PUBL I C A Ç Õ E S D A F U N D A Ç ÃO R O B INSO N
Santo António na região de Portalegre Saint Anthony in the Portalegre region
ISSN 1646-7116
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PUBL I CAÇÕ E S D A F U N D AÇÃO R O B I N S O N
Santo António na região de Portalegre Saint Anthony in the Portalegre region
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PUBLICAÇÕES DA FUNDAÇÃO ROBINSON N.º 26 ROBINSON FOUNDATION PUBLICATIONS No. 26
A correspondência relativa a colaboração, permuta e oferta de publicações deverá ser dirigida a All correspondence to be addressed to
Santo António na região de Portalegre Saint Anthony in the Portalegre region Portalegre, Abril de 2013 Portalegre, April 2013
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David Hardisty (inglês) (english), Pedro Santa María de Abreu (espanhol) (spanish) REVISÃO EDITING
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Capa: Santo António e o Menino (pormenor) Pintura sobre tela. Casa‑Museu José Régio, Portalegre. Foto: Laura Romão Cover: Saint Anthony with the Infant (detail) Painting on canvas. José Régio House and Museum, Portalegre Photo: Laura Romão
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Introdução
Introduction Introducción Presidente do Conselho de Curadores | Chair of the Council of Curators
6 Santo António na região de Portalegre Saint Anthony in the Portalegre region
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San Antonio en la región de Portalegre Ruy Ventura
Síntese: resumos e palavras‑chave
Abstracts and key‑words
Resúmenes y palabras clave
Introdução Introduction
Maria Adelaide de Aguiar Marques Teixeira PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PORTALEGRE E PRESIDENTE DO CONSELHO DE CURADORES DA FUNDAÇÃO ROBINSON MAYOR OF THE MUNICIPALITY OF PORTALEGRE AND CHAIRWOMAN OF THE COUNCIL OF CURATORS OF THE ROBINSON FOUNDATION
Publicações da Fundação Robinson 26, 2013, p. 4‑5, ISSN 1646‑7116
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Por entre os Santos que se foram multiplicando ao longo dos séculos alguns houve, entre nós, que por razões várias, algumas vão lá saber-se ..., acabaram por ser mais populares. Por isso numa das suas milhentas quadras orais, de tantos momentos de canto, a voz anónima de todos e nenhum, fixou em quadra, Ai Santo António é a treze, Ai São João a vinte quatro Ai São Pedro a vinte nove Ai Santa Isabel no cabo. Destes interessa-nos agora o primeiro, Santo António (1195-1231). Santo António é o padroeiro de Portalegre e é cultuado por toda a região, país e universo católico. Crúzio e francis‑ cano, pregador e milagreiro, casamenteiro e gerador de len‑ das e tantas outras coisas. Popular, no seu dia 13 de Junho é senhor de tradições próprias e pequenos altares em ruas estreitas, becos e largos solarengos, na maior parte dos casos em espaço urbano de centro histórico mas, pela sua vivaci‑ dade, reaparece nos novos bairros suburbanos ou de perife‑ ria... é, na verdade, um Santo Popular! Sempre que dele se fala, como num conto, acrescenta-se um ponto! Quer dizer, é uma realidade com todas as proprie‑ dades do Património Imaterial: tem história, está na história, gera histórias, artefactos, lendas, mezinhas, orações não litúr‑ gicas, dele se diz mais do que o que se escreveu ou escreve. Ficámos por isso entusiasmados com este estudo de Ruy Ventura, cuja edição se inscreve com evidência na Rede de Património Municipal de Portalegre. Aqui se dá conta de um Santo António registado em documentos, orais e escritos, se dão a conhecer peças de imaginária de diferentes núcleos museológicos da Rede. Este Santo António é presságio de um bom princípio a man‑ ter nas Publicações da Fundação Robinson, dar acolhimento às realidades do Património Imaterial que, quer ontem, quer hoje, no planalto ou na serra, nos campos ou nas fábricas, entre todas as idades, mulheres e homens, se mistura tão facilmente no dia a dia dos Portalegrenses. Fica a proposta. 5
Among the multiplicity of Saints down through the centuries there have been some, among us, who for various reasons – and in some cases the reason is not known ... have ended up becoming the most popular. This is why in one of those thousands of spoken verses, sung so many times, that anonymous voice of all and none of us has fixed on the verse, Well Saint Anthony is the thirteenth Well Saint John the twenty fourth And Saint Peter the twenty ninth And Saint Elisabeth rounds it off. Here it is the first of these that is of interest, Saint Anthony (1195-1231). Saint Anthony is the patron saint of Portalegre and is worshiped throughout the region, the country and the Catholic world. Friar and Franciscan, preacher and miracle worker, matchmaker and maker of legends and so many other things. A popular saint, on his feast day of 13 June he is the master of his own traditions and can be seen on the tiny altars in narrow streets, alleys and large manor houses, mostly in the urban space of the historic centre, which in all its vividness, and reappears in the new suburban and outlying estates... he is truly a Popular Saint! Whenever we speak of him, like a story, another aspect is added! That is, he forms a reality with all the properties of his Intangible Heritage: there is a story, which forms part of history, which creates stories, artefacts, legends, folk remedies, non-liturgical prayers; more is spoken about him than what has been or is written. Hence the excitement regarding this study by Ruy Ventura, the publication of which clearly forms part of the Municipal Heritage Network of Portalegre. Here we can learn of the Saint Anthony recorded in written and oral documents, and learn about pieces of art from different museums in this Network. This Saint Anthony is an omen of a good principle to keep in the Robinson Foundation Publications, namely to provide a home for the realities of the Intangible Heritage that both in the past and in the present, on the plateau or in the hills, in the fields or factories, among all ages, men and women, effortlessly forms part of the day-to-day of the people of Portalegre. I invite you to explore the text.
Santo António na região de Portalegre Saint Anthony in the Portalegre region
Ruy Ventura
Publicações da Fundação Robinson 26, 2013, p. 6‑51, ISSN 1646‑7116
1. Santo António: vida, legenda, iconografia e devoções Não se conhece a data certa do nascimento de Fernando Martins de Bulhões (fig. 1). Sabe‑se que veio ao mundo em Lisboa no último quartel do século XII, em 1188 ou 1190, embora a tradição diga que nasceu a 15 de Agosto de 1195. Oriundo de uma família nobre, estudou na escola da cate‑ dral olissiponense (próxima da casa onde terá nascido), tendo ingressado com 18/20 anos na congregação dos Cóne‑ gos Regrantes de Santo Agostinho, instalados no mosteiro de São Vicente de Fora. Em 1211/1212 transferiu‑se para o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, da mesma ordem, onde aprofundou os seus estudos e foi ordenado sacerdote, aí tendo escrito ou preparado a sua obra mais importante, os Sermones Dominicales. O contacto inicial de Fernando com os frades meno‑ res terá ocorrido em 1218, data em que alguns discípulos de Francisco de Assis chegaram pela primeira vez à cidade do Mondego, instalando‑se no eremitério de Santo Antão do Deserto, nos Olivais. Terá sido nessa altura que privou com cinco franciscanos (Berardo, Pedro, Acúrsio, Adjuto e Otão) que partiam para uma missão em Marrocos, aque‑ les que acabariam martirizados por ordem do rei Miramo‑ lim em Janeiro de 1220 (fig. 2). O passo seguinte, decisivo, da sua vida é narrado por frei Henrique Pinto Rema (OFM): “[…] A colónia portuguesa que actuava por aquelas bandas do norte de África e tinha à frente o Príncipe D. Pedro, irmão do rei de Portugal D. Afonso II, viveu a tragédia e o heroísmo religioso daqueles confessores da fé e conseguiu fazer trans‑ portar para Santa Cruz de Coimbra os seus restos mortais. […] § Fernando, que parece ter‑se encantado com o viver sim‑ ples e alegre dos exemplares discípulos de Francisco de Assis que se tinham vindo fixar nos // arrabaldes de Coimbra, 7
1. Saint Anthony: life, legend, iconography and devotion No one knows the exact date of the birth of Fernando Martins de Bulhões (Photo 1). It is known that he was born in Lisbon in the last quarter of the 12th century, in 1188 or 1190, although tradition states that he was born into a noble family on 15 August 1195. He studied at the Lisbon cathedral school (near the house where he would have been born), and entered the congregation of the Canons Regular of Saint Augustine and moved to the monastery of Sao Vicente de Fora around the age of 18 to 20. In 1211/1212 he transferred to the monastery of Santa Cruz in Coimbra, remaining in the same order, where he deepened his studies and was ordained a priest, having written and prepared his most important work, the Sermones Dominicales. Fernando’s initial contact with the Friars Minor would have taken place in 1218, when some followers of Francis of Assisi first came to the city of Mondego, basing themselves at the Hermitage of Saint Anthony of the Desert in Olivais. It was at that time that he became familiar with five Franciscans (Berardo, Pietro, Accursio, Adiuto and Otone) who left to carry out missionary work in Morocco, and who ended up being martyred by order of King Miramolim in January 1220 (Photo 2). The next decisive step of his life is narrated by Friar Henrique Pinto Rema (OFM):
“[...] The Portuguese colony which operated in those parts of North Africa and which was led by Prince Dom Pedro, brother of the king of Portugal Dom Afonso II, experienced the tragedy and heroism of those confessors of the faith and was able to ship their mortal remains to Santa Cruz de Coimbra. [...] § Fernando, who seems to have been impressed with the simplicity and joy‑ ful lifestyle of these exemplary followers of Francis of Assisi who had come to reside// in the outskirts of Coimbra, experi‑
experimenta uma atracção avassaladora pela nova Ordem ao tomar conhecimento do martírio dos cinco frades meno‑ res que meses antes vira e contactara, porventura, em Coim‑ bra. Dispõe‑se a mudar de hábito e de nome e a transferir‑se para os humildes penitentes de Assis se se comprometerem a mandá‑lo para a Missão de Marrocos. Aceite o compromisso, o jovem sacerdote despe a cogula de Regrante e veste a esta‑ menha de Frade Menor, assumindo então o nome do padro‑ eiro do ermitério dos Olivais, Sanctus Antonius (que tradu‑ zimos por Santo Antão).” (Rema, 1996: 57–58).
FIG. 1
Santo António numa escultura em madeira proveniente do convento capucho de Portalegre, finais do século XVI. Igreja Paroquial de Carreiras, Portalegre. A sculpture of Saint Anthony in wood from the Portalegre Capuchin convent, end of the 16th century. Parish Church of Carreiras, Portalegre.
A restante vida de frei António resume‑se nas palavras de um dos maiores estudiosos da sua vida, Francisco da Gama Caeiro: “[…] dirige‑se para Marrocos em missão apostólica com seus irmãos de hábito: com esta partida para o Norte de África se encerra o // ciclo português do Santo. Daí em diante, passa pela Sicília (1221), em fins de Maio assiste a um Capí‑ tulo Geral […] em Assis, onde terá conhecido o fundador da Ordem, São Francisco; em Forli (1222) revela‑se como extra‑ ordinário pregador, iniciando desde então intenso apostolado pela pregação.1 Por 1228, ou 1229, ocupa‑se dos Sermones Dominicales […]. Em Pádua terá redigido (Outono‑Inverno de 1231), em parte ou no todo, o texto Sermones Festivi, deixados inconclusos. Doente, retira ‑se ao eremitério de Camposampiero, cerca de Pádua, em fins de Maio de 1231. A 13 de Junho morre em Arcela, também perto de Pádua. Com invulgar brevidade, a 30 de Maio de 1232, foi canoni‑ zado por Gregório IX, em Espoleto.” (Caeiro, 1996: 51–52) Num resumo muito breve, são estes os dados biográficos do bem‑aventurado lisboeta, proclamado “Doutor da Igreja” já no século XX pelo papa Pio XII. 8
FIG. 2
Mártires de Marrocos, óleo sobre madeira, século XVII. Casa‑Museu José Régio, Portalegre. Martyrs of Morocco, oil on wood, 17th century, José Régio House and Museum, Portalegre.
Segundo Louis Réau, ao longo do século XIII, a figura de Santo António de Lisboa ou de Pádua ficou na sombra de São Francisco de Assis (fig. 3); só no século XV a sua lenda se estruturou e espalhou, graças aos sermões do franciscano São Bernardino de Siena. Do mesmo modo, até essa altura “o culto de Santo António permaneceu localizado em Pádua, que lhe elevou uma magnífica basílica com cúpulas, denominada Il Santo, O Santo por excelência. É somente a partir do século seguinte que ele se torna em primeiro lugar o santo nacional dos Portugueses […] e depois um santo universal” (Réau, 1959: 117). Na opinião do mesmo especialista em iconografia cristã, a legenda dos seus milagres é, em parte, decalcada da narra‑ tiva de alguns prodígios atribuídos ao fundador da Ordem dos Frades Menores ou do relato de milagres de outros san‑ tos (cf. Réau, 1959: 115–117). A lista é, contudo, tão extensa que, embora encontremos muitos e interessantes paralelos, 9
enced an overwhelming attraction for the new Order when he became aware of the martyrdom of the five Friars Minor who months previously had by chance contacted him in Coimbra. He changed habit and name and transferred to the humble peni‑ tents of Assisi on the condition that they would agree to send him to the Mission in Morocco. With this having been accepted, the young priest removed his Canons Regular cowl and robe for that of a Friar Minor, taking the name of the patron saint of the hermitage of Olivais, Sanctus Antonius (which is translated as Saint Anthony).” (Rema 1996: 57 – 58).
The remaining life of Friar Antony is summed up in the words of one of the greatest scholars of his life, Francisco da Gama Caeiro:
“[...] he went to Morocco with his confreres on a mission to preach the Gospel: with this departure for North Africa the //
nem sempre é fácil distinguir a ficção da realidade, o que lhe pertence e o que é alheio. Na esmagadora maioria das suas representações, Santo António surge vestido com o hábito de franciscano, atado à cintura com uma corda com três nós simbólicos (pobreza, obediência e castidade), excepto nas raras esculturas e pin‑ turas em que surge como cónego regrante de Santo Agosti‑ nho e nas muito mais frequentes representações do “milagre da mula”, em que costuma aparecer com paramentos sacer‑ dotais. Em geral, surge sem barba, tonsurado, alto e magro (o que contraria, segundo os estudiosos, as descrições fide‑ dignas da sua figura, baixa e atarracada). As suas imagens mais antigas surgem, muitas vezes, sem atributos. A sua iconografia conheceu, contudo, uma grande variedade de símbolos. Entre eles, destacam‑se: as chamas saindo da sua mão, numa alusão ao nome que adoptou, pois são atributo de Santo Antão abade; o coração inflamado, vindo de Santo Agostinho, patrono da sua primeira ordem; o ramo de lírio, símbolo da sua pureza, “copiado” de São Ber‑ nardino (e que só surge a partir de 1450); o Menino Jesus, muitíssimo frequente, que só surge depois do século XVI, sobretudo a partir da Contra‑Reforma tridentina; o cruci‑ fixo, florido ou não; os peixes escutando a sua pregação; e a mula, ajoelhada frente a uma custódia com a hóstia consa‑ grada (cf. Réau, 1959: 118). Nalgumas esculturas antigas, escassas, surge ainda com o bordão de peregrino (segundo uma tradição portuguesa, peregrinou a Compostela) ou com o bordão de Santo Antão (com a forma de um tau); deste santo eremita, segundo Paulo Pereira, recebeu ainda a lâmpada e o demónio. O mesmo his‑ toriador lembra ainda o livro, possível representação do seu papel como teólogo, e a custódia, que se refere ao milagre euca‑ rístico. O Menino Jesus sobre o livro “refere‑se à presença ins‑
FIG. 3
São Francisco de Assis, escultura em madeira, século XVIII. Saint Francis of Assisi, wood carving, 18th century. Municipal Museum of Portalegre.
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piradora de Cristo menino como mestre de teologia” (cf. Pereira, 2005: 122–123). Esta última representação, embora se refira a um milagre contado na sua legenda, quase que o equipara à Virgem Maria ou a São José. Acaba por transformá‑lo num santo cristóforo, ou seja, num “transportador de Cristo”, tal como São Cristóvão ou, mais tarde, São Caetano, São Esta‑ nislau Kostka ou Santa Rosa de Lima. As múltiplas faces deste herói poliédrico do cristianismo deram origem, como se vê, a uma iconografia multímoda– estruturada e aumentada, sobretudo, em função de uma multiplicidade de lendas e de devoções populares que foi suscitando do século XIII à actualidade. Completo a lista de atributos com o pão, que surge em muitas das suas imagens, relacionado com a devoção ao “pão de Santo António”, menos antiga do que outras (cf. Réau, 1959: 117), mas, ainda assim, já existente em meados do século XVI (fig. 4). Se os seus atributos são variados, não são em menor número as valências taumatúrgicas ou protectoras que se atribuem ao “santo de todo o mundo”. Como refere o autor de Iconographie de l’Art Chrétien, é sobretudo invocado quando há necessidade de encontrar objectos perdidos. Os pode‑ res de Santo António de Lisboa não ficam, todavia, por aí. Na sua recolha, Réau deparou‑se com outras capacidades: a protecção dos louceiros (em Nevers, França); a libertação dos prisioneiros; a salvação dos náufragos. O mesmo estu‑ dioso afirma que os “marinheiros portugueses o invocavam para terem bom vento nas suas velas. Para que tal fosse assegurado, atavam a sua imagem ao mastro do navio até que a sua oração tivesse sucesso” (Réau, 1959: 117). O sociólogo Moisés Espí‑ rito Santo – encontrando fundamentos de muitas peculiari‑ dades do seu culto popular, dissociadas da sua figura histó‑ rica–lembra, além do santo que encontra as coisas perdidas, a personagem “traquinas” e malandra, casamenteira, que 11
Portuguese Cycle of the Saint was closed. Thereafter, he reached Sicily (1221), then in late May attended a General Chapter meeting [...] in Assisi, where he would have met the founder of the Order, Saint Francis; in Forli (1222) he showed himself to be an extraordinary preacher, and this marked the start of an intense apostolate through preaching1. Around 1228, or 1229, he gave the Sermones Dominicales [...]. In Padua (Autumn-Winter 1231) he wrote either part or the whole of the text Sermones Festivi (Sermons for Feast Days), which was left unfinished. Ill, he went to the her‑ mitage retreat at Camposampiero, near Padua, in late May 1231. On 13 June he died in Arcela, also near Padua. With unusual brevity, on 30 May 1232 he was canonized by Pope Gregory IX in Spoleto.” (Caeiro 1996: 51 – 52).
