002: 152. 45
Tribunal Constitucional Espanhol, sentença n.º 207/1996, de 16 de Dezembro de 1996.
46 Sobre este princípio, ANDRADE, 2004: 120 ss; COSTA, 2011: 117-183; DIAS & RAMOS, 2009; MACHADO & RAPOSO: 2009: 14 ss.; ROXIN, 2000: 115 ss. 47 Artigo 49.º (Posição processual) 1. Desde o momento em que uma pessoa adquirir a qualidade de arguido é-lhe assegurado o exercício de direitos e de deveres processuais, sem prejuízo da aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e da efectivação de diligências probatórias, nos termos especificados na lei. 2. O arguido deve ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, presumindo-se inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. Artigo 50.º (Direitos e deveres processuais) 1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito; b) Ser ouvido pelo juiz sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte; c) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar; d) Escolher defensor ou solicitar ao juiz que lhe nomeie um; e) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele; f) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias; g) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem; h) Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis.
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partir do corpo do arguido viola ou não este princípio fulcral do moderno processo penal. Porém, no já citado acórdão n.º 155/2007 o TC entendeu que tal violação não se verificava in casu48, seguindo assim a opinião já firmada pelo TEDH acerca do entendimento deste princípio. Segundo tal entendimento este direito apenas garante a liberdade de prestar ou não declarações, impedindo que as mesmas sejam coactiva ou fraudulentamente recolhidas do arguido (ou seja, impede que o arguido seja forçado a comportamentos activos), mas já não impede a recolha de informações a partir de elementos que existem independentemente da vontade do arguido e que este não pode controlar (ou seja, permite que o arguido seja forçado a comportamentos passivos), como sejam os seus vestígios biológicos. Esta dicotomia foi sufragada pelo TC, pela generalidade dos tribunais nacionais, pelos tribunais de outros ordenamentos vizinhos e pela jurisprudência de Estrasburgo. Por exemplo, o Tribunal da Relação de Évora afirmou que “[a]s provas existentes independentemente da vontade do acusado não dizem respeito ao direito ao silêncio e são excluídas do privilégio de não autoincriminação. Estão neste caso os documentos obtidos em virtude de um mandado, as colheitas de ar expirado, de sangue e de urina e tecidos corporais para análise ao ADN” 49. No mesmo sentido esclareceu o Tribunal Constitucional espanhol que a proibição contra auto-incriminações apenas se aplica às contribuições do arguido de efeito directamente incriminatório, não já a comportamentos que tenham por objectivo subtrair-se a diligências do tribunal50. Na mesma linha se encaminham as decisões tomadas à luz da CEDH. No caso Saunders v. Reino Unido51 o TEDH afirmou que o direito ao silêncio do arguido não proíbe que se recorram a meios de prova que existam independentemente da vontade deste, ainda que obtidos coercivamente, definição esta na qual se incluem as amostras biológicas. Já anos antes a ComEDH afirmara, a propósito dos testes de alcoolemia para efeitos de averiguação da taxa de álcool no sangue, que tais testes não equivalem
48
O raciocínio e argumentação do TC em RAPOSO, 2010: 957-960.
49
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 101/09.0GBMMN.E1, de 11/10/2011.
50
Tribunal Constitucional espanhol, decisão n.º 161/1997, de 2 de Outubro de 1997.
51 TEDH.
Caso Saunders v. Reino Unido, processo n.º 43/1994/490/572, 17 de Dezembro de 1996,
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a qualquer presunção de culpa atentatória da presunção de inocência52. Há que reconhecer, porém, que existe uma fragilidade neste entendimento, a qual radica numa distinção que é tudo menos evidente: a que separa os comportamentos activos do arguido dos seus comportamentos passivos, apenas no primeiro caso considerando existir violação do referido princípio, quando, afinal, poderá o arguido ser igualmente degradado a objecto neste segundo caso. De modo que a distinção entre comportamentos activos e passivos do arguido se revela claudicante, ainda que não seja totalmente desprezível que nos socorramos desta diferenciação de condutas. Contudo, outros argumentos podem ser avançados para sustentar que a recolha de ADN não viola a proibição de auto-incriminação53, tais como a natureza dual das provas de ADN, que tanto servem para incriminar como para exculpar54, pelo que podem ser classificadas como uma perícia de resultado incerto. Uma nota peculiar da lei portuguesa é a proibição de fundamentar uma condenação exclusivamente na prova de ADN55, que supomos ter sido decretada precisamente para salvaguardar este princípio. Porém, o que daqui resulta é, em boa verdade, uma desconfiança injustificada na prova científica, que mal se compreende quando se tem em conta que todos os dias os tribunais proferem condenação exclusivamente fundadas, por exemplo, na prova testemunhal ou no reconhecimento facial por parte da vítima, ambos meios de prova que sem dúvida apresentam um grau de fiabilidade bastante menor do que a prova de ADN56.
8. Existência de autorização legal? Aqui chegados concluímos que a recolha e análise de ADN é, de facto, susceptível de restringir alguns dos direitos fundamentais do arguido (o que, sublinhe-se de novo, não equivale a uma restrição ilegítima desses mesmos direitos) 52
Caso X v. The Netherlands, processo n.º 8239/78, 4 de Dezembro de 1978, CommEDH.
53 Em sentido contrário, sustentado a violação desta proibição, a não ser que a recolha de ADN conte com o consentimento do arguido, RODRIGUES, 2008: 193-199. 54 A função exoneradora do ADN tem sido especialmente profícua nos EUA, por força do Innocence Project, que conseguiu inclusivamente libertar muitos condenados do corredor da morte. 55
Sobre esta questão, LIGERTWOOD, 2011: 487-514.
56 http://www.innocenceproject.org/Content/Reevaluating_Lineups_Why_Witnesses_ Make_Mistakes_and_How_to_Reduce_the_Chance_of_a_Misidentification.php e http://www.innocenceproject.org/understand/Eyewitness-Misidentification.php (13/02/2015).
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e, por conseguinte, carece de expresso fundamento legal. Resta agora saber se o ordenamento jurídico de Macau fornece tal fundamento, uma discussão semelhante à que teve lugar em Portugal à data do acórdão n.º 155/200757. Um possível fundamento legal poderia ser encontrado nas várias normas que permitem a recolha da impressão digital58, seguindo o entendimento de que a identificação genética pouco se distinguiria da identificação civil, pelo que o regime previsto para esta última deveria ser analogicamente aplicado àquela primeira. Todavia, os perigos que a identificação genética comporta, ausentes na identificação civil, impossibilitam a aplicação analógica das normas da identificação civil à identificação genética. Uma das hipóteses mais plausíveis parece ser o próprio CPP, na parte em que impõe ao arguido deveres de colaboração. Por exemplo, o artigo 50.º/3/c do CPP inclui, entre os deveres do arguido, o de “[s]ujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente”59. Mas coloca-se a questão de saber se a recolha de vestígios biológicos se pode considerar uma “diligência de prova” para efeitos de esta norma. Por outro lado, o artigo 157.º/1 do CPP consagra obrigações processuais do arguido no específico campo da sujeição a exames: “Se alguém pretender eximirse ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”. Mas quer esta norma quer a anterior apenas se limitam a consagrar um dever geral de colaboração relativamente a obrigações previamente impostas por outras normas, sem que, em si mesmas, criem obrigação alguma60. Nem sequer pode considerar se tratar de um dever genérico de colaboração com a justiça, que nunca poderia ter validade para uma conduta com tão elevada potencialidade de perigos. Em Portugal tal fundamento legal foi encontrado pelo TC nas leis relativas a exames e perícias médico-legais e forenses. O 6.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto de 2004, que regula em Portugal esta questão, correspondia ao artigo 4.º do Decreto57
Analisando os vários fundamentos legais possíveis, RAPOSO, 2008: 102-105.
58 Nomeadamente o Decreto-Lei n.º 19/99/M, que aprova o novo regime de emissão do Bilhete de Identidade de Residente, e a Lei n.º 8/2002, que estabelece os princípios gerais do regime do Bilhete de Identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau. 59
Sobre a sujeição do arguido a estas diligências de prova, MONTE, 2006: 245-255.
60 A mesma ideia foi recentemente sublinhada pela Juíza Conselheira Helena Moniz, no seu voto de vencido ao acórdão do STJ n.º 14/2014, de 23/05/2014, a propósito da recusa do arguido em se submeter a uma perícia de caligrafia.
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Lei n.º 9/94/M, de 31 de Janeiro, ambos firmando a ideia de que “ninguém pode eximir-se a se sujeitar a qualquer exame que se mostre necessário para a instrução de qualquer processo e desde que seja ordenado pela respectiva autoridade judiciária”. Foi com base nesta norma que o TC entendeu que o arguido não se poderia eximir ao exame de recolha de ADN61, dado que esta seria uma cominação genérica para todo e qualquer exame. Contudo, este argumento não convence, dado que as especificidades próprias da análise de ADN impedem a sua remissão para uma previsão tão generalista quanto esta62. Por outro lado, e sobretudo, este argumento nunca valeria para Macau, dado que o referido Decreto-Lei n.º 9/94/M foi entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 100/99/M, de 13 de Dezembro, do qual está ausente uma norma com este teor. Logo, não existe actualmente fundamento legal para a recolha de ADN e sua utilização em processo penal no ordenamento jurídico de Macau63.
61 Ficando no ar a questão de saber se se trata efectivamente de um exame ou de uma perícia, sobre a qual já discorremos em RAPOSO, 2010. Sempre se diga, porém, que o legislador tende a usar indiscriminadamente ambos os conceitos, pelo que se pode aceitar que o “exame” referido na norma possa igualmente incluir perícias. 62 “Dadas as particularidades das análises de ADN para fins criminais, tudo aconselha a que sua recolha e tratamento encontrem fundamento jurídico numa lei especificamente emanada para esse efeito – e portanto moldada às suas particulares exigências – e não em legislação pré-existente, que se tente adaptar a uma realidade tão sui generis” (RAPOSO, 2008: 103). 63 Diferente é hoje o cenário em Portugal, por força das alterações legais entretanto verificadas. Assim, o CPP foi revisto em 2007 e hoje prevê expressamente esta possibilidade, nomeadamente no seu artigo 156.º/6 CPP (“Quando se tratar de análises de sangue ou de outras células corporais, os exames efectuados e as amostras recolhidas só podem ser utilizados no processo em curso ou em outro já instaurado, devendo ser destruídos, mediante despacho do juiz, logo que não sejam necessários”). Por outro lado, foi igualmente publicada a Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro (Aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal), que estipula que “A recolha de amostras em processo crime é realizada a pedido do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho do juiz, a partir da constituição de arguido, ao abrigo do disposto no artigo 172.º do Código de Processo Penal” (artigo 8.º/1) e “Quando não se tenha procedido à recolha da amostra nos termos do número anterior, é ordenada, mediante despacho do juiz de julgamento, e após trânsito em julgado, a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída” (artigo 8.º/2).
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9. A quem cabe a competência para realizar a prova de ADN?
9.1. A questão da necessidade da autorização judicial para a recolha de material biológico Uma questão que se levantou no acórdão n.º 155/2007 prende-se com a eventual necessidade de uma autorização judicial para a recolha do ADN, dado que no caso sub judice apenas existia um mandato do Ministério Público (MP). Para responder a este problema há que analisar se estamos ou não perante um daqueles actos que tocam tão intimamente direitos fundamentais do arguido que carecem de autorização do juiz de instrução. O artigo 269.º do CPPpt (Actos a ordenar ou a autorizar pelo juiz de instrução) inclui entre as competências do juiz de instrução a efectivação de exames e perícias (artigo 269.º/1/a/b). Por conseguinte, o TC português entendeu64, bem como a doutrina maioritária, que se impunha aqui a intervenção do juiz de instrução, uma exigência à qual a Lei n.º 5/2008 veio dar satisfação. Contudo, no CPP de Macau a norma correspondente ao artigo 269 do CPPpt é o artigo 251.º CPP e nele a referida diligência - efectivação de exames e de perícias - não está expressamente elencada na norma. Por conseguinte, o problema deve ser analisado à luz das funções que o processo penal atribui a cada destes sujeitos processuais. Recorde-se que o MP surge, no nosso (em Portugal e em Macau) processo penal, como o dominus do inquérito, competindo-lhe a responsabilidade pela investigação criminal, a qual deve ser pautada por estritos critérios de legalidade e objectividade. É certo que o legislador processual penal decidiu reservar alguns actos - nomeadamente, os que bulem de forma mais directa com direitos do arguido – ao 64 Quanto à questão da autorização do juiz, afirmou o TC: “Face ao exposto, só pode concluir-se que, contendendo o acto em causa, de forma relevante, com direitos, liberdades e garantias fundamentais, a sua admissibilidade no decurso da fase de inquérito depende, pelas mesmas razões que justificam essa dependência no caso dos actos que constam da lista constante do artigo 269º do Código de Processo Penal, isto é, por consubstanciar intervenção significativa nos direitos fundamentais do arguido, da prévia autorização do juiz de instrução. E, nem se diga que será suficiente, como aconteceu nos presentes autos, uma intervenção a posteriori daquele juiz, tomada na sequência de requerimento apresentado após a decisão do Ministério Público que determinou a realização dos exames que agora estão em causa, uma vez que a mesma não poderia desfazer a restrição de alguns dos direitos (v.g., o direito à integridade física ou o direito à reserva da vida privada) entretanto irremediavelmente afectados com a medida”.
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juiz de instrução. Mas sem que daqui se deva retirar qualquer desconfiança face ao MP, até porque este não actua como “advogado da acusação”, mas sim como o percursor da verdade, tendo obrigação de reagir (até exclusivamente) em nome e para defesa do arguido. Pelo menos é este o papel que lhe cabe de acordo com a função que lhe é atribuída pelo CPP, embora na prática nem sempre assim suceda, o que não deixa de configurar uma violação crassa do estatuto e da missão que o legislador lhe confere. Em Portugal, a tese dominante – no TC e na doutrina, mas igualmente acolhida pelo legislador – é a de que a íntima ligação entre a prova genética e os direitos do arguido exigem uma prévia intervenção judicial. Porventura a solução não poderia ser outra, atendendo ao já referido artigo 269 CPPpt, que expressamente atribui ao juiz de instrução a efectivação de exames e perícias. Diferentemente, no caso do ordenamento macaense, parece-nos que a solução poderia ser outra. Primeiro, porque a protecção que deve ser garantida ao arguido pode processar-se por outros meios. De facto, caso a lei que venha a regular esta matéria (porque exigimos uma regulação específica para esta questão) o faça com as necessárias salvaguardas – no fundo, as que referimos ao longo deste estudo – pode a prévia intervenção do juiz de instrução ser dispensada. Segundo, porque as próprias especificidades do ordenamento penal vigente em Macau o permitem, dado que neste particular se afasta da lei portuguesa. É certo que o artigo 251.º CPP não esgota as competências que o legislador penal atribui ao juiz de instrução, dado que lhe incumbem também, a título de exemplo, a recolha de depoimentos para efeitos de declarações para memória futura (253.º CPP). A própria alínea d) do n.º 1 do artigo 251.º abre a porta a outras competências que lei determine65. Mas, para efeitos desta alínea, sempre será necessário que uma lei venha expressamente atribuir a competência ao juiz de instrução, dado que o artigo 251.º CPP, só por si, não funciona como uma reserva genérica de competência. Terceiro, porque o processo penal não é um processo de partes, nem o MP pretende uma acusação desprovida de fundamentação. Logo, o MP tem legitimidade para ordenar as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que visam demonstrar a inocência do arguido, como pode ser o caso. Assim, em termos estritamente legais nada se opõe à competência do MP para este particular efeito. Resta saber – mas para tal seriam necessários estudos estatísticos de que não dispomos – se a prática do MP macaense efectivamente respeita as garantias de imparcialidade e o papel de defesa de direitos do arguido que legalmente lhe cabe.
65 “A prática de quaisquer outros actos que a lei expressamente fizer depender de ordem ou autorização do juiz de instrução”.
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9.2. O âmbito de actuação dos órgãos de polícia criminal Seja a decisão de ordenar a recolha de material biológico do MP ou do juiz de instrução, resta ainda ver qual o âmbito da liberdade de actuação policial neste ensejo. Note-se que uma coisa é a autorização do acto (pelo juiz de instrução ou pelo MP), outra a sua efectivação, que nos parece poder ser incumbida às polícias criminais. O n.º 1 do artigo 252.º CPP autoriza o MP a “delegar em órgãos de polícia criminal o encargo de proceder a actos de inquérito”, porém, salvaguardando (artigo 252.º /3 CPP), os actos da competência exclusiva do juiz de instrução (artigos 250.º e 251.º CPP), o recebimento de depoimentos ajuramentados, a assistência a exame susceptível de ofender o pudor da pessoa (artigo 157.º/2 CPP), a ordem ou autorização para revistas e buscas (artigo 159.º/3/4) e outros actos que a lei expressamente determine que sejam praticados pelo MP. No caso em análise nenhuma destas hipóteses se verifica. Nomeadamente, não se trata de exame susceptível de ofender o pudor da pessoa (como sucederia, por exemplo, com um exame ginecológico), nem de uma revista e busca. Logo, nada obsta a que a recolha do ADN - que, como veremos, materializa um exame, sendo a sua subsequente análise uma perícia – seja realizada por órgão de polícia criminal, sempre e quando se traduza na mera raspagem da mucosa bocal e não, por exemplo, na recolha de sangue, a qual, por ser um acto médico, exigiria a intervenção de um profissional de saúde. Contudo, a sua posterior análise - a perícia proprio sensu – já traduz uma actividade especializada, que não pode deixar de caber a técnicos especializados, em regra, do Instituto de Medicina Legal (sem prejuízo de poder ser igualmente atribuída a laboratórios privados).
10. A recolha de ADN
10.1. Métodos de recolha de ADN Não obstante a legitimidade em abstracto da recolha de ADN, que aqui sustentamos, sempre teremos que nos precaver contra a obtenção da amostra mediante algum dos métodos previstos no n.º 2 do artigo 113.º CPP. Assim, há que acautelar que o material biológico do arguido não seja recolhido com recurso à vis física, isto é, mediante “maus tratos, ofensas corporais”, por exemplo, a abertura forçosa do maxilar do arguido para forçar um cotonete na sua boca. Por outro lado,
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há ainda que garantir que não se recorrem a métodos ardilosos e enganosos, tais como a “perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação” ou a “promessa de vantagem legalmente inadmissível”. Entre os meios enganosos encontra-se a utilização do copo de água que foi gentilmente oferecido ao arguido para recolher o seu ADN. Este é um cenário frequente em vários filmes norteamericanos (bem como o uso da lata de refrigerante ou da beata de cigarro esquecida), à primeira vista “inócuo” por não envolver a integridade física do sujeito, mas que, todavia, se arrisca a contrariar o nosso ordenamento jurídico. De facto, parece-nos juridicamente mais congruente informar o arguido de que o seu ADN irá ser recolhido e quais as respectivas consequências (ainda que desta forma se tenha que recorrer ao uso dos meios de coerção que sejam processualmente legítimos), do que proceder pela calada, na mira de furtar a acção à oposição daquele. Se o material biológico do arguido for recolhido de qualquer uma das formas previstas no artigo 113/2 CPP seriamos remetidos para o pesado limite da proibição absoluta e, embora a prova de ADN, em si mesma, não se revele ilegítima, já a mesma poderá estar inquinada pelo método da sua recolha.
10.2. A informação a providenciar ao arguido Um sistema jurídico que se funde no consentimento para proceder à colheita do ADN esbarra muitas vezes com a recusa do sujeito, o que conduziu a formas menos claras de recolha, que operam por via indirecta: testes nos familiares que o consintam, análise de objectos pessoais do sujeito (fio dental, escova) ou de outros objectos que este tenha utilizado (um copo, um cigarro) ou produtos biológicos que lhe tenham sido extraídos para efeitos médicos (amostra de sangue destinada a análises clínicas). Todos estes métodos se tornam desnecessários nos sistemas legais que prescindem do consentimento, o que não invalida que não se continue a recorrer a estes subterfúgios se por qualquer motivo se quiser manter secreta a investigação. Todavia, parece-nos que a recolha do ADN deve ser sempre comunicada ao sujeito, juntamente com as consequências que advirão de um eventual resultado positivo. Deveria aliás, ser classificada de informação obrigatória, sob pena de vício processual. Constituiu uma maior violação dos direitos do arguido a recolha de ADN sem o seu conhecimento do que sem o seu consentimento, já que nos parece que os valores superiores aqui em causa suprem a falta deste último, mas não daquele primeiro.
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A igualdade processual de armas, corolário básico da estrutura acusatória do processo criminal, não se compadece com manobras fraudulentas e ardilosas por parte do Estado. Mas não o pode impedir de lançar mão do seu jus imperii, que lhe permite impor aos sujeitos medidas que ultrapassem a sua acção voluntária.
10.3. Exame ou perícia O moderno direito penal reconhece o arguido como sujeito processual (artigos 49.º/1 e 50.º/1 CPP), mas sem que isso implique que não seja igualmente meio de prova66 (artigos 49.º/1 e 50.º/3/c CPP), o que o obriga a sujeitar-se a exames e perícias67. Os exames estão essencialmente regulados nos artigos 156.º a 158.º do CPP e visam permitir ao juiz, por si mesmo, a observação de factos relevantes para a decisão, dado que não requerem conhecimentos especializados por parte do agente. Ao invés, as perícias (artigos 139.º a 149.º do CPP) têm lugar quando se exijam especiais conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos para apreciar certo facto. Os mais relevantes aspectos diferenciadores no que respeito aos respectivos enquadramentos legais prendem-se, por um lado, com a possibilidade (ou não) de constrição do arguido; por outro, com a forma de apreciação da prova. Assim, aquele que pretender recusar um exame ao qual seja legalmente obrigado “pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente” (artigo 157.º CPP). Resta saber se a recolha de ADN configura um exame que preencha estes requisitos e, concomitantemente, em que consiste tal constrição: se na mera cominação do crime de desobediência ou se o verdadeiro recurso à constrição física, como parece resultar do artigo 158.º CPP, que refere “o auxílio da força pública”68. No caso das perícias, ao invés, não prevendo a lei qualquer obrigação de sujeição, resta a mera condenação no crime 66
Assim também BRAVO, 2012: 9 ss.
67 Sobre a distinção entre ambas, DIAS, 2005: 179 ss.; RAPOSO, 2008: 86, 87; SILVA, 2002: 209 ss; FIDALGO, 2006: 134 ss. Quanto à análise do conceito de “search and seizure” contido no 4th Amendment da Constituição norte-americana e quais as condutas que podem ou não encontrar nesta expressão acolhimento legal, e, por conseguinte, sobre o âmbito de protecção do direito à privacidade e à integridade pessoal, GOLDSTEIN, 2013: 1155 ff. 68 A este respeito já declarou o Tribunal da Relação de Évora (processo n.º 8/10.8GATVR-A. E1 , de 13/12/2011) que “Aquele art. 8.º n.º 2 [o Tribunal refere-se ao artigo 8/2 da Lei n.º 5/2008] não permite que, em caso de recusa, o condenado possa ser forçado à recolha das amostras aí referidas; se essa fosse a intenção do legislador tê-lo ia dito, como o disse no n.º 1 daquele preceito”.
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de desobediência. Por outra parte, o resultado do exame está na plena livre apreciação do julgador (artigo 114.º CPP), como de resto, quase todas as provas em processo penal. Em contrapartida, o carácter técnico da perícia e os conhecimentos especializados que esta envolve subtraem-se à liberdade valorativa do julgador, que apenas poderá discordar dela se ele próprio possuir os conhecimentos específicos para tal (artigo 149.º CPP). Não é claro qual o enquadramento da recolha de ADN para efeitos de investigação criminal: tratar-se-á de um exame ou antes de uma perícia? Tendo em conta que a análise dos vestígios biológicos carece de conhecimentos específicos, não poderá ser outra coisa senão uma perícia69. Em contrapartida, a recolha do ADN, em si mesma, já poderá ser levada a cabo por um leigo, especialmente quando se resuma à raspagem da mucosa bocal, pelo que neste caso estaremos perante um exame70.
10.3. ADN recolhido no local do crime No que respeita ao ADN recolhido no local do crime pareceria trata-se de uma questão mais consensual, dado não envolver a integridade física nem a intimidade corporal da pessoal, bem como perde sentido a imposição de obter o seu consentimento. É certo que, segundo o princípio básico em matéria de provas deixadas no local do crime, tratar-se-ão de coisas abandonadas71 (excepto as que pertençam à própria 69
FIDALGO, 2006: 139; MELO, 2007: 496.
70 Seguimos a posição de Helena Moniz, para quem se trata de um misto de exame e perícia (MONIZ, 2002). 71 Porém, refutando que o ADN deixado no local do crime possa ser considerado uma “coisa abandonada”, GOLDSTEIN, 2013: 1166, 1167: “the abandonment theory overlooks a key distinction: when a human leaves DNA behind in his everyday life, it is not the same as surrendering DNA for evidentiary purposes. This distinction garners support from a careful reading of the Supreme Court’s decision in Cupp. In Cupp, the defendant walked into the police station with evidence literally on his hands in the form of a blood stain in plain view. However, the search in Cupp did not occur until after police seized and analyzed this evidence. The holding, which delayed the moment that the search occurred until the scientific analysis was conducted, implies that an additional, protected expectation of privacy exists for evidence when its incriminating character is not visible to the naked eye. This shows that there is an interest in keeping DNA from being scientifically analyzed, even though there may not be an interest in keeping the DNA within the body. This is a distinction most people undoubtedly understand, particularly in today›s society where popular media makes it quite clear that DNA searches are going to be analyzed as evidence for the purposes of prosecuting crimes. The way in which humans interact with and dispose of DNA, therefore, does not justify lowering the protections provided to DNA. In actuality, it implies that precedent requires DNA to be considered a search warranting the full protections of probable cause”
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vítima), não gozando das garantias de privacidade ou propriedade, logo, podendo ser objecto de qualquer investigação criminal, como de resto é corroborado pelos artigos 163.º/172 e 232.º do CPP73. O próprio artigo 156.º permite o exame de todos os vestígios encontrados no local do crime e os artigos 159.º e seguintes autorizam revistas e buscas sem consentimento. Porém, subsistem relevantes obstáculos em sede de privacidade genética74, especialmente face à possibilidade de a amostra recolhida pertencer a outras pessoas, que de modo fortuito passaram no local do crime e aí deixaram o seu ADN. Logo, o material genético encontrado no local do crime apresenta particularidades face a outros meios de prova aí encontrados 75. Desde logo, mesmo que se entenda que as referidas normas permitem recolher o material genético, persiste o problema da sua posterior utilização para investigação criminal, para o qual falta fundamento legal. Se transpusermos para este particular o regime previsto para as impressões digitais, a recolha e análise de ADN abandonado não suscitará problemas, dado que se admite, sem obstáculos e independentemente da vontade do sujeito, a análise das impressões digitais encontradas no local do crime76. Contudo, não é possível transpor analogicamente esta solução, dado que a informação recolhida da prova genética é incomensuravelmente mais reveladora do 72 Artigo 163/1 CPP (Objectos susceptíveis de apreensão e pressupostos desta) São apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova. 73 Artigo 232.º (Providências cautelares quanto aos meios de prova) 1. Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova. 2. Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior: a) Proceder a exames dos vestígios do crime, em especial às diligências previstas no n.º 2 do artigo 156.º e no artigo 158.º, assegurando a manutenção do estado das coisas e dos lugares; b) Colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição; c) Tomar medidas cautelares relativamente a objectos susceptíveis de apreensão. 74
RAPOSO, 2008: 92-93.
75
WILLIAMS et al., 2004: 80 ss.
76 Apontando as diferenças entra a amostra de ADN e uma impressão digital encontradas no local do crime, GOLDSTEIN, 2013: 1168, 1179. Sublinhando as semelhanças entre ambas, JÚNIOR, 2005: 96.
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que aquela que resulta da prova digital. Porém, desde que exista um fundamento legal específico para justificar a análise de ADN, tratar-se-á do processamento normal de qualquer meio de prova. Ou seja, a partir do momento em que a lei forneça o quadro legal necessário, o ADN encontrado no local do crime deverá ser processado e as respectivas diligências ser reduzidas a auto (artigo 257.º do CPP), podendo os órgãos de polícia criminal adoptar as providências cautelares necessárias e urgentes para assegurar a recolha de vestígios e manter incólume a cadeia de tutela77.
11. Considerações finais É inegável que a recolha de material genético para fins de investigação criminal, bem como o seu subsequente tratamento, afectam alguns direitos fundamentais do arguido e, por conseguinte, a própria estrutura processual, que no caso de Macau (como no de Portugal) se funda no conceito de arguido como sujeito processual78. Mas esta eventual limitação a direitos e princípios estruturantes do processo penal não se traduz numa violação ilegítima, na medida em que encontra justificação nas finalidades que se visam atingir com o uso da prova de ADN, nomeadamente, a realização da justiça, a descoberta da verdade material, a protecção da comunidade e inclusivamente a exculpação de pessoas acusadas injustamente. De facto, não esqueçamos que o ADN não serve apenas para apontar o culpado, mas também para proteger um inocente injustamente acusado ou mesmo já condenado. Sobre a preeminência destes valores, afirma Roxin – e precisamente a respeito da prova de ADN – que “na medida em que se impõe ao processado uma obrigação de tolerar, claramente se antepõe o interesse de descoberta da verdade ao interesse do processado em manter em segredo a sua informação corporal e a sua exclusão como meio de prova” (tradução livre), sem que o autor critique esta opção legal79. Se o ordenamento jurídico contar com uma norma legal que autorize a recolha e análise de ADN e regulamente os respectivos procedimentos (quem pode ser sujeito à recolha, por parte de quem, que tipo de ADN será analisado e recorrendo a que 77 Neste caso tratar-se-á de um dever, mesmo que ainda não tenham recebido ordens da autoridade judiciária competente para dar início às investigações (artigo 232.º/1/2/a) do CPP). 78 Sobre o estatuo de arguido como sujeito processual no ordenamento macaense, ASSUNÇÃO, 1996: 41-56. 79
ROXIN, 2000: 120.
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marcadores, com que requisitos e limites, em que condições, quanto tempo poderá o material biológico e respectiva informação ser armazenados) a prova genética poderá revolucionar a forma como realizamos a justiça penal.
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ALGUMAS REFLEXÕES EM TORNO DA TEMÁTICA DAS PROIBIÇÕES DE PROVA A UTILIZAÇÃO DE IMAGENS EM PROCESSO PENAL1 Teresa Lancry A. S. Robalo2
“A protecção da palavra que consubstancia práticas criminosas ou da imagem que as retrata tem de ceder perante o interesse da protecção da vítima e a eficiência da justiça penal: a protecção acaba quando aquilo que se protege constitui um crime” Acórdão do STJ de 28/09/2011
Sumário A questão central que nos ocupou ao longo deste texto foi a de esclarecer se imagens captadas sem o consentimento dos seus titulares podem servir de meio de prova em processo penal. Se é bem certo que, em princípio, tal não será admitido nos termos conjugados dos Códigos de Processo Penal e Penal, consubstanciando uma nulidade sanável, não menos certo é que, perante uma concreta causa de exclusão da ilicitude como a legítima defesa ou a justificação da conduta perante qualquer ramo do direito substantivo ou adjectivo já poderá o Tribunal atender a esse meio de prova para efeitos de julgamento. Concluímos, pois, que se por exemplo um vizinho fotografar ou filmar, às ocultas, um adulto encarregue de cuidar de crianças, poderão as imagens captadas ser utilizadas não apenas para permitir a abertura do inquérito, como ainda como meio de prova em sede de julgamento quando consubstanciarem um meio fulcral de modo a serem comprovadas ofensas exercidas sobre os menores, tudo sob uma lógica de ponderação de interesses. Palavras-Chave
1 Texto apresentado na Conferência organizada pela Fundação Rui Cunha a 2 de Dezembro de 2014, subordinada ao tema “A prova em processo penal. Por entre as entrelinhas do CPP”. 2 Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Macau. Mestre em ciências jurídicopenais.
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Meios de prova; imagem; fotografar; filmar; nulidade; consentimento; legítima defesa; ponderação de interesses.
I. Introdução São vários os casos noticiados pelos diversos meios de comunicação social que levantam ao jurista a dúvida de saber até que ponto poderão fotografias e vídeos de particulares ser utilizados como meios de prova em processo penal, nomeadamente perante a falta de consentimento por parte do visado3. São esses, entre outros, os casos de maus tratos a crianças por parte das respectivas amas ou outros cuidadores, em que vizinhos filmam os actos praticados e, com base nessas mesmas filmagens, são os agentes jurídico-penalmente responsabilizados pelos actos praticados4. É com base nesta constatação que procuramos determinar de que modo poderá ser contornado o disposto nos artigos 153.º, n.º 1 e 113.º, n.º 3 do Código de Processo Penal (doravante CPP), conjugados com o artigo 191.º do Código Penal (doravante CP), todos de Macau, permitindo que tal prova obtida mediante a violação do direito à imagem do arguido sem o seu consentimento poderá ser excepcionalmente válida ou se, pelo contrário, deverá ser considerada nula em todo e qualquer caso. Reza o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2011 que “a privacidade não é um espaço material estabilizado e fixo”, na medida em que existe uma “relatividade histórico-cultural da privacidade, isto é, a oscilação das fronteiras entre o privado e o público ao ritmo das transformações civilizacionais” 5. Procuraremos responder à questão de saber como compatibilizar uma tal afirmação com o disposto no artigo 113.º, n.º 3 do CPP, onde pode ler-se que “ressalvados os 3 A propósito da questão da utilização de imagens não consentidas como meio de prova em processo penal, atente-se, para além dos arestos citados no texto, ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/2/2011. 4 Vide, a título exemplificativo, http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=723561&tm=8&layout=122&visual=61, http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2013-07-06-ministerio-publico-acusou-mulher-que-tinha-creche-ilegal-de-2-crimes-de-maus-tratos, http://www.publico.pt/sociedade/noticia/tribunal-condena-ama-acusada-de-maustratos-a-dois-anosde-pensa-suspensa-1628279, http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1869283, acedidos pela última vez a 6 de Abril de 2015. 5 Atente-se que a utilização de jurisprudência portuguesa ao caso exposto é perfeitamente admissível, na medida em que os dispositivos legais vigentes no ordenamento jurídico-penal citados no presente texto são em tudo idênticos, tanto na sua letra, como na sua interpretação teleológicosistemática, à que resulta dos constantes no ordenamento jurídico português.
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casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.
II.
Enquadramento do problema à luz do Ordenamento Processual
Penal No n.º 1 do artigo 105.º do CPP, inserido no título das “nulidades” e sob a epígrafe “princípio da legalidade”, pode ler-se que “a violação ou inobservância das disposições da lei processual penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”, ao que acresce o seu n.º 3 segundo o qual “as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova”. No que diz respeito às proibições de prova, defende Maia Gonçalves que “as proibições de prova têm um relevante efeito dissuasor da violação dos direitos dos cidadãos, pois que as provas obtidas mediante a violação desses direitos não podem ser levadas em conta no processo, mesmo que assim seja sacrificada a obtenção da verdade material”, acrescentando, na esteira de Germano Marques da Silva, que “o Código de Processo Penal não considera a busca da verdade material como um valor absoluto”, de modo que apenas através de “meios justos, ou seja, meios legalmente admissíveis” poderá ser levada a cabo a procura da verdade dos factos6. Sendo certo que existem limites impostos à investigação penal no sentido da não aceitação tanto de provas obtidas por determinados meios como de determinados meios de prova tout court, importa começar por perguntar se o legislador processual penal admite a utilização de fotografias e vídeos como meios de prova de factos aptos a consubstanciar um determinado tipo de crime. Dispõe o n.º 1 do artigo 153.º do CPP que “as reproduções fotográficas (…) só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal”. De onde se depreende que aquelas podem servir como meios de prova, embora com limitações. Antes ainda de entrarmos na análise detalhada deste último dispositivo legal, não podemos deixar de o conjugar o artigo 113.º do CPP, nos termos do qual, a propósito dos métodos proibidos de prova, se dispõe no seu n.º 1 que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em 6 Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado – Legislação complementar, 16.ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 303.
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geral, ofensa da integridade física ou moral da pessoa”, ao qual se soma o n.º 3 nos termos do qual “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”, sem embargo da possibilidade de responsabilização penal de quem utilizar tais meios de prova. Esclareça-se que os métodos proibidos de prova incluem não só os meios de prova (artigos 115.º a 155.º do CPP), como também os métodos de obtenção da prova (artigos 156.º a 175.º do CPP), como claramente esclarece Paulo Pinto de Albuquerque7. Conforme verificado supra, as proibições de prova constantes do artigo 113.º têm como consequência a nulidade da prova assim obtida. Coloca-se, então, a questão de saber se estaremos perante nulidades sanáveis ou insanáveis, sendo certo que o legislador traça um regime diverso para ambos os casos nos artigos 106.º e ss. do CPP. Neste particular, se Maia Gonçalves defende que “as nulidades resultantes da produção de prova proibida são sempre de conhecimento oficioso até ao trânsito da decisão final, sem prejuízo de eventual aproveitamento de provas consequenciais”8, Paulo Pinto de Albuquerque apresenta opinião diversa ao sustentar que se as referidas provas atentarem contra a integridade física e moral da pessoa estaremos perante uma nulidade insanável, mas que se as mesmas ferirem a privacidade já estaremos perante uma nulidade sanável mediante o consentimento do titular do direito9. Nestes termos, a violação da proibição constante do n.º 1 do artigo 113.º do CPP dará origem a uma nulidade insanável, ao passo que a violação da proibição ínsita no seu n.º 3 gerará uma nulidade sanável. Sendo o tema sub judice precisamente o da legalidade ou ilegalidade da prova obtida mediante fotografias ou vídeos, encontra-se a nossa questão no âmbito do n.º 3 do mencionado dispositivo legal, pelo que a respectiva nulidade apenas pode ser apreciada após a arguição pelos respectivos interessados. Ao que acresce Paulo Pinto de Albuquerque que o consentimento apto a sanar a respectiva nulidade tanto poderá ser prestado antes como depois do facto, acrescentando que “se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os 7 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2009, p. 318. 8
Manuel Lopes Maia Gonçalves, op. cit., p. 304.
9
Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., p. 319.
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efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida”10, opinião com a qual concordamos em absoluto. De modo a traçar um quadro geral em termos de nulidades subsumíveis aos artigos 106.º ou 107.º do CPP, não podemos deixar de referir Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques ao esclarecerem que, para efeitos do artigo 113.º do CPP, estaremos perante métodos absolutamente proibidos de prova – e, portanto, perante nulidades insanáveis (sendo as respectivas provas nulas mesmo que tenha havido consentimento do respectivo titular) - quando nos encontrarmos perante provas obtidas mediante tortura, coacção ou ofensa à integridade física ou moral; pelo contrário, estaremos perante métodos relativamente proibidos de prova – logo, nulidades sanáveis (pois que apenas serão proibidos se não houver o consentimento do respectivo titular) - quando as provas tiverem sido obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações do titular do direito11. Estamos, pois, com a doutrina que defende que a violação ao disposto no artigo 113.º do CPP consubstancia uma nulidade sanável mediante consentimento do respectivo titular12. Neste sentido, e para o que nos ocupa no presente estudo, ou são utilizadas imagens como meio de prova em processo penal tendo havido o consentimento do respectivo titular, caso em que a prova será válida, ou não existe esse consentimento e, em princípio, a prova será nula, tratando-se de uma nulidade sanável para efeitos dos artigos 107.º e 108.º do CPP. A ressalva é feita na medida em que, ao longo das linhas que se seguem, iremos questionar se existirão situações em que o interesse em causa seja de molde a permitir a utilização de imagens sem que se tenha verificado o consentimento do visado para tal. Dito por outras palavras, deverá o Tribunal atender a toda e qualquer arguição de nulidade de uma prova obtida com violação do direito 10
Ibidem.
11 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado do 1.º ao 240.º artigos. Volume I, 3.ª edição, Lisboa, Rei dos Livros, 2008, p. 832. 12 Para mais desenvolvimentos sobre a presente divergência doutrinária, vide Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., p. 319, onde o autor, colocando-se ao lado de Gomes Canotilho, Vital Moreira, Simas Santos e Leal-Henriques, advoga um regime complexo nos termos do qual estaremos perante situações de nulidade insanável nos casos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 113.º do CPP e de nulidade sanável nos constantes do n.º 3; partilhando de opinião diversa, defendendo que nos encontramos, em todos os casos, perante situações de nulidade insanável, há a salientar Marques Ferreira, Costa Pimenta, Teresa Beleza, Alves Meireis, Conde Correia, Germano Marques da Silva, Paulo Mendes e Maia Gonçalves.
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à imagem ou poderemos encontrar uma válvula de escape a esta proibição para, em casos justificados, poderem fotografias ou filmagens não consentidas ser utilizadas como meios de prova em processo penal? III.
A imagem como meio de prova
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 153.º do CPP, “as reproduções fotográficas (…) só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal”, ao qual se conjuga o já referido n.º 1 do artigo 113.º do mesmo diploma nos termos do qual “são nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada (…) sem o consentimento do respectivo titular”. Do confronto entre estas duas normas e no propósito de responder à questão colocada, levantam-se três sub-questões a que nos propomos responder, como sejam: i) saber se a imagem se insere na noção de intromissão “na vida privada”; ii) compreender que características deve revestir o consentimento do visado, devido à remissão feita pelo n.º 1 do artigo 153.º do CPP para a lei substantiva, nomeadamente para o artigo 191.º do CP onde encontramos o crime de “gravações e fotografias ilícitas”; iii) esclarecer se, graças ao princípio da unidade do ordenamento jurídico previsto no n.º 1 do artigo 30.º do CP, podemos encontrar situações em que se verifique uma intromissão lícita no direito à imagem de outrem, podendo tal meio de prova ser aceite em juízo. i)
A imagem e a intromissão na vida privada
No que toca à questão de saber se o direito à imagem deve inserir-se na noção de “intromissão na vida privada” constante do n.º 3 do artigo 113.º do CPP, a dúvida coloca-se por duas ordens de razões. Por um lado, a nossa Lei Básica apenas se refere expressamente ao “direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar”, no seu artigo 30.º, parágrafo 2.º, não fazendo menção semelhante ao direito à imagem. Por outro, o Código Civil (doravante CC) faz uma distinção clara entre o “direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”, previsto no seu artigo 74.º, e o “direito à imagem e à palavra”, previsto no artigo 80.º. Atendendo a que o Código Civil de Macau veio, de algum modo e no que toca aos direitos de personalidade, colmatar a parca referência feita aos mesmos na Lei Básica, conforme defende Paulo Mota Pinto13, uma primeira abordagem à questão levar-nos-ia a apregoar uma interpretação restritiva do direito à vida privada, distinguindo-o do direito à imagem. Sucede que, atendendo a uma interpretação sistemática do n.º 3 do artigo 13 Paulo Mota Pinto, “Os direitos de personalidade no Código Civil de Macau”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Jornadas de Direito Civil e Comercial, Ano III, n.º 8, 1999, p. 97-98.
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113.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 153.º, ambos do CPP, concluímos que a expressão “vida privada” inclui não só o espectro de privacidade e intimidade que lhe é comummente imputado, mas também a imagem e a palavra como “elementos de identificação visual (ou auditivo) da pessoa”14. Na realidade, ao anotar o equivalente ao nosso artigo 153.º do CPP, Paulo Pinto de Albuquerque esclarece que “o artigo estabelece uma proibição de prova (…). A proibição de prova resulta da intromissão na vida privada. A violação desta proibição tem o efeito da nulidade das provas obtidas, salvo consentimento da pessoa alegadamente visada pelas reproduções” (ou seja, a pessoa fotografada, filmada, escutada ou cuja imagem ou voz sejam por qualquer meio electrónico reproduzidas)15. Encontramo-nos com este último autor no sentido de que o termo utilizado pelo legislador processual penal no n.º 3 do artigo 113.º do CPP deve merecer uma interpretação mais ampla do que a que decorre do Código Civil de Macau, atenta a sua redacção que visa incorporar todos os meios de prova e meios de obtenção de prova atentatórios da privacidade (incluindo as “provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”), ressalvadas as excepções legais; ao que acresce o artigo 191.º do CP que, por sua vez, se insere no capítulo dos crimes contra a reserva da vida privada. Por conseguinte, para o nosso legislador penal a violação do direito à imagem consubstancia uma conduta atentatória da reserva da vida privada, aqui entendida como uma categoria genérica (para além do específico crime de devassa da vida privada tipificado no artigo 186.º do CP), sendo por isso absolutamente defensável que a referência à “vida privada” constante no n.º 3 do artigo 113.º do CPP visa abarcar, entre outros, o direito à imagem (para além dos concretamente especificados seguidamente no mesmo dispositivo legal). ii)
O consentimento ou o acordo como elementos negativos do tipo
Sendo certo que aplicamos o artigo 113.º, n.º 3 do CPP com propriedade à questão que norteia a nossa análise, levanta-se agora a problemática de saber quais as características que o consentimento revestir. Atendendo a que o n.º 1 do artigo 153.º do CPP dispõe claramente que as reproduções mecânicas (onde se incluem as fotografias e vídeos) “só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei 14
Idem, p. 121.
15
Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., p. 326.
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penal”, somos conduzidos ao artigo 191.º do CP de modo a entender em que casos as gravações e fotografias serão tidas como lícitas, logo, inaptas a consubstanciar uma conduta criminosa. Da leitura desta norma verifica-se que o elemento “consentimento” ínsito no seu n.º 1, bem como o elemento “vontade” presente no seu n.º 2 não consubstanciam causas de exclusão da ilicitude, mas sim elementos negativos do tipo. Ou seja, se houver consentimento ou vontade, o tipo de crime não chega sequer a estar preenchido e, no que em concreto diz respeito ao n.º 2 do artigo 191.º do CP, a conduta de quem fotografa ou filma outrem, bem como a de quem utiliza ou permite que utilizem essas fotografias ou filmes, será lícita. Estamos perante o que Manuel da Costa Andrade denomina de “acordo-que-exclui-a-tipicidade”, acordo esse que tanto poderá ser expresso como tácito. Dá o autor o exemplo do agente, ciente da existência de câmaras de videovigilância num supermercado, praticar um acto ilícito no seu interior, caso em que estará a dar o seu consentimento tácito quanto ao registo da sua imagem16. No que se prende à distinção entre consentimento ou acordo expresso e tácito, e não constando ela do artigo 37.º do CP (pese embora não estejamos perante o consentimento - ou acordo - como causa de exclusão da ilicitude), não vemos qualquer impedimento no recurso ao ordenamento jurídico-civil para este propósito. Sendo certo que o artigo 69.º do CC não abarca igualmente uma tal distinção, cumpre atentar ao disposto no n.º 1 do artigo 209.º do mesmo diploma, nos termos do qual a declaração é expressa “quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro modo directo de manifestação da vontade” e é tácita “quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”. No mesmo sentido parece ir Manuel da Costa Andrade quando, apesar de não efectuar uma remissão para o Código Civil, se reporta aos comportamentos da pessoa que “sugerem a concordância com a prática”. Este é o motivo pelo qual, no exemplo supra referido, o facto de alguém saber que na loja existem câmaras e nela penetra é suficiente para se depreender o seu acordo para que a sua imagem seja captada e posteriormente utilizada para fins de perseguição criminal (isto porque, se é certo que a finalidade última da colocação de tais câmaras de videovigilância em estabelecimentos comerciais ou outros seja a de dissuadir a
16 Manuel Costa Andrade, “Anotação do artigo 199.º do Código Penal” in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial. Tomo I. Artigos 131.º a 201.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1999, p. 1211-1212.