This is thus a brief summary of the biographical details of the blessed friar from Lisbon, proclaimed a “Doctor of the Church” by Pope Pius XII in the 20th century. According to Louis Réau, throughout the 13th century, the figure of Saint Anthony of Lisbon, or of Padua, remained in the shadow of Saint Francis of Assisi (Photo 3). It was only in the 15th century that his legend became more well-known thanks to the sermons of the Franciscan Saint Bernardino of Siena. Similarly, until then “the cult of Saint Anthony remained localized in Padua, where a magnificent domed basilica, called Il Santo, The Holy par excellence, was erected in his name. It was not until the following century that he came to the forefront as the national saint of the Portuguese [...] and then as a universal saint” (Réau, 1959: 117). In the opinion of that same expert in Christian iconography, the legend of his miracles is partially modelled on the narrative of some miracles attributed to the founder of the Order of the Friars Minor and accounts of the miracles of
other saints (cf. Réau, 1959: 115-117). However, the list is so extensive that although we can find many interesting parallels, it is not always easy to distinguish fact from fiction, and what is and is not his. In the overwhelming majority of the images of Saint Anthony, he appears dressed in the Franciscan habit, tied at the waist with a rope containing three symbolic knots (poverty, chastity and obedience), except in rare sculptures and paintings where he is seen as a canon regular of Saint Augustine and the much more frequent representations of the “miracle of the mule”, in which he appears dressed in priestly vestments. He usually appears with no beard, tonsured, tall and thin (which contradicts, according to scholars, with reliable descriptions of his short squat figure). His earliest images often have no attributes. There has, however, been considerable variety in the symbols used in his iconography. These include: the flames coming out of his hand, in an allusion to the name he adopted, since these are an attribute of Saint Anthony the Abbot; a flaming heart stemming from Saint Augustine, the patron saint of his first order; a lily stalk, symbol of purity, “copied” from Saint Bernardino (and which only appears after 1450); the Infant Jesus, extremely common, which only appears after the 16th century, principally after the Tridentine Counter-Reformation; the crucifix, whether simple or elaborate; fish listening to his preaching; and the mule, kneeling before a monstrance containing the consecrated host (cf. Réau, 1959: 118). In some ancient sculptures, he also appears on rare occasions with a pilgrim’s staff (according to a Portuguese tradition, he made a pilgrimage to Compostela) or with the staff of Saint Anthony the Great (in the shape of a tau); this holy hermit, according to Paulo Pereira, was also given a lamp and a demon. The same historian also recalls use of the
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FIG. 4
Santo António com o saco do pão, século XVIII. Casa‑Museu José Régio, Portalegre. Saint Anthony with a bag of bread, 18th century. José Régio House and Museum, Portalegre.
FIG. 5
Santo Antão do Deserto, escultura em madeira do século XVI. Casa‑Museu José Régio, Portalegre. Saint Anthony of the Desert, sculpture in wood, 16th century José Régio House and Museum, Portalegre.
recebe os “favores das raparigas”. Apresentando‑o como her‑ deiro do deus pagão Hermes, “Santo António é simultanea‑ mente protector dos comerciantes e dos ladrões” (Espírito Santo, 1988: 181). Esta será, sobretudo, a figura que as populações citadinas invocam. Nos meios rurais, nomeadamente naqueles ligados à pas‑ torícia e à criação de gado, a sua imagem tem poucos pontos de contacto com a que se apresentou. Aí, o frade franciscano herdou em grande parte as capacidades do santo que home‑ nageou quando mudou de nome (fig. 5) e, além disso, algu‑ mas particularidades ligadas à sua veneração: “[…] embora se represente como o lisboeta, não é de facto o mesmo, mas Santo Antão do Deserto, venerado nos montes e protector do gado. Cultua‑se em capelas retiradas dos povoa‑ dos, antigos locais de culto pastoris, como São Mamede. […]” (Espírito Santo, 1988: 182). Paulo Pereira apresenta uma leitura interessante desse facto: “[…] esta aparente ‘confusão’ de nomes corresponde, até certo ponto, à figuração do Velho e do Novo, sendo Santo Antão um santo eremita envelhecido e barbado, enquanto Santo Antó‑ nio se apresenta jovem e imberbe” (Pereira, 2005: 122). Não se pode, ainda, esquecer que Santo António de Lis‑ boa é também um santo protector dos militares. Assim se apresenta, por exemplo, na sua igreja magnífica de Lagos, onde exibe uma faixa vermelha, como São Sebastião (o sol‑ dado de Cristo, por excelência). Como refere Maria Cândida Pacheco, a figura milagreira e polifacetada criada nos meios populares “como que ocul‑ 13
book, possibly representing his role as a theologian, and the monstrance, which refers to the miracle of the Eucharist. The Infant Jesus over the book “refers to the inspiring presence of the Christ child as a master of theology” (cf. Pereira, 2005: 122-123). This latter representation, although referring to a miracle recounted in his legend, almost puts him on a level with the Virgin Mary or Saint Joseph. He was trans-
tou a sua estatura de pensador, de teólogo e de místico” (cit. in Morujo, 1999: 89). Se os seus sermões, altos e incisivos como poucos, são praticamente desconhecidos, em compen‑ sação, temo‑lo como protector e advogado quase universal, “companheiro de festas e folguedos, curador de dores e sofrimen‑ tos, de penas e cansaços”, pois “a relação dos crentes com Santo António passa por momentos e episódios tão diferentes como a doença, os objectos perdidos, a morte, o desporto, a vida militar, o nascimento, a vida religiosa, a festa ou o casamento” (Morujo, 1999: 88–89). Haverá razões objectivas para este fenómeno. E nem todas serão do domínio meramente psicológico, tendo de ser explicadas em função do cruzamento de dados provenientes da teologia, da sociologia das religiões e da antropologia.
formed into a “Christ-bearer”, such as Saint Christopher or, later, Saint Cajetan, Saint Stanislaus Kostka and Saint Rose of Lima. The multiple faces of the polyhedral hero of Christianity gave rise, as we have seen, to a multi-modal iconography – organised and enlarged mainly due to a multitude of legends and popular devotions which have taken place since the 13th century to the present-day. The final attribute is bread, which appears in many of his images, related to devotion to the “bread of Saint Anthony”, which is not as ancient as the others (cf. Réau, 1959: 117), but, even so, was present in the mid-16th century. As well as having a varied number of attributes, there are a similar number of miracle-working or protective features which have been assigned to the “saint of the whole
2. Santo António em Castelo de Vide, Marvão e Portalegre Data dos últimos anos do século XIX a consagração de Santo António de Lisboa como padroeiro principal da cidade de Portalegre e da sua diocese. Segundo documentos publi‑ cados pelo cónego Anacleto Pires da Silva Martins (cf. Mar‑ tins, 2008: 92–94), a iniciativa foi motivada pelas comemo‑ rações do sétimo centenário do nascimento do franciscano lisboeta. Numa reunião do cabido da sé, ocorrida a 26 de Abril de 1895, um dos presentes resolveu lembrar uma carta régia, emitida a 5 de Dezembro de 1644, na qual D. João IV recomendava aos cónegos da cidade que tomassem “por Padroeiro desse bispado ao glorioso Santo António […] a quem tão justamente devemos toda a demonstração de devoção, em reconhecimento dos grandes favores e mercês”. A proposta do monarca ficara no esquecimento durante duzentos e cin‑ quenta anos. Era altura de lhe dar cumprimento–e assim aprovaram os clérigos reunidos em capítulo2, passando o
world”. As the author of Iconographie de l ‘Art Chrétien observes, his name is mostly invoked when there is a need to find lost objects. The powers of Saint Anthony of Lisbon are not, however, limited to this. Réau listed other abilities: protection of crockery (in Nevers, France); the release of prisoners; and rescue from shipwrecks. The same scholar says that “Portuguese sailors invoked his name to have good winds in their sails. To ensure this, they tied his image to the mast of the ship until their prayer had been answered” (Réau, 1959: 117). The sociologist Moisés Espírito Santo – who found the basis for many of the peculiarities of the popular cult of the saint, which are not in themselves connected to the historical figure – recalls, besides the saint who can find lost things, the “pesky” and roguish character, a matchmaker, who receives “the favours of girls”. He presents him as heir to the pagan god Hermes, “Saint Anthony is at the same time the protector of merchants and thieves” (Espírito Santo, 1988: 181). This is the figure that city dwellers invoke above all.
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processo para as mãos do bispo D. Gaudêncio José Pereira3. Votada secretamente a proposta entre o clero e os fiéis, a mesma foi aprovada por unanimidade, o que conduziu a um pedido formal de confirmação junto da Santa Sé e da Coroa. Um breve do papa Leão XIII, dado em Roma a 11 de Maio de 1896, a que se associaram as autoridades do país por porta‑ ria de 13 de Outubro do mesmo ano, fecharam e coroaram de êxito as diligências. A decisão foi comunicada pelo pre‑ lado aos seus diocesanos em portaria de 14 de Outubro de 1896:
In rural areas, particularly those concerned with pastoring and livestock, his image has little to do with what has just been described. There, the Franciscan friar largely inherited the abilities of the saint he paid homage to when he changed his name (Photo 5) and, in addition, some particularities related to his veneration: “[...] Though he is pre‑ sented as being from Lisbon, in fact it is not him, but rather Saint Anthony of the Desert, venerated in the hills and the protector of cattle. He is worshipped in local chapels and former pastoral places such as São Mamede. […]” (Espírito Santo, 1988: 182). Paulo Pereira provides an interesting reading of this: “[...] This
“assim o promulgamos para os effeitos litúrgicos, e para que todos os fiéis d’este bispado, encontrando n’este acto de benig‑ nidade ao augusto Pontífice um poderoso estímulo, nutram cada vez mais em seus corações os affectos de piedade e devo‑ ção para com tão ínclito Padroeiro”.
apparent ‘confusion’ of names corresponds, to a certain extent, to the Old and New figures, a holy hermit Saint Anthony the Great, who is aged and bearded, while Saint Antonio is young and beard‑ less” (Pereira, 2005: 122). It should also not be forgotten that Saint Anthony of Lisbon is also a patron saint for soldiers. This is how he is
Não se pode dizer que este acto oficial tenha consa‑ grado de jure uma realidade já sentida de facto. Sendo um dos heróis do cristianismo a que as populações da Serra de São Mamede mais devoção manifestam, nunca foi sentido como padroeiro nem da cidade nem da região. Basta dizer que, apesar dos festejos de que é alvo e da sua presença em quase todas as igrejas da região, Santo António de Lisboa é titular de apenas uma paróquia nos concelhos de Cas‑ telo de Vide, Marvão e Portalegre e orago de poucas ermi‑ das. É, sem dúvida, um quadro paradoxal. Parece que só em finais do século XIX a hierarquia religiosa se lembrou dele… Salvo raras excepções, até aí terá sido somente um santo “do povo”? Sabe‑se que é frequente o padroeiro das igrejas não corresponder ao santo mais venerado entre os fiéis. Basta dizer que só há muito poucos anos se construiu na cidade um templo consagrado ao frade lisboeta, a partir de um belo 15
portrayed, for example, in his magnificent church in Lagos, with a red stripe, just like Saint Sebastian (the soldier of Christ par excellence). As Maria Cândida Pacheco has stated, the fact that he is a miracle worker and complex figure in popular media “has hidden his stature as a thinker, a theologian and mystic” (quoted in Morujo, 1999:89). If his sermons, with a rare incisive and erudite content, are virtually unknown, in contrast, he is our almost universal protector and advocate, “fellow party‑ goer and reveller, healer of aches and pains, sickness and tiredness” since “the relationship of believers with Saint Anthony involves moments and episodes as different as illness, lost objects, death, sports, military life, birth, religious life, parties and weddings” (Morujo, 1999: 88 – 89). There are objective reasons for this phenomenon. And not all are merely psychological aspects, and have to be
projecto do arquitecto portalegrense João Luís Carrilho da Graça. Desde a extinção das ordens religiosas que não exis‑ tia qualquer edifício de que fosse orago, pois em 1834 se fechara e profanara a igreja do convento dos frades capu‑ chos, dedicada a António e ainda assim bem longe do cen‑ tro de Portalegre. E, no entanto, Santo António de Lisboa é uma presença constante nas devoções dos habitantes dos três concelhos da Serra de São Mamede, mesmo daqueles que não se reivin‑ dicam como “católicos praticantes”. É uma figura que encon‑ tramos nas igrejas, nas ermidas, nas capelas, nas casas de muita gente, discreta ou evidente. Surge nas palavras, nos sentimentos e nos objectos artísticos que, ao longo dalguns séculos, foram expressando, materializando e integrando uma espiritualidade complexa e multifacetada. Confrontam‑se, aqui, duas vivências da mesma perso‑ nalidade marcante do cristianismo medieval. De um lado, a prática institucional de veneração do frade menor falecido em Pádua. Do outro, a devoção popular a uma figura poli‑ édrica e multifacetada, que a tradição e as tradições foram enriquecendo e distinguindo. Não são necessariamente opostas, mas complementares–e nem sempre a distinção se patenteia, excepto em estudos científicos que, como se exige, têm de possuir um olhar mais rigoroso sobre os fenó‑ menos observáveis e os documentos (cf. Moreira, 1999: 365). 2.1 Património imaterial Em boa parte das localidades integradas nos concelhos de Castelo de Vide, Marvão e Castelo de Vide, Santo Antó‑ nio é venerado como protector dos gados. Na aldeia de Carreiras, por exemplo, onde já na segunda metade do século XVI existia um altar dedicado ao frade na
FIG. 6
Santo António com Menino Jesus, escultura em madeira e marfim do século XVII. Museu Municipal de Portalegre. Saint Anthony with the Infant Jesus, sculpture in wood from the 18th century. Municipal Museum of Portalegre.
explained on the basis of connecting data from the theology and sociology of religions as well as anthropology.
2. Saint Anthony in Castelo de Vide, Marvão and Portalegre The consecration of Saint Anthony of Lisbon as the patron saint of the city of Portalegre and its diocese took place in the final years of the 19th century. According to documents published by Canon Anacleto Pires da Silva Martins
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sua igreja matriz de São Sebastião, até à década de 1960 faziam‑se “promessas de leite” ao santo lisboeta. Nunca teve festa própria, mas quando alguém tinha animais doen‑ tes – sobretudo se se tratava de vacas, cabras ou ovelhas – prometia‑lhe uma quantidade significativa de leite caso o ser fosse curado da sua maleita. Entregue o combinado, o líquido era leiloado ou vendido e o lucro da promessa rever‑ tia a favor da paróquia. Também era costume, no dia 13 de Junho, as crianças e os adolescentes andarem de monte em monte a pedirem leite para as suas famílias4. Já na Escusa, localidade pertencente à freguesia de São Salvador da Ara‑ menha, a curta distância da supracitada, os rituais eram outros. Apesar de a sua igreja ter como orago Nossa Senhora da Esperança, é ao franciscano que é dedicada a festa anual, realizada ainda hoje no primeiro fim de semana de Setem‑ bro. Entre essas práticas ancestrais, contava‑se uma que aponta para o mesmo tipo de protecção, neste caso do gado suíno. Conta Maria de Fátima Salgueiro:
(cf. Martins, 2008: 92-94), the initiative for this stemmed from the celebrations to mark the seven hundredth anniversary of the birth of the Lisbon Franciscan. At a meeting of the cathedral chapter, which took place on 26 April 1895, one of those present cited a royal charter, issued on 5 December 1644, in which Dom João IV had recommended to the canons that they “make the glorious Saint Antony the patron saint of this bishopric [...] to whom is justly entitled this demonstration of our devotion, in recognition of his great favours and mercy.” The monarch’s proposal had been forgotten for two hundred and fifty years. It was therefore considered time to comply with this – and so the clergy, assembled in their chapter approved this2, handing the process into the hands of their bishop, Dom Gaudêncio José Pereira3. In a secret vote between the clergy and the faithful, the proposal was unanimously approved, which led to a formal request for confirmation to the Holy See and the Crown. An epistle from Pope Leo XIII, issued in Rome on 11 May 1896, which the Portuguese authorities added their voice to through
“[…] durante todo o ano, as pessoas faziam promessas ao Santo que eram geralmente em géneros, para, mediante lei‑ lão, serem convertidos em dinheiro para a festa. A promessa mais vulgar era a oferta de um lacão, se o porco destinado à matança não morresse. Sempre, em cada ano, vi a IM esco‑ lher o melhor lacão, ter especial atenção na sua preparação e dizer: § Este é o lacão do Santo António, (ficava‑se a saber que não se lhe tocava). § O lacão era uma perna de porco curada no fumeiro, depois de ter passado durante alguns dias por uma salga. No final, era lavado, raspado, enxuto e a parte cortada barrada com pimentão. Depois de bem seco e até ser oferecido, era guardado em talhas de barro […]. § Por causa das promessas, juntavam‑se muitos lacões […]” (Salgueiro, 2011: 61). 17
Ministerial Directive on 13 October of the same year, successfully brought these formalities to a close. The decision was communicated by the bishop to the diocese in a decree dating 14 October 1896:
“this is ordained for liturgical purposes, and for all the faith‑ ful of this bishopric, with the kindness of our esteemed Pon‑ tiff a powerful encouragement, to nurture ever more in their hearts the effects of the piety and devotion of such an illustri‑ ous Patron Saint.”
It cannot be stated that this official act had the force of turning a perceived de facto reality into a de jure one. Given that he was already one of the heroes of Christianity that
Tal como acontece um pouco por toda a parte, também nesta parcela do Alto Alentejo a devoção a Santo António de Lisboa não se centra apenas numa única capacidade. Para mui‑ tos crentes da região, o frade é ainda um protector das almas, em vida e depois da morte (valência pouco comum, mas par‑ tilhada por São Francisco de Assis nalgumas regiões do país, nomeadamente nos Açores). Chega a surgir com esse papel em “alminhas”, ao lado de São Miguel Arcanjo e de Nossa Senhora da Conceição – como se pode ver num painel do século XIX (1857) exposto na Casa‑Museu José Régio (fig. 7). Esse tes‑ temunho é confirmado por outros textos recolhidos na zona. Alberto Pimentel, que foi administrador do concelho de Porta‑ legre em 1878, regista num livro seu duas quadras que ouviu cantar na cidade numa noite de 12 de Junho (Pimentel, s/d): “Ó meu padre Santo António, / Aqui vos venho pedir / Sal‑ vação p’r’as nossas almas, / Graça para vos servir.” e “Santo António é bom santo, / Que livrou seu pai da morte; /Livrai ‑nos a nós, meu santo, / Desta tentação tão forte.”
FIG. 7
Alminhas com Santo António a salvar as almas do Purgatório, óleo sobre madeira, 1857. Casa-Museu José Régio, Portalegre “Alminhas” (Little Souls) with Saint Anthony saving the souls from Purgatory, oil on wood, 1857. José Régio House and Museum, Portalegre.
the Serra de São Mamede showed most devotion to, he was never really considered as a patron saint of either the city
Na Escusa, um hino antigo muito significativo, caído em desuso depois de uma vaga de seminaristas da localidade ter ensinado outros aos seus conterrâneos na década de 1940, era cantado nas missas da festividade:
or the region. Suffice to say, despite the festivities in his name and his presence in almost all the churches in the area, Saint Anthony of Lisbon gives his name to only one parish in the municipalities of Castelo de Vide, Portalegre and Marvão and is the patron saint of just a few chapels.