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prática de actos criminosos – o que consubstancia uma finalidade de segurança17 - não menos verdadeiro é que, quando esses actos ocorrem de facto estará o proprietário do estabelecimento autorizado em disponibilizar as imagens recolhidas aos órgãos de polícia criminal18). Se deixarmos de nos encontrar na esfera do consentimento ou acordo expresso ou tácito e passarmos para o consentimento presumido - nos termos do qual há uma suposição de que o titular do interesse teria consentido se conhecesse as circunstâncias do facto, nos termos do artigo 38.º do CP – já entende Manuel da Costa Andrade que estaremos perante uma verdadeira causa de exclusão da ilicitude19. iii)
A licitude da reprodução de fotografias e filmagens
Sendo certo que o consentimento ou o acordo expressos ou tácitos funcionam, não como causas de exclusão da ilicitude mas, previamente, como elementos negativos do próprio tipo de crime, perguntamos que causas de justificação poderemos concretamente encontrar no nosso ordenamento jurídico que permitam a captura e utilização da imagem de outrem como meio de prova em processo penal. Desde logo, o princípio da unidade do ordenamento jurídico decorre do n.º 1 do artigo 30.º do CP, nos termos do qual “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”. Ou seja se, a título exemplificativo, uma conduta for lícita nos termos da legislação civil, sê-lo-á igualmente para efeitos jurídico-penais. Neste contexto, somos imediatamente encaminhados para o artigo 80.º do CC, onde se dispõe a propósito da violação do direito à imagem. De acordo com o seu n.º 2 não haverá uma ofensa ilícita ao direito à imagem de outrem quando, pese embora a falta do seu consentimento, “assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de segurança ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a imagem estiver enquadrada na de lugares públicos, ou na 17 Veja-se, a título exemplificativo, o disposto nos artigos 1.º e 2.º do Aviso do Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais, publicado na II série do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, a 24 de Abril de 2013, onde se esclarece que a finalidade de segurança significa que o tratamento dos dados pessoais “visa a garantia da segurança pessoais e dos seus bens nos espaços da sua propriedade ou administração”. 18 No que em concreto se prende com a questão da utilização de câmaras de videovigilância, atente-se à Lei da Protecção de Dados Pessoais, Lei n.º 8/2005, de 22 de Agosto e, no que especificamente diz respeito à questão da utilização das imagens captadas para fins de perseguição criminal, não devem ser descurados os n.os 2 e 3 do seu artigo 8.º. 19
Manuel Costa Andrade, op. cit., p. 1212.
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de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente” desde que tal não abarque uma violação do seu direito à honra, igualmente referido por Manuel da Costa Andrade20. No mesmo sentido, não poderemos deixar de mencionar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2011 supra citado, nos termos do qual “é criminalmente atípica a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente, constituindo único limite a esta justa causa a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral do visado”, sendo de identificar como integrando o “núcleo duro da vida privada” a “intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas”. Decorre ainda do douto aresto que “deste modo, deve entender-se que age no exercício de um direito e, portanto, vê excluída a ilicitude do seu comportamento, o agente cuja conduta é autorizada por uma qualquer disposição de qualquer ramo do direito, nisso consistindo o chamado «princípio da unidade da ordem jurídica»”. No que concretamente se prende com as causas de justificação ínsitas na parte geral do nosso CP, é desde logo de salientar a legítima defesa mencionada no artigo 31.º. Será, pois, lícita a captação de imagens sem consentimento do visado quando o seu propósito seja o de evitar uma agressão actual e ilícita a interesses juridicamente protegidos, do agente ou de terceiro. Sucede porém que, nos casos em apreciação em que alguém fotografa por exemplo um cuidador que destrata fisicamente uma criança a seu cargo, não o fará para travar uma agressão actual21 (iminente ou em execução), mas sim para prevenir uma agressão futura, ficando assim por preencher o requisito da actualidade constante do artigo 31.º do CP22. É certo que, não podendo a questão resolver-se à luz do artigo 31.º, sempre poderíamos procurar o seu enquadramento à luz do artigo 33.º, apelando ao estado de necessidade justificante onde, sem deixar margem para dúvidas, temos uma cláusula de ponderação de interesses e o interesse
20
Idem, p. 1215-1218.
21 Para mais desenvolvimentos sobre o momento em que deve considerar-se iniciada a agressão e o momento em que se verifica o seu término vide, com interesse, Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais. Teoria Geral do Crime, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 365-367. 22 Questão igualmente suscitada por Manuel Costa Andrade, op. cit., p. 1224, dando a alternativa da subsunção do caso ao estado de necessidade.
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a salvaguardar (a integridade física da criança) seria indubitável e sensivelmente superior ao interesse prejudicado (a imagem do agente). Todavia, também o artigo 33.º tem como pressuposto a actualidade do perigo, a qual deverá ser entendida com uma extensão semelhante, talvez um pouco mais alargada, do que a actualidade da agressão na legítima defesa23, pelo que em nosso entender o problema não ficaria completamente resolvido por esta via. Nos casos de legítima defesa contra agressões futuras tendemos a concordar com a aceitação da legítima defesa preventiva como causa de justificação supralegal24. O recurso a uma tal causa de justificação, quando os interesses em causa e a situação concreta o justifiquem, não colidirá com o princípio da legalidade na vertente da proibição da analogia pois que, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º do CP, um tal recurso apenas será de afastar quando actuar in malam partem. Uma tal causa de justificação supralegal permitiria, ao invés, a exclusão da ilicitude da captação de tais imagens quando se tratasse do meio mais eficaz para impedir uma agressão futura, concretamente sobre uma vítima incapaz de se manifestar atendendo à idade ou ao ascendente exercido pelo agente25, ficando pois reservada a casos excepcionais, mas fundamentais, por respeito à função exercida pelo Direito Penal no nosso ordenamento jurídico, tendo em vista situações em que, ponderados os interesses em apreço, o meio de prova possa ser aceite pela nossa ordem jurídica considerada na sua globalidade. Do ponto de vista doutrinário, consideramos pertinente salientar a opinião tanto de Maia Gonçalves, como de Paulo Pinto de Albuquerque, no que concerne à questão da justificação da utilização da imagem como meio de prova em processo penal. Entende o primeiro autor que a regra deve ser a da proibição da sua utilização, arguindo que “quem fotografar às ocultas pessoa que se encontre em lugar privado não poderá usar a fotografia assim captada como meio de prova em processo penal”26. 23 Neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral.Tomo I. Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 443. 24 Não sendo esta uma opinião unânime nem na doutrina nem na jurisprudência. Nomeadamente, pronunciando-se contra uma tal figura, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, p. 146, apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2009. 25 Igualmente no sentido da aceitação de tais causas de exclusão da ilicitude de cariz supralegal, desde que enquadradas nos princípios constantes do nosso ordenamento jurídico, vide Germano Marques da Silva, op. cit., p. 75-76. 26
Manuel Lopes Maia Gonçalves, op. cit., p. 394.
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Todavia, o autor reconhece que esta regra poderia ter efeitos contraproducentes se não tivesse excepções, referindo que o direito penal substantivo e adjectivo devem harmonizar-se e, citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 2001, segundo o qual deve abrir-se “uma excepção sempre que as exigências da polícia ou dos tribunais determinarem a necessidade de tais gravações ou imagens para protecção dos direitos ou das garantias fundamentais, tais como a vida ou a integridade física”27, aceita excepcionalmente a sua utilização. Por seu turno, Paulo Pinto de Albuquerque também principia afirmando que o artigo 167.º do CPP português (correspondente ao artigo 153.º do CPP de Macau) apresenta uma proibição de prova cuja consequência é a nulidade, mas admite que, por exemplo, a gravação de mensagens contendo ameaças telefónicas ao arguido já possa servir, “quando se tratar do único meio prático eficaz de garantir ao ofendido o seu direito de protecção contra a vitimização repetida e secundária”28 - precavendo assim, na nossa opinião, ameaças futuras (podendo a mesma conclusão ser aplicada, mutatis mutandis, ao caso do cuidador de crianças que nos tem acompanhado desde o início da nossa exposição). IV.
O princípio da ponderação de interesses
Para além das situações em que a conduta do agente seja lícita graças ao funcionamento de qualquer causa de exclusão da ilicitude, será ainda necessário levantar uma questão que consiste em determinar se os direitos tutelados pelo nosso ordenamento jurídico não poderão em caso algum ser afectados nos casos em que não intervenha uma específica causa de exclusão do tipo ou da ilicitude ou se, pelo contrário, a balança que caracteriza a própria Justiça não implicará que, nomeadamente em situações extremas, a tutela de certos bens jurídicos deva ceder perante a necessidade de salvaguarda de outros de cariz superior. Trata-se, pois, de procurar determinar se a ponderação de interesses deve assumir um papel preponderante em termos de permitir a utilização de imagens alheias de modo a, através delas, poderem ser provados actos atentatórios de bens jurídico-penais tais como, nomeadamente, a vida, a integridade física, a liberdade ou a liberdade e autodeterminação sexuais. Encontramo-nos perante uma questão sensível na medida em que, como referimos supra, entende a jurisprudência que, mesmo lançando mão da imagem de outrem como meio de prova em casos juridicamente admissíveis, sempre existirão limites como os que se traçam no “ núcleo duro da vida privada” onde se inclui a “intimidade, 27
Ibidem.
28
Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., p. 326.
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a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas”29. Imagine-se uma situação em que um adulto abusa sexualmente de uma criança e um vizinho capta essas imagens através de uma gravação vídeo ou fotográfica, aliás, tão acessíveis nos nossos dias graças aos telemóveis com câmaras incorporadas. Qual será a consequência da captação dessas imagens? Deverá o vizinho ser, ele próprio, responsabilizado pelo crime de gravações e fotografias ilícitas, nos termos do artigo 191.º do CP ou poderá, ao invés, dar-se início a um processo penal com base nesse meio de prova e o agente ser condenado pelo crime que tiver praticado - por exemplo pelo crime de abuso sexual de crianças tipificado no artigo 166.º do CP? Isto porque, mesmo que justificado o meio, sempre o agente será, ele próprio, exposto na sua sexualidade nessa reprodução mecânica. O mesmo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra citado aceita a introdução da cláusula da ponderação de interesses30, ao afirmar que “na verdade, quando os valores jurídicos protegidos pela estatuição do art. 199.º do CP – relativos à imagem ou à palavra – estão a ser instrumentalizados na defesa de outros direitos, ou quando a não protecção concreta do direito à imagem ou à palavra é condição de eficácia da actuação do Estado na protecção de outros valores, eventualmente situados num patamar qualitativo superior, não se vislumbrando a possibilidade de afirmação da prevalência daquela protecção contra tudo e contra todos”, será efectivamente justificável a afectação do direito à imagem com vista à tutela de interesses colocados acima deste, opinião que sufragamos na íntegra. V. Conclusão Cumpre concluir, procurando alcançar um ponto de encontro entre diversas normas substantivas e adjectivas que norteiam a problemática das reproduções mecânicas como meios de prova, nomeadamente os artigos 105.º, n.º 3, 113.º, n.º 3 e 151.º, n.º 1 do CPP e os artigos 191.º, n.º 2 e 30.º e ss. do CP.
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2011.
30 Saliente-se que a doutrina tem tentado encontrar um núcleo comum a todas as causas de justificação que tem sido apontado no sentido da existência de um conflito de interesses solucionado precisamente através de um princípio de ponderação de interesses que justificará o sacrifício de um face a outro; todavia, se é bem certo que esta é a ideia preponderante na maioria das causas de justificação, não será correcto estender-se esta fundamentação a todas, nomeadamente ao consentimento onde, segundo esclarece Germano Marques da Silva, “não se verifica qualquer conflito real de interesses”, in Germano Marques da Silva, Direito Penal Português. Parte Geral. II Teoria Geral do Crime, 1.ª edição, Lisboa, Verbo, 1998. p. 74-75.
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É certo que o Código de Processo Penal visa a prossecução da verdade material; todavia, esta última não pode consubstanciar-se num fim absoluto na medida em que há um conjunto de direitos fundamentais que cumpre ao legislador assegurar, os quais não poderão ser atropelados em caso algum. Entre esses direitos fundamentais encontramos o direito à imagem que, apesar de não estar expressamente previsto na Lei Básica, consta do catálogo de direitos de personalidade ínsito no Código Civil que, nesta matéria, colmata de algum modo a sua não referência na Lei Fundamental (pese embora esta se refira, no 2.º parágrafo do artigo 30.º, ao direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar que, numa interpretação estrita e meramente civilista terá um alcance diferente do específico direito à imagem), sem embargo da remissão feita para a legislação da Região Administrativa Especial de Macau no artigo 41.º do mesmo diploma fundamental. É ponto assente que a regra constante do artigo 113.º, n.º 3 do CPP nos indica que a prova recolhida através de fotografias ou filmagens é nula se não tiver havido o consentimento nesse sentido por parte do titular do direito, sendo nossa opinião que nos encontramos perante uma nulidade sanável, acompanhando a doutrina supra citada que partilha do mesmo entendimento. Sucede que a Ordem Jurídica na sua globalidade vive em unidade e o direito à imagem, se bem que um direito de personalidade fundamental, não se revela inteiramente intocável perante outros direitos de cariz superior que mereçam ser acautelados pelo nosso legislador. Assim sendo, vigora no nosso ordenamento jurídico-penal uma lógica de ponderação de interesses ínsita, se não em todas, pelo menos na maioria das causas de exclusão da ilicitude, directa ou indirectamente. Por conseguinte, a tutela do direito à imagem não pode persistir quando, mesmo sem o consentimento expresso, tácito ou presumido do respectivo titular, a finalidade da sua afectação consista em acautelar outros direitos dignos de tutela penal – bens jurídico-penais -, nomeadamente os que revelem uma sensível superioridade face ao direito afectado (como seja o direito à integridade física de uma criança face ao direito à imagem do cuidador). Por tudo o que ora expusemos, concluímos que as fotografias e filmagens poderão servir como meios de prova em processo penal nomeadamente quando se verifique alguma das seguintes situações: i) haja consentimento do titular do direito (artigo 113.º, n.º 3 a contrario sensu e 153.º, n.º 1 do CPP); ii) funcione alguma causa de exclusão da ilicitude; iii) a conduta seja lícita perante qualquer outro ramo do direito, por respeito ao disposto no n.º 1 do artigo 30.º do CP, tanto substantivamente (como por exemplo se a imagem se enquadrar em lugares públicos e não tenha sido
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intencionalmente captada de modo individualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 80.º do CC), como adjectivamente (quando por exemplo se trate de alguma diligência levada a cabo no âmbito do próprio CPP, como claramente dispõe o artigo 153.º, n.º 2 do mesmo diploma); iv) caso se trate da potencial justificação da conduta à luz da legítima defesa e faltar o requisito da actualidade, poderá ponderar-se a aceitação da legítima defesa preventiva enquanto causa de exclusão da ilicitude supralegal, nomeadamente em casos extremos onde a afectação do direito à imagem seja a única forma de se salvaguardar o bem jurídico ameaçado ou já atingido; v) não se aplicando uma concreta causa de exclusão da ilicitude, consideramos que será lícito o recurso à cláusula da ponderação de interesses, devendo o direito à imagem ceder perante a tutela de outros sensivelmente superiores (nomeadamente a vida, a integridade física e o património de valor elevado, como ainda a liberdade ou a liberdade e autodeterminação sexuais, mesmo que neste último caso a utilização da imagem captada sem o consentimento do visado afecte a sua própria esfera de intimidade); vi) por último, e nos termos da legislação sobre protecção de dados pessoais, constatamos que nos casos em que deva ser legalmente outorgada uma específica autorização administrativa para a captação e tratamento de dados, a mesma permitirá igualmente que as imagens recolhidas por sistemas de videovigilância possam vir a ser utilizadas para fins de investigação criminal (havendo inclusive na jurisprudência quem entenda que, mesmo faltando a mencionada autorização, poderão ainda assim as imagens captadas ser utilizadas em processo penal (vide e.g. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/6/2001 e do Tribunal da Relação do Porto de 26/3/2008 e de 22/3/2006). Nestes termos, entendemos que a captação de imagens de agentes cuidadores de menores, sejam eles amas, pais ou quaisquer outros, poderá decerto consubstanciar um meio de prova lícito em processo penal de modo a permitir o seu julgamento e eventual condenação por crimes atentatórios da integridade física das vítimas. Como diria o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/9/2011, “a protecção acaba quando aquilo que se protege constitui um crime”, de onde se retira que, pese embora deva a imagem ser estritamente acautelada pelo Direito, esta não poderá ser vista como um fim em si mesmo. Tal não significa que a imagem não deva ser tutelada e respeitada como direito fundamental que é. Apenas que, em casos limite em que esse seja o único ou primacial meio de prova da agressão a outros direitos fundamentais de cariz sensivelmente superior, poderá a sua protecção ceder perante a necessidade de tutela destes últimos.
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Macau, Abril de 2015
BIBLIOGRAFIA Albuquerque, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2009. Andrade, Manuel Costa, “Anotação do artigo 199.º do Código Penal” in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial. Tomo I. Artigos 131.º a 201.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1999, p. 1185-1232. Sobre as proibições de prova em processo penal, reimpressão, Coimbra Editora, 2013. Carvalho, Américo Taipa de, Direito Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais. Teoria Geral do Crime, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008. Dias, Jorge de Figueiredo, Direito Penal. Parte Geral. Tomo I. Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2007. Gonçalves, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal anotado – Legislação complementar, 16.ª edição, Coimbra, Almedina, 2007. Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Código de Processo Penal. Comentários e notas práticas, Coimbra Editora, 2009. Pinto, Paulo Mota, “Os direitos de personalidade no Código Civil de Macau”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Jornadas de Direito Civil e Comercial, Ano III, n.º 8, 1999, p. 89-125. Santos, Manuel Simas e Leal-Henriques, Manuel, Código de Processo Penal Anotado do 1.º ao 240.º artigos. Volume I, 3.ª edição, Lisboa, Rei dos Livros, 2008. Silva, Germano Marques da, Direito Penal Português. Parte Geral. II Teoria Geral do Crime, 1.ª edição, Lisboa, Verbo, 1998.
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PROPORCIONALIDADE, OBTENÇÃO, VALORAÇÃO. A PROVA EM PROCESSO PENAL.
Miguel Manero de Lemos Professor Faculdade de Direito da Universidade de Macau
Agradeço o convite. Andado que tenho mais preocupado com crimes de guerra, contra a humanidade, genocídios e outras coisas mais sangrentas, é com prazer, e com o sentido de que estou a cumprir um dever, que venho aqui (confesso que já há uns bons anos não me debruçava com a profundidade exigida sobre ele) reflectir sobre o direito processual penal de Macau. Vou pegar na coisa onde ela foi deixada há uns meses atrás, tendo em conta que o objectivo inicial me pareceu ser que houvesse algum ‘senso de continuidade’ entre os dois seminários sobre a prova em processo penal. Um pouco por toda esta intervenção vou tentar então entrar em diálogo com o seminário passado. Toda a discussão que se gerou na primeira conferência fez-me ter que voltar atrás e pensar não na prática da coisa mas na teoria da coisa (desculpa Vera sei que querias algo mais prático para os práticos, mas o Pedro Leal com certeza tratará disso em seguida) que no fundo é aqui na prova também parte da substância da coisa. Discussão sobre a zaragatoa. Não consigo começar a pensar nela a não ser desta forma. Parece que, em Portugal, às vezes pelo menos, se aperta o nariz de uma pessoa para não a deixar respirar, ela abre a boca e raspa-se a língua dela para obter o ADN. O problema não é se se pode coagir fisicamente a pessoa a abrir a boca, não a deixando respirar pelo nariz para depois lhe meter o cotonete na boca e sacar a informação genética. Isso não se pode fazer. Em princípio, é uma ofensa intolerável à integridade moral da pessoa. Não se pode fazer aqui, não se pode fazer em Portugal, não se deve poder fazer em lado nenhum. Aliás será de discutir se isso não configurará um crime de ofensa à integridade física (quando alguém na rua, com intenção de me apertar o nariz, me aperta o nariz, não está a ofender o meu corpo?) A diferente intenção com que se aperta poderá mudar qualquer conclusão a que se chegue em termos de preenchimento do tipo de
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crime em causa? O problema é outro. A ameaça de que o non facere da pessoa seja sancionado com a possibilidade de preenchimento de um outro tipo de crime. A pessoa que se recusar comete um crime de desobediência. Ou seja, claro que para aqui tem que ser chamada a proibição da autoincriminação. Por que o que verdadeiramente está em causa é uma eventual autoincriminação ‘sob ameaça’ de condenação por um crime de desobediência. Quando comecei a dar aulas de processo penal na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra contei esta primeira história aos meus alunos para lhes explicar a ‘pouca’ experiência prática em termos quantitativos, mas elevada em termos ‘qualitativos’. Desde então que todos os anos conto a mesma história na primeira aula de processo penal para explicar o papel dos diferentes sujeitos do processo penal, em especial o papel sui generis de um deles, o Ministério Público. Digo-lhes que nunca fui juiz, advogado, delegado do Ministério Público, testemunha em tribunal, vítima de um crime e que, por conseguinte, tenho pouca experiência quantitativa prática. Mas tenho a outra? Adivinham qual? Aqui não vos vou perguntar se adivinham até porque alguns já estão mesmo a ver. Já fui o centro do processo penal, arguido. E então conto a história da primeira vez que o fui. Em suma a história é: acusado de um crime que vinha e, depois de estar a acalmar a minha advogada que estava muito nervosa porque ia ser o primeiro julgamento dela, vi que a coisa ia correr para o torto porque ela não conseguia dizer nada; então digo à juíza que não percebo o que estou ali a fazer porque a queixosa já tinha desistido da queixa; vou buscar o papel à minha advogada dou-o à juíza, ela lê-o e diz que aquilo não é uma desistência de queixa; aquilo estava escrito em termos pouco claros é certo (começava com ‘proposta de desistência de queixa’, depois descrevia os factos imputados e acabava com ‘concorda-se com o superiormente proposto’; um português se calhar antigo mas era clara a intenção de desistir da queixa). Começamos a discutir e, irritado que estava, disse qualquer do género ‘se não sabe ler, se calhar tou mesmo tramado). A juíza de imediato, e bem, ‘ameaça-me’ com um crime de desobediência; quando a coisa estava a chegar a um ponto muito mau, de repente a juíza olha para o Ministério Público que lhe acena com a cabeça, como quem diz ‘ele tem razão’, isto é uma desistência de queixa. Ela pausa durante três segundos, 50 euros à advogada e ponha-se a andar daqui para fora.
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II Jornadas PROVA EM PROCESSO PENAL - A UTILIZAÇÃO DE IMAGENS EM PROCESSO PENAL - Imagem 1
II Jornadas PROVA EM PROCESSO PENAL - A UTILIZAÇÃO DE IMAGENS EM PROCESSO PENAL - Imagem 2
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Portanto não apresentei prova que não cometi um crime mas apresentei ‘prova em documento’ de que não estavam reunidas as condições necessárias para me condenarem por aquele crime. Mas por causa disso quase que era condenado por um outro crime. O crime de desobediência. É que se para um não inocente como eu era, culpado estão mesmo a ver, já seria dramático ser condenado com 18 anos, primeiro ano da faculdade, pelo crime que cometi mais um crime de desobediência mais dramático será porventura para um inocente ser condenado por um crime de desobediência ao defender a sua inocência ou o seu direito a não se auto-incriminar. Sem rigor nenhum, a sua ‘suposta possibilidade’ de estar quieto e não colaborar com as autoridades. Ou seja, eu não consigo sequer começar a pensar no problema da zaragatoa se não questionar as dimensões de constitucionalidade (e de possíveis inconstitucionalidades do crime de desobediência). Pois este crime é múltiplo e multifacetado e se calhar estamos a dar-lhe muitas caras. Mas sem o crime de desobediência o estado ou a região de direito não funciona pois que seria a própria autoridade do estado ou da região que seria atirada pela janela. O que parece é que falta uma delimitação mais profunda do que é que o crime de desobediência é mas que se calhar não devia não ser. A questão coloca-se antes: não existirão outros meios de obtenção de prova, ou melhor, maneiras de obter a prova que evitem ter-se que chegar a este ponto. Eu digo ‘outros’ num sentido específico pois o que parece é que a veste sob a qual o crime de desobediência surge aqui é, na verdade e de forma estranha ou não estranha, a de ‘verdadeiro meio de obter a prova’. Ou seja, obriga-se alguém a dar prova, em tensão problemática com o direito ao silêncio e a protecção contra a auto-incriminação. A investigação torna-se mais fácil se se obrigar a pessoa a comparecer e dar o ADN sob pena de desobediência. Certo. Mas não se poderão na maioria das vezes imaginar outras formas de obter a prova, incluindo sim, porque não, outros meios mais malandros ainda de arranjar o ADN do suspeito sem termos que recorrer ao crime de desobediência e ao apertar o nariz? (Meios malandros não são automaticamente proibidos. O meio malandro do nariz é. Já quanto ao crime de desobediência... É questão a que eu não sei responder nem a que vou tentar responder aqui pois é muito mais vasta e que, de alguma forma, já foi abordada na conferência passada). Mas é questão que tem a ver com o que aqui me traz aqui hoje. A proporcionalidade da intervenção do estado ou da região nos direitos fundamentais
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ao nível da obtenção da prova e da valoração da prova. E aqui o papel principal no dia-a-dia numa correcta aplicação da proporcionalidade no processo penal é das polícias e do MP. Principal não porque seja o mais importante mas porque está, e é levado a cabo, no princípio do processo penal, alguns mais, ou se calhar menos, puristas da língua chamar-lhe-iam não papel principal mas ‘papel princípial’. Como titular da fase inicial do processo penal tem ele uma obrigação especial de assegurar o seu próprio cumprimento estrito, e o cumprimento estrito pelos órgãos de polícia criminal, do princípio. Mas não se pode dizer que é principal no sentido de mais importante pois o juiz no momento da autorização ou ordenação da obtenção da prova e no momento da sua valoração tem também um papel pelo menos tão importante quanto o do MP e o das polícias. Não é afinal o juiz o detentor do poder máximo de comprimir as liberdades. Aliás, e ainda em diálogo com o seminário passado, é com muita relutância que olho para propostas no sentido de ser o Ministério Público e não o juiz de instrução que deverá ter ‘uma eventual competência’ para ordenar a recolha do ADN. Mas ainda um último ponto prévio, pois tenho que esclarecer ao que venho e porquê? E isto porque também não consigo sequer principiar a falar nestas matérias se não trouxer uma dimensão que temo que normalmente não é suficientemente sublinhada e que também não o foi nas intervenções passadas. Se calhar pelo menos de forma explícita, pois que as referências da Vera e da Teresa a decisões dos tribunais portugueses não deixariam enganar o mais desprevenido. Mas sempre com as cautelas de que se refere as decisões do tribunal constitucional português sobre a matéria porque o artigo do Código de Processo Penal de Macau é igual. E aludiu-se também a artigos da Lei básica, como por exemplo o artigo relativo à imagem que fala do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar. Também se poderiam mencionar os artigos da Lei Básica que falam da dignidade humana ou o do direito ao bom nome e reputação. Mas, e com todo o respeito pelos direitos previstos na Lei Básica (que eu temo acrescentarem pouco ou mesmo nada em termos de processo penal, a não ser uma oportunidade formal para os mencionar), o quadro constitucional da RAEM, com o qual eu tenho o dever de trabalhar, é mais vasto e engloba o enquadramento os direito fundamentais à imagem à integridade física, que se podem deduzir da LB, mas também engloba de forma tão importante o quadro constitucional do direito à imagem, privacidade, intimidade, anteriormente vigente e, sim, evolutivamente adaptado às realidades que mudam. E o da proibição da auto-incriminação prevista no
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PIDCP (Artigo 14 g), sim. A pessoa tem direito a não ser obrigada a prestar declarações contra si própria nem a confessar-se culpada. Mas também os direitos constitucionais vigentes à data da assinatura da Declaração-Conjunta. Artigo 25.º (Direito à integridade pessoal) 1. A integridade moral (lá está a moral) e física dos cidadãos é inviolável. Artigo 26.º (Outros direitos pessoais) 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar. Artigo 32.º (Garantias de processo criminal) 2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. 6. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. E portanto não é somente uma questão de legalidade como também foi dito na conferência passada, mas mais do que isso é uma questão de constitucionalidade. Na RAEM. Em conclusão quando penso na intromissão na vida das pessoas que os problemas da obtenção e valoração da prova colocam tenho o dever de ter o quadro dos direitos fundamentais anteriormente vigentes como pano de fundo. E de forma talvez mais importante, não só os direitos fundamentais anteriormente vigentes, mas também as formas admissíveis de restrição desses direitos fundamentais anteriormente vigentes. Ou seja, só se pode restringir direitos fundamentais, em último caso e quando isso for absolutamente necessário para proteger direitos fundamentais Para que não fiquem dúvidas o princípio da proporcionalidade além se ser inerente a qualquer verdadeiro estado ou região de direito é princípio que transitou do antes para o agora e que como tal tem que ser estritamente aplicado por toda a autoridade pública. Como é óbvio pois como é que se pode manter a maneira de viver anteriormente vigente, incluindo a maneira jurídica anterior, se os princípios basilares, alicerces fundamentais de tudo, não transitassem também do antes para o depois. A não ser que se estivesse a montar uma farsa é que o princípio da proporcionalidade e todo o conjunto de sedimentado de pensamentos e aprofundamentos sobre o seu significado tal como existente à altura da DC não seria hoje o norte nesta matéria. Artigo 18.º CRP (Força jurídica) – Este artigo compreendia normas que ainda estão vigentes, são ‘implícitas’ e são aqui ‘adaptados’ para a RAEM. 1. As normas do ‘quadro constitucional da RAEM’ respeitantes aos direitos, liberdades e
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garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos previstos no ‘quadro constitucional vigente’ , devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial das normas constitucionais. E estão em vigor a um nível superior. O nível constitucional. Sublinho este ponto, ou melhor, começo com este ponto, porque tenho a sensação, sim um jurista pode ter sensações, que este princípio não é tido na devida e estrita conta pelas autoridades da RAEM em matéria de processo penal ou conexa ao processo penal. Desde esperas longas nas salas de imigração para simples notificações decorrentes do processo (Poder Executivo), à facilidade com que se ordenam certos meios de obtenção de prova e se os valoram automaticamente (Poder Judiciário), à existência e aplicação de prisão preventiva automática para certos crimes (Poder Legislativo e Poder Judicial – chega aplicar a proibição de ausência do território, mas não interessa, prende-se, chega aplicar um termo de identidade e residência, mas não interessa, prende-se, quem é que se havia de lembrar de tal coisa – inconstitucional claro – violação ostensiva do princípio da proporcionalidade). O princípio da proporcionalidade tem que ser respeitado em qualquer acção pública que invada a esfera jurídica dos cidadãos, ainda com mais enfâse, no processo penal. O princípio da proporcionalidade norteia: a decisão de optar por um método de obtenção de prova (se busca no escritório chega, não se vai ao domicílio, se chega revista no espaço prisional, não se entra na cela); as decisões que têm que ser tomadas durante a obtenção da prova (se telefone está sob escuta e se está a decorrer uma conversa que com um grau razoável de probabilidade não será de interesse para a investigação, deixa-se de ouvir); a decisão sobre o conteúdo da acusação e pronúncia (só devem constar elementos estritamente necessários para sustentar a provas – se se obteve validamente ADN deixado no local do crime ele só deve ser utilizado estritamente; O MP depois de ter obtido material através de meio de obtenção de prova válido deve só fundar uma acusação em material que represente uma invasão da intimidade ou privacidade se isso for absolutamente necessário para fundar o seu caso contra o arguido); as decisões no momento da valoração da prova (se se apreendeu validamente um diário eles só podem ser utilizado estritamente; aqui uma não muito velha decisão do TC português é de aplaudir. Voltarei a ela. Terminarei com ela, na verdade).
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E também a decisão de ordenar a prisão preventiva para obviar ao perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova. Ao que parece os tribunais da RAEM, pelo menos alguns, nos casos do artigo 193 continuam a dispensar a verificação estrita do princípio da necessidade previsto no artigo 188. Ou seja, além de dispensar a proporcionalidade estrita na escolha da medida de coacção menos gravosa dispensa-se qualquer ideia de proporcionalidade: ou seja, dispensa-se até a ideia da necessidade. Mesmo que não seja necessária para evitar a fuga, para a prova ou para a tranquilidade pública, aplica-se na mesma a prisão preventiva. Porquê? Não é mesmo necessário prender, mas prende-se ainda assim. Por outro lado, é de questionar a constitucionalidade dos próprios prazos de duração máxima da prisão preventiva (no caso do 193, pode-se prender para adquirir a prova durante 8 meses sem acusação e até 2 anos sem condenação, ou seja, ‘prender para investigar’ e ‘prender para julgar’). Repare-se no que é que isto significa. Se se entender que existem fortes indícios da prática de um dos crimes cometidos no artigo 193 (por exemplo, um furto de um carro de valor consideravelmente elevado), pode-se planear 8 meses lá dentro, e se existirem indícios suficientes, o plano estende-se a 2 anos. Isto não pode ser assim. O MP, ao decidir propor, e o juiz, ao decidir aplicar, qualquer prisão preventiva (193 ou não – lembre-se que sendo inconstitucional é como se não existisse) têm que fazer um juízo estrito de avaliação de se é uma medida mesmo necessária e proporcional. Para o que aqui interessa, várias questões que eles têm que se colocar: é mesmo necessário prender para obviar ao perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova? Não há mesmo possibilidade razoável de a obter, conservar ou manter verdadeira sem ter que prender o sujeito? E se mesmo assim se entender que não há e se aplicar a prisão preventiva, então todos os dias é preciso perguntar-se: mantém-se este perigo? Já se arranjou a prova? E quando já não se possa fazer tal conexão de perigosidade, então imediatamente pô-lo cá fora. Repare-se a especial dimensão problemática que a questão assume relativamente à prova, pois ao passo que o perigo de fuga (alínea a)) e a perturbação da ordem pública (alínea b)) não depende estritamente de qualquer maior ou menor diligência das autoridades já a obtenção da prova apresenta uma ligação estreita com a diligência destas, o que a torna uma razão para a aplicação da prisão preventiva especial complicada. Ou seja, também aqui surge a prisão preventiva sob a veste de ‘meio de obter a prova’. Por outras palavras, se calhar temos que deslocar esta prisão preventiva do capítulo das medidas de coacção para o capítulo dos meios de obter a prova e
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também para aqui aquele crime de desobediência (estou a brincar claro). Em suma, existe, por aí, não só nas ‘entrelinhas do CPP’, mas no quadro constitucional da RAEM, uma ‘norma constitucional escondida’ que diz algo como “só se outros meios forem insuficientes é que se pode recorrer ‘a meios de obter prova, conservá-la ou provar a coisa’ que interfiram de forma mais gravosa na esfera privada da pessoa em causa”. O código fala de meios de prova e meios de obtenção da prova. A esta dicotomia deve-se somar uma outra em sede de proibição de prova: distinção entre o momento da obtenção/recolha da prova e o momento da valoração da prova. Em regra, se há um vício na produção da prova segue-se uma proibição de valoração. Mas há prova validamente obtida que não pode ser valorada e há prova obtida através de violação de uma proibição de prova que pode ser valorada. No que diz respeito a prova validamente obtida que não pode ser valorada o caso que já mencionei é instrutivo. Tratava-se de saber se pelo facto de os diários terem sido apreendidos em busca validamente decretada por Juiz poderiam ser valorados como meio de prova, independentemente de qualquer ponderação ulterior, nomeadamente, de uma avaliação de proporcionalidade entre o peso da devassa da vida íntima do arguido a que tomada de conhecimento do conteúdo dos diários pode levar e a importância dos bens jurídicos tutelados pelos crimes em investigação e ainda de uma análise da necessidade dessa valoração para fazer prova dos factos indiciados. No Ac. do TC n.º 607/2003, o TC julgou inconstitucional a interpretação do regime legal no sentido de que uma vez licitamente obtidos, os diários poderiam ser automaticamente valorados: “Julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 1.º, 26.º, n.º 1, e 32.º, n.º 8, da CRP, a norma extraída do artigo 126.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é ilícita a valoração (como meio de prova da existência de indícios dos factos integrantes dos crimes de abuso sexual de crianças imputados ao arguido e dos pressupostos estabelecidos para a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva), dos «diários» apreendidos, em busca domiciliária judicialmente decretada, na ausência de uma ponderação, efectuada à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, sobre o conteúdo, em concreto, desses «diários»”. Ou seja, em qualquer momento do processo, se se utilizar os diários sem consideração do princípio da proporcionalidade está-se a actuar de forma contrária à
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Constituição ou, aqui, às normas constitucionais da RAEM. Ou seja, a teoria da coisa que trago aqui, ou melhor, que aqui lembro hoje é a de que o direito processual penal é direito constitucional aplicado. Desconfio que sei de quem é que vem esta precisa expressão. A proporcionalidade tem que ser omnipresente no processo penal. Como normalmente passo a vida a fazer intervenções e a escrever ‘contra’ as decisões dos tribunais é com particular gosto que saúdo esta decisão do TC português que, no fundo, é a reflexão judicial muito feliz de algumas das ideias que aqui trouxe hoje.
Obrigado.
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標題: 反思.法律第八期
CRED-DM: 澳門法律反思研究及傳播中心 官樂怡基金會 官樂怡行政委員會: 官樂怡(主席); Rui Pedro Cunha, João Tubal Gonçalves(副主席);
Isabel Cunha, Connie Kong (委員) 行政總監:
Filipa Guadalupe (filipa@fundacao-rc.org) 主講人: Vera Lúcia Raposo, Teresa Lancry A. S. Robalo e Miguel Manero Lemos 翻譯: 鎮一姝 (teresa@fundacao-rc.com) 封面圖片:
Frc Global Communication Ltd 平面設計及插圖 照片編輯:
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PESSOA COLECTIVA DE UTILIDADE PÚBLICA ADMINISTRA TIVA 行政公益法人 BOLETIM OFICIAL Nº21, II SÉRIE DE 21/05/2014
二零一四年五月二十一日澳門特別行政區公報第二組第 21期
目錄
刑事訴訟中的舉證--《刑事訴訟法典》中的弦外之音 序
7
社評
9
刑事訴訟程序中的 DNA 證據—犯罪現場調查(英文縮寫CSI) 是否為查出事實真相?
13
圍繞“禁用之證據”展開之反思 在刑事訴訟程序中使用照片
35
適度性、獲取、價值衡量;刑事訴訟中的證據
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序
值官樂怡基金會三週年誌慶之際,澳門法律反思研究及傳播中心舉辦了第二場有關刑 事訴訟的研討會。 在此次研討會中,我們邀請到 Pedro Leal先生及Miguel Manero 先生作為發言嘉賓。 此外,我們還邀請到 Vera Lúcia Raposo 女士擔任會議主持人。 作為澳門的資深大律師,Pedro Leal 先生熟諳該地區的刑事訴訟程序, 在會議中就刑 事證據在澳門法制中引致的主要的實際問題作出分析;而來自澳門大學法學院的教授 Miguel Manero 先生,則就有關證據的適度性及適當性問題作出探討。 刑事訴訟程序中的證據是最重要的實際內容之一,甚至可引向案件的終結,但令人費 解的是,大學課程對此方面提及甚少。 然而,法律界圍繞此話題卻展開了激烈的討論:一部份人要求採取強勁措施以減少犯 罪現象;而另一部份人——基本權利的學者們,則偏向於作出一定的限制,並且不受 到欲實現的價值的重要性的影響。 那麼,《刑事訴訟法典》已經發展到足夠深的層面,亦或是仍存在進一步提升的空 間? 旁聽會議的觀眾們積極參與、踴躍發言,拓展了討論話題,將討論氣氛烘托得十分熱 烈。 在本次研討會中,我們一如既往地安排了同聲傳譯,以此讓所有公眾都能參 與討論。 為在未來留下回憶,本期雜誌以雙語形式出版了會議發言的重要內容。 在此,我僅代表澳門法律反思研究及傳播中心以及官樂怡基金會再次感謝所 有嘉賓——尊敬的 Pedro Leal 先生、Miguel Manero de Lemos 先生以及卓越的主持 人 Doutora Vera Lúcia Raposo 女士。 如您有任何評論、建議或欲發表您的作品,請透過 www.creddm.org 或 cred-dm@ fundacao-rc.org聯繫我們。 郭麗茹(Filipa Guadalupe) 澳門法律反思研究及傳播中心協調員
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社評 社評 對於在葡萄牙受過教育的法律學者而言,首次接觸澳門法制,便可自然且容 易地理解這一制度。
表面上看,澳門的法制似乎是簡單地複製了在葡萄牙盛行的原
則及學說,而這些也是我們在大學里學過並且在多年的工作中一直接觸到的內容。 然而,這只是一種錯覺。從澳門的法制中顯現出來的越來越多的獨特性,很 快就否定了這一虛假的安全感。若不去細微地觀察,將難以發現那些隱蔽的新的內 容。正是不同的法制和多種法律理念的交匯,促成了這些新內容的產生。 儘管澳門的法制擁有其獨特性,但不可否認的是,在澳門的法律課程及司法 裁判中涉及到的大部份學說和司法見解依然將葡萄牙法律作為根基,似乎這些獨特性 還不足以成就澳門獨有的法律文化。因為在葡萄牙和澳門的法制之間存在多種類似之 處,所以難以改變這種局勢。 此外,當下極其缺乏專門針對澳門作出的研究,當地的司法裁判始終侷限在 狹隘的層面,而未涉及到很多其他問題;但在葡萄牙湧現出的數以萬計的學說和司法 裁判卻囊括了所有問題,並且滿足了所有人的意願。無論如何,建立澳門獨有的學說 及司法見解,對所有人來說都是頗為有利的。 澳門在實體法和刑事訴訟程序方面作出了較為豐富的工作。針對澳門法制專 門出版了多類報刊,其中大部份應歸功於Leal
Henriques先生,他為加強澳門刑法
及刑事訴訟法作出了極大貢獻。 然而,這樣一種使命不能單單落在一個人的肩上,是時候該由年輕的一代承 擔起責任。因而,就誕生了這本雜誌,伴隨而來的工作也促進了該本雜誌的發展。 為將想法付諸于行動,我們以一場有關刑事訴訟的研討會拉開了序幕,而這 一舉動也很快得到了澳門法律反思研究及傳播中心(官樂怡基金會)的青睞。因此, 首先我要感謝該機構,尤其要感謝官樂怡先生以及郭麗茹女士,他們從一開始就給予 了這一活動大力支持。最初,我們僅僅希望針對刑事訴訟程序中出現的頗有爭議的顯 著話題進行討論,但之後進展到了該方面的理論和實踐層面。由此舉辦了名為“《刑 事訴訟法典》中的弦外之音”的研討會。會中, 我和Teresa Robalo女士共同探討 了在刑事訴訟程序中未經同意使用肖像及將嫌犯的生物檢材作為證據使用的情況。會
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議的成功推動了在數月之後,針對此話題再次展開討論。在該次研討會中,Miguel Lemos 先生及Pedro Leal先生共同分析了有關證據的適度性及適當性,并討論了刑 事證據在澳門法制中引起的主要問題。 本期雜誌彙集了之前在會議中作出的反思。
在此,我要感謝我的同事
們,Teresa Robalo女士及 Miguel Lemos先生,感謝他們費時寫出自己的憂慮; 感謝官樂怡先生、官樂怡基金會、澳門法律反思研究及傳播中心以及郭麗茹女士;當 然還要感謝優秀的譯者們,因為你們的工作,我們才得以透過官方或非官方的語言, 表達出同一種心聲。 最後,對所有人表示我衷心的感謝。
VERA LÚCIA RAPOSO/ 黎慧華 澳門大學法學院助理教授 葡國科英布拉大學法學院助理教授 2015年6月22日於澳門
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刑事訴訟程序中的 DNA 證據—犯罪現場調查(英文縮寫 CSI)是否為查出事實真相?1 VERA LÚCIA RAPOSO/ 黎慧華 澳門大學法學院助理教授 葡萄牙科英布拉大學法學院助理教授 vraposo@umac.mo, vera@fd.uc.pt
1. 將 DNA 作為證據在刑法中使用 在現實生活中,我們效仿電視及電影中的虛構情節,愈來愈多地將基因數據作 為調查犯罪事實的基礎,以此懲處有罪者或洗脫無辜者的罪名。 藉助在犯罪現場遺留下來的生物檢材 2(血液、毛髮、精液、屍體骨架或殘 肢,這些尤其頻繁地出現在自殺及性犯罪中)可描述出曾在犯罪現場出現者的生物特 性,從而得出其犯罪的極大可能性并與犯罪嫌疑人的生物特性相對比。即使在案發現 場獲得的生物特性與犯罪嫌疑人不完全符合,仍可得出部份符合,從而將該人視為罪 犯的家屬。 刑法的目的並不在於不惜一切代價以查出實質真相,而是尊重犯罪嫌疑人的基 本權利,根據相關規定獲得實質真相。之後,需根據基本權利規定,對照該種證據所 牽涉到的內容,分析其有利之處。所有工作都反映出“正當程序”的核心理念3。 儘管在將 DNA 作為證據使用的過程中出現了相關問題,尤其是對基本權利的 侵犯,但在刑法中越來越多地採用該種證據,從而促進了國家在此方面的立法進程4。
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本篇文章與作者在由官樂怡基金會澳門法律反思研究及傳播中心舉辦的“刑事訴訟法典的弦 外之音”研討會上的發言內容相符。
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在犯罪現場收集到的生物檢材,無論是來自受害者還是物體,在未得到識別之前被稱為“問 題樣本”。
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後。
WILLIAMS及其他人,2004: 11。有關“正當程序”的概念,見RAPOSO, 2006: 3 及其續
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在此方面,英國立法於1994年作出變革(PACE);法國2003年3月18日第2003-239號 法律第29條變更了法國《刑事訴訟法典》第706條第54至56款;德國立法變革StPO ;以及葡萄牙《 刑法典》及《刑事訴訟法典》中產生的相應變革,透過2月12日第5/2008號法律,核准為民事及刑事 識別之目的而建立DNA信息數據庫。 引自ETXEBERRIA GURIDI, 2007: p. 40 及其續後。
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2.在證據上禁用之方法 在此方面,鑒於其在程序、調查的展開以及嫌犯訴訟地位方面的重要性,法 律中具體作出規定。在澳門刑事訴訟法典 (CPP5) 中,最突出的相關規定為第 113 條,闡明證據上禁用之方法6。 《刑事訴訟法典》第 113 條第1款認為通過違反法律規定而獲得的證據無效7且不 具任何效力,此外,即使經有關權利人同意,未必可在程序中衡量相關證據的價值。 事實上,長期以來一直認為,即使相關權利人同意,證據上禁用之方法依然不得使 用。國家不應將嫌犯放低至罪犯的位置,否則嫌犯將始終處於被迫作出同意的狀態, 這將限制其行動自由并影響到應有的平等。 為方便將一般禁止具體化,第二條列舉出某些證據上禁用之方法(或是所有 方法。對此規定的解釋仍存有疑問),基於侵犯犯罪嫌疑人的基本權利的事實作出該 禁止規定。在建立舉證有效程序的條件時,該規定同樣決定了其實質有效的條件8. 第3款規定,通過侵犯嫌犯的隱私而獲得的證據亦屬無效(侵入私人生活、住 所、函件或電訊),有關權利人作出同意或明確規定可使用該類證據的情況除外。 上述兩種禁止並不具有等同的意義及範疇。第1款規定係絕對禁止,在任何情 況中,即使經嫌犯同意,亦禁止使用;而第3款規定係相對禁止,意即若嫌犯作出同 意或有法可依,則允許使用9。 若構成“侵犯嫌犯的身體完整性及精神完整性”(僅該種情況可行,其他情 況與 DNA 證據無關),則可根據《刑事訴訟法典》第113條第1款規定採用 DNA 證 據。在第2款中並未明確提到 DNA 證據,但這並不重要,因為從學說層面看,該款
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在下文澳門《刑事訴訟法典》葡語簡稱CPP, 葡萄牙《刑事訴訟法典》簡稱CPPpt。
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第113條(在證據上禁用之方法) 1. 透過酷刑或脅迫,又或一般侵犯人之身體或精神之完整性而獲得之證據,均為無效,且不得使用。 2. 利用下列手段獲得之證據,即使獲有關之人同意,亦屬侵犯人之身體或精神之完整性: a) 以虐待、傷害身體、使用任何性質之手段、催眠又或施以殘忍或欺騙之手段,擾亂意思之自由或作 出決定之自由; b) 以任何手段擾亂記憶能力或評估能力; c) 在法律容許之情況及限度以外使用武力; d) 以法律不容許之措施作威脅,以及以拒絕或限制給予依法獲得之利益作威脅; e) 承諾給予法律不容許之利。 3.在未經有關權利人同意的情況下,透過侵入私人生活、住所、函件或電訊而獲得之證據,亦為無效, 但屬法律規定情況除外。 4.若採用本條例中規定的獲取證據的方式構成犯罪,可僅為起訴相關行為人之目的使用該些證據。 葡萄牙相關規定參見葡萄牙《刑事訴訟法典》(2009)第116條。 有關證據上禁用之一般方法,參見GOSSEL(1992)。
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證據的無效性對於特殊的證據而言并不產生效力。根據“毒樹之果”理論,該證據的無效性 將導致通過該證據獲得的其他證據同樣無效,即所謂的“遠程效力”。 假設基於問題樣本與嫌犯DNA 信息的一致性,可調查出其他證據(例如,獲准搜查嫌犯住宅并發現作案工具),但因最初促成採取 該些措施的證據無效,之後出現的其他證據亦不得受到法律的價值衡量。
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DIAS, 2004: 133。
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ALBUQUERQUE, 2009: 319。 絕對無效區別於相對無效,前者導致的後果不得獲得補正,而後者則可獲得補正。亦即,對於絕對禁 止的證據而言,可由法官依職權審理其無效性;而對於相對禁止的證據而言,僅在訴訟主體之一方就 證據之無效提出爭辯的情況下,法官方可審理(ALBUQUERQUE, 2009: 320)。
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規定並未作出詳盡的說明,而僅僅起到示例的作用10。不應僅僅因為未在禁止規定中 明確提到 DNA 證據而認為其使用合法,否則將造成對刑事訴訟原則的曲解11。未絕 對禁止使用 DNA 證據的實際原因在於不得將該類證據視為對身體完整性或精神完整 性的侵犯。DNA 證據代表了對嫌犯基本權利的限制,但並未觸及到基本權利的核心 內容,此外,就相關情況及目的而言,採用該類證據屬合理(適度、必要且適當)。 仍需分析第3款中的禁止是否可適用於 DNA 證據。事實上,DNA 證據有可能 侵犯人的隱私,尤其在基因及方面,但在下列情況中不會出現該種可能性:i) 若在口 腔黏膜上收集基因數據,則不會侵犯身體完整性; ii)若僅僅使用非編碼基因數據, 則不會侵犯基因隱私; iii)若經嫌犯同意,則可使用該類基因證據;iv)又或是法律中 有相關的明文規定。 某些人士認為若取得同意則可避免因《刑事訴訟法典》第113 條中的禁止規定 而不得收集 DNA 數據12,因而該類證據並非被完全禁止,可具有合法性。若在法律 中存在該種可能性,則在收集相關 DNA 數據并對其作出分析之時,應尊重嫌犯的權 利及保障。在後一種可能性中(法律有明文規定),則無需作出同意。 根據《刑事訴訟法典》第 113 條規定,收集 DNA 數據并在刑事訴訟程序中使 用可導致兩大問題13:一方面,可導致侵犯身體完整性;另一方面,可導致未經權利 人同意而侵入私生活。但《刑事訴訟法典》第 113 條中的禁止規定均不適用於DNA 證據的情況。除此之外,仍須實施某些保護以將該類證據合法化。在此方面,我們將 在本文中進一步探討。
3. 憲法法院第 155/2007 號合議庭裁判 2007 年 3 月葡萄牙憲法法院就一刑事調查中的生物檢材的合憲性首次作出裁 判,之後可有效使用該些材料以分析相關DNA 數據。 第 155/2007 號合議庭裁判14是葡萄牙憲法法院首次表明其在此方面的立場15 ,之後的第 228/2007 號合議庭裁判16,亦就同樣的問題表達了相同的觀點。 當時就葡萄牙《刑事訴訟法典》第 172 條第 1 款及第 126條規定的合憲性作 出分析。 10
在此方面,參見 MONIZ, 2002: 254。而在GONÇALVES, 2009: 347中則將其視為一種詳 盡的說明。
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正如Mário Ferreira Monte 在提到葡萄牙《刑事訴訟法典》的相關規定時認為:“始終不 得為證據之效力,而在刑事訴訟程序中允許使用禁用之證據。憲法亦不會允許該種做法” (MONTE, 2006: 255)。
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MONIZ, 2002: 254.