“António Santo, de Jesus querido, / Valha‑me sempre o vosso patrocínio / António Santo, da alma alegria, / Com Jesus me assisti no último dia. / Valha‑me António, na final agonia / Para que em paz acabe a milícia da vida.” (Salgueiro, 2011: 67).
This is undoubtedly a somewhat paradoxical situation. It seems that only in the late nineteenth century did the religious hierarchy remember him... With few exceptions, had he until then merely been a saint “of the people”? It is known that often the patron saint of churches is not nec-
Há ainda orações tradicionais que direccionam a devoção ao santo português no mesmo sentido. Eis uma versão iné‑ dita de Castelo de Vide5:
essarily the most venerated saint among the faithful. Suffice it to say that it was only very few years ago that a church was built in the city dedicated to the Lisbon friar, a beautiful
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“Santo António se levantou, / Seus sapatinhos calçou, / Suas sagradas mãos curou, /Caminhou e caminhou. / Nossa Senhora lhe disse: / ‘António, onde vais?’ / ‘Eu, Senhora, con‑ sigo vou.’ / ‘Tu comigo não vens. / Tu na terra ficarás. / Todas as missas que disserem, / Tu, António, ouvirás. / Todas as almas que se perderem, / Tu, António, as salvarás.’”
design by the architect João Luís Carrilho da Graça. There
Uma outra versão deste texto religioso indica‑nos, con‑ tudo, que a advocacia mais comum atribuída ao taumaturgo também se verifica por terras raianas do norte alentejano. Aqui, Fernando de Bulhões é chamado igualmente a intervir quando se perdem objectos:
presence in the devotions of the inhabitants of the three
had not been a church of which he was the patron saint since 1834, when with the dissolution of religious orders in Portugal the church of the convent of the Capuchin friars dedicated to Anthony – located some distance from the centre of Portalegre – had been closed and deconsecrated. However, Saint Anthony of Lisbon has been a constant
municipalities of São Mamede, even for those who do not claim to be “practising Catholics”. He is both a discrete and apparent figure in churches, shrines, chapels and the houses of many people. He is present in words, feelings and artistic objects that over the centuries have expressed a complex
“Santo António, Santo Antoninho se levantou, / Seus sapa‑ tinhos calçou, / Suas sagradas mãos lavou, / No seu bordão‑ zinho pegou, / Nossa Senhora encontrou. / ‘António, onde vais?’ / ‘Eu, Senhora, contigo irei.’ / ‘Tu comigo não irás, / Tu na Terra ficarás. / Tudo quanto se perder, / Tu, António, encontrarás.’” 6
and multifaceted materiality and spirituality. Here we are thus confronted with two experiences of the same notable personality from medieval Christianity. On the one hand, institutional practice involving the veneration of the Friar Minor who died in Padua. On the other hand, popular devotion to a polyhedral and multifaceted figure, whose tradition and traditions were being enriched
Para esse fim, há ainda outras orações, comuns contudo em todo o território nacional7. Para além da protecção dos gados, da salvaguarda das almas e do auxílio na descoberta de objectos perdidos, a lite‑ ratura tradicional da região leva‑nos ainda a uma quarta motivação dos devotos deste bem‑aventurado. Das quadras que a etnógrafa da Escusa recolheu nos desafios integrados nas festas do nosso “santo de todo o mundo” que na sua terra ocorriam, há algumas que indiciam que lhe rezavam para proteger os soldados ou para livrar os rapazes do serviço militar. Eis um exemplo, que se refere a um momento dra‑ mático na história recente de Portugal (a perda do Estado da Índia): 19
and set apart. These are not necessarily opposite but complementary – and the distinction is not always so obvious, except in scientific studies which must maintain a necessarily stricter perspective on observable phenomena and documents (cf. Moreira, 1999: 365).
2.1 Intangible Patrimony In many of the places in the municipalities of Castelo de Vide, Marvão and Portalegre, Saint Anthony is venerated as a protector of cattle. In the village of Carreiras, for example, which by the second half of the 16th century already had an altar dedicated to the friar in its main church of São Sebastião, “offer‑
“Ó meu padre Santo António, / Grande Santo de Lisboa, / Guardai os nossos soldados, / Que estão na batalha em Goa.” (Salgueiro, 2011: 718).
ings of milk” to the Lisbon saint were made until the 1960s. He never had his own feast day, but when someone had sick animals – especially cows, goats or sheep – he was promised a significant amount of milk if the animal was
A religiosidade popular, tradicional, não vive todavia, apenas, de orações e promessas. Não passa sem festas em que se misturam, com maior ou menor equilíbrio, o sagrado e profano (que, nesses momentos, frequentemente se ritu‑ aliza e sacraliza). Nem todas as terras onde houve ou há devotos de Santo António tiveram/têm motivação, neces‑ sidade ou organização para lhe dedicar festejos em que se entrançavam/entrançam actos religiosos institucionais e não‑institucionais. Em quase todas há, ainda, contudo, rituais colectivos – praticados à margem da Igreja – inte‑ grados nos chamados “santos populares”, em que o frade aparece entronizado com São João Baptista e São Pedro ou surge, somente, como pretexto ancestral para comezainas e bailaricos. Algumas povoações da região tiveram ou têm, porém, festejos mais organizados, que não dispensaram/dispen‑ sam actos cultuais. Tanto quanto sei, neste momento há apenas duas festas em honra de António, ambas no conce‑ lho de Marvão, na Escusa e na Ponte Velha. Houve, contudo, celebrações desse género também em Portalegre e Castelo de Vide. Em Portalegre, as festividades parece que se centra‑ vam na igreja do extinto convento de São Francisco (ape‑ sar de haver altares dedicados ao santo quer na sé quer na outra sede paroquial, São Lourenço). Segundo dados reco‑ lhidos pelo padre José Patrão, na década de 80 do século XIX a festa constava de missa com sermão e arraial nas pro‑ ximidades do templo, com iluminação, fogo preso e con‑ certo de uma filarmónica local (cf. Patrão, 1995a). Segundo
cured of its malady. Once the liquid was offered, it was auctioned or sold and the profit from the offering was given to the parish. It was also the custom that on 13 June, children and teenagers would walk from hill to hill to ask for milk for their families4. In Escusa, a place forming part of the parish of São Salvador da Aramenha, a short distance from the aforementioned, different rituals was carried out. Despite the patron saint of the church being Nossa Senhora da Esperança, the annual festivities were dedicated to the Franciscan, and this is still held nowadays during the first weekend of September. Among those ancient practices, there is one of note that indicates the same type of protection for animals, in this case for swine. As Maria de Fátima Salgueiro relates:
“[...] Throughout the year, people made promises to the Saint which were generally in kind, to be sold by auction to raise funds for the party. The most common promise was to offer a smoked ham if a pig earmarked for slaughter did not die. Each year I always saw the priest choose the best smoked ham, take particular care in its preparation and say: § This is the smoked ham of Saint Anthony, (so now you know that you cannot touch it). § The smoked ham was a leg of pork cured in the smokehouse, after spending a few days being salted. After this it was washed, scraped, dried and the cut part smeared with red pepper. After being dried very thoroughly and until it was made an offering, it was kept in jars of clay [...]. § There were many smoked hams made as offerings [...]” (Salgueiro, 2011: 61).
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conta Alberto Pimentel, nessa mesma época ocorriam tam‑ bém na cidade, de madrugada, as “alvoradas”, em que se can‑ tavam pelas ruas, “num tom fradesco, como se rezassem alto, acompanhando‑se com pandeiretas num ritmo sonolento”, qua‑ dras e estribilhos dedicados ao que estava para ser padroeiro oficial da urbe (cf. Pimentel, s/d)9. Em Castelo de Vide, apesar de existir uma ermida dedi‑ cada ao santo milagreiro onde decorriam alguns actos devo‑ cionais (cf. Gordo, 2004: 104–105), as festas mais importan‑ tes localizavam‑se na igreja paroquial de Sant’Iago Maior. Já ocorriam em meados do século XVIII, segundo a memó‑ ria assinada em 1758 pelo padre dessa freguesia, Domin‑ gos de Figueiredo. O programa de 1926 previa para dia 12 de Junho, ao meio‑dia, a “anunciação da festa pelos sinos das freguezias” e “alguns morteiros”. No dia dedicado ao fran‑ ciscano, o folheto prometia, pela mesma hora, uma eucaris‑ tia abrilhantada pela orquestra do Asilo de Nossa Senhora da Esperança, saindo à cinco da tarde a procissão pelas prin‑ cipais artérias da vila. Depois das dez da noite, decorreria o arraial no “lindo largo de S. Thiago”, com “venda de fogaças, iluminações, bailes campestres, a tradicional fogueira, descan‑ tos populares, e subindo ao ar alguns foguetões de vistas do afa‑ mado Pirotécnico das Mouriscas”10. Na aldeia da Escusa, as festas–que ainda hoje se reali‑ zam – constavam de vários actos religiosos (trezena, missa, procissão e cerimónia da bandeira) e profanos (peditórios, descantes, touradas, leilões e bailes) (cf. Salgueiro, 2011: 59–76), alguns deles caídos agora em desuso. A festa da Ponte Velha, celebrada junto da igrejinha de Santo António dos Barros Cardos, segue o modelo comum na região, sem grandes variações. Entretanto, devo registar que há dez anos uma associa‑ ção denominada “Grupo Pró‑Portalegre” passou a denominar 21
As was the case everywhere, in this little part of the Alto Alentejo devotion to Saint Anthony of Lisbon has not focused on only one of his abilities. For many believers in the region, the friar was also a protector of souls in life and after death (an unusual attribute, but shared by Saint Francis of Assisi in some regions of the country, particularly in the Azores). This is the role in which he appears in “alminhas” (little souls), beside Saint Michael the Archangel and Our Lady of the Conception – as can be seen in the panel from the 19th century (1857), on exhibition at the José Régio House and Museum (Photo 7). This statement is confirmed by other texts collected from the area. Alberto Pimentel, who was the head of the municipality of Portalegre in 1878, wrote two verses in one of his books describing how he heard singing in the city on the night of 12 June (Pimentel, n. d.):
“O Father Saint Anthony, / Here I come to ask / Salvation for our souls, / Grace to those who carry out your task.” and “Saint Anthony is a good saint, / That undid his father’s death; / Deliver from us, my saint,/ This temptation that is such a wretch.”
In Escusa, this extremely significant old hymn, which fell into disuse after a wave of seminarists from the locality had taught others to their contemporaries in the 1940s, used to be sung at the masses held on feast day:
“Santo António, of dear Jesus, /Bless me always with your patronage/ Santo António, of soul and joy, / Be with me with Jesus on the last day. / Bless me Antonio, in my final agony / So that my life’s engagement ends in peace.” (Salgueiro, 2011: 67).
‑se “Confraria de Santo António”. É, contudo, um grupo que não pratica qualquer acto devocional significativo, além de um cortejo sem carácter religioso e desligado das tradições locais antigas (S/A, 2005). * Com estes dados, é difícil saber com certeza em que época nasceu a devoção a Santo António de Lisboa entre os habitantes das localidades da Serra de São Mamede. Pode‑ mos aproximar‑nos de hipóteses sólidas, mas dificilmente alguma delas será comprovada por documentos inequívocos. A lista de capacidades taumatúrgicas/protectoras tidas em conta pelos fiéis da região nas suas relações com o santo pode nem estar completa, pois a nossa pesquisa não foi exaustiva. As sinalizadas apontam, contudo, para o carác‑ ter absorvente de uma figura que, em certas localidades, passou a advogar junto de Deus algumas causas que, tradi‑ cionalmente, eram apanágio de outros membros da corte celestial. Se o auxílio na descoberta de objectos extraviados parece ter sido atribuição exclusiva do frade no nosso país, embora importada e tardia11 , convém verificar que o mesmo não acontece com as outras evidenciadas pelas tradições dos três concelhos em estudo.
There are also traditional prayers involving devotion to the Portuguese saint with the same idea. Here is a previously unpublished version from Castelo de Vide5:
“Santo António did stand, / His shoes put on, / His sacred hands heal, / He did walk and walk. / Our Lady said to him: / ‘Antonio, where art thou going?’ / ‘I, My Lady, am going to you.’ / ‘Thou are not coming to me. / Thou shalt stay on earth. / All the Masses that are said, / Thou, O António, shalt hear them. / All the souls that are lost, / Thou, o António, shalt save them.’”
Another version of this religious text, from the border lands of the Northern Alentejo, suggests, however, the most common supplication made to Saint Anthony. Here, Fernando de Bulhões is also called upon to intervene when objects are lost:
“Santo António, Santo Antoninho did stand, / His shoes put on, / His sacred hands did wash, / His walking stick he did take, / Our Lady did find. / ‘António, where are you going?’ / ‘I, My Lady, I will be with you.’ / ‘To me thou shalt not go, / Thou shalt stay on Earth. / Whatever is lost, / thou, o
Valência atribuída a Santo António
Santo que tradicionalmente possui essa capacidade
António, shall find.’” 6
Protecção do gado suíno
Santo Antão
There are also other prayers with the same purpose,
Protecção do gado leiteiro
Santo Antão ou São Mamede
Protecção das almas
Arcanjo São Miguel
Protecção dos soldados
São Sebastião
which are common throughout Portugal7. Besides the protection of cattle, the safeguarding of souls and help in finding lost objects, the traditional literature of the region leads us to yet a fourth reason for supplication to this blissful figure by his devotees. In the stanzas
Sabe‑se que São Miguel12, São Sebastião13 e São Mamede14 já const���������������������������������������������� avam nos santorais moçárabes da Península Ibé‑
that the ethnographer Escusa collected linked to the festivities to the “saint for the whole world”, which he found in his
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rica; ou seja, eram venerados antes da reconquista cristã dos territórios administrados pelas elites islâmicas ou isla‑ mizadas, ocorrida nesta região a partir do século XII. Já os encontramos no século X com celebrações nos dias 19 de Janeiro (Sebastião), 5 de Agosto (Mamede) e 29 de Setem‑ bro (Miguel) (cf. Simonet, 1871). No que respeita a Antão ou “António do Deserto”, falecido em meados do século IV, o seu culto terá recebido forte incremento no século XIII, embora se tenha iniciado ainda na centúria anterior, atingindo o apo‑ geu no final da Idade Média (cf. Carvalho, 2000: 252–253)15. Se a figura de Santo António de Lisboa veio, de algum modo, substituir as suas – parece, então, que a devoção ao fran‑ ciscano será posterior à de que eram alvo. Temos assim uma datação possível: Fernando Martins de Bulhões terá entrado em Castelo de Vide, Marvão e/ou Portalegre no final da Idade Média (no século XIV ou, mais provavelmente, no século XV, coincidindo com a sua maior difusão internacional). A sua chegada, avassaladora, terá apagado completa‑ mente a memória do eremita seu homónimo – que aqui terá tido devotos, estou certo. Os nomes eram iguais ou idên‑ ticos – e sabe‑se que, frequentemente, dois santos com o mesmo nome passam a ser um único16. Com o incremento da produção de esculturas a representarem o frade, o cami‑ nho completou‑se. O lisboeta chegou no momento certo, na época em que as igrejas começavam a encher‑se de imagens de vulto, até aí muito raras. Da confusão passou‑se à fusão. O “velho” foi substituído pelo “novo”, o idoso e rigoroso santo barbudo enevoou‑se e escondeu‑se perante o jovem e alegre santo imberbe (cf. Pereira, 2005: 122). E poucos ou nenhuns lembram que frei Fernando mudou o seu nome em homenagem ao austero eremita egípcio. Mamede, Miguel e Sebastião tiveram mais sorte, pois ostentavam nomes diferentes – e permaneceram com ful‑ 23
district, there are some that suggest that prayers were made to him to protect soldiers or to free young men from military service. Here is an example, which refers to a dramatic moment in the recent history of Portugal, namely the loss of its Indian territories):
“O my Father Santo António / Great Saint of Lisbon / Keep our soldiers safe, / Who are fighting in Goa.” (Salgueiro, 2011: 718).
Popular and traditional religiosity does not, however, live on only in prayers and promises. It also involves feast days which mix, to differing amounts, the sacred with the profane (which, in these moments, are often ritualized and sanctified). Not all the areas where there were or are devotees of Saint Anthony had/have the reason, need or organization to dedicate festivities to him, which mix(ed) institutional and non-institutional religious acts. Almost all of these still however contain collective rituals – practised at the edge of the Church – included in the so-called “san‑ tos populares” (popular saints) in which the friar appears enthroned with Saint John the Baptist and Saint Peter or appears alone as an ancestral pretext for eating and dancing. Some population centres in the region had or have, however, more organized festivities, which include acts of worship. As far as I know, at this moment there are only two festivities in honour of Saint Anthony, both in the district of Marvão, in Escusa and in Ponte Velha. However, there have been celebrations of this kind also in Portalegre and Castelo de Vide. In Portalegre, the festivities seem to have been centred on the church of the former Convent of São Francisco (although there are altars dedicated to the saint both in the Cathedral and in another parish main church, that of São Lourenço). According to data collected by Father José
gor (mas nunca com as mesmas atribuições na mesma loca‑ lidade). Antão também teve, mas noutras regiões onde as suas esculturas já haviam entrado. Aqui (e em muitas ter‑ ras da Beira) desapareceu sob outra imagem–ao ponto de ser quase impossível encontrar representações suas no Alto Alentejo. Conheço apenas duas na região em apreço, na Casa‑Museu José Régio, em Portalegre, que podem contudo ser provenientes de outra zona do país (fig. 5). A ausência é reveladora de um culto submerso, mas exis‑ tente no inconsciente. Talvez tenha surgido por influência dos “pobres” de São Paulo Eremita (companheiro de Antão e com ele patriarca do monaquismo cristão), que residi‑ ram nos séculos XIV e XV na “Provença de Vale de Flores”, na Ribeira de Nisa (Portalegre). A submersão precoce pode explicar‑se pelo facto de ter sido nesse mesmo território que, poucos anos depois, na década de 20 do século XVI, se fundou o primeiro convento de frades franciscanos capu‑ chos da região, dedicado precisamente a Santo António de Lisboa.