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不影響我們之前在RAPOSO(2008及2010)中探討的其他問題。
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RAPOSO, 2008: 99-100對憲法法院2007年3月2日第155/2007號合議庭裁判作出之評
論。
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需要注意的是,我們僅僅提到將DNA數據用作刑事訴程序中的證據,而未提到其他用途,例 如調查父親身份,這屬另一法律範疇。
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憲法法院2007年3月28日第228/2007號合議庭裁判。
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上述的第一條規定涉及“受檢查之拘束”,與《刑事訴訟法典》第157條規定 第1款內容相似,該條規定:“ 如有人擬避免或阻礙任何應作之檢查(······ )得透過有權限之司法當局之決定而強行檢查或強迫該人提供該物”。 相反,《刑事訴訟法典》第126條就證據上禁用之方法作出規定。 若將上述兩條規定理解為允許收集生物檢材并用作刑事訴訟中的證據,則可 能被視為觸犯憲法。 鑒於涉及到權利、自由及保障,若認為係違反憲法權利,需證實是否滿足相 關權利的前提條件,從而可判斷是否係根據憲法規定限制權利的實施,而非侵犯權 利。憲法法院認為嫌犯的某些基本權利—尤其是身體完整性權及隱私權,應受到一定 限制,但應就相關目的作出適度、適當且必要的限制。儘管在案件中對 DNA 數據的 分析明顯屬合法行為,因在收集生物檢材之前未取得司法命令,憲法法院最終未批准 對 DNA 證據作出價值衡量。 獲得主體的 DNA 數據但主體反對使用該數據,因而最終拒絕對該類證據作出 價值衡量——這一決定值得讚賞,但憲法法院並非意圖阻止使用該類證據。就我個人 而言,完全贊成對DNA 數據作出分析并建立基因數據庫以用於刑事調查。但在具體 情況中,並未滿足憲法層面的所有前提條件。在下文,我們將談到該些內容。
4. DNA 證據—侵犯身體完整性權? 葡萄牙《刑事訴訟法典》第 172 條針對該權利作出最適當的規定(澳門《刑 事訴訟法典》第 157 條)。 直至今日,雖然葡萄牙憲法司法見解仍未涉及到為刑事效力而作出的 DNA 檢 測,但已就為調查父親身份而進行的血液檢測作出說明。其內容為一般性結論,與歐 盟人權委員會及歐洲人權法院的相關司法見解一致。而在斯特拉斯堡的司法見解中, 血液檢測并未被列入《歐洲人權公約》第2條第1款的禁止範疇中,其中涉及到身體 完整性權及人身完整性權17。根據“舉重明輕”(argumento a maiore ad minus)的 概念,同一結論應適用於刮取口腔黏膜的情況。 葡萄牙的司法見解在此方面的觀點一直搖擺不定。在未經嫌犯同意的情況 下,以口腔棉籤獲取其基因數據,基於由此作出的數據分析, (TRP) 波爾圖關係法 院18認為此種信息收集並未侵犯身體完整性,因而支持對嫌犯判罪。相反,憲法法院 認為在此種情況中身體完整性受到限制,但若存在法律依據,則屬合法行為。對此結 論,我們持反對態度,不僅僅是因為其與憲法法院在之前有關未經主體同意而收集其 生物檢材方面作出的判決不盡相同,亦是因為憲法法院指出的法律依據實際并不存 在。更令人費解的是,憲法法院曾作出完全相反的判決,認為收集 DNA 數據並未侵 17
1979年12月13日第8278/1978號卷宗。
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波爾圖關係法院2006年5月3日第0546541號卷宗。法院的這一立場來自一般立法者的觀 點——“通過規定作出某些行為,限制身體完整性權及身體自決權,從而保護重要的權利、價值及利 益,例如在公共健康、國防及司法領域(······)。若在未經同意的情況下收集頭髮或血液, 則構成對身體的干涉;醫學專家嚴格遵守法律的相關規定作出上述行為,若可以且應對該行為分級, 則因其在短暫時間內極其微弱地影響到參與人的身體及意志系統可列為對身體完整性權及身體自決權 的最低程度的侵犯。關於口水或尿液的收集,在我們看來,亦不得視為對上訴人身體完整性權的侵 犯,但可視為對身體自決權的最低程度的侵犯”。
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刑事訴訟中的舉證之第二場會議--“犯罪現場調查”真實嗎?- 圖像1
刑事訴訟中的舉證之第二場會議--“犯罪現場調查”真實嗎?- 圖像2
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犯身體完整性。1998 年,在另一合議庭裁判中,就確定生父身份而實施 DNA 檢測, 憲法法院認為:“就侵犯身體而言,嚴重性有不同程度的劃分;由此就會提出《葡萄 牙共和國憲法》中規定的權利是否保護其權利人免受所有侵犯的疑問,無論為何種程 度的侵犯,考慮到其性質,尤其是在嚴重的情況下,第 25 條第 2 款列舉出此類侵犯 (······)” 。現在的情況係單單進行血液檢測(分析),或在現今可借用 歐洲人權委員會於 1978 年 12 月 4 日在判決中提到的“一般干預(······) 。面對此種權利與利益的衝突,若認為身體完整性的權利受到限制,有關一般規定並 非為隨意或無端作出。一方面,如規定,為調查生父身份允許進行血液檢測以提供相 關證據以及拒絕作出該檢測的效力,則特別考慮到該規定的目的;另一方面,此檢測 可導致最小程度的身體侵犯。根據《民法典》第 1801 條及《民事訴訟》第 519 條第 2款規定,並未違反《葡萄牙共和國憲法》第 25 條規定(憲法法院提到葡萄牙法制 中的規定)”。儘管是在為調查生父身份而收集 DNA 數據方面作出的決定,同樣可 適用於刑事調查,不得認為在刑事訴訟中重建生物學親子關係較發現實質真相而言屬 更為重要的目的。此外,將刮取口腔黏膜視為侵犯身體完整性權的行為,而收集血液 卻未侵犯該權利,這種觀點是不恰當的。 澳門法律在此方面未作出表態。中級法院於 2013 年 1 月9 日第 630/201 號 訴訟中作出的決定最接近我們現在所討論的情況。其中寫道:“收集血液樣本,lato sensu(從廣義上來講),可最終構成對身體完整性的侵犯,因而,根據《刑事訴訟 法典》第 113 條規定,在收集血液樣本的程序不滿足法律要件的情況下,可導致相 關證據無效”。然而,刮取口腔黏膜與收集血液樣本並非屬同種情況(在其他方式可 行的情況下,該種方式(收集血液樣本)並不會造成此種程度的侵犯),法院在此方 面亦未完全表態,因而,問題依然懸而未決。 在我們看來,通過刮取口腔黏膜而獲取DNA信息的行為并未侵犯主體的身體 19 完整性 。 我們的觀點並未獲得一致認同,某些學說中認為身體完整性權并非僅僅針對 某種程度的侵犯或傷害身體的侵犯行為。無論以何種方式獲取生物樣本,或獲取到何 種生物樣本,任一種生物樣本的提取行為均侵犯了身體完整性權,但存在阻卻非法性 的事由除外,如作出同意的情況20。 我們來看刑法中最有權威的學說在此方面的見解。Figueiredo Dias21 認為並 非所有透過因果關係作出的抽象行為會與某種法律保護產生聯繫,亦需要考慮到該行 為的社會價值。亦即,並非所有干涉身體的行為會損害身體完整性,因為其中某些行 為無足輕重,并不會產生該種影響。 Roxin 持有相同的觀點。他認為“嫌犯無須積極配合當局調查;但除上述對其 私人生活的調查之外,應接受對其身體的干涉,從而有助於確定其是否有過錯”(自 19
RAPOSO, 2010: 935-945。
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MONIZ, 2002: 250(“從罪犯身上收集樣本的行為構成對身體完整性的侵犯,但存在例如 同意的阻卻非法性的事由除外”);FIDALGO, 2002: 122 及其續後。然而,鑒於該兩篇文章撰寫的 時間及當時收集DNA數據的一貫做法,不清楚作者提到的生物檢材屬何種類型,是否僅為抽血,又或 刮取口腔黏膜亦包含於其中?
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DIAS, 2007: 291。
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譯)22。 在憲法學說中亦存在相似的觀點。 Gomes Canotilho 及Vital Moreira 認為身 體完整性權并不影響公民配合國家實現公正的義務,公民應與司法合作,接受對其身 體的干涉,“但不應強制公民作出該行為(不妨礙針對拒絕作出懲處)”23。 事實上,儘管有關身體完整性權的規定對該權利不設有具體的限制,但非不 可廢止該權利(其他權利亦然),尤其是在為維護公共秩序及整體利益的情況中。對 於輕微且可復原的損傷,該結論尤顯恰當。 在此方面,我們亦認為,從基本權利的角度來講,身體完整性權僅可有效阻 止對身體完整性影響不大的干涉;而從客觀角度而非受害者的主觀角度定為無足輕重 的干涉行為,並不會對基本權利造成影響,此干涉行為明顯屬社會道德範疇,較其本 身而言,更重要的是社會對該種行為的理解和感知。 儘管身體完整性權確保我們的身體不受到侵犯,卻未禁止不同於侵犯卻與侵 犯緊密聯繫甚至會產生混淆的行為:在刑事調查中實施的干涉,且未超出必要性、 適度性及適當性的限制。“干涉身體”,欲指對嫌犯身體進行的調查,旨在查明刑事 訴訟中重要的事實情況,而這一調查受到廣義上的必要性原則的限制,若被證實屬 合法,則由一名醫生根據 leges artis 作出(一種保全措施,但對於非侵入性的收集 DNA 數據的情況而言可免除)。 從刑法角度出發,可得出相似的結論。 儘管“身體完整性”的法益受到保護 (澳門《刑法典》第 138 條),但在經權利人同意而實施侵犯的情況中,或在侵犯 行為無足輕重,被社會普遍接受且無需獲得同意的情況中,并不存在違法罪狀24。 事實上,侵犯身體的違法罪狀僅指具有一定嚴重性的侵犯行為,例如導致身 體殘缺(器官、肢體或皮膚損失),又或是未被列入社會適應性規定中的行為。應客 觀評定侵犯的嚴重性(不考慮受侵犯者最明顯表達出的感受),但具體情況仍需另作 分析。社會適應指有必要調整相關行為以便社會良好運作25。通過刮取口腔黏膜獲取 DNA 數據,不僅僅從其對身體侵犯的程度看屬一種無關緊要的身體干涉,從其欲達 到的目的(在刑事訴訟中查清事實)來看,亦為社會接納26,因而不會構成侵犯身體 的罪狀27。 若經嫌犯的同意收集 DNA 數據,或應其要求收集 DNA 數據,則無需滿足任 一要求。但這並不意味著在未獲得同意的情況下,絕對不可收集 DNA 數據。若有相 關法規規定了該種可能性,則無需作出同意。在 2007 年之前葡萄牙法律中未訂立此 22
ROXIN, 2000: 120。
23
CANOTILHO & MOREIRA, 2007: 456。
24
該規定涉及到不可逆的損傷及其嚴重程度,因而不得違背善良風俗。引自 ANDRADE, 1991: 159-160.
25
DIAS, 1975: 153-154。
26
在社會認可方面,我們贊成FARIA, 2005: 315 及續後以及MORA SÁNCHEZ,2001: 103104中提出的標準。
27
相反,)FERNÁNDEZ GARCÍA 2002: 152中認為收集DNA數據屬非法刑事行為(但并未表 明是否亦禁止單純刮取口腔黏膜); FIDALGO, 2006: 122 及續後以及 MONIZ 2002: 250。
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類規定,現時在澳門法制中亦不存在。 然而,即使存在相關的法規,若嫌犯拒絕他人從其身上收集 DNA 數據,而警 察當局不得已強行逼迫其接受,則將會引致相關問題,在憲法及刑法方面同樣會出現 問題。因而,收集 DNA 數據將構成違法行為,但僅屬違令罪狀(《刑法典》第312 條)。由此,法官僅可根據法律中的自由評價的規定,衡量主體的拒絕行為(《刑事 訴訟法典》第114條28)并作出判罪或宣告無罪的決定。
5.基因證據侵犯精神完整性權? 侵犯嫌犯的精神完整性包括對人的非物質財產的侵犯29, 亦即,對其人格的 侵犯,因而可“敗壞人的形象或聲譽或侵入其私生活”30。從根本上講,該行動構成 對其他基本權利的侵犯,即身體健康及心理健康的一般權利31。 難以確定收集 DNA 數據在何種程度上會構成上述的侵犯行為。若以虐待的方 式收集 DNA 數據,則構成該種侵犯行為,在多項國際法規定中禁止此虐待行為;又 或是剝奪他人器官或肢體,導致其患上疾病以及健康狀況下降,對其採取引致傷痛或 損害其外表的措施32。若根據訴訟參與的規定,在完全不尊重嫌犯的自決權的情況下 收集生物檢材,則屬對另一種權利的侵犯。 對嫌犯作出通知是說明其參與訴訟程序的自由及精神完整性的根本內容。“ 始終要求相關人知曉對其採取的行動及該行動的後果,并對其作出必要的通知;此要 求係對自由發展人格權及身體與基因隱私權的尊重,而非身體完整性權”33。 通知義務應涉及到以下方面:i) 正在進行中的調查屬何種程序; ii) 由生物檢 材可獲得何種信息; ii) 收集相關的數據目的何在(如刑事調查或其他);iv)何種問 題樣本將與(嫌犯的)DNA 數據作比照(若該信息不會破壞調查的進展,則可作出 相應通知)。 若相關基因數據將被納入基因數據庫以用於刑事工作,則對嫌犯作出的通知 應涉及到多方面內容34,包括:i) 通知嫌犯其基因信息將被納入基因數據庫; ii)之 後,其基因數據將與問題樣本進行比照;iii)其生物檢材將(可能)被存放於生物樣本 庫中。
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MENDES, 2010: 997 及續後。
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CANOTILHO & MOREIRA, 2007: 454。
30
MEDEIROS & MARQUES, 2005: 269。
31
MORA SÁNCHEZ, 2001:100-101。
32
RAPOSO, 2010:936。
33
RAPOSO, 2010:940。
34
在本文中,我們不將仔細探討有關將DNA 數據存放入為刑事效力而建立的基因數據庫中的問 題,不同地域在此方面的做法各異。可參見我們在《A Vida num Código de Barras》一書中發表的 研究。但在此有必要en passant(順便)提到有關保存生物樣本以及收集數據的某些方面,否則將被 認為未就收集與分析生物檢材作出必要的深入探討。
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6.基因證據侵犯私人生活隱私權? 6.1. 基因隱私 基因涉及到個人信息,屬極具隱私性的內容(2003年10月16 日《聯合國教 科文組織國際人類基因數據宣言》第14條),因而須因其敏感性受到特殊保護(第 8/2005 號法律,《個人數據保護法》第 7 條第 1 款)。收集 DNA 數據代表了對個 人隱私權的限制,更恰當地說,在基因隱私方面的限制35 ,最終也可能導致對身體隱 私權的限制(還取決於收集地點)。 葡萄牙憲法法院在此方面未明確表明其立場。 事實上,葡萄牙司法見解從未 就基因隱私的多個方面作出詳細說明36。在本文提到的合議庭裁判中,憲法法院僅簡 要引述了某些葡萄牙學說理論及該法院之前表明的極少的觀點(但未特別提到此方面 問題)。總的來說,上文提到的強制收集唾液并作出檢測,以便之後分析其基因信 息,即便違背嫌犯意願,亦然,否則將強迫執行——這一行為構成在未經同意的情況 下對嫌犯私人生活的侵犯 。憲法法院在此方面作出的分析過於表面化,而實際上需 深入研究該問題;憲法法院亦未明確表明是否屬侵犯隱私權又或是僅限於迴應上訴人 提出的爭議。 在基因隱私方面存在多種危險。侵入私人生活中更為隱私的部份,可將公民 轉變為“透明人” 37。同時亦可在生活多個方面(從就業市場到健康保險)導致基因 歧視38。 然而,就相關目的而言,無論是為測試酒精含量而採集血液樣本39,還是對勞 工進行體檢40,對基因隱私權作出的某些限制可被視為合法行為,這一結論同樣可適
35
RAPOSO, 2010: 946-954。
36
和西班牙的司法見解相反。有關基因隱私權,參見西班牙憲法法院1985年4月11日第 53/1985號判決、1998年11月24日第261/1998號判決、2001年2月26日第55/2001號判決以及 2003年9月15日第 160/2003號判決。
37
ETXEBERRIA GURIDI, 2007: 48。
38
引自 GAULDING, 1995: 1646 及續後; HELLMAN, 2003: 77 及續後以及 KIM, 2002: 1497 及續後。
39
“私人生活隱私權為所有人享有的內部空間或住宅免受他人侵入的權利——對於不得侵犯的 個人空間,未經相應權利人同意,他人不得涉入(引自第128/92號合議庭裁判),若出現文中提到 的檢測,則自然會對該權利造成破壞。但規定並未違反《憲法》中訂立該權利的第26條第1款 。事實 上,酒精含量測試并不代表干涉司機攝取酒精飲品的習慣,而僅僅是收集可銷燬的證據并防止有價值 的法益受到侵犯(例如生命及人身完整性)——在酒精作用下駕駛可導致該後果,因而,根據憲法規 定,對司機的隱私權作出此種限制完全正當”(憲法法院1995年6月20日第319/95號合議庭裁判) 。
40
“但該權利並非在所有情況或所有領域中均可行,即使在依法強制接受醫療檢測的情況中亦 然——構成對私生活的侵犯;該類檢測旨在收集健康數據,必然牽涉到私人生活——在某些情況中, 鑒於有必要將私生活隱私權與憲法認可的其他合法權益相協調,可允許作出該種侵犯(例如,保護公 共健康或實現正義),但須遵循適度性原則”(憲法法院2003年6月25日第306/2003號合議庭裁 判)。
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用於在刑事訴訟程序中為發現實質真相而採取的行動。 上文舉出的兩例與在刑事調查中採集 DNA 數據並非完全相似, 酒精含量測 試及勞工體檢對基因隱私的侵犯程度並不高。而刑事調查具有特殊性,其中實施的檢 測更大程度地涉入個人隱私生活,在很多情況中,其隱私數據將在很長一段時間內被 儲存於基因數據庫中。 因而,須考慮作出特別的保護。首先,僅應使用非編碼DNA41;其次,由基因 檢材獲得的信息不應與識別上述檢材及識別主體本身產生聯繫42;最後,應保證僅在 刑事調查中使用採集到的數據 (該刑事調查僅指代當時進行的調查,又或同樣指代 將來進行的調查?對此仍有待明析),此外應特別保護該些數據以免被僱主及保險公 司利用。 葡萄牙第 5/2008 號法律考慮到該些保護并作出如下規定:i) 限制可被使用的 標記數量及類型,以此保證僅使用非編碼基因; ii)保證由 DNA 獲得的信息脫鉤 ;iii) 保證僅在刑事調查中使用該類信息。 若在刑事訴訟程序中使用 DNA 數據之時遵守上述要求,即使基因隱私權受到 限制,但就相關目的而言,亦屬必要、適度、適當及合理。
6.2.身體隱私 身體隱私權係隱私權的另一方面,欲使得個人可控制他人接觸其身體,尤其 在最為隱私的部位43。 由此產生了有關身體的信息隱私權,控制接觸他人身體。雖然此權利飽受爭 議,但屬針對使用相關基因數據實施的個人任意處置權以及基因所有權。 針對該權利,葡萄牙僅作出極少的司法見解,但西班牙已對此展開廣泛研 究,其提出的首要思想為“該權利保護的部位與身體邊界之間的不連續性”。換言 之,並非身體所有部位屬隱私部位,僅涉及到可影響到個人貞潔及私密的部位44。若 在身體的公開部份採集毛髮以獲取基因數據的行為會損害該權利,那麼通過刮取口腔 黏膜獲得基因數據的行為則不會對該權利造成影響,但在該種情況中可能會損害個人 隱私權45。
7.基因證據——違反 nemo tenetur se ipsum accusare(沒有
人必須自我抗訴)原則? 41
引自ETXEBERRIA GURIDI, 1998: 176 及續後。 此種保護在德國司法見解中獲得特別認可。參見德國最高法院於1990年8月21日作出的判決、德國憲 法法院於2000年12月14日第及2005年12月13日作出的判決。
42
有關在英國及威爾士適用的脫鉤程序,參見WILLIAMS等人著作,2004:67-68。
43
FIGUEROA YAÑEZ, 1999: 59-60; MORA SÁNCHEZ,2001: 119。
44
西班牙憲法法院於1989年2月15日作出的第37/1989號判決。FERNÁNDEZ 2002: 152中表達了同樣的觀點。
45
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GARCÍA,
西班牙憲法法院於1996年12月16日作出的第207/1996號判決。
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nemo tenetur se ipsum accusare(沒有人必須自我抗訴)原則46落實了對嫌 犯提供的保護的實質部份,正如《刑事訴訟法典》第 49 條及第 50 條第 1 款中規定 的一樣47。該原則要求應將嫌犯視為主體而非客體,并促成刑事調查必然因自由且明 確承認其本身應承擔的責任而展開。 基於該禁止,對使用從嫌犯身上獲取的 DNA 是否違反這一現代刑事訴訟程序 中的關鍵原則展開探討。上述的憲法法院第 155/2007 號合議庭裁判表明 in casu(在 該情況中)并不存在此種違反情況48,歐洲人權法院就對此原則的理解表達了相同的 觀點 。 根據其理解,該權利僅保障作出聲明的自由,禁止以強迫或欺騙的方式使得 嫌犯作出聲明,但未禁止收集與不取決於嫌犯個人意願而存在的要素有關的信息,且 嫌犯對此難以掌控,例如其生物痕跡。 這一雙面剖析的觀點獲得憲法法院、國家各法院、其他鄰近法制系統中的法 院以及斯特拉斯堡司法見解的一致贊成。 例如,艾武拉關係法院認為“不依賴於被指控者之意願而存在的證據與沉默 權無關,不涉及免除自證其罪的特權。在此情況中,則為憑藉命令狀而獲得的資料、 為分析 DNA 而採集呼出的氣體、血液、尿液以及人體組織”49。 西班牙憲法法院認為,僅在嫌犯的相關行為有直接罪證效果的情況下,可禁 止自證其罪,而對於旨在逃避法院採取的措施的情況,不得作出該禁止50。 根據《歐洲人權公約》作出的相關決定,反映出同上述一致的立場。 在有關 Saunders v. Reino Unido51 的案件中, 歐洲人權法院認為嫌犯的沉默權並不阻礙採 用不取決於嫌犯個人意願而存在的證據,即使為以強制手段獲得包括生物檢材在內的 46
有關這一原則,參見ANDRADE, 2004: 120 及續後; COSTA, 2011: 117-183;DIAS & RAMOS, 2009; MACHADO & RAPOSO: 2009: 14 及續後; ROXIN, 2000: 115 及續後。
47
第49條(訴訟地位) 1.自某人取得嫌犯身分時起,須確保其能行使訴訟上之權利及履行訴訟上之義務,但不妨礙依據法律所 列明之規定採用強制措施與財產擔保措施及實行證明措施。 2.應在不抵觸各種辯護保障下儘早審判嫌犯,在有罪判決確定前推定嫌犯無罪 第50條(訴訟上之權利與義務) 1. 除法律規定之例外情況外,嫌犯在訴訟程序中任何階段內特別享有下列權利: a)在作出直接與其有關之訴訟行為時在場; b) 在法官應作出裁判而裁判係對其本人造成影響時,由法官聽取陳述; c)不回答由任何實體就對其歸責之事實所提出之問題,以及就其所作、與該等事實有關之聲明之內容 所提出之問題; d)選任辯護人,或向法官請求為其指定辯護人; e) 在一切有其參與之訴訟行為中由辯護人援助;如已被拘留,則有權與辯護人聯絡,即使屬私下之聯 絡; f)介入偵查及預審,並提供證據及聲請採取其認為必需之措施; g)獲司法當局或刑事警察機關告知其享有之權利,而該等機關係嫌犯必須向其報到者; h) 依法就對其不利之裁判提起上訴。
48
憲法法院之理據,參見 RAPOSO, 2010: 957-960。
49
艾武拉關係法院於2011年10月11日就第101/09.0GBMMN.E1號卷宗作出之合議庭裁判。
50
西班牙憲法法院於1997年10月2日作出之第161/1997號裁判。
51
卷宗。
Saunders v. Reino Unido 案件,參見1996年12月17日TEDH第43/1994/490/572號
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證據,亦然。在多年前,歐洲人權委員會認為,為確定血液中酒精含量而進行的酒精 含量測試並不等同於任何損害無罪推定的過錯推定52。 然而,必須承認在上述的理解中仍存有缺陷——並未作出明顯的區分:如何 區分嫌犯的主動行為與被動行為,僅在第一種情況中認為違反了上述原則,而在第二 種情況嫌犯亦可被降級為客體。儘管嫌犯的主動行為與被動行為之間的區分仍十分模 糊,但并非完全不可採用這一行為的區分。 可進一步研究其他理據以證明採集 DNA 數據並未違反自證其罪的禁令53,例 如 DNA 具有的雙重性質,既可用來定罪亦可 阻卻罪過54,可將其視為對一種不確定 結果的鑑定。 葡萄牙法律中作出一項獨特的規定——禁止對根據 DNA 證據作出的懲處說明 55 理由 ,我們認為這一規定旨在保護上述原則。由此導致了對科學證據的不信任,對 此頗為費解。法院每日都依法作出合理懲處,比如,根據證詞或由受害者進行臉部識 別,但這兩種方式的可信程度,毫無疑問均低於 DNA 證據56。
8.存在法律許可嗎? 在此我們可總結得出,採集并分析 DNA 數據可導致嫌犯的某些基本權利受 到約束(再次強調,該種約束并不等同於對權利的非法限制),但缺少具體的法律依 據。仍未清楚澳門法制中是否存在該種依據,在葡萄牙第 155/2007 號合議庭裁判中 亦對此方面作出討論57。 在允許收集指紋的多項規定中存在可作為法律依據的內容58, 其中認為基因 識別與民事識別之間存在很小的區別,因而針對民事識別訂立的法制應同樣適用於基 因識別。然而,基因識別中存在的風險并未在民事識別中表現出,因而,民事識別的 有關規定并不可等同適用於基因識別。 《刑事訴訟法典》在嫌犯的合作義務部份規定了幾項更為合理的假設。例 如,其第 50 條第 3 款 C 項規定嫌犯有義務“受制於法律列明及由有權限實體命令採 52
X v. The Netherlands案件,參見1978年12月4日 CommEDH第8239/78號卷宗。
53
相反,在 RODRIGUES, 2008: 193-199中,贊同違反該禁令,採集DNA數據無需獲得嫌犯 的同意。
54
DNA的阻卻(罪過)功能,在美國尤其有益,Innocence
55
有關該問題,參見 LIGERTWOOD, 2011: 487-514。
刑。
Project使得很多囚犯被免判死
56
http://www.innocenceproject.org/Content/Reevaluating_Lineups_Why_Witnesses_Make_Mistakes_and_How_to_Reduce_the_Chance_of_a_Misidentification.php e http:// www.innocenceproject.org/understand/Eyewitness-Misidentification.php (13/02/2015).
57
RAPOSO, 2008: 102-105中分析了多項可適用的法律依據。
58
如第19/99/M號法令,核准新的居民身份證發放制度;第8/2002號法律,訂立了澳門特別 行政區居民身份證制度的一般原則。
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用及實行之證明措施、強制措施及財產擔保措施”59。但仍未明確可否將“收集生物 痕跡”視為上述規定中的“證明措施”。另一方面,《刑事訴訟法典》第 157 條第 1 款就在特殊領域嫌犯受檢查之約束作出規定:“如有人擬避免或阻礙任何應作之檢 查,或避免或阻礙提供應受檢查之物,得透過有權限之司法當局之決定而強行檢查或 強迫該人提供該物。”但無論是該條規定,亦或是前一條規定,均僅就其他規定的義 務訂立出一般合作義務,而未單獨規定某種義務60。亦不得將其視為與司法合作的一 般義務,對於存在相當高風險的行為來說,(該規定)始終不會產生效力。 葡萄牙憲法法院在有關法醫檢測及鑑定的法規中找出這一法律依據。葡萄 牙 2004 年 8 月 19 日第 45/2004 號法律第6條對此問題作出規定,同 1 月 31 日第 9/94/M 號法令第4條規定相符 ,兩項均規定“透過司法當局發出之命令,任何人都 不得逃避為組成卷宗而必須作出之檢測”。基於此規定,憲法法院認為嫌犯不得逃避 DNA 採集及檢測61, 這一規定係適用於任一種檢測的一般規定。 但這一論據並不可信, 鑒於 DNA 分析所具有的特殊性,一般規定並不適用62 。 此外,上述論據同樣不適用於澳門。12月13日第100/99/M號法令將第 9/94/M 號法令廢除,因而缺少該方面的規定。現時在澳門法制中,不存在有關採集 DNA 以 及在刑事訴訟程序中使用 DNA 的法律依據63。
9.有權限實施 DNA 證據措施者 9.1.為採集生物檢材而獲得法律許可之必要性
在第 155/2007 號合議庭裁判中,對於是否須獲得法律許可以採集DNA提 出疑問,在 sub judice(審理中的)案件中僅存在由檢察院作出的委任。 對此問題,需分析相關行為是否在很大程度上觸及到嫌犯的基本權利且未獲 得預審法官的許可。 59
有關嫌犯受證據措施之約束,參見MONTE, 2006: 245-255。
60
Helena Moniz大法官最近在針對最高法院2014年5月23日第14/2014號合議庭裁判投票時 著重提出了相同的觀點,在此案件中嫌犯拒絕接受筆跡鑑定。
61
仍未明確係一項檢測或一項鑑定,對此問題我們在RAPOSO, 2010中已探討過。一直認為立 法者傾向於不加區別地採用兩種概念,因而可認為規定中的“檢測”同樣可包括“鑑定”。
62
“考慮到為刑事目的而對DNA數據作出分析的特殊性,應在專門為此建立的法律中訂立相 應的法律依據,以滿足其特殊要求,而非在已有的法律中尋找相關規定以適應這一sui generis現 實”(RAPOSO, 2008: 103)。
63
現今在葡萄牙因法律變更而出現不同的情形。2007修訂了《刑事訴訟法典》,其第156條第 6款明確規定了該種可能性。(“在分析血液或其他人體細胞方面,僅在當時進行的程序或其他已建 立之程序中可使用已作出的檢測或採集到的樣本;若不再需要使用,則應透過法官之批示銷燬該些內 容”) 。 同時頒佈了2月12日第5/2008號法律,其中規定 “在刑事訴訟程序中,應嫌犯要求或由法官依職權 或應聲請作出批示,根據《刑事訴訟法典》第172條規定採集樣本”(第8條第1款)以及“若未根據 上一款規定採集樣本,則透過審判法官之批示,在轉為確定之後,判處該行為故意犯罪,且施行三年 或三年以上的徒刑(該刑罰已被更替)”(第8條第2款)。
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葡萄牙《刑事訴訟法典》第 269 條(須獲得命令或經預審法官許可方得作出 的行為)針對預審法官的權限規定了相關檢測及鑑定的實施(第 269 條第 1 條a、b 款)。因此,正如大部份學說中闡明的觀點一樣,葡萄牙憲法法院認為64預審法官 應介入其中。第 5/2008 號法律針對此要求作出相應規定。 澳門《刑事訴訟法典》第 269 條對應葡萄牙《刑事訴訟法典》第 251 條, 但在澳門的法規中並未明確提到上述的檢測及鑑定。應根據刑事訴訟程序賦予相關的 訴訟主體的職能分析此問題。 在葡萄牙及澳門,檢察院作為刑事訴訟程序中調查的dominus(負責人), 有責任嚴格根據合法性標準及客觀標準展開刑事調查。刑事訴訟程序的立法者規定預 審發法官可作出某些行為,以便更直接地介入嫌犯的權利,但不得因此質疑檢察院的 作用——檢察院並非“控訴律師”,而是“真相的預言者”,有義務以嫌犯名義(甚 至專門以嫌犯名義)採取行動并對嫌犯實施保護。檢察院的這一作用符合《刑事訴訟 法典》中規定的相應職能,但事實上並非始終得以實現,因而與法律賦予其的地位嚴 重不相符且未履行相關的義務。 在葡萄牙,憲法法院及學說中的主導觀點為須司法提前介入方得在基因證據 及嫌犯權利之間建立起密切聯繫,立法者對此同樣表示贊成。鑒於葡萄牙《刑事訴 訟法典》第269條明確規定預審法官可執行檢測及鑑定,上述的觀點或許是唯一可行 的。 而澳門似乎另闢蹊徑。首先,可透過其他形式對嫌犯實施保護。若對此作出 規範的法律(我們要求由專門的法規對此問題作出規定)涉及到必要的保護,則無需 預審法官預先涉入;其次,澳門現行刑事法制本身具有的特殊性使得預審法官可享有 相關權限,這一方面區別於葡萄牙法律。《刑事訴訟法典》第251條並未取消立法者 賦予預審法官的所有權限,預審法官仍有權詢問證人以用於供未來備忘用之聲明(《 刑事訴訟法典》第253條)。第251條第1款d項規定了(預審法官的)其他權限65 ,但為此法律須明確賦予預審法官相關權限,該條規定並非屬權限的一般規定;最 後,刑事訴訟程序並非係當事人的訴訟程序,檢察院不得作出無正當理由的控訴,因 而檢察院命令採取必要措施以發現事實真相,或旨在證明嫌犯無罪。由此,嚴格意義 上來看,不存在與檢察院這一權限相違背的規定。那麼,若澳門檢察院確實保障了公 正并根據法律維護嫌犯的權利,是否還有必要作出統計研究?
9.2. 刑事警察機關的行動範疇 無論是由檢察院或是預審法官命令收集生物檢材,還有待明確刑事警察在此 方面的行動範疇。在我們看來,行動的許可(由預審法官或檢察院作出)及其執行可 由刑事警察作出。 64
有關法官許可的問題,憲法法院認為:“鑒於上述內容,僅可認為,相關行為緊密關涉到基 本權利、自由及保障,是否可在偵查階段實現取決於預審法官的預先許可,同理,《刑事訴訟法典》 第269條中規定的行為亦取決於這一許可,以實現對嫌犯基本權利的重要干涉。若同本卷宗中出現的 情況一樣,在就檢察院作出的相關檢測決定提出聲請之後,法官方涉入案件,這是不足夠的,因為此 時的干涉不得解除某些權利(身體完整性權或私生活隱私權)受到的約束。”
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“法律明文規定的取決於預審法官的命令或許可的行為”。
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《刑事訴訟法典》第 252 條第1款規定檢察院“得授權刑事警察機關負責進行偵 查之行為”,但第 3 款規定此權限不適用於依據第 250 條及第 251 條之規定專屬預 審法官權限之行為,對於接受經宣誓而作出之證言、進行可能使人感到羞辱之檢查時 在場(第 157 條第 2 款)、命令或許可搜查及搜索(第 159 條第3、4款)及法律明 文規定須由檢察院作出之其他行為,亦不適用。 在本文分析的問題中,不存在上述任一種可能性。既不是可使人感到羞恥之 檢查(如婦科檢查),亦非搜查或搜索。因而,繼採集DNA數據之後,可無障礙地 對其作出檢測,僅在刮取口腔黏膜而非如採集血液之類的醫學行為的情況中,由刑 事警察機關作出鑑定,若為醫學行為,則須專業人士介入,之後的鑑定 proprio sensu(就其本身意義來看)屬專業工作,須由專業人員操作,一般為法律醫學研究所( 但不妨礙可委託私人化驗室進行鑑定)。
10. 收集 DNA 數據 10.1.收集 DNA 數據的方式 儘管從抽象意義上講,收集 DNA 數據屬合法行為,但始終需預防透過《刑事 訴訟法典》第 113 條第2款規定的方式獲取樣本。因而,不應通過身體暴力(vis) 的方式收集嫌犯的生物檢材,亦即,不應出現“虐待、侵犯身體”的情況, 例如, 強行打開嫌犯的下顎以將棉籤塞入其口腔內。此外,還應確保不採用欺詐性的方式, 例如“以任一手段干擾記憶能力或評估能力”或是“承諾提供違法利益” 。為收集 嫌犯的 DNA 數據,向其善意提供水杯,從而利用該水杯達到目的,這屬一種欺騙手 段。在多部美國電影中可常見這一手段(以及利用飲料易拉罐或菸頭),表面看屬“ 無害”行為,未牽涉到主體的身體完整性,但存在違背法制的風險。事實上,在法律 層面,更為恰當的做法是,就收集 DNA 數據及其相關後果私下通知嫌犯(即使仍需 採用程序上合法的強迫方式),從而避免觸犯法律規定。 若通過述任一種方式收集嫌犯的生物檢材,將受到絕對禁止的嚴格限制。儘 管 DNA 收集本身不屬違法行為,但可受到其收集方式的牽連。
10.2.對嫌犯作出的通知 在很多情況中,基於同意而收集 DNA 數據的規定在實施之時,因主體的拒絕 而受到阻礙,由此會導致間接進行的不明確的收集方式:經家庭成員的同意對其作出 檢測、對主體個人物品(牙線、牙刷)、該人曾用過的物品(水杯、香菸)或之前從 其身上獲得以用於醫學目的的生物材料(用於醫學檢測的血液樣本)。在法律規定的 無須作出同意的情況中,無需採取上述方式;若因某種原因秘密進行調查,則可不再 採用該些手段。 在我們看來,應始終就收集 DNA 數據及可因其產生的有利後果對主體作出通
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知。因而,應將該種通知列為必要通知,否則將被視為程序之瑕疵。若在嫌犯不知情 的情況下收集其DNA 數據,則較未獲得其同意而言,將構成更嚴重的侵犯權利的行 為。我們認為在此情況中的較高價值可填補後者(同意)的缺失,但卻無法對前者( 知情)起到相同作用。 平等使用武器以及刑事訴訟程序中控訴結構的基本推論并非為國家的欺詐手 段,亦不會阻礙國家實現其jus imperii,從而可向主體強加非屬其自願行為範疇的措 施。
10.3.檢測或鑑定 現代刑法將嫌犯視為訴訟程序中的主體(《刑事訴訟法典》第49條第1款及第 50條第1款),但并不說明不可對其實行證明措施66(《刑事訴訟法典》第 49 條第1 款及第50條第3款),因而嫌犯須接受檢測及鑑定67。 《刑事訴訟法典》第 156 至 158 條就相關檢測作出規範,該些檢測旨在使得法官 在作出決定之時遵循重要事實,且在該些事實方面無需使用專業知識。 若為評價某事實而需在科學、技術或藝術方面獲得特殊了解,則可作出鑑定 (《刑事訴訟法典》第 139 至 149 條)。 相應法律框架中的最顯著的差異表現為,一方面,有可能(或不可能)對嫌 犯作出制約;另一方面,評估證據的方式各異。 若相關人士拒絕接受法律規定的檢測,“可透過有權限之司法當局的決定強 迫其接受檢測”(《刑事訴訟法典》第 157條)。仍不清楚收集 DNA 數據是否屬滿 足相關要件的檢測,以及在何處設有該種制約: 僅僅用於違令罪的威脅或屬實際作 出的人身約束?正如《刑事訴訟法典》第 158 條中規定的“警察部隊的協助”68。 在鑑定的情況中,法律未作出約束,僅規定了違令罪。 此外,審判人可自由評價檢測結果(《刑事訴訟法典》第114 條),以及刑 事訴訟程序中的所有證據。而鑑定的技術性及其要求的專門知識使得審判人不得對其 進行自由評價,若審判人在此方面有一定的了解,則僅可否定鑑定結果(《刑事訴法 典》第 149 條)。 仍不清楚為刑事調查之效力而進行的 DNA 數據收集屬一項檢測又或是一項 鑑定。鑒於須掌握專門的知識方得以對生物痕跡作出分析,則該種分析應屬一項鑑定 69 。但就收集 DNA 數據而言,則可由非專業人士進行,尤其在刮取口腔黏膜的情況
66
BRAVO, 2012: 9 及續後中亦未作出相關說明。
67
兩者之間的區別,參見DIAS, 2005: 179 及續後、 RAPOSO, 2008: 86, 87、SILVA, 2002: 209 及續後、 FIDALGO, 2006: 134 及續後。 有關對第四版《美國憲法》中“搜查及搜索”概念的分析、在此方面可作出或不可作出的行為以及對 隱私權及人身完整性權的保護範疇,參見GOLDSTEIN, 2013: 1155 及續後。
68
有關此方面,艾武拉關係法院在2011年12月13日第8/10.8GATVR-A.E1號卷宗中聲明“第 5/2008號法律第8條第2款不允許在被判罪人表明拒絕的情況下,仍強迫其提供樣本;若立法者欲實 行強迫,則應已說明,正如在第1條中規定的一樣”。
69
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FIDALGO, 2006: 139; MELO, 2007: 496。
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中,係實施一項檢測70。
10.4.在犯罪地點收集 DNA 數據 有關在犯罪地點收集到的 DNA 數據問題,獲得更多的共識,在此方面既未涉 及到人身完整性問題,亦未影響到人的身體隱私性,亦無須獲取相關同意。 根據有關在犯罪現場留下的證據問題的基本原則,該類證據屬“拋棄物”71 (屬受害人本人之物除外),不享有隱私或所有權的保障,因而可成為任一刑事調查 的標的,《刑事訴訟法典》第 163 條第1款72及第 232 條對此亦作出規定73。 第156 條允許對在犯罪現場發現的所有證據作出檢測,第159條及續後允許在未經同意的情 況下實施搜查及搜尋。 但在基因隱私方面仍存在相關的障礙74, 尤其是收集到的樣本可能屬於其他 人的情況——該人偶然經過犯罪現場并留下其DNA數據。 因此,在犯罪現場獲得的基因信息,較其他在同地獲得的證據而言,具有某 70
我們贊同 Helena Moniz觀點,她認為屬檢測及鑑定的結合 (MONIZ, 2002)。
71 GOLDSTEIN, 2013: 1166, 1167反對將在犯罪現場遺留下的DNA數據視為“拋 棄物”,其中寫道: “the abandonment theory overlooks a key distinction: when a human leaves DNA behind in his everyday life, it is not the same as surrendering DNA for evidentiary purposes. This distinction garners support from a careful reading of the Supreme Court’s decision in Cupp. In Cupp, the defendant walked into the police station with evidence literally on his hands in the form of a blood stain in plain view. However, the search in Cupp did not occur until after police seized and analyzed this evidence. The holding, which delayed the moment that the search occurred until the scientific analysis was conducted, implies that an additional, protected expectation of privacy exists for evidence when its incriminating character is not visible to the naked eye. This shows that there is an interest in keeping DNA from being scientifically analyzed, even though there may not be an interest in keeping the DNA within the body. This is a distinction most people undoubtedly understand, particularly in today›s society where popular media makes it quite clear that DNA searches are going to be analyzed as evidence for the purposes of prosecuting crimes. The way in which humans interact with and dispose of DNA, therefore, does not justify lowering the protections provided to DNA. In actuality, it implies that precedent requires DNA to be considered a search warranting the full protections of probable cause”。 72
《刑事訴訟法典》第163條第1款 (可扣押之物件及扣押之前提) 須扣押曾用於或預備用於實施犯罪之物件,構成犯罪之產物、利潤、代價或酬勞之物件,以及行為人 在犯罪地方遺下之所有物件或其他可作為證據之物件。
73
第232條 (關於證據之保全措施) 1.即使在接獲有權限司法當局之命令進行調查前,刑事警察機關仍有權限作出必需及迫切之保全行為, 以確保證據。 2. 依據上款之規定,刑事警察機關尤其有權限作出下列行為: a) 檢查犯罪痕跡,特別是進行第一百五十六條第二款及第一百五十八條所規定之措施,以確保物及地 方之狀態得以保持; b) 向有助發現犯罪行為人及有助重組犯罪之人收集資料 ; c) 對可扣押之物件採取保全措施。
74
RAPOSO, 2008: 92-93。
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29
些特殊性75。 即使認為上述的規定允許收集基因數據,但因缺少法律依據,仍未解決之後 在刑事調查中如何使用該基因資料的問題。在有關指紋的規定中,允許無障礙且不 依賴於主體意願,對在犯罪現場獲得的指紋作出分析,若透過該規定來解決上述問 題, 則收集遺棄的 DNA 數據并對其作出分析,並不會引致任何問題76。然而,并 不可類似適用這一規定,從基因證據獲得的信息較從指紋獲得的信息而言更為重要, 兩者是完全不可相提並論的。 既然在收集 DNA 數據方面存在特殊的合法理據,則該行為屬任一證據的正常 處理程序。繼訂立了必要的法律框架之後,從犯罪現場獲得的 DNA 數據應得到相關 處理并將採取的相關措施作成筆錄(《刑事訴訟法典》第 257 條)。刑事警察機關 可採取必要且緊急的保全措施以確保生物痕跡的收集并保持監護鏈的完整77。
11.最後的思考 不可否認,為刑事調查之目的而收集基因數據以及之後作出的相關處理,會 對嫌犯的某些基本權利造成影響,因而基於嫌犯為訴訟主體的觀念,澳門建立了相應 的訴訟程序結構(葡萄牙亦如此)78。 對刑事訴訟程序中的權利及結構化原則作出的約束並非屬違法的侵犯行為, 這一約束可合理解釋旨在透過使用DNA證據而實現的目標,例如實現公正、發現實 質真相、保護群體尤其是對獲得不公正指控的人群的免罪。事實上,DNA 數據不僅 可揭示出罪犯,亦可保護受到不公正指控或已被判罪的無辜人士。 在相關價值的突出地位以及DNA證據方面,Roxin 認為“鑒於在訴訟程序中 被審理者須履行容忍義務,發現實質真相的利益明顯高於被審理者將其身體信息保密 并不將其作為證據使用的利益”(翻譯版本),但他並未批評該法律取向79。 若法制中允許收集 DNA 數據并對其作出分析,同時亦規範了相應的程序 (DNA 數據收集的對象、分析何種類型的 DNA、使用何種標記、設有何種要求及限 制、存在何種條件、生物檢材及相關的數據可儲存的時間),基因證據將改革我們實 現刑事公正的方式。
75
WILLIAMS et al., 2004: 80 及續後。
76
GOLDSTEIN, 2013: 1168, 1179,其中指出DNA樣本與在犯罪現場找到的指紋之間的區 別; JÚNIOR, 2005: 96,其中著重指出兩者的相似之處。
77
在此情況中屬一種義務,即使仍未接獲有權限司法當局之命令進行調查,亦然(《刑事訴訟 法典》第232條第1款、第2條a款)。
78
有關嫌犯在澳門法制中訴訟主體的地位,參見ASSUNÇÃO, 1996: 41-56。
79
ROXIN, 2000: 120。
30
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圍繞“禁用之證據”展開之反思 在刑事訴訟程序中使用照片1 Teresa Lancry A. S. Robalo2
“為保護受害者之利益及刑事司 法之效率,對於構成罪行的言論 或反映出罪行的照片,應不再實 施保護:若被保護者構成一項罪 名,則不再受到保護” 高等法院 2011 年 9 月 28 日合 議庭裁判
概要 在本文中我們談論的核心問題是在未得到照片中的權利人的許可的情況下是 否可將此照片用作刑事訴訟程序中的證據。若根據《刑事訴訟法典》及《刑法典》 的規定,肯定不得將上述照片作為證據使用,且該種做法導致的無效可獲補正,則同 樣可肯定的是,面對一阻卻不法性的具體事由,例如根據某一實體法或從屬法作出正 當防衛或對行為作出合理解釋,法院可為審判之效力接受該類證據。因此,可總結得 出,若一負責照看兒童的成年人在不知情的情況下被鄰居拍照或錄像,獲得的照片不 僅可用以建立偵查程序,亦可作為侵犯未成年人的證據。這些都遵循了利益平衡的邏 輯。
關鍵詞 證據;肖像;影像;錄像;無效;同意;正當防衛;利益平衡。
I.