Patrão, in the 1880s, the festivities involved a mass with a sermon and a folk festival near the church, with illuminations, fireworks and a concert from the local philharmonic band (cf. Patrão, 1995a). According to Alberto Pimentel, during this period, early in the morning there were also in the city “alvoradas”, involving singing in the streets, “in a monk-like fashion, as if they were praying loudly, accompanying themselves with tambourines to set a sleepy rhythm”, with verses and choruses dedicated to the future official patron saint of the metropolis (cf. Pimentel, n.d.)9. In Castelo de Vide, although there is a chapel dedicated to the miracle working saint in which some devotional acts took place (cf. Gordo, 2004: 104-105), the most important celebrations were located in the parish church of Sant ‘Iago Major. These took place during the mid-eighteenth century, according to the signed memoir written in 1758 by the priest of this parish, Domingos de Figueiredo. The 1926 programme for 12 June, listed, at noon, the “proclaiming of the festivities through the ringing of the bells of the parishes” and “some mortars”. On the day dedicated to the Franciscan, the
2.2 Património material Se deixarmos de lado as manifestações imateriais anto‑ nianas e nos centrarmos no património tangível gerado pela intensa veneração do frade sepultado em Pádua, vere‑ mos que a datação proposta para a introdução do seu culto (séculos XIV/XV) parece ter confirmação material. Embora saindo alguns quilómetros do âmbito geográfico deste estudo, veremos que nessa época terão nascido os mais antigos edifícios dedicados a Santo António. Falo das igre‑ jas edificadas em Arez no século XIV, em Nisa na centú‑ ria seguinte e em Alter do Chão nos primórdios do século XVI; as datações são de Luís Keil (cf. Valdemar & alii, 2000: 04722, 04697 e 04435).
brochure promised, at the same time, a Eucharist enlivened by the orchestra of the Asylum of Our Lady of Hope, with a procession through the main thoroughfares of the town leaving at five o’clock. After ten o’clock at night, there would be a folk festival “in the beautiful square of S. Thiago” with “the sale of bread, illuminations, rustic balls, the traditional bonfire, popular singing and the rising into the sky of fireworks from the acclaimed Pirotécnico das Mouriscas”10. In the village of Escusa, the festivities – that are still held today – consisted of various religious acts (the trezena, prayers said to Saint Anthony on thirteen successive days, a Mass, procession and flag ceremony) and profane acts (offertories, duets, bullfights, dances and auctions) (cf. Salgueiro, 2011:
24
FIG. 8
Santo António, escultura em madeira, século XVI. Igreja do Convento da Senhora da Estrela, Marvão. Saint Anthony, sculpture in wood, 16th century. Church of Senhora da Estrela Convent, Marvão.
Infelizmente, até ao momento não se localizaram repre‑ sentações escultóricas do franciscano anteriores a inícios do século XVI. Um pequeno núcleo deve, todavia, incluir ‑se ainda nessa época primordial, que irá até meados de quinhentos. Não serão mais do que meia‑dúzia as ima‑ gens desse período, destituídas ainda do seu atributo mais comum, o Menino Jesus, divulgado sobretudo a partir da Contra‑Reforma (cf. Réau, 1959: 118). Entre elas, incluo as peças da ermida de Alter do Chão17, da igreja de Arez (Nisa)18, da matriz de Alegrete (Portalegre)19, da igreja do convento franciscano da Senhora da Estrela de Marvão (fig. 8)20 e da paróquia de Carreiras (Portalegre)21. Ponho ainda a hipótese de terem também a mesma datação as imagens veneradas na Ribeira de Nisa e no Reguengo (Portalegre). * Se os primórdios da devoção antoniana parecem estar nos finais da Idade Média, a eles não deve ter sido alheia a presença de um cenóbio franciscano em Portalegre desde, pelo menos, o terceiro quartel do século XIII. É importante não esquecermos que, ainda em finais do século XIX, mesmo depois da extinção das ordens religiosas, as festas dedicadas a Santo António se centravam na igreja de São Francisco, onde existia um altar que lhe era dedicado. A presença franciscana na região foi marcante durante todo o Antigo Regime. Em todos os concelhos em apreço existiram fundações dos frades menores que, decerto, mar‑ caram a espiritualidade e as devoções da população resi‑ dente. Na vila que em 1549 se tornou sede diocesana terá sido entre 1240 e 1260 que se edificou o mais antigo con‑ vento, impulsionado por forte patrocínio real. Em Marvão, o convento de Nossa Senhora da Estrela levantou‑se, sobre um santuário local, em meados do século XV (embora haja 25
59-76), some of these having now fallen into disuse. The festivities in Ponte Velha, celebrated alongside the tiny church of Santo António dos Barros Cardos, follow the model characteristic of the region, without major changes. However, it should be noted that ten years ago an association called the “Pro-Portalegre Group” was renamed the “Confraternity of Saint Anthony”. It is, however, a group that does not practise any meaningful devotional act, besides a non-religious procession not connected to the old traditional places (S/A, 2005).
opiniões que fazem recuar duzentos anos a primeira cons‑ trução do eremitério). A fundação mais tardia ocorreu em Castelo de Vide, com a edificação no final de quinhentos da recoleta de Nossa Senhora da Conceição, no lugar de uma quinta doada por particulares, sob patrocínio do município. A este conjunto de comunidades, deve ainda acrescentar ‑se a fundação de um mosteiro de clarissas em Portalegre no final do século XIV, de um convento de capuchos a poucos quilómetros da localidade em 1522 (refundado cerca de cin‑ quenta anos depois num monte fronteiro à cidade) e de um recolhimento de terceiras franciscanas junto da ermida de São Brás, já no início do século XVIII. Este movimento deve completar‑se, ainda, com o estabelecimento no século XVII de mais comunidades menoritas noutras vilas do actual dis‑ trito de Portalegre, nomeadamente no Crato, em Alter do Chão e em Campo Maior. Tão forte presença terá, decerto, auxiliado na difusão da imagem de Santo António, que pron‑ tamente criou raízes na zona. A devoção plantada em finais da Idade Média terá sido regada, entretanto, pela elevação de Portalegre a centro religioso. Aí nasceu uma pequena diocese, situada a sul do rio Tejo, que conseguiu em 1549 de jure um estatuto que já tinha de facto havia mais de trinta anos, desde a presença nos arredores da localidade de um convento de freiras cis‑ tercienses onde habitava D. Jorge de Melo, prelado do bis‑ pado da Guarda, a que pertencia. Verifica‑se, por exemplo, que desde os primórdios da edificação da nova sé (mea‑ dos do século XVI), sempre aí existiu um altar (ainda que pequeno por comparação com os seus vizinhos, monumen‑ tais) dedicado àquele que seria elevado, tardiamente, à categoria de padroeiro da urbe e da circunscrição religiosa (cf. Patrão, [2002]: 230). No regimento do Cabido da Sé
* With this data, it is difficult to know for sure when devotion to Saint Anthony of Lisbon started among the inhabitants of the towns of the Serra de São Mamede. We may put forward some solid hypotheses, but it would be difficult for any of them to be proved unequivocal through the documents we have available. The list of miracle working abilities considered by the faithful of the region in its dealings with the saint cannot be considered as complete, since the search carried out is not exhaustive. What has been found, however, points to the absorbing nature of a figure who, in certain places, advocated certain causes before God that traditionally were the hallmark of the activities of other members of the heavenly court. If help in finding lost objects seems to have been uniquely attributed to the friar from our country, albeit imported and somewhat late11, it should be noted that the same did not happen with regard to the other attributes shown by the traditions in the three councils under study. Power attributed to Saint Anthony
Saint traditionally possessing this ability
Protection of pigs
Saint Anthony of the Desert
Protection of dairy cattle
Saint Anthony of the Desert and Saint Mammes
Protection of souls
Archangel Michael
Protection of soldiers
Saint Sebastian
It is known that Saint Michael12, Saint Sebastian13 and Saint Mammes14 formed part of the list of Mozarab saints in the Iberian Peninsula, i.e., they were worshiped before the Christian reconquest of the territories administered by the Islamic or Islamised elites, which occurred in this region from the twelfth century onwards. They were already present in the tenth century, celebrated respectively on 19 January
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(Sebastian), 5 August (Mammes) and 29 September (Miguel)
FIG. 9
Santa Clara de Assis, escultura em madeira do século XVIII. Museu Municipal de Portalegre.
(cf. Simonet, 1871). Concerning Anthony or “Anthony of the Desert”, who died in the middle of the fourth century, his cult
Santa Clara de Assisi, sculpture in wood from the 18th century. Municipal Museum of Portalegre.
strongly increased in the thirteenth century, although this had started even earlier in the previous century, reaching its apogee at the end of the Middle Ages (cf. Carvalho, 2000: 252 – 253) 15. If the figure of Saint Anthony of Lisbon has, to some extent, replaced his – it seems, then, that the devotion to the Franciscan was subsequent to that to which he was the recipient. We thus have a possible dating: Fernando Martins de Bulhões would have reached Castelo de Vide, Marvão and/or Portalegre at the end of the Middle Ages (in the fourteenth century or, more likely, in the fifteenth century, coinciding with the greatest international dissemination of his name). His arrival in such force would have completely erased the memory of the namesake hermit – who would have had devotees here, I am sure. The names were the same or similar – and it is known that often two holy individuals with the same name become a single person16. With the increased production of sculptures representing the friar, the path was completed. The saint from Lisbon arrived at the right moment, at a time when the churches started to be filled with images involving figures, which hitherto had been very rare. Confusion led to fusion. The “old” was replaced by the “new”, the elderly and strict bearded saint misted up and hid before the holy and joyful beardless youth (cf. Pereira, 2005: 122). And few if any remember that Friar Fernando changed his name as homage to the austere Egyptian hermit. Mammes, Michael and Sebastian were luckier, since they bore different names – and continued to shine (but never with the same powers in the same place). This was also the case with Saint Anthony of the Desert, but in
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de Portalegre, dado pelo seu primeiro bispo, D. Julião de Alva22, em 1560, determinava‑se que o dia de “Sancto Antó‑ nio de Padua” se celebrasse como “festa de guardar” (Mar‑ tins, 1997: 105). Anos depois, em 1589, o bispo carmelita D. frei Amador Arrais23 mandou escrever nas constituições do seu bispado:
other regions where his sculptures had already penetrated. Here (and in many Beira territories) he disappeared under another image – to the point of it being almost impossible to find any representation of him in the Alto Alentejo. I know of only two in the region in question, in the José Régio House and Museum, which may however have originated from another part of the country (Photo 5). The
“Encomendamos m(ui)to a nossos súbditos seiam devotos dos S(anc)tos em (e)special do glorioso confessor Sam Mar‑ tinho, e do martyr São Sebastiam e de sancto Antonio, e de S(anc)to Amaro, nos dias dos quaes convem que frequentem as Igreias, e Sacram(en)tos e se achem p(re)sentes aos offi‑ cios divinos”. Cauteloso entendeu, contudo, sublinhar: “porem não lhes mandamos que os guardem sub praecepto, por não multiplicar dias de guarda que vemos tam mal guar‑ dados” (Alves, 1999: 64).
absence is indicative of a submerged cult, still existing in the unconscious. Maybe these arose due to the influence of the “poor figures” of Saint Paul the Hermit (a companion of Saint Anthony of the Desert and alongside him patriarch of Christian monasticism), who resided in the fourteenth and fifteenth centuries in the “Valley of Flowers of Provence” in Ribeira de Nisa (Portalegre). The early submersion can be explained by the fact that it was in the same territory, a few years later, that in the 1520s the first convent of Franciscan Capuchin Friars was founded in the region, specifically dedicated to Saint Anthony of Lisbon.
A Contra‑Reforma emanada do Concílio de Trento parece ter tido um papel decisivo na difusão da devoção antoniana. A “evangelização pela imagem” terá levado a um aumento sig‑ nificativo do número de pinturas e de esculturas represen‑ tando o santo lisboeta, passos da sua vida ou da sua lenda, milagres que terá feito. Na sé, por exemplo, edificou‑se ainda no século XVI um “retávolo estoriado com os milagres do bem‑aventurado santo [António]” (Sotto Maior, 1984: 64), de que hoje restará apenas uma tábua representando o “milagre da mula”24 (cf. Patrão, 1995). Data dessa época a fundação da única paróquia da região dedicada ao frade menor, no concelho de Marvão. Nessa igreja de Santo António das Areias – edificada talvez ainda na década de 1560 (cf. Oliveira, s/d)25 e hoje muito modifi‑
2.2 Material Patrimony Leaving aside the intangible manifestations of Saint Anthony, let us now focus on the material patrimony created by the intense veneration of the Saint, and we can see that the proposed timing for the introduction of the cult of Saint Anthony (14th/15th centuries) seems to be materially borne out. Although stepping a few kilometres beyond the geographical scope of this study, it will be seen that the oldest buildings dedicated to Saint Anthony stem from this period. I am speaking of churches built in Arez in the fourteenth century, in Nisa in the following century and Alter do Chão in the early part of the sixteenth century, with the dates being those of Luís Keil (cf. Valdemar & al., 2000: 04722, 04697 and 04435).
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cada, após obras ocorridas por volta de 1790 – implantou‑se um retábulo, ainda in situ no ano de 1758:
Unfortunately, up to the present sculptural representations of the Franciscan prior to the early sixteenth century have not been found. A small core should also, however,
“Da Parrochial Igreja desta Freguesia he orago o Senhor Sancto Antonio, Cuja Imagem se acha feita com toda a per‑ feisam e situada em hum nicho do Retabollo do Altar mayor, o qual todo he de madeira e está ornado de Excelentes pintu‑ ras sito na Capella mor” (Machado & Gorjão, 1993: 65).
be included in this early period, continuing until the middle of the sixteenth century. There are no more than half a dozen images from this period, without the most common attribute, the Infant Jesus, which was mainly used from the Counter-Reformation onwards (cf. Réau, 1959: 118). Among these are the pieces from the hermitage of Alter
A escultura perdeu‑se ou extraviou‑se, mas as quatro pinturas que o integravam podem ainda hoje ser observa‑ das na igreja (embora muito escurecidas por fumos e verni‑ zes inadequados). Representam um Calvário, o “Ecce Homo” ou “Senhor da Cana Verde”, o “Milagre Eucarístico” (fig. 10) e a “Pregação aos Peixes”26. Também as fundações capuchas na região devem ter dado origem a retábulos pintados, ao gosto da época. Deve‑ riam existir tanto no seu primeiro edifício, levantado na Ribeira de Nisa em 1522 numa quinta doada por Gonçalo de Sousa, quanto no que depois se edificou no monte dos Cidrais na década de 1570, sob patrocínio do bispo D. André de Noronha, que nele quis ser sepultado27. Quase nada resta deles, contudo. O edifício da década de 20 passou a ser igreja paroquial dedicada a Nossa Senhora da Esperança e as modi‑ ficações sofridas no último quartel do século XVIII foram tão profundas que muito foi substituído por peças dessa época, inclusive a imagem da padroeira28. Já o convento da cidade, teve o destino de muitos outros depois da extinção das ordens religiosas em 1834 (cf. Dinis, 2011); a igreja foi profanada e o seu recheio disperso ou destruído; sobram as esculturas que representam Santo António e São Fran‑ cisco de Assis – boas peças maneiristas do último quartel 29
do Chão17, the church of Arez (Nisa)18, the Alegrete mother church (Portalegre)19, the church of the Franciscan convent of Senhora da Estrela in Marvão (Photo 8)20 and the parish of Carreiras (Portalegre)21. I would also like to put forward the hypothesis that the images venerated in Ribeira de Nisa and Reguengo (Portalegre) are from the same period. * If the beginnings of Antonian devotion seem to have occurred in the late Middle Ages, then they would not have been unaware of the presence of a Franciscan monastery in Portalegre since at least the third quarter of the thirteenth century. It is important to remember that even at the end of the nineteenth century, and even after the dissolution of the religious orders, the festivals dedicated to Saint Anthony were centred on the church of Saint Francis, where there was an altar dedicated to him. The Franciscan presence in the region was marked throughout the Former Regime. In all the districts under consideration there were Friars Minor foundations which would certainly have noted the spirituality and devotions of the resident population. The older convent was built between 1240 and 1260, driven by strong royal patronage, in the villa which in 1549 became the Diocesan seat. In Marvão, the convent of Nossa Senhora da Estrela arose over a
local shrine in the mid-fifteenth century (although there are opinions stating that the first construction of the hermitage had been two hundred years prior to this). This later construction was that in Castelo de Vide, with the building at the end of the sixteenth century of the Recollect to Nossa Senhora da Conceição, on a farm donated by private individuals, under the auspices of the municipality. To this set of communities must also be added the foundation of a Poor Clares convent in Portalegre at the end of the 14th century, a Capuchin convent a few kilometres from the town in 1522 (re-established about fifty years later on a hill facing the city) and a group of Franciscan tertiaries beside the hermitage of São Brás at the start of the 18th century. This movement can be further added to, with the establishment in the seventeenth century of more Menorite communities in other population centres in the current district of Portalegre, particularly in Crato, Alter do Chão and Campo Maior. Such a strong presence would undoubtedly have helped spread the image of Saint Anthony, which promptly took root in the area. The devotion established in the late Middle Ages would have been watered down, however, by the rise of Portalegre as a religious centre. A small diocese grew up there, located south of the River Tagus, which in 1549 succeeded in obtaining a de jure status which it de facto had had for over thirty years, from its presence outside a Cistercian nunnery where Dom Jorge de Melo lived, prelate of the bishopric of Guarda, to which he was attached. There has always been, for example, since the start of the construction of the new cathedral (in the mid-sixteenth century), an altar (though small in comparison with its monumental neighbours) dedicated to Saint Anthony, who would later, and belatedly, be elevated to patron saint of the city and its religious community (cf. Patrão[2002]: 230). In
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FIG. 10
Milagre eucarístico, século XVI. Antigo retábulo da igreja de Santo António das Areias, Marvão. Eucharistic Miracle, 16th century. From the former altarpiece of the church of Santo António das Areias, Marvão.