引言
傳媒報導的多宗事件引起了法律專家對在何種情況下私人的照片或錄像應被 用作刑事訴訟中的證據的疑問,尤其是在有關照片或錄像的人士未作出同意的情況下 3 。例如,在保姆或其他照看人虐待兒童的情況中,鄰居拍攝到其施虐行為;基於該
1
該文為2014年12月2日在官樂怡基金會舉辦的名為“刑事訴訟中的舉證--《刑事訴訟法典》 的弦外之音”的研討會上作出的發言。
2
澳門大學法學院助教,刑事法律科學碩士。
3
有關未徵得同意而使用圖像作為刑事訴訟的證據的問題,除文中提到的判決,可參見科英布 拉關係法院於2011年2月11日作出的合議庭裁判。
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攝像, 刑事法律人員有責任對相關行為作出調查4。 基於上述闡述,我們試圖找出以何種方式可避開澳門《刑事訴訟法典》第 153 條第1款及第 113 條第 3 款結合《刑法典》第 191 條規定,使得通過侵犯嫌疑人 肖像權而獲得的證據破例有效。又或是,無論在何種情況中,均視其無效。 最高法院於 2011 年 9 月 28 日作出的合議庭裁判中提到“隱私並非一固定不 變的空間” ,這是因為“在隱私方面存在一歷史文化的相對性,意即隨著文明的演 變,私人及公共的界限亦在改變”5。我們希望將上述的觀點與《刑事訴訟法典》第 113 條第 3 款規定相協調,在該規定中寫明“在未經有關權利人同意下,透過侵入
私人生活、住所、函件或電訊而獲得之證據,亦為無效,但屬法律規定之情況除外” 。
II.
根據刑事訴訟制度考慮相關問題
《刑事訴訟法典》第 105 條第1款標題為“合法性原則”,其中規定“違反或
不遵守刑事訴訟法之規定,僅在法律明文規定訴訟行為屬無效時,方導致有關訴訟行 為無效”,第 3 款補充說明“本編之規定不影響適用本法典關於證據上之禁止之規 定”。 在證據上之禁止方面,Maia Gonçalves 認為“證據上的禁止在侵犯公民權利 方面具有顯著的阻嚇力,這是因為不得在程序中使用通過侵犯該些權利獲得的證據, 即使獲取不到實質真相亦然”。Germano Marques da Silva補充提到:“《刑事訴訟 法典》不將獲取實質真相視為絕對價值”。僅通過正當的方式,或法律允許的方式, 方得尋找事實真相6。 針對因拒絕採用通過特定方式獲取的證據或 tout court(僅僅為)特定的證據 而展開的刑事調查,設有相關限制條件,對此首先應清楚刑事訴訟的立法者是否允許 將肖像及錄像用作可導致一特定罪狀成立的事實證據。《刑事訴訟法典》第 153 條 第1款規定“攝影複製之物······,僅當依據刑法其非為不法時,方得作為證 明事實或證明被複製之物之證據”。因而可得出雖然設有相關限制條件,上述物仍可 作為證據使用。在對該法規作出詳細分析之前,先來看《刑事訴訟法典》第113條第 1款針對“在證據上禁用之方法”作出的規定:“透過酷刑或脅迫,又或一般侵犯人 之身體或精神之完整性而獲得之證據,均為無效,且不得使用”;第3款補充規定“ 4
可參見 http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=723561&tm=8&layout=122&visual=61, http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2013-07-06-ministerio-publico-acusou-mulher-que-tinha-creche-ilegal-de-2-crimes-de -maus-tratos, http://www.publico.pt/sociedade/noticia/tribunal-condena-ama-acusada-de-maustratos-a-dois-anos-de-pensa-suspensa-1628279, http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1869283, 於2015年4月6日最後一次查閱。
5
在此完全可以引用葡萄牙的司法見解。本文提到的現行刑事法律制度中的法律規定,無論是 文字表達方面,還是在系統的目的性闡釋方面(與葡萄牙的相關法律)均一致。
6 nuel
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《對刑事訴訟法典作出之評註—補充立法》第16版,科英布拉Almedina出版社,P303,M a Lopes Maia Gonçalves所著文章。
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在未經有關權利人同意下,透過侵入私人生活、住所、函件或電訊而獲得之證據,亦 為無效,但屬法律規定之情況除外”,並未禁止可對使用該些證據者施加刑事責任。 正如 Paulo Pinto de Albuquerque7 明確指出的一樣,證據上禁止的方式不僅 僅包括證據(《行使訴訟法典》第 115 至155 條),亦包括獲得證據的方法(《刑事 訴訟法典》第 156 至 175 條)。 根據上述內容,採用第 113 條中規定的在證據上禁用之方法而獲取的相關證 據無效。那麼,是否可對該無效作出補正?立法者在《刑事訴訟法典》第 106 條及 其續後中針對兩種情況作出不同規定。在此方面 Maia Gonçalves 認為“在最終裁判 確定之前,始終依職權審理因採用禁止的取證方式而導致相關證據無效的情況,不影 響之後可採用該些證據”8;而 Paulo Pinto de Albuquerque 另有見解。他認為若該 些證據侵犯了人的身體及精神完整性,則不得對其無效作出補正,但若屬妨害個人隱 私,則可通過獲得權利人的同意對無效作出補正9. 若違反《刑事訴訟法典》第 113 條第 1 款的禁止規定,則導致不可補正的無 效,而因違反第 3 款的禁止規定所導致的無效,可對其作出補正。 確切來講,有關主題為通過肖像或錄像獲得的證據的合法性或違法性。因為 僅在相關利益人就無效提出爭辯后才得審理該無效,所以針對上述提到的第 3 款規 定,我們持有疑問。Paulo Pinto de Albuquerque 認為可在事實作出之前或之後就補 正無效作出同意,此外“若權利所有人認同其權利被侵犯,則可根據對禁用的證據的 無效作出補正的結果,明確表示放棄對無效提出爭辯或承認有關行為的效力”10,我 們完全贊成此觀點。 在根據《刑事訴訟法典》第 106 條或第 107 條的無效規定建立一總框架時, 我們需引述 Manuel Simas Santos 和 Manuel Leal-Henriques 的觀點—《刑事訴訟法 典》第 113 條規定了在證據上絕對禁用之方法, 因而無法對相關的無效作出補正( 即使之前獲得相關權利人的同意,證據依然無效)--若為透過酷刑或脅迫,又或一般 侵犯人之身體或精神之完整性而獲得之證據;若為透過侵入有關權利人的私人生活、 住所、函件或電訊而獲得之證據,則屬在證據上相對禁用之方法,因而可對證據的無 效作出補正(因為僅在未獲得有關權利人同意的情況下,才禁用該些方法)11。 因而,從理論上看,若違反《刑事訴訟法典》第 113 條規定,但取得有關權
7
《根據共和國憲法及歐洲人權公約評論刑事訴訟法典》,第三版,里斯本天主教大學出版社p. 1185-1232, 2009、 p. 318,Paulo Pinto de Albuquerque所著文章。
8
同上,P304,Manuel Lopes Maia Gonçalves所著文章。
9
同上,P310 ,Paulo Pinto de Albuquerque所著文章。
10
同上。
11
《對刑事訴訟法典作出之評註—第1至240條》,第一版,里斯本出版社,P832,Manuel Simas Santos 及 Manuel Leal-Henriques所著文章。
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利人的同意,則可對產生的無效作出補正12。 由此看來,若事先獲得有關權利人的同意以將肖像作為證據使用,則該證據 有效;若有關權利人事先未作出同意,則從原則上講,獲得的證據無效,根據《刑事 訴訟法典》第 107、108 規定,可對該無效作出補正。由此,我們提出疑問,是否可 出現有關利益為允許使用相關肖像而無需獲得相應權利人同意的情況?換言之,法院 是否應受理所有針對透過侵犯肖像權而獲得的證據的無效性提出的爭執?又或是,我 們是否可打破這一禁止, 在正當情況下,可在刑事訴訟中將肖像或影像作為證據使 用而無需獲得有關權利人的同意?
III.
作為證據使用的圖像
根據《刑事訴訟法典》第153條第1款規定:“攝影複製之物······僅 當依據刑法其非為不法時,方得作為證明事實或證明被複製之物之證據”,結合上述 第 113 條第 1 款規定—“若未取得相應權利人的同意······通過侵入私人生 活而取得的證據無效”。在解決因該兩款規定產生的對立問題時,又出現另外三個問 題:i) 照片是否包含在 “侵入私人生活”範疇內;ii)基於《刑事訴訟法典》第 153 條第 1 款規定的對實體法的引用,尤其是《刑法典》第 191 條就“不法錄製品及照 片”作出的規定,應清楚相關人的同意應具有何種特點;根據《刑法典》第 30 條第 1 款規定的法制一致性原則,應闡明是否可存在侵入(私人生活)屬合法的情況及在 此情況中獲得的證據是否合法。
i)
照片及侵入私人生活
基於以下兩大理由,需明確(侵犯)肖像權是否應包含在《刑事訴訟法典》 第 11 條第 3 款規定的“侵入私人生活”範疇內。一方面,《基本法》僅在其第 30 條第 2 款中提到“保護私人生活及家庭隱私權”, 但並未提到“肖像權”。另一方 面,《民法典》將第74條規定的“保活護私人生活隱私權”及第 80 條規定的“肖像 權及言論權”明確區分開,加上《基本法》在此方面寥寥數字的規定,我們應在有限 的範圍內理解私人生活隱私權,將其與肖像權區分開,正如 Paulo Mota Pinto 所主張 的觀點一樣13。 根據《刑事訴訟法典》第 113 條第 3 款結合第 153 條第 1 款規定,可得 出“私人生活”不僅包括其慣有的隱私性,還包括作為“個人視覺或聽覺識別資料”
12
有關在此方面出現的理論分歧的更多見解,參見上述作品P319,作者Paulo Pinto de Albuquerqueonde 同 Gomes Canotilho、Vital Moreira、Simas Santos 及 Leal Henriques 均認為《刑事訴訟法典》第113條第1、2款的情況中出現的無效不可獲得補正而第3款中的無效可 獲得補正;但Marques Ferreira、Costa Pimenta、 Teresa Beleza、 Alves Meireis、 Conde Correia、 Germano Marques da Silva、 Paulo Mendes 以及 Maia Gonçalves認為在所有情況 中,均不可對相關無效作出補正。
13
參見1999年第八期《澳門大學法學院公報》P97-98 Paulo Mota Pinto所著“澳門《民法 典》中的人格權”。
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的照片及言語14。在指出《刑事訴訟法典》第 153 條的同等規定時, Paulo Pinto de Albuquerque 闡釋道:“該條規定列出了因侵入私人生活而導致的禁用之證據 (······)。若違反該規定可導致獲得的證據無效,複製品針對人(即被影 像、錄像或錄音之人或其肖像或聲音以任一種電子形式被複製)作出同意除外”15。 借用上述作者的觀點,并考慮到修訂《刑事訴訟法典》係旨在納入所有侵犯 隱私的證據及取證方式(包括“通過侵入私人生活、住宅、通信或電子通訊獲取的證 據”),應對立法者在《刑事訴訟法典》第113條第3款中的用詞作出較澳門《民法 典》更為寬泛的理解(法律規定的特例除外);對立法者而言,侵犯肖像權即構成 對私人生活隱私的侵犯,後者被視為一般類型(《刑法典》第 186 條規定的特例除 外),因此絕對有理由相信《刑事訴訟法典》第 113 條第 3 款旨在將“肖像權”納 入“私人生活”(該款中亦具體規定了其他權利)。
ii)
同意——罪狀的消極因素
在適用《刑事訴訟法典》第 113 條第 3 款規定之時,我們可提出相關疑問并 由此作出分析,現在需要清楚“同意”具備何種特徵。 鑒於《刑事訴訟法典》第 153 條第 1 款明確規定機械複製物(包括照片及錄 像)“僅當依據刑法其非為不法時,方得作為證明事實或證明被複製之物之證據”, 結合《刑法典》第 191 條的規定,需清楚在何種情況下錄音及照片將被視為合法, 從而不會導致某種罪行成立。通過該規定可發現其第1款中的“同意”以及第2款中 的“意願”并不會阻卻非法性,但卻構成了罪狀的負面因素。換言之,若存在同意 或意願,則不滿足罪狀成立的要件,根據《刑法典》第 191 條第 2 款規定,拍攝他 人以及使用或允許他人使用拍攝的照片或錄像的行為屬合法行為。正如 Manuel da Costa Andrade 所命名的“阻卻罪狀的同意”,該“同意”既可明確作出亦可默認作 出。作者舉出一實例,例如一行為人在意識到超市內設有監控攝像的情況下作出了非 法行為,該種情況即為行為人默認同意攝像頭拍攝其圖像16。 關於同意或明確同意與默認同意之間的區別,《刑法典》第37條并未作出相 應說明(儘管“同意”並非會阻卻非法性) ,在此方面亦未禁止適用民法典的相關 規定。《民法典》第 69條同樣未作出該類區分,第 209 條第 1 款明確規定了 “以 口頭、書面或其他直接表意方法表示者為明示” 而“從完全有可能表露意思之事實 推斷出之表示為默示”。若有關行為“表示同意相關做法”,則可採用 Manuel da Costa Andrade 的觀點。 這也正說明為何在上述舉例中若相關人知道在商店設有監控 攝像頭,則足以說明該人同意其圖像被拍攝并用於之後的刑事調查(若確定在商業場
14
同上P121。
15
同上P326 Paulo Pinto de Albuquerque所著文章。
16
《對刑法典第131至201條法例的評論》,第二版,P1211-1212,Manuel Andrade所著“對《刑法典》第199條的註解”。
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所或其他地方安設該類攝像頭的最終目的為阻嚇犯罪行為—即安全目的17 ,那麼當該 些(犯罪)行為產生於事實時,場所所有人可向刑事警察機關提供相關圖像18)。 從同意、明確同意或默認同意轉向推定同意。根據《刑法典》第38條規定, 若相關利益人知悉事實情況,則可推定該人作出同意。Manuel da Costa Andrade 認 為推定同意是阻卻非法性的真正事由19。
iii)
攝影及錄像複製之物之合法性
同意、明確同意或默認同意均非阻卻非法性的事由,但屬罪狀的消極因素。 那麼,在現行法制中是否存在合理事由以在刑事訴訟中將獲取的他人圖像作為證據使 用。 由《刑法典》第 30 條第 1 款產生了法制一致性原則,其中規定“從法律秩 序之整體考慮,認為事實之不法性為法律秩序所阻卻者,該事實不予處罰” 。換言 之,若根據民法規定某一行為屬合法,則在刑事方面同樣合法。 《民法典》第 80 條就侵犯肖像權作出規定。其中第二款規定“基於肖像人之 知名度或擔任之職務,或基於安全或司法方面之要求,或為着學術、教學或文化之目 的,而有合理理由者,或肖像係在公眾地方、與公共利益有關之事實或公開進行之事 實當中所攝得之影像之一部分,無須經肖像人同意”,此種情況中不存在對他人肖像 權的侵犯,但若侵犯肖像人之名譽權時,則不得為之。Manuel da Costa Andrade 亦 提出此觀點20。 有必要提到最高法院於 2011 年 9 月 28 日作出的合議庭裁判,其中寫明“只 要存在正當理由,例如肖像係在公眾地方、旨在實現公共利益或公開進行之事實當中 所攝得之影像,即使未得到肖像人同意,獲取圖像或影像亦屬非典型刑事行為,僅當 對自由、尊嚴或精神完整性造成不可容忍的侵犯,則不得為之”,需明晰如何將“私 人生活的核心”納入“隱私、性、健康、不為他人知曉的極其保密的家庭私生活”。 在判決中亦寫明“由此,行為人的行為符合法律規定,視其為對某一權利的行使,不 存在行為的非法性,這關乎到‘法制一致性原則’”。 有關《刑法典》一般規定中出現的正當理由,有必要著重指出其31條提到的 正當防衛。若獲取照片旨在避免非法侵犯行為人或第三者受法律保護的利益,則即使 未獲得相關人的同意,該獲取行為亦合法。在我們所分析的案例中,若兒童的看護人 虐待該名兒童,拍攝其行為並非旨在制止當時的侵犯行為21 (即將發生的或正在進行 的),而是爲了預防將來發生的侵犯行為,因而需滿足《刑法典》第 31 條中規定的 17
參見刊登於2013年4月24日澳門特別行政公報第二組的個人資料保護辦公室通告第1至2款 規定,其中闡明了在處理個人資料方面,安全目的意為保障個人的財產在所有權或管理方面的安全。
18
有關監控攝像頭使用的問題,參見8月22日第8/2005號法律《個人資料保護法》,其中詳細 涉及到為刑事追究之目的對獲得的圖像的使用問題,應注意其第8條第2至3款規定。
19
同上Manuel Costa Andrade所著文章,p. 1212。
20
同上 p. 1215-1218。
21
關於應如何決定侵犯的開始及結束時刻,參見《刑法∙一般規定∙根本問題∙犯罪之一般理 論》,第二版,科英布拉出版社,2008,P 365-367 Américo Taipa de Carvalho所著文章。
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現時性的要件22。不得根據第31條規定解決相關問題,但可在第 33 條中找到對應規 定,并適用有關合理的緊急避險的規定,其中包含了利益平衡及需要保護的利益(兒 童的身體完整性),該利益毫無疑問高於受損利益(行為人的肖像權)。然而第 33 條將危險的現時性作為前提條件,可將該種現時性視為一種相似的(時間)延伸,或 許較正當防衛中的侵犯的現時性而言稍寬泛些23,因而在我們看來,僅僅藉助該規定 不能徹底解決問題。 在為應對未來發生的侵犯而作出正當防衛方面,我們趨於將預防性正當防衛 視為超法律的正當理由24。根據相關利益及具體情況適用該理由,并不會與在禁止類 推方面的合法性原則相衝突,根據《刑法典》第 1 條第 3 款規定,僅當該正當理由in malam partem(起到不良作用)之時方不得被使用。當獲取相關圖像可最為高效地 阻礙將來出現侵犯行為,例如受侵害者因自身年齡或侵害人施加的壓力而難以公開其 受害事實的情況25,這樣一種超法律的正當理由將可阻卻獲取圖像的非法性;考慮到 在某些利益平衡的情況中,相關證據因其普遍性可被法律認可,因而,僅在因刑法在 法制體系中行使的職能而出現的重要的特殊情況中,方得適用上述正當理由。 有關在刑事訴訟中將照片作為證據使用的合理性問題,在理論方面,著重指 出 Maia Gonçalves 和 Paulo Pinto de Albuquerque 的觀點。 Maia Gonçalves 主張禁止使用該類照片,他認為“在私人場所偷拍他人者不 得將以此獲得的照片用作刑事訴訟中的證據”26。但亦認為若不存在特例,該種規定 可產生適得其反的效果;并提出實體刑法及從屬法應相協調,以最高法院於 2001年 6 月 20 日作出的合議庭裁判為例,其中寫道“只要警方或法院為保護諸如生命或身 體完整性的基本權利或保障而認為有必要錄音或拍攝,則應當規定一特例”27,破例 允許使用(錄音或圖像)。 Paulo Pinto de Albuquerque 亦認為葡萄牙《刑事訴訟法典》第 167 條(同 澳門《刑事訴訟法典》第 153 條)禁止使用無效證據,但若錄製的信息中含有在電 話中對嫌犯作出的威脅,則當其“為唯一可有效保證受害者免受重複和二次傷害的方 式”時28可作為證據使用,從而避免將來產生威脅(對於我們從一開始就談到的兒童 看護人的情況,mutatis mutandis(作出必要的更改),該結論同樣適用)。
22
同上,P1224, Manuel Costa Andrade在所著文章中提出同樣的問題,認為可將該情況歸 納為緊急避險。
23
參見《刑法∙一般規定∙第一卷∙根本問題∙犯罪之一般學說》,第二版,科英布拉出版 社,2007,P443,Jorge de Figueiredo Dias所著文章。
24
無論是在學說理論還是在司法見解中,都未達成一致意見。Paulo Pinto de Albuquerque於 《對刑法典作出之評註》P146中通過最高法院於2009年5月14日作出之合議庭裁判對此觀點表示反 對。
25
為認可該類超法律的阻卻非法性的事由,有關法制原則中涵蓋的相關內容,參見同上作 品,P75-76,Germano Marques da Silva所著文章。
26
同上P394,Manuel Lopes Maia Gonçalves所著文章。
27
同上。
28
同上,P326, Paulo Pinto de Albuquerque所著文章。
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IV.
利益平衡原則
除行為人的行為因任一阻卻非法性事由而屬合法的情況之外,有必要提出疑 問--在未存在一阻卻罪狀或非法性的特殊事由的情況下,是否應使法制中規定的權利 不受影響;又或是,正義的天平並不意味著在極端情況中,在更高的法益面前,應減 弱對較低的法益的保護。根據為證實損害刑事法益的行為--例如生命、身體完整性、 自由或性自由及性自決--而允許使用他人肖像的規定,我們需要確定利益平衡是否應 起到重要的作用。這是一個敏感話題,正如上文所述,在司法見解中認為即使在合法 情況中將他人肖像作為證據使用,將始終存在牽涉到“私人生活核心”的限制因素, 其中包含“隱私、性、健康、不為他人知曉的極其隱秘的家庭私生活”29。 例如,一成年人對一兒童實施性虐待,其鄰居通過錄音或拍攝將其行為記錄 下來,該種獲取圖像的行為將會導致何種後果?是否會依據《刑法典》第 191 條規 定判處該名鄰居非法錄音及拍攝罪? 還是根據《刑法典》第 166條規定,基於該種 證據提起一刑事訴訟并判決行為人性虐待兒童罪?之所以存在這樣的疑問,是因為即 使證據合理,行為人的性行為將始終出現在這一機械複製中。 上文提到的由最高法院作出的合議庭裁判中引入了有關利益平衡的規定30,其 中寫道“事實上,當《刑法典》第 199 條保護有關肖像或言論的法律價值的規定被 用作保護其他權利之時,或當不對肖像權或言論權實施具體保護成為保護其他更高法 律價值的有效條件時,優先保護肖像權或言論權的可能性很微弱”,為保護上述利益 而損害肖像權確實合乎情理,對此我們一致同意。
V.
結論
我們試圖在就將機械複製作為證據的問題作出規定的實體法及從屬法之間尋找 到一交匯點,如《刑事訴訟法典》第 105條第3款、第 113 條第 3 款、第 151 條第 1 款以及《刑法典》第 191 條第2款、第 30 款及其續後。 《刑事訴訟法典》的確旨在尋求實質真相,但真相的產生并不意味者(案件 的)絕對終結。立法者仍應保障一系列基本權利,在某些情況中不得踐踏該些權利。 其中就肖像權而言,儘管未在《基本法》中作出明確規定, 但在《民法典》的“人格 權”一章中作出相關規定,以此填補了《基本法》中的空缺(儘管《基本法》第30條 第2款提到“家庭生活隱私權”,但從狹義上及單純民事方面來看,並非等同於特殊 的“肖像權”),同時亦可適用《基本法》第 41 條的規定。 《刑事訴訟法典》第 113 條第 3 款規定若未取得相關權利人的同意,則透過拍 照或錄像而獲得之證據屬無效。在我們看來,這屬一種可補正之無效,上文提到的學 說理論也體現了我們這一觀點。 29
最高法院於2011年9月28日作出之合議庭裁判。
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相關學說理論試圖找到所有正當理由的共通核心點,以此說明可通過利益平衡原則(為一利 益而犧牲另一利益)成功解決利益衝突問題;若該方面內容確實體現在大部份正當理由中,卻並非可 適用於所有正當理由,尤其是在“作出同意”的情況中,正如Germano Marques da Silva在《葡萄 牙刑法∙一般規定∙犯罪之一般理論》第一版,P74-75所表達的觀點“未出現任何利益的真實衝突” 。
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從整體看,法制具有協調一致性,儘管肖像權屬一種基本人格權,在面對其他 需要立法者保護的更高權利的時候,其地位並非完全不可動搖。 因而,在現行刑事法制中,利益平衡的原則即使不適用於所有阻卻非法性的事 由,但在大部份情況下仍可直接或間接地適用。由此,即使相關權利人未明確作出同 意、默認同意又或推定同意,若將相關權利置於不利地位是爲了保護其他需要獲得刑 事保護的權利 –刑法益,尤其是明顯更具重要性的權利(如兒童的身體完整性權利較 其看護人的肖像權而言更顯重要),不應依然偏護肖像權。 綜上所述,我們可以總結出,當出現以下情況時,圖像及錄像可成為刑事訴訟 中的證據: i)獲得權利人的同意(《刑事訴訟法典》第 113 條第 3 款a contrario sensu 及 第 153 條第 1 款);ii)適用某種阻卻非法性的事由; iii)根據《刑法典》第 30 條第 1 款規定,相關行為在某一法律規定中屬合法行為,無論該法律為實體法(例如根據《 民法典》第 80 條第 2 款規定,如肖像係被安放於公共場所,並非為有意攝取),還 是從屬法(例如在《刑事訴訟法典》範圍內採取某項措施,第 153 條第 2 款明確作出 相應規定);iv)若以正當防衛說明相關行為,且未滿足現時性的要求,則可考慮將預 防性正當防衛視為超法律的阻卻非法性的事由,尤其是在極端情況中,損害肖像權係 保護受到威脅或已實現的法益的唯一方式; v)若未適用一合理的阻卻非法性的事由, 則適用有關利益平衡的規定係合法,在其他更高權利面前(例如生命、身體完整性、 鉅額財產、自由、性自由或性自決,在最後一種情況中,即使在未獲得肖像人的同意 的情況下使用其肖像并牽涉到其私人生活,亦然),應將肖像權置於次要位置;vi)最 後,根據保護個人資料的有關規定,在應依法作出特別行政許可以便獲得并處理相關 資料的情況下,亦可在刑事調查中使用通過視頻監控系統獲得的圖像(某司法見解甚 至認為,即使未作出上述許可,依然可在刑事訴訟中使用通過此途徑獲得的圖像(參 見高等法院 2001 年 6 月 20 日合議庭裁判以及波爾圖關係法院 2008 年 3 月 26 日及 2006 年 3 月 22 日合議庭裁判) 。 因而,在我們看來,對於未成年人的看護人,無論是家傭、父母,還是其他 人,獲取到的有關該些人的圖像可在刑事訴訟中作為合法證據使用,從而最終可以侵 犯受害人身體完整性之罪名進行審判并作出懲處。在上文提到的高等法院 2011 年 9 月 28 日的合議庭裁判中寫道:“當被保護者構成一項罪名時,不再對其實施保護” 。由此可得出,儘管應嚴格根據法律保護肖像權, 但不應將該種保護視為最終結果。 這并非意指不應保護肖像或肖像權不應被視為基本權利,而僅僅說明,在某些限制情 況中,為保護其他明顯更重要的基本權利,相關照片為唯一或首要證據,則對肖像權 的保護應置於次要位置。 2015 年 4 月於澳門
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適度性、獲取、價值衡量;刑事訴訟中的證據 一直以來,我都十分關注有關戰爭、反人類、種族滅絕及其他血腥行為的罪 行。很高興在此對澳門的刑事訴訟法作出些許反思(儘管我已有數年未在此方面作出 深度研究)。 我將著眼於數月之前在此方面遺留下的問題。在我看來,本文的初衷為延展 之前進行的兩場有關刑事訴訟中的舉證的研討會的內容,因而我將談及到該些會議。 第一場會議中展開的討論引發了我對理論而非事實本身的思考,理論在舉證 中亦是物的一部份實質內容。 我只有從棉籤開始這方面的討論。在葡萄牙,似乎有時會用棉籤塞住一個人 的鼻子,讓其在不能通過鼻子進行呼吸的情況下不得不張口呼吸,當其舌頭來回摩擦 時,得以獲取其基因數據。 不可以強迫一個人張開嘴巴以代替鼻子呼吸,之後將棉籤塞入其口內以便獲 取基因數據。但這非問題所在。從根本上看,這是對人的精神完整性的不可容忍的侵 犯。無論是在澳門,還是葡萄牙,亦或是其他任何地方,都不應該作出這樣的行為。 有待討論的是,這樣一種行為是否屬於侵犯人身完整性的罪行(若某人在路 上企圖捂住我的鼻子并得以所願,那麼他是在侵犯我的身體嗎?)這一行為的不同意 圖,可導致不同的罪名成立。 問題是,一人可因non facere(不作為)而被處以另一種罪名。若該人不接 受,則觸犯了違令罪。 在這裡,我們需要討論禁止自證其罪之原則,因為行使不得自證其罪的權利 可能導致觸犯違令罪的風險。 我之前任教於科英布拉大學法學院的時候,在刑事訴訟課程開始之前,總會 向我的學生講述上面的故事,以此說明雖然缺少足夠的實踐經驗,但“質量”足夠 高。之後每年的第一堂刑事訴訟課,我都會先講述同一個故事,以此來解釋在刑事訴 訟中不同主體的地位,尤其是其中一個主體—檢察院的sui generis(獨有)地位。 我告訴他們我沒有擔任過法官、律師、檢察官,亦未在法庭作證或成為某項罪名的受 害者,因此極其缺少實踐經驗。但我經歷過另一種情況—曾經我還是一宗刑事訴訟案 的嫌疑犯。 簡而言之,作為一項罪名的嫌疑犯,我仍要安慰我的律師,因為那將是她的 首次審判 ,所以她十分緊張。她講不出任何內容,我意識到事情將會進展得很糟 糕,於是我向法官提出“既然告訴人已經棄訴,我不明白我在這裡的意義”。我從 律師那裡拿來文件,呈遞給法官過目,但法官認為文件的內容比較模糊(以“撤回告 訴的建議書”開頭,之後陳述了歸責的事實并最終以“同意上述建議”結尾;或許是 一種較老的葡語表達,但很明顯其意圖是撤回告訴)。之後我們就開始了爭論,當時 我十分惱怒,說出了類似“若您不知如何閱讀······好像是我在密謀一樣”之 類的話)。那位法官即刻作出迴應,用違令罪“威脅”我。事情進展到十分糟糕的時 候,法官突然望了檢察官一眼,檢察官點頭示意,似乎在說“他說的有道理,這是意 味著撤回告訴”。法官停頓了三秒,之後向我的律師支付了五十歐元,走向了外面。
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我並未呈遞有關未作出犯罪行為的證據,但提交了文件證據,因而并未滿足 將我判處該罪名的必要條件。但也因此差一點就被判處了另一罪行:違令罪。 對於我這樣一個無辜者來說,在大一十八歲的時候被判處罪名實在是很戲劇 化,又因觸犯違令罪再次被判處,就更為戲劇化—一個無辜的人為其清白或其權利辯 護,卻被判處“違令罪”,僅僅是因為“本應”保持安靜卻未與當局合作。這樣的判 處毫無嚴謹性可言。 若非質疑合憲性的程度(以及違令罪可能違反憲法),我不會一開始就思考 有關棉籤的問題。違令罪涉及到眾多方面,或許我們也正賦予它很多內容。 但若不存在違令罪,一個國家或地區的權威就不復存在,因而一個法制國家 或地區就無法運作。 似乎仍未對違令罪作出更深層次的界定。 首先出現的問題是,不存在其他阻礙我們深入界定違令罪的獲取證據的方 式。我特別指出“其他方式”,因為在我看來違令罪背後的情況才是“真正獲得證據 的方式”。或者說,是在強迫別人提供證據,無形中與法律造成衝突,并實施相應保 護以免產生自證其罪的情況。 若強迫某人出現并提供其基因信息,否則將被處以違令罪,則調查變得更加 簡便。但在很多情況中,不能找出其他獲得證據的方式嗎?包括那些更為刁鑽的方 式, 例如無需通過違令罪只需捂住嫌疑人的鼻子就可獲得其基因信息(這些刁鑽的 方式並未被自動禁止。捂住鼻子的行為是被禁止的,但對於違令罪的判處我不清楚。 我不知道該如何回答這個問題,它過於寬泛,在之前的會議上也被探討過,所以我也 不想嘗試去給出答案)。 這個問題和我現在所要探討的內容有關:國家或地區為獲得證據及衡量證據 價值而對基本權利作出干涉的適度性。 在刑事訴訟中,警察及檢察院在正確適用適度性原則方面起到主導作用。這 並不是因為他們是最重要的一部份,而是因為他們在刑事訴訟的最初階段起到一定作 用。語言純正主義者不稱之為“主導作用”而是“開頭作用”。在刑事訴訟的最初階 段,他們作為權利人,須確保自身及刑事警察機關嚴格履行相應責任。 然而,不能因其主導作用而將其視為最重要的一部份,這是因為法官在確認 證據或命令獲取證據以及對證據作出價值衡量的時候,至少起到同警察及檢察院同樣 重要的作用。但在壓制自由方面,畢竟不是由法官掌握大權。我很不希望看到建議書 中提到應由檢察院而非法官掌有最終權限以命令收集基因數據。 如果我不能談及到足夠重要突出的內容或只是照搬之前在會議上的發言,那 還不能夠開始這方面問題的探討或是作出詳細分析。因為葡萄牙的《刑事訴訟法典》 與澳門的《刑事訴訟法典》是一致的,所以Vera和Teresa很謹慎地提到葡萄牙憲法 法院的有關判決。同時亦提到《基本法》的相關規定,例如有關家庭生活隱私權的規 定。在提到人格尊嚴或名譽權的時候同樣可引述《基本法》中的有關規定。 我完全尊重《基本法》規定的權利(我擔心該些權利與刑事訴訟僅存在很小 的關聯,或基本無關,除非出現正式的機會才會在刑事訴訟中提到該些權利),澳門 的憲政框架更為廣泛,包含了諸如肖像權及人身完整性權利的基本權利,該些權利同 樣存在於《基本法》中;同時也將之前實行的有關肖像權及隱私權的規定作為重要的 一部份納入其中并與配合現實情況的變化作出相應變更。
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刑事訴訟中的證據之第二場會議--在刑事訴訟中使用圖像 Imagem 1 圖像1
刑事訴訟中的證據之第二場會議--在刑事訴訟中使用圖像 Imagem 2 圖像1
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《公民權利及政治權利國際公約》第14條禁止自認其罪,人人有權不被強迫 作不利於其本身的證言或強迫承認犯罪。在簽署《聯合聲明》之前實行的憲法權利亦 被納入其中。第 25條(人身完整權)1.公民的精神完整性及身體完整性不可侵犯; 第26條(其他人權) 1. 所有人均享有個人身份權、民事能力、公民資格權、名譽 權、肖像權及家庭生活隱私權;第 32條(刑事訴訟的保障)2. 在裁判轉為確定之 前,嫌疑犯被視為無罪;6.通過酷刑、脅迫、侵犯身體完整性或精神完整性、過分干 預私生活、侵犯住所以及過分干涉通信或電子通訊而獲得的證據均視為無效。 因而這不僅僅是合法性問題,更是合憲性問題。對於因獲取證據及衡量其價 值而干預私生活,我需要以之前實行的基本權利為基礎以得出相關結論。 重要的不僅僅是之前實行的基本權利,對該些權利作出限制的可行方式同樣 重要。僅在絕對需要保護基本權利且萬不得已的時候才得對基本權利作出限制。 爲了對“適度性原則屬任一真正意義上的法制國家或地區的固有原則”不存 在任何疑問,有必要將之前的規定過渡到現時適用,并由所有公共當局嚴格執行。但 顯而易見的是,若不將之前(法律)的基本原則及根本內容過渡到現時,如何保持當 時的生活方式以及司法方式。 若不將適度性原則及就其意義作出的思考及深化(正如在施行《共同宣言》 期間就該原則作出的理解及深化)視為現今該方面的指引,那麼就等同於在布演一場 鬧劇了。 《葡萄牙共和國憲法》第18條涵蓋了現時仍生效的規定,并經相應配合后在 澳門適用。1.澳門憲政框架中有關權利、自由及保障的規定直接適用於公共及私人實 體并制約該些實體。2. 僅在現行憲政框架中規定的情況下,才得對權利、自由及保 障實行制約, 但須確保憲法予以保護的其他權利或利益。3. 約束權利、自由及保障 的法律須具備一般抽象性,不得附有追溯效力,亦不得縮減憲法規定的根本內容所涉 及到的範圍。 現時的法律在更高的層面上適用,即着眼於憲法層面。在我看來澳門當局并 未在刑事訴訟方面或關乎刑事訴訟的方面恰當且嚴格地實施該原則,所以我重點提出 這一點。 從為獲得程序中作出的簡要通知而在移民局長時間地等待(行政權),到 命令獲取證據及自動衡量證據價值的便利(司法權),再到對某些犯罪自動作出的羈 押 (立法權及司法權—若實施禁令,禁止離開本地,就足夠了,但這不重要;要實 施逮捕,採用身份及居所資料的書錄即可,但這也無關緊要,應對本應遵守適當性原 則卻明目張膽地觸犯該原則的人實施拘捕)。 公共實體插足公民法律範疇時,須遵守適當性原則,尤其在刑事訴訟中。在 適度性原則的基礎上,可選擇獲取證據的方式(若僅搜索辦公室就足以獲得證據,則 無需搜索住所;若在監獄搜查就足以獲得證據,則無需進入牢房搜查);可在獲取證 據的過程中作出相應決定(若受到監聽的電話很可能與調查無關,則不再繼續監聽) ;可決定控訴及起訴的內容(僅須包括作證的必要資料—若在案發現場獲得有效的 基因數據,應嚴格使用該資料。檢察院在通過有效獲證方式獲得相關資料之後,若絕 對有必要在其針對嫌疑犯作出的控訴方面提供理據,則僅應建立在可代表侵犯隱私的 內容之上);可在衡量證據之時作出相關決定(若有效查獲到一則日記,則應嚴格利 用;我將在文末舉出由葡萄牙憲法法院作出的一相關判決)。
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基於適度性原則,亦可命令實施羈押以防止在獲得、保存證據或確保證據真 實性方面出現風險。第193條規定無需嚴格滿足第188條規定的要求。除了在選擇較 輕的強制措施時無需嚴格遵守適度性原則,也無需適用任何必要性原則。即使在避免 (犯罪嫌疑人)逃跑、獲取證據或避免引起公眾惶恐方面無需適用上述原則,仍需 執行羈押。這是因為,一方面,須質疑羈押的最大期限的合憲性(在第193條的情況 中,可於八個月內提出控訴,實施羈押以獲取相關證據,甚至可在長達兩年的時間內 不作出懲處,意即,‘為調查而實施羈押’及‘為審判而實施羈押’)。請注意這其 中的含義。若認為存在跡象顯示作出了第193條中規定的某項犯罪(例如,一輛極其 昂貴的汽車被盜),可先規定八個月的(羈押)期限,若存在充分跡象,則可延長至 最長兩年。 但不應這樣規定。檢察院在就羈押作出提議時或法官在此方面作出決定時, 應嚴格權衡是否為一必要且適當的措施。問題就出現了:真的有必要實施逮捕以使得 在獲得及保存證據或確保證據可靠性方面不存在任何危險嗎?難道不逮捕主體就不能 合理獲得、保存證據并確保其可靠性嗎? 如果認為不存在這樣的可能性,并需執行 羈押,那麼需要每天都提出疑問--是否一直存在上述的危險? 是否已獲得證據?當不 再存在該種危險聯繫時,立刻將危險排除。 在證據方面出現的問題很棘手。雖然逃跑的危險(a項)和擾亂治安(b項) 并非嚴格取決於當局所採取的措施的程度,但證據的獲取和當局採取的措施緊密相 關,這正是實施特殊且複雜的羈押的原因之一。 羈押亦作為“獲取證據的方式”出現。或許我們需要將“羈押”從“強制措 施”一章中移到“獲取證據的方式”中,同樣也將“違令罪”納入該章節(當然我是 在開玩笑)。 總之,“隱蔽的憲法規定”不僅僅存在於“《刑事訴訟法典》的弦外之音” 中,更體現在澳門的憲法框架中。例如 “僅當其他方式起不到充分作用的時候,可 藉助‘獲取及保存證據的方式或證明物的方式’,但該些方式更嚴重地影響到私人生 活領域”。 法典涉及到證據及獲得證據的方式。基於禁用的證據的規定,可向上述兩方 面加入另一點內容:將收集到證據之時與對證據作出價值衡量之時區分開。根據規 定,若在調查證據過程中出現瑕疵,則禁止對證據作出價值衡量。但同時亦存在不得 作出價值衡量的有效獲得的證據及可作出價值衡量、但屬違反禁止調查的規定的證 據。 某些有效獲得的證據,卻不得對其作出價值衡量,有關該方面的實例我在上 文已提到,可作為參考。 無論之後作出何種考慮,包括對有關查看日記內容可導致的對私生活的侵犯 程度與被調查的罪行所侵犯的法益的重要性的適度性作出的評估,以及為證明列舉的 事實而進行相關價值衡量的必要性的分析,若為法官命令實行有效搜查并查獲日記, 則可將該些日記作為證據進行價值衡量。 在憲法法院第 607/2003號判決中,憲法法院認為對法制的闡釋是不合乎憲 法的--若日記屬合法獲得,則可根據以下規定自動對其作出價值衡量: 若違反《葡 萄牙共和國憲法》第1條、第26條第1款及第32條第8款規定與《刑事訴訟法典》第
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126條第1至3款規定,則視為違反憲法,因而,根據法律命令搜索住所并對查獲的 日記作出價值衡量,但未根據必要原則及適度原則權衡日記內容,因而作出的價值衡 量並不合法(例如證明存在可歸責於犯罪嫌疑人的對兒童實施性侵犯的事實跡象以及 為採取強制羈押措施而建立的前提條件)”。 換句話說,在程序的任一時刻,若在不考慮適度原則的情況下使用日記,則 違反了憲法規定,在澳門則為觸犯澳門特別行政區的基本法規定。 我在文中提到的物的理論為刑事訴訟法屬適用的憲法法律的理論,這樣一種 精確的理解受教於其他人。 適度性原則應普遍存在於刑事訴訟中。 我一般會發表言論或撰寫文章來反駁法院的判決,但對於葡萄牙憲法法院作 出的這一判決我表示支持,因為該判決從法律角度反映出我在文中提出的某些觀點。 謝謝!
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