FIG. 11
Santo António de Lisboa, escultura em barro, século XVIII Casa‑Museu José Régio, Portalegre. Saint Anthony of Lisbon, sculpture in clay, 17th century. José Régio House and Museum, Portalegre.
do século XVI –, hoje integradas no património de outros templos da região: o Doutor da Igreja é venerado na igreja paroquial de Carreiras, para onde foi oferecido na década de 1870 pelo vigário‑geral da diocese (fig. 1); a do fundador está exposta num salão da igreja portalegrense de São Lourenço. O conjunto de pinturas integráveis no ciclo iconográ‑ fico de Santo António deve enriquecer‑se com outras peças da mesma época, existentes na região. A lista não é exaus‑ tiva. Convém, todavia, referir as obras existentes na igreja de São Gregório do Reguengo, na Casa‑Museu José Régio (Por‑ talegre) e na igreja da Escusa (Marvão). Representam todas o “milagre da mula” e todas elas são obra do período manei‑ rista, que na região vai de meados do século XVI até finais da centúria seguinte. É �������������������������������������� possível que������������������������ tenham vindo de conven‑ tos extintos e dos seus desmembrados retábulos. Parece que assim aconteceu com o políptico existente na ermida da fre‑ guesia de Aramenha; terá vindo no século XIX do convento franciscano de Castelo de Vide e é, segundo Vítor Serrão, obra excelente de um “erudito ‘maneirista’ de cerca de 1590” (Serrão, 1989: 128); das três, é a que tem maior valia artística29 . Já dos primeiros anos do século XVIII são as quatro peque‑ nas pinturas sobre tela que integram o retábulo proto‑barroco, arcaizante, da igrejinha de Santo António da Ribeira, em Cas‑ telo de Vide, fundada em 1700. Ladeiam um nicho em que se venera uma imagem do frade e representam quatro dos seus milagres mais conhecidos. Apresentam uma pintura de índole popular, medíocre, apenas com interesse iconográfico (ao con‑ trário do retábulo e da escultura, de melhor factura); o estado precário destas quatro peças não permite no entanto saber se o que hoje vemos é original ou apenas um repinte bárbaro (semelhante a muitos que infelizmente se encontram). Na pintura mural, não se localizou até ao momento qual‑ quer conjunto iconográfico significativo. Pouco mais existe 31
the regiment for the Chapter of Portalegre Cathedral, its first bishop, Dom Julião de Alva22, determined in 1560 that the day of “Sancto António de Padua” be celebrated as a “permanent feast day” (Martins, 1997: 105). Years later, in 1589, the Carmelite Bishop Friar Amador Arrais 23 wrote into the constitutions of his bishopric:
“We would certainly recommend devotions to the Saints by our subjects, in particular the glorious confessor Saint Martin, the martyr Saint Sebastian and Saint Anthony and Saint Amaro, on days suitable for the Churches, and that are mentioned in the Sacraments and present in the divine offices.” On a cau-
do que uma pequena representação de “Santo António em glória” no centro da abóbada que cobre a única capela que sobrevive no edifício do extinto convento capucho de Por‑ talegre, obra muito limitada do século XVIII. Como exem‑ plo da adesão popular ao frade milagreiro, será bom apon‑ tar a existência de um espaldar de fonte nas proximidades do Centro de Saúde de Portalegre com uma representação a preto e branco (esgrafito?) de São Mamede, São Vicente Ferrer e Santo António “pescador”. Trata‑se de um trabalho fruste, datado de 173030, que mostra o franciscano a pes‑ car, com um hábito muito remendado, numa representação quase caricatural que deriva, obviamente, do “milagre da pre‑ gação aos peixes”, embora possa ser lida como uma interpre‑ tação desta figura como “pescador de homens”. No campo da pintura sobre azulejo������������������ são também ������������� escas‑ sas as representações antonianas antigas que chegaram ao nosso tempo. No levantamento que concretizei, conse‑ gui apenas localizar dois exemplos situados em Castelo de Vide, ambos produzidos no século XVIII. A curta distância da igreja de Santa Maria da Devesa, um registo ornamenta a fachada de um prédio; trata‑se de uma peça muito muti‑ lada, que mostra Santo António com o Menino Jesus ao colo. Situa‑se na galilé da portaria do convento franciscano de Nossa Senhora da Conceição o conjunto mais importante (infelizmente com danos significativos na superfície pictó‑ rica): são dois painéis de boa dimensão e cuidadosa execução que representam o santo a salvar o pai de uma condenação à morte (fig. 12) e o quase omnipresente prodígio da mula perante a hóstia consagrada. A insistência no “milagre da mula” ou “milagre eucarístico” na iconografia de Santo António mais divulgada nos con‑ celhos em apreço durante a Contra‑Reforma não terá sido fruto do acaso. Bastará recordarmos o que, algumas déca‑
tious note, however, he emphasized: “However we are not ordering that they be kept sub praecepto, so as not to multi‑ ple such days that have been barely kept” (Alves, 1999: 64).
The Counter-Reformation emanating from the Council of Trent seems to have had a decisive role in spreading devotion to Saint Anthony. “Evangelization through his image” led to a significant increase in the number of paintings and sculptures representing the Lisbon Saint, stages in his life, his legend, and the miracles he had carried out. In the cathedral, for example, a “narrative altarpiece showing the miracles of the blessed saint [Anthony]” was built (Sotto Maior, 1984: 64), of which nowadays there only remains a board representing the “miracle of the mule”24(cf. Patrão, 1995). That period also saw the establishment of the only parish in the region dedicated to the Friars Minor, in the district of Marvão. There in the church of Santo António das Areias – perhaps built in the 1560s (cf. Oliveira, n. d.)25 and now much modified after construction works which took place in the 1790s an altarpiece was installed, which was still in situ in 1758: “This Parish Church offers its devotions to the Saint, whose image has been created out of wood in a perfect manner and located in a niche in the main altarpiece, and decorated with excellent paint‑ ings in the main Chapel” (Machado & Gorjão, 1993: 65). The sculpture was lost or taken away, but the four paintings associated with it can still be seen in the church (though quite darkened by smoke and unsuitable varnishes). They portray a Calvary scene, the “Ecce Homo” or “Senhor da Cana Verde”, the “Eucharistic Miracle” (fig. 10) and “Preaching to the Fishes”26. The Capuchin communities in the region must also have given rise to painted altarpieces in the style of the period. They must have been present both in their first building, constructed in Ribeira de Nisa in 1522, on a farm donated
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by Gonçalo de Sousa, and that built on the hill of Cidrais in the 1570s, under the auspices of Bishop Dom André de Noronha, who wanted to be buried in it27. Almost nothing remains of them, however. The building from the 1520s became the parish church dedicated to Our Lady of Hope and the modifications made in the last quarter of the eighteenth century were so major that much was replaced by pieces of that era, including the image of the patron saint28. The city convent went the way of many others after the dissolution of the religious orders in 1834 (cf. Dinis, 2011), with the church being deconsecrated and its contents dispersed or destroyed; the sculptures showing Saint Anthony and Saint Francis of Assisi – good Mannerist pieces from the last quarter of the sixteenth century – now form part of the patrimony of other religious buildings in the region: The Doctor of the Church is venerated in the parish church of Carreiras, being offered up to the parish in 1870 by the vicar general of the diocese (Fig. 1), with that of the founder exhibited in a room in the PorFIG. 12
Um dos painéis de azulejo do convento franciscano de Castelo de Vide, representando Santo António a salvar o pai de uma condenação à morte, século XVIII. One of the tile panels of the Franciscan convent of Castelo de Vide, representing Saint Anthony saving his father from being sentenced to death, 18th century.
das antes, em 1513, se publicou n’ Ho Flos Sanctorum em Lin‑ goage sobre esse prodígio e sobre a “pregação aos peixes”, que frequentemente o acompanha nos retábulos (como no des‑ membrado políptico de Santo António das Areias):
talegre church of São Lourenço. The ensemble of paintings depicting the life of Saint Anthony should be enriched by other pieces from the same period which exist in the region. The list is not exhaustive. Mention should, however, be made of the works in
“[…] E dos [milagres] que em sua vida fez, que deixamos infin‑ dos como quer sejam mais notavees especialmente contra os hereges com os quaes tinha grande conquista assi como se aconteceeo. Sendo elle hu˜u dia por causa dos mesmos here‑ ges que privavam a entrada da cidade ao sancto homem, elle se pos sobre a ponte a preegar aos peixes, dizendo lhes suas liberdades, s, como no dilúvio todallas cousas foram mortas mas a elles fora dada vida e andar per todo o mundo. E outrosi, como sempre se lee, Nosso Senhor comer sempre peixes e nunca carne se nom na cea o cordeiro e outras cousas e a multidom 33
the church of São Gregório of Reguengo in the José Régio House and Museum (Portalegre) (Photo 11) and the church at Escusa (Marvão). They all show the “miracle of the mule” and they are all works from the Mannerist period in the region, dating from the mid-sixteenth century until the end of the following century. They may have come from former convents and their dismembered altarpieces. It seems that that is exactly what happened to the polyptych in the chapel of the parish of Aramenha; it would have come in the nineteenth century from the Franciscan convent of Castelo de
dos peixes se ajuntou a ouvir preegaçam com as cabeças sobre a agua estando os pequenos mais perto e os grandes mais longe e dando lhes sua bençam se foram em paz. O qual vendo os hereges tornarom se a Deos. E outrosi o cavallo, animal bruto, que adorava o sacramento com os giolhos em terra deixando a cevada e adorando a seu criador pollo qual o herege se tornou christaão. […]” (Lucas, 1988: 214).
Vide and is, according to Vítor Serrão, a fine work of “a ‘Man‑ nerist scholar from about 1590” (Serrão, 1989: 128); of the three, it has the greatest artistic value29. In the first years of the eighteenth century the four small paintings on canvas made up the archaic protoBaroque altarpiece of the small church of Saint Anthony of Ribeira, in Castelo de Vide, which was founded in 1700. They flank a niche which venerates an image of the Friar
Louis Réau afirma que a primeira narrativa “foi manifesta‑ mente inventada para emparelhar com a Pregação de São Fran‑ cisco aos pássaros”31 (Réau, 1959: 116). Quanto à segunda, que coloca entre os “lugares comuns da literatura hagiográ‑ fica”, conta‑a com outros detalhes:
and represent four of his best known miracles. There is a mediocre painting of a popular nature, only of iconographic interest (unlike the altarpiece and sculpture, which are of the best quality). The precarious state of these four pieces however does not allow us to know if what we see today is original or just a repainting (similar to many that were
“O milagre da mula, irmã da burra do profeta Balaão e do burro do Presépio, terá tido lugar em Bourges. Um judeu cha‑ mado Guillard recusava‑se a admitir a presença real de Cristo na Eucaristia, prometendo que acreditaria caso uma mula, colo‑ cada como o burro de Buridan entre uma medida de aveia e uma hóstia, se inclinasse perante o Santíssimo Sacramento. Santo António conseguiu pelas suas orações a genuflexão da mula e, assim, o descrente abjurou do seu erro” (Réau, 1959: 116).
unfortunately found). In mural painting, no significant iconographic features have been identified so far. There is little more than a small representation of “Santo António in his glory” in the centre of the dome that covers the only surviving chapel in the building of the former Portalegre Capuchin convent, a very limited 18th century work. A good example of popular support for the miracle-working friar is that of a back plate close to the Portalegre Health Centre with a black and white image
Não me interessa questionar a veracidade dos milagres atribuídos ao santo lisboeta. É importante, sim, verificar que essas narrativas foram colocadas sob o signo da con‑ versão dos incrédulos, dos hereges e dos judeus. É seguro que António pregou contra os defensores da heresia cátara no sul de França. Esse alargamento na sua hagiografia e na sua iconografia transformou‑o, todavia, num instrumento apetecível na difusão do culto dirigido ao Santíssimo Sacra‑ mento e, sobretudo, numa ponta de lança na luta da Igreja Romana contra os movimentos reformistas que pululavam
(graffito?) of Saint Mammes, Saint Vincent Ferrer and Saint Anthony the “fisherman”. It is a work in poor quality, dated 173030, showing the Franciscan fishing and wearing a rather patched-up habit, in an almost caricatural representation that clearly is derived from the “miracle of preaching to the fish”, although this figure could be read as a “fisher of men”. There are all not many ancient representations of Saint Anthony on tile paintings which have survived to the present day. In the survey that I carried out, I could only find two examples located in Castelo de Vide, both produced
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na Europa do século XVI e contra os judeus e cristãos‑novos. O tão repetido “milagre da mula” em partes de Castelo de Vide, Marvão e Portalegre – onde existiram comunidades judaicas e cristãs‑novas numerosas e importantes – terá sido pois utilizado como veículo de propaganda e proseli‑ tismo, transformando Santo António de Lisboa num estan‑ darte da Contra‑Reforma na região.
in the 18th century. A short distance from the church of
* A maior parte das representações de Santo António na região de São Mamede não se situa, contudo, no campo da pintura, mas no da escultura. Além das cinco ou seis que já referi – integráveis na primeira centena e meia de anos em que a sua veneração se difundiu – há uma miríade de ima‑ gens espalhadas por todas as localidades da zona. É difícil fazer um inventário completo – e nem é esse o meu propó‑ sito. Para se ter, contudo, uma noção mínima da distribuição da sua devoção, bastará olharmos este quadro:
the image): there are two good-sized and carefully executed
Santa Maria da Devesa, there is a piece adorning the facade of a building; it is quite badly damaged, and shows Saint Anthony with the Infant Jesus on his lap. The most important ensemble is located in the entrance porch of the Franciscan convent of Nossa Senhora da Conceição (unfortunately with significant damage to the surface containing
panels that represent the saint saving his father from being condemned to death (Fig. 12) and the almost ubiquitous prodigy of the mule before the consecrated host. The insistence on the “miracle of the mule” or the “Eucha‑ ristic miracle” in the iconography of Saint Anthony, which was most used in the municipalities under consideration during the Counter-Reformation would not have been the result of chance. Suffice it to recall that, a few decades earlier, in 1513, the Ho Flos Sanctorum em Lingoage was published about this prodigy and his “preaching to the fish,” which
Castelo de Vide
Marvão
Portalegre
Totais
Orago conventual
0
0
2
2
Orago paroquial
0
1
0
1
Orago não‑paroquial
1
1
2
4
were endless as well as remarkable, especially against the her‑
Orago de altar secundário
1
0
11
12
etics with whom he was extremely successful. Since these very
Veneração no altar‑mor
0
2
3
5
Veneração sem altar
0
1
2
3
Totais
2
5
20
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often accompanies him on altarpieces (as in the dismembered polyptych from Santo António das Areias):
“[...] And the [miracles] that he carried out in his life, which
same heretics denied this holy man access to enter the city, he went to a bridge and started preaching to the fishes, tell‑ ing them of their freedom, how in the flood everything died but they were given life and were able to move throughout the whole world. And as could be read, Our Lord always ate fish and never meat except a supper of lamb and other things and
Estes dados, recolhidos em documentos de meados do século XVIII, mas actualizados com dados posteriores, não mostram a totalidade da devoção antoniana, pois “escon‑ 35
the multitude of fish gathered to hear him preach with their heads out of the water with the smallest ones being closer and the larger further away, and he gave them his blessing to go in
dem” a multidão de esculturas que povoavam oratórios e casas particulares. Bastará visitar a Casa‑Museu José Régio (fig. 11), o Museu Municipal de Portalegre ou o Museu Paro‑ quial de Arte Sacra de Castelo de Vide para se aquilatar o seu número e variedade. Os números revelam, contudo, dois dados curiosos. Em primeiro lugar, é nítido que a devoção ao santo lisbo‑ eta se centrou, sobretudo, no termo de Portalegre – o que se compreende, dada a centralidade da urbe como sede de dio‑ cese e como lugar onde edificou um convento de frades da Estreita Observância franciscana, ou capuchos, cujas igre‑ jas eram maioritariamente dedicadas ao taumaturgo. Em segundo, verifica‑se que a maior parte das esculturas eram/ são titulares de altares secundários – o que comprova, a meu ver, a percepção de que Santo António foi venerado sobre‑ tudo por intermédio de confrarias leigas. É certo que Fernando de Bulhões teve ao longo do tempo uma veneração “oficial” impulsionada pelo clero que, como vimos, na época contra‑reformista até terá tentado transformá‑lo num paladino da luta pela conversão ao cato‑ licismo dos hereges (protestantes?) e dos judeus. António foi, contudo, um “santo do povo”, pelos ínvios e interessan‑ tes caminhos que já se apresentaram. Só foi alvo de verda‑ deira atenção popular quando do povo crente partiu a ini‑ ciativa do seu acolhimento. Bastará ver‑se que não gerou qualquer devoção significativa na única paróquia em que foi colocado como titular (Santo António das Areias, em Marvão); a decisão terá partido das autoridades eclesiásti‑ cas, não conseguindo suplantar o culto prestado a São Mar‑ cos, centrado numa ermida fronteira, hoje desaparecida. Na Escusa, pelo contrário, as festas ancestrais realizam‑se em honra do franciscano, apesar de a sua igreja ter como orago oficial Nossa Senhora da Esperança.
peace. And upon seeing this the heretics turned to God. And also the horse, a beast of burden, who venerated the sacra‑ ment with its eyes on earth, leaving the barley and worship‑ ping its creator such that the heretic became a Christian. […]” (Lucas, 1988: 214).
Louis Réau stated that the first narrative “was clearly invented to match that of Saint Francis preaching to the birds”31 (Réau, 1959: 116). As for the second, which he places among the “commonplaces of saintly literature”, he recalls it with other details:
“The miracle of the mule, sister of the female donkey of the prophet Balaam and the donkey of the crib, would have taken place in Bourges. A Jew named Guillard refused to accept the real presence of Christ in the Eucharist, promising that he would believe if a mule, placed as Buridan’s ass between a measure of oats and a host, would lean towards the Blessed Sacrament. Saint Anthony succeeded through his prayers in making the mule kneel and thus the unbeliever admitted his error” (Réau, 1959: 116).
I do not care to question the veracity of the miracles attributed to the Lisbon saint. It is important, rather, to ensure that these narratives were used in the conversion of unbelievers, heretics and Jews. Is it certain that Anthony preached against the defenders of the Cathar heresy in southern France. This enlargement of his hagiography and iconography turned him, however, into a desirable instrument in spreading the cult of the Blessed Sacrament and, above all, a spearhead in the Roman Church’s fight against the abundant reform movements in sixteenth-century Europe, and against the Jews and New Christians. The
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É conveniente sublinhar que, mesmo nos séculos XX e XXI, Santo António tem conseguido manter vitalidade cul‑ tual. Entre os edifícios religiosos mais recentes que se têm construído na região, dois deles foram dedicados ao nosso santo: Santo António dos Olivais, em Monte Francisco, na freguesia de São Julião, ermida levantada em 1919; e Santo António dos Assentos, num bairro social de Portalegre – obra significativa edificada já nos princípios do nosso século com projecto do arquitecto Carrilho da Graça. As iniciativas particulares, familiares ou individuais gera‑ ram, contudo, adesões locais distintas. No caso de Castelo de Vide, a existência de uma igrejinha antoniana, construída em 1700 por iniciativa de Sebastião Fernandes Ramilo e de sua mulher Ana Vaz Barba, não parece ter gerado um novo pólo religioso, talvez por ser uma capela funerária (cf. Trin‑ dade, 1989: 185–186); como se viu, Santo António era fes‑ tejado na igreja paroquial de Sant’Iago Maior, pelo menos desde o século XVIII. Já no que respeita à igreja de Santo António dos Barros Cardos, no concelho de Marvão, perto da aldeia da Ponte Velha, temos um fenómeno contrário, provavelmente por não existir nas proximidades qualquer edifício religioso concorrente. Esta ermida, edificada em 1740/50 por vontade testamentária de um clérigo32, deu ori‑ gem a uma festa que, ainda hoje, manifesta vitalidade. Voltando às esculturas, dizia ser muito difícil listá‑las na totalidade, tal a sua abundância. Permito‑me, contudo, destacar algumas pelo seu interesse artístico ou iconográ‑ fico. Têm uma boa qualidade de execução artística as ima‑ gens expostas na igrejas de São Lourenço (século XVII) e de Sant’ Iago (primeira metade do século XVIII), em Portalegre, bem como a que é cultuada num altar da catedral da mesma cidade (século XVIII); são todas em madeira dourada e poli‑ cromada e apresentam o tipo iconográfico mais difundido 37
much repeated “miracle of the mule” in parts of Castelo de Vide, Marvão and Portalegre – where there would have been numerous and important Jewish and New Christian communities – would then have been used as a vehicle for propaganda and proselytism, turning Saint Anthony of Lisbon into a standard bearer for the Counter-Reformation in the region. * Most representations of Saint Anthony in the São Mamede region are not paintings, however, but sculptures. In addition to the five or six that I have mentioned – which originate from the first hundred and fifty years in which his veneration spread – there are a myriad of images scattered throughout many locations in the area. It is difficult to carry out a complete inventory – and nor is that my purpose. However, to have a minimal notion of the spread of his devotion, it is sufficient to consider the following table: Castelo de Vide
Marvão
Portalegre
Totals
Patron saint convent
0
0
2
2
Patron saint parish
0
1
0
1
Non-parish patron saint
1
1
2
4
Patron saint with secondary altar
1
0
11
12
Veneration at the high altar
0
2
3
5
Veneration without altar
0
1
2
3
Total
2
5
20
27
These data, collected from documents from the mideighteenth century, but updated with later data, do not show the entire Antonian devotion, since they “hide” the multitude of sculptures in oratorios and private homes. Suffice it to visit the José Régio House and Museum, Municipal Museum of Portalegre or the Parish Museum of Sacred Art in Castelo de Vide to consider their number and variety. The figures do, however, show two interesting facts.
Firstly, it is clear that the devotion to the Lisbon saint was focused primarily on Portalegre – which is understandable, given the centrality of the metropolis as the seat of the diocese and as a place where a Franciscan convent for Strict Observance Friars was built, or the Capuchins, whose churches were mostly dedicated to the miracle working. Secondly, it appears that most of the sculptures were/are from secondary altars – which proves, in my view, the perception that Saint Anthony was particularly venerated by lay confraternities. Admittedly, Fernando de Bouillon had over time an “official” veneration driven by the clergy; as we saw, the Counter-Reformation era tried to turn him into a champion of the fight for the conversion to Catholicism of heretics (Protestants?) and Jews. Anthony was, however, a “saint of the people”, due to the convoluted and interesting ways in which he was presented. He only became the target of true popular attention when believers took the initiative in accepting him. It can be seen that he did not receive any particularly significant devotion in the single parish where his name is included in its title (Santo António das Areias in Marvão). This decision would have been taken by the ecclesiastical authorities, but nonetheless worship of Anthony did not supplant worship to Saint Mark, which was centred on a hermitage on the border, which nowadays no longer exists. In Escusa, in contrast, the ancestral festivities are held in honour of the Franciscan, although the official
no Barroco – Santo António com o Menino ao colo. Interes‑ sante representação, com a mesma iconografia e boa mode‑ lação, é ainda a que se apresenta na fachada da profanada igreja do convento capucho da mesma urbe–uma peça sete‑ centista em barro policromado (fig. 13). No concelho de Cas‑ telo de Vide, destaca‑se uma peça do século XX que, embora
patron saint of its church is Our Lady of Hope. It should be noted that even in the 20th and 21st centuries, Saint Anthony has managed to keep his cult active. Among the most recent religious buildings that have built in the region, two of them were dedicated to him: Santo António dos Olivais, in Monte Francisco, in the parish
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FIG. 13
Santo António com o Menino, escultura em barro na fachada da antiga igreja do convento capucho de Portalegre, século XVIII. (foto de Emílio Moitas) Saint Anthony with Child, clay sculpture in the facade of the former church of the Capuchin convent of Portalegre, 17th Century. (Photo by Emílio Moitas).
seja de um tipo corrente e pouco inventivo, mostra um bom trabalho de escultura, na revelação da cena de ternura entre o santo e o Menino (testemunhada pelo conde Tirso, segundo a lenda), e tem a vantagem de estar datada e assi‑ nada pelo santeiro Guilherme Ferreira Thedim33. Em Santo António das Areias, está exposta à veneração uma escultura também da primeira metade do século passado que mani‑ festa a curiosidade de uma iconografia única na região: o Menino ao colo do santo debruça‑se para oferecer pão a um rapaz doente e esfarrapado, que traja como os pobres da época em que a peça foi esculpida. No topo das esculturas antonianas da região em apreço está, contudo, o conjunto escultórico em barro que orna‑ menta uma capela do extinto convento capucho de Portale‑ gre. Não tanto pela elevada qualidade de execução – embora não mereça o severo julgamento de Keil, que qualifica as peças como “esculturas medíocres” (Valdemar & alii, 2000: 04772) –, mas pelo interesse iconográfico. O espaço cultual, diminuto, tem entrada independente e situa‑se à direita de quem entra na galilé da antiga igreja. É coberto por uma abóbada de berço onde se encontra repre‑ sentada, em pintura mural de fraca qualidade, a apoteose de Santo António. A parede fundeira é escavada por um nicho de grandes dimensões, frente ao qual se encontra a ban‑ queta do altar, ladeada por dois poiais que se encostam à totalidade das suas paredes laterais. Na parte central da capela, está representado o momento da morte do santo (fig. 14), que surge acompanhado por um conjunto de quase duas dezenas de frades que cho‑ ram a sua partida e, ao mesmo tempo, enaltecem a sua entrada na corte celestial. O Paraíso surge figurado num conjunto de nuvens povoadas por anjos e querubins, emol‑ durando a parte superior do nicho, sobre o qual se sentam 39
of São Julião, a small church erected in 1919, and Santo António dos Assentos, in a social housing area of Portalegre – a significant work built in a modern twentieth century style, designed by the architect Carrilho da Graça. Private, family or individual initiatives, however, generated different local processes. In the case of Castelo de Vide, the existence of a small Antonian church, built in 1700 on the initiative of Sebastião Fernandes Ramilo and his wife Ana Vaz Barba, does not seem to have generated any extra religious attention, perhaps due to it being a funeral chapel (cf. Trindade, 1989: 185-186). As we have seen, Saint Anthony was celebrated in the parish church of Sant ‘Iago Maior from at least the eighteenth century. With regard to the church of Santo António dos Barros Cardos, in the district of Marvão, near the village of Ponte Velho, there was a contrasting phenomenon, probably because there is no other religious building nearby to be a competing influence. This chapel, built in 1740/50 in response to a request in the will of a clergyman32, gave rise to a feast day that, even today, is actively celebrated. Returning to the sculptures, it is said to be very difficult to list them in full, due to their abundance. I shall, however, highlight some of them due to their artistic and iconographic interest. The images displayed in the churches of São Lourenço (seventeenth century) and Sant ‘Iago (first half of the eighteenth century), in Portalegre, as well as the one venerated on an altar of the city’s cathedral (18th century), are well executed examples made of gilded and painted wood and feature the most common Baroque iconographic image – Saint Anthony with the Infant on his lap. A further interesting representation, using same iconography and well modelled, is that still to be found on the facade of the deconsecrated church of the Capuchin convent in the
Jesus Cristo e a Virgem Maria, que, de braços abertos, se preparam para receber o frade no seu seio. António, dei‑ tado sobre um catre, olha para quem está à sua espera, em atitude extática/contemplativa, de braços cruzados sobre o peito, elevando ligeiramente a cabeça, antes assente sobre um almofadão. Parece ser esse o momento em que, segundo a sua legenda, terá afirmado a um companheiro: “Irmão, vejo o meu Senhor” (Lucas, 1988: 212). A figura tem um tamanho próximo do natural, maior que o dos outros figurantes, e mostra um nível de execução escultórica supe‑ rior ao das suas vizinhas. No lado esquerdo de quem entra, expõem‑se duas cenas relacionadas com a sua legenda e a sua “conversão” fran‑ ciscana. Em primeiro lugar, num recanto, a representa‑ ção secundária de um milagre que não consegui identifi‑ car. De seguida, o que parece ser a pregação dos futuros cinco mártires de Marrocos perante um conjunto de oito mouros, um dos quais já convertido e ajoelhado perante a custódia do Santíssimo Sacramento. Lembre‑se que foi o exemplo da actividade missionária destes frades meno‑ res e do seu martírio que levou António a querer ingressar na ordem de São Francisco, impondo como condição para a concretização dessa decisão ser enviado também para o Norte de África. No lado direito, depois de outra cena de milagre não identificada, situada igualmente num recanto, mostra‑se em mais extensa composição o célebre prodígio da biloca‑ ção, em que Fernando de Bulhões surgiu miraculosamente em Portugal, estando a celebrar missa em Itália. Tal aconte‑ ceu, segundo a lenda, para salvar o pai de uma condenação à morte por assassinato, conseguindo perante os juízes a res‑ surreição da vítima, que prontamente declarou ser outro o criminoso.
same city – an eighteenth-century painted clay (Fig. 13). In the municipality of Castelo de Vide, there is a 20th century piece which, although an ordinary and hardly inventive piece, is a good piece of sculpture, revealing a tender scene between the saint and the Infant (witnessed by Count Tirso, according to legend), and has the advantage of being signed and dated by the sculpture of saints Guilherme Ferreira Thedim33. In Santo António das Areias there is a sculpture that is venerated which is also from the first half of the last century, which is interesting for its singular iconic representation in the region: the Infant in the arms of the saint is offering bread to a sick boy dressed in tatters, like the poor of the period in which the piece was sculptured. The principal Antonian sculpture in the region in question is, however, the sculptural set in clay that decorates a chapel of the former Capuchin convent of Portalegre. Not so much for the level of the quality of its execution – although it does not deserve the harsh judgment of Keil, who described the pieces as “mediocre sculptures” (Valdemar & al., 2000: 04 772) – but for its iconographic interest. This tiny place of worship has a separate entrance and is situated to the right of the entrance porch of the old church. It is covered by a barrel vault which contains a poor quality mural representing the apotheosis of Saint Anthony. The back wall has had excavated a large niche, opposite which is the footstool of the altar, flanked by two stone slabs running fully along its side walls. In the central part of the chapel, the death of the saint is represented (fig. 14), which is accompanied by a group of almost twenty friars mourning his departure, and at the same time, exalting his entry into the heavenly court. Paradise is represented by a set of clouds populated by angels and cherubs, framing the upper part of the niche, on which
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sit Jesus Christ and the Virgin Mary, who, with open arms, is preparing to receive the friar to her bosom. Anthony, lying on a bed, is looking at those awaiting him in an ecstatic/contemplative attitude, his arms crossed over his chest, slightly raising his head, and resting on a pillow. This seems to be the time when, according to his legend, he is supposed to have said to a fellow companion: “Brother, I see my Lord” (Lucas, 1988: 212). The figure has a size close to normal, greater than that of the other figures, and has a sculptural level superior to its neighbours. On the left side of those entering, two scenes related to his legend and his Franciscan “conversion” are to be seen. Firstly, in a corner, the secondary representation of a miracle that I could not identify. Then, what seems to be the preaching of the five martyrs-to-be from Morocco to a group of eight Moors, one of whom has already converted and is kneeling before the monstrance of the Blessed Sacrament. It should be remembered that it was the example of the missionary activity of these Friars Minor and their martyrdom that led Anthony to want to join the Order of Saint Francis, and the fact that his condition for carrying out this decision was also to be sent to North Africa. On the right side, after another scene involving an uniFIG. 14
Parte central do conjunto escultórico do convento capucho de Portalegre, representando o trânsito de Santo António, século XVIII. Central part of the sculptural ensemble of the Capuchin convent of Portalegre representing the transition of Saint Anthony, 18th century.
Finalmente, sob a banqueta do altar, encontra‑se a representação de uma cidade muralhada situada sobre um monte rochoso. No sopé da montanha, vê‑se uma gruta, sobre a qual se esculpiu uma espessa nuvem onde brin‑ cam anjos e querubins. Trata‑se certamente de Belém da Judeia e constituiria o cenário de um presépio, cujas figu‑ ras se perderam. Esta cena não é estranha ao contexto, pois recorda o papel dos franciscanos, nomeadamente do seu fundador, na difusão da devoção à humanidade de Jesus e ao seu nascimento. 41
dentified miracle, also located in a corner, is a more extensive composition showing the celebrated miracle of bilocation, in which Fernando de Bulhões miraculously appeared in Portugal, while celebrating Mass in Italy. This occurred, according to legend, to save his father from a death sentence for murder, managing to resurrect the victim in front of the judges, who promptly declared that another individual was the criminal. Finally, under the footstool of the altar, is the representation of a walled town situated on a rocky hill. At the foot of the mountain, a cave can be seen, on which is carved a thick
Se tivermos em conta a indumentária de várias figuras presentes no conjunto e alguns maneirismos estilísticos adoptados na sua modelação, podemos colocar a execução deste trabalho na segunda metade do século XVIII. O tema do trânsito e da glorificação de um santo é comum na pintura do barroco34. Na escultura não é tão habitual, fora do âmbito dos ciclos iconográficos dedica‑ dos a Cristo e à Virgem Maria, de que há exemplos por essa Europa fora desde o século XV. Há, contudo, parale‑ los no nosso país que parecem ter influenciado este traba‑ lho. Os mais importantes são ambos de finais do século XVII e mostram um nível de execução superior. Um deles, o mais conhecido, encontra‑ se no transepto da igreja aba‑ cial de Alcobaça – e mostra a morte de São Bernardo, acolhido no Céu por Nossa Senhora acompanhada por uma pequena multidão de anjos músicos e de querubins. O outro, quase ignorado, situa‑ se num oratório interior do convento de São Pedro de Alcântara, em Lisboa, e mostra ‑nos um conjunto de frades menores capuchos a chorar a morte de São Francisco de Assis; são esculturas que se des‑ tacam por um realismo intenso e pela capacidade de pene‑ tração psicológica da dor humana35. Bem mais modestas na sua capacidade técnica e compositiva, mas ainda assim belas e eficazes, as esculturas da capela portalegrense devem ser colocadas no âmbito da importante produção oficinal de esculturas em barro nos conventos ou para os conventos da Estreita Observância menorita. Revelam, ainda assim, uma mestria muito superior a uma sequela do conjunto que tenho vindo a apresentar, instalada numa capela anexa ao nártex do antigo convento de Santo Antó‑ nio de Tavira. Mantém uma estrutura próxima do tríp‑ tico, sendo a morte do taumaturgo ladeada pelo “milagre da mula” e pela “salvação do pai da forca”. O número de figu‑
cloud where angels and cherubs are playing. It is most certainly Bethlehem of Judea, forming a manger scene, the figures of which have been lost. This scene is not alien to the context, since it recalls the role of the Franciscans, in particular its founder, in spreading the devotion of Jesus and his birth to humanity. If we consider the attires of various figures in the set and some stylistic mannerisms adopted in their modelling, we can place this work during the second half of the eighteenth century. The theme of the transition and glorification of a saint is common in Baroque painting34. It is not as usual in sculpture, and outside the iconographic cycles dedicated to Christ and the Virgin Mary, there have been examples across Europe since the fifteenth century. However, there are parallels in our country that seem to have influenced this work. The most important are both from the late seventeenth century and show a high level of execution. One of them, the best known, is in the transept of the abbey church of Alcobaça – and shows the death of Saint Bernard, accepted in Heaven by Our Lady accompanied by a small crowd of musical angels and cherubs. The other, almost ignored, is located in a shrine inside the convent of São Pedro de Alcantara, in Lisbon, and displays a group of Capuchin Friars Minor mourning the death of Saint Francis of Assisi. These are sculptures that stand out due to their intense realism and their ability to psychologically penetrate human pain35. Much more modest in their technical and compositional ability, yet still beautiful and effective, the sculptures of the Portalegre chapel should be placed within the list of important sculptures produced in clay in convents or monasteries of the strict Minorite Observance. They furthermore show a far greater mastery than the ensemble that I have been presenting, located in
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ras e cenas é contudo menor e, sobretudo, patenteia um trabalho escultórico muito mais fruste (cf. Lameira, 1990: 518 a 523). As esculturas portalegrenses – que precisam de urgente restauro e valorização, para serem salvas do abandono a que estão votadas36 – têm quanto a mim uma vantagem sobre as suas congéneres. Permitem uma leitura iconográfica mais rica, com nuances que decerto presidiram às intenções da comunidade encomendante. Este autêntico políptico, distri‑ buído pelo espaço da exígua capela (que se destinaria muito provavelmente à veneração e doutrinação pela imagem dos leigos que visitavam o convento e ingressariam na sua igreja, depois de terem subido a escadaria do “sacro monte”), torna possíveis duas leituras complementares. Na vertical, vislumbramos um percurso iniciático, ascen‑ sional, que coloca a morte de Santo António de Lisboa entre a natividade de Jesus e a glória celestial na companhia de Cristo e de Maria. Apresenta o falecimento como o ponto intermédio, como passagem, entre o nascimento e a vida eterna no Paraíso. Na horizontal, temos cenas que justificam a centrali‑ dade e a exemplaridade da figura de Fernando de Bulhões no panteão do Cristianismo. De um lado, os “mártires de Marrocos” mostram os alicerces da sua “conversão” francis‑ cana, concretizados em imagens que apontam para a prega‑ ção, para a devoção eucarística (tão sublinhada nos escritos de São Francisco de Assis) e implicitamente para o testemu‑ nho dado no martírio concretizado ou desejado. Do outro, as suas capacidades taumatúrgicas, surgem, metonimica‑ mente, na exibição de um dos seus milagres mais conheci‑ dos, aquele em que ao mesmo tempo se revela um dos fun‑ damentos da sua acção e da sua palavra como teólogo e pregador (a justiça humana e divina) e se evidenciam os seus 43
a chapel attached to the narthex of the former convent of Saint Anthony of Tavira. This maintains a structure close to the triptych, with the death of the miracle worker flanked by the “miracle of the mule” and by the “salvation of his father from the gallows”. The numbers of figures and scenes, however, is smaller, and, principally shows much more inferior sculptural work (cf. Lameira, 1990: 518-523). The Portalegre sculptures – which need urgent restoration and improving to be saved from the abandonment to which they seem doomed36 – have, as far as I am concerned, an advantage over their counterparts. They allow for a richer iconographic reading, with nuances that certainly were present in the intentions of the community which commissioned the work. This authentic polyptych, distributed throughout the tiny chapel, the image of which would most likely have been used for the worship and indoctrination, through this image, of the laity who visited the convent and entered its church, after having climbed the staircase of the “sacred hill”), allows for two possible additional readings. At a vertical level, we can see the beginning of a path, which places the death of Saint Anthony of Lisbon between the nativity of Jesus and his heavenly glory in the company of Christ and Mary. It presents death as the midpoint, as a passage between birth and eternal life in Paradise. At a horizontal level, there are scenes justifying the centrality of the exemplary figure of Fernando de Bulhões in the pantheon of Christianity. On one side, the “martyrs of Morocco” show the reason for his Franciscan “conversion”, portrayed in images that link to his Eucharistic preaching (as emphasized in the writings of Saint Francis of Assisi) and implicitly testifying to martyrdom achieved or desired. On the other side, we can metonymically see his miracleworking abilities, in showing one of his best known mir-
poderes mais extraordinários (a bilocação e a capacidade de ressuscitar os mortos).
acles, that which both reveals one of the reasons for his action and his words as a theologian and preacher (human and divine justice) and show his most extraordinary powers
Conclusões Na região de Portalegre, como em todo o país, a vene‑ ração e a devoção a Santo António de Lisboa cruza duas dimensões distintas mas complementares. De um lado, um conjunto de práticas cultuais e festivas, com maior ou menor integração nos ritmos e nos rituais da Igreja, que conferiram ao frade lisboeta múltiplos atributos e capaci‑ dades variadas, radicados tanto nalguns passos da sua bio‑ grafia e da sua legenda quanto na apropriação de carac‑ terísticas vindas de outras personagens do panteão do Cristianismo, nomeadamente de Santo Antão do Deserto. Do outro, uma prática integrativa promovida pelo clero que, de algum modo, procurou purificar e instrumentalizar a figura do santo em função de uma estrutura ideológica e teológica mais erudita. Estas duas dimensões parecem ter convivido pacifica‑ mente na região. Introduzida a veneração ao franciscano lis‑ boeta em finais da Idade Média, ela foi propagada sobretudo a partir do Concílio de Trento e da presença na região dos frades capuchos. A integração na piedade popular dos resi‑ dentes em Castelo de Vide, Marvão e Portalegre deu, assim, origem a multiplicidade de manifestações intangíveis e de obras de arte, que foram espelhando tanto a vida quanto a legenda de António, tanto a sua face institucional quanto aquela, mais dulcificada, que foi moldada e adoptada pelos crentes. A devoção a Santo António tem‑se mantido com alguma vitalidade porque esse equilíbrio nunca foi, até ao momento, posto em causa. Península da Arrábida, Julho de 2012 /Março de 2013
(bilocation and the ability to resurrect the dead).
Conclusions In the Portalegre region, as in the country as a whole, veneration and devotion to Saint Anthony of Lisbon has involved two distinct but complementary dimensions. On the one hand, a set of cultural and festive practices, to a greater or lesser extent linked to the rhythms and rituals of the Church, which thus endowed the Lisbon friar with multiple attributes and varying abilities, based both on some parts of his life and his legend as well as the appropriation of features stemming from other characters within Christianity, particularly Saint Anthony of the Desert. On the other, an integrative practice promoted by the clergy that, in some way, sought to purify and empower the figure of the saint in a more erudite theological and ideological manner. These two dimensions seem to have coexisted peacefully in the region. Having introduced the worship of the Franciscan from Lisbon in the late Middle Ages, his devotion was widely disseminated, especially after the Council of Trent and due to the presence of Capuchin friars in the region. The integration of this into the popular worship of the residents of Castelo de Vide, Portalegre and Marvão thus gave rise to a multiplicity of intangible manifestations and works of art, mirroring both the life and the legend of Anthony, in terms of his institutional side and his more sweetened facet, which was adopted and moulded by believers. This devotion to Saint Anthony has maintained a certain vitality because this balance has never, until now, been questioned. Arrábida Peninsula, July 2012 /March 2013
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Nota e agradecimentos
Notes and acknowledgments
A investigação agora publicada resulta da comunicação apresentada ao Con‑ gresso “Os Franciscanos no Mundo Hispânico”, ocorrido em Julho de 2012 na Sociedade de Geografia de Lisboa. Este texto não teria sido escrito sem os contributos, directos ou indirectos, de Beatriz Dinis, Felicidade Ventura, Francisco Galão, Francisco Sepúlveda Teixeira, Isabel Dâmaso Santos, Joa‑ quim Ventura, Jorge de Oliveira, José Félix Duque, José Manuel Marreiros, Laura Portugal Romão, Luís Filipe Maçarico, Maria do Carmo Alexandre, Maria José Maçãs, Marisa Santo, Rosário Salema de Carvalho, Sónia Alves e Sónia Correia Ventura, bem como dos padres Alberto Jorge e Luís Ribeiro e dos responsáveis pelo Museu de São Roque, em Lisboa. Aqui lhes deixo expressa a minha gratidão. Agradeço ainda ao Professor António Camões Gouveia o interesse e a diligência que pôs ao serviço da divulgação deste trabalho.
Notas
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5
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Louis Réau acrescenta: “[…] Procurou o martírio em Marrocos, onde cinco Fran‑ ciscanos acabavam de ser massacrados; mas, abatido por uma febre, foi forçado a reembarcar. Uma tempestade atirou‑o para as costas da Sicília e, de lá, dirigiu ‑se a Assis, berço da sua Ordem. § A partir desse momento, dedicou‑se à pregação. Depois de ter ensinado teologia em Bolonha, percorreu o sul e o centro de França, pregando em Arles, Montpellier, Puy, Limoges e Bourges.” (Réau, 1959: 115). (Estas e outras traduções que surjam serão da minha responsabilidade). Assim reza a acta transcrita pelo cónego Martins: “[…] achando‑se reunidos em Cabido, os rev.mos capitulares abaixo assignados, o rev.mo cónego Ressurrei‑ ção suscitou a lembrança de se eleger para padroeiro d’esta diocese de Portale‑ gre, ao glorioso taumaturgo portuguez Sancto António de Lisboa, associando‑nos assim ao geral enthusiasmo e piedoso enlevo com que a Nação portuguesa ia em breve celebrar o septimo centenário do mesmo Sancto; e além disso, porque El‑Rei, o Snr. D. João IV, em Carta Régia, havia recomendado ao rev.mo Cabido d’ então este mesmo pensamento. Approvada gostosamente esta proposta se oficiou a S. Ex. Rev.ma o nosso Prelado, a fim de se proceder canonicamente na conformi‑ dade da Bula do Papa Urbano VIII, de 23 de Março de 1630, para Sancto António de Lisboa ser declarado Padroeiro d’ esta diocese” (Martins, 2008: 93). Bispo de Portalegre entre 1888 e 1908. Estas tradições, relacionadas com o gado leiteiro, são próprias–noutras localida‑ des da região–da devoção a São Mamede, santo protector dos rebanhos. Entre essas povoações, contam‑se Castelo de Vide e a zona da Ribeira de Arronches, na freguesia do Reguengo (Portalegre), paróquia onde se situa o abandonado ere‑ mitério dedicado a esse santo e em cuja igreja matriz é ainda venerado. Versão de Castelo de Vide, recolhida em 1994 por Maria do Carmo Fernan‑ des Alexandre. Transcrição minha. Versão inédita de São Salvador da Aramenha (Marvão), recitada por Ana Baptista e recolhida por Marisa Santo em 2003. Transcrição minha.
The research now being published stems from a paper presented to the Conference “The Franciscans in the Hispanic World”, which took place in July 2012 at the Lisbon Geographical Society. This text would not have been written without the contributions, direct or indirect, of Beatriz Dinis, Felicidade Ventura, Francisco Galão, Francisco Sepúlveda Teixeira, Isabel Dâmaso Santos, Joaquim Ventura, Jorge de Oliveira, José Félix Duque, José Manuel Marreiros, Laura Portugal Romão, Luís Filipe Maçarico, Maria do Carmo Alexandre, Maria José Maçãs, Marisa Santo, Rosário Salema de Carvalho, Sónia Alves and Sónia Correia Ventura, as well as the priests Alberto Jorge and Luís Ribeiro and those in charge of the São Roque Museum in Lisbon. Here let me express my gratitude to them. I am also grateful to Professor António Camões Gouveia for the interest and diligence that he put into making this work more well known.
Notes
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Louis Réau adds: “[...] He sought martyrdom in Morocco, where five Franciscans had just been massacred, but he was cut down by a fever, and so he was forced to re-embark. A storm threw him on to the shores of Sicily and from there he went to Assisi, the birthplace of his Order. § From that moment, he devoted himself to preaching. After having taught theology at Bologna, he toured southern and cen‑ tral France, preaching in Arles, Montpellier, Puy, Limoges and Bourges.” (Réau, 1959: 115). (Translator’s Note: The Portuguese translations in the original text were made by the author of the article ).
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So reads the minutes as transcribed by Canon Martins: “[...] finding them‑ selves gathered in Cabido, the most revered members of the chapter, as given by the signatures below, the most revered Canon Resurrection raised the idea of elect‑ ing as the patron saint of the diocese of Portalegre the glorious Portuguese mira‑ cle worker Saint Anthony of Lisbon, thus associating ourselves with the general and pious enthusiasm with which the Portuguese Nation would shortly celebrate the seven hundredth anniversary of that Saint, and, in addition, since His Maj‑ esty King Dom João IV had recommended this same idea to the most reverend Cabido in a Royal Charter. The proposal was heartily approved that His Excellence our Prelate would execute this, in order to canonically proceed in accordance with the Bull of Pope Urban VIII, on 23 March, 1630, for Saint Anthony of Lisbon be declared the Patron Saint of this diocese” (Martins, 2008: 93).
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Bishop of Portalegre between 1888 and 1908. These traditions related to dairy cattle – in other places in the region – involve the devotion of Saint Mammes, the patron saint of herds. These population areas include Castelo de Vide and the Ribeira area of Arronches, in the parish of Reguengo (Portalegre), a parish containing the abandoned hermitage dedicated to this saint, who is still venerated in its parish church.
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Version from Castelo de Vide, collected in 1994 by Maria do Carmo Fernandes Alexandre. My transcription.
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Registe‑se, a título de exemplo, uma versão da aldeia da Escusa: “Quem mila‑ gres quer achar, / Contra males e o demónio, / Busque logo a Santo António, / Que aí os há‑de encontrar, // Aplaca a fúria do mar, / Tira os presos da prisão, / E o doente torna são, / E o perdido faz achar, // E sem respeitar os anos, / Socorre qualquer idade, / Abonem esta verdade / Os cidadãos paduanos, // Aplaca a fúria do mar, / Tira os presos da prisão, / Ao doente torna são, / E o perdido faz achar; // Glória eterna dada seja / À Santíssima Trindade, / Por toda a eternidade, / Minha alma assim o deseja. // Aplaca a fúria do mar, / Tira os presos da prisão, / Ao doente torna são / E o perdido faz achar.” (Salgueiro, 2011: 63). Esta autora refere, ainda, uma outra devoção semelhante, um pouco mais recuada, embora não tenha conseguido recolher o texto literário: “Rosa‑ lina diz que, uma vez, sua avó fez promessa de fazer a festa se seu filho, soldado na 1.ª Guerra, voltasse com saúde. Então, a irmã do soldado e mãe de Rosalina escreveu e ‘deitou’, na hora própria, uns versos sobre a vida de Santo António.” (Salgueiro, 2011: 71). Entre essas quadras, estão as duas que transcrevemos acima. Pelo meio, havia um refrão (em que se revela uma simbologia reveladora): “Isso sim. / Cravo almirante, / No céu e na terra / Sempre estais brilhante” (Pimentel, s/d). Folheto pertencente à colecção de Pedro Manuel Salema Cordeiro. Agra‑ deço ao Professor Doutor Francisco Sepúlveda Teixeira a cedência de uma cópia digitalizada deste documento. Segundo afirma Louis Réau, não será anterior ao século XVII. Na opinião de um autor dessa época, citado pelo estudioso francês, essa capacidade terá nascido “de um mau trocadilho com o seu nome: antigamente [em França] era chamado Antoine de Pade ou de Pave, abreviatura de Pádua (Padova): e daí a atribuir‑lhe o dom de fazer encontrar os épaves, ou seja, os bens perdidos, desen‑ caminhados, de que se ignora o proprietário, foi apenas um passo facilmente supe‑ rado pela etimologia popular, que conta nos seus activos muitas outras facécias do mesmo género” (Réau, 1959: 117). Segundo alguns antropólogos, Santo António terá cristianizado uma função que o paganismo atribuía ao deus Hermes/Mercúrio. Este anjo superior foi considerado como mensageiro de Deus, chefe dos exércitos de IHWH e protector dos judeus. Na tradição cabalística, é apre‑ sentado como uma “manifestação de Deus” no seu grau supremo. Foi ainda visto como pesador das almas no Juízo Final e guardião do Paraíso. Na época moçárabe, Sebastião foi apresentado sobretudo como exemplo de resistência contra as investidas das autoridades adversas ao cristianismo (pagãs ou islâmicas). Durante a reconquista, tornou‑se modelo dos militares que lutavam contra os soldados do Islão. Nalgumas comunidades, foi ainda visto como um novo Cristo (dada a maneira como morreu martirizado) ou como avatar do “Deus dos Exércitos” (entre as comunidades cripto‑judaicas). Nos meios urbanos, as capelas dedicadas a este santo situavam‑se na entrada das povoações, dando‑lhes protecção simbólica contra a peste (cf. Ventura, 2012). Mamede, venerado desde tempos muito recuados na Península Ibérica, é tradicionalmente o protector dos pastores. Na época moçárabe, o seu
Unpublished version from São Salvador da Aramenha (Marvão), narrated by
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Ana Baptista and collected by Marisa Santo in 2003. My transcription.
Here is the recording, for example, of a version from the village of Escusa:
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“Who wants to find miracles, / Against evils and the devil, / Then seek for Saint Anthony, / Who there you will find, / / He appeases the wrath of the sea, / He takes the prisoners from prison, / And makes the patient whole, / And the lost is found, / / And without respecting the years, / Helps those of any age, / They support this truth, / The citizens of Padua, / / He appeases the wrath of the sea, / He takes the prisoners from prison, / And makes the patient whole, / And the lost is found, / / Eternal glory thus be given, / To the Holy Trinity, / For all eternity, / Thus does my soul so desire. / / He appeases the wrath of the sea, / He takes the prisoners from prison, / And makes the patient whole, / And the lost are found.” (Salgueiro, 2011: 63).
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This author also mentions another similar devotion, a little further back, although he did not manage to obtain the text mentioned: “Rosalina said that once, her grandmother promised to give a party if her son, a soldier in the 1st World War, returned healthily. Then the soldier’s sister and Rosalina’s mother wrote and ‘put down’, some verses about the life of Saint Anthony at the appointed time.” (Salgueiro, 2011: 71).
These verses include the two that are transcribed above. There was a chorus
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between the verses (which shows a revealing symbology): “This yes. / Admi‑ ral carnation,/ In heaven and on earth, / Always radiant you are.” (Pimentel, n.d.).
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Brochure belonging to the Pedro Manuel Cordeiro Salema collection. I would like to thank Professor Francisco Sepúlveda Teixeira for providing me with a digital copy of this document.
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According to Louis Réau this would not have been earlier than the 17th century. In the opinion of an author of that period, quoted by the French scholar, this ability would have stemmed from “a bad pun on his name: for‑ merly [in France] he was called Antoine de Pade or Pave, an abbreviation of Padua (Padova): and hence he was assigned the gift of finding épaves, i.e. goods which have been lost, misdirected, which are not found by the owner, was a step easily taken by folk etymology, which included many other aspects of the same kind within his pow‑ ers” (Réau, 1959: 117). According to some anthropologists, Saint Anthony christianised a function that paganism attributed to the god Hermes/ Mercury.
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This higher angel was considered as a messenger of God, head of the armies of YHWH and the protector of the Jews. In the Kabbalistic tradition, he is presented as a “manifestation of God” to the highest degree. He was also seen as a weigher of souls on Judgment Day and guardian of Paradise.
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In the Mozarab period, Sebastian was presented mainly as an example of resistance against the actions of authorities adverse to Christianity (pagans or Muslims). During the reconquista, he became a model for soldiers fighting against the soldiers of Islam. In some communities, he was also seen as a new Christian (given how he died as a martyr) or as an avatar of the “God of Hosts” (among the crypto-Jewish communities). In urban areas, the chapels dedicated to this saint stood at the entrance of villages, giving them symbolic protection against the plague (cf. Ventura, 2012).
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nome terá sido encarado como uma transformação do nome do Profeta do Islão. Foi titular de um eremitério no concelho de Portalegre, situado na serra homónima, hoje abandonado e vandalizado; no início do século XIX ainda era habitado por três ou quatro frades que viviam como os arrábidos da Península de Setúbal. Para além da protecção dos gados, em especial do suíno, Santo Antão foi invocado na Idade Média contra o “mal dos ardentes” e outras enfermidades. Verdade seja dita que ao povo crente interessa muito pouco a biografia real dos santos de que é devoto. Fixa‑se sobretudo no seu calendário fes‑ tivo e nas suas capacidades taumatúrgicas. Da personagem interessa‑lhe o nome e a aparência da sua imagem. O mesmo santo é diferente conforme as localidades e é encarado como uma personalidade autónoma ou inde‑ pendente. Para o catálogo das fusões e das confusões, veja‑se o caso de “Santo Amaro”, que tanto é o monge beneditino São Mauro quanto o ere‑ mita peninsular Amaro. Luís Keil confirma esta datação, não atribuindo grande valia artística a esta peça em pedra. Abstenho‑me de discutir tal opinião. Santo António surge, aqui, com o bordão de peregrino e com uma gorra sobre a cabeça (cf. Valde‑ mar & alii, 2000: 04435). Tem como único atributo o livro. Pela má fotografia publicada por Luís Keil, parece tratar‑se de uma peça produzida num ateliê português influen‑ ciado pelos cânones da arte nórdica. Aparenta estar na linha de uma escul‑ tura do Museu Nacional de Arte Antiga, colecção Ernesto Vilhena, datada de 1475/1500 (cf. Carvalho, 2000: 168 e 252). A confirmação destes dados é dificultada pelo estado actual da peça, alvo de um restauro que não res‑ peitou os seus valores estéticos nem a sua antiguidade. A imagem de Alegrete, ainda hoje venerada, está esculpida em pedra e apresenta como único atributo um livro. Não se sabe de que igreja do concelho de Marvão terá vindo esta escultura em madeira que tem como único atributo um pão. Tratar‑se‑á da primi‑ tiva escultura de Santo António das Areias? Será originária do espaço onde agora se encontra? A escultura de Carreiras esteve exposta à veneração até à década de 1870, data em que foi substituída por outra peça, proveniente do convento de Santo António de Portalegre e oferecida pelo vigário‑geral da diocese (fig. 1). É em madeira, não tem quaisquer atributos e já era titular de um altar na segunda metade do século XVI. Bispo entre 1549 e 1560. Faleceu bispo de Miranda, em 1570. Bispo entre 1582 e 1597. Faleceu no Colégio do Carmo, de Coimbra, em 1600. O retábulo primitivo foi substituído na época barroca por aquele que hoje apresenta. Nele são venerados os santos portugueses: além dele, São João de Deus, São João de Brito e São Nuno de Santa Maria. Esta datação parece confirmada pelas conjecturas do pároco de São Salva‑ dor da Aramenha que, em 1758, escreveu que a paróquia mais recente do concelho de Marvão era, na sua época, a de São Julião. Fora fundada no decurso do testamento do primeiro bispo de Portalegre, D. Julião d’Alva,
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Mammes, venerated for a very long time in the Iberian Peninsula, is traditionally the protector of shepherds. In the Mozarab period, his name would have been seen as a transformation of the name of the Prophet of Islam. A hermitage in the municipality of Portalegre was named after him, located in the hills of the same name, now abandoned and vandalized. In the early nineteenth century it was still inhabited by three or four friars who lived in the style of the Franciscans from the Setúbal Peninsula.
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Beyond the protection of livestock, in particular swine, Saint Anthony of the Desert was invoked in the Middle Ages as protection against “Saint Antony’s fire” and other ailments.
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In truth, believers are not very interested in the actual biography of the saints they venerate. They mainly concentrate on their date in the festive calendar and their miracle working abilities. As regards the person, interest centres on the name and the appearance of his/her image. The same saint can be different according to the particular location and is regarded as an autonomous or independent personality. As an example of blending and confusion, see the case of “Santo Amaro”, who was both the Benedictine monk Saint Maurus and the peninsular hermit Amaro.
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Luís Keil confirms this dating, not attributing much artistic value to this piece in stone. I shall abstain from discussing that opinion. Saint Anthony appears here with his pilgrim’s staff and a cap on his head (cf. Valdemar et al, 2000: 04435).
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His only attribute being a book. Using the poor quality photograph published by Luís Keil, it seems to be a play produced in a Portuguese studio influenced by the canons of Nordic art. The work seems to be modelled on a sculpture from the National Museum of Ancient Art, Ernesto Vilhena collection, dating from 1475/1500 (cf. Carvalho, 2000: 168 and 252). Confirmation of these data is hampered by the current state of the play, the object of restoration work that has not respected either its aesthetic values or its antiquity.
The image of Alegrete, still venerated today, is carved in stone with the only
It is not known from which church in the district of Marvão this sculpture in
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visible attribute being a book. 20
wood originated, which has a single attribute, that of bread. Could this have been an original sculpture from Santo António das Areias? Would it have come from the place where it is now exhibited?
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The sculpture from Carreiras was exhibited for veneration until the 1870s, when it was replaced by another piece from the convent of Saint Anthony of Portalegre and offered by the vicar general of the diocese (Photo 1). It is made of wood, does not have any attributes and already had an altar by the second half of the sixteenth century.
Bishop between 1549 and 1560. Died bishop of Miranda in 1570.
Bishop between 1582 and 1597. Died in the Carmel College of Coimbra in
The original altarpiece was replaced in the baroque period by the present-
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1600. 24
day one. It is a work in which Portuguese saints are venerated: in addition to
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por volta de 1570 (cf. Machado & Liberata, 1993: 56). A de Santo António seria portanto anterior. Vítor Serrão escreveu alguns parágrafos sobre estas pinturas, integrando ‑as num conjunto de obras que qualifica de “pintura popular”, embora influenciada pelos mestres maneiristas que trabalharam na sé de Portale‑ gre e na região (cf. Serrão, 1989: 127–129). Na minha opinião, as duas pin‑ turas que representam milagres do santo revelam, contudo, uma factura ligeiramente anterior, devendo ser pouco posteriores à fundação da igreja na década de 60 do século XVI. Bispo entre 1560 e 1581. Faleceu bispo de Placência, em Espanha, no ano de 1586. Em 1758 era considerada “antiquissima”, com “pouco mais de sinco palmos de altura”, “as mãos levantadas com a formidade com que se costumão ver todas as que têm o título da Expectação”, “a cor do rosto […] muito natural e a simitria muito engraçada”, ornando‑se de vestidos (cf. Ventura, 1995: 111). A actual escultura data das últimas décadas de setecentos e é uma boa escultura do barroco final, muito próxima dos trabalhos desenvolvidos em Lisboa por José de Almeida e o seu círculo. O políptico é constituído por cinco pequenas tábuas. A central, de maiores dimensões, representa uma Senhora da Piedade. As restantes mostram, além do milagre antoniano, São Jerónimo e, talvez, São Bernardino de Siena e São Luís de Toulouse – todos em atitude orante e contemplativa. A legenda, também em pintura mural, afirma: “Em a era de mil 730 se fes esta o‑ / bra e[m] dia de Sta. Catherina […]”. A versão recolhida pelo historiador francês é um pouco diferente da apre‑ sentada no impresso português de inícios do século XVI: “Um dia, em Rimini, na costa do Adriático, Santo António pregava sem sucesso perante os hereges. Como os seus ouvintes lhe faziam orelhas moucas, tomou o caminho da praia e começou a pregar aos peixes. Mal pronunciou algumas palavras, inume‑ ráveis peixes, pequenos e grandes, chegaram‑se à pressa, pondo‑se uns atrás dos outros, organizados pelo tamanho, de tal maneira que as suas cabeças saíam da água. Falou‑lhes da bondade que o Criador tinha para com eles; depois despediu ‑se como na missa (Ite, missa est), dando‑lhes a bênção.” (Réau, 1959: 116). Domingos Rodrigues Fronteira refere a ermida deste modo na memória paroquial da freguesia de Sant’ Iago de Marvão: “[…] [tem] outra de Santo António, que se fes agora de novo, a qual administra os Collegiais do Spirito Sancto da Villa de Castello de Vide, aos quais deixou hum Clerigo desta Villa Chamado o Padre Manoel Tav[a]res, que andou nas partes Ultramarines, todos os seus bens Com penssão de mandarem Edificar a dicta hermida de Santo Anto‑ nio […]” (Machado & Gorjão, 1993: 80). Na realidade, a escultura está assinada não só pelo seu autor, Guilherme Ferreira Thedim, mas também pelo pintor que a policromou, Alberto Bar‑ bosa. Thedim (Trofa, 1900–1985) foi co‑autor, com o seu irmão José Fer‑ reira Thedim, da imagem de Nossa Senhora de Fátima venerada na “cape‑ linha das aparições” do santuário da Cova da Iria. Teve oficina aberta em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, a partir de 1930 – localidade que apa‑
Saint Anthony, Saint John of God, Saint John de Brito and Saint Nuno Álvares Pereira.
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This dating seems to be confirmed by the conjectures of the parish priest of São Salvador da Aramenha, who in 1758 wrote that the most recent parish in the district of Marvão was, at the time, that of São Julião. It had been founded around 1570 as a result of the will of the first bishop of Portalegre, Dom Julião d’Alva (cf. Machado & Liberata, 1993: 56). That of Saint Anthony would thus have been earlier.
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Vítor Serrão wrote a few paragraphs about these paintings, placing them as a set of works characterised as “popular paintings”, although influenced by the Mannerist masters who worked at the Portalegre cathedral and in the region (cf. Serrao, 1989: 127-129). In my opinion, the two paintings representing miracles of the saint show slightly earlier features, however, and must therefore date from just after the founding of the church in the 1560s.
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Bishop between 1560 and 1581. Died Bishop of Plasencia, in Spain, in 1586. In 1758 it was considered “ancient”, and “little more five hands tall”, “the hands raised in the fashion of those with Expectation”, “with a very natural face colour [...] and a very funny symmetry”, adorned with robes (cf. Ventura, 1995, 111). The current sculpture dates from the last decades of the 18th century and is a good example of late Baroque sculpture, very close to the work developed in Lisbon by José de Almeida and his circle.
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The polyptych is made up of five small frames. The central piece, which is the largest, represents a Lady of Mercy.������������������������������������������ ����������������������������������������� The others show, in addition to the Antonian miracle, Saint Jerome and, perhaps, Saint Bernardine of Siena and Saint Louis of Toulouse – all in a prayful and contemplative attitude.
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The legend also part of the mural painting, states that: “In the year of one thou‑ sand seven hundred and thirty this was carried out on Saint Catherine’s day [...].”
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The version collected by the French historian is somewhat different from that published in the Portuguese in the early sixteenth century: “One day in Rimini, on the Adriatic coast, Saint Anthony preached unsuccessfully to the heretics. As his listeners seemed deaf to his words, he took the road to the beach and began to preach to the fish. Hardly had he spoken a few words when countless fish, large and small, came swimming up to him, and lined up in order of size, such that their heads came out of the water. He spoke to them of the kindness which the Creator felt for them, then dismissed them as if it had been a Mass (Ite, missa est), giving them his blessing.” (Reau, 1959: 116).
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Domingos Rodrigues Frontiera refers to this small chapel in the following manner in his recollection of the parish of Sant ‘Iago Marvão: “[...] [There is] another Saint Anthony, which is being rebuilt, and which is administrated by the Col‑ legiais Spirito Sancto of the Vila of Castello de Vide, left to a Cleric of this Vila named Father Manoel Tav[a]res, who spent time Overseas, along with all its property As a pension they constructed this small chapel to Saint Anthony[...]” (Machado & Gorjão, 1993: 80).
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In reality, the sculpture is signed not only by its author, Guilherme Ferreira Thedim, but also by Alberto Barbosa, who painted it. Thedim (Trofa, 19001985) was co-author, with his brother José Ferreira Thedim, of the image of Our Lady of Fátima which is venerated in the “chapel of the apparitions” in the
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rece mencionada junto da sua assinatura na peça castelovidense. O pintor, bracarense, foi também o autor da policromia da Virgem venerada no con‑ celho de Ourém. 34 Entre os painéis de azulejo setecentistas que revestem as paredes da pro‑ fanada igreja do convento de Nossa Senhora da Conceição, das Bernardas, em Portalegre, há por exemplo dois quadros que representam a morte de São Bento e o trânsito de São Bernardo. 35 Para além deste conjunto escultórico da morte de São Francisco, localizá‑ mos ainda outros dois em conventos capuchos: um no convento de São Miguel de Gaieiras, em Óbidos; outro no convento de Vila Viçosa. São todos da mesma época: finais do século XVII, primeira metade do século XVIII. 36 O proprietário do convento tem neste momento o espaço em venda. É necessário que as autoridades, respeitando os seus direitos, assegurem um fim digno para este monumento e a integral preservação do património remanescente.
Cova da Iria sanctuary. His atelier in Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, was open from 1930 – a location that is written next to his signature on the piece from Castelo Vide. The Braga born painter also painted the Virgin venerated in the district of Ourém. ������������������������������������������������������������������������� Among the eighteenth-century tile panels lining the walls of the deconse-
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crated church of the convent of Our Lady of Conception, of Bernardas, in Portalegre, there are for example two paintings representing the death of Saint Benedict and the passage of Saint Bernard.
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Besides this sculptural ensemble on the death of Saint Francis, we have located two others in Capuchin convents: one in the convent of São Miguel de Gaieiras in Obidos, and another in the convent of Vila Viçosa. They are all from the same era: the late seventeenth century and the first half of the eighteenth century.
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The owner of the convent has now put the space up for sale. It is necessary that the authorities, respecting one’s rights, ensure a worthy end to this monument and the full preservation of the remaining patrimony.
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAPHY
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SERRÃO, Vítor (1974)–“Pintura popular – do interesse do seu estudo em His‑ tória de Arte”. Diário de Lisboa, de 27 de Junho (reproduzido em Serrão, 1989: 125–130). SERRÃO, Vítor (1989) – Estudos de Pintura Maneirista e Barroca. Lisboa, Edito‑ rial Caminho. SIMONET, Francisco Javier (ed.) (1871) – Santoral Hispano‑Mozárabe escrito en 961 por Rabi Ben Zaid, Obispo de Iliberis. Madrid, Tipografía de Pascual Conesa. SOTTO MAIOR, Diogo Pereira (1984) – Tratado da Cidade de Portalegre. Intro‑ dução, leitura e notas de Leonel Cardoso Martins, Lisboa, Imprensa Nacional‑Casa da Moeda / Câmara Municipal de Portalegre [original de 1619]. TRINDADE, Diamantino Sanches (1989) – Castelo de Vide – Arquitectura Reli‑ giosa. (2.ª edição), Póvoa de Santo Adrião, Câmara Municipal de Castelo de Vide. VALDEMAR, António & alii (coord.) (2000) – Inventário Artístico de Portugal (Aveiro, Beja, Coimbra, Évora, Leiria, Portalegre, Porto, Santarém). Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes [conjunto de três cd‑roms]. VENTURA, Ruy (1995) – “As Memórias Paroquiais de 1758 do actual Conce‑ lho de Portalegre”. A Cidade – Revista Cultural de Portalegre, n.º 10, nova série: 93–136. VENTURA, Ruy (2012) – “Miles Christi, Alter Christus – São Sebastião numa escultura venerada no Alto Alentejo”. Invenire – Revista de Bens Culturais da Igreja, n.º 5: 38–42.
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SIMONET, Francisco Javier (ed.) (1871) – Santoral Hispano-Mozárabe escrito en 961 por Rabi Ben Zaid, Obispo de Iliberis. Madrid, Tipografía de Pascual Conesa. SOTTO MAIOR, Diogo Pereira (1984) – Tratado da Cidade de Portalegre. Introdução, leitura e notas de Leonel Cardoso Martins, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda / Câmara Municipal de Portalegre [original de 1619]. TRINDADE, Diamantino Sanches (1989) – Castelo de Vide – Arquitectura Religiosa. (2.ª edição), Póvoa de Santo Adrião, Câmara Municipal de Castelo de Vide. VALDEMAR, António & alii (coord.) (2000) – Inventário Artístico de Portugal (Aveiro, Beja, Coimbra, Évora, Leiria, Portalegre, Porto, Santarém). Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes [conjunto de três cd-roms]. VENTURA, Ruy (1995) – “As Memórias Paroquiais de 1758 do actual Concelho de Portalegre.” A Cidade – Revista Cultural de Portalegre, n.º 10, nova série: 93 – 136. VENTURA, Ruy (2012) – “Miles Christi, Alter Christus – São Sebastião numa escultura venerada no Alto Alentejo.” Invenire – Revista de Bens Culturais da Igreja, n.º 5: 38 – 42.
Resumos e palavras‑chave Abstracts and key‑words Resúmenes y palabras clave
Publicações da Fundação Robinson 26, 2013, p. 52‑53, ISSN 1646‑7116
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PORTUGUÊS
ENGLISH
E S PA Ñ O L
Santo António na região de Portalegre
Saint Anthony in the Portalegre region
San Antonio en la región de Portalegre
Desde finais do século XIX que Santo António de
Saint Anthony of Lisbon has been the patron saint
Desde finales del siglo XIX, San Antonio de Lisboa
Lisboa é padroeiro da cidade de Portalegre e da
of the city of Portalegre and its diocese since the
es el patrono de la ciudad de Portalegre y de su dió‑
sua diocese. A consagração pelas autoridades reli‑
end of the 19th century. This consecration by the
cesis. La consagración por parte de las autorida‑
giosas veio culminar uma devoção enraizada na
religious authorities was the culmination of a
des religiosas vino a culminar una devoción arrai‑
região pelo menos desde finais da Idade Média.
devotion which has been rooted in the region since
gada en la región por lo menos desde finales de la
A sua propagação terá sido impulsionada pela
at least the late Middle Ages. Its spread would have
Edad Media. Su propagación se habría estimulado
forte presença no Alto Alentejo de várias comu‑
been driven by the strong presence in the Alto
desde la extendida presencia en el Alto Alentejo de
nidades de Frades Menores (franciscanos) e
Alentejo of various communities of Friars Minor
varias comunidades de Frailes Menores (francisca‑
auxiliada pelas decisões da Contra ‑Reforma
(Franciscans) and aided by the decisions of the Tri‑
nos) y apoyada por las decisiones de la Contrarre‑
tridentina.
dentine Counter-Reformation.
forma tridentina.
Apesar destes dados, constata‑se que a vene‑
Despite the above, the veneration of the Lisbon
A pesar de estos datos, se constata que la vene‑
ração do frade lisboeta é, sobretudo, de índole
Friar was, above all, populist in nature. In agro‑
ración del fraile lisboeta es, sobre todo, de índole
popular. Em comunidades agro‑pastoris ou urba‑
-pastoral or urban communities, Saint Anthony
popular. En comunidades agropastoriles o urba‑
nas, Santo António concentrou em si múltiplas
is the focus of multiple miracle-working abilities,
nas, San Antonio concentró en sí múltiples funcio‑
funções taumatúrgicas, concorrendo com outras
competing with other ancient devotions and even
nes taumatúrgicas, compitiendo con otras devocio‑
devoções antigas e substituindo inclusive algu‑
replacing some of them, particularly those invol‑
nes antiguas e incluso sustituyendo a algunas de
mas delas, nomeadamente Santo Antão.
ving Saint Anthony of the Desert.
éstas, concretamente la de San Antón.
Nos concelhos de Castelo de Vide, Marvão e Por‑
In the municipalities of Castelo de Vide, Portalegre
En las regiones de Castelo de Vide, Marvão y Porta‑
talegre esta manifestação da religiosidade popu‑
and Marvão, this manifestation of popular religio‑
legre esta manifestación de la religiosidad popular,
lar, centrada sobretudo em confrarias leigas, deu
sity, which was focused mainly on lay confraterni‑
centrada principalmente en cofradías seculares, dio
origem a uma miríade de tradições e de obras de
ties, gave rise to a myriad of traditions and works
pie a la creación de una miríada de tradiciones y de
arte, que aqui se apresentam e analisam.
of art, which are presented and analysed here.
obras de arte, que aquí presentamos y analizamos.
PALAVRAS‑CHAVE Santo António de Lisboa Franciscanos Castelo de Vide Marvão Portalegre Património imaterial Iconografia cristã Escultura Pintura Azulejo
KEYWORDS Saint Anthony of Lisbon Franciscans Castelo de Vide Marvão Portalegre Intangible patrimony Christian iconography Sculpture Painting Tiles
PALABRAS CLAVE San Antonio de Lisboa Franciscanos Castelo de Vide Marvão Portalegre Patrimonio inmaterial Iconografía cristiana Escultura Pintura Azulejos
